ANDRÉ LUÍS DILLMANN
TRIBUNAL DO JÚRI: A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NAS DECISÕES DO
CONSELHO DE SENTENÇA
Monografia final do Curso de Graduação em
Direito objetivando a aprovação no
componente curricular Monografia.
UNIJUI – Universidade Regional do Noroeste
do Estado do Rio Grande do Sul
DCJS – Departamento de Ciências Jurídicas e
Sociais
Orientador (a): MSc Francieli Formentini
Santa Rosa (RS)
2012
Antes de profissional, formei-me como cidadão.
Graças aos meus queridos pais Alfonso Dillmann (In
memoriam), Leoni Maria Klein Dillmann e Hugo
Reinoldo Werlang e ao meu irmão Jonas Eduardo
Dillmann,
que
no
decorrer
de
minha
vida,
propiciaram-me todas as condições para que me
tornar-se um cidadão honesto, leal, humilde, sincero
e corajoso, sempre me dirigindo grande amor e
carinho. A vocês minha eterna gratidão e respeito.
AGRADECIMENTOS
Crente na divindade como sou, agradeço a Deus a capacitação concedida, sem a qual não seria
possível transpor tantos obstáculos ao longo desta longa jornada que foi cursar a Faculdade de
Direito, a qual se finda por meio desta obra de conclusão de curso.
À minha família, nas pessoas de Alfonso Dillmann (In Memorian), Leoni Maria Klein
Dillmann, Hugo Reinoldo Werlang, e Jonas Eduardo Dillmann, os quais sempre me
incentivaram a lutar pelos meus sonhos. Obrigado.
Lhes amo muito
A minha professora orientadora, Francieli Formentini, pela compreensão e paciência
que teve comigo e, também, pela orientação segura que me passou durante a elaboração deste
trabalho tão importante na trajetória acadêmica.
A todos os professores com os quais tive o privilégio de aprender e aprimorar meu
conhecimento durante este período, cumpridores assim, do seu grande papel: ensinar.
Aos amigos que fiz nesta trajetória, em especial a Turma do Almoço de Idéias.
A minha namorada Renata Helena Follmann, que procura me apoiar e me encorajar, estando
ao meu lado nos momentos bons e ruins, sendo sempre a melhor amiga.
E, aos demais familiares, amigos e colegas, que de uma maneira ou de outra me auxiliaram
nesta caminha. Muito obrigado.
“Gosto mais dos sonhos do futuro do que da história
do passado.”
Thomas Jefferson
RESUMO
O presente trabalho faz uma análise acerca do Tribunal do Júri e seu provável
surgimento na Inglaterra, expandindo-se pela Europa e Américas e a possível influência da
mídia nas decisões do conselho de sentença. No Brasil, a Instituição do Tribunal do Júri
surgiu em 1882, sendo encarregado pelos julgamentos dos crimes de imprensa. Com o
advento da Constituição Federal de 1988, autenticada que fora pelo espírito democrático,
reafirmou a identidade constitucional do júri popular, em seu art. 5º, XXXVIII, alíneas, a, b,
c, d. A pronúncia é a única que encaminha o réu ao Tribunal do Júri. Temos, porém, outras
decisões como a impronúncia, a absolvição sumária e a desclassificação sumária que excluem
a competência do Tribunal do Júri. A pronúncia ocorre quando o juiz se convence sobre a
existência do crime e de haver indícios suficientes de que o acusado seja seu autor. Ao ser
encaminhado para Julgamento pelo Tribunal do Júri, o réu poderá ser absolvido ou condenado
por um Conselho de Sentença formado por seus pares, os quais podem ou não, deixar-se
influenciar pela grande exposição midiática que se dá aos crimes dolosos contra a vida de
grande repercussão nacional o que será analisado no presente trabalho.
Palavras – Chave: Tribunal do Júri. Conselho de Sentença. Pronúncia. Mídia
ABSTRACT
This paper makes an analysis about the jury and their likely appearance in England,
expanding to Europe and the Americas and the possible influence of the media on the
decisions of the board of sentence. In Brazil, the institution of the jury came in 1882, being
responsible for crimes trials press. With the advent of the Federal Constitution of 1988, which
was certified by the democratic spirit, reaffirmed the constitutional identity of the jury, in its
art. 5, XXXVIII, points a, b, c, d. The pronunciation is the one that directs the defendant to the
jury. But we have other decisions as Impronúncia the acquittal and decommissioning
summary that exclude the jurisdiction of the grand jury. The pronunciation occurs when the
judge is convinced of the existence of the crime and that there is sufficient evidence that the
accused is its author. To be referred to trial by jury, the defendant may be acquitted or
convicted of a Sentencing Council formed by peers, which may or may not be influenced by
the great media exposure which gives crimes against life of great national repercussions
which will be analyzed in this work.
Keywords:
Jury.
Council
Award.
Pronunciation.
Media.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 9
1 O TRIBUNAL DO JÚRI NO BRASIL SOB UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA E
PRINCIPIOLÓGICA ............................................................................................................. 11
1.1 O Júri no Brasil: influências históricas e legislações ..................................................... 11
1.2 Princípios que regem a Instituição do júri ..................................................................... 14
1.2.1 Ampla defesa e plenitude de defesa ................................................................................. 15
1.2.2 Sigilo das votações .......................................................................................................... 16
1.2.3 Soberania dos Veredictos ................................................................................................ 17
1.2.4 Competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida ................................ 18
1.3 Estrutura e organização do júri ...................................................................................... 20
2 DECISÕES ESPECÍFICAS DO PROCEDIMENTO DO JÚRI ..................................... 24
2.1 Decisões que não encaminham ao júri popular ............................................................. 24
2.1.1 Impronúncia .................................................................................................................... 24
2.1.2 Desclassificação da infração penal................................................................................. 25
2.1.3 Absolvição sumária ......................................................................................................... 27
2.2 Pronúncia .......................................................................................................................... 28
2.2.1 Presunção de inocência ................................................................................................... 28
2.2.2 Requisitos para a pronúncia ........................................................................................... 29
2.2.3 Conteúdo da pronúncia ................................................................................................... 30
2.3 Do Julgamento em plenário ............................................................................................. 31
2.3.1 Formação do conselho de sentença................................................................................. 31
2.3.2 Da votação dos quesitos .................................................................................................. 32
3 MÍDIA E SUA INFLUÊNCIA NAS DECISÕES PROFERIDAS PELO CONSELHO
DE SENTENÇA ...................................................................................................................... 33
3.1 Aspectos gerais dos meios de comunicação em massa................................................... 33
3.2 A mídia e sua influência perante o tribunal do júri ...................................................... 37
3.3 Uma reflexão sobre caso concreto: o homicídio de Isabella Nardoni .......................... 43
CONCLUSÃO......................................................................................................................... 48
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 51
9
INTRODUÇÃO
A tradicional instituição jurídica conhecida como Tribunal do Júri, desde seu
surgimento, despontou como um dos mais polêmicos temas do direito processual penal, se
incluindo no imaginário de pessoas comuns através de filmes que retratam um grande
espetáculo teatral, no qual o réu, na maioria das vezes, se apresenta como o vilão e as vítimas
como as perseguidoras da Justiça.
É certo que o Tribunal do Júri surgiu com a intenção de assegurar os direitos e
garantias fundamentais, conferindo ao povo a prerrogativa de aplicar a justiça do modo que
lhe conviesse, cabendo a eles as decisões quanto à autoria, materialidade delitiva, incidência
da excludente de ilicitude ou culpabilidade e das causas de aumento ou diminuição da pena
quando ocorressem crimes dolosos contra a vida, ou seja, homicídio doloso, aborto,
induzimento, instigação ou auxílio a suicídio e infanticídio.
Contudo, ao atribuir a competência a um Tribunal Popular a fim de conceder um
maior grau de democracia, o constituinte fez com que o acusado se sujeitasse ao veredicto de
pessoas desprovidas, muitas vezes, de um conhecimento técnico-jurídico, isto é, leigas em
matéria de direito.
Agrega-se ao problema exposto a chamada parcialidade dos jurados, os quais por
experiências particulares, ou até mesmo devido aos veículos de comunicação “venderem” a
violência, gerando um verdadeiro sentimento de terror na população, tendem a decidir
favoráveis à condenação, motivados pela emoção e o sentimento de se fazer justiça a qualquer
preço, ainda que as provas não sejam suficientes para embasar a decisão, ferindo o princípio
do in dubio pro réu, o princípio que assegura a decisão favorável ao acusado em caso da
existência da dúvida.
10
Neste contexto se justifica a escolha do presente tema, vez que se faz necessária a
análise da eficácia do sistema quanto à garantia dos princípios constitucionais do contraditório
e da ampla defesa no procedimento de julgamento promovido pelo Tribunal do Júri em casos
de grande repercussão, bem como a análise quanto há possibilidade concreta de se alcançar à
justiça almejada por meio de jurados incapazes de se desvencilhar do julgamento préconcebido imposto pelos veículos de comunicação atentando somente à prova contida nos
autos do processo.
O primeiro capítulo realiza um estudo acerca da origem e evolução do Tribunal do Júri
no mundo e no Brasil, assinalando sua competência conforme acontecimentos históricos
jurídicos no país.
Em seguida, passa-se a análise das decisões que não encaminham o acusado ao
julgamento em Plenário do Tribunal do Júri assim como aquela que o encaminha e seu roteiro
em plenário.
Encerrada a problemática do Tribunal do Júri, sua origem e a forma que se procede
quanto a isso no Brasil, adentra-se então no terceiro capítulo, que é o principal objeto do
presente estudo, a instituição conhecida como mídia, explicitando através da análise das
liberdades de pensar, formar, informar e a liberdade de imprensa, as maneiras pelas quais, a
mídia exterioriza um pré-julgamento dos acusados, seja por meio de inúmeros noticiários,
programas jornalísticos sensacionalistas, vendendo a idéia de terror à população que os assiste
e, mais que isso, a necessidade de se fazer justiça a qualquer preço.
Por fim, destaca-se o caso de homicídio da vítima Isabella Nardoni, através da análise
mais detalhada da influência da instituição denominada mídia sobre o juízo crítico dos
jurados, de modo indireto, ou seja, através de um sentimento de terror e pânico da violência
perpetrado pelos meios de comunicação, provocando uma verdadeira caçada em busca da
justiça.
