UNIJUÍ UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL CURSO DE MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO, GESTÃO E CIDADANIA TELMO DA SILVA VASCONCELOS O ACESSO AOS CARGOS, EMPREGOS E FUNÇÕES PÚBLICAS E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NA GESTÃO PÚBLICA BRASILEIRA Ijuí (RS) 2006 UNIJUÍ UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL TELMO DA SILVA VASCONCELOS O ACESSO AOS CARGOS, EMPREGOS E FUNÇÕES PÚBLICAS E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NA GESTÃO PÚBLICA BRASILEIRA 2006 TELMO DA SILVA VASCONCELOS O ACESSO AOS CARGOS, EMPREGOS E FUNÇÕES PÚBLICAS E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NA GESTÃO PÚBLICA BRASILEIRA Dissertação apresentada ao Curso de PósGraduação Stricto-Sensu em Desenvolvimento, Gestão e Cidadania Mestrado, Área de Concentração: Direito, Cidadania e Desenvolvimento, da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul UNIJUÍ, para obtenção do Grau de Mestre em Desenvolvimento, Gestão e Cidadania. Orientadora: Doutora Raquel Fabiana Sparemberger Ijuí (RS) A Banca Examinadora abaixo-assinada aprova a Dissertação: O ACESSO AOS CARGOS, EMPREGOS E FUNÇÕES PÚBLICAS E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NA GESTÃO PÚBLICA BRASILEIRA elaborada por TELMO DA SILVA VASCONCELOS como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre em Desenvolvimento, Gestão e Cidadania, Área de Concentração: Direito, Cidadania e Desenvolvimento. Ijuí (RS), .... de.......... de 2006. _________________________________ Dra Raquel Fabiana Sparemberger Orientadora _________________________________ Dr. Examinador _________________________________ Dra Examinadora AGRADECIMENTOS Aos meus pais, pelo passado e presente. À Carolina, pelo futuro. À Marlizi, pela presença. À Professora e orientadora Raquel Sparenberger, coragem e confiança absolutas. Ao povo da nossa terra, que nos permite as luzes enquanto vive na escuridão. E eu, na solidão do meu rancho, só aprendi a fazer garranchos, pra votar nesse Senhor [...] (CONSELHOS, de Marco Aurélio Vasconcelos Kenelmo A. Alves) e RESUMO Este trabalho analisa a questão da forma de acesso aos cargos, empregos e funções públicas no Brasil. Busca a análise histórica do regramento constitucional do tema em conjunto com a análise da conjuntura da época de cada texto constitucional. Também busca a análise do atual regramento constitucional e das espécies de acesso, tais como os concursos públicos, cargos em comissão, contratos por prazo determinado e ainda as formas de terceirização dos serviços públicos, sempre com vistas ao processo de privatização dos espaços públicos, que resultam em uma prestação de serviços públicos de baixa qualidade e eficácia. Ainda busca analisar a evolução conceitual e objetiva das formas de administração pública que foram implementadas no País, notadamente a administração patrimonial, com especial relevo ao fenômeno do coronelismo; a administração burocrática, na matriz weberiana, e a administração gerencial, culminando em uma tentativa de se obter um caminho próprio a ser construído para a efetivação de uma administração que possa enfrentar os dilemas de sua ineficiência frente aos candentes reclames de uma sociedade cada vez mais desigual. Palavras-chave: Cargos públicos. Constituição. Administração pública. Patrimonialismo. Coronelismo. Burocracia. Administração Gerencial. RESUMEN Este trabajo analiza la forma de acceso a los cargos, empleos y funciones públicas en Brasil. Busca analizar históricamente el reglamento constitucional del tema en conjunto con el análisis de la coyuntura de la época de cada texto constitucional. También busca analizar el actual reglamento constitucional y las especies de acceso, tales como los concursos públicos, cargos en comisión, contratos a plazo y, además, las formas de tercerización de los servicios públicos, siempre con vista al proceso de privatización de los espacios públicos, que resultan en una prestación de servicios públicos de baja calidad y eficacia. También busca analizar la evolución conceptual y objetiva de las formas de administración pública que fueron implementadas en el País, notadamente la administración patrimonial, con especial atención al fenómeno del coronelismo ; la administración burocrática, en la matriz weberiana, y la administración gerencial, culminando en una tentativa de obtener un camino propio a ser construido para la puesta en práctica de una administración que pueda enfrentar los dilemas de su ineficiencia frente a los candentes reclamos de una sociedad cada vez más desigual. Palabras llave: Cargos públicos. Constitución. Administración pública. Patrimonialismo. Coronelismo . Burocracia. Administración Gerencial. SUMÁRIO INTRODUÇÃO...............................................................................................................009 1 A OCUPAÇÃO DE CARGOS, EMPREGOS E FUNÇÕES PÚBLICAS NO BRASIL 1.1 Apanhado Histórico...............................................................................................012 1.2 As Constituições Republicanas.............................................................................021 2 A ATUAL DIMENSÃO LEGAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA 2.1 O Princípio Constitucional da Acessibilidade aos Cargos Públicos e as Hipóteses Constitucionais de Admissão.......................................................036 2.2 O Princípio Constitucional da Legalidade e as Formas Originárias e Derivadas de Admissão.......................................................................................043 2.3 O Princípio Constitucional da Impessoalidade e a Privatização dos Espaços Públicos....................................................................................................052 2.4 O Princípio Constitucional da Moralidade e o Nepotismo................................063 2.5 As Terceirizações e a Precariedade das Relações Públicas de Trabalho..........071 3 A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA A CAMINHO DA CIDADANIA 3.1 Introdução..............................................................................................................080 3.2 O Patrimonialismo.................................................................................................081 3.2.1 O Coronelismo..............................................................................................084 3.3 Administração Burocrática..................................................................................089 3.4 Administração Gerencial......................................................................................094 CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................................098 REFERÊNCIAS..............................................................................................................102 INTRODUÇÃO A história do Estado brasileiro é a história da apropriação privada do público. Desde sempre, na sua evolução, o Estado brasileiro esteve e está nas mãos de grupos de pressão e de poder que se locupletam dessa promiscuidade que mantém com o Estado, ocupando os seus espaços de atuação para satisfação de seus mais mesquinhos interesses privados. Um dos exemplos mais gritantes dessa realidade é a forma como se deu, historicamente, a ocupação dos cargos, empregos e funções públicas. Nos primórdios do descobrimento, nos rudimentos da formação do Estado, com a instituição de algumas estruturas básicas, inicia-se a correlação entre o público e o privado no Brasil. Já na formação do Estado, a coroa portuguesa não dispunha, considerando-se o caráter meramente mercantilista de sua empreitada, de recursos financeiros e humanos para fazer frente à imensa tarefa de adentrar o continente e ocupá-lo, lançando sobre os moradores o poder do aparato arrecadatório e repressor do Estado. Tal tarefa somente pôde ser levada a efeito pela mão do empreendedor privado, a quem foram transferidas as mais comezinhas funções públicas para que, em nome do Estado, agisse e nele se locupletasse, instituindo sistemas de poder e manutenção. 10 Assim até a proclamação da República, com um Estado e uma administração patrimonialistas, cujo poder público, por transferência, é exercido pelos potentados rurais, configurando um fenômeno característico da sociedade brasileira: o coronelismo. O coronel assumia e, por delegação, distribuía os cargos públicos no interior do país, formando um grupo de dependentes de seu poder e influência, que lhe devotavam reverência e, principalmente, votos. A primeira tentativa de controle do patrimonialismo ocorre com a instituição de uma administração pública burocrática, de inspiração weberiana, em meados do século XX, que, em vários de seus aspectos, permanece até hoje. A administração burocrática é forjada em um amplo sistema de controle e na alocação da técnica nas funções públicas em substituição à pura política. Assim, a administração burocrática transformou-se em um imenso ser a ocupar o interior do Estado e, sem muito tardar, também ela tratou de instituir seus sistemas próprios de poder e manutenção, através da apropriação dos segredos e da exclusividade do exercício das técnicas. Efetivamente a administração burocrática teve vários aspectos importantes para o fortalecimento das instituições republicanas, e ainda os tem, mas o mundo mudaria com um segundo conflito mundial do qual surgiria uma conjunção de idéias de uma maior efetividade das ações estatais no sentido de prover o cidadão dos denominados direitos sociais. Surge então a diretriz gerencial da administração pública. Como o Estado brasileiro encontrava-se, e ainda encontra-se, inchado e muito burocratizado, e a agilidade dos tempos modernos estava a exigir mudanças na forma de ação 11 para o atingimento dos reclames públicos; para tanto, houve a importação do paradigma gerencial formado na administração privada, focado nos resultados, na transferência e divisão de atribuições e na busca incessante da qualidade dos serviços prestados, com uma redistribuição de competências e maior maleabilidade, especialmente nas formas de recrutamento dos servidores públicos. Não havendo uma definição cristalina de qual o modelo de administração pública que melhor se adaptaria ao Estado brasileiro e que lhe possibilitaria prestar seus serviços com padrões mínimos de qualidade, velocidade e custos, essa questão ainda está para ser construída em nossa administração e, para tanto, também se faz necessário o conhecimento de todas essas etapas anteriores, suas características fundamentais e seus institutos principais. Para tanto, o primeiro capítulo faz uma retrospectiva do tratamento constitucional da matéria de admissão de servidores, abordando os principais aspectos de cada texto constitucional. O segundo capítulo enfrenta a atual dimensão legal da administração, considerando, principalmente, a devida observância dos princípios constitucionais regedores, postos pela Constituição Federal de 1988 e vinculativos para todos os atos da administração pública. Em seu terceiro capítulo, o trabalho visa compreender a evolução das formas de administração pública que tivemos, desde a Colônia até o presente, abrangendo a administração patrimonialista, a burocrática e a gerencial, com suas principais características, buscando, ainda, vislumbrar uma forma de administração pública adequada às nossas peculiaridades. Esse o mote do trabalho que desenvolvido, com análise histórica, com estudo da atualidade do tratamento constitucional do tema e com uma perspectiva de futuro. 12 1 A OCUPAÇÃO DE CARGOS, EMPREGOS E FUNÇÕES PÚBLICAS NO BRASIL 1.1 Apanhado Histórico A análise do histórico brasileiro na ocupação dos cargos, empregos e funções públicas deve ser realizada levando-se em conta as circunstâncias históricas da evolução de nossa sociedade, desde a ocupação inicial do território por parte dos descobridores até os nossos dias com sua conformação institucional e constitucional plenamente estabelecida. Para tanto, deve-se iniciar com uma análise retrospectiva da evolução do tema desde o descobrimento até a outorga da Constituição Monárquica. Efetivamente a ocupação do território brasileiro iniciou com a instituição do sistema de capitanias hereditárias ainda no período colonial e, para que melhor se possa compreender tal sistema, há que se ter compreensão do sentido, das circunstâncias inaugurais da colonização do Brasil. 13 As aventuras ultramarinas dos europeus resultaram no descobrimento de um território continental, de enorme tamanho e povoado por nativos considerados, pelos padrões culturais europeus, pouco evoluídos. As circunstâncias que detonam esse processo são basicamente econômicas, como se pode apurar consultando uma das obras fundantes da consciência nacional: Formação do Brasil Contemporâneo: Colônia, de Caio Prado Júnior, a saber: Tudo que se passa são incidentes da imensa empresa comercial a qual se dedicam os países da Europa a partir do séc. XV, e que lhes alargará o horizonte pelo Oceano afora. Na tem outro caráter a exploração da costa africana e o descobrimento e colonização das Ilhas pelos portugueses, o roteiro das Índias, o descobrimento da América, a exploração e ocupação de seus vários setores. É este último o capítulo que mais nos interessa aqui; mas não será, em sua essência, diferente dos outros. É sempre como traficantes que os vários povos da Europa abordarão cada uma daquelas empresas que lhes proporcionarão sua iniciativa, seus esforços, o acaso e as circunstâncias do momento em que se achavam. (1999, p. 22-23) Com o caráter unicamente extrativista de sua empresa, o colonizador português não tinha qualquer intenção ou possibilidade de se estabelecer com ânimo de permanência, como foi o caso da colonização americana do norte. Centrando seus esforços na extração de metais preciosos e exploração de madeira, especialmente da espécie Pau-Brasil, não dispunha de população suficiente e disposta a se estabelecer no mundo novo. Essa a conclusão da análise histórica levada a efeito por Raimundo Faoro em sua monumental obra Os Donos do Poder: Na América a situação se apresenta de forma inteiramente diversa: um território primitivo habitado por rala população indígena incapaz de fornecer qualquer coisa de realmente aproveitável. Para os fins meramente mercantis que se tinham em vista, a ocupação não se podia fazer como nas simples feitorias, com um reduzido pessoal incumbido apenas do negócio, sua administração e defesa armada; era preciso ampliar estas bases, criar um 14 povoamento capaz de abastecer e manter as feitorias que se fundassem e organizar a produção dos gêneros que interessassem o seu comércio. A idéia de povoar surge daí, e só daí. [...] No seu conjunto, e vista no plano mundial e internacional, a colonização dos trópicos toma o aspecto de uma vasta empresa comercial, mais complexa que a antiga feitoria, mas sempre com o mesmo caráter que ela, destinada a explorar os recursos naturais de um território virgem em proveito do comércio europeu. É este o verdadeiro sentido da colonização tropical, de que o Brasil é uma das resultantes; e ele explicará os elementos fundamentais, tanto no econômico como no social, da formação e evolução históricas dos trópicos americanos. (2001, p. 135136) Sendo o sentido inicial da colonização a atividade mercantil-extrativista, intentou o colonizador, ao perceber o quanto seria difícil assentar população que desse sustento aos seus intentos, considerando a inapetência dos indígenas nativos para o trabalho proposto, uma divisão e distribuição do território descoberto para os portugueses que optassem por se estabelecer definitivamente na colônia, baseando o labor na mão-de-obra africana escravizada. Havia grande reticência da já pequena população portuguesa da época em migrar para ser instrumento de trabalho ordinário e fastidioso, acedendo somente na hipótese de fazer-se senhor de terras e patrão. Essa a observação de Caio Prado Júnior em outra obra: História Econômica do Brasil: Nas demais colônias tropicais, inclusive no Brasil, não se chegou nem a ensaiar o trabalhador branco. Isto porque nem na Espanha, nem em Portugal, a quem pertencia a maioria delas, havia, como na Inglaterra, braços disponíveis e dispostos a emigrar a qualquer preço. Em Portugal, a população era tão insuficiente que a maior parte de seu território se achava ainda, em meados do séc. XVI, inculto e abandonado; faltavam braços por toda a parte, e empregava-se em escala crescente mão-de-obra escrava [...]. Se vamos à essência da nossa formação, veremos que na realidade nos constituímos para fornecer açúcar, tabaco, alguns outros gêneros; mais tarde, ouro e diamantes, depois algodão, e em seguida café, para o comércio europeu. Nada mais que isto. É com tal objetivo, objetivo exterior, voltado para fora do país e sem atenção a considerações que não fossem o interesse daquele comércio, que organizarão a sociedade e a economia brasileiras. Tudo se disporá naquele sentido: a estrutura social, bem como as atividades do país. Virá o branco europeu para especular, realizar um negócio; inverterá os cabedais e recrutará mão-de-obra de que precisa: indígenas ou 15 negros importados. Com tais elementos, articulados numa organização puramente produtora, mercantil, constituir-se-á a colônia brasileira. (1985, p. 21-23) Portanto, é nesse contexto que foi estabelecido o sistema de distribuição de terras para os colonizadores portugueses, denominado de capitanias ou capitanias hereditárias, ou seja, com a clara intenção de ocupar o território e fixar o elemento humano e ainda desbravar o continente. O território foi dividido em doze capitanias, irregulares, todas firmadas no sentido longitudinal à linha do Equador e, portanto, com frente para oceano1. Apenas algumas capitanias prosperaram, entretanto colaboraram para a criação dos primeiros núcleos de povoamento, que vão repercutir fundamentalmente na ocupação do território. Tal idéia é demonstrada por José Afonso da Silva: A colonização do Brasil começou efetivamente pela organização das capitanias hereditárias, sistema que consistiu na divisão do território colonial em doze porções irregulares, todas confrontando com o oceano, e sua doação a particulares (escolhidos entre a melhor gente), que estivessem decididos a morar no Brasil e fossem suficientemente ricos para colonizá-lo e defendê-lo. Das doze capitanias, poucas prosperaram, mas serviram para criar núcleos de povoamento dispersos e quase sem contato uns com os outros, contribuindo para a formação de centros de interesses econômicos e sociais diferenciados nas várias regiões do território da colônia, o que veio a repercutir na estruturação do futuro Estado Brasileiro. (2006, p. 69) Os donatários, titulares de uma concessão de capitania, tinham poder absoluto dentro de seus domínios, eram um reflexo da autoridade do Rei, exerciam jurisdição e nomeavam servidores públicos. 1 A primeira capitania hereditária foi a de Pernambuco, concedida a Duarte Coelho através de carta de doação expedida por D. João III, em 10 de março de 1.534. 16 Segundo César Trípoli (1936) as terras do Brasil, assim partilhadas e dadas pelo rei de Portugal a fidalgos portugueses chamaram-se capitanias em virtude de serem atribuídas aos donatários a denominação e funções de capitão, significando chefe superior. A expressão capitania era, portanto, sinônimo de chefia, superintendência, governança. O adjetivo qualificativo hereditárias servia para indicar um dos principais caracteres jurídicos da doação, pois somente poderia ser transmitida nos moldes da sucessão. As capitanias hereditárias também foram denominadas de donatarias para indicar que se tratava de terras em que vinha a ser exercida a jurisdição exclusiva dos donatários. Esse sistema de povoação apresentou os primeiros registros de nomeação para o exercício de funções públicas, ao livre arbítrio do capitão. Em 1549 foi instituído o sistema de Governo Geral, introduzido um sistema unitário em contraposição ao sistema das capitanias, aos diversos governos autônomos sucedeu um sistema de governo centralizador, em coexistência com as capitanias. Tomé de Souza foi o primeiro governador nomeado, com poderes estabelecidos em documento denominado Regimento do Governador Geral. Francisco José Oliveira Vianna esclarece o teor do documento: Os regimentos dos governadores-gerais têm, de fato, a maior importância para a história administrativa do país: antecipavam-se às cartas políticas, pelo menos na delimitação das funções e no respeito exigido das leis, forais e privilégios, atenuando o arbítrio, fixando a ordem jurídica. [...] em torno desse órgão central organizavam-se outros órgãos elementares e essenciais à administração: o ouvidor-mor , encarregado geral dos negócios da justiça; o procurador da fazenda , encarregado das questões e interesses do fisco real; o capitão-mor da costa , com a função da defesa do vasto litoral, infestado de flibusteiros.(1956, p.199) 17 A esse poder também foram sendo acrescidas paulatinamente as capitanias, que, perdendo o seu caráter feudal, pela mitigação de seus poderes onipotentes, também perderam seu caráter de unidades autônomas e tornando-se regiões ou províncias, sujeitas diretamente ao governador geral. Observe-se que todas as capitanias ficaram em tal situação, tanto as que já haviam perdido seu caráter hereditário quanto as que tinham revertido, por abandono ou renúncia, à coroa. Faoro, delimitou essa quadra fundamental na germinação das estruturas do Estado brasileiro: Os quinze anos das donatarias, tempo muito curto para definir uma tendência ou para definir um rumo, sofrem drástico corretivo. O governo geral, instituído em 1548, instalado na Bahia, no ano seguinte, não extinguiu as capitanias. De imediato, as atribuições públicas dos capitães se incorporaram no sistema do governo-geral, fiscalizados por um poder mais alto, em assuntos militares, da fazenda e da justiça. A instituição, no seu lado particular, prolongou-se até o século XVIII, quando a última capitania reverteu ao patrimônio real, reversão tardia, em homenagem á outorga vitalícia e hereditária. (2001, p. 166-167) Nesse período surgiram os primeiros municípios brasileiros. O município, como as capitanias e o governo geral, obedecia, no molde de outorga de poder público, ao quadro da monarquia central do século XVI, gerida pelo estamento cada vez mais burocrático . (FAORO, 2001, p. 171-172) O Senado da Câmara ou Câmara Municipal era o órgão do poder local, composto de oficiais , eleitos entre os denominados homens bons da terra , ou seja, os representantes eram os grandes proprietários rurais ou seus indicados. A fase monárquica inicia-se com a chegada de D. João VI ao Brasil em 1808. 