MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA
2.ª PROMOTORIA CÍVEL
EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA ___ VARA CÍVEL
DA COMARCA DE BOA VISTA – RR.
O
MINISTÉRIO
PÚBLICO
DO
ESTADO
DE
RORAIMA, por intermédio do Promotor de Justiça que esta subscreve, com
fulcro nos artigos 127, caput, 129, inciso III, ambos da Constituição da
República de 1988 e e art. 17, da Lei Federal nº 8.429/92, comparece à presença
de Vossa Excelência para ajuizar a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
com pedido de Tutela Antecipada
em face da:
AGÊNCIA
RORAIMA S.A. – AFERR,
DE
FOMENTO
DO
ESTADO
DE
Sociedade de Economia Mista, pertencente à
Administração Indireta do Estado de Roraima, com sede na Rua Alferes Paulo
Saldanha, 374 – Centro, Boa Vista/RR;
pelos fundamentos de fato e de direito a seguir expendidos:
1 – DOS FATOS
1
MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA
2.ª PROMOTORIA CÍVEL
Os inclusos autos do Inquérito Civil Público nº 022/2010
evidenciaram que a Agência de Fomento - AFERR alterou o Plano de Cargos e
Salários da empresa, por meio da Resolução 003/2009, aprovado pelo Conselho
Administrativo, afrontando a Lei 457/04, que regula o mencionado Plano de
Cargos e Salários da referida agência.
Conforme
documentos
coligidos
no
procedimento
investigatório, verifica-se que a Agência de Fomento foi criada pela da Lei
180/94, que em seu art. 12, determinou a criação do respectivo plano de cargos e
salários, por meio de Processo Legislativo via Assembleia Legislativa do Estado
de Roraima.
Assim, restou aprovada a Lei 457, de 19/07/2004, dispondo
a respeito do plano de cargos e salários da AFERR.
Ocorre, que o Conselho Administrativo da AFERR, por
meio de uma simples Resolução de número 003/2009, “revogou” e impôs um
novo plano de cargos e salários aos servidores da Agência, fazendo tábula rasa do
texto normativo aprovado pela Assembleia Legislativa.
Com efeito, a aludida Resolução de 003/2009, foi objeto de
análise no Instituto de Modernização Pública, o qual exarou parecer às fls.
229/235 identificando as seguintes irregularidades:
2.3.4
Vários dos cargos estão a exigir comprovação
de experiência prévia por tempo superior a 6 (seis)
meses o que é ilegal a partir da publicação da Lei
11.644 de 10 de março de 2008.
2.3.5
A progressão salarial horizontal constante da
Lei nº 457 de 19 de julho de 2004 resta prejudicada,
não encontramos na nova proposta a substituição
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2.ª PROMOTORIA CÍVEL
adequada para uma nova metodologia de avaliação
do desempenho funcional dos empregados, para
efeito de promoção por merecimento, com base no
desempenho e no atingimento de metas institucionais
e ainda e principalmente com base no desempenho
das metas orçamentárias.”
Em contrapartida ao mencionado no Parecer do Instituto de
Modernização, o Diretor de Administração e Finanças, Sr. Gilberto Maciel dos
Santos, não convencido da inviabilidade da alteração dos cargos e salários da
Agência por meio de Resolução, submeteu novamente o texto da Resolução à
aprovação do Conselho Administrativo tendo este enfatizado em sua
argumentação que:
Reiterando o assunto, o plano ora apresentado, será
temporário, até que esta Agência de Fomento tenha a
capacidade financeira, para contratar uma empresa
conceituada de consultoria (na forma da Lei
8.666/93), com a finalidade de criar e realizar um
plano completo e definitivo. Bem como; contratar
outra empresa, para realizar
concurso público.
(fl.129)
A Resolução foi aprovada por maioria dos Conselheiros,
tendo manifestado voto contrário a Conselheira Ana Lucíola de acordo com a
votação disposta às fls. 133/135.
Ainda, segundo resposta a ofertada pelo Sr. Presidente da
AFERR, por meio do Ofício nº 151/2012, às fls. 104, a Resolução 003/2009,
encontra-se em vigor, isto é, de fato revogou a Lei 457/04, atribuindo novo PCS
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MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA
2.ª PROMOTORIA CÍVEL
a AFERR, bem como consignou que todos os servidores da Agência não foram
submetidos a concurso público.