11
1 O TRIBUNAL DO JÚRI NO BRASIL SOB UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA E
PRINCIPIOLÓGICA
A doutrina diverge quanto a origem do instituto do tribunal do júri, mas os
antecedentes do tribunal do júri tem sua provável origem na lei mosaica, nos diskatas, na
Hiléia (tribunal dito popular) ou no Areópago, entre os gregos, nos centeni comitês, dos
primitivos germanos, ou ainda, na Inglaterra, por volta de 1215, teoria esta última, a mais
aceita, de onde passou pelos Estados Unidos e, depois, de ambos para os continentes europeu
e americano (TUCCI, 1999, p. 8).
1.1 O Júri no Brasil: influências históricas e legislações
No Brasil, a instituição do júri surgiu em 18 de junho de 1822, sendo encarregado pelo
julgamento dos crimes de imprensa. Consoante a isso Guilherme de Souza Nucci (1999, p.
36), salienta que o Príncipe Regente declarou:
[...] procurando ligar a bondade, a justiça e a salvação pública sem ofender à
liberdade bem entendida da imprensa, que desejo sustentar e conservar, a que tanto
bem tem feito à causa sagrada da liberdade brasileira, criava um tribunal de juízes de
fato composto de vinte e quatro cidadãos... homens bons, honrados, inteligentes e
patriotas, nomeados pelo Corregedor do Crime da Corte e da Casa.
Ainda, através desse decreto, o juiz de direito nas causas de abuso de liberdade de
imprensa nas províncias, que tivessem relação, seriam nomeados pelo Ouvidor do Crime e
pelo de Comarca nas que não tivessem. Diante dos jurados os réus poderiam recusar dezesseis
dos vinte e quatro jurados, sendo que os oito restantes seriam suficientes para compor o
conselho de julgamento. Os réus só poderiam apelar para a real clemência do Regente.
Em 1824, quando a instituição do júri foi inserida na constituição do império nos
artigos 151 e 152, passou a integrar o poder judiciário, sendo considerado, como definiu
Nassif (2001), um poder judicial independente, composto de juízes e jurados, no cívil e no
crime, nos casos e pelo modo que estiver determinado pelos códigos, sendo que os jurados se
pronunciam sobre o fato e os juízes aplicam a lei.
Nota-se que ao contrário do que a constituição atual preceitua, o júri está inserido no
capítulo referente ao poder judiciário e não entre os direitos e garantias individuais. Em
12
relação a isso, quando os direitos estavam em ascensão em todo o mundo, o Brasil não
considerou o júri como tal.
Neste sentido, Rogério Lauria Tucci (1999, p. 31) também assegura que:
[...] a Constituição Política do Império, de 25 de março de 1824, estabeleceu, no seu
art. 151, que o Poder Judicial, independente, seria composto de juízes e jurados,
acrescentando, no art. 152, que estes se pronunciariam sobre os fatos e aqueles
aplicariam as leis.
Diante disso, a carta de 1824, consagrou os direitos e garantias fundamentais,
declarando em seu art. 179, a inviolabilidade dos direitos civis e políticos, sendo estes
baseados na liberdade, na segurança individual e no direito de propriedade.
Já Nucci (1999, p. 37), após alguns anos, assim afirma:
O Código de Processo Criminal, de 1832, ampliou sobremaneira a competência do
Tribunal do Júri, restringindo a atividade do juiz de direito a praticamente só presidir
as sessões do júri, orientar os jurados a aplicar a pena (art. 46). A instituição do
tribunal popular, no Brasil, ganhou então os contornos que sempre possuía o júri nos
países do common law.
Em 1841, através da Lei nº 261, a vocação liberal da constituição foi alterada,
eliminando-se assim o júri de acusação. Já pela Lei nº 2.033, de 20 de setembro de 1871,
regulada pelo Decreto Imperial nº 4.824, de 22 de novembro de 1871, foi redefinida a
competência do júri para toda matéria criminal.
Consoante a isso, Daher (2002) afirma pelo Código de Processo Criminal de 1832 e
pela reforma de 1871, foi alterado em sua estrutura e competência. Mantido na constituição de
1891 e nas sucessivas, incluindo-se a constituição de 1934 até 1937, quando a carta silenciouse sobre o tribunal popular.
Aramis Nassif (2001, p. 18), afirma ainda:
A Constituição de 1891, de cunho iminentemente federalista, consagrou a autonomia
política dos Estados Federados, identificando-se com a estrutura norte-americana.
As unidades federalistas passaram a legislar sobre o júri, e a respeito o Estado do
Rio Grande do Sul crio-o de forma singular, merecendo destaque a Lei nº 19, de 16
de dezembro de 1895, regulamentadora da Instituição. Neste texto legal, foi
determinado que as sentenças do júri, serão proferidas pelo voto a descoberto da
maioria (art. 65, § 1º) e que os jurados não podem ser recusados.
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A constituição de 1937, ao não mencionar nada sobre o júri, levou alguns juristas da
época a conclusão de que a instituição teria sido extinta.
Essa opinião, no entanto, não prevaleceu, tendo em vista que o Decreto-Lei nº 167, de
5 de janeiro de 1938, regulou a instituição do júri, evidenciando que estava presente no
sistema normativo. Sua competência ficou restrita aos julgamentos dos seguintes crimes:
homicídio, infanticídio, induzimento ou auxilio a suicídio, duelo com resultado de morte ou
lesão seguida de morte, roubo seguido de morte e sua forma tentada conforme disposto no art.
3º.
Consoante ao exposto ocorre que a soberania do tribunal popular deixou, legalmente
de existir. O art. 96 do referido decreto, dizia expressamente o seguinte:
Art. 96. Se, apreciando livremente as provas produzidas, quer no sumário de culpa,
quer no plenário de julgamento, o Tribunal de Apelação se convencer de que a
decisão do júri nenhum apoio encontra nos autos, dará provimento à apelação, para
aplicar a pena justa, ou absolver o réu, conforme o caso.
Ao ignorar a soberania do júri, a constituição de 1937, veio a propiciar a ocorrência de
gravíssimos erros judiciários, como é o caso dos irmãos Naves, um dos maiores erros
judiciários do Brasil:
Exatamente no ano de 1937, no Estado de Minas Gerais, dois irmãos foram
acusados de terem matado um parente próximo. Muito embora o cadáver da vitima
não tenha sido localizado, os dois foram processados por homicídio doloso.
Submetido ao julgamento pelo tribunal do júri, ambos foram absolvidos, tendo o
Ministério Público, recorrido da decisão para o Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
Na mais alta Corte mineira, o recurso ministerial foi provido e ambos foram
condenados à pena superior a vinte anos. Mandados ao cárcere, um deles inclusive
acabou falecendo durante o cumprimento da pena. O outro, praticamente cumpriu
toda sanção, sendo certo que no final a vitima apareceu viva. Até hoje, o Estado de
Minas Gerais paga indenização à família Naves. (PEREIRA, 2001, p. 26).
Dito exemplo demonstra, efetivamente, a necessidade da preservação do princípio da
soberania do júri. Aliás, todas as demais constituições brasileiras atribuíram ao júri a
soberania dos veredictos, pelo qual somente o júri pode apreciar os crimes dolosos contra a
vida, podendo, no máximo, a Egrégia Superior Instância, determinar seja o réu submetido a
novo julgamento na hipótese de haver alguma nulidade ou erro do judiciário.
14
Na constituição federal de 1946, retorna soberana e definitiva instituição do júri em seu
art. 141, §28, sendo de salutar importância destacar que, o constituinte fez constar o júri no
capítulo dos direitos e garantias individuais, com competência obrigatória para os crimes dolosos
contra a vida. Restabeleceu-se a soberania dos veredictos do júri, determinando, inclusive, fosse
ímpar o número dos membros.
Nesse sentido Nassif (2001, p. 21) assevera:
A Constituição de 1946 proclamou entre os “Os Direitos e garantias Individuais”
que era mantida a instituição do Júri, com a organização que lhe der lei, contando
que seja ímpar o número de seus membros e garantindo o sigilo das votações, a
plenitude de defesa do réu e a soberania dos veredictos. Serão obrigatoriamente de
sua competência os crimes dolosos contra a vida (art. 141, §28).
A constituição federal de 1988, autenticada que fora pelo espírito democrático,
reafirmou a identidade constitucional do júri, no seu art. 5º, inciso XXXVIII, alíneas a, b, c, d,
assegurando-lhe a plenitude da defesa, o sigilo das votações, a soberania dos veredictos e a
competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, respectivamente.
Tudo isso, como assegura Nassif (2001, p. 22), é reflexo de um amplo movimento
popular e também de uma intensa movimentação política, sendo “fruto de atitudes corajosas e
da persistência de um povo inteiro, cansado de arbitrariedades, em busca do resgate de sua
integridade político-juridica”.
Consequentemente, a Carta convoca cidadãos para compor a amostragem da
sociedade, julgando assim, soberanamente, seus pares.
1.2 Princípios que regem a Instituição do júri
O rito da instituição do tribunal do júri realiza-se mediante a observância de seus
princípios institucionais incluídos pelo constituinte no título que dispõe sobre os direitos e
garantias fundamentais enumeradas na constituição federal de 1988, quais sejam: a plenitude
de defesa, o sigilo das votações, a soberania dos veredictos e a competência para o julgamento
dos crimes dolosos contra a vida.
15
1.2.1 Ampla defesa e plenitude de defesa
Nucci (1999, p. 139-141), ao analisar os vários preceitos do júri, conclui que há
diferença entre a plenitude da defesa disposta constitucionalmente no art. 5º, XXXVIII, e, a
ampla defesa prevista em mesmo artigo constitucional no inciso LV: nesse sentido afirma
que:
Quis o legislador constituinte, além da ampla defesa geral de todos os acusados,
assegurar ao acusado do júri mais, ou seja, a defesa plena, levando em conta o fato
principalmente o fato de que, diferentemente das decisões judiciais nos processos
em geral, a decisão dos jurados não é motivada. Pode o juiz, no seu julgamento, de
oficio, admitir em favor do acusado tese não apresentada pela defesa, mas os jurados
não podem. Assim, há que se exigir mais do advogado do júri, e, daí, a necessidade
de que se garanta ao acusado a plenitude da defesa, ou seja, uma defesa completa.