18 Conforme Silva (2006, p. 73 e ss), instalou-se a família real no Rio de Janeiro, para onde foi alocado toda a estrutura estatal, tal como a polícia, a justiça, os órgãos administrativos, especialmente o Conselho de Estado, a Intendência Geral de Polícia, o Conselho da Fazenda, a Mesa da Consciência e Ordens, o Conselho Militar, o Desembargo do Paço, a Casa da Suplicação, a Academia de Marinha, a Junta Geral do Comércio, o Juízo dos Falidos e Conservador dos Privilégios, o Banco do Brasil, a Casa da Moeda, a Impressão Régia, etc., sendo que a atuação desses órgãos esteve fixada e circunscrita ao Rio de Janeiro, poucos efeitos alcançando no restante do País, onde a tradição da apropriação privada do poder público pelos mais aquinhoados permaneceu e se estende até os dias presentes. Com a proclamação da Independência, essa nova estrutura estatal pública e política deveria ser fundada em um instrumento regulador do exercício do poder e que assegurasse a unidade nacional, com um poder centralizador e uma organização nacional que fizessem frente aos diversos poderes locais e regionais espalhados pelo interior do País. A disseminação do constitucionalismo forjou a teoria da necessidade de um texto político, uma carta fundamental que declarasse os direitos do homem e estabelecesse mecanismos de separação dos poderes, em consonância com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, a qual estabelece, em seu artigo 16, que não tem constituição a sociedade onde não é assegurada a garantia dos direitos nem determinada a separação dos poderes. O texto que nos foi ofertado foi a Constituição Política do Império do Brasil, de 25 de março de 1824, que, em eu artigo 1º, declara que O império do Brasil é a associação política de todos os cidadãos brasileiros , em seu artigo 2º que O seu território é dividido em províncias [...] e em seu artigo 4º que A dinastia imperante é a do Senhor D. Pedro I, atual Imperador e Defensor Perpétuo do Brasil . 19 A Constituição previu em seu artigo 4º a separação dos poderes em quatro: poder legislativo, poder moderador poder executivo e poder judicial. O aspecto mais característico desse texto foi a instituição do poder moderador, delegado privativamente ao Imperador, que lhe atribuía, nos termos do artigo 98, [...] a chave de toda a organização política é delegada privativamente ao Imperador, como chefe supremo da nação e seu primeiro representante, para que, incessantemente vele sobre a manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos demais poderes políticos. Segundo Rosah Russomano: A outorga denotou transparentemente as tendências de domínio pessoal, que caracterizavam a formação moral e temperamental do Imperador. A Constituição de 1824, no entanto, em que pese este vício de origem, tem sido considerada, ao largo dos tempos, um dos maiores Códigos políticos produzidos pela ciência e pela experiência do século XIX. Nem outro é o pensamento de AFONSO ARINOS, quando frisa que esta assertiva se impõe, como fato histórico. Apenas uma grande lei poderia derrubar os empecilhos que se lhe opuseram, consolidar a Independência e a unidade do Brasil, tornar, ao fim e ao cabo, possível o desenvolvimento, em regra pacífico de nosso Império. Sobretudo, se comparado com o drama circundante da anarquia sul-americana . [...] A linha clássica da tripartição, advinda, principalmente, de MONTESQUIEU, foi abandonada. Surgiram, como dizíamos, quatro Poderes. A par dos tradicionais Legislativo, Executivo, Judiciário o Poder Moderador, que, é de notar-se, não figurava no projeto elaborado pela Assembléia Constituinte. Estabelecia-se, por esta via, um governo forte, pois que, na pessoa do Imperador, se concentravam dois Poderes de prática pessoal o Executivo , que exercitava através dos Ministros de Estado (que ele livremente nomeava e demitia) e o Moderador, chave de toda a organização política da época . (1984, p. 235-236) Efetivamente o Imperador exercia o poder moderador nomeando os senadores (art. 101, § 1º), nomeando e demitindo livremente os ministros de estado (art. 101, § 6º) e exercia 20 o poder executivo, pois dita o artigo 102 que O Imperador é o chefe do poder executivo, e o exercita pelos seus ministros de Estado sendo que entre suas principais atribuições destacamse a de nomear os magistrados (art. 102, § 3º) e prover os mais empregos civis e políticos (at. 102, § 4º). Segundo Silva, o período caracteriza-se como de centralização monárquica: As províncias foram subordinadas ao poder central, através do seu presidente, escolhido e nomeado pelo Imperador, e do chefe de polícia, também escolhido e nomeado pelo Imperador, com atribuições não só policiais como judiciais até 1870, do qual dependiam órgãos menores, com ação nas localidades, cidades, vilas, lugarejos, distritos: os delegados de polícia , os subdelegados de polícia , os inspetores de quarteirões , os carcereiros das cadeias públicas e o pessoal subalterno da administração policial. É ainda o poder central que nomeia o juiz de direito , o juiz municipal , o promotor público . E há também a Guarda Nacional , em que se transformaram as milícias locais, a qual, a partir de 1850, passou a ser subordinada ao poder central. (2006, p. 75) Também essa é a opinião de Paulo Bonavides, ao concluir estudo sobre o período constitucional monárquico: Com efeito, a Carta enfeixava numa só pessoa - o Imperador a titularidade e o exercício de dois Poderes. De tal sorte que a Lei Maior criava assim um monstro constitucional. Não criava um órgão legítimo, distinto e capacitado, como seria de sua vocação, a promover a harmonia e o equilíbrio dos poderes; um órgão que pudera ter sido e nele lhe vislumbramos essa virtude ou possibilidade o germe de uma espécie de judicatura política, capaz de antecipar na práxis e na teoria, por sua ação preventiva de controle de conflitos, os tribunais constitucionais a quem o século seguinte entregaria os freios de constitucionalidade. (2001, p. 197) O desenrolar dos anos e o respectivo desencadear dos acontecimentos, assim como o ideal republicano e a necessidade de adaptação ao modelo federativo, na visão de Russomano (1984), vão desenbocar nos acontecimentos que levarão à ruptura institucional, com a Proclamação da República e a elaboração da primeira constituição republicana do Brasil. 21 1.2 As Constituições Republicanas O período republicano caracteriza-se pela sucessão de textos constitucionais, sendo que, para a análise do tema das formas de ocupação dos cargos, empregos e funções públicas, enfrentaremos cada um dos diplomas constitucionais editados e as suas características fundamentais. 1.2.1 Constituição de 1891 A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil foi promulgada em 24 de fevereiro de 1891 e estabeleceu como forma de governo a República Federativa e o regime de governo presidencialista, além de assegurar a tripartição e separação dos poderes do Estado, estabelecendo um novo ciclo de estruturação que o Estado brasileiro até então desconhecia. Consagrou a união perpétua e indissolúvel das suas antigas províncias em Estados Unidos do Brasil e estabeleceu que cada uma das antigas províncias formaria um Estado, os quais poderiam incorporar-se, subdividir-se ou desmembrar-se para se anexar a outros ou formar novos Estados (art. 1º e 4º). Previu também que incumbiria a cada Estado prover, a expensas próprias, as necessidades de seu governo e administração (art. 5º). O Poder Legislativo, exercido pelo Congresso Nacional, foi composto por duas Câmaras: Câmara dos Deputados e Senado, sendo estabelecida a competência, a cada uma das Câmaras, para organizar o seu regimento interno, regular sua polícia interna e nomear os empregados de sua secretaria (art. 16 e 18). 22 Estabeleceu a competência privativa do Congresso Nacional para criar e suprimir empregos públicos federais, fixar-lhes as atribuições e estipular-lhes os vencimentos (art. 34). Foi atribuída competência privativa ao Presidente da República para prover os cargos civis e militares de caráter federal, salvas as restrições expressas na Constituição; para nomear os magistrados federais mediante proposta do Supremo Tribunal: nomear os membros do Supremo Tribunal Federal e os ministros diplomáticos, sujeitando a nomeação à aprovação do Senado e nomear os demais membros do corpo diplomático e os agentes consulares (art. 48). Também ao Poder Judiciário foi consagrada competência para, através dos tribunais federais, na figura de seus presidentes, nomear e demitir empregados da secretaria, bem como o provimento dos oficiais de justiça nas circunscrições judiciárias (art. 58, § 1º). Os municípios também constaram como entes federativos por força do artigo 68, que estabeleceu que os Estados iriam se organizar de forma que ficasse assegurada a autonomia dos municípios em tudo que respeitasse ao seu peculiar interesse. Foi instituído um Tribunal de Contas, sendo os seus membros nomeados pelo Presidente da República com aprovação do Senado (art. 89). Restou estabelecido no artigo 79 que o cidadão investido em funções de qualquer dos três poderes federais não poderá exercer as de outro. Na Declaração de Direitos, a Constituição consagrou os princípios da legalidade e igualdade, ao regular que ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei e que todos são iguais perante a lei (art. 72, §§ 1º e 2º). Também consagrou o princípio da ampla acessibilidade aos cargos públicos, regrando que os cargos públicos civis ou militares são acessíveis a todos os brasileiros, observadas as 23 condições de capacidade especial que a lei estatuir, sendo, porém, vedadas as acumulações remuneradas (art. 73). Com esse corpo normativo, a nossa primeira Constituição Republicana já se preocupava em regrar as formas de acesso aos cargos, empregos e funções públicas, notadamente as federais, ressaltando o caráter eminentemente subjetivo das nomeações, pois que não consagrou nenhum mecanismo de controle do acesso e da impessoalidade do acesso, em que pese inaugurar o princípio da ampla acessibilidade, mais como corolário do princípio da igualdade formal e menos do que uma forma de assegurar direitos individuais de igualdade material de acesso. Considerando-se que o histórico nacional era o do mais completo vazio normativo quanto à estrutura administrativa pública, nossa Primeira Carta tem inúmeros méritos, especialmente ao consagrar a criação legal dos empregos públicos federais e a restrição da acumulação de funções. A Constituição Federal de 1891 foi emendada em 1926, entretanto sem modificações significativas no trato da matéria sob comento. 1.2.2 Constituição de 1934 A denominada Primeira República foi deposta com a revolução civil de 1930, capitaneada por Getúlio Vargas, vetor das insatisfações populares que irromperam no pósguerra propugnando pelo reconhecimento de direitos sociais, conforme já estabelecido na Constituição de Weimar, de 1919. Eleita a Assembléia Constituinte, a segunda Constituição da República Federativa do Brasil foi promulgada em 16 de julho de 1934. 24 Bonavides resume a turbulência daqueles tempos: Uma tempestade política e ideológica, acompanhada de fortes abalos na ordem institucional marcou, a seguir, a década de 30 no século XX. Foi a década mais autoritária da primeira metade dos novecentos. Ficou assinalada no mesmo passo por uma invasão de idéias novas e projetos e fórmulas de mudança, ilustrativas do quadro de instabilidade e efervescência, que teve forte repercussão sobre a índole do ordenamento. Sua tonalidade social, bem distinta das cores do sistema decaído, dava a medida das preocupações transformadoras ínsitas aos titulares do poder emergente. A cognominada Revolução de 30 significou dessa maneira o ponto de partida e a base de apoio de um ambicioso projeto de renovação dos costumes políticos, cujo objetivo maior era o estabelecimento da verdade eleitoral, pressuposto de uma ordem representativa mais legítima, em correspondência com o sentimento nacional vigente. (2001, p. 201) A Constituição de 1934 avançou significativamente em matéria de regulamentação do acesso aos cargos, empregos e funções públicas. Inicialmente, previu a restrição de exercício, por parte dos Deputados, desde a expedição do diploma, de cargo, comissão ou emprego público remunerados e, desde a posse, ocupar cargo público de que seja demissível ad nutum (art. 33). Manteve a competência do Poder Legislativo para criar e extinguir empregos públicos federais, fixar-lhes e alterar-lhes os vencimentos, sempre por lei específica (art. 39). Também manteve a competência privativa do Presidente da República para prover os cargos federais, salvo as exceções previstas na Constituição e nas leis (art. 56). Inovou significativamente ao estabelecer aos juízes as garantias da vitaliciedade, da inamovibilidade e da irredutibilidade de vencimentos e, em contrapartida, manteve a regra de 25 competência dos tribunais para nomear, substituir e demitir os funcionários de suas secretarias, dos seus cartórios e serviços auxiliares (art. 65 e 67). Manteve a forma de nomeação pelo presidente da República para os Ministros da Corte Suprema, para os Juízes Federais e para os Ministros dos Tribunais de Contas (art. 74, 80 e 100). Ao tratar do Ministério Público apresenta-se a primeira alteração extremamente significativa. O texto constitucional estipula que os membros do Ministério Público, que sirvam nos juízos comuns, serão nomeados mediante concurso e só perderão os cargos nos termos da Lei, por sentença judiciária ou processo administrativo, no qual lhes será assegurada ampla defesa (art. 95, § 3º). Também ao tratar da Justiça dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, estabeleceu o constituinte os seguintes princípios: investidura, nos primeiros graus, mediante concurso, organizado pela Corte de Apelação, fazendo-se, sempre que possível, em lista tríplice e investidura, nos graus superiores, mediante acesso por antiguidade de classe e por merecimento (art. 104). No trato da Educação e da Cultura, o constituinte estabeleceu, entre diversos artigos regulamentando a atividade de ensino, no artigo 158, que é vedada a dispensa do concurso de títulos e provas no provimento dos cargos do magistério oficial, bem como em qualquer curso, a de provas escolares de habilitação, determinadas em lei ou regulamento. Também estabeleceu a possibilidade de contratação, por tempo certo, de professores de nomeada, nacionais ou estrangeiros e aos professores nomeados por concurso para os institutos oficiais estendeu as garantias da vitaliciedade e de inamovibilidade nos cargos. 26 Também inovou a Constituição de 1934 ao dedicar um Título exclusivamente para tratar dos funcionários públicos, estabelecendo, em primeiro, o princípio da ampla acessibilidade aos cargos públicos a todos os brasileiros, sem distinção de sexo ou de estado civil (art. 168). A mudança mais importante foi a de que os funcionários públicos, depois de dois anos, quando nomeados em virtude de concurso de provas, só poderiam ser destituídos em virtude de sentença judiciária ou mediante processo administrativo regulado por lei e no qual lhes fosse assegurada plena defesa. (art. 169). O artigo 170 estabeleceu a obrigatoriedade da votação, pelo Poder Legislativo, do Estatuto dos Funcionários Públicos e já impondo as normas de que o quadro de funcionários públicos compreenderá todos os que exerçam cargos públicos, seja qual for a forma de pagamento e que a primeira investidura nos postos de careira das repartições administrativas e nos demais que a lei determinar, efetuar-se-á depois de exame de sanidade e concurso de provas ou títulos. Foi mantida a vedação da acumulação de cargos públicos remunerados da União, dos Estados e dos Municípios, excetuando-se os cargos do magistério e técnico-científicos, que poderão ser exercidos cumulativamente, ainda que por funcionário administrativo, desde que haja compatibilidade dos horários de serviço e o acúmulo remunerado de comissão temporária ou de confiança, decorrente do próprio cargo (art. 172). Realmente foram grandes as alterações constitucionais. Considerando-se a concessão de garantias à magistratura e os professores; a exigência de prévio concurso para o acesso aos cargos do ministério público, da magistratura, do magistério e nos cargos de carreira das repartições administrativas, ingressava-se em um novo paradigma institucional, visando a criação de uma administração burocrática que, consoante com o espírito que norteou a 27 revolução, buscava diminuir o espectro do patrimonialismo e suas vertentes sobre a estrutura social e administrativa pública do país. 1.2.3 Constituição de 1937 Infelizmente os bons ventos pouco duraram. Em consonância com os movimentos autoritários que varavam na Europa e frente aos movimentos de resistência ao regime através das quarteladas comunistas que resultaram em tentativas de golpe em 1935, o Presidente instaurou um regime despótico e ditatorial. Silva recria o clima da época: O país já se encontrava sob o impacto das ideologias que grassavam no mundo do após-guerra de 1918. os partidos políticos assumiam posições em face da problemática ideológica vigente: surge um partido fascista, barulhento e virulento a Ação Integralista Brasileira, cujo chefe, Plínio Salgado, como Mussolini e Hitler, se preparava para empolgar o poder; reorganiza-se o partido comunista, aguerrido e disciplinado, cujo chefe, Luis Carlos Prestes, também queria o poder. Getúlio Vargas, eleito que fora pela Assembléia Constituinte para o quadriênio constitucional, à maneira de Deodoro, como este, dissolve a Câmara e o Senado, revoga a Constituição de 1934, e outorga a Carta Constitucional de 10.11.37. (2006, p. 82) Efetivamente, basta um correr de olhos pelo texto de 1937 para que ressalte o viés autoritário de seu conteúdo. Já na distribuição setorial dos poderes do Estado foram consignadas secções ao Poder Legislativo e ao Poder Judiciário e, quando do tratamento ao Poder Executivo, consta o título Do Presidente da República . O artigo 73 desta Carta bem reflete tal desiderato, ao consignar que o Presidente da República, autoridade suprema do Estado, coordena a atividade dos órgãos representativos, de 28 grau superior, dirige a política interna e externa, promove ou orienta a política legislativa de interesse nacional e superintende a administração do país. Foi mantida a competência privativa do Presidente da República para o provimento dos cargos federais (art. 74); as garantias da Magistratura e a forma de nomeação dos Tribunais Superiores. Houve pequena alteração na investidura dos cargos dos judiciários estaduais, mantido o concurso público, entretanto submetida a lista tríplice de candidatos aprovados ao governador do Estado (art. 103). No rol dos direitos e garantias individuais foi mantido o princípio da ampla acessibilidade aos cargos públicos (art. 122). Também a secção dos funcionários públicos foi mantida, com a obrigatoriedade de a primeira investidura nos cargos de carreira fazer-se mediante concurso de provas ou de títulos, com a criação do quadro de cargos e com a garantia da necessidade de sentença judiciária ou processo administrativo para a exoneração de funcionários concursados, ou seja, uma certa garantia contra a exoneração imotivada (art. 156). Entretanto, a sustentar as intenções da Carta de ser o sustentáculo legal da ditadura que se implantava, o artigo 157 estabeleceu que poderá ser posto em disponibilidade, com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, desde que não caiba no caso a pena de exoneração, o funcionário civil que estiver no gozo das garantias de estabilidade se, a juízo de uma comissão disciplinar nomeada pelo ministro ou chefe de serviço, o seu afastamento do exercício for considerado de conveniência ou de interesse público. Na secção das disposições constitucionais transitórias, o artigo 177 também seguia o mesmo tom ao dispor que dentro do prazo de sessenta dias a contar da data desta 29 Constituição, poderão ser aposentados ou reformados de acordo com a legislação em vigor os funcionários civis e militares cujo afastamento se impuser a juízo exclusivo do Governo, no interesse do serviço público ou por conveniência do regime. Tal artigo vigorou até a revogação pela Lei Constitucional nº 12, de 07 de novembro de 1945. Sob a égide dos artigos 157 e 177, não há qualquer possibilidade de se emitir considerações sobre regramento de formas de acesso a cargos, empregos ou funções públicas, pois que tudo se esvai na mão-de-ferro do ditador, que assume poderes onipotentes para admitir e exonerar. 