APELAÇÃO CÍVEL Nº. 436.093-6, DE CURITIBA –
9ª VARA CÍVEL.
APELANTE:
Saul Chervonagura Trosman.
APELADOS: Isidoro Rozenblum Trosman e outros e
Terci Participações Ltda.
RELATOR:
Des. Vicente Del Prette Misurelli.
APELAÇÃO CÍVEL. NULIDADE DE SENTENÇA
ARBITRAL, CAUTELAR INOMINADA E ATENTADO. JUNTADA DE DOCUMENTOS NOVOS.
POSSIBILIDADE MESMO APÓS A SENTENÇA.
PROVA EMPRESTADA DE INTERCEPTAÇÃO
TELEFÔNICA.
IMPRESTABILIDADE
PARA
EFEITOS CIVIS E SEM O CONTRADITÓRIO.
INOBSERVÂNCIA DE PROCEDIMENTO E PRINCÍPIOS DA ARBITRAGEM. INOCORRÊNCIA.
SUSPEIÇÃO DE PARCIALIDADE DO ÁRBITRO.
EXTENSÃO E PROFUNDIDADE DO RELACIONAMENTO ENTRE AS PARTES E O ÁRBITRO
CIENTES NO MOMENTO DA ESCOLHA. RECURSO NÃO PROVIDO.
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação
Cível nº. 436.093-6 da Comarca de Curitiba - 9ª Vara Cível, em que é apelante Saul Chervonagura Trosman e, apelados, Isidoro Rozenblum Trosman, Krsale Comércio, Importa-
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ção e Exportação de Peças de Automóveis Ltda, SBM Comércio e Importação de Peças e
Veículos Ltda e Trading Merpil S/A e Terci Participações Ltda.
Em Autos de Nulidade de Sentença Arbitral nº.
1406/1999, julgados simultaneamente com os Autos de Cautelar Inominada nº. 1282/1999
e os Autos de Atentado nº. 376/2001, todos ajuizados pelo apelante, a MMª. Juíza de Direito da 9ª Vara Cível de Curitiba julgou improcedentes a ação principal, a cautelar e a
ação de atentado por entender não comprovada a parcialidade do árbitro e a inobservância
do procedimento arbitral, condenando, por fim, o apelante em custas e honorários advocatícios (fls. 731/741).
Inconformado, recorre Saul Chervonagura Trosman (fls.
977/1014), alegando que o compromisso arbitral foi instituído para o fim de dirimir controvérsia surgida na ação de apuração de haveres societários, em relação específica aos
valores remanescentes das cotas sociais do recorrente, isto é, aqueles valores que estavam
sob controvérsia. Afirma que a arbitragem, a cargo de Elias Lipatin Furman, foi “iniciada
e concluída de forma ilegal, com o único objetivo de favorecer Isidoro” (fls. 984). Aduz
que a arbitragem foi feita “sem a fixação de um procedimento arbitral” e que não foram
analisados a escrituração e documentação contábil das empresas.
Aponta que a Terci, com base nos laudos arbitrais, simplesmente destruiu a casa construída pelo recorrente no terreno da empresa sem qualquer
indenização ou direito de retenção. Aduz o apelante que perdeu seu patrimônio, está sendo
executado por um débito e não teve o crédito de suas cotas apurado. Reafirma que a sentença arbitral é nula “por suspeição e parcialidade do árbitro e por desrespeito ao procedimento arbitral” (fls. 986).
Sustenta que o árbitro Elias Lipatin tinha especial amizade com o apelado Isidoro e com ele manteve sociedades e negócio em comum. Diz que o
árbitro não estabeleceu o procedimento da arbitragem (art. 21, da Lei 9.307/96), não realizou auditoria ou análise da escrituração contábil e que não produziu as provas requeridas
pelo recorrente. Sustenta que a decisão arbitral pautou-se apenas em documentos produzidos pelo apelado Isidoro e não respeitou o contraditório, devido processo legal, ampla defesa e isonomia. Diz que deveria haver indenização pela casa construída no terreno da ape-
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lada Terci, conforme art. 547 e 548, do CCB/16. Defende a parcialidade do árbitro, porque
a questão da diferença dos haveres não foi apreciada, porque o apelado Isidoro é amigo
pessoal do árbitro, porque não foi revelado ao apelante a intensidade da amizade
(art. 14, da Lei 9.307/96), que envolveu 26 anos de convivência e porque o árbitro tinha
interesse direto na demanda, em decorrência de negócios e sociedades em comum.