Trata-se de garantia especial e que se aplica à fase do plenário.
Plenitude da defesa é uma variante do princípio da ampla defesa, constante no art. 5º,
inciso LV da constituição federal.
Para a boa doutrina, “a ampla defesa é a outra face do princípio do contraditório.
Enquanto este último liga-se ao direito de participação, o princípio da ampla defesa impõe a
realização efetiva desta participação”. (OLIVEIRA, 2011, p. 44).
Exemplo deste preceito legal é o disposto no art. 497, V, do Código de Processo Penal
(CPP) determinando-se que seja dado ao réu um defensor quando considerado indefeso.
Demais disso, se houver defesa desidiosa, insuficiente, tendenciosa, incorreta tecnicamente,
por parte do advogado do réu, o feito deve ser anulado e nomeado outro defensor, sob pena de
violação à plenitude de defesa, assegurada pela constituição de 1988.
Nesse sentido, “a imposição ao magistrado de elaborar questionário, na pluralidade de teses
definitivas, mesmo em relação às teses eventualmente contraditórias” (NASSIF, 2001, p. 26).
A essência abstrata do princípio da plenitude de defesa remonta em conceder ao réu
igualdade de condições para contra arrazoar tudo aquilo que lhe é dito em desfavor. A balança
há de permanecer equilibrada, sob pena de não realização de um julgamento justo.
16
Eugênio Pacelli de Oliveira (2011, p. 44), ao analisar o princípio em questão faz o
seguinte apontamento:
[...] defesa ampla é uma defesa cheia de oportunidades, sem restrições, é a
possibilidade de o réu defender-se de modo irrestrito, sem sofrer limitações
indevidas, quer pela parte contrária, quer pelo Estado-juiz, enquanto que defesa
plena é uma defesa absoluta, perfeita, completa, exercício efetivo de uma defesa
irretocável, sem qualquer arranhão, perfeição, logicamente dentro da natural
limitação humana.
A plenitude de defesa é então, segundo Oliveira (2011, p. 46) “uma defesa irretocável,
tanto pelo fato do defensor ter preparo suficiente para estar na tribuna, ou de o réu utilizar-se
do direito à autodefesa, ouvido em interrogatório e tendo sua tese levada em conta pelo juiz
presidente, por ocasião da elaboração do questionário”.
A voz da sociedade esposada pelo Promotor de Justiça, assim como o exercício pleno
da defesa, há de duelar no terreno da lealdade, possuindo ambos as mesmas oportunidades
para influenciar no livre convencimento dos jurados. Este é o verdadeiro espírito do “bom
combate”, que deve, desde cedo, estar presente no âmago daqueles que esperam um dia
labutar no “Tribunal do Povo”.
1.2.2 Sigilo das votações
O sigilo das votações é assegurado pela constituição, no art. 5º, inciso XXXVIII,
alínea “b”, preservando os jurados de qualquer tipo de influência ou ainda, depois do
julgamento, de eventuais represálias pela sua opção ao responder os quesitos formulados pelo
Juiz Presidente do Tribunal do Júri.
Trata-se de condição necessária para proteger-se a livre manifestação do pensamento
dos jurados. Livre, porque os jurados devem conscientes da responsabilidade social de seus
papéis, restarem imunes às interferências externas para proferirem o seu veredicto.
O sigilo das votações é fundamental para que os jurados possam decidir com
independência e imparcialidade, por consistir na liberdade de convicção dos jurados, torna
importante ressaltar que os mesmos possam formular indagações nos momentos próprios,
bem como solicitar esclarecimentos sobre eventuais dúvidas surgidas com a leitura dos autos
17
ou na exposição dos fatos pela defesa técnica ou pela acusação, sem o temor da ter a
publicidade de suas atitudes.
Sobre princípio em tela, discorre Julio Fabbrini Mirabete (2006, p. 494):
A natureza do júri impõe proteção aos jurados e tal proteção se materializa por meio
do sigilo indispensável em suas votações e pela tranquilidade do julgador popular,
que seria afetada ao proceder a votação sob vistas do público. Aliás, o art. 93, IX,
não pode se referir ao julgamento do júri, mesmo porque este, as decisões não
podem ser fundamentadas.
Ademais, a lei faculta aos jurados a qualquer momento, solicitar, por exemplo, onde se
encontra a peça lida pelo orador, desde que, através de juiz togado, vide art. 480 do CPP:
Art. 480. A acusação, a defesa e os jurados poderão, a qualquer momento e por
intermédio do juiz presidente, pedir ao orador que indique a folha dos autos onde se
encontra a peça por ele lida ou citada, facultando-se, ainda, aos jurados solicitar-lhe,
pelo mesmo meio, o esclarecimento de fato por ele alegado.
§ 1º Concluídos os debates, o presidente indagará dos jurados se estão habilitados a
julgar ou se necessitam de outros esclarecimentos.
§ 2º Se houver dúvida sobre questão de fato, o presidente prestará esclarecimentos à
vista dos autos.
§ 3º Os jurados, nesta fase do procedimento, terão acesso aos autos e aos
instrumentos do crime se solicitarem ao juiz presidente.
Por fim, cabe ressaltar que o Juiz-Presidente do Tribunal do Júri tem um importante
papel a ser desempenhado, marcado por um estado de atenção permanente, que o ajuda a
coibir quaisquer que sejam as formas de interferência no momento das votações, assegurando
o devido sigilo.
1.2.3 Soberania dos Veredictos
O princípio constitucional da soberania dos veredictos consiste na impossibilidade de
modificação da decisão proferida pelo Conselho de Sentença, pois trata-se de “condição
indiscutivelmente necessária para os julgamentos realizados no tribunal do júri”
(MIRABETE, 2006, p. 495).
José Frederico Marques (1997, p. 23), considera ser impossível os juízes togados
substituírem os jurados em sua decisão sobre a causa. Porém, se a decisão dos jurados for
contrária à prova dos autos, poderá o juízo de origem (ad quo), desde que provocado, produzir
18
novo julgamento. Dessa forma, a soberania dos veredictos é condição necessária para que o
júri exista em sua integralidade.
Nesse viés convém lembrar que tanto defesa ou acusação podem recorrer da decisão
dos jurados, pois como dito anteriormente, pode ocorrer decisão manifestamente contrária às
provas dos autos.
Mirabete (2006, p. 496) bem observa referida questão:
A soberania dos veredictos dos jurados, afirmada pela Carta Política, não exclui a
recorribilidade de suas decisões, sendo assegurada com a devolução dos autos ao
Tribunal do Júri para que profira novo julgamento, se cassada a decisão recorrida
pelo princípio do duplo grau de jurisdição. Também não fere o referido princípio a
possibilidade da revisão criminal do julgado do Júri, (LXXXI) a comutação de penas
etc. Ainda que se altere a decisão sobre o mérito da causa, é admissível que se faça
em favor do condenado, mesmo porque a soberania dos veredictos é uma “garantia
constitucional individual” e a reforma ou alteração da decisão em benefício do
condenado não lhe lesa qualquer direito, ao contrário beneficia.
Assim, é soberano o veredicto do tribunal popular em razão do sistema processual
penal inserido na constituição federal, pois seu reexame no que tange ao mérito, só poderá ser
revista suas decisões por quem lhe deu causa, ou seja, o próprio tribunal do júri.
1.2.4 Competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida
Define a constituição ainda, a competência do tribunal do júri para o julgamento dos
crimes dolosos contra a vida.
Os crimes de competência do júri abrangem o homicídio, simples, privilegiado ou
qualificado, constantes nos art. 121, § 1º e 2º; o induzimento, instigação ou auxilio a suicídio
previsto no art. 122, parágrafo único; o infanticídio, previsto no art. 123 e o aborto provocado
pela gestante, ou com seu consentimento ou por terceiro, constantes nos arts. 124 a 127, todos
previstos no código penal.
Esses delitos tanto podem ser na forma consumada ou tentada, com exceção do
induzimento, da instigação ou do auxílio ao suicídio (art. 122), (que não permitem a forma
tentada).
19
Vale a ressalva que as competências especiais por prerrogativas de função conferem
ao art. 5º, inc. XXXVIII, alínea d, certa relativização, uma vez que há hipóteses em que os
crimes dolosos contra a vida não serão julgados pelo tribunal do júri. São os crimes praticados
por autoridades como foro de processo e julgamento previsto diretamente pela constituição
federal (arts. 29, VIII; 96, III; 102, I, b e c; 105, I, a; 108, I, a). Este casos configuram
verdadeiras excepcionalidades.
Em se tratando do crime previsto no art. 128 do código penal, convém salientar que o
aborto, neste caso, não deve ser punido, pois o mesmo é praticado por médico para salvar a
vida da gestante ou nos casos de a gravidez ser resultante de estupro, caso este, em que é
necessário autorização judicial.
A ação penal, conforme assegura o mesmo autor, no processo de competência do
tribunal do júri, tem duas fases, podendo-se dizer assim, bifásico. Pode, porém, ocorrer que
uma dessas fases não aconteça, como no caso de haver impronúncia, desclassificação ou
absolvição sumária.
A primeira fase tem início com o recebimento da denúncia, terminando com a
sentença de pronúncia transitada em julgado. Nesta fase, convém salientar que vigora o
princípio in dúbio pro societate resultante no encaminhamento do réu a julgamento pelo
tribunal do júri.
Júlio Fabbrini Mirabete (2006, p. 480), sobre esse principio, ensina:
É a favor da sociedade que nela se resolvem eventuais incertezas propiciadas pela
prova. Há a inversão da regra in dúbio pro reo para in dúbio pro societate. Por isso,
não há necessidade, absolutamente, do convencimento exigido para condenação,
como a confissão do acusado e depoimentos de testemunhas presenciais.
Com isso, podemos dizer que após a fase de inquirição de testemunhas, alegações
finais das partes e diligências procede-se a pronúncia, que é a primeira fase do procedimento
do júri, indo o recebimento da denúncia até a sentença pronunciativa.