1.2.4 Constituição de 1946 A Constituição de 1937 não poderia se manter por muito tempo, visto as circunstâncias internacionais de uma guerra e a vitória das forças democráticas contra o nazismo e o fascismo, na qual o Brasil se engajara, inclusive com o envio de forças militares ao combate, gerando um sentimento nacional de volta aos parâmetros democráticos e de repúdio ao autoritarismo. Russomano, sobre o período, esclareceu nos seguintes termos: A segunda hecatombe internacional, pela afirmação dos princípios da democracia, levou os soldados brasileiros para os campos de batalha. Em terras estrangeiras, eles deram seu sangue, imolaram sua vida, na defesa de um ideal que, dentro de sua própria pátria, estava sendo violado. Enquanto durou a luta, a situação foi suportável em nosso país. À medida, porém, que as forças democráticas se impunham, perante as nações ocidentais, também no Brasil se levantou uma campanha intensa pela nossa volta à vida verdadeiramente constitucional. (1984, p. 247) 30 Em função das circunstâncias, o Presidente tomou providências para o retorno do país à normalidade democrática, com a convocação de eleições. Entretanto, com a suspeita de que o ditador ardilava para manter o poder, as forças armadas, que haviam se comprometido com a reconstitucionalização do país, o depuseram a 29 de outubro de 1945. Instaurada a Assembléia Constituinte, em 18 de setembro de 1946 foi promulgada a Constituição. Tal texto abarcou as diversas correntes de pensamento político vigentes, como forma de obter um consenso mínimo que levasse o país a uma constituição que garantisse a redemocratização. Sem a base de um projeto próprio, a Carta foi firmada mais para sustentar o regime democrático, apesar de seus avanços sociais e, assim, serviu a seus propósitos, vigorando durante vinte anos. A análise do texto constitucional evidencia alguns avanços significativos na consolidação da matéria de admissão de servidores públicos a cargos, empregos e funções públicas. Já no artigo 36, ao estabelecer a independência e harmonia entre os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, no seu § 1º, impôs a impossibilidade de o cidadão investido na função de um deles poder exercer a de outro, salvo as exceções previstas na Constituição. Foi mantida a restrição aos deputados e senadores de exercício de comissão ou emprego remunerado de pessoa jurídica de direito público, entidade autárquica ou sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, desde a expedição do diploma e, desde a posse, de ocupar cargo público do qual possa ser demitido ad nutum (art. 48). 31 Foi transferida competência privativa ao Senado Federal para aprovar, mediante voto secreto, a escolha dos magistrados, nos casos estabelecidos na Constituição, do ProcuradorGeral da República, dos Ministros do Tribunal de Contas, do Prefeito do Distrito Federal, dos membros do Conselho Nacional de Economia e dos chefes de missões diplomáticas de caráter permanente (art. 63). Ao Congresso Nacional coube a competência para, com a sanção do presidente da República, criar e extinguir cargos públicos e fixar-lhes os vencimentos, sempre por lei especial (art. 65). Foram mantidas as garantias da Magistratura e designado aos Tribunais a elaboração de seus regimentos internos e organização de seus serviços auxiliares, provendo-lhes os cargos na forma da lei, bem como propor ao Poder Legislativo a criação ou extinção de cargos me a fixação dos respectivos vencimentos (art. 95 e 97). O ingresso nos cargos da Magistratura e do Ministério Público manteve-se mediante concurso público (art. 124 e 127). No capítulo referente à Educação, restou obrigatório, para o provimento das cátedras, no ensino secundário oficial e no ensino superior oficial ou livre, o concurso de títulos e provas, sendo-lhes assegurada a vitaliciedade (art. 168). O Título que trata dos funcionários públicos abre a secção com a consagração do princípio da ampla acessibilidade aos cargos públicos, seguindo com a previsão de vedação de acúmulo de quaisquer cargos, respeitadas as exceções de dois cargos de magistério ou um de magistério com um outro técnico científico, contanto que haja correlação de matérias e compatibilidade de horário; regra a primeira investidura em cargo de carreira e em outros determinados em lei mediante concurso e consagra a estabilidade dos funcionários efetivos 32 nomeados por concurso após dois anos de exercício e após cinco anos de exercício para os funcionários efetivos nomeados sem concurso. Também dispõe que o disposto no artigo 188 não se aplica aos cargos de confiança, nem os que a lei declare de livre nomeação e demissão, sendo que pela primeira vez tal figura jurídica aporta em texto constitucional (art. 184 a 188). Por fim, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, no artigo 23, ficou estabelecida regra de transição que dispôs que os funcionários interinos da União, dos Estados e Municípios, que contem, pelo menos, cinco anos de exercício, serão automaticamente efetivados na data da promulgação do Ato, e os atuais extranumerários que exerçam função de caráter permanente há mais de cinco anos ou em virtude de concurso ou prova de habilitação serão equiparados aos funcionários para efeito de estabilidade, aposentadoria, licença, disponibilidade e férias. Voltamos a obter um patamar mais moderno de regulação das relações de trabalho entre servidores públicos e Estado, com regras mais claras e melhores garantias institucionais de salvaguarda do corpo técnico-burocrático contra as influências externas, entretanto, sem o atingimento pleno de um grau de profissionalismo, visto a existência de diversos escoadouros pelos quais era possível a manipulação das formas de acesso, especialmente pela inexistência de previsão de acesso mediante seleção a concurso público a todos os cargos, ficando restrito aos cargos da Magistratura, Ministério Público, alguns cargos de Magistério e aos cargos regulamentados em carreira, e, ainda assim, somente para a primeira investidura. 1.2.5 Constituição de 1967 e a Emenda Constitucional nº 1/1969 Para que se possa analisar a Constituição de 1967, é necessário um passar de olhos pelo desfecho do vigor da Carta de 46. 33 A Constituição Federal de 1946 atravessou duas décadas sob intensas crises políticas e institucionais, tais como a morte de Getúlio Vargas e a assunção de Café Filho; a eleição de Juscelino Kubitschek em 1955 e seu mote de crescimento econômico que teve o apogeu na construção e inauguração de Brasília; a eleição de Jânio Quadros em 1960 e seu polêmico governo que culmina em renúncia após sete meses de mandato e a reação militar à posse do Vice-Presidente João Goulart, que somente após alguma turbulência, assume por força da Emenda Constitucional nº 06/63, de 23 de janeiro de 1963 e, por fim, é deposto pelo golpe militar de 1º de abril de 1964. O regime militar instalado no Poder exarou, como medida de substrato legal de sustentação, um Ato Institucional, em 09 de abril de 1964, mantendo a vigência da Constituição de 1946, entretanto com imposição de cassações de mandatos e suspensões de direitos políticos. É eleito o Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco para um mandato complementar de três anos, sendo que neste período governou sob a égide de Atos Institucionais e Emendas à Constituição, que perdeu a sua organicidade. A Constituição de 1946 sofreu quatro Atos Institucionais e vinte e uma Emendas, até ser substituída pela Constituição promulgada pelo regime militar, a Constituição do Brasil de 1967, que consolidou as alterações da Carta de 46 com base no texto constitucional de 1937, estabelecendo uma maior preocupação com a segurança nacional e a concentração de poderes na União e na figura do Presidente da República. Seguindo seu roteiro de crises, foi editado o Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, que rompeu com a ordem constitucional. Sobre a situação político-social da época, Goffredo Telles Junior assevera que: 34 [...] no dia 13 de dezembro de 1968, a treva e o terror do Ato Institucional nº 5 e da Lei de Segurança Nacional baixaram sobre a Nação. Parlamentares, juízes, professores, advogados, médicos, engenheiros, jornalistas, operários e estudantes amargaram os flagelos do regime. Os decretos do arbítrio reforçaram os poderes discricionários do Executivo e atribuíram ao Governo a faculdade de impor medidas repressivas específicas, como as cassações de mandatos e suspensão de direitos. Criaram ou aperfeiçoaram organizações de repressão policial-militar, como o SNI (Serviço Nacional de Informações), o CSN (Conselho de Segurança Nacional), o Cenimar (Centro de Informações da Marinha), o Cisa (Centro de Informação e Segurança da Aeronáutica), o Codi (Centro de Operações de Defesa Interna), o Doi (Departamento de Operações Internas). Os referidos decretos de força determinaram o recesso do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas dos Estados e das Câmaras Municipais de Vereadores. Cancelaram a garantia da estabilidade dos juízes. Baniram do território nacional cidadãos considerados incontinentes à segurança do regime [...]. (1999, p. 873-874) Ato contínuo, é promulgada2, em 17 de outubro de 1969, para entrar em vigor em 30 de outubro de 1969, a Emenda Constitucional nº 1, emenda à Constituição de 1967 que tecnicamente se constituiu em uma nova constituição, que inclusive alterou sua denominação, passando a chamar-se de Constituição da República Federativa do Brasil, ao passo que a Constituição de 1967 era denominada somente de Constituição do Brasil. Tal Constituição sustentou o regime militar, mediante a edição de 26 Emendas até o ano de 1985, onde, através da Emenda nº 26, de 27 de novembro de 1985, foi convocada a Assembléia Nacional Constituinte que editaria a nossa Constituição Cidadã de 1988. Ambos os textos, tanto a Constituição do Brasil de 1967, quanto a Emenda Constitucional nº 1/69, não produziram mudanças substanciais na normatização das relações de trabalho entre os servidores públicos e o Estado, sendo uma reprodução quase fiel do texto constitucional revogado em suas virtudes e defeitos, mantendo as características básicas de 2 A promulgação do texto constitucional em verdade constitui-se uma outorga, pois que forjado ao arredio dos pilares democráticos. 35 regramento de acesso e, em alguns casos, até ampliando o leque de mecanismos de regulação de forma a propiciar maior clareza. Considerando-se que os executores do golpe militar são servidores públicos, era de se esperar que aos servidores em geral fossem estendidas garantias e regramentos que anteriormente nunca haviam constado dos textos constitucionais. Entretanto, não se pode deixar de ter em mente que por ser um regime de exceção, nada, nem nenhum regramento constitucional, poderia impedir que os mandatários de plantão cometessem arbitrariedades contra os direitos de quem quer que se lhes opusesse resistências, seja servidor público ou não, de forma que as garantias institucionais postas em lei ou na Constituição não passaram, durante todo o período do regime militar, de letra morta. Após a redemocratização e a edição da Constituição Federal de 1988, um novo patamar técnico foi alcançado na matéria administrativa pública, com a introdução de novos institutos e conceitos, que, pela sua atualidade e importância, merecem análise separada e acurada. 36 2 A ATUAL DIMENSÃO LEGAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA 2.1 O Princípio Constitucional da Acessibilidade aos Cargos Públicos e as Hipóteses Constitucionais de Admissão A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 37, caput, e inciso I, estabelece regramentos destinados à Administração Pública, nos seguintes termos: Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: I os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei. (BRASIL, 1988) Explicita o texto do artigo 37 da Carta Maior os princípios aos quais está adstrita a administração pública brasileira, em seus diversos níveis e esferas. Analisando referidos princípios constitucionais, manifestou-se Hely Lopes Meirelles: 37 Os princípios básicos da administração pública estão consubstanciados em quatro regras de observância permanente e obrigatória para o bom administrador: legalidade, moralidade, impessoalidade e publicidade. Por esses padrões é que se hão de pautar todos os atos administrativos. Constituem , por assim dizer, os fundamentos da validade da ação administrativa, ou, por outras palavras, os sustentáculos da atividade pública. Relegá-los é desvirtuar a gestão dos negócios públicos e olvidar o que há de mais elementar para a boa guarda e zelo dos interesses sócias. (1990, p. 77-78) A lição de Meirelles é anterior à Emenda Constitucional nº 19, de 04.06.1998, a qual acrescentou o princípio da eficiência ao texto do artigo 37, entretanto sem que feneça a propriedade e atualidade de sua lavra. Também estabelecido no parágrafo único do artigo 37 está o princípio da acessibilidade aos cargos públicos. A ampla acessibilidade aos cargos públicos por todos aqueles que preencham os requisitos estabelecidos em lei é princípio de concreção dos princípios constitucionais da isonomia e da igualdade.3 Celso Ribeiro Bastos sobre o princípio da isonomia destaca que Desde priscas eras tem o homem se atormentado com o problema das desigualdades inerentes ao seu ser e à estrutura social em que se insere. Daí ter surgido a noção de igualdade a que os doutrinadores comumente denominam igualdade substancial. Entende-se por esta a equiparação de todos os homens no que diz respeito ao gozo e fruição de direitos, assim como a sujeição a deveres. (1990, p. 168-169) Ainda o entendimento de Bastos sobre a redação constitucional: 3 O princípio constitucional da isonomia é princípio fundamental da República, posto no artigo 5º, caput, da Constituição Federal, segundo o qual todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. 38 A expressão atual sem distinção de qualquer natureza é meramente reforçativa da parte inicial do artigo. Não é que a lei não possa comportar distinções. O papel da lei na verdade não é outro senão o de implantar diferenciações. O que não se quer é que, uma vez fixado o critério de discriminação (p. ex.: ser portador de título universitário para exercer determinada profissão), um outro elemento venha interferir na abrangência desta mesma discriminação. Aí por exemplo se diria: as pessoas com mais de quarenta anos de idade ficam dispensadas do referido título. Nisto, portanto, reside a essência do princípio igualizador. É o impedir que critérios o mais das vezes subalternos, portadores de preconceitos ou mesmo voltados à estatuição de benefícios e privilégios, possam vir a interferir em uma discriminação justa e razoável feita pela lei. (1990, p. 168-169) Efetivamente, sendo o princípio da isonomia ou igualdade um freio teórico ao arbítrio que constitui distinções e estabelece privilégios, notadamente o perpetrado pelo poder público, dá-se o contraponto pela realização positivada da ampla acessibilidade aos cargos públicos. O acesso aos cargos públicos é franqueado a todos os brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei e aos estrangeiros, na forma da lei. A lei que estabelece requisitos para o acesso aos cargos haverá de ser lei em sentido estrito, emanada do poder legislativo competente, segundo e conforme as determinações constitucionais respectivas. Diógenes Gasparini esclarece que Para o acesso a cargo, emprego ou função não basta ser brasileiro. O interessado há, ainda, que satisfazer aos requisitos estabelecidos em lei, consoante reza a parte final do referido inciso. A lei responsável pela instituição desses requisitos é a de entidade política titular do cargo, emprego ou função pública que se deseja preencher, dada a autonomia que se lhes assegura nessa matéria. Um dos requisitos é sem dúvida, lograr aprovação e classificação em concurso público de provas ou de provas e títulos. A lei em apreço é da iniciativa do Chefe do Poder Executivo (art. 61, § 1º, II, c, da CF), em relação aos cargos, empregos e funções desse Poder. Será, no entanto, resolução quando tratar-se de criação de cargo do serviço administrativo do Legislativo. De fato, não seria lógico, nem 39 prático, que esse Poder pudesse criar cargo sem que se lhe reservasse a competência para estabelecer os requisitos de provimento, por exemplo. O quorum e os turnos de votação são os constantes no Regimento Interno da Casa de Leis competente. (1995, p. 119) O ponto de maior divergência dessa matéria reside especificamente na possibilidade de introdução, em legislação ordinária, de restrições à hipótese da ampla acessibilidade. A pedra de toque está em infligir as restrições devidas para salvaguarda das efetivas necessidades dos órgãos públicos sem atropelamento dos princípios assecuratórios de direitos e garantias constitucionais. Meirelles sobre o assunto assevera que, por outro lado, o mesmo art. 37, I, condiciona a acessibilidade aos cargos públicos ao preenchimento dos requisitos estabelecidos em lei. Com isso, ficam as Administrações autorizadas a prescrever exigências quanto à capacidade física, moral, técnica, científica e profissional, que entender convenientes, como condições de eficiência, moralidade e aperfeiçoamento do serviço público. Mas à lei específica, de caráter local, é vedado dispensar condições estabelecidas em lei nacional para a investidura em cargos públicos, como as exigidas pelas leis eleitoral e do serviço militar, ou para o exercício de determinadas profissões (Constituição da República, art. 22, XVI). E tanto uma como outra deverá respeitar as garantias asseguradas do art. 5º, da Constituição da República, que veda distinções baseadas em sexo, raça, trabalho, credo religioso e convicções políticas. [...] Quanto ao princípio da isonomia (Constituição da República, art. 5º), é preciso ver que, além das distinções acima referidas a igualdade de todos os brasileiros perante a lei veda as exigências meramente discriminatórias, como as relativas ao local de nascimento, condições pessoais de fortuna, família, privilégios de classe ou qualquer outra qualificação social. E assim é porque os requisitos a que se refere o texto constitucional hão de ser apenas os que, objetivamente considerados, se mostrem necessários ao cabal desempenho da função pública. (1990, p. 368-369) No mesmo diapasão, Dallari, a referir-se à especificidade da questão da restrição ao acesso pela imposição de condições: A questão dos requisitos que a lei poderá estabelecer como condição de provimento de cargos, funções e empregos públicos fica um pouco mais complicada diante da proibição expressa da utilização de sexo, idade, cor ou 40 estado civil como critério de admissão, conforme consta do art. 7º, XXX, aplicável aos servidores públicos por determinação do art. 39, § 2º da CF.4 Entendemos que a Constituição veda restrições estabelecidas por mera discriminação, por puro preconceito. A enumeração de alguns fatores de discriminação no texto do dispositivo não significa que outros sejam tolerados. A relação é meramente exemplificativa pois dela não consta a distinção por motivo de raça (implicitamente contida no inciso XLII, do artigo 5º), que, além de ensejar as sanções normais a qualquer ato preconceituoso (sua nulidade, a responsabilidade funcional do agente) constitui crime inafiançável e imprescritível, punido com pena de reclusão. Assim sendo, tanto o estabelecimento de condições referentes à altura, à idade, bem como ao sexo, poderão ser lícitos ou não, caso respeitem ou violem o princípio da isonomia, isto é, caso sejam ou não pertinentes, o que se verificará em cada caso concreto. Condição pertinente será somente aquela ditada pela natureza da função a ser exercida, ou seja, circunstância, fator ou requisito indispensável para que a função possa ser bem exercida, o que não se confunde com a mera conveniência da administração, nem com preferências pessoais de quem quer que seja. (1990, p. 32) Frente a tais disposições constitucionais, diversas são as possibilidades postas aos administradores públicos para impor restrições descabidas e contrárias ao Texto Maior, visando a burla ao princípio da ampla acessibilidade aos cargos, empregos e funções públicas, seja através da do estabelecimento, em lei, de condições contrárias aos direitos e garantias, seja por limitação em regramento inferior, notadamente os regulamentos e editais, os quais podem vir a ser instrumentos de exclusão e favorecimento de grupos ou indivíduos, restando aos operadores do direito a necessidade de atenção na análise e interpretação dos regramentos, para salvaguarda dos princípios constitucionais. As hipóteses constitucionais de admissão estão dispostas nos incisos II e IX do artigo 37 da Constituição Federal, nos seguintes termos: Art. 37. [...] II a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; 4 O texto constitucional referido passou, com alterações, para o § 3º do artigo 39. 41 [...] IX a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. (BRASIL, 1988) A regra geral de acesso aos cargos e empregos públicos é a submissão ao certame público de seleção através de provas ou de provas e títulos, pelos quais a administração pode aferir a capacidade e adequação física, intelectual e moral, dentre outros requisitos, dos candidatos submetidos aos processos de seleção e que tenham logrado aprovação e classificação suficiente frente ao número de cargos ou empregos aos quais tenham se candidatado. A seleção por meio de concursos públicos é instrumento de realização concreta dos princípios constitucionais, especialmente os princípios da legalidade, impessoalidade e moralidade. Meirelles advoga tal entendimento: O concurso é o meio técnico posto à disposição da Administração Pública para obter-se a moralidade, eficiência e aperfeiçoamento do serviço público, e, ao mesmo tempo, propiciar igual oportunidade a todos os interessados que atendam aos requisitos da lei, consoante determina o art. 37, II, da Constituição da República. Pelo concurso se afastam, pois, os ineptos e os apaniguados, que costumam abarrotar as repartições, num espetáculo degradante de protecionismo e falta de escrúpulos de políticos que se alçam e se mantêm no poder, leiloando empregos públicos . (1990, p. 370) O concurso público, para bom desempenho de seu mister constitucional, há de ser levado a efeito observando-se os ditames constitucionais, sob pena de constituir-se em letra morta, instrumento de manipulação e apropriação dos espaços públicos. Dallari esclarece as características informadoras dos certames públicos: 42 Assinale-se, inicialmente, que o adjetivo público se opõe às idéias de sigiloso, reservado, interno, restrito, etc. Somente será público o concurso aberto a todo e qualquer interessado que preencha os requisitos de inscrição estabelecidos em lei. Tem-se como óbvio que o edital do concurso não pode fixar como requisitos de inscrição senão aquilo que também for requisito legalmente estabelecido para o provimento de cargo em disputa, pois obviamente estará bloqueada a acessibilidade ao cargo a quem não puder se inscrever. [...] Concurso público é um procedimento administrativo, aberto a todo e qualquer interessado que preencha os requisitos estabelecidos em lei, destinado à seleção de pessoal, mediante a aferição do conhecimento, da aptidão e da experiência dos candidatos, por critérios objetivos, previamente estabelecidos no edital de abertura, de maneira a proporcionar uma classificação de todos os aprovados. (1990, p. 32-35) O texto constitucional, considerado o acesso aos cargos e empregos públicos através de certame público como regra geral de permissão, estabeleceu, textualmente, outras duas regras excepcionais de permissão de acesso, as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração e os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. O inciso V do artigo 37 da Carta Maior oferece os balizamentos para a efetivação do acesso através dos denominados cargos em comissão: V as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento. (BRASIL, 1988) Os cargos em comissão, em contrariedade aos cargos de provimento efetivo, prescindem de seleção pública para seu preenchimento, sendo de nomeação a livre critério do administrador e de exoneração ad nutum, sem requerer outra circunstância que não seja a conveniência administrativa. 