Chama atenção com isso, que a Agência de fomento
AFERR, criada em 1997, a qual teve seu PCS instituído em 2004 encontra-se a
mais de 10 (dez) anos funcionando com apenas servidores comissionados e
contratados de forma direta em desacordo com todos o texto constitucional que
regula a matéria.
2 – DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO
O Ministério Público Estadual possui legitimidade ativa
para ajuizar ação civil pública com o escopo de proteger o patrimônio público
seja ele estadual e municipal assim como a moralidade administrativa,
assegurando o cumprimento dos princípios e dispositivos constitucionais por
parte dos Poderes Públicos, em qualquer esfera, o que constitui inequívoco
interesse de toda a sociedade.
Com efeito, tal legitimação decorre do art. 129, III, da
Constituição Federal; e do art. 25, IV, “b”, da Lei n° 8.625/931.
Externando posicionamento já sedimentado na doutrina,
Hugo Nigro Mazzilli, in A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo, 15ª ed.,
Saraiva, 2002, p. 167, leciona:
1
“Art. 129. São Funções institucionais do Ministério Público:
III – promover a ação civil e a ação civil pública, para proteção do patrimônio público e social,
do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;”
“Art. 25. Além das funções previstas na Constituição Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em
outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público:
IV – promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei:
b) para a anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público ou à
moralidade administrativa do Estado ou Município, de suas administrações indiretas ou fundacionais ou
de entidades privadas de que participem;”
4
MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA
2.ª PROMOTORIA CÍVEL
“(...) A mens legis consiste em configurar iniciativa ao
Ministério Público, seja para acionar, seja para intervir
na defesa do patrimônio público, sempre que especial
razão exista para tanto, como quando o Estado não
tome a iniciativa de responsabilizar o administrador
por danos por este causados ao patrimônio público, ou
quando motivos de moralidade administrativa exijam
seja nulificado algum ato ou contrato da
Administração que o administrador insista em
preservar, ainda que em grave detrimento do interesse
público.
Como bem ressaltou o Promotor de Justiça Sérgio Seji
Shimura, em parecer lançado nos autos da AC n°
142.032.5/0-00, do Tribunal de Justiça de São Paulo,
‘nem seria plausível que um único indivíduo pudesse
impugnar ato administrativo lesivo ao patrimônio
público, através da ação popular, enquanto essa
legitimação não fosse reconhecida à população, como
um todo, por meio da instituição que a representa
(Ministério Público) e através da ação civil prevista
constitucionalmente.’ Acrescentamos nós que essa
possibilidade ainda fica mais fortalecida quando falhe
a legitimação ordinária para a defesa do patrimônio
público pela própria Administração, ou quando se
mostre o governante preocupado em manter o ato
ilegal que ele próprio praticou.”
Ademais, o Pleno do Supremo Tribunal Federal já
pacificou a questão referente à legitimidade do Ministério Público para a defesa
do patrimônio público e da moralidade administrativa quando do julgamento do
RE 208.790/SP, cujo relator foi eminente Ministro Ilmar Galvão, ementa in
verbis:
“CONSTITUCIONAL. MINISTÉRIO PÚBLICO.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA PROTEÇÃO DO
PATRIMÔNIO PÚBLICO. ART. 129, III, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
Legitimidade extraordinária conferida ao órgão pelo
dispositivo constitucional em referência, hipótese em
que age como substituto processual de toda a
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MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA
2.ª PROMOTORIA CÍVEL
coletividade e, consequentemente, na defesa de
autêntico interesse difuso, habilitação que, de resto,
não impede a iniciativa do próprio ente público na
defesa de seu patrimônio, caso em que o Ministério
Público intervirá como fiscal da lei, pena de nulidade
da ação (art. 17, § 4°, da Lei n° 8.429/92).
Recurso não conhecido.” (RE 208790/SP, rel. Min.
Ilmar Galvão, Pleno, unânime, DJU: 15.12.2000, p.