20
Esta fase é denominada, segundo Nassif (2001, p. 43), sumário de culpa, momento no
qual há o exame da admissibilidade da acusação, partindo-se ou não para o julgamento
popular.
Nessa oportunidade da pronúncia, outras providências podem ser tomadas pelo juiz
preterindo-se o seu pronunciamento, como é o caso da ocorrência da impronúncia, quando há
negativa de admissibilidade; absolvição sumária, quando existir alguma excludente de
ilicitude; ou desclassificação, quando o crime sub examine não for considerado doloso contra
a vida, fugindo da competência do júri popular e indo para a área do juiz singular.
Já na segunda fase há a existência de sentença de pronúncia, com ofertamento do
libelo por parte do Ministério Público, conforme prescreve o art. 417, do CPP, e se encerra
com a sentença do Juiz-Presidente em plenário do júri. Na fase da sentença aplica-se o
principio in dúbio pro reo, princípio este vigente também nos processos de competência do
juiz singular.
O rito adotado pelo CPP para a primeira fase do procedimento é semelhante ao rito
ordinário, previsto para os crimes de reclusão, ainda que a infração a ser julgada pelo júri seja
crime, cuja pena é detenção.
1.3 Estrutura e organização do júri
Os julgamentos realizados pelo tribunal do júri atualmente são demorados em sua
organização, na seleção dos jurados e em suas próprias sessões. O procedimento usado é
extremamente formal.
De acordo com o que preconiza o art. 447 do CPP, o tribunal do júri é constituído de
um juiz de direito, que é o seu presidente e 25 (vinte e cinco) jurados, dentre os quais, sete
serão sorteados e constituirão o Conselho de Sentença em cada sessão de julgamento.
Diante disso, pode-se constatar que trata-se do júri com sendo um “tribunal composto
de jurados sob a presidência de um juiz togado, cabendo àquele decidir da responsabilidade
do réu (questões de fato) e a este a fixação de pena em função das respostas”. (OLIVEIRA,
2011, p. 702)
21
Adriano Marrey (2000, p. 227), classifica essa escolha de jurados como um
alistamento, realizado anualmente pelo Juiz Presidente do Júri, estando isto sob sua
responsabilidade. Os jurados devem ser cidadãos de notória idoneidade, sendo escolhidos por
conhecimento do próprio magistrado ou através de informação fidedigna, a procura de jurados
será criteriosa, sendo realizada em diversos segmentos da comunidade, escolhendo, é claro,
aqueles que melhor os represente.
A respeito do tema, Lênio Streck (2001, p. 101) assevera que:
Os jurados, escolhidos dentre os cidadãos de notória idoneidade, fazem parte, assim,
de um padrão de normalidade e um padrão de aceitação pela sociedade. A
normalidade, então, é uma normalidade instituída, onde normal tem a acepção de
normar, de estabelecer um dever-ser-social-não-desviante. E, ao ser instituída, ao
mesmo tempo passa a ser instituinte.
O juiz poderá requisitar às autoridades do lugar, associações de classe e de bairro,
entidades associativas e culturais, instituições de ensino em geral, universidades, sindicatos,
repartições públicas e outros núcleos comunitários a indicação de pessoas que possam integrar
o corpo de jurados, é o que estabelece o art. 425, §2º do CPP.
A distinção que se faz não é pela posição social, nem pelo seu destaque na sociedade,
mas sim pela sua idoneidade. Há uma diversificação das funções sociais, presentes nessa
escolha, de maneira que a sociedade possa estar presente, representada por todas as suas
camadas. (MARREY, 2000, p. 231).
Após o alistamento dos jurados, que farão parte da lista geral do ano vindouro, será
publicada no mês de outubro, para o conhecimento de todos, sendo que, qualquer pessoa pode
manifestar-se sobre ela, inclusive a própria pessoa que se encontra alistada, podendo expor os
motivos que a impedem de estar presente nas sessões do júri. A alteração desta lista será de
ofício ou mediante reclamação de qualquer do povo ao juiz presidente até o dia 10 (dez) de
novembro, data em que será publicada definitivamente.
Os nomes e endereços dos alistados, em cartões iguais, após serem verificados na
presença do Ministério Público, de advogado indicado pela Seção local da Ordem dos
22
Advogados do Brasil e de defensor indicado pelas Defensorias Públicas competentes,
permanecerão guardados em urna fechada a chave, sob a responsabilidade do juiz presidente.
Conforme preceitua o art. 433 do CPP, o sorteio, será presidido pelo juiz e far-se-á a
portas abertas, cabendo-lhe retirar as cédulas até completar o número de 25 (vinte e cinco)
jurados, para a reunião periódica ou extraordinária. Dito sorteio será realizado entre o
15º(décimo quinto) e o 10º (décimo) dia útil antecedente à instalação da reunião.
Para serem alistados as pessoas devem ser maiores de 18 anos de notória idoneidade,
não podendo serem excluídos dos trabalhos do júri ou deixar de ser alistado em razão de cor
ou etnia, raça, credo, sexo, profissão, classe social ou econômica, origem ou grau de
instrução.
Toda via, existem algumas pessoas que são isentas de fazerem parte do corpo de
jurados, dentre elas o presidente da república, ministros de estado, governadores, membros do
congresso nacional, prefeitos municipais e outras elencadas no art. 437 do CPP, apenas para
citar alguns exemplos.
Por isso, o jurado é considerado um cidadão incumbido pela sociedade de declarar se
os acusados submetidos a julgamento são culpados ou inocentes. Sendo assim, podemos dizer
que os jurados são juízes de fato, constituído o seu efetivo exercício, um serviço público
relevante.
Em relação a isso, Fernando Capez (2009, p. 571) afirma:
O serviço do Júri é obrigatório, de modo que a recusa injustificada em servi-lhe
constituirá crime de desobediência. A escusa de consciência consiste na recusa do
cidadão em submeter-se a obrigação legal a todos impostas, por motivos de crença
religiosa ou de convicção filosófica ou política. Sujeita o autor da recusa ao
cumprimento de prestação alternativa, e, no caso da recusa também se estender há
está prestação, haverá a perda dos direitos políticos, de acordo com o disposto no
art. 5º, VIII e 15, IV da constituição federal.
Desarte, ainda, que o exercício efetivo da função de jurado traz os seguintes
privilégios: presunção de idoneidade, prisão especial por crime comum até o julgamento em
definitivo e preferência, em igualdade de condições, em ocorrências públicas (excluídos os
concursos públicos).
23
Finda a análise da formação histórica do tribunal do júri assim como a atual
sistemática do mesmo no ordenamento jurídico brasileiro, abordar-se-á no próximo capitulo
as decisões que encaminham ou não o acusado ao rito do júri.
24
2 DECISÕES ESPECÍFICAS DO PROCEDIMENTO DO JÚRI
A pronúncia é a única que encaminha o réu ao tribunal do júri, porém, afasta-se do
julgamento popular, o acusado, por meio da impronúncia, pela absolvição sumária ou pela
desclassificação que excluem a competência do tribunal do júri.
Nesse sentido, Nucci (2012, p. 803) assim ensina:
Finda a instrução do processo relacionado ao Tribunal do Júri (judicium
accusationis), cuidando de crimes dolosos contra a vida e infrações conexas, o
magistrado possui quatro opções: a) pronunciar o réu, quando julga admissível,
remetendo o caso para a apreciação do Tribunal Popular; b) impronunciá-lo, quando
julga inadmissível a acusação por falta de provas; c) absolvê-lo sumariamente,
quando considerada inexistente a prova do fato, quando não estiver provada a
autoria ou a participação em relação ao acusado, quando o fato não constituir
infração penal ou quando ficar demonstrada uma causa de exclusão da ilicitude ou
da culpabilidade; d) desclassificar a infração penal, quando se julga incompetente
para cuidar do feito assim como o Tribunal do Júri, remetendo a apreciação do caso
a outro juízo.
Antes, porém, de analisar a pronúncia e suas peculiaridades, necessário se faz uma
breve explanação das decisões que afastam o acusado de ser julgado pelo conselho de
sentença o qual forma o tribunal do júri.
2.1 Decisões que não encaminham ao júri popular
Para o encaminhamento do processo ao julgamento no tribunal do júri, mister se faz a
decisão de pronunciar o réu. Em contrapartida, três são as decisões que não encaminham o
acusado a júri popular: impronúncia, absolvição sumária e desclassificação do tipo penal.
2.1.1 Impronúncia
A impronúncia suspende a competência do tribunal do júri, em relação aos crimes
dolosos contra a vida.
Sendo assim, segundo Nucci (2012, p. 808) a impronúncia “é a decisão interlocutória
mista de conteúdo terminativo, visto que encerra a primeira fase do processo (judicium
accusationis), deixando de inaugurar a segunda, sem haver juízo de mérito”.
25
Ressalta ainda referido autor, que, “inexistindo prova da materialidade do fato ou não
havendo indícios suficientes de autoria, deve o magistrado impronunciar o réu, que significa
julgar improcedente a denúncia e não a pretensão punitiva do Estado”. (NUCCI, 2012, p. 808)
Dispõe o art. 414 do CPP: “Não se convencendo da materialidade do fato ou da
existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, o juiz, fundamentadamente,
impronunciará o acusado”.
Consoante a isso, Pereira (2001, p. 94), afirma que:
Se a prova não demonstra razoavelmente bons indícios de autoria do delito ou da
materialidade, o juiz impronunciará o acusado. A materialidade nada mais é do que a
relação entre o comportamento do réu e o resultado desse comportamento
relativamente à vítima. Aqui novamente a dúvida favorece a sociedade, sendo certo
que caso ocorra, o réu será pronunciado.
Ademais, sobre a impronúncia, assim ensina Mirabete (2006, p. 508):
A impronúncia é um julgamento de inadmissibilidade de encaminhamento da
imputação para o julgamento perante o Tribunal do Júri porque o juiz não se
convenceu da existência da prova da materialidade do crime ou de indícios da
autoria, ou de nenhum dos dois. Trata-se de uma sentença terminativa, em que se
afirma da inviabilidade da acusação, provendo-se a extinção do processo sem
julgamento do meritum causae).