43 O inciso IX do artigo 37 da Constituição Federal estipula as condições para a contratação por tempo determinado: IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público; (BRASIL, 1988) A exceção prevista destina-se a possibilitar contratação de pessoal para enfrentar situações extraordinárias, que não podem ser enfrentadas com o contingente normal de servidores sob pena de prejuízo para a prestação continuada dos serviços públicos, e em caráter temporário a ser estabelecido em lei. 2.2 O Princípio Constitucional da Legalidade e as Formas Originárias e Derivadas de Admissão O princípio constitucional da legalidade é princípio essencial, específico e informador do Estado de Direito, que o qualifica e lhe e lhe dá identidade. (MELLO, 1996, p. 56) O inciso II do artigo 5º da Constituição Federal consagrou o princípio da legalidade nos seguintes termos: II ninguém será obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. (BRASIL, 1988) Também está explicito o princípio no artigo 37, caput, que estabeleceu a vinculação de todo o agir administrativo público à legalidade. Fabio Medina Osório, em sua obra Improbidade Administrativa, advoga a submissão dos atos administrativos ao princípio da legalidade: 44 Saliente-se que o princípio da legalidade administrativa encontra ressonância, de um modo geral, na idéia de Estado de Direito. De um lado, a legalidade dos atos dos administradores resulta da divisão dos poderes. De outra parte, a legalidade é produto, também, de uma concepção da lei enquanto vontade geral . A administração é uma função essencialmente executiva: ela encontra na lei o fundamento e o limite de suas ações. [...] A regra, pois, aos particulares, é a liberdade de agir. As limitações, positivas ou negativas, deverão estar expressas em leis. Aos agentes públicos, todavia, tal princípio é inverso. A liberdade de agir encontra sua fonte legítima e exclusiva nas leis. Não havendo leis outorgando campo de movimentação, não há liberdade de agir. Os agentes públicos, na ausência das previsões legais para seus atos, ficam irremediavelmente paralisados, inertes, impossibilitados de atuação. (1998, p. 126-127) A devida conformação do agir administrativo ao princípio constitucional da legalidade ganhou corpo e se consolidou, dentre outras, na já clássica lição de Meirelles: A legalidade, como princípio de administração, (Const. Rep., art.37, caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei, e às exigências do bem-comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se à responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso. A eficácia de toda atividade administrativa está condicionada ao atendimento da lei. Na Administração Pública, não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei na proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular, significa pode fazer assim ; para o administrador público significa deve fazer assim . As leis administrativas são, normalmente, de ordem pública, e seus preceitos não podem ser descumpridos, nem mesmo por acordo ou vontade conjunta de seus aplicadores e destinatários, uma vez que contém verdadeiros poderes-deveres, irrelegáveis pelos agentes públicos. Por outras palavras, a natureza da função pública e a finalidade do Estado impedem que seus agentes deixem de exercitar os poderes e de cumprir os deveres que a lei lhes impõe. Tais poderes, conferidos à Administração Pública para serem utilizados em benefício da coletividade, não podem ser renunciados 45 ou descumpridos pelo administrador, sem ofensa ao bem-comum, que é o supremo e único objetivo de toda a ação administrativa. (1990, p. 78) Assim, o princípio da legalidade apresenta-se como um freio aos abusos e autoritarismos e personalismos, restringindo a atuação pública aos ditames legais e resguardando diretos pessoais e coletivos. No dizer de Celso Antônio Bandeira de Mello: Com efeito, enquanto o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado é da essência de qualquer Estado, de qualquer sociedade juridicamente organizada com fins políticos, o princípio da legalidade é o específico do Estado de Direito, é justamente aquele que o qualifica e que lhe dá identidade própria. Por isso mesmo é o princípio basilar do regime jurídico-administrativo, já que o direito administrativo (pelo menos aquilo que como tal se concebe) nasce com o Estado de Direito: é uma conseqüência dele. É o fruto da submissão do Estado à lei. É em suma: a consagração da idéia de que a Administração Pública só pode ser exercida na conformidade da lei e que, de conseguinte, a atividade administrativa é atividade sublegal, infralegal, consistente na expedição de comandos complementares à lei. Para avaliar corretamente o princípio da legalidade e captar-lhe o sentido profundo cumpre atentar para o fato de que ele é a tradução jurídica de um propósito político: o de submeter os exercentes do poder em concreto o administrativo a um quadro normativo que embargue favoritismos, perseguições ou desmandos. Pretende-se através da norma geral, abstrata e por isso mesmo impessoal, a lei, editada pois pelo Poder Legislativo que é o colégio representativo de todas as tendências (inclusive minoritárias) do corpo social garantir que a atuação do Executivo nada mais seja senão a concretização desta vontade geral. O princípio da legalidade contrapõe-se, portanto, e visceralmente, a quaisquer tendências de exarcebação personalista dos governantes. Opõesse a todas as formas de poder autoritário, desde o absolutista, contra o qual irrompeu, até as manifestações caudilhescas ou messiânicas típicas dos países subdesenvolvidos. O princípio da legalidade é o antídoto natural do poder monocrático ou oligárquico, pois tem como raiz a idéia de soberania popular, de exaltação da cidadania. (1996, p. 56-57) 46 É ainda de ser considerada a observação de Gasparini no sentido de que o princípio da legalidade estende seus alcances a toda a atividade estatal, não somente à atividade de administração pública: Por fim, observe-se que o princípio da legalidade não incide só sobre a atividade administrativa. È extensivo, portanto, às demais atividades do Estado. Aplica-se, pois, à função legislativa, salvo nos países de Constituição flexível, onde o Poder Legislativo pode livremente, alterar o texto constitucional. O Legislativo, no caso, é também poder constituinte, como ocorre na Inglaterra. Aplica-se ainda à atividade jurisdicional. Assim, não pode o Judiciário comportar-se com inobservância da lei. Seu comportamento também se restringe aos seus mandamentos. O mesmo se pode dizer das cortes de contas. Em suma, ninguém está acima da lei. (1995, p. 06) Fixada a noção de que a todos os poderes e órgãos do aparato estatal é devida a subserviência ao princípio constitucional da legalidade e a de que a nenhum particular é obrigatória qualquer ação ou omissão senão mediante previsão legal, cabe estabelecer a característica de, mais que um direito individual, ser o princípio da legalidade uma garantia constitucional. Bastos bem expressa tal opinião: O princípio de que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei surge como uma das vigas mestras de nosso ordenamento jurídico. A sua significação é dúplice. De um lado representa o marco avançado do Estado de Direito, que procura jugular os comportamentos, quer individuais, quer dos órgãos estatais, às normas jurídicas das quais as leis são a suprema expressão. Nesse sentido, o princípio da legalidade é de transcendental importância para vincar as distinções entre o Estado constitucional e o absolutista, este último antes da Revolução Francesa. Aqui havia lugar para o arbítrio. Com o primado da lei cessa o privilégio da vontade caprichosa do detentor do poder em benefício da lei, que se presume ser a expressão da vontade coletiva. De outro lado, o princípio da legalidade garante o particular contra os possíveis desmandos do Executivo e do próprio Judiciário. Instaura-se, em 47 conseqüência, uma mecânica entre os Poderes do Estado, da qual resulta ser lícito a apenas um deles, qual seja o Legislativo, obrigar aos particulares. Os demais atuam as suas competências dentro dos parâmetros fixados pela lei. A obediência suprema dos particulares, pois, é para com o legislativo. Os outros, o Executivo e o Judiciário, só compelem na medida em que atuam a vontade da lei. Não podem, contudo, impor ao indivíduo deveres ou obrigações ex novo, é dizer, calcados na sua exclusiva autoridade. No fundo, portanto, o princípio da legalidade mais se aproxima de uma garantia constitucional do que de um direito individual, já que ele não tutela, especificamente, um bem da vida, mas assegura, ao particular, a prerrogativa de repelir as injunções que lhe sejam impostas por uma outra via que não seja a da lei. (1990, p. 172) Também deve ser observada a evolução do princípio da legalidade, partindo da premissa básica da obrigatória observância da lei pela administração e da ampla liberdade dos indivíduos frente à inexistência de impedimento legal, para uma esfera mais ampla, em que a administração pública haverá de, além de submeter-se à legalidade formal, ater-se a outros conceitos, normas e princípios, informativos do princípio da juridicidade, o qual a legalidade, os princípios jurídicos , os princípios constitucionais e demais formas de expressão jurídica, ou seja, há a necessidade da submissão dos atos de administração a todo o ordenamento jurídico. Wallace Paiva Martins Júnior define a extensão de tal princípio: Verifica-se, portanto, que a expressão legalidade não significa nem se reduz, absolutamente, à lei em sentido formal (uma vez que concentrado o cabimento desta em matéria referente à intervenção estatal na esfera das liberdades e direitos fundamentais do administrado, concebendo-se conceitos de legalidade estrita e ampla) e que, concomitantemente, o princípio da legalidade foi evoluindo para um sentido que admite outras formas de expressão jurídica: princípio da juridicidade, abarcando Constituição, Leis, princípios jurídicos, regulamentos, decretos-leis, atos normativos inferiores, compatibilizados, tanto estes como aquelas, com as prescrições constitucionais de cada ordenamento jurídico. [...] Essa depuração do princípio da legalidade permite, portanto, inferir uma profunda distinção entre a legalidade propriamente dita (reserva de lei, legalidade absoluta ou estrita), suas espécies, níveis e juridicidade este, sim, um princípio de maior abrangência, contendo a legalidade, os 48 princípios jurídicos (como a moralidade) e, mais do que isso, os princípios constitucionais e outras formas de expressão jurídica. (2001, p. 72-74) Os atos de admissão de servidores públicos 5 levados a efeito, nos termos constitucionais, pela administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios haverão de se submeter, dentre outros, ao referido princípio constitucional da legalidade. As formas originárias de admissão ao serviço público são as postas em nível constitucional, quais sejam a investidura em cargo ou emprego público através de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, as nomeações para cargo em comissão e as contratações por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. A característica fundamental do provimento originário é o fato de não estar diretamente vinculado a qualquer relação anterior, ou seja, o provimento do cargo, emprego ou função pública haverá de ser a primeira do servidor especificamente naquele cargo, emprego ou função, ou, na lição de Meirelles: Provimento é o ato pelo qual se efetua o preenchimento do cargo público, com a designação de seu titular. O provimento, pode ser originário ou inicial, e derivado. Provimento inicial é o que se faz através de nomeação, que pressupõe a inexistência de vinculação entre a situação de serviço anterior do nomeado e o preenchimento do cargo. Assim, tanto é provimento inicial a nomeação de pessoa estranha aos quadros do serviço público quanto a de outra que já exercia função pública como ocupante de cargo não vinculado àquele para o qual foi nomeada. Já o provimento derivado, que se faz por transferência, promoção, remoção, acesso, 5 Servidores públicos, para a análise em curso, são todos aqueles que mantém com o Estado e entidades de sua administração indireta ou fundacional, relação de trabalho de natureza profissional e de caráter não eventual sob vínculo de dependência. (MELLO, 1996, p. 136) Segundo Meirelles, os servidores públicos constituem subespécies dos agentes públicos administrativos, categoria que abrange a grande massa de prestadores de serviços à Administração e a ela vinculados por relações profissionais, em razão de investidura em cargos e funções, a título de emprego e com retribuição pecuniária. (1990, p. 354) 49 reintegração, readmissão, enquadramento, aproveitamento ou reversão, é sempre uma alteração na situação de serviço de provido. (1990, p. 360) Os atos de admissão derivados podem ser dispostos em três grupos: atos de admissão derivados verticais (promoção e ascensão), atos de admissão derivados horizontais (reenquadramentos, transferências, transposições de regime, readaptações) e os atos de admissão derivados por reingresso (reintegrações, reversões, aproveitamentos, recondução).6 Tanto os atos de admissão originários quanto os derivados deverão estar conformes ao princípio constitucional da legalidade e serão submetidos a controles. O controle dos atos de administração pública, especificamente os atos de admissão, será exercido pelos sistemas de controle interno dos poderes e órgãos da administração e pelos órgãos de controle externo, considerado nesses o controle efetivado pela esfera judicial. A Carta Maior regrou, em seu artigo 74, a imperiosa necessidade de os poderes legislativo, executivo e judiciário manterem sistema de controle interno com a finalidade de avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos programas e dos orçamentos; de comprovar a legalidade e avaliar resultados quanto à eficácia e eficiência da gestão orçamentária, financeira e patrimonial; de exercer o controle das operações de crédito, avais e garantias, bem como dos direitos e haveres da União e de apoiar o controle externo. Também na Lei Complementar nº 101/00, que estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, em seu artigo 59, estabelecida está a necessidade dos poderes implementarem sistemas de controle interno. 6 Essa divisão pode ser observada, com algumas diferenças, em Mello. (1996, p. 164-165) 50 O sistema de controle interno é o órgão responsável pela verificação da adequação do agir administrativo aos ditames regulamentares e constitucionais e, por conseqüência, também o controle primeiro a ser realizado sobre os atos de admissão de servidores. Outro controle a ser exercido sobre os atos administrativos públicos é o controle externo, que engloba uma tripla distribuição de atribuições entre o controle parlamentar, o controle a ser exercido pelo Tribunal de Contas e o controle jurisdicional. Efetivamente o texto constitucional, em seu artigo 71, estabelece que o controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União. O controle parlamentar também está consignado no artigo 49, inciso X, da Constituição Federal, segundo o qual é da competência exclusiva do Congresso Nacional fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da administração. Com efeito, a atribuição de fiscalização está a cargo, compete ao Congresso Nacional, em uma clara demonstração constitucional de que àqueles aos quais compete a representação popular na atividade legislativa específica também haverão de realizar o controle popular da administração por representação. Aos Tribunais de Contas da União, Estados e Municípios (somente onde houver) a Carta Magna outorgou uma enorme gama de atribuições e competências, dentre as quais ressalta, para o trabalho presente, a importância do inciso III do artigo 71, o qual versa que compete ao Tribunal de Contas apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de administração de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, excetuadas as nomeações para cargo de 51 provimento em comissão, bem como a das concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório. É pela atuação direta das Cortes de Contas, através de seus procedimentos fiscalizatórios, que o controle externo dos atos de admissão de servidores públicos se concretiza formalmente, sendo levados ou não a registro conforme estejam adequados às determinações legais e adaptado aos princípios constitucionais, especialmente o da legalidade. Os atos que devem ser apreciados para registro são os atos de admissão originários, correspondentes à primeira investidura em cargo, emprego ou função determinados, sendo os atos de admissão derivados, verticais, horizontais ou por reingresso, considerados como mutações funcionais, as quais também serão objeto de fiscalização e controle da adequação à legalidade como todo e qualquer ato administrativo, entretanto sem que haja a necessidade de registrá-los frente aos Tribunais de Contas.7 Além dos controles parlamentar e dos Tribunais de Contas também ao Poder Judiciário cabe, por provocação, o controle externo dos atos de admissão de servidores públicos. A Constituição Federal estabeleceu o sistema de unidade de jurisdição, cujo fundamento se encontra no artigo 5º, inciso XXXV, estabelecendo que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Assim, cabe exclusivamente ao poder Judiciário decidir toda e qualquer controvérsia jurídica, não havendo qualquer reserva de matéria a qualquer outra instância em havendo lesão ou ameaça a direito individual ou coletivo. 7 O Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul passou a adotar tal entendimento a partir da Instrução Normativa nº 10, de 24 de maio de 2001. 52 Esse o entendimento consolidado da melhor doutrina nacional, representada no dizer de Maria Sylvia Zanella Di Pietro: O controle judicial constitui, juntamente como princípio da legalidade, um dos fundamentos em que repousa o Estado de Direito. De nada adianta sujeitar-se a Administração Pública à lei se seus atos não pudessem ser controlados por um órgão dotado de garantias de imparcialidade que permitam apreciar e invalidar os atos ilícitos por ela praticados. O direito brasileiro adotou o sistema da jurisdição una, pelo qual o Poder Judiciário tem o monopólio da função jurisdicional, ou seja, do poder de apreciar, com força de coisa julgada, a lesão ou ameaça a direitos individuais e coletivos. Afastou, portanto, o sistema da dualidade da jurisdição em que paralelamente ao Poder Judiciário, existem os órgãos do Contencioso Administrativo que exercem, como aquele, função jurisdicional sobre lides de que a Administração Pública seja parte interessada. (2006, p. 711) Efetivamente, cabe ao Poder Judiciário a apreciação da existência de lesão ou ameaça a direito decorrente de atos administrativos, inclusive atos de admissão de servidores públicos, os quais, pelos remédios constitucionais pertinentes, deverão ser reconduzidos às determinações constitucionais. Ressalve-se que a análise dos atos de admissão de servidores públicos para fins de registro é matéria de competência exclusiva, reserva constitucional dos Tribunais de Contas. 2.3 O Princípio Constitucional da Impessoalidade e a Privatização dos Espaços Públicos O princípio constitucional da impessoalidade está posto no artigo 5º, caput, parte inicial, onde consta que todos são iguais perante a lei, sem qualquer distinção de qualquer natureza. 