105)
Ainda, a 1ª Turma da Excelsa Corte voltou a reafirmar o
referido entendimento ao julgar o RE n° 230.232-MA, em 19 de novembro de
2002, consoante noticiado no Informativo do STF n° 291, in verbis:
“Aplicando o entendimento firmado no RE 208.790SP (DJU de 15.12.2000) - no sentido de que o
Ministério Público possui legitimidade para propor
ação civil pública em defesa do patrimônio público
(CF, art. 129, III) -, a Turma manteve acórdão do TRF
da 1ª Região que reconhecera a legitimação
extraordinária do Ministério Público Federal para
propor ação civil pública cujo objeto referia-se à
anulação de contrato celebrado entre o Estado do
Maranhão e estabelecimento privado para a prestação
de serviços do Sistema Único de Saúde - SUS, sem a
observância de prévio procedimento licitatório.” (RE
230.232-MA, rel. Min. Moreira Alves, 1ª Turma,
julgado em 19.11.2002, Inf. 291)
3 – DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS DO PEDIDO
DA CRIAÇÃO DA SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA
Como é cediço, a sociedade de economia mista é
considerada entidade descentralizada da administração pública com o fito de
prestar serviço público ou intervir no domínio econômico, como enfatiza o art.
173 da CF.
6
MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA
2.ª PROMOTORIA CÍVEL
A constituição da sociedade de economia mista se dá por
meio de lei que autoriza a sua criação, na qual se estabelecem as regras gerais
para posterior elaboração do estatuto social. Com isso, a natureza da sociedade de
economia mista é privada, isto é, está submetida as regras do direito civil
empresarial, embora seja autorizada por lei.
Contudo, no tocante ao ingresso dos servidores constata-se
que esses devem também ser submetidos ao concurso público como preceitua o
art. 37, II da CF.
a) DO INGRESSO DOS SERVIDORES NA SOCIEDADE DE ECONOMIA
MISTA – Da Necessidade de Concurso Público
Desta feita, as Sociedades de economia mista obedecem o
disposto no art. 37, II da CF, o qual preceitua a exigência de concurso público
para o ingresso na administração pública, assim, os servidores da AFERR por
estarem vinculados a entidade administrativas devem ingressar nela por meio de
concurso público.
Leciona a doutrina de Diógenes Gasparini in Direito
Administrativo , 16ª edição, Editora Saraiva, fls. 506. a respeito do ingresso dos
servidores nas Sociedades de Economia mista:
Os servidores, na verdade empregados, da sociedade de
economia mista a ela se vinculam, por força do prescrito no
art. 173, §1º, I, da Constituição Federal, por um liame
regido pela Consolidação das Leis do Trabalho. Ingressam
nos quadros da entidade mediante concurso público de
provas ou provas e títulos para titularizar empregos. (…)
Embora regidos pela Consolidação, tais servidores não
podem acumular cargos, empregos ou funções, pois o
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MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA
2.ª PROMOTORIA CÍVEL
inciso XVII do art. 37 da Constituição Federal determina
que a proibição de acumular estende-se a cargos, funções,
ou empregos em autarquias, empresas públicas e sociedades
de economia mista.
No mesmo sentido manifesta-se a jurisprudência,
EXIGÊNCIA
CONSTITUCIONAL
DE
CONCURSO
PÚBLICO. ABRANGÊNCIA. NATUREZA JURÍDICA
DA EMPRESA FURNAS CENTRAIS ELÉTRICAS. O
ingresso na Administração Pública Direta e Indireta só
pode ser feito por concurso público, exceção feita
apenas para os cargos em comissão declarados em lei de
livre nomeação e exoneração, na forma do art. 37, II, da
CR. As sociedades de economia mista, que podem ou
não ser sociedades anônimas, são aquelas que estão sob
controle da União, Estados-membros, Distrito Federal e
Municípios (STF-MS 24.249 e STF-MS 26.117). A
recorrida é uma sociedade de economia mista, portanto,
ligada à Administração Federal Indireta (STF-ECO 396 O),
logo, o ingresso em seus quadros exige o cumprimento do
art. 37, II, da CR. O recorrente foi terceirizado na primeira
recorrente, não se submeteu a concurso público, logo, não
há como acolher sua pretensão de vínculo de emprego, à
luz do art. 37, § 2.º, da CR. Os postulados da segurança
jurídica,
da
estabilidade
social,
a
alegação
de
hipossuficiência e boa-fé do recorrente não se sobrepõem
ao texto constitucional, portanto, não são elementos
jurídicos aptos para afastar a exigência constitucional do
concurso público, único meio democrático de ingresso nos
quadros da administração. Recurso parcialmente conhecido
8
MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA
2.ª PROMOTORIA CÍVEL
e não provido. (00517-2009-103-10-00-8 RO- Juiza
Patricia Germano Pacifico, julgado em 18/12/2009))
Verifica-se, da análise do procedimento investigatório, que
por meio da Resolução 003/2009 foram criadas duas categorias de empregados,
os regulares e os de confiança, sendo que o primeiro será escolhido por meio de
concurso e o segundo por escolha direta. Todavia, conforme a resposta do Diretor
Presidente da AFERR (fls. 104), os servidores da AFERR ingressaram na
instituição sem o devido concurso público.