Sendo assim, temos, portanto, que a impronúncia constitui-se numa decisão de
conteúdo processual, de natureza declaratória, ou seja, uma decisão terminativa, mas não
definitiva, pois no momento em que novas provas surgirem a respeito do fato, o processo
poderá ser reaberto, vide parágrafo único do art. 414, do CPP.
2.1.2 Desclassificação da infração penal
A desclassificação do tipo penal se dá quando o juiz em discordância da acusação
convence-se da existência de crime diverso dos tipificados no § 1º do artigo 74 do Código
Penal (CP), bem como não for competente para o julgamento, e assim, remete os autos ao juiz
que assim seja.
O artigo 419 do CPP preconiza:
26
Art. 419. Quando o juiz se convencer, em discordância com a acusação, da
existência de crime diverso dos referidos no § 1o do art. 74 deste Código e não for
competente para o julgamento, remeterá os autos ao juiz que o seja.
Parágrafo único. Remetidos os autos do processo a outro juiz, à disposição deste
ficará o acusado preso.
A decisão de desclassificação, segundo Nucci (2008, p. 88) “é a decisão interlocutória
simples, modificadora da competência do juízo, não adentrando o mérito, nem tão pouco
fazendo cessar o processo”.
Ainda sobre o tema, Saulo Brum Leal (2009, p. 79), considera a desclassificação a
maneira de dar uma nova classificação ao fato delituoso, esta é a terceira possibilidade que a
lei oferece para a competência do julgamento para um juiz competente.
Desarte, a desclassificação ocorre sempre que o juiz entende tratar-se o crime diverso
do capitulado na denúncia, seja ele competente ou não para processá-lo. Nesse sentido, Paulo
Rangel (2012, p. 648) ensina:
Entendemos existir desclassificação própria e imprópria. Dá-se a primeira quando o
juiz entende tratar-se de crime de competência do juiz singular e, portanto, não
sendo competente, deverá remeter o processo ao juiz que o seja. Exemplo:
desclassificação de tentativa de homicídio para lesão corporal grave. Entretanto,
tratando-se de desclassificação para um crime de competência do próprio Tribunal
do Júri, haverá desclassificação imprópria, ou seja, não é o crime capitulado na
denúncia, porem continua o juiz competente para processá-lo e madá-lo a júri. Nesse
caso, a desclassificação é imprópria porque tem o cunho de uma verdadeira
pronúncia, já que o Tribunal do Júri é que deverá julgar o mérito da imputação, que
será delineada na pronúncia. Exemplo: desclassificação de homicídio para
infanticídio. Nessa caso, continua o Tribunal do Júri competente para apreciar a
causa, motivo pelo qual a desclassificação importa verdadeira pronúncia, pois
reconhece-se a prova de existência do crime e indícios suficientes de autoria, mas
não do crime capitulado na denúncia.
Concluindo então, se o juiz entende que o crime tipificado não é de competência do
tribunal do júri, este prosseguirá em juízo singular ou que o é, porém com outra tipificação
penal, o juiz não encerra o processo, pois o mesmo será julgado pelo próprio tribunal do júri e
por isso, é que trata-se á desclassificação em suma de uma decisão interlocutória não
terminativa.
27
2.1.3 Absolvição sumária
A absolvição sumária se dá nos termos do art. 415, do CPP, em que o juiz absolverá
desde logo o réu estando convencido da inexistência do fato, provado não ser ele autor ou
partícipe do fato, o fato não constituir infração penal e ou fique demonstrada causa de isenção
de pena ou de exclusão do crime.
Neste sentido, Pereira (2001, p. 93) discorre:
A absolvição sumária importa na efetiva absolvição, isto é, o processo acaba ali,
estando o denunciado absolvido. Entretanto (...) se qualquer dúvida tiver o
magistrado sobre a ocorrência ou não da excludente, deverá mandar o réu a Júri,
pronunciando-o, mesmo porque nessa fase do procedimento do Júri vigora o
principio do in dúbio pro societate.
Oportuno frisar ainda o que dispõe o parágrafo único do art. 415:
Parágrafo único. Não se aplica o disposto no inciso IV do caput deste artigo ao caso
de inimputabilidade prevista no caput do art. 26 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de
dezembro de 1940 – Código Penal, salvo quando esta for a única tese defensiva.
A absolvição sumária ocorrerá diante da existência de provas seguras e incontroversas
que inocentem o réu, acusado de praticar o delito, que se encontra sob a proteção de uma
excludente da criminalidade.
Cabe frisar, diante disso, que as excludentes de criminalidade ou de ilicitudes
admitidas na legislação brasileira são: legítima defesa, o estado de necessidade, o exercício
regular do direito e o estrito cumprimento do dever legal elencadas no art. 23 do CP.
Neste viés Nucci (2012, p. 773) considera que a absolvição sumária está calcada na
excludente de criminalidade e da culpabilidade.
Com o advento da Lei nº 11.689/08, cabe em relação a absolvição sumária, o recurso
de apelação, quando anteriormente era cabível o recurso em sentido estrito.
No que tange ao crime conexo, se acusado, absolvido de maneira sumária pelo crime
doloso contra a vida, o juiz deve abster-se de realizar considerações sobre dito crime conexo,
entendo assim, não ser isso de sua alçada.
28
Mirabete (2006, p. 511) é elucidativo a este respeito:
O juiz que absolver sumariamente o réu não pode julgá-lo pelos crimes conexos.
Deve aguardar o transito em julgado da sentença para proceder, por aplicação
analógica, remetendo os autos ao juiz competente para os crimes em seu parágrafo
objetos do rito ordinário, se não o for.
Muito embora isto não esteja de forma expressa mencionada no procedimento do
tribunal do júri, tal situação é tratada no art. 81 do CPP, parágrafo único.
2.2 Pronúncia
Segundo Oliveira (2011, p. 714), pronúncia é uma decisão que declara o réu indiciado
no crime que faz objeto da queixa ou da denúncia, determinando o modo por que se deve
livrar da acusação.
Nucci (2012, p. 803,) conceitua a pronúncia como sendo a decisão na qual se apura a
existência do crime, certeza provisória da autoria e a responsabilidade do réu, ou seja, a
decisão pela qual declara o juiz a realidade do crime e a sua suposição sobre quem seja o
autor.
Já Pereira (2001, p. 95) é mais objetivo ao definir o que é pronúncia: “a pronúncia,
nada mais é do que a determinação do Juiz no sentido de que o denunciado seja submetido a
julgamento pelo tribunal do júri”.
Sendo assim, a pronúncia é a decisão que reconhece a admissibilidade da acusação
feita pelo representante do Ministério Público, determinando em razão disto, o julgamento do
réu em plenário do tribunal do júri diante do conselho de sentença.
2.2.1 Presunção de inocência
Segundo dispõe o art. 5º, LVII, da Constituição Federal, nenhuma pessoa poderá ser
considerada culpada até transito em julgado de sentença condenatória. A presunção de
inocência é, assim, uma das mais importantes garantias constitucionais. Nesse sentido
Tolentino (2002, p. 04) ensina que:
29
(...) através dela, o acusado deixa de ser um mero objeto do processo, passando a ser
sujeito de direitos dentro da relação processual.
Trata-se de uma prerrogativa conferida constitucionalmente ao acusado de não ser
tido como culpado até que a sentença penal condenatória transite em julgado,
evitando, assim, qualquer consequência que a lei prevê como sanção punitiva antes
da decisão final.
Segundo este autor, a presunção de inocência dá espaço a outros princípios
fundamentais ao processo, como a ampla defesa, o duplo grau de jurisdição, direito de o réu
recorrer em liberdade, direito à prova, entre outros, todos dispostos no artigo 5º da
constituição federal.
O duplo grau de jurisdição dá ensejo de as partes recorrerem da sentença em instância
superior, possibilitando o controle judicial e a uniformização das decisões de primeiro grau,
por parte dos magistrados.
Outro fruto da presunção de inocência é o direito à prova. Nada mais óbvio que a
acusação ter que provar o fato que imputa o réu, pois seu statu quo é a ausência de
culpabilidade. O direito brasileiro, não admite as provas ilícitas, a não ser em beneficio do
réu, apesar, dessa não ser uma posição pacífica da jurisprudência. Convém ao legislador e aos
estudiosos cuidados para, na busca de mecanismos hábeis no combate à criminalidade, não se
autorizar uma verdadeira devassa na vida íntima da pessoa (TOLENTINO, 2002, p. 04).
O princípio da presunção de inocência, não exclui a possibilidade de ser efetuada a
prisão antes da sentença transitada em julgado. O magistrado, porém ao determinar o
encarceramento do acusado, a deve fazer, mediante decisão fundamentada que demonstre a
existência dos pressupostos dos art. 312 e 313 do CPP.
2.2.2 Requisitos para a pronúncia
Pelo que dispõe o art. 413 do CPP, ao pronunciar o réu, o juiz o deve fazer de maneira
fundamentada e, desde que convencido da materialidade do fato e existência de indícios
suficientes de autoria ou de participação.
A esse respeito, Fernando da Costa Tourinho Filho (2001, p. 576-577) afirma:
30
Se o Juiz, todavia, se convencer da existência do crime e indícios de que o réu seja
seu autor, proferirá sentença de pronúncia. Não se trata de sentença de mérito, pois,
mesmo reconhecendo seja o réu o autor do crime, não aplica nenhuma sanctio juris.
A sentença aí tem, por evidente, caráter nitidamente processual. Por meio dela se
encerra a primeira etapa do procedimento escalonado do processo da competência
do júri. (...) Com a pronúncia, o juiz julga, apenas, admissível o jus accusationis.
Tratando-se, como se trata, de sentença de natureza processual, não há falar-se em
res judicata, e sim em preclusão pro judicato, ou consumativa, podendo o Tribunal
do Júri decidir contra aquilo que ficou assentado na pronúncia.
Segundo Rangel (2012, p. 805-806) os requisitos para pronúncia são dois:
“materialidade do fato e indícios suficientes de autoria ou de participação (art. 413, CPP, com
redação dada pela Lei nº 11.689/2008)”.