53 Tal assertiva é valida, também, à administração pública, à qual é defeso infligir qualquer sorte de distinção restritiva ou privilégios, especialmente por força do caput do artigo 37, que reza que a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Tarefa das mais complexas é a de tentar extrair especificidade dos princípios constitucionais, pois que, no mais das vezes apresentam-se emaranhados. A cada ato administrativo haverá a incidência de mais de um princípio constitucional, dificultando sobremaneira a análise do interprete da adequação às determinações legais. Assim, tênue se apresenta a linha divisória entre o princípio da impessoalidade e da moralidade. Tal é o sentido dado por Meirelles à impessoalidade: O princípio da impessoalidade, referido na Constituição de 1988 (art. 37, caput), nada mais é que o clássico princípio da finalidade, o qual impõe ao administrador público que só pratique o ato para o seu fim legal. E o fim legal é unicamente aquele que a norma de direito indica expressa ou virtualmente como objetivo do ato, de forma impessoal. [...] Desde que o princípio da finalidade exige que o ato seja praticado sempre com finalidade pública, o administrador fica impedido de buscar outro objetivo ou de praticá-lo no interesse próprio ou de terceiros. Pode, entretanto, o interesse público coincidir com o de particulares, como ocorre normalmente nos atos administrativos negociais e nos contratos públicos, casos em que é lícito conjugar a pretensão do particular com o interesse coletivo. O que o princípio da finalidade veda é a prática de ato administrativo sem interesse público ou conveniência para a Administração, visando unicamente satisfazer interesses privados, por favoritismo ou perseguição dos agentes governamentais, sob a forma de desvio de finalidade. (1990. p. 81) Enquanto a lição de Meirelles empresta ao princípio da impessoalidade a identificação com o princípio da finalidade, Mello estipula o caráter autônomo do princípio e o caracteriza 54 como sendo nada mais que o princípio da igualdade ou da isonomia, nos exatos e seguintes termos: Nele se traduz a idéia de que Administração tem que tratar a todos os administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. Nem favoritismo nem perseguições são toleráveis. Simpatias ou animosidades pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na atuação administrativa e muito menos interesses sectários, de facções ou grupos de qualquer espécie. O Princípio em causa não é senão o próprio princípio da igualdade ou isonomia [...]. No texto constitucional há, ainda algumas referências a aplicações concretas deste princípio, como ocorre no art. 37, II, ao exigir que o ingresso em cargo, função ou emprego público depende de concurso público, exatamente para que todos possam disputar-lhes o acesso em plena igualdade. (1996, p. 68) Também comunga desse entendimento Juarez Freitas, em sua obra O Controle dos Atos Administrativos e os Princípios Fundamentais: No tocante ao princípio da impessoalidade, derivado do princípio geral da igualdade, mister traduzi-lo como vedação constitucional de qualquer discriminação ilícita e atentatória à dignidade da pessoa humana. Ainda segundo este princípio, a Administração Pública precisa dispensar um objetivo isonômico a todos os administrados, sem discriminá-los com privilégios espúrios, tampouco malferindo-os persecutoriamente, uma vez que iguais perante o sistema. Quer-se através da implementação do referido princípio, a instauração, acima de sinuosos personalismos, do soberano governo dos princípios, em lugar de idiossincráticos projetos de cunho personalista e antagônicos à consecução do bem de todos. [...] A dizer de outro modo, o princípio da impessoalidade determina que o agente público proceda com desprendimento, atuando desinteressada e desapegadamente, com isenção, sem perseguir nem favorecer, jamais movido por interesses subalternos. Mais: postula-se o primado das idéias e dos projetos marcados pela solidariedade em substituição aos efêmeros cultivadores do poder como hipnose fácil e encantatória. Semelhante princípio guarda derivação frontal, inextirpável e, não raro, desafiadora com o princípio da igualdade de todos, sem distinção de qualquer natureza (CF, art. 5º, caput), salvo aquelas impostas pelo próprio sistema constitucional. (1997, p. 64-65) O princípio constitucional da impessoalidade aplicado à administração pública deve ser observado sob dois aspectos distintos: o primeiro sentido a ser dado à aplicação do 55 princípio é o que ressalta da obrigatoriedade de que a administração proceda de modo que não cause privilégios ou restrições descabidas a ninguém, vez que o seu norte sempre haverá de ser o interesse público; o segundo sentido a ser extraído da vinculação do princípio à administração pública é o da abstração da pessoalidade dos atos administrativos, pois que a ação administrativa, em que pese ser exercida por intermédio de seus servidores, é resultado tão somente da vontade estatal8. Os atos de admissão de servidores públicos, por força expressa de disposição constitucional vinculativa para todos os atos de administração pública também haverão de estar submetidos ao princípio da impessoalidade. O primeiro impositivo constitucional visante a garantir a concreção do princípio da impessoalidade é a norma posta no inciso II do artigo 37, que vincula a investidura em cargo ou emprego público a aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos. Igualmente o inciso IV do artigo 37 da Carta Maior assegura a impessoalidade na ordem de chamamento de aprovados em concursos públicos: IV durante o prazo improrrogável previsto no edital de convocação, aquele aprovado em concurso público de provas ou de provas e títulos será convocado com prioridade sobre novos concursados para assumir cargo ou emprego, na carreira. (BRASIL, 1988) Também pode ser considerada como realização do princípio da impessoalidade a restrição ao acúmulo remunerado de cargos públicos posta no artigo 37, inciso XVI, da Constituição Federal. 8 Esse entendimento pode ser encontrado em Di Pietro (1999, p. 71) e Martins Júnior (2001, p. 81). 56 O Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul firmou entendimento sobre o exame a ser realizado em atos de admissão decorrentes de concurso público através do Parecer Coletivo nº 06/92, publicado na Revista nº 16 do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul: Para que o Tribunal de Contas possa emitir um pronunciamento sobre a legalidade de um ato de admissão, evidentemente que terá de examinar se foram cumpridos os pressupostos constitucionais e legais para a sua concretização, entre os quais encontra-se a obrigatoriedade de realização de concurso público conforme o determinado pelo artigo 37, II, da Constituição Federal, atingindo os órgãos e entidades da administração direta, indireta e fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Sendo o concurso um meio de obter-se a moralidade, eficiência e aperfeiçoamento do serviço público,. Deve o mesmo ser realizado de maneira a propiciar igual oportunidade a todos os interessados que atendam aos requisitos legais e regulamentares. Como a Constituição não estabelece forma ou procedimento para o concurso público, deve a administração editar regulamentação legal ou administrativa, no sentido de ficar assegurado o princípio da igualdade entre os concorrentes. (1992, p. 32) Os candidatos ao provimento de cargos públicos haverão de ser submetidos a certame em que seja respeitado, em todas as fases de realização, o sigilo absoluto das informações referentes às questões das provas e aos gabaritos das respostas, assim como também deve ser respeitado o amplo acesso de todos os candidatos às informações necessárias para a realização do concurso. O texto constitucional também impõe aos atos administrativos públicos o princípio da publicidade. Portanto, todos os atos e fases de realização de concursos públicos deverão ser públicos, sendo indispensável a publicação dos regulamentos e editais para propiciar a igualdade entre os interessados. 57 Os espaços públicos, em um sistema democrático de direito, devem sempre estar acessíveis àqueles que se mostrarem mais aptos em processo de seleção adequado à legalidade, democrático, público e impessoal. Fato que deve ser considerado com algumas restrições é a participação de empresas e instituições privadas na elaboração de todas as etapas de realização dos certames públicos, considerada a vinculação dos atos administrativos aos princípios constitucionais. Não pode a administração pública, no afã de cumprir os seus haveres, simplesmente delegar a terceiros o cometimento de suas tarefas primordiais, especialmente a seleção daqueles que, em seu nome, deverão prestar os serviços públicos. Essa também a opinião de Osório: Concursos públicos, por exemplo, devem ostentar plena aparência de legalidade. A lei nesse ponto, não pode ficar em silêncio acerca das exigências de sigilo e preservação das provas lacradas até o momento oportuno, assim como não pode deixar de adotar cautela nos procedimentos de fiscalização e correção dos exames, ou ainda, publicidade completa de todo o procedimento. Não há espaço para suspeitas nos procedimentos públicos. A mera suspeita, aliás, desde que respaldada em índices mínimos, traduz ofensa objetiva ao princípio da moralidade, ainda que o procedimento se adapte às exigências legais específicas. No campo dos concursos públicos, aliás, é de se repudiar a possibilidade de contratação de empresas privadas para elaboração e correção das provas, integrando seus membros a própria banca examinadora. Não se olvide que o caráter público do certame não se compatibiliza com delegação de poderes decisórios à iniciativa privada na elaboração do concurso, correção das provas, fiscalização e até participação na banca examinadora, em que pese tal hipótese ocorres na vida prática. De outro lado, inviável a abertura de concursos públicos para fins demagógicos e eleitorais, quando nenhuma necessidade para os serviços existe. Deve haver um suporte mínimo para a abertura de um concurso: a efetiva necessidade de preenchimento de vagas e, mais ainda, necessidade dos serviços. Os requisitos dos concursos não podem deixar margem às fraudes e falcatruas. O procedimento deve estar revestido de todas as garantias formais. A mera suspeição de fraude, mesmo inexistindo provas cabais para a responsabilização, deve ensejar, no mínimo, a nulidade do certame. (1998, p. 214) 58 Efetivamente, a maioria das irregularidades cometidas pelas administrações na realização de certames estão diretamente relacionadas com a abstenção dos poderes e órgãos de, em seu labor próprio, realizar os certames. O cometimento de tais fazeres a estranhos à administração deveria ter acompanhamento rigoroso de todas as etapas de desenvolvimento dos trabalhos e não, como costuma acontecer, atitude simplesmente homologatória dos resultados apresentados. Deve-se ter em conta que os particulares não estão cingidos, mesmo que agindo em colaboração com a administração, à observância dos rigores constitucionalmente postos ao fazer administrativo. Mesmo delegando poderes a outrem para a realização de suas tarefas, à administração pública deve ser reservada a responsabilidade pelos resultados advindos de suas parcerias. O Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, no citado Parecer Coletivo nº 02/96, advoga uma atitude de não se constituir em elemento perturbador da segurança e da estabilidade nas relações entre Estado e indivíduo: Na esteira dessa orientação jurisprudencial, é de se ressaltar o cuidado e as reservas que se deve ter na avaliação dos concursos públicos, no atinente à invalidação desses atos. Quando o Tribunal de Contas, por ocasião do exame da legalidade dos atos de admissão, verifica a existência de falhas no concurso público, não deve fazer tábula rasa da situação jurídica defeituosa. Há de proceder com a devida cautela para, no dizer de Seabra Fagundes, não se constituir em elemento perturbador da segurança e da estabilidade nas relações entre Estado e indivíduo (...). Contudo, essas cautelas que devem ser tidas para a determinação de desfazimento de um ato, não significam uma abdicação da função fiscalizadora, nem devem servir para isentar de responsabilidade o administrador que age de forma contrária à lei. Assim, mesmo que, diante de possíveis defeitos no concurso público realizado, usando do devido cuidado, o Tribunal de Contas não impugne o procedimento e, por conseqüência, deixe de determinar o desfazimento do ato de admissão, deverá promover a responsabilidade do administrador, podendo do fato resultar aplicação de penalidade, com repercussão negativa no exame de suas contas. 59 De outro lado, ficando, de forma clara e insofismável, que o concurso público é um ato ilegítimo, porque realizado em conflito com textos legais e regulamentares, originando favoritismo para alguns e prejuízo para muitos outros, deve o Tribunal de Contas posicionar-se pela nulidade do concurso, negando registro ao ato de admissão dele decorrente. Porém, ainda assim, para o restabelecimento da legalidade, deverá o administrador ser alertado que, antes da desconstituição do ato de admissão, deverá promover inquérito administrativo para a anulação do concurso, onde fique assegurado o direito de defesa dos interessados. Também nessa circunstância deverá ser promovida a responsabilidade do administrador, avaliando-se os prejuízos oriundos do ato praticado. (1992, p. 35) Melhor razão assiste a Osório (1998) que alega não haver espaço para suspeitas nos procedimentos públicos. Em qualquer suspeição de ilegalidade ou impessoalidade ou imoralidade nos procedimentos de seleção, haverá de proceder a administração pública no sentido de anular seus atos contrários à ordem constitucional estabelecida. A salvaguarda dos direitos individuais comprometidos pelo agir administrativo podem ser recompostos pela via administrativa ou judicial competente, sendo defeso aos órgãos internos ou externos de controle emitir outro juízo que não seja o da validação unicamente dos atos sobre os quais não pairem quaisquer formas de suspeição. Outro não poderá ser o entendimento, especialmente face ao regramento posto na Lei Federal nº 8.429, de 02 de junho de 1992, que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional, em especial na Seção III, que cuida dos atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública, cujo artigo 11 regra: Art. 11 Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, e notadamente: [...] V frustrar a licitude de concurso público. (BRASIL, 1992) 60 O próprio texto constitucional, no parágrafo 2º do artigo 37 dispõe sobre a nulidade dos atos não conformes ao regramento de seus incisos II e III e consigna a responsabilidade da autoridade responsável, nos termos da lei. Impessoais também deverão ser os atos de contratação por tempo determinado para atender necessidade temporária de excepcional interesse público, os quais devem ser estabelecidos em lei. Em que pese o texto constitucional não impor a necessidade de realização de seleção pública para a realização de tais contratações, não se vislumbra como poderá o administrador público, mesmo premido pelas circunstancias temporárias e excepcionais deixar de proceder a algum tipo de seleção para salvaguarda do princípio constitucional da impessoalidade. A lei que autorizar as contratações para suprir tais necessidades deverá estabelecer, claramente, qual o tempo necessário das contratações e, principalmente, qual o excepcional interesse público para que o permissivo constitucional não se transforme em veículo de propagação da apropriação dos espaços públicos. Tais contratações devem ser compreendidas como exceção à regra geral da submissão dos candidatos a ingresso nos quadros públicos permanentes pela via da seleção pública e, como tal, não poderão ser efetivadas para realização de tarefas para as quais a administração disponha, entre os seus, de servidores habilitados e em número suficiente e, ainda, o prazo deverá ser razoável e que não caracterize a perenidade da necessidade dos serviços. O interesse público excepcional deverá estar plenamente caracterizado. Excepcional haverá de ser toda atividade de deslinde da cotidiana, corriqueira, característica do serviço público, e para a qual não há a possibilidade de preparação prévia por parte da administração. 61 Deverão ser levadas em sua devida conta as contratações sucessivas, resultado de sucessivas edições legislativas autorizativas de contratações, as quais evidenciam unicamente a adequação formal às exigências constitucionais, denotando burla às restrições postas e assecuratórias da continuidade profissional da prestação dos serviços públicos Regra comum nas administrações públicas tem sido a de aproveitar do permissivo constitucional para a contratação de pessoal, reiteradamente, para atividades de caráter permanente, por prazo dilatado ou sucessivamente renovado, em situações que não podem ser perfeitamente caracterizadas como de excepcional interesse público, em clara infringência ao princípio constitucional da impessoalidade. Outra regra constitucional de exceção à norma geral do recrutamento mediante seleção pública é a possibilidade nomeação para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração. Tal possibilidade consta expressamente no inciso II do artigo 37 da Carta Magna e, também, no inciso V do artigo referido onde consta que: V as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento. (BRASIL, 1988) Também deverão estar submetidas ao princípio constitucional da impessoalidade tais nomeações na medida em que o texto da Emenda Constitucional nº 19, de 04 de junho de 1998, alçou a norma constitucional a construção doutrinária da destinação às atribuições de direção, chefia e assessoramento. No dizer de Mello: 62 Os cargos de provimento em comissão (cujo provimento dispensa concurso público) são aqueles vocacionados para serem ocupados em caráter transitório por pessoa de confiança da autoridade competente para preenchê-los, a qual também pode exonerar ad nutum, isto é, livremente, quem os esteja titularizando. (1996, p. 160) Outro fosse o entendimento e aberta estaria a possibilidade de o administrador público relegar a segundo plano a norma primeira e geral de seleção pública. Ainda que posta em nível constitucional a exigência de que o provimento dos cargos em comissão esteja restrita às atividades de direção, chefia e assessoramento, tais conceitos, por indefinidos, sujeitam-se a toda sorte de manipulações por parte daqueles que não compreendem o intuito impessoal e moralizador da Emenda referida. Regra normal é utilização da exceção constitucional para a nomeação de servidores que executam atividades de caráter permanente da administração pública, em que pese a nomenclatura dos cargos referir a exercício de atividades de direção, chefia e assessoramento. O desvirtuamento da determinação constitucional é mais uma possibilidade de, com aparências de legalidade, apropriar-se o administrador dos espaços públicos para a encampação dos apaniguados na realização dos serviços públicos. 2.4 O Princípio Constitucional da Moralidade e o Nepotismo O princípio da moralidade, com o advento da Carta Constitucional de 1988, foi alçado, pela vez primeira em nosso direito positivo a princípio constitucional, nos termos do artigo 37, caput, o qual estabelece diretrizes à administração pública. 63 Também o artigo 5º, inciso LXXIII, da Constituição Federal, prevê a possibilidade de anulação de atos lesivos à moralidade administrativa. Moral, segundo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, tem a seguinte significação: Moral. [Do lat. Morale, relativo aos costumes .] S.f. 1. Filos. Conjunto de regras de conduta consideradas como válidas, quer de modo absoluto para qualquer tempo ou lugar, quer para grupo ou pessoa determinada. (...) 3. O conjunto de nossas faculdades morais; brio, vergonha. (1986, p. 1.158) A moralidade administrativa é princípio informador de toda a ação administrativa, sendo defeso ao administrador o agir dissociado dos conceitos comuns, ordinários, válidos atualmente e desde sempre, respeitadas as diferenças históricas, do que seja honesto, brioso, justo. Meirelles, sintetizando as lições de Maurice Hauriou, o principal sistematizador da teoria da moralidade administrativa, assim se manifesta: A moralidade administrativa constitui hoje em dia, pressuposto da validade de todo ato da Administração Pública (Const. Rep., art. 37, caput). Não se trata diz Hauriou, o sistematizador de tal conceito da moral comum, mas sim de uma moral jurídica, entendida como o conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interior da Administração . Desenvolvendo a sua doutrina, explica o mesmo autor que o agente administrativo, como ser humano dotado da capacidade de atuar, deve, necessariamente, distinguir o Bem do Mal, o honesto do desonesto. E, ao atuar, não poderá desprezar o elemento ético de sua conduta. Assim, não terá que decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas também entre o honesto e o desonesto. Por considerações de direito e de moral, o ato administrativo não terá que obedecer somente à lei jurídica, mas também à lei ética da própria instituição, porque nem tudo que é legal é honesto, conforme já proclamavam os romanos non omne quod licet honestum est. A moral comum, remata Hauriou, é imposta ao homem para sua conduta externa; a moral administrativa é imposta ao agente público para a sua conduta interna, segundo as exigências da instituição a que serve, e a finalidade de sua ação: o bem comum. [...] 