Nesses termos merece citação o excerto da Resolução
003/2009, que trata da matéria:
Art. 4º – A 1ª (primeira) parte do quadro geral de pessoal
da AFERR será constituída dos “Empregados Regulares”,
cujos ocupantes, serão admitidos exclusivamente, através
do concurso público . Art. 5º – A jornada de trabalho para
os ocupantes dos “Empregos Regulares” será de 30 (trinta)
horas semanais.
Parágrafo único – A princípio, os ocupantes dos
“Empregos Regulares” deverão trabalhar 06 (seis) horas
diárias, das 8h00 min as 14h00min (...)
Art. 11- A 2ª (segunda) parte do quadro geral de pessoal
da AFERR será constituída
dos “empregos de
confiança”, cujos ocupantes serão admitidos sem a
necessidade do Concurso Público, para desempenharem
as suas atividades, de livre admissão e dispensa.
Ocorre que na decisão sobre a aplicabilidade da Resolução
003/2009 deliberou o CONAD - Conselho Administrativo que :
“(…) O Diretor Presidente terá até a implantação de um
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MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA
2.ª PROMOTORIA CÍVEL
Plano de Cargos e salários definitivo e a consequente
realização de concurso público, os poderes, através de um
Ato Presidencial, para admitir, contratar, nomear,
remover, dispensar, designar, remanejar, readequar e
demitir os ocupantes dos “Empregos regulares” e dos
Empregos de confiança” observando o número de vagas
já existentes, a necessidade e a capacidade financeira da
AFERR”. (grifo).
Vê-se, portanto, uma tentativa velada de burlar o concurso
público, pois muito embora conste no Art. 4º da Resolução 003/2009, a
necessidade de realização de certame público, o CONAD de forma deliberativa
determinou o ingresso dos empregados regulares e de confiança sem o concurso
público, isto é, de livre escolha do Diretor Presidente da AFERR.
Assim, a referida Resolução 003/2009 não só ultrapassou
os limites da hierarquia legal, como também deixou de observar a necessidade de
realização de concurso público para os empregados da sociedade de economia
mista, como determina o art. 37 , II da CF.
Ademais, fica evidente que a referida Resolução, aprovada
apenas
pelo
Conselho
Administrativo
da
Sociedade,
não
atende
ao
convencionado no art. 12, da Lei 180/94, em que é exigido o trâmite legislativo,
ou seja, aprovação pela Assembleia Legislativa do Estado de Roraima.
Ressalte-se, por fim, que a Lei 457/2004, que dispõe sobre
o plano de cargos e salários da AFERR, determina em seu art. 2º que :
“Art.2º O Ingresso no Quadro Pessoal Permanente da
AFERR dar-se à mediante concurso público de provas e
ou provas e títulos, observando o tempo de experiência nas
respectivas áreas de conhecimento, sendo regido pela
10
MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA
2.ª PROMOTORIA CÍVEL
consolidação das Leis do Trabalho.” (grifo)
b) CONFLITO APARENTE DE NORMAS: Resolução 003/2009 x Lei
457/2004
Salta ainda aos olhos, o fato de já existir a Lei 457/52004
que estrutura os plano de cargos e salários dos servidores da AFERR, logo a sua
substituição por mera Resolução já seria uma afronta aos padrões legislativos.