Assim sendo, ao findar a instrução do processo relativo ao tribunal do júri, o juiz se
convencido da admissibilidade da acusação deverá pronunciar o réu remetendo o caso para a
apreciação do tribunal popular.
2.2.3 Conteúdo da pronúncia
Convém ao juiz, em se tratando de sua fundamentação, evitar qualquer manifestação
que implique em crítica ou censura dos denunciados, não sendo isto necessário para
demonstração do fato ou de sua autoria. Também cabe ao magistrado abster-se de adjetivos
que possam determinar a sua vocação condenatória ou absolutória em relação à conduta
descrita do pronunciado.
Como assegura Tucci (1999, p. 119), a função do magistrado:
É de evitar que alguém que não mereça ser condenado possa sê-lo em virtude do
julgamento soberano, em decisão, quiça, de vingança pessoal ou social. Ou seja,
cabe ao juiz na fase da pronuncia excluir do julgamento popular aquele que não deva
sofrer a repressão penal.
Nucci (2012, p. 804) considera importante salientar que na fundamentação da sentença
de pronúncia, o juiz deve ter prudência, evitando a sua própria manifestação quanto ao mérito.
Importante lembrar, que na pronúncia, o juiz deve ainda, mencionar o dispositivo legal
em cuja sanção julgar incurso o réu, bem como deve constar, também, os elementos do tipo e
as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena.
31
O juiz mencionará, ainda, se o crime foi consumado ou tentado. Não caberá a menção
das causas de diminuição de pena, bem como das circunstâncias agravantes e atenuantes e
ainda não poderá, o juiz, fazer referência ao concurso de crimes, como bem dispõe o art. 413
do CPP.
2.3 Do Julgamento em plenário
O Judicium Causae é a segunda e última fase do rito, englobando da preparação do
processo para o julgamento em plenário propriamente dito.
2.3.1 Formação do conselho de sentença
Preconiza o artigo 447 do CPP em sua segunda parte, que o conselho de sentença será
formado por 07 (sete) dentre 25 (vinte e cinco) jurados, os quais devidamente alistados
constituirão o referido conselho.
Segundo Nucci (2012, p. 853) ao analisar o art. 468 do CPP existem no ordenamento
as chamadas recusas motivadas e imotivadas:
Para a formação do conselho de sentença, essas são as duas possibilidades de recusa
do jurado. A recusa motivada baseia-se em circunstancia legais de impedimento ou
suspeição (art. 448 e 449 do CPP). logo, não pode ser jurado, por exemplo, aquele
que for filho do réu, nem tampouco o seu inimigo capital. A recusa imotivada também chamada de peremptória – fundamenta-se em sentimentos de ordem pessoal
do réu, de seu defensor ou do órgão da acusação. Na constituição do conselho de
sentença, cada parte pode recusar até três jurados sem dar qualquer justificação para
o ato. Como regra, assim se procede por acreditar que determinado jurado pode
julgar de forma equivocada, permitindo emergir seus preconceitos e sua visão
pessoal a respeito dos fatos.
Por fim após verificado que se encontram depositados na urna as cédulas relativas aos
jurados, o juiz presidente sorteará sete para que formem o Conselho de Sentença nos termos
do art. 467 do CPP.
32
2.3.2 Da votação dos quesitos
Findados os debates, após o oferecimento da réplica e tréplica, nos casos em que
houverem, o juiz presidente do tribunal do júri fará a redação dos quesitos. Tal procedimento
com o advento da nova lei tornou-se simples, objetivo e claro.
O Conselho de Sentença será questionado sobre matéria de fato que serão indagados.
Tal preceito encontra-se preconizado no art. 482, do CPP, vejamos:
O Conselho de Sentença será questionado sobre matéria de fato e se o acusado deve
ser absolvido.
Parágrafo único. Os quesitos serão redigidos em proposições afirmativas, simples e
distintas, de modo que cada um deles possa ser respondido com suficiente clareza e
necessária precisão. Na sua elaboração, o presidente levará em conta os termos da
pronúncia ou das decisões posteriores que julgaram admissível a acusação, do
interrogatório e das alegações das partes.
Ainda sobre o tema, o artigo 483, do CPP, traz que os mesmos (quesitos) deverão ter
uma sequência determinada pela lei, a qual:
Os quesitos serão formulados na seguinte ordem, indagando sobre:
I – a materialidade do fato;
II – a autoria ou participação;
III – se o acusado deve ser
absolvido;
IV – se existe causa de diminuição de pena alegada pela defesa;
V – se existe circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena reconhecidas
na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação.
Finda a análise concernente as peculiaridades que dizem respeito ao rito do
procedimento no tribunal do júri, passa-se a discussão se este pode ou não, ter suas decisões
proferidas pelo corpo de jurados influenciadas através da mídia pela maneira que a mesma
aborda os crimes de grande repercussão nacional.
33
3 MÍDIA E SUA INFLUÊNCIA NAS DECISÕES PROFERIDAS PELO CONSELHO
DE SENTENÇA
Após ênfase no que diz respeito a origem do tribunal do júri bem como todo o roteiro
que o envolve, impronúncia, pronúncia e suas peculiaridades, passa-se a analisar a facilidade
de os jurados influenciarem seus julgamentos por emoções e concepções subjetivas
exteriorizadas através da influência dos meios de comunicação.
3.1 Aspectos gerais dos meios de comunicação em massa
Mídia, em português segundo o Dicionário Aurélio (2008, p. 337) significa:
“designação genérica dos meios, veículos e canais de comunicação, como por exemplo,
jornal, revista, rádio, televisão, outdoor, etc”.
Finda a II Guerra Mundial em 1948, durante a Assembléia Geral das Nações Unidas,
representantes da maioria das nações mundiais, ratificaram a Declaração Universal dos
Direitos do Homem, em que se assegurou, em seu artigo 19, a liberdade de expressão a todo
homem.
Art. 19 - Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito
inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e
transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de
fronteiras.
No Brasil, a primeira Lei de Imprensa surgiu em 20 de setembro de 1830, sendo
substituída pela segunda Lei de Imprensa, através do decreto nº 24776 de 14 de julho de 1934,
baixado por Getúlio Vargas, o qual atentou contra a liberdade da imprensa veicular notícias.
Tal situação de censura perdurou até 1945, quando, findada a ditadura, voltou a ter
vigência a primeira Lei de Imprensa, que, por sua vez, somente sofreu revogação em 12 de
dezembro de 1953, com a promulgação da Lei Nº 2083.
Em 1967, no dia 9 de fevereiro a Lei nº 2083 foi revogada pela conhecida Lei nº 5250,
a qual, no dia 30 de abril de 2009, foi considerada inconstitucional por quatro votos a três no
Supremo Tribunal Federal, em razão de cercear a liberdade de expressão.
34
Assim, o Brasil, como inúmeros países desenvolvidos, atualmente não dispõe de uma
lei específica que apresente freios à atividade de informar, se sujeitando os veículos de
comunicação à aplicação substituta do Código Civil e do Código Penal Brasileiro.
A liberdade de pensamento, assegurada no artigo 5º, incisos IV, VI e IX da
Constituição Federal consiste, segundo Gilberto Haddad Jabur (2000, p. 45) na “atividade
intelectual através da qual o homem exerce uma faculdade de espírito, que lhe permite
conceder, raciocinar ou interferir com o objeto eventual, exteriorizando suas conclusões
mediante uma ação”.
De tal liberdade deriva a chamada liberdade de informação a qual se determina pelo
direito que tem a pessoa de informar, comunicar, isto é de exteriorizar sua conclusão, bem
como o direito da pessoa ser informada, correspondendo, assim, a um direito coletivo à
informação.
Neste contexto, consubstanciada na liberdade de pensamento, na liberdade de informar
e liberdade de ser informado, surge à conhecida liberdade de imprensa, conceituada como o
direito de imprimir palavras, desenhos ou fotografias em que se expressa o que se pensa e se
fornecem informações ao público acerca de fatos ou atividades próprias ou alheias. (JABUR,
2000, p. 61)
Tal conceito perdeu parcialmente o sentido estrito, vez que a liberdade de imprensa,
com a globalização, hoje é exercida por qualquer outro meio jornalístico, tal como a televisão,
a informática e o rádio, os quais não necessitam, necessariamente, da impressão de palavra,
desenhos ou fotografias para expressarem informações à coletividade.
Tem como função e responsabilidade a liberdade de imprensa, além da dita
informação, segundo aponta William Rivers e Wilbur Scharamm (2002, p. 27) que:
[...] a denominada formação do cidadão, garantindo-lhe a liberdade de imprensa o
desenvolvimento da personalidade deste, pois, um indivíduo isolado das notícias,
acontecimentos históricos e informações sobre o mundo é incapaz de desenvolver
sua personalidade e cidadania no mundo moderno.
Ainda segundo mesmo autor:
35
Com a evolução que experimentou ao longo do nosso século, a comunicação social
estabeleceu, com o comportamento humano, vínculo de incrível intimidade. Tanto é
assim que devemos admitir que: ‘ Todos nós dependemos dos produtos da
comunicação de massa para a grande maioria das informações e diversão que
recebemos em nossa vida. É particularmente evidente que o que sabemos sobre
números e assuntos de interesse público depende enormemente do que nos dizem os
veículos de comunicação. Somos sempre influenciados pelo jornalismo e incapazes
de evitar esse fenômeno. Os dias são muito curtos e o mundo é muito enorme e
muito complexo para podermos cientificar-nos de tudo o que se passa nos meandros
do governo. O que pensamos saber, na realidade, não sabemos, no sentido de que
saber representa experiência e observação. ’ Cada vez mais concordamos que, nos
dias presentes, aquilo que não penetrou e foi divulgado pelo sistema de notícias é
como se realmente não tivesse acontecido. (RIVERS; SCHARAMN, 2002, p.57-58).
Explicitado o mister da tutela jurídica dos direitos e liberdades expostos, visando à
garantia da efetividade constitucional, se depara com um aparente conflito entre o dever de
informação sustentado pelas Liberdades da Imprensa e o direito de ter salvaguarda sua vida
privada, honra, imagem, intimidade, enfim o direito de estar só, garantido em nome da
dignidade da pessoa humana.