Aduz que o apelado Isidoro tem “aparente índole criminosa” (fls. 994), que permaneceu preso por 8 meses juntamente com seu filho em processo
criminal federal e que foi denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF) por associação para o fim de cometer crimes, como uma organização criminosa sob forma de pessoa
jurídica, lesando os cofres públicos do Estado do Paraná. Segundo narra o MPF, prossegue
o apelante, o árbitro Elias e a apelada Terci foram proprietários em conjunto dos apartamentos 1301 e 2303 no Edifício Business Tower em Curitiba e que Isidoro e o árbitro Elias agiram como financiadores da empresa Latino Cãmbio e Turismo, cada um com 25%
de participação.
Além disso, Isidoro e o árbitro Elias ocuparam a diretoria
da empresa panamenha Talero e juntamente com terceiro de nome Juan adquiriram o Banco Integración no Paraguai, sob presidência do árbitro Elias, além de serem sócios na empresa Vértice no Uruguai. Assim, diz o apelante, Isidoro e Elias mentiram no depoimento
quando disseram que não tinha negócios em comum. Menciona conversas telefônicas autorizadas pela Justiça federal nas quais o árbitro Elias se comprometeu a conversar sobre
Isidoro sobre a possibilidade de conseguir algum valor extra para o caixa do Banco Araucária.
Desse modo, aduz o apelante, o árbitro Elias e o apelado
Isidoro eram sócios desde antes do compromisso arbitral, sem ciência do recorrente. Defende a possibilidade de juntar documentos novos a qualquer tempo (art. 397 e 515, § 1º,
CPC) e diz que a juntada dos documentos relativos à Justiça Federal só pôde ser viabilizada após a prolação da sentença nestes autos, já que se tratava de documentação sigilosa.
Aborda a possibilidade da prova emprestada e a legalidade das escutas produzidas pelo
MPF, já que autorizadas pelo juiz federal. Pede a nulidade da sentença arbitral com a decorrente procedência da cautelar e do atentado.
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A apelada Terci Participações Ltda apresentou contrarazões (fls. 1021/1035) aduzindo preliminar de não conhecimento do recurso por falta dos
fundamentos de fato e de direito, haja vista que repetiu os argumentos da inicial e impugnação. Diz que é inadmissível a juntada extemporânea de documentos e, no mérito, defende a manutenção integral da sentença recorrida.
Os apelados Isidoro Rozenblum Trosman e outros apresentaram contra-razões (fls. 1036/1059) defendendo a correição do procedimento arbitral e
a inexistência de parcialidade do árbitro. Aduz que a denúncia do MPF foi rejeitada pela
Justiça Federal em relação ao árbitro Elias o que afasta a alegação de parcialidade. Alega
que os fatos apresentados pelo MPF não podem ser tomados como verdadeiros, porque
não estão lastreados em prova. Afirma que não há trânsito em julgado e nem sentença
condenatória que desfavoreça o árbitro Elias. Aponta que o apelante omitiu o seu nome
das peças reproduzidas da denúncia do MPF, já que também envolvido em fatos análogos,
pelo que não pode alegar desconhecimento dos fatos havidos entre o árbitro Elias e o apelado Isidoro.
Reafirma a inexistência de prova em relação à parcialidade do árbitro Elias e às ligações entre este e os apelados. Aduz que as escutas telefônicas
não provam nada em relação aos fatos aqui noticiados, principalmente porque se trata de
conversa entre terceiros e não entre Elias e Isidoro. Diz que apelante e apelado são primos
e que foi o apelante quem indicou Elias como árbitro. Sustenta que os documentos relativos ao processo criminal na Justiça Federal não podem ser aqui admitidos, visto que obtidos através de autorização judicial específica para aqueles autos.
Além disso, a prova foi produzida em investigação criminal, portanto, sem o crivo do contraditório, de modo que tal prova não pode ser emprestada para os efeitos cíveis aqui pretendidos. Pede a manutenção da sentença.