Nesse sentido, vale relembrar que o direito brasileiro aderiu
a trilogia para solução de conflito aparente de normas, isto é, diante de duas
normas sobre o mesmo fato jurídico prevalecerá aquela que se adequar aos
critérios da hierarquia, cronologia ou especialidade.
In casu, percebe-se que a Lei 457/2004 teve seu objeto
jurídico (plano de cargos e salários da AFERR) esvaziado pela Resolução
003/2009, porquanto a sua aparente revogação se deu por instrumento legislativo
inferior, uma vez que o processo legislativo pelo qual fora submetida a Lei é
superior ao texto da Resolução.
Com efeito, vislumbra-se que a Resolução enquanto
instrumento legislativo, tem como abrangência as matérias interna corporis
como se assimila do disposto nos art. 58 e 62 da CF.
Nesse sentido, preceitua a doutrina de Uadi Lammêgo
Bulos2 a respeito da hierarquia das leis que:
“Em estado de latência constitucional, sem estarem
lançadas no mundo jurídico, não há hierarquia entre as
modalidades normativas do art. 59, pois o que existe,
2.BULOS, Uadi .Curso de Direito Constitucional. Editora Saraiva, São Paulo, 2012.
11
MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA
2.ª PROMOTORIA CÍVEL
nesse particular, é a previsão abstrata delas. Porém, se
saírem do papel, concretizando-se na ordem
jurídica, evidente que existe hierarquia, porque o
constituinte elege quais temas que devem ser
regulados por uma ou outra espécie. Assuntos
complexos, pois, são regulados por tipos jurídicos
primários de procedimento legislativo difícil .(grifo)
(...)
Dentro dessa unidade, que convive com a
diversidade, há um elemento de calibragem, que
evita conflitos ou contradições internas. Esse
elementos é severa diferenciação de atribuições.
Por isso, cada uma as espécies normativas do art.
59 atua em campos próprios de competência,
possuindo quorum diferentes de aprovação e
procedimentos legislativos diferenciados.” (grifo)
Na mesma esteira, ainda, leciona o referido doutrinador
que:
“A lei ordinária é ato legislativo primário, comum,
geral,
abstrato
escrito,
que
caracteriza,
fundamentalmente, o estado democrático de direito,
porque ninguém será obrigado a fazer ou deixar de
fazer algo sem a sua determinação ( art. 5º , II).
O método para se descobrir se uma lei é ordinária é o
da exclusão: toda lei que não trouxer o título de
complementar será ordinária.”
E ressalta , ainda o professor Uadi no tocante a natureza da
Resolução, in verbis:
“As
resoluções
12
constituem
atos
normativos
MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA
2.ª PROMOTORIA CÍVEL
primários , desempenhando efeitos intrínsecos e
extrínsecos .
Os efeitos intrínsecos constituem a regra , pois
derivam das disposições previstas nos regimentos
internos das respectivas Casas legislativas . Não
precisa dizer que os regimentos citados são aprovados
através da própria resolução.
Já
os
efeito
extrínsecos
das
resoluções
são
excepcionais, porque só se verificam quando a
Constituição assim determina. É o caso delegação
legislativa, veiculada por resoluções, além de
matérias financeiras e tributárias.”
Assim, a Resolução 003/2009 não possui o condão de
substituir Lei Ordinária 457/2004; a uma, pela hierarquia que as diferencia e; a
duas, pelo disposto na Lei 180/94, que determina a elaboração do PCS por meio
de lei ordinária aprovada pela Assembleia Legislativa do Estado de Roraima,
como ocorreu com a lei 457/94.
DA CONCESSÃO DA TUTELA ANTECIPADA
Preliminarmente, merece ser destacada a admissibilidade do
instituto da tutela antecipada no âmbito da ação civil pública, uma vez que esta
tramita pelo procedimento comum, sobretudo o ordinário, sendo-lhe aplicável,
subsidiariamente, o Código de Processo Civil, conforme preconiza o art. 19 da
Lei n° 7.347/85.
Além disso, impende registrar que a vedação de tutela
antecipada contra a Fazenda Pública no ordenamento jurídico pátrio abrange
somente as hipóteses previstas taxativamente no art. 1° da Lei n° 9.494/97, quais
sejam, a concessão de vantagem pecuniária, vencimento, reclassificação,
13
MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA
2.ª PROMOTORIA CÍVEL
equiparação, aumento ou, ainda, extensão de vencimentos aos servidores
públicos, sendo possível a concessão da antecipação dos efeitos da tutela em
qualquer outro caso.