Encontra-se incidido tal conflito aparente de direitos constitucionais, quando se
verifica que o excesso de informações se torna um abuso, expondo de forma indevida a
imagem de um indivíduo, ou, ainda, criando fatos distorcidos que estariam sendo apurados
pelo Processo Penal.
Nesse sentido, Cícero Henrique Luís Arantes da Silva (2002, p. 5):
Com efeito, a notícia sobre o crime fascina a humanidade desde os primórdios.
Trata-se de um fascínio sobre o que motiva o crime e principalmente sobre a pessoa
do criminoso, diferenciando-o do homem de bem.
A imprensa, assim, se utiliza de suas liberdades e, em nome do direito de informar e
formar opiniões, legítima sua atuação, se utilizando de um sentimento punitivo que possuem
as pessoas pelo direito penal, à curiosidade pública que se converte em comoção popular, que
por sua vez, transforma-se em opinião pública, a qual exige das autoridades a punição dos
suspeitos, já pré-julgados, de forma severa e sem o devido processo legal.
Ranulfo de Melo Freire (2004, p.4-5), de maneira bem sintética tem opinião parecida
sobre o tema:
36
Não rara é a constatação destes abusos, basta que apenas se ligue a televisão, se abra
um jornal ou se acesse um sítio na rede mundial de computadores para se deparar
com os meios de comunicação noticiando estardalhaços criminais em busca da
predileção mediática, trazendo, em sua grande maioria, notícias que causam grande
comoção social e, ocasionalmente, grande audiência e edições de revistas e jornais
vendidos de forma imediata.
Felizmente, ao menos para a dona da notícia, a audiência dos programas televisivos
dispara, os jornais e revistas não ousam trazer outra matéria em sua capa que não a violência
em discurso, e assim “ganha-se dinheiro e a sociedade resta aparentemente satisfeita diante de
mais um caso de atuação irresponsável da imprensa perante o direito penal”. (RANULFO,
2004, p. 5).
Vê, então, o suspeito, sua imagem, reputação, honra e vida privada devastadas em
nome do direito à informação, configurando o aparente conflito que Sérgio Cavalleri Filho
(2007) em seus ensinamentos, defende que “pode ser resolvido através da colocação do
princípio da proporcionalidade, no qual a liberdade de informação deveria ser preservada,
contudo, limitada ao direito da pessoa ter sua dignidade respeitada”.
A luz desses princípios é forçoso concluir que, sempre que direitos constitucionais são
colocados em confronto, um condiciona o outro, atuando como limites estabelecidos pela
própria lei maior para impedir excessos e arbítrios. Assim, se ao direito à livre expressão da
atividade intelectual e de comunicação contrapõe-se o direito à inviolabilidade da vida
provada, da honra e da imagem, segue-se como consequência lógica que este último
condiciona o exercício do primeiro.
Os nossos melhores constitucionalistas, baseados na jurisprudência da Suprema Corte
Alemã, indicam o princípio da proporcionalidade como sendo o meio mais adequado para se
solucionarem eventuais conflitos entra a liberdade de comunicação e os direitos da
personalidade. Ensinam que, “embora não se deva atribuir primazia absoluta a uma ou a outro
princípio ou direito, no processo de ponderação desenvolvido para a solução do conflito o
direito de noticiar há de ceder espaço sempre que o seu exercício importar sacrifício da
intimidade, da honra e da imagem das pessoas”. (BASTOS, 1999, p. 103).
Em conclusão, podemos usar os dizeres de Cézar Cavaleri Filho (2007, p. 104-105),
segundo o qual “os direitos individuais, conquanto previstos na constituição, não podem ser
37
considerados ilimitados e absolutos, em face da natural restrição resultante do princípio da
convivência das liberdades, pelo que não se permite alheias”.
Fala-se, hoje, não mais em direitos individuais, mas em direitos do homem inserido na
sociedade, de tal modo que não é mais exclusivamente com relação ao indivíduo, mas com
enfoque de sua inserção na sociedade, que se justificam, no Estado Social de Direito, tanto os
direitos como as limitações.
3.2 A mídia e sua influência perante o tribunal do júri
Diante do que já foi exposto, é possível verificar que a mídia e sua influência se insere
de duas maneiras diante do sistema do tribunal do júri: de modo indireto em um primeiro
momento, através do chamado marketing do terror e, em segundo lugar, de modo direto,
através da formação da opinião pública pré-concebida a respeito dos personagens do delito
doloso perpetrado contra a vida.
Cabe, porém, primeiramente explicar que Marketing do Terror trata-se de uma
expressão utilizada por Francisco Paulo de Melo Neto (2002, p 83-84) para sistematizar a
divulgação pelos veículos de comunicação das barbáries terroristas após os ataques de 11 de
setembro de 2001 nos Estados Unidos da América, que em linhas gerais significa:
Em linhas gerais, sustenta o mencionado autor que terroristas se utilizam dos
veículos de comunicação para introduzir no imaginário e consciência das pessoas,
imagens de medo e pavor, produzindo, deste modo, ansiedade e insegurança. Relata
ainda que tal processo se inicia com a revolta, passando pela surpresa, a
consternação, pelo medo e por fim, pelo pânico e desejo de vingança.
Ainda para referido autor afirma ser a mídia a grande aliada do terrorismo:
O terror, com seus atos espetaculares, busca fascinar as pessoas com seus cenários
fabricados de tragédia. Seus estrategistas conhecem muito bem o fascínio que
exercem os episódios trágicos na mente das pessoas. Com isso, tem como certa a
ampla cobertura dos atentados porque estes são a certeza de uma elevada audiência
nos meios de comunicação. Ao assim procederem, os estrategistas de terror utilizam
a mídia como seu principal aliado na difusão de suas ações. (MELO NETO, 2002, p.
107).
De forma análoga, dita expressão é perfeitamente cabível ao expressar a publicidade
da violência em si, uma vez que o público diariamente é bombardeado por notícias de
38
programas pseudo informativos que se sustentam em retratar as mais variadas ações
criminosas, vendendo a ideia de que todos e em qualquer lugar que se encontrem estão em
perigo.
Semelhantemente, Victor Gomez Martin (2006, p. 23), ressalta que:
[...] a imprensa é responsável por elevar a dimensão das desgraças e da violência,
haja vista que ao informar dramatizando notícias negativas, a todo tempo faz com
que o destinatário tenha a impressão de que estas ocorrem com mais frequência que
antes, visto que anteriormente somente tinha notícias este destinatário. O Marketing
do Terror provoca a convivência com a iminência de riscos superiores à existência
objetiva destes. Tudo isto causa a vulnerabilidade e se traduz uma pretensão social
em se obter uma resposta através do Estado e do Direito Penal.
Não obstante o frenesi da mídia pela divulgação de um “furo” de imprensa, sem a
possibilidade de qualquer controle de qualidade e veracidade da notícia, o caso toma maiores
proporções quando o “furo” é relacionado a um crime bárbaro, que comove a sociedade e
causa grande reprovação popular.
Neste ínterim, todos os jornais, canais televisivos e revistas somente trazem uma
noticia, criam-se hipóteses, fazem reconstruções e mostram por inúmeras vezes, a possível
causa da morte de diversos crimes, incluindo elementos, fotos e circunstancias nem sempre
condizentes com a verdade. A notícia é anunciada para tudo e todos e, a imprensa por sua vez
a informa, transforma e deforma como bem quer, em muitos casos, cometendo gravíssimas
injustiças através de já elaboradas sentenças de condenação que pesam perante a opinião
pública.
A cada novo caso policial ou judiciário, que tem em seu bojo os elementos básicos do
sensacionalismo, a história se repete. Instala-se o que os autores americanos chamam de
“frenesi da mídia”. Os órgãos de divulgação entram em histeria, em processo de concorrência
feroz pelo “furo”, o que impossibilita qualquer controle de qualidade da veracidade das
informações, em verdadeiro vale-tudo pela primazia da publicação de informação exclusiva, a
qualquer preço. Passa-se a viver em clima de guerra, em que, como há tanto tempo já se sabe,
a primeira vítima é a verdade. TUCCI (1999, p. 113).
Ainda segundo mesmo autor:
39
Indubitável é que a pressão da mídia produz efeitos perante o juiz togado, o qual se
sente pressionado pela ordem pública, por outro lado, de maior amplitude é este
efeito sobre o júri popular que possui estreita relação com a opinião pública
construída pela campanha midiática, é obvio, pois, que isto faz com que a
independência do julgador se dissipe não podendo este realizar um julgamento livre
por estar diante de uma verdadeira coação. “Levar um réu a julgamento no auge deu
ma campanha de mídia é levá-lo a um linchamento, em que os ritos e fórmulas
processuais são apenas a aparência da justiça, se encobrindo os mecanismos cruéis
de uma execução sumária”. (TUCCI, 1999, p. 115).
Salutar descrever o caso em que utilizou-se o juiz ao sentenciar a ação penal que
envolvia o desabamento do edifício Palace II, na qual o ora Réu Sérgio Naya teve um pré
julgamento pela mídia. Na sentença proferida em primeira instância, o magistrado inseriu um
trecho em que desmascarava o sensacionalismo de uma emissora televisiva, vejamos:
[...] quem folhear os diários e periódicos da época, ou pesquisar o noticiário
transmitido pelo rádio e pela televisão, muitos deles anexados ao processo,
perceberá que anteriormente, muito anteriormente, ao término do inquérito policial
instaurou-se no País, principalmente no Rio de Janeiro, um autêntico trial by media.
As supostas causas do desabamento eram francamente listadas e repetidas antes
mesmo da conclusão dos exames periciais. Os culpados pela tragédia,
antecipadamente mostrados e condenados pela mídia, eram submetidos à execração
pública e expostos para linchamento pelos mais exaltados. Argamassa era exibida na
televisão como se fosse concreto, reboco era esfarinhado entre os dedos em meio a
gritos de que tinha sido utilizado como concreto, impurezas encontradas na massa
eram apresentadas como causa da ruína do edifício.[...]