Novos
documentos
juntados
1072/1080), com o contraditório da parte adversa (fls. 1085/1087).
É o relatório.
pelo
apelante
(fls.
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Voto.
– Das preliminares
O agravo retido interposto em audiência (fls. 571), não foi
articulado pelo apelante nas razões de apelo, deixando o recorrente, portanto, de dar cumprimento ao art. 523, § 1º, CPC, motivo pelo qual não se conhece daquele recurso.
A preliminar levantada por Terci Participações Ltda de
não conhecimento do recurso por falta dos fundamentos de fato e de direito, haja vista que
repetiu os argumentos da inicial e impugnação, não merece acolhimento.
Os argumentos da apelante nas razões de recurso não são
simples repetição da petição inicial, tanto que confrontam suas teses com os fundamentos
da sentença, além de abordarem longamente, quase metade das razões recursais, o conteúdo da documentação juntada após a prolação da sentença (fls. 994/1013).
Os fundamentos de fato, desobediência do procedimento
de arbitragem a parcialidade do árbitro, são evidentemente os mesmos, dado que a sentença foi de total improcedência dos pedidos, mas, mesmo aí, são tratados com argumentação
diversa daquela contida na petição inicial, mais voltada para a confrontação com a sentença e com abordagem da documentação nova.
Desse modo, não há dissociação entre razões recursais e
sentença (RT 849/251), nem repetição da petição inicial e nem mera referência a atos processuais anteriores (RSTJ 54/192), motivo pelo qual o conhecimento da apelação é a medida que se impõe, por estrita observância do art. 514, do CPC.
A apelada Terci Participações Ltda defende também a
inadmissibilidade da juntada extemporânea de documentos, enquanto os apelados Isidoro
Rozenblum Trosman e outros sustentam a inadmissibilidade de utilização de documentos
relativos ao processo criminal na Justiça Federal, visto que obtidos através de autorização
judicial específica para aqueles autos e produzidos sem o crivo do contraditório, de modo
que tal prova não pode ser emprestada para os efeitos cíveis.
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Os documentos aqui referidos tratam-se de cópias do
Processo Criminal 2006.7000012299-7 em que o Ministério Público Federal denunciou o
apelado Isidoro Rozenblum Trosman e outros pelos crimes ali relacionados (fls. 761/813,
833/933, 961/966 e 974).
A denúncia acima mencionada data de 12.06.2006 (fls.
801). Em 28.08.2006 o juiz federal autorizou o acesso limitado apenas em parte dos autos
(fls. 813). Assim, somente em setembro de 2006 o apelante teve acesso a tais provas, muito tempo depois do ajuizamento da ação (07.12.1999; fls. 02) e no mesmo mês da prolação
da sentença (18.09.2006; fls. 741).
Tratam-se, portanto, de documentos novos, de índole
eminentemente probatória, porque visam apenas esclarecer os fatos e aprimorar a prova
constitutiva do direito do autor (RSTJ 180/123). Não são, de forma alguma, documentos
essenciais e indispensáveis à propositura da ação (RSTJ 100/197), porque não são pressupostos da nulidade da sentença arbitral e nem o próprio fundamento da causa de pedir. E
tampouco revelam espírito de ocultação e propósito de surpreender o juízo ou a parte contrária (RSTJ 14/359), motivo pelo qual devem ser aceitos nos presentes autos, com a limitação adiante apontada (art. 367 e 462, do CPC). Observe-se:
“Precedentes do STJ no sentido de que a juntada de documentos com a apelação é possível, desde que respeitado o contraditório e inocorrente a má-fé, com fulcro no
art. 397 do CPC.”
(STJ – RESP 466751/AC – 1ª. T. – Rel. Min. Luiz Fux –
DJU 23.06.2005).
E também:
“Somente os documentos tidos como indispensáveis, porque „substanciais‟ ou „fundamentais‟, devem acompanhar
a inicial e a defesa. A juntada dos demais pode ocorrer
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em outras fases e até mesmo na via recursal, desde que
ouvida a parte contrária e inexistentes o espírito de ocultação premeditada e de surpresa do juízo.”