Seguem essa orientação a jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, consoante se denota dos
seguintes precedentes:
“RECLAMAÇÃO.
ANTECIPAÇÃO
DE
TUTELA.
SUSPENSÃO DE LANÇAMENTO DE DÉBITO
TRIBUTÁRIO. POSSIBILIDADE. 1. A VEDAÇÃO
ADMITIDA
NO
JULGAMENTO
DA
AÇÃO
DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE 4-DF
NÃO É IRRESTRITA, REFERINDO-SE APENAS A
CONCESSÕES DE VANTAGENS PECUNIÁRIAS,
RECLASSIFICAÇÃO, EQUIPARAÇÃO, AUMENTO OU
EXTENSÃO DE VENCIMENTOS AOS SERVIDORES
PÚBLICOS. 2. CASO EM QUE SE DEFERIU PEDIDO
DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA
PARA
SUSTAR
LANÇAMENTO
DE
DÉBITO
TRIBUTÁRIO NA DÍVIDA ATIVA DO ESTADO.
INAPLICABILIDADE DO ÓBICE DE QUE TRATA O
ARTIGO 1º DA LEI 9.494/97. AUSÊNCIA DE AFRONTA
AOS
EFEITOS
VINCULANTES
DA DECISÃO
PROFERIDA PELO TRIBUNAL NA ADC 4-DF.
RECLAMAÇÃO IMPROCEDENTE.” (RCL 902/SE, REL.
MIN. MAURÍCIO CORRÊA, PLENO, UNÂNIME, J.
25.4.2002, DJU: 02.08.2002, P. 60) NO MESMO
SENTIDO, CF.: RCL 1603/SE, REL. MIN.
GILMAR MENDES, PLENO, UNÂNIME, J. 21.11.2002,
DJU: 19.12.2002, P. 72.
“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. CURSO DE
FORMAÇÃO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. CONCESSÃO
DA TUTELA ANTECIPADA CONTRA A FAZENDA
PÚBLICA. POSSIBILIDADE.
I - A antecipação de tutela em desfavor da Fazenda
Pública pode ser concedida, quando a situação não está
inserida nas impeditivas hipóteses da Lei 9.494/97.
Precedentes.
II - In casu, a decisão de antecipação da tutela em face da
Fazenda Pública, excepcionalmente, não se sujeita ao
reexame necessário (art. 475, caput, do CPC), mesmo
porque o pretendido direito do autor pereceria ao tempo
14
MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA
2.ª PROMOTORIA CÍVEL
da sentença confirmatória do duplo grau de jurisdição,
tornando-a inócua. Recurso provido.” (REsp. 437518/RJ,
rel. Min. Félix Fischer, 5ª
Turma, unânime, j. 24.06.2003, DJU: 12.08.2003, p. 251).
Outrossim, cumpre salientar, que a tutela antecipada pode
ser deferida para antecipar provisoriamente qualquer tipo de provimento judicial
definitivo que se postule em juízo, tenha ele cunho declaratório, condenatório,
constitutivo ou mandamental, desde que atendido os requisitos do art. 273 ou
461, § 3°, do CPC5.
Feitos esses esclarecimentos, não resta dúvida de que a
tutela antecipada deve ser concedida no caso vertente, ante a presença de seus
requisitos necessários e suficientes. Senão, vejamos.
A prova inequívoca e a verossimilhança das alegações
(fumus boni juris) encontra-se consubstanciada na documentação acostada à
inicial, na qual insculpe-se que os servidores da AFEER ingressaram da referida
agência por nomeação direta sem o devido concurso público desde a sua criação
pela Lei 180/97.
Ademais, encontram-se atualmente vinculados a AFEER
por força da Resolução 003/2009 que substituiu irregularmente a Lei Ordinária
457/2004, instrumento normatizador do Plano de Cargos e Salários da referida
Agência de Fomento, Resolução esta que não encontra amparo legal para
estabelecer o PCS como acima demonstrado.