64 O certo é que a moralidade do ato administrativo, juntamente com a sua legalidade e finalidade, constituem pressupostos de validade, sem os quais toda atividade pública será ilegítima. (1990, p. 79-80) A construção da teoria do princípio da moralidade está diretamente vinculada aos freios a serem impostos aos agentes públicos na execução dos poderes discricionários, surgida e desenvolvida junto à idéia de desvio de poder. Efetivamente, o desvio de poder, em suas duas espécies denominadas excesso de poder e desvio de finalidade é que fixou a dimensão da teoria da moralidade administrativa como forma de limite à atividade discricionária da administração pública que, utilizando-se de meios lícitos, busca a realização de fins de interesses privados ou mesmo de interesses públicos estranhos às previsões legais. Martins Júnior esclarece a teoria do desvio de poder: Assim, desvio de poder é, por definição, um limite à ação discricionária, um freio ao transbordamento da competência legal além de suas fronteiras, de modo a impedir que a prática do ato administrativo, calcada no poder de agir do agente, possa dirigir-se à consecução de um fim de interesse privado, ou mesmo de outro fim público estranho à previsão legal , anota Caio Tácito, destacando que o combate ao desvio de poder tem por objetivo precípuo a afirmação da finalidade do ato requisito essencial, cuja função é tão importante quanto os demais requisitos, mas se estreita com as bases do Estado de Direito, na medida em que (a finalidade) é a baliza, o rumo, o norte da atuação administrativa compatível com o ordenamento jurídico e, por isso mesmo, limite à intervenção inidônea do Estado na esfera dos direitos de seus súditos. [...] Embora haja divergência doutrinária, concebem-se duas espécies ou modalidades: a) o excesso de poder, quando há competência do agente público , porém é extrapolada, ou não há, e o agente dissimuladamente invade competência alheia, ou, ainda, há competência, mas o ato extravasa seus limites; b) o desvio de finalidade, quando há competência, e o agente busca fins diversos do interesse público ou pratica o ato com motivos estranhos ao interesse público, seja por móvel pessoal (interesse privado, espírito de vingança ou perseguição), político (favorecimento ou eliminação de adversário), de terceiro (favorecimento de interesse particular em detrimento de outro, salvo se a atividade desse particular coincide com o 65 interesse público) ou público diverso (distinto daquele previsto na regra de competência do fim específico). A essas duas acresça-se mais uma. Pode ocorrer desvio de poder, ainda, sob o manto da omissão administrativa lesiva, pois não agir é também agir (...). (2001, p. 24-26) A configuração do desvio de poder e do princípio da moralidade é objeto de análise de Osório, que ressalta a necessidade de a teoria abarcar ações além das perfeitamente legalizadas e do exame das intenções dos agentes públicos: A doutrina clássica desenvolveu mecanismos de controle de uma legalidade substancial dos atos administrativos e, nesse sentido, proporcionou espaço para o desenvolvimento dos princípios da legalidade e moralidade administrativas, aí incluída a possibilidade de se controlar mais amplamente conceitos jurídicos indeterminados, cuja definição era dispensada exclusivamente aos critérios subjetivos da Administração Pública. A moralidade, no entanto, não se esgota na idéia de legalidade substancial, pois pode haver leis imorais que, por esse ângulo, se apresentem inconstitucionais. A imoralidade da lei não se deixa perceber pelo mero subjetivismo judiciário, pois aí haveria arbítrio. Percebe-se a imoralidade administrativa pelo conjunto dos princípios, de concepções doutrinárias, jurisprudenciais, hermenêuticas de um dado sistema que, em seu todo, repele determinadas soluções ou opções do legislador, por reputa-las inconstitucionais. A moralidade administrativa abrange padrões objetivos de condutas exigíveis do administrador público, independentemente, inclusive, da legalidade e das efetivas intenções dos agentes públicos. (1998, p. 155-156) Corolário do princípio da moralidade administrativa, a probidade administrativa restou consignada em nível constitucional no parágrafo quarto do artigo 37 da Carta Política de 1988, nos termos seguintes: Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. (BRASIL, 1988) A lei referida no texto constitucional é a já citada Lei Federal nº 8.429, de 02 de junho de 1992. 66 A mais moderna doutrina nacional assegura a correlação entre o princípio constitucional da moralidade o dever de probidade do agir administrativo. A esse respeito, Osório: Há quem diga, todavia, expressamente, que o princípio da probidade administrativa descende da moralidade administrativa, sendo que este último goza de plena autonomia no sistema jurídico pátrio. A legalidade, nesse passo, assumiria uma posição até inferior em relação à moralidade, pois a mera ilegalidade não poderia acarretar configuração da improbidade administrativa. Cabe lembrar, com efeito, que respeitado setor doutrinário sustenta que a probidade administrativa estaria necessariamente ligada à idéia de moralidade administrativa, o que torna necessário o exame mais detido do dever de probidade constitucionalmente imposto aos agentes públicos. A improbidade administrativa tem profunda conexão com o princípio da moralidade administrativa, sendo que tal premissa não pode ser objeto de dúvidas fundamentadas. (1998, p. 155-156) Também Martins Júnior, sobre o assunto: A probidade administrativa estabelece-se internamente como dever funcional inserido na relação jurídica que liga o agente público à Administração Pública (sendo esta titular do direito) e, externamente, determina que nas relações jurídicas com terceiros também a Administração Pública por seus agentes observe o postulado. [...] A norma constitucional criou aí um subprincípio ou uma regra derivada do princípio da moralidade administrativa: probidade administrativa, que assume paralelamente o contorno de um direito subjetivo público a uma Administração Pública proba e honesta, influenciado pela conversão instrumentalizada de outros princípios da Administração Pública (notadamente, impessoalidade, lealdade, imparcialidade, publicidade, razoabilidade) e pelo cumprimento do dever de boa administração. (2001, p. 24-26) Evidentemente, estabelecidas as determinações constitucionais e infraconstitucionais que a todos os atos de administração pública, internos ou externos, vinculam, não serão os 67 atos de admissão de servidores públicos que passarão ao largo da obediência ao princípio constitucional da moralidade e sua decorrência direta: a probidade. As admissões através de concursos públicos, frustrada sua licitude, configuram ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública, em conformidade com o inciso V do artigo 11 da Lei Federal nº 8.429/92. Entretanto, em que pese não haver expressa capitulação legal às demais espécies de atos de admissão, também eles estão adstritos à observância da moralidade e probidade públicas. As contratações por tempo determinado9, formalmente adequadas às determinações constitucionais, também deverão se submeter aos ditames da moralidade e probidade administrativas, pois não podem se constituir em instrumento de pessoalidade pela reiteração das contratações, assim como não deverão se constituir em subterfúgio à excepcionalidade temporária do interesse público, visando unicamente o desvirtuamento do permissivo de exceção constitucional, em afronta à norma geral do recrutamento público. Também as nomeações para provimento de cargos em comissão, destinados por força de texto constitucional às atribuições de direção, chefia e assessoramento deverão assegurar a vivificação dos princípios; contrariu sensu, a regra dessas nomeações tem sido a apropriação desses espaços para atividades cotidianas, rotineiras, típicas de cargos de provimento efetivo. Ferimento mais grave aos princípios constitucionais, notadamente o princípio da moralidade, são tais nomeações para cargos em comissão e exercício de funções de confiança 9 Melhor seria a definição de prazo para o período a ser observado nas contratações temporárias, posto que tempo é medida mais apropriada para noção de presente, passado e futuro, conforme Ferreira. (1986, p. 1.660) 68 (art. 5º, inciso V, da Constituição Federal) com o intuito de favorecimento a parentes, companheiros ideológicos e partidários e afins. Configuram o denominado nepotismo e suas variáveis: empreguismo; filhotismo; coronelismo, formas de encampação dos espaços públicos com vistas à manutenção e propagação de poder político, econômico e social. Nepotismo afigura-se à idéia de favoritismo, patronato, em dissonância à impessoalidade. A breve história da nação brasileira, já em seus primórdios, registra a primeira manifestação de tal prática, ocorrida pela pena de Pero Vaz de Caminha10, escrivão de Pedro Álvares Cabral, ao dar conta ao Rei de Portugal das maravilhas que se descortinavam na terra nova: E nesta maneira, Senhor, dou aqui a Vossa Alteza conta do que nesta vossa terra vi. E, se a algum pouco alonguei, Ela me perdoe, que o desejo que tinha de vos tudo dizer mo fez assim pôr pelo miúdo. E, pois que, Senhor, é certo que assim neste cargo que levo, como em qualquer outra coisa que de vosso serviço for, Vossa Alteza há-de ser de mim muito bem servida, a Ela peço que, por me fazer singular mercê, mande vir da Ilha de São Tomé Jorge de Osório, meu genro, o que d Ela receberei em muita mercê. (REVISTA VEJA, 2000, p. 39) Desde então, a percorrer e macular toda a nossa história pública e privada, a figura do apadrinhamento, da assunção aos postos sem a aferição de medidas de capacidade e merecimento, fez-se presente, suplantando períodos despóticos e democráticos, como que pairando sobre qualquer juízo de moralidade e probidade. 10 Segundo Eduardo Bueno, Pero Vaz de Caminha tinha um forte motivo para dirigir-se ao Rei: queria que D. Manuel perdoasse seu genro, Jorge Osouro, que fora condenado ao degredo na ilha de São Tomé, na África. Jorge Osouro foi perdoado de seu crime em 1.501. (1998, p. 114-115) 69 Diversas são as manifestações tendentes a legitimar o agir nepótico, desde as mais absurdas até as que, travestidas de legalidade, tendem a dourar de éticas medidas que unicamente visam favorecer aos que dispõe da ventura de serem próximos daqueles que detém a faculdade de escolha de seus colaboradores. Três são as vertentes mais decantadas a tentar justificar o nepotismo: a) a primeira é a que entende tal atuação como natural, decorrência direta da assunção aos cargos públicos e prêmio a ser repartido entre parentes e colaboradores e que se assenta em assertivas tais como: tive 42 mil votos e emprego quem eu quiser e assemelhadas; b) a segunda é a que defende tal atuação justificada em critérios de competência, aferidos não se sabe por quem, e no desvirtuamento da restrição constitucional da impessoalidade, ou seja, aos apaniguados não seria lícito serem excluídos da participação nos espaços públicos pelo fato único de serem parentes e/ou colaboradores dos agentes públicos; c) a terceira é a que pretende se justificar pela impossibilidade de busca, dentre a totalidade da população, de pessoas com a qualificação técnica e moral dos escolhidos, também sem que se possa atingir quais os critérios objetivos dessa forma de seleção. A corrente à qual devotamos maior carga de moralidade é a de que, públicos sendo os espaços, que sejam preenchidos pelos que efetivamente demonstrem maior capacidade técnica e psíquica, respeitadas as restrições legais e constitucionais, apurados por certame seletivo público, amplo, impessoal, e moral. Questão que se impõe é a de se saber quem, considerando-se a hierarquia superior do detentor do poder de nomeação, haverá de realizar o controle e manifestar-se contrário, em se 70 configurando a inapetência do nomeado para o exercício das funções do cargo, à manutenção de determinado servidor. A realidade que se apresenta é a dos condomínios de contracheques, prática de acumulação familiar de rendimentos sob pretexto de confiabilidade, capacidade e igualdade. Sendo um dos vetores informativos do texto constitucional o princípio da igualdade ou da isonomia, a restrição à nomeação de parentes, companheiros e assemelhados viria a se configurar como restrição a tais princípios, pois que, se todos são iguais perante o sistema constitucional posto, por qual razão desiguais haveriam de ser aqueles que mantém laços íntimos com os detentores de poder público. Tal linha de raciocínio oculta uma realidade candente. Se a regra constitucional estipula a igualdade de todos, respeitadas as restrições legais, ao acesso aos cargos públicos, que se submetam aqueles que se considerarem capazes e aptos a assumir cargo, emprego ou função pública aos regramentos democráticos de igualdade, impessoalidade e moralidade de acesso, posto que é a norma que se descortina aos gerais. Não se pode conceber, no atual estágio de nosso viver democrático, outra forma de acesso aos quadros públicos que não sejam as igualitárias, desconsideradas as condições de parentesco, amizade ou posições partidárias ou ideológicas. É de se observar a fragilidade dos conceitos de moralidade e probidade que pontuam o discurso de nossos agentes políticos, os quais variam ao sabor das circunstâncias. Estando o discursista político em atitude de enfrentamento, de busca do espaço público, a moralidade pública tem certo matiz; ponto contrário, tais conceitos já não se afiguram tão rígidos. A realidade que a história da ocupação dos espaços públicos nos tem mostrado é a da deturpação da legalidade, da impessoalidade, da imoralidade e da improbidade disfarçadas em 71 conceitos indeterminados, da destinação dos melhores espaços públicos aos chegados do administrador e, aos despossuídos, aos hipossuficientes, a sua própria sorte. 2.5 As Terceirizações e a Precariedade das Relações Públicas de Trabalho A Carta Constitucional de 1988, com as alterações postas pela Emenda Constitucional nº 19, de 04 de junho de 1998, consagrou os princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência para a ação da administração pública. Consagrou, também, a possibilidade da parceria entre o Estado e a iniciativa privada para a realização de algumas das funções e tarefas estatais. O artigo 175 da Constituição Federal bem espelha essa orientação: Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. (BRASIL, 1988) Diversas são as modalidades de parceria ou substituição arroladas pela melhor doutrina. Vejamos as hipóteses apresentadas por Di Pietro: [...] abrange todas as medidas adotadas com o objetivo de diminuir o tamanho do Estado e que compreendem, fundamentalmente: a) a desregulação (diminuição da intervenção do Estado no domínio econômico); b) desmonopolização de atividades econômicas; c) a venda de ações de empresas estatais ao setor privado (desnacionalização ou desestatização); d) a concessão de serviços públicos (com a devolução da qualidade de concessionário à empresa privada e não mais a empresas estatais, como vinha ocorrendo); e) os contracting out ( como forma pela qual a Administração Pública celebra acordos de variados tipos para buscar a colaboração do setor privado, podendo-se mencionar, como exemplos, os convênios e os 72 contratos de obras e prestação de serviços); é nesta última fórmula que entra o instituto da terceirização. (1999, p. 15-16) Essa utilização das terceirizações de serviços através de parcerias com o setor público visando a diminuição do tamanho do Estado e uma maior participação da iniciativa privada nos espaços públicos é reflexo de um embate ideológico, ou, ainda no dizer de Di Pietro: Fala-se em toda parte, em reforma do Estado, em reforma da Constituição, em reforma da Administração Pública. E isto tudo traz princípios novos, institutos novos e, especialmente, traz nova terminologia; muitas vezes são apenas vocábulos novos que surgem para designar fórmulas antigas que voltam impregnadas de nova ideologia. Fala-se em transparência na Administração Pública para designar o velho princípio da publicidade e afastar a atuação sigilosa. Fala-se em privatização para designar a transferência de ações de empresas estatais para o setor privado. Fala-se em parceria entre o poder público e iniciativa privada para designar fórmulas antigas, como a concessão e a permissão de serviços públicos. A terceirização é vocábulo emprestado à vida comercial para designar os antigos contratos de obras, serviços e fornecimentos, desde longa data utilizados pela Administração Pública. Fala-se em codificação do direito administrativo para trazer para o direito positivo princípios, teorias e regras que são de todos conhecidas e há muito tempo aplicadas pela Administração pública, quando se quer descentralizar mais, diversificar o regime jurídico dos servidores, simplificar os procedimentos licitatórios e os procedimentos de controle. Ora são institutos velhos que renascem com nova força e sob novo impulso, como a concessão de serviço público; ora são institutos velhos que aparecem com nova roupagem. Não obstante isso, tem-se a impressão de mudança; fala-se em reforma do Estado, em reforma da Constituição, em reforma da Administração Pública. O que muda na realidade? Parece que o que muda é principalmente a ideologia, é a forma de conceber o Estado e a Administração Pública. Não se quer mais o Estado prestador de serviços; quer-se o Estado que estimula, que ajuda, que subsidia a iniciativa privada; quer-se a democratização da Administração Pública pela participação dos cidadãos nos órgãos de deliberação e consulta e pela colaboração entre público e privado na realização das atividades administrativas do Estado; quer-se a diminuição do tamanho do Estado para que a atuação do particular ganhe espaço; quer-se a flexibilização dos rígidos modos de atuação da Administração Pública, para permitir maior eficiência; quer-se a parceria entre o público e o privado para substituir-se a Administração Pública dos atos unilaterais, a Administração Pública autoritária, verticalizada, hierarquizada. (1999, p. 13-14) 73 Não se pode deixar de acordar com a ilustre autora desse que é um dos mais conceituados trabalhos a respeito das parcerias na Administração Pública no que respeita às suas observações quanto à necessidade de que a Administração Pública não se configure como autoritária, verticalizada e hierarquizada; entretanto, a ideologia proposta é a da dominação dos espaços públicos pelos particulares, notadamente pelos detentores do capital, os quais não tem compromisso com a redução das desigualdades sociais e com a inserção social dos desfavorecidos. A administração pública brasileira utilizou-se dessas modalidades, nos últimos tempos, para a transformação da forma da prestação dos serviços públicos, alteração das relações de direito público entre administração e administrados para uma relação híbrida de direito privado e público, com preponderância daquele. Em um país de imensas desigualdades sociais como o nosso, o Estado exerce papel fundamental na equiparação entre os excluídos e a minoria inserida nos sistemas de emprego, educação e consumo básico, sendo que não se vislumbra como, com a entrega da realização de suas atividades a setores privados poderá o Estado cumprir com a sua função precípua de elemento amenizador das desigualdades sociais. Nesse contexto é que se verifica a propagação da idéia de inapetência e incompetência dos servidores públicos, sobre os quais há a tentativa incessante de alçar a responsabilidade pelas mazelas sociais e econômicas brasileiras. Na esteira desse entendimento, os administradores públicos brasileiros tem levado a efeito contratações de empresas prestadoras de serviços e cooperativas de trabalhadores, em substituição aos quadros públicos estruturados, fato que, pela sua irregular utilização, somente tem agravado o estigma da inoperância dos prestadores de serviços públicos. 74 As formas constitucionais de acesso aos cargos públicos são aquelas já elencadas anteriormente: as admissões por concurso público, as nomeações para cargos em comissão e as contratações por prazo determinado para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público. Tais formas de assunção aos cargos, empregos e funções públicas adstritas estão à observância dos princípios constitucionais para que se resguarde o acesso democrático e legal e, também, para a salvaguarda da qualidade da prestação dos serviços públicos, pois os servidores públicos legalmente recrutados deverão se submeter a um estatuto definidor das obrigações, responsabilidades e prerrogativas, de forma impessoal, com condições teóricas de suportar e repelir a interferência de grupos, partidos ou facções e de prestar serviços públicos de qualidade pelas características de continuidade e especialidade. Serviços públicos, no dizer de Meirelles, são: Serviços Públicos, propriamente ditos, são os que a Administração presta diretamente à comunidade, por reconhecer a sua essencialidade e necessidade para a sobrevivência do grupo social e do próprio Estado. Por isso mesmo tais serviços são considerados privativos do Poder Público, no sentido que só a Administração deve prestá-los, sem delegação a terceiros, mesmo porque, geralmente exigem atos de império e medidas compulsórias em relação aos administrados. (1990, p. 291) A idéia que se propaga entre os administradores públicas é a da substituição pura e simples do quadro de servidores públicos pelas contratações de empresas prestadoras de serviços ou de cooperativas prestadoras de serviços, também denominadas de cooperativas de mão-de-obra, as quais alocam a força de trabalho de seus contratados ou cooperativados para o setor público. 75 Esse tipo de contrato têm sido reiteradamente criticado pela doutrina pátria. Di Pietro reconhece tal irregularidade: Tais contratos têm sido celebrados sob a fórmula de prestação de serviços técnicos especializados, de tal modo a assegurar uma aparência de legalidade. No entanto, não há, de fato, essa prestação de serviços por parte da empresa contratada, já que esta se limita, na realidade, a fornecer mãode-obra para o Estado; ou seja, ela contrata pessoas sem concurso público, para que prestem serviços em órgãos da Administração direta e indireta do Estado. Tais pessoas não têm qualquer vínculo com a entidade onde prestam serviços, não assumem cargos, empregos ou funções e não se submetem às normas constitucionais sobre servidores públicos. Na realidade, a terceirização, nesses casos, normalmente se enquadra nas modalidades de terceirização tradicional ou com risco, porque mascara a relação de emprego que seria própria da Administração Pública; não protege o interesse público, mas, ao contrário, favorece o apadrinhamento político; burla a exigência constitucional de concurso público; escapa às normas constitucionais sobre servidores públicos; cobra taxas de administração incompatíveis com os custos operacionais, com os salários pagos e com os encargos sociais; não observa as regras das contratações temporárias; contrata servidores afastados de seus cargos para prestarem serviços sob outro vínculo, ao próprio órgão do qual está afastado e com o qual mantém vínculo de emprego público. Aliás, não estando investidas legalmente em cargos, empregos ou funções, essas pessoas não têm condições de praticar qualquer tipo de ato administrativo que implique decisão, manifestação de vontade, com produção de efeitos jurídicos; só podem executar atividades estritamente materiais; são simples funcionários de fato. Foi uma das muitas fórmulas que se arrumou para burlar todo um capítulo da Constituição Federal (do art. 37 ao 41), para servir aos ideais de nepotismo e apadrinhamento a que não pode resistir tradicionalmente a classe política brasileira. (1999, p. 166167) Não se pode deixar de concordar, na totalidade, com as doutas observações de Di Pietro, posto que, efetivamente, parece ser infinda a capacidade de nossos agentes públicos de ludibriar as determinações legais e constitucionais, como se a obediência aos regramentos fosse óbice para a boa prestação dos serviços públicos. 