A divulgação do laudo foi falseada e distorcida. O Jornal Nacional, principal
informativo da televisão, noticiou, de forma desleal – mais com seus espectadores
do que com os envolvidos – as conclusões da prova técnica, fazendo crer que o
laudo existia o que ali não se continha, que os peritos tinham concluído de uma
forma quando na realidade suas conclusões eram outras. (sentença proferida nos
autos da Ação Penal nº 98001.184167-8, da33ª Vara Criminal do Rio de Janeiro p.
61/62).
Verifica-se assim, que o Magistrado teve a capacidade de se desvencilhar da indução
popular, não aceitando os argumentos produzidos pelos meios de comunicação, de modo a
não se importar se poderia ser ou não considerado desonesto pela mídia. Ao contrário disto,
não poderia esperar comportamento semelhante se tal caso fosse de competência do júri
popular.
Fernando Luiz Ximenes Rocha (2003, p. 2-3) em sua obra “Mídia, processo penal e
dignidade humana” enfatiza:
O poder da imprensa é arbitrário e seus danos irreparáveis. O desmentido nunca tem
a força do mentido. Na Justiça, há pelo menos um código para dizer o que é crime;
na imprensa não há norma nem para estabelecer o que é notícia, quanto mais ética.
Mas a diferença é que no julgamento da imprensa as pessoas são culpadas até a
prova em contrário.
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Tem sido comum os meios de comunicação condenarem antecipadamente seres
humanos, num verdadeiro linchamento, em total afronta aos princípios
constitucionais da presunção de inocência, do devido processo legal, do
contraditório e da ampla defesa, quando não lhes invadem, sem qualquer escrúpulo,
a privacidade, ofendendo-lhes aos sagrados direitos à intimidade, à imagem e a
honra, assegurados constitucionalmente. Aliás, essa prática odiosa tem ido muito
além, pois é corriqueiro presenciarmos, ainda na fase da investigação criminal,
quando sequer existe um processo penal instaurado, meros suspeitos a toda sorte de
humilhação pelos órgãos de imprensa, notadamente nos programas sensacionalistas
da televisão, violando escancaradamente, como registra Adauto Suannes, o
constitucionalmente prometido respeito à dignidade da pessoa humana.
Não foram poucos os inocentes que se viram destruídos, vítimas desses atentados
que provocam efeitos tão devastadores quanto irreversíveis sobrebens jurídicos
pessoais atingidos.
Em outras palavras, cabe afirmar que a mídia tomou proporções de um quarto poder,
comprometendo a independência funcional dos agentes públicos, prejudicando a busca pela
verdade real, influenciando o veredicto do tribunal do júri e por fim, sacrificando a justiça.
E, se anteriormente havia uma imprensa buscando a influência dos operadores de
direito em busca de justiça, hoje somente há, segundo Ana Elisa Liberatore (2008, p. 16-17),
“meios de comunicação que pretendem substituir os próprios tribunais, esforçando-se para
realizar, por seus próprios recursos, um julgamento virtual do caso concreto, de repercussão
infinitamente superior à própria persecução penal”.
Com o objetivo de alcançar um maior grau de democracia, se atribui ao júri popular a
competência para julgar os crimes dolosos contra a vida, todavia, o legislador constituinte faz
com que o acusado acabe por se sujeitar ao veredicto de seus pares, que podem, em muitos
casos, serem pessoas desprovidas de um conhecimento técnico-jurídico, ou seja, leigas no que
se refere as matérias de direito, especificamente, direito penal.
Somado a isso, expõem-se um problema relativo a parcialidade dos jurados, que
através de situações e experiências particulares vividas, e também por causa da forma que os
veículos de comunicação vendem, por assim dizer, a violência, propagando na população, um
verdadeiro caos, estes, quando membros do conselho de sentença, tendem a decidir favoráveis
à condenação, pois motivados pela emoção e um sentimento de se fazer justiça a qualquer
preço, ainda que as provas não sejam suficientes para embasar a decisão, ferindo o princípio
do in dúbio pro réu, o princípio que assegura a decisão favorável ao acusado em caso da
existência da dúvida.
41
Nesse sentido, Aury Lopes Junior (2004, p. 253) discorre:
Em se tratando de uma prática que atinge todas as pessoas, assim como o jurados, é
muito possível que, de certa forma, um julgamento acabe atribuindo valor de prova a
algo que sequer adentrou no processo,[...] não há dúvidas de que a exposição
massiva dos fatos e atos processuais, os juízos paralelos e o filtro do cronista afetam
o (in) consciente dos jurados, além de acarretarem intranquilidade e apreensão.
Mesmo que se defenda o instituto do tribunal do júri, com o argumento que o mesmo
privou-se de características políticas, é inegável que ao proferir-se um julgamento realizado
pelo conselho de sentença, afasta-se um julgamento consubstanciado no texto legal, no
conhecimento técnico e na razão, para dar-se lugar a um julgamento um tanto quanto,
desvinculado com a prova.
Em mesma ótica, temos nos dizeres de José Frederico Marques (1997, p. 23):
Repele-se também o magistrado profissional, em favor do juiz leigo, sob a alegação
de que aquele, afeito ao ofício de julgar, encara os casos criminais com maior
rigidez e menos benignidade. Este argumento, porém, não está bem posto em suas
premissas. O que em verdade se critica na justiça togada, não é a sua conduta
inflexível, mas, em última análise, o seu repudio consciente à impunidade, que tão
facilmente campeia nos tribunais populares.
Em razão do explicitado, é possível apontar como um dos principais problemas
intrínsecos ao sistema, a soberania dos veredictos relacionando-a com a parcialidade do corpo
de jurados.
Mergulhada na espiral da violência e manipulada pelos meios de comunicação social e
pelos movimentos de lei e ordem, o ex ministro da justiça Márcio Thomaz Bastos (1999, p.
115) salienta que “a sociedade, atemorizada, em pânico, sem saber o que fazer, é induzida a
não pensar nas raízes do problema, na possibilidade de enfrentá-lo em suas origens e
simplesmente demandar mais repressão, novos tipos penais, mais prisão.
Ainda neste ínterim, o ex-ministro conclui sua opinião a respeito:
[...] se a pressão e a influência da mídia tendem a produzir efeitos sobre os juízes
togados, muito maiores são esses efeitos sobre o júri popular, mais sintonizado com
a opinião pública, de que deve ser a expressão. [...]. Com os jurados é pior:
envolvidos pela opinião pública, construída massivamente por campanhas da mídia
orquestradas e frenéticas, é difícil exigir deles conduta que não seguir a corrente.
(BASTOS, 1999, p. 117).
42
Como estudado anteriormente, à época do império a constituição já preconizava que o
poder judicial seria composto de juízes e jurados, dando a relevância do júri como um órgão
do judiciário, e assim o consagrando como sendo garantia constitucional, ou seja, um direito
de liberdade do indivíduo.
Com o fim de garantir dita liberdade, diversos foram os princípios que desenvolveramse, dentre os quais: soberania dos veredictos e a competência do tribunal do júri para o
julgamento de crimes dolosos contra a vida.
Tanto a Constituição Federal, quanto o Código Penal Brasileiro e Código de Processo
Penal em vigor, tiveram o cuidado de garantir que a composição do corpo julgador formar-se
de pessoas dotadas de grande credibilidade, ou seja, cidadãos maiores de dezoito anos,
alfabetizados, em pleno discernimento mental e bem fisicamente além de estar em gozo com
os seus direitos políticos e de notória idoneidade.
Dita proteção, se deu segundo Tucci (1999, p. 174):
[...] na tentativa de afastar a Parcialidade dos Jurados, presumindo-se que um
cidadão maior de dezoito anos, alfabetizado, imputável, no gozo de seus direitos
políticos, idôneo moralmente e sorteado através de uma lista, possui um perfil
ideológico capaz de desconsiderar a influência que sofre no seu dia-a-dia por
notícias trazidas pelos veículos de comunicação em que retratam a grande violência
sofrida pela população; capaz de entender as normas técnicas jurídicas trazidas pelos
profissionais de direito e, por fim, capaz de julgar o acusado de maneira imparcial.
Percebe-se como grande último objetivo do tribunal do júri e por garantia
constitucional do acusado, o direito deste, de ser julgado por seus pares de forma imparcial e
benigna, porém, na maior parte das situações, embora o réu seja julgado pelos seus
semelhantes, estes, não são iguais a ele e muito menos entendem o contexto socioeconômico
em que vive e a situação que o levou a cometer o delito.
Neste sentido, Amarildo Alcino de Miranda (2007. P. 01) ensina:
Se for trazido para o campo prático da sessão do Tribunal do Júri, percebe-se que o
corpo de jurados elimina da sua composição os excluídos socialmente, aquelas
camadas de onde a maioria dos réus são provenientes, e nesta perspectiva cai por
terra o princípio do julgamento pelos seus pares. Sabe-se que pares é sinônimo de
43
igualdade, e por consequência há a ideia falsa de igualdade social, pois a sociedade
não é homogênea, existem diferenças sociais implícitas e explícitas. A sociedade é
heterogênea, e, mesmo na composição social, os pertencentes às mesmas camadas
possuem diferenças marcantes. Nesta óptica, opta-se pela sociedade que excluiu o
réu, para a função, também, de decidir pela punição, demonstrando a duplicidade da
sanção, exclusão e a penalização social.
Diante disto tem-se tão somente uma narração alegórica na qual o conjunto de
elementos evoca outra realidade superior, pois que se torna quase impossível aferir se tais
jurados foram capazes de “reconhecer suas limitações e perspectivas a cerca da realidade do
réu, e que suas decisões na verdade seja o resultado de uma elaboração preestabelecida deste
fato ocorrido.” (AMARILDO, 2007, p. 01).
Em derradeiro, interessante se faz, em última análise, enfatizar que a imprensa através
da cobrança de ética da sociedade, legítima sua atuação, sob o argumento que é um espelho da
realidade e esta é cruel, e em razão do frenesi pela notícia, divulga informações muitas vezes
não verdadeiras, distorcidas e de forma abusiva,sem qualquer ética ou responsabilidade,
influenciando de forma direta a opinião pública e o julgamento de delitos de competência do
júri popular, nos quais o investigado sofre uma verdadeira execução sumária, sem qualquer
chance de defesa.
Sendo assim, urge repensar o papel do tribunal do júri e da imprensa diante da
globalização e da massificação das