De outro lado, o fundado receio de dano irreparável ou de
difícil reparação (periculum in mora) é evidente face os prejuízos causados à
Administração Pública e à sociedade como um todo, pelo funcionamento da
máquina administrativa por servidores contratados de forma direta em total
desrespeito ao disposto no art. 37, II da CF.
15
MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA
2.ª PROMOTORIA CÍVEL
É que, caso a tutela antecipada não seja concedida, o
provimento final será ineficaz em relação aos enormes danos patrimoniais e
extrapatrimoniais causados pela manutenção do status quo de ilegalidade até o
final do processo.
Aliás,
tal
realidade
não
passou
despercebida
pelo
ensinamento de Hely Lopes Meirelles, o qual afirmou que “pelo concurso
afastam-se, pois, os ineptos e os apaniguados, que costumam abarrotar as
repartições, num espetáculo degradante de protecionismo e falta de escrúpulos de
políticos que se alçam e se mantém no poder leiloando empregos públicos”
(Direito Administrativo Brasileiro, Malheiros, 22ª ed., 1997, p. 380).
Ao longo da argumentação desenvolvida, restou patente a
presença do fumus boni iuris. A violação, das normas constitucionais tais quais
os arts. art. 37, II da CF. A relevância dos fundamentos jurídicos, portanto,
autoriza a concessão da medida liminar, in casu, a fim de assegurar a proteção
aos princípios da moralidade, legalidade e eficiência, sobretudo, à própria higidez
da Constituição.
De outro lado, o fundado receio de dano irreparável ou de
difícil reparação (periculum in mora) é evidente. Não há como negar que a
manutenção desses servidores no serviço público que ingressaram ao arrepio da
norma constitucional, bem como se mantem por meio de vínculo flagrantemente
ilegal, qual seja , a Resolução 0003/2009.
PEDIDO
Em face de todo o exposto, o Ministério Público do Estado
de Roraima requer:
1) a concessão da tutela antecipada inaudita altera pars, ou
após ouvido o requerido no prazo de 72 horas, para que sejam determinadas:
16
MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA
2.ª PROMOTORIA CÍVEL
a) a imediata suspensão de novas contratações de servidores
da AFERR respaldadas na Resolução nº 003/2009, em face de sua patente
inconstitucionalidade, sob pena de pagamento de multa de R$10.000,00 (dez mil
reais), por contratação, a ser pago pelo responsável pela contratação;
b) o afastamento de todos os servidores da AFERR
contratados com fundamento na Resolução nº 003/2009, no prazo de 06 (seis)
meses, com a consequente realização de concurso público para a contratação dos
servidores efetivos, conforme Plano de Cargos e Salários previsto na Lei 457/04,
sob pena de pagamento de multa de R$5.000,00 (cinco mil reais)/mês, por
servidor mantido sob o regime da Resolução 003/2009 após o prazo do
cumprimento da medida, a ser pago pelo responsável pela omissão, bem como,
havendo recalcitrância no cumprimento, a nomeação de interventor judicial para
satisfazer a decisão exarada;
02) a citação da Agência de Fomento do Estado S.A. –
AFERR, para contestar a ação no prazo legal, sob pena de revelia e confissão
ficta quanto a matéria de fato;
03) a condenação da Agência de Fomento do Estado S.A. –
AFERR, para:
a) confirmada a antecipação de tutela, seja decretada o
afastamento definitivo de todos os servidores da AFERR contratados com
fundamento na Resolução nº 003/2009, e a realizado concurso público para a
contratação dos servidores efetivos, nos termos do Plano de Cargos e Salários
previsto na Lei 457/04;
b) a declaração da nulidade da Resolução 003/2009, em
face de sua patente inconstitucionalidade, conforme retro expendido;
c) a condenação do demandado ao pagamento dos ônus de
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MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA
2.ª PROMOTORIA CÍVEL
sucumbência;
04) A produção e prova testemunhal, documental, pericial,
bem como outras admitidas em direito;
As multas acima referidas serão direcionadas ao fundo
criado pelo art. 13, da Lei 7437/85.
Para fins do art. 258 do CPC, dá-se à causa o valor de
R$678,000 (seiscentos e setenta e oito reais).
Boa Vista, 08 de fevereiro de 2013.
ISAIAS MONTANARI JUNIOR
PROMOTOR DE JUSTIÇA
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