(STJ – RESP 431716/PB – 4ª. T. – Rel. Min. Sálvio de
Figueiredo Teixeira – DJU 19.12.2002).
Entretanto, as provas diretamente relacionadas com as interceptações telefônicas judicialmente autorizadas não poderão servir de esteio ao deslinde
destes autos e à livre convicção motivada. Primeiro, porque a própria interceptação telefônica, como espécie de violação a comunicações telefônicas, só é constitucionalmente permitida para fins de investigação criminal ou instrução processual penal (art. 5º, XII, da CF
e art. 1º, da Lei 9.296/96), o que obviamente não é o caso destes autos. Depois, porque no
específico caso concreto a interceptação telefônica foi autorizada apenas para os fins criminais relacionados com a denúncia do Ministério Público Federal acima mencionada (fls.
974). E, por fim, porque o empréstimo dessa prova não pode ser admitido para estes autos,
haja vista que não foi observado o contraditório (RSTJ 104/304), posto tratar-se de inquérito criminal, e não teve a participação daquele contra quem se deseja confrontar a prova
(RT 614/69). Confira-se:
“„A condição mais importante para que se dê validade e
eficácia à prova emprestada é sua sujeição às pessoas dos
litigantes, cuja conseqüência primordial é a obediência ao
contraditório. Vê-se, portanto, que a prova emprestada do
processo realizado entre terceiros é res inter alios e não
produz nenhum efeito senão para aquelas partes‟ (Nelson
Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, in "CPC comentado e legislação extravagante", Revista dos Tribunais, São Paulo, 2003, nota 6 ao artigo 332, p. 720).”
(STJ – RESP 526316/SC – 2ª. T. – Rel. Min. Franciulli
Netto – DJU 03.11.2003).
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Assim, embora seja possível a juntada de documentos
novos, não é possível que a presente decisão se fundamente nas interceptações telefônicas
autorizadas e nas demais provas emprestadas sem o crivo do contraditório.
– Do procedimento arbitral
Afirma o apelante que a sentença arbitral é nula por desrespeito ao procedimento arbitral. Aduz que a arbitragem foi feita “sem a fixação de um
procedimento arbitral” e que não foram analisados a escrituração e documentação contábil
das empresas.
O procedimento arbitral é estabelecido pelas partes na
convenção de arbitragem, facultando-lhes delegar ao próprio árbitro regular o procedimento, respeitados o contraditório, a igualdade das partes, a imparcialidade e o livre convencimento (art. 21, da Lei 9.307/96).
Observando-se os compromissos arbitrais (fls. 51/52,
54/55 e 58) vê-se que as partes convencionaram competir ao árbitro “definir o procedimento a ser adotado” (cláusula 3ª dos compromissos). Convencionaram ainda que “o árbitro deverá julgar exclusivamente por equidade” (cláusula 4ª dos compromissos).
Consta, ainda, que as partes apresentaram razões e contra-razões e que foram, juntamente com seus assessores, pessoalmente ouvidas pelo árbitro
(fls. 60, 68 e 71). O apelante foi assessorado pela empresa Emita, que inclusive apresentou
os quesitos a serem julgados pelo árbitro (fls. 53), enquanto o apelado Isidoro indicou o
contador Sérgio, conforme noticiou o árbitro (fls. 576).
A prova oral colhida também aponta para o respeito ao
contraditório e à igualdade das partes. O apelado Isidoro Rozenblum Trosman afirmou em
seu depoimento pessoal (fls. 573):
“que foi o autor quem escolheu o árbitro sendo que o depoente concordou com essa escolha; que depois disso
Sérgio e o representante da empresa que atendia aos inte-
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resse do autor participaram de diversas reuniões com o
juiz arbitral; que forma meses de trabalho (...).”
O árbitro Elias Lipatin Furman corroborou em seu testemunho o conteúdo das sentenças arbitrais, indicando observância do contraditório e da
igualdade (fls. 576/577):
“que cada parte deveria indicar alguiém que o representaria; que Isidoro indicou o contador Sérgio e Saul constituiu a empresa Emita, representada pelo contador Valdir;
que sobre o funcionamento do procedimento realizado
nessa arbitragem afirma que foram realizadas reuniões na
casa do depoente com a presença de ambas as partes por
meio de seus representantes por elas indicados; (...) que
na seqüência do procedimento o depoente ouviu cada parte sobre os quesitos subsistentes; que de início o depoente
e cada representante das partes se reuniram para análise
de cada quesito e como as partes não chegaram a um
acordo o depoente determinou que elas apresentassem por
escrito as suas razões; que apresentadas essas razões o
depoente deu ciência delas à parte contrária, vindo as
contra-razões de cada parte; que depois disso o depoente
decidiu (...).”
Portanto, houve sim o estabelecimento do procedimento
da arbitragem (art. 21, da Lei 9.307/96), a cargo do árbitro por expressa vontade das partes. Tanto que nenhum dos envolvidos manifestou qualquer contrariedade, à época, com o
procedimento levado a efeito pelo árbitro (fls. 577).
O apelante diz que o árbitro não realizou auditoria ou
análise da escrituração contábil e que não produziu as provas requeridas pelo recorrente.
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Sustenta ainda que a decisão arbitral pautou-se apenas em documentos produzidos pelo
apelado Isidoro e não respeitou o contraditório, devido processo legal, ampla defesa e isonomia.
Expressamente as partes convencionaram que a arbitragem seria realizada “exclusivamente por equidade, com base nos usos e costumes da atividade exercida pelas partes” (cláusula 4ª dos compromissos). Ora, se o julgamento deveria
fundar-se em usos e costumes da atividade exercida pelas partes, obviamente não era caso
de proceder à perícia contábil de escrituração contábil. Caso o apelante desejasse julgamento mais técnico não deveria ter avençado a exclusividade da equidade com base em
usos e costumes.
O que não se pode admitir é que alguém contrate julgamento por equidade com base em usos e costumes e, agora, venha pleitear nulidade justamente porque o julgamento respeitou o contrato e utilizou apenas usos e costumes.
Mesmo assim, a prova oral indica que documentos relativos a balancetes e documentos contábeis foram apresentados ao árbitro que os analisou
segundo seu livre convencimento. Veja-se (fls. 577):
“que recebeu documentação sobre a planilha de estoques
e, exemplificando a afirmação anterior, a descartou por
entender que tal questão não integrava o procedimento
arbitral; que recebeu os balancetes e documentos contábeis das empresas e quando não eram necessários não influenciou no julgamento proferido; que o representante de
uma parte tinha ciência da documentação apresentada pelo representante da parte adversa.”
De outro lado, tanto o relatório quanto a prova oral dos
autos indicam que ambas as partes produziram provas e documentos que reputaram pertinentes, com observação do contraditório, do devido processo legal, da ampla defesa e da
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isonomia, de onde não se sustenta a afirmação de afronta a esses princípios e de que o julgamento apenas levou em consideração a prova do apelado Isidoro. Veja-se o depoimento
em juízo do árbitro (fls. 577):
“que recebeu documentos de ambas as partes; (...) que
documentos me foram apresentados e eu os analisei ou
descartei”
Por fim, a produção de provas diretamente pelo árbitro
não pode lhe ser exigida incondicionalmente (RT 305/121), mas fica a cargo de seu entendimento do que é necessário para a formação de sua livre convicção (art. 22, caput, da Lei
9.307/96).
Assim, não há provas de que o árbitro tenha desrespeitado o procedimento arbitral convencionado pelas partes, tanto porque ficou expressamente
delegado pelas partes a seu cargo a regulagem do procedimento, quanto porque foi observado os princípio do contraditório, da igualdade das partes e do livre convencimento (art.
21, § 2º, da Lei 9.307/96), lembrando sempre que o instituto da arbitragem é regido pelos
os princípios de informalidade e celeridade. Veja-se:
“A exemplo do que se da em relação ao processo jurisdicionalizado, não se deve declarar a invalidade do juízo
arbitral quando ele alcança o seu objetivo não obstante a
ocorrência de irregularidades formais.”
(STJ – RESP 15231/RS – 4ª. T. – Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira – DJU 09.12.1991).