76 Também repudia a intermediação de mão-de-obra e a exploração da força de trabalho o Procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, Cezar Miola: Certamente, à idéia de terceirização é de se conjugar a da verdadeira parceria (denominação que ganha fôlego nos dias presentes, não apenas nos meios econômicos e empresariais mas igualmente no setor público). Não há que se confundir a propalada terceirização com a abominável e até repugnante intermediação, o agenciamento de mão-de-obra (merchandage), esta ofensiva à lei e à moral. Conforme preciosa construção formulada pelo Tribunal de Contas da União (Proc. TC 4908/95) a verdadeira terceirização é contratação de serviços e não locação de trabalhadores. [...] Assim, diz-se ilícita a terceirização quando ocorrer a mera intermediação de mão-de-obra permanente por meio de empresa intermediária, objetivando a minoração dos custos da empresa tomadora, mediante a liberação dos ônus inerentes à relação de trabalho subordinado. E justamente essa intermediação da mão-de-obra foi declarada pelo Enunciado nº 331 como ensejadora de vínculo empregatício com o tomador dos serviços (menos com relação ao ente público). O que se repele, isto posto, é o agenciamento de pessoal, a merchandage, na qual o intermediário consegue colocação para o trabalhador em troca de parte de sua remuneração. É o mesmo que reduzir-se o trabalhador a autêntica mercadoria, objeto de comércio. Ou, noutra parte, igual óbice incide quando a contratação tem na mira a retirada do real beneficiário dos serviços, o efetivo empregador, dos ônus inerentes ao contrato de trabalho. (1998, p. 120) Tais contratações irregulares não podem ser sustentadas pela vigência do princípio constitucional da eficiência, alçado a tal categoria no caput do artigo 37 por obra da referida Emenda Constitucional nº 19/98, assim como também não pelo princípio constitucional da economicidade, posto no caput do artigo 70. Meirelles esclarece a necessidade da eficiência do agir administrativo: 77 Dever de eficiência é o que se impõe a todo agente público de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros. (1990, p. 86) O princípio da economicidade ou da otimização da ação estatal é esclarecido por Freitas: No tocante ao princípio da economicidade ou da otimização da ação estatal, urge rememorar que o administrador está obrigado a obrar tendo como parâmetro o ótimo. Em outro dizer, tem o compromisso indeclinável de encontrar a solução mais adequada economicamente na gestão da coisa pública. A violação manifesta do princípio dar-se-á quando constatado vício de escolha assaz imperfeita dos meios ou dos parâmetros voltados para a obtenção de determinados fins administrativos. Não aparecerá, no controle à luz da economicidade, nenhum traço de invasão da discricionariedade, porém se é certo que esta precisa ser preservada, não é menos certo que qualquer discricionariedade legítima somente o será se guardar vinculação com os imperativos de adequação e sensatez. (1997, p. 64-65) Os conceitos de eficácia e economicidade, afetos à iniciativa privada, importados para a administração pública como princípios vinculativos para o agir administrativo, devem ser atingidos pelo administrador em consonância com os demais princípios constitucionais, especialmente os princípios da legalidade e da moralidade, cernes fixos e estruturantes de um Estado Democrático de Direito. O administrador público, em realizar tais contratações, deve emitir juízos de legalidade, oportunidade e conveniência. 78 Os juízos de oportunidade e conveniência aproximam-se de seus poderes discricionários, devem ser emitidos tendo em conta as realidades econômicas e sociais nas quais está inserido o órgão ou poder sob sua administração. O juízo de legalidade é vinculativo para o agir administrativo, dele não se pode afastar o administrador por expressa determinação constitucional. Somente ultrapassada a barreira da adequação à legalidade é que os juízos discricionários de oportunidade e conveniência passarão a balizar o agir do administrador público. Esse o grande desafio a ser enfrentado pelos agentes públicos: a prestação de serviços públicos de qualidade, eficazes e econômicos mas submetidos a conceitos maiores e mais importantes para a administração pública. O respeito às formas constitucionalmente estabelecidas para o acesso igualitário aos cargos, empregos e funções públicas não pode ser suplantado pelo ímpeto de cumprimento de metas ou atingimento de percentuais de comprometimento de receitas. O próprio texto constitucional, no § 2º do artigo 37, fulmina de nulidade os atos contrários às regras gerais de acesso. Os conceitos, ou ideológicos ou utópicos11, sobre a forma de atuação estatal, a quem devem estar disponíveis os espaços e valores públicos, devem, em primeira face, assegurar a fruição dos direitos individuais e coletivos dos cidadãos. 11 Os conceitos operacionais de ideologia e utopia estão cristalinos na obra de Darcísio Corrêa, A Construção da Cidadania: Em síntese, como contraposição à ideologia, surge a utopia como um conjunto de idéias, representações, teorias, crenças e valores, voltados para a construção do projeto de um mundo novo, sem opressores e sem oprimidos, como esperança enquanto objetivo realizável. (2000, p. 32) 79 Não poderá ser a administração pública o veículo de propagação de formas espúrias de exploração da força de trabalho humano; ao contrário, deve propugnar pela garantia dos direitos sociais assegurados pelo Texto Maior. 80 3 A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA A CAMINHO DA CIDADANIA 3.1 Introdução A administração pública brasileira, no limiar do século XXI, enfrenta alguns dilemas, especialmente aqueles decorrentes de sua forma de atuação, da efetividade de suas ações e da qualidade da prestação de seus serviços Várias mudanças ocorreram no decorrer do tempo, através de uma sucessão de teorias da administração que marcaram a vida pública brasileira. Sucessivamente, o patrimonialismo, a burocracia e a administração gerencial regeram as relações público/privado e moldaram as formas de gerência publica. É necessário ter em conta que tais etapas não são estanques, que uma não principia necessariamente com a extinção da anterior, ao contrário, tais modelos são, se não concomitantes no mesmo setor ou espaço, contemporâneas no sentido de que coexistem no 81 sistema administrativo brasileiro, sendo que em alguns setores prevalece o sentimento patrimonialista, em outro a predominância de extrato burocrático e ainda ilhas de excelência gerencial. Para que se possa ter uma melhor dimensão de tal fenômeno, é necessário o domínio do conhecimento dos tipos de administração que caracterizaram a administração pública brasileira. 3.2 O Patrimonialismo Patrimonialismo, no estudo das relações públicas, significa a apropriação, por parte do setor privado, dos recursos, valores bens, funções e atividades públicas. Em sentido mais afinado, pode ser entendido como a confusão, a ausência de separação clara entre público e privado, entre Estado e sociedade/mercado. O patrimonialismo ingressa na história brasileira pela colonização portuguesa, especialmente pela sua natureza, nitidamente estatal, pois que patrocinada pela Coroa Portuguesa, sendo repassado, em seu início, o trabalho de colonização do continente a particulares, pelo sistema das capitanias hereditárias. 82 Malograda essa experiência, e recuperado o controle sobre o território, a Coroa Portuguesa, transmudada para a colônia, fixou os rudimentos de uma estrutura de Estado com a instalação de administração, fisco, justiça e polícia e, em função da escassez de recursos humanos, utilizou-se dos grandes proprietários rurais, os quais se constituíram dentro do sistema de capitanias, para expandir o alcance de seu intento de extrair o máximo da colônia. Prado Júnior esclarece que Entre os poderes dos donatários das capitanias estava, como vimos, o de dispor das terras, que se distribuíram entre os colonos. As doações foram em regra muito grandes, medindo-se os lotes por muitas léguas. O que é compreensível: sobravam as terras, e as ambições daqueles pioneiros recrutados a tanto custo, não se contentariam evidentemente com propriedades pequenas; não era a posição de modestos camponeses que aspiravam no novo mundo, mas de grande senhores e latifundiários. (1985, p. 32-33) A esses senhores de terras, já estabelecidos pelo interior do país, é que foram transmitidas as funções estatais, especialmente de repressão, justiça e voto, em uma manifesta privatização das ações públicas. A corroborar, vejamos Bernardo Sorj: As origens do patrimonialismo no Brasil estão ligadas à colonização portuguesa, que implantou um Estado como estrutura independente e sobreposta à sociedade, estrutura cuja função era extrair renda da colônia. Em fins do século XIX o sistema político consolidara-se em torno de duas instituições: o poder local dos grandes proprietários de terra, estruturados na força de famílias patriarcais que dominavam amplas regiões através de relações clientelísticas e laços de sangue, além do controle direto ou indireto dos órgãos de repressão, das instituições locais de administração e de justiça e de voto, dentro de um sistema de favores que ligavam o poder local ao poder central. (2001, p. 14) 83 Os quadros do Estado, nessa época, tinham também a função de garantir empregos para a classe média pobre agregada ao proprietários rurais, os quais dispunham das vagas a seu talante, em um círculo de interdependência entre o Estado, senhores de terras e pobrerio. A elite intelectual do Império era formada por letrados e juristas, filhos ou parentes ou agregados ou protegidos dos grandes proprietários rurais que iam buscar luzes, em um primeiro momento em Coimbra e, após, nas faculdades de direito de Olinda e São Paulo. A esses eram destinados os mais elevados postos da estrutura do Estado, magistrados e ministros, que detinham o poder político. Aos poucos, segundo Luiz Carlos Bresser-Pereira, A elite patrimonialista imperial, embora tivesse origem principalmente nas famílias proprietárias de terra, vai ganhando [...] autonomia na sua própria reprodução. O que a caracteriza é o saber jurídico formal, transformado em ferramenta de trabalho e instrumento de poder. [...] São todos burocratas porque sua renda deriva essencialmente do Estado; são patrimonialistas porque os critérios de sua escolha não são racionais-legais, e porque constroem um complexo sistema de agregados e clientes em torno de si, sustentado pelo Estado, confundindo o patrimônio privado com o estatal. (2001, p. 222-259) Para o Império e, após, para a República em seus primórdios, esse sistema de correlação de interesses dentro da estrutura do Estado era, não só normal e aceitável, como necessário. Servia ao Estado porque estendia aos rincões mais distantes a sua mão coletora; servia aos senhores porque mantinham um sistema de dominação e servia à elite intelectual porque era a forma de angariar poder político e econômico. 84 Especialmente essa não cogitava distinguir o público do privado, ou, por Sérgio Buarque de Holanda: Não era fácil aos detentores das posições públicas de responsabilidade, formados por tal ambiente, compreenderem a distinção fundamental entre os domínios do privado e do público. Assim, eles se caracterizam justamente pelo que separa o funcionário patrimonial do puro burocrata conforme a definição de Max Weber. Para o funcionário patrimonial , a própria gestão política apresenta-se como assunto de seu interesse particular; as funções, os empregos e os benefícios que deles aufere, relacionam-se a direitos pessoais do funcionário e não a interesses objetivos, como sucede no verdadeiro Estado Burocrático, em que prevalecem a especialização das funções e o esforço para se assegurarem garantias jurídicas aos cidadãos. {...} No Brasil, pode-se dizer que só excepcionalmente tivemos um sistema administrativo e um corpo de funcionários puramente dedicados a interesses objetivos e fundados nesses interesses. Ao contrário, é possível acompanhar, ao longo da história, o predomínio constante das vontades particulares que encontram seu ambiente próprio em círculos fechados e pouco acessíveis a uma ordenação impessoal. (1988, p. 105-106) Durante todo o período colonial, a fase monárquica e os primórdios da República, o patrimonialismo foi a marca da sociedade e do Estado brasileiro. Um dos característicos mais peculiares do patrimonialismo na história brasileira, e que espraia seus efeitos até hoje, foi o fenômeno do coronelismo. 3.2.1 O Coronelismo O coronelismo está umbilicadamente ligado ao município, à pequena localidade, à região; ambientes geográficos nos quais se impõe a figura do senhor de terras, do representante do Estado, do provedor que, na ausência do Estado, faz a sua representação, cumpre as funções de suprir o espaço geográfico de segurança, de liderança e de integração. 85 A denominação coronel 12 surge no cenário brasileiro com a instituição da Guarda Nacional, criada em 1831 para defender a Constituição e auxiliar na manutenção da ordem, prevenindo as revoltas e realizando o policiamento local e regional. Em cada um dos municípios brasileiros existia um regimento da Guarda Nacional, e o posto de coronel era concedido ao chefe político da cidade que era, invariavelmente, o grande proprietário de terras ou um próspero comerciante ou um industrial de destaque, que exercia o comando da Guarda. Gerada no império e atravessando a República nos seus primórdios, até mesmo após a extinção da Guarda Nacional, o termo coronel seguiu pelo Brasil adentro a ser utilizado como sinônimo de liderança, de poder econômico e político. Com a República e a instituição do federalismo, os governadores dos Estados passaram a ser eleitos e, para tanto, precisavam dos votos que os coronéis angariavam e a eles hipotecavam, mediante um sistema de mútuo no qual todos levavam vantagens. O coronel apoiava o Governador que apoiava o Presidente da República que apoiava o Governador que nomeava o coronel. Esse sistema se alimenta da pobreza e da ignorância da população. O poder do coronel está amparado no número de votos que pode angariar e transferir, e tal acontece pelo fato de utilizar de seu poderio econômico para fazer as vezes de provedor. É ao coronel que os pobres vão pedir ajuda em caso de aflição. É o coronel que providencia segurança, formando um grupo que transita ao seu redor e se torna seu dependente. 12 A conformação e o entendimento do fenômeno coronelista estão cristalinos nas obras clássicas de Victor Nunes Leal (1986) e Maria Isaura Pereira de Queiroz (1977), das quais extraímos os conceitos expostos. 86 Tais pessoas são os empregados, os parentes, os aliados políticos e todos aqueles que mantenham algum grau de dependência ou subordinação ao coronel. Quanto mais gente estiver em seu grupo de apoio, maior é o grau de influência do coronel e maior o poder de barganha que ele exerce sobre o poder público estabelecido. Assim, nomeado coronel, não é somente o seu posto militar que ele agrega. Junto vêm um grande número de cargos públicos que estão a disposição do coronel para nomeação de seus protegidos. Fecha-se a roda com tais nomeações e a apropriação privada dos cargos públicos que servem a interesses eminentemente privados. Os cargos mais importantes estão sob o domínio do coronel, especialmente os de polícia, justiça e coleta de tributos e deles se utiliza para manter e ampliar o seu poderio, seja diretamente, seja utilizando-os para reprimir adversários. Essa a opinião de José Murilo de Carvalho, para quem: Os Oficiais da Guarda não apenas serviam gratuitamente como pagavam pelas patentes e freqüentemente fradavam as tropas com recursos do próprio bolso. A escolha democrática dos oficiais, por eleição, foi aos poucos sendo eliminada para que a distribuição das patentes de oficiais correspondesse o melhor possível à hierarquia social e econômica. Em contrapartida, a Guarda colocava nas mãos do senhoriato o controle da população local [...] Não se resumia à Guarda Nacional o ingrediente patrimonial do sistema imperial. Os delegados, os delegados substitutos, subdelegados e subdelegados substitutos de polícia, criados em 1841, eram também autoridades patrimoniais, uma vez que exerciam serviços públicos gratuitamente. O mesmo pode ser dito dos inspetores de quarteirão, que eram nomeados pelos delegados. Praticamente toda tarefa coercitiva do Estado no nível local era delegada aos proprietários. Algumas tarefas extrativas, como a coleta de certos impostos, eram também contratadas com particulares. (1997, p. 11) 87 O coronel era o elemento chave na sociedade, tanto que servia de referência para as pessoas, que se diziam gente de tal coronel, indicando, em primeiro, o seu lugar no mundo; em segundo, o seu grau de inferioridade e dependência e em terceiro a sua situação de apoiador de tal ou qual viés político. Sobre tais características, veja-se a explanação da professora Maria Isaura Pereira de Queiroz: Um coronel importante constituía assim uma espécie de elemento sócioeconômico polarizador, que servia de ponto de referência para se conhecer a distribuição dos indivíduos no espaço social, fossem estes seus pares ou seus inferiores. Era o elemento-chave para se saber quais as linhas políticas divisórias entre os grupos e os subgrupos na estrutura tradicional brasileira. A pergunta : Quem é você? recebia invariavelmente a resposta: Sou gente do coronel Fulano . Esta maneira de redargüir dava imediatamente a quem ouvia as coordenadas necessárias para conhecer o lugar sócioeconômico do interlocutor, além de sua posição política. O termo gente indicava primeiramente que não se tratava de alguém do mesmo nível que o coronel ou sua família; caso contrário, o parentesco seria invocado logo de início para situar o indivíduo dentro do grupo (diria por exemplo sou primo do coronel Fulano ). A formulação gente indicava indivíduo de nível inferior, que podia inclusive ser parente, mas seria sempre parente pobre. Em segundo lugar, a ligação com o coronel Fulano também dava imediatamente a conhecer se o indivíduo estava em posição de apoio ao poder local ou regional, ou contrário a este pois ninguém desconhecia a atitude dos coronéis, com relação à situação ou à oposição. Finalmente, também a posição do coronel fulano com relação a outros coronéis era conhecida de todos; o indivíduo que era seu apaniguado também lhe esposava as alianças e as inimizades, se colocava como aliado ou antagonista da gente de outros coronéis. Gente do coronel Fulano significava então a clientela deste. (1977, p. 156) Assenta-se, portanto, em três características básicas o fenômeno coronelista: a posse de bens de fortuna, a parentela e a promiscuidade público/privado com a apropriação dos cargos públicos. 88 O coronelismo vai exercer durante muitos anos, especialmente nos rincões mais distantes dos grandes centros urbanos, uma importância muito grande na forma de desenvolvimento das comunidades e das estruturas públicas. É especialmente a ausência do poder público o terreno no qual prolifera o coronelismo. Victor Nunes Leal escreveu a obra mais importante sobre o coronelismo no Brasil, chamada Coronelismo, enxada e voto , e da qual extraímos trecho ilustrativo: A rarefação do poder público em nosso país contribui muito para preservar a ascendência dos coronéis , já que, por esse motivo, estão em condições de exercer, extra-oficialmente, grande número de funções do Estado em relação aos seus dependentes. Mas essa ausência do poder público, que tem como conseqüência necessária a efetiva atuação do poder privado, está agora muito reduzida com os novos meios de transporte e comunicação, que vão se generalizando. [...] E assim nos aparece este aspecto importantíssimo do coronelismo , que é o sistema de reciprocidade: de um lado, os chefes municipais e os coronéis , que conduzem magotes de eleitores como quem toca tropa de burros; de outro lado, a situação política dominante no Estado, que dispõe do erário, dos empregos, dos favores e da força policial, que possui, em suma, o cofre das graças e o poder da desgraça. (1986, p. 42) O coronelismo como fenômeno disseminado vai se esvaindo nas primeiras décadas do século XX, em decorrência de alguns fatores, notadamente o crescimento demográfico, a urbanização e a industrialização. O crescimento demográfico retira do coronel o controle visual, pessoal e quantitativo da população que, aliado à urbanização, com a criação de diversos núcleos de agrupamentos dentro do espaço físico, altera as circunstâncias de dominação, pois não há mais uma relação direta com o extrato inferior, visto a ascensão de diversas camadas sociais intermediárias. Também a lenta alteração da matriz econômica, com o incremento da industrialização, se não 89 retirou do coronel a posição superior na escala econômica, pelo menos diluiu junto a outros agentes, o poder econômico, não mais unitário e baseado somente na propriedade rural. Porém, o ponto que mais influiu para a decadência do coronelismo foi o aumento e a interiorização da presença do Estado na vida brasileira. 3.3 Administração Burocrática A administração burocrática foi o antídoto contra o patrimonialismo. Em um Estado corroído pela promiscuidade entre o público e o privado, sem uma separação clara de funções, e com uma prestação de serviços altamente deficitária, a adoção de um modelo de administração pública burocrática, de um serviço público profissional, de um sistema administrativo impessoal, formal, legal e racional, foi um avanço significativo para o serviço público brasileiro. Efetivamente, a alteração da ordem das coisas começa quanto há uma infiltração dos elementos populares, externos, de origem social mais humilde, especialmente no exército, dando origem à criação de uma classe média tecnoburocrática. O primeiro governo Vargas foi o início, na década de 30, da implantação do modelo burocrático de gestão para contrapor ao patrimonialismo que Vargas, apesar de sua origem oligárquica, vem a combater, resultando no período que a história consagrou como o Estado Novo, baseado, entre outros fatores, na alteração da forma de gestão. O novo estado que emergiu foi autoritário e burocrático. 90 A palavra burocracia13 parece ter tido quase sempre um caráter pejorativo, derivada de uma combinação um tanto incerta de raízes greco-latinas e francesas. O termo latino burrus, usado para designar uma cor escura e triste, teria dado origem à palavra bure, usada para designar um tipo de tecido posto sobre as escrivaninhas das repartições públicas. Daí a derivação da palavra bureau, primeiro para designar as mesas cobertas por este tecido e, posteriormente, para designar todo o escritório. A palavra burocracia dá a idéia do exercício do poder por meio dos escritórios e das repartições públicas. O modelo burocrático foi dissecado por Max Weber (1966), o qual estabeleceu que os atributos da burocracia moderna incluem a impessoalidade, a concentração dos meios de administração, um efeito de nivelamento entre as diferenças sociais e econômicas e a execução de um sistema de autoridade que é praticamente indestrutível. A análise de Weber da burocracia relaciona-se a razões históricas e administrativas para o processo de burocratização (especialmente na civilização ocidental); impacto do domínio da lei no funcionamento das organizações burocráticas; a orientação pessoal típica e a posição ocupacional dos oficiais burocráticos como grupo de status. Segundo sua interpretação, A razão decisiva para o progresso da organização burocrática foi sempre a superioridade puramente técnica sobre qualquer outra forma de organização. O mecanismo burocrático plenamente desenvolvido comparase às outras organizações exatamente da mesma forma pela qual a máquina se compara aos modos não-mecânicos de produção. Precisão, velocidade, clareza, conhecimento dos arquivos, continuidade, discrição, unidade, subordinação rigorosa, redução do atrito e dos custos de material e pessoal são levados ao ponto ótimo na administração rigorosamente burocrática, especialmente em sua forma monocrática. Em 13 Etimologia livremente adaptada das informações <http://pt.wikipedia.org/wiki/Burocracia> Acesso em 23 jan. 2006. disponíveis em: 91 comparação com todas as formas colegiadas, honoríficas e avocacionais de administração, a burocracia treinada é superior, em todos esses pontos. E no que se relaciona com tarefas complicadas, o trabalho burocrático assalariado não só é mais preciso, mas, em última análise, freqüentemente mais barato do que até mesmo o serviço honorífico não-remunerado formalmente. (1974, p. 249) Para Weber (1966), uma organização burocrática é governada por sete princípios: 1- o negócio oficial é conduzido em uma base contínua; 2- o negócio oficial é conduzido de acordo com as seguintes regras: a) o dever de cada oficial para fazer certo tipo de trabalho é delimitado em termos de critérios impessoais; b) o oficial possui autoridade necessária para realizar suas funções definidas; c) os meios de coerção à sua disposição são estritamente limitados e seu uso estritamente definido. 3- a responsabilidade e a autoridade de cada oficial são partes de uma hierarquia de autoridade vertical, com os respectivos direitos de supervisão e apelação; 4- os oficiais não são proprietários dos recursos necessários para o desempenho das funções a eles atribuídas, mas responsáveis pelo uso desses recursos; 5- a renda e os negócios privados são rigorosamente separados da renda e dos negócios oficiais; 6- o escritório não pode ser apropriado pelo seu encarregado (herdado, vendido, etc.); 7- o negócio oficial é conduzido na base de documentos escritos. Um oficial burocrático é pessoalmente livre e nomeado para a sua posição por sua habilidade para o cargo; exercita a autoridade a ele delegada de acordo com regras impessoais e sua lealdade é relacionada à execução fiel de seus deveres oficiais; sua nomeação e a 92 designação de seu local de trabalho depende de suas qualificações técnicas; seu trabalho administrativo é uma ocupação de tempo integral e seu salário é recompensado por um salário regular e a perspectiva de avanço em uma carreira por toda a vida. A teoria da burocracia, segundo Weber (1974) pode ser resumida em: 1- formalização: existem regras definidas e protegidas da alteração arbitrária ao serem formalizadas por escrito; 2- divisão do trabalho: cada elemento do grupo tem uma função específica, de forma a evitar conflitos na atribuição de competências; 3- hierarquia: o sistema está organizado em pirâmide, sendo as funções subalternas controladas pelas funções de chefia, de forma a permitir a coesão do funcionamento do sistema; 4- impessoalidade: as pessoas, enquanto elementos da organização, limitam-se a cumprir suas tarefas, podendo sempre ser substituídas por outras. O sistema, como está formalizado, funcionará tanto com uma pessoa como com outra; 5- competência técnica: a escolha dos funcionários e cargos depende exclusivamente de seu mérito e capacidades, havendo necessidade da existência de avaliações objetivas; 6- separação entre propriedade e administração: os burocratas limitam-se a administrar os meios de produção, não sendo seus possuidores; 7- profissionalização de funcionário. Esse o embasamento teórico da reforma administrativa implementada pelo governo Vargas na década de 30, cujo histórico, posto no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, é o seguinte: No Brasil, o modelo de administração burocrática emerge a partir dos anos 30. surge no quadro da aceleração da industrialização brasileira , em que o Estado assume papel decisivo, intervindo pesadamente no setor produtivo de bens e serviços. A partir da reforma empreendida no governo Vargas por 93 Maurício Nabuco e Luzi Simões Lopes, a administração pública sofre um processo de racionalização que se traduziu no surgimento das primeiras carreiras burocráticas e na tentativa de adoção do concurso como forma de acesso ao serviço público. A implantação da administração pública burocrática é uma conseqüência clara da emergência de um capitalismo moderno no país. Com o objetivo de realizar a modernização administrativa, foi criado o Departamento Administrativo do Serviço Público DASP, em 1936. nos primórdios, a administração pública sofre a influência da teoria da administração científica de Taylor, tendendo à racionalização mediante a simplificação, padronização e aquisição racional de materiais, revisão de estruturas e aplicação de métodos na definição de procedimentos. Registrase que, neste período, foi instituída a função orçamentária enquanto atividade formal e permanentemente vinculada ao planejamento. No que diz respeito à administração dos recursos humanos, o DASP representou a tentativa de formação da burocracia nos moldes weberianos, baseada no princípio do mérito profissional. Entretanto, embora tenham sido valorizados instrumentos importantes à época, tais como o instituto do concurso, público e do treinamento, não se chegou a adotar consistentemente uma política de recursos humanos que respondesse às necessidades do Estado. O patrimonialismo (contra o qual a administração burocrática se instalara), embora em processo de transformação, mantinha ainda sua própria força no quadro político brasileiro. O coronelismo dava lugar ao clientelismo e ao fisiologismo. (BRASIL, 1995, p. 24-25) O DASP efetivamente implementou uma grande reforma administrativa no setor público federal e levou o país a um novo patamar de prestação de serviços públicos de maior qualidade, sendo que suas principias realizações foram a exigência do ingresso no setor público por concurso público, critérios gerais e uniformes de classificação de cargos, organização dos serviços de pessoal e de seu aproveitamento sistemático, administração orçamentária, padronização das compras racionalização dos métodos. Este modelo de administração cumpriu seu papel no confrontamento com o patrimonialismo. Efetivamente a burocracia blinda a administração aos ataques privados, à exploração das funções, à apropriação dos cargos, ao coronelismo, mas cobra um preço muito grande que é o imobilismo, o excesso de formalismo, a lentidão, a ausência de soluções, o inchamento, o excesso de funções e de pessoal para o cumprimento dessas funções e, 94 principalmente, a formação de um estamento incrustado nos mecanismos da burocracia que a imobiliza e se torna imprescindível ao seu funcionamento, em uma espécie de simbiose, pela exploração da dominação do conhecimento técnico especializado e pelo controle dos segredos do Estado. O estado burocrático não se prolongou muito na vida pública brasileira, visto que, em função das novas atividades postas ao poder público como decorrência da ampliação e reconhecimento dos direitos sociais, fazia-se necessário uma nova administração, mais afeta aos tempos novos, de administração moderna, imposta pela globalização. 3.4 Administração Gerencial A administração burocrática sofreu, no decorrer dos anos, inúmeras tentativas de reformas. A primeira grande reforma administrativa foi realizada através do Decreto-Lei nº 200, de 1967, que institui a administração indireta e transferiu, para autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, várias atividades que até então eram executadas diretamente pela administração direta através de seu quadro próprio de pessoal. Essas entidades tinham maior flexibilidade na contratação de pessoal, podendo utilizar o regime consolidado e responderam durante todo o período da ditadura militar com maior eficiência nas respostas das políticas públicas. Sobre o período manifestou-se Bresser-Pereira: 95 De novo no poder, os militares promovem, com a ativa participação de civis, a reforma administrativa de 1967, consubstanciada no Decreto-Lei nº 200. esta era uma reforma pioneira, que prenunciava as reformas gerenciais que ocorreriam em alguns países do mundo desenvolvido a partir dos anos 80, e no Brasil a partir de 1995. reconhecendo que as formas burocráticas rígidas constituíam um obstáculo ao desenvolvimento quase tão grande quanto as distorções patrimonialistas e populistas, a reforma procurou substituir a administração pública burocrática por uma administração para o desenvolvimento : distinguiu com clareza a administração direta da indireta , garantiu-se às autarquias e fundações deste segundo setor, e também às empresas estatais, uma autonomia de gestão muito maior do que possuíam anteriormente, fortaleceu e flexibilizou o sistema do mérito, tornou menos burocrático o sistema de compras do Estado. (2001, p. 222259) Com a retomada da democracia e o processo constituinte que resultou na Carta de 1988, um refluxo burocrata foi instalado na administração pública, com um maior engessamento, com unidade de tratamento, na área administrativa, para a administração direta e indireta e a adoção de um regime jurídico único, o estatutário. Com a eleição de Fernando Henrique Cardoso, em 1995, foi criado o MARE Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, sob a direção do Ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira, com vistas a dar início à reforma gerencial. Ainda no primeiro semestre de 1995 foi elaborado o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, cujas características fundamentais eram diferenciação entre os setores estatais de acordo com suas funções, das mais exclusivas ou típicas de Estado até as próprias, não necessariamente exclusivas de Estado. Esses setores são o núcleo estratégico, composto pelo Legislativo, Judiciário, presidência e cúpula dos ministérios; o das atividades exclusivas, tais como a polícia, regulamentação, fomento, seguridade social básica; o dos serviços não-exclusivos como universidades, hospitais, centros de pesquisa e museus e o da produção para o mercado, as empresas estatais 96 O cerne da administração gerencial é o princípio da eficiência, incluído no rol dos princípios da administração pública por força da Emenda Constitucional nº 19/98. Tal princípio é aproveitado da administração privada e posto como de observância obrigatória para todos os atos da administração pública, significando a realização dos serviços públicos com a maior qualidade, com o menor custo e no menor tempo possível. Outro ponto estruturante da administração gerencial é a flexibilidade que procura dar ao gestor na administração de recursos materiais e humanos. A reforma não se concretizou totalmente, deixou algumas sementes, não obteve êxito em outras partes, especialmente devido à resistência sofrida por parte das entidades representativas de classes de servidores públicos, entretanto, sinalizou que a administração pública brasileira ainda não achou o seu caminho, mesclando em um só corpo, as três espécies de administração. Ainda Bresser Pereira: Algumas características básicas definem a administração pública gerencial. É orientada para o cidadão e para a obtenção de resultados; pressupõe que os políticos e os funcionários públicos são merecedores de grau limitado de confiança; como estratégia, serve-se da descentralização e do incentivo à criatividade e à inovação; e utiliza o contrato de gestão como instrumento de controle dos gestores públicos. Enquanto a administração pública burocrática concentra-se no processo; em definir procedimentos para a contratação de pessoal, para a compra de bens e serviços; e em satisfazer as demandas dos cidadãos, a administração pública gerencial orienta-se para os resultados. A burocracia atenta para os processos, sem considerar a alta eficiência envolvida, porque acredita que este seja o modo mais seguro de se evitar o nepotismo e a corrupção. Os controles são preventivos, vêm a priori. Entende-se, além disso, que punir os desvios é sempre difícil, para não dizer impossível; prefere, pois, prevenir. A rigor, uma vez que a sua ação não tem objetivos claros definir indicadores de desempenho para as agências estatais é tarefa extremamente difícil não tem outra alternativa senão controlar os procedimentos. 97 A administração pública gerencial, por sua vez, parte do princípio de que é preciso combater o nepotismo e a corrupção, mas que, para isso, não são necessários procedimentos rígidos. Estes podem ter sido necessários quando predominavam os valores patrimonialistas, mas não o são agora, quando se rejeita universalmente que se confundam os patrimônios público e privado. Por outro lado, emergiam novas modalidades de apropriação da res publica pelo setor privado que não podem ser evitadas pelos recursos aos métodos burocráticos. O rent-seeking 14 é quase sempre um modo mais sutil e sofisticado de privatizar o Estado e exige que se usem novas contraestratégias. A administração gerencial; a descentralização; a delegação de autoridade e de responsabilidade ao gestor público; o rígido controle sobre o desempenho, aferido mediante indicadores acordados e definidos por contrato, além de serem modos mais eficientes de gerir o Estado, são recursos muito mais efetivos na luta contra as novas modalidades de privatização do Estado. (1998, p. 28 e 29) Ainda temos muito de administração patrimonialista, um tanto de burocracia weberiana e outro tanto de administração gerencial. Talvez o caminho da administração pública brasileira possa ser esse mesmo: reinventar-se até encontrar um termo razoável de ação e que responda aos anseios da população e que lhe possibilite realizar a sua finalidade principal que é a promoção do bem comum. 14 Pode-se caracterizar rent seekers como as conseqüências econômicas de vantagens obtidas por pessoas ou empresas através do Estado. Essas vantagens podem consistir em recursos diretamente dos cofres públicos ou, então, na concessão de privilégios legais. 98 CONSIDERAÇÕES FINAIS A administração pública brasileira inicia com um arremedo de instituições, com a transferência dos poderes públicos para o setor privado, com a confusão entre as atribuições, com a completa apropriação dos cargos, empregos e funções públicas pela disposição, aos representantes privados do Estado, dos espaços públicos, dos quais dispunham para sua exclusiva distribuição. Tal viés patrimonialista estende-se por todo o período colonial e nos primeiros tempos republicanos. Forjou-se no fenômeno coronelista que foi presente em todo o país e que estende seus reflexos até hoje. Foi substituída por uma tentativa de imposição de um caráter burocrático no aparato administrativo, com seus sistemas de controle público de acesso e com a instituição de mecanismos técnicos de atuação, com vistas à impessoalidade e à legalidade da ação pública. O Estado burocrático transforma-se em um Estado ineficiente, pela sua vagareza, pela obediência a sistemas rígidos de controle frente a uma exigência cada vez maior de uma atuação estatal inclusiva. 99 Como alternativa, buscou-se a implementação, mediante reformas constitucionais, de um sistema de administração gerencial, adaptada da iniciativa privada, voltada à excelência, à eficiência, e à qualidade no setor público. Para tanto era necessário a quebra de alguns paradigmas burocráticos, especialmente mediante a flexibilização das formas de recrutamento de servidores públicos dos entes que não realizam as denominadas ações exclusivas de Estado. Para tanto houve a transferência de algumas ações para entes estatais indiretos, com características de direito público e visando a atuação em temas não estratégicos da ação estatal. Em conjunto com essas características históricas é de se observar e entender a dimensão legal atual da administração pública, disposta em termos constitucionais. Efetivamente, a Constituição Federal estabeleceu princípios e regras vinculativos para todos os atos administrativos, sejam eles tendentes a garantir a participação popular na administração pública ou a garantir os direitos individuais e coletivos perante o agir público. Os princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, economicidade e outros, expressos ou implícitos, estão a indicar os parâmetros para a atuação da administração pública; também na escolha de seus colaboradores, na formação de seus quadros de servidores, na seleção daqueles que deverão realizar os serviços públicos, tais princípios devem ser observados. Haverá a administração pública de garantir a ampla acessibilidade aos cargos, empregos e funções pública a todos que cumprirem os requisitos legalmente estabelecidos; de preencher seus cargos efetivos obedecendo regra geral de acesso através de concursos públicos; de utilizar-se da possibilidade da contratação por prazo determinado nas estritas 100 hipóteses de permissão; de prover os cargos em comissão para atividades que, efetivamente, exijam direção, chefia ou assessoramento, abolindo a figura espúria do nepotismo e, ainda, abstendo-se de utilizar subterfúgios, como terceirizações e afins, com o intuito de substituição de servidores e subtração dos impositivos constitucionais. Somente dessa maneira a administração pública poderá vivificar os regramentos constitucionais, profissionalizar seus agentes e prestar serviços públicos qualificados. Os espaços públicos devem ser ocupados pelos mais qualificados, por aqueles que entendem a administração pública como uma tarefa fundamental ao desenvolvimento da nação, que a dignificam, que levam em frente a prestação dos serviços públicos a despeito dos desvarios de nossa classe dirigente. Não há, no presente momento, um consenso sobre como deverá a administração estabelecer-se nos tempos futuros. O patrimonialismo e o nepotismo ainda são figuras recorrentes na administração; a burocracia está institucionalizada e presta serviços públicos relevantes, apesar de todas as críticas que lhe recaem e, ainda, temos ilhas de prosperidade gerencial no público brasileiro, talvez a indicar o caminho da construção de um espaço próprio a ser criado pelo Estado brasileiro. Há um notório repúdio, na sociedade brasileira, ao patrimonialismo e, especialmente, ao nepotismo. Há uma reclamação candente à ineficiência de nossa burocracia, que não consegue alcançar respostas ágeis aos reclames populares, assim como não há uma certeza de que a administração gerencial, em seu aspecto mais puro, possa vir a ser a solução para a prestação de serviços públicos de qualidade. 101 O Brasil, pela sua formação histórica, por todas as características que listamos neste trabalho, pela inexistência de uma experiência de um Estado de bem estar social, adentra o século XXI com imensos problemas sociais. A inacreditável desigualdade de distribuição de renda, o amplo volume de despossuídos, de órfãos do Estado, de exilados da cultura, sinalizam que o poder público ainda tem um papel fundamental em nossa sociedade. Esse papel haverá de ser, fundamentalmente, de nivelação, de paridade de condições de partida a todos os brasileiros pela prestação de serviços públicos de qualidade na educação, na saúde e nas oportunidades de trabalho e desenvolvimento geral. A cidadania e a dignidade da pessoa humana que nossa Carta Constitucional estabeleceu como fundamentos da República somente haverão de ser efetivados através da extensão da mão do Estado, a levar o País ao seu lugar de destino, na obra de seus servidores, para a diminuição do abismo social existente entre os que possuem condições de suprimento de suas necessidades e os excluídos, os sem teto, sem alqueire, sem trabalho, sem letras e sem futuro. 102 REFERÊNCIAS BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 13 ed., São Paulo: Ed. Saraiva, 1990. BONAVIDES, Paulo. Teoria Constitucional da Democracia Participativa. São Paulo: Malheiros Editores, 2001. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. ____. Lei Federal nº 8.429, de 02 de junho de 1992. Brasília: Senado Federal, 1992. ____. Presidente, 1995 (F. H. Cardoso). Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. 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