– Da parcialidade do árbitro
Sustenta o apelante que o árbitro Elias Lipatin tinha especial amizade com o apelado Isidoro e com ele manteve sociedades e negócios em comum,
o que caracteriza a parcialidade do árbitro.
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O princípio da imparcialidade (art. 21, § 2º, da Lei
9.307/96), além de dever do árbitro no desempenho de suas funções (art. 13, § 6º, da Lei
9.307/96), é efetivamente uma das formas previstas em lei para a declaração de nulidade
da sentença arbitral (art. 32, VIII e 33, § 2º, I, da Lei 9.307/96).
A suspeição de parcialidade do árbitro é fundada, no presente caso, na amizade íntima entre o apelado e o árbitro (art. 135, I, do CPC), consubstanciada em convivência de vários anos e em sociedades e negócios comerciais em comum.
Diz o apelante que o apelado Isidoro tem “aparente índole
criminosa” (fls. 994), que permaneceu preso por 8 meses juntamente com seu filho em
processo criminal federal e que foi denunciado pelo Ministério Público Federal por associação para o fim de cometer crimes, como uma organização criminosa sob forma de pessoa
jurídica, lesando os cofres públicos do Estado do Paraná.
Segundo a denúncia do MPF, o árbitro Elias e a apelada
Terci foram proprietários em conjunto dos apartamentos 1301 e 2303 no Edifício Business
Tower em Curitiba e que Isidoro e o árbitro Elias agiram como financiadores da empresa
Latino Câmbio e Turismo, cada um com 25% de participação.
Além disso, Isidoro e o árbitro Elias ocuparam a diretoria
da empresa panamenha Talero e juntamente com terceiro de nome Juan adquiriram o Banco Integración no Paraguai, sob presidência do árbitro Elias, além de serem sócios na empresa Vértice no Uruguai.
Pois bem. A prova dos autos demonstra que previamente
à arbitragem já havia algum relacionamento societário e de amizade entre apelante, apelado e árbitro. Tanto assim que a escolha de Elias Lipatin se deu por iniciativa do apelante,
conforme atesta na petição inicial, porque conhecia e confiava nele (fls. 08). Observe-se o
depoimento do árbitro Elias Lipatin (fls. 576):
“que há trinta e dois anos atrás conhece casualmente o sr.
Isidoro (...); que como freqüentava a casa de Isidoro nos
idos de 74 ou 75 conheceu o sr. Saul que na época não re-
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sidia em Curitiba; que nessa época o sr. Saul ficava hospedado na casa de Isidoro quando vinha para Curitiba;
que a cerca de doze anos atrás os três fizeram empreendimentos imobiliários.”
E prossegue:
“que o depoente, Isidoro e Saul tinham um grau de amizade, „nós saíamos juntos‟ e um freqüentava a casa do outro; que Saul compareceu em sua casa e pediu se podia
ajudar a resolver o problema de relacionamento que tinha
com Isidoro, atuando como árbitro.”
Os três eram amigos e mantinham, portanto, algum tipo
de relacionamento comercial entre si, antes da instituição da arbitragem. Isso não era ignorado pelo apelante no momento da escolha do árbitro, conforme se vê pela denúncia do
Ministério Público Federal (fls. 760/804 e 834/933).
A denúncia mencionada pelo apelante em suas razões recursais alcança-o também (fls. 844), e mostra que ele tinha ciência da existência de negócios entre o árbitro e o apelado e que inclusive participou da sociedade do Grupo Sundown
(fls. 840), integrado pelo árbitro Elias Lipatin (fls. 765).
Todos os fatos narrados pela denúncia e que envolvem
árbitro, apelante e apelado ocorreram antes de 1998 (fls. 760/804 e 840), portanto antes da
convenção de arbitragem, que se deu em 1999 (fls. 51/58). Isso significa que a escolha do
árbitro Elias Lipatin ocorreu mesmo o apelante tendo boa ciência do prévio relacionamento entre as partes, e isso não impediu a sua escolha. É bom lembrar que a recusa do árbitro
após a nomeação só pode ocorrer quando o motivo ensejador da recusa for conhecido depois da nomeação (art. 14, § 2º, b, da Lei 9.307/96), o que não é o caso dos autos, porque
em 1999 não era possível ao apelante ignorar que fazia parte do Grupo Sundown junto
com o árbitro e o apelado e que todos mantinham boa relação de amizade.
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O fato de o árbitro e a apelada Terci terem sido proprietários em conjunto dos apartamentos 1301 e 2303 no Edifício Business Tower em Curitiba e
de que Isidoro e o árbitro participaram da sociedade Latino Câmbio e Turismo, somente
reforça o já sabido relacionamento preexistente à arbitragem. Esse relacionamento comercial apontado não é capaz de por si só fazer prova da parcialidade do árbitro, principalmente se o confrontarmos com o também preexistente relacionamento de amizade entre
árbitro e apelante, como no caso em que aquele emprestou sua casa em Guaratuba e dois
apartamentos em Curitiba (fls. 578).
Desse modo, a prova constante nos autos, aí já consideradas as cópias juntadas após a sentença, demonstra que o apelante não ignorava a profundidade e extensão do relacionamento existente tanto entre o árbitro e o apelado Isidoro,
quanto entre si mesmo, o árbitro e o apelado Isidoro, de modo que não há caracterizar-se
descumprimento do dever de informar (art. 14, da Lei 9.307/96).
Ademais, se durante o procedimento o apelante notou
qualquer distinção de tratamento que ferisse a isonomia e parcialidade do árbitro deveria
ter argüido a suspeita na primeira oportunidade que tivesse para se manifestar (art. 20, da
Lei 9.307/96), e não somente após a prolação da sentença arbitral.
As alegações relativas à destruição da casa construída no
terreno da empresa Terci, sem qualquer indenização ou direito de retenção (art. 547 e 548,
do CCB/16), dizem respeito ao mérito da sentença arbitral, o qual não pode ser modificado
pelo Judiciário, já que lhe compete apreciar apenas as questões formais:
“Não é possível a análise do mérito da sentença arbitral
pelo Poder Judiciário (...)”
(STJ – RESP 693219/PR – 3ª. T. – Rel. Min. Nancy Andrighi – DJU 06.06.2005).
Assim, não há prova da parcialidade do árbitro (art. 333,
I, do CPC), haja vista que a questão da diferença dos haveres foi efetivamente apreciada,
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embora contrária aos interesses do apelante, e que a amizade pessoal do árbitro e o apelado eram de conhecimento do apelante no momento da escolha.
Não aproveita ainda a alegação de que não foi revelada ao
apelante a intensidade da amizade (art. 14, da Lei 9.307/96), e que o árbitro tinha interesse
direto na demanda.
O apelante afirma que o árbitro tinha interesse direito na
demanda, mas não há qualquer prova que demonstre interesse econômico direto entre a
apuração de haveres da Krsale e SBM e os demais negócios de Elias Lipatin.
Desse modo, não houve desobediência ao procedimento
de arbitragem ou a seus princípios e nem foi provada a parcialidade do árbitro, frisando
que o apelante tinha, no momento da escolha, clara ciência da extensão e profundidade do
relacionamento havido entre todas as partes, inexistindo fundamento para recusa posterior
do árbitro por suspeição (art. 14, § 2º, da Lei 9.307/96).
Como corolário da improcedência do pedido de nulidade
de sentença arbitral, a cautelar inominada e a ação de atentado merecem igual rejeição,
porque a validade e eficácia dos compromissos arbitrais afastam a possibilidade de busca e
apreensão de documentos nos moldes pleiteada, e porque não houve inovação no estado de
fato, tendo em vista que não havia decisão judicial que impedisse a remoção da casa construída.
Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso e,
de conseqüência, mantenho íntegra a sentença recorrida.
ACORDAM, os Excelentíssimos Desembargadores integrantes da Décima Sétima Câmara Cível do egrégio Tribunal de Justiça do Paraná, por
unanimidade de votos, em não conhecer do agravo retido e negar provimento ao recurso de apelação, nos termos do voto do relator.
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Participaram do julgamento e acompanharam o voto do
Relator, os Desembargadores Fernando Vidal de Oliveira (presidente com voto), e Stewalt
Camargo de Filho.
Curitiba, 14 de novembro de 2007.
VICENTE DEL PRETE MISURELLI.
Desembargador Relator
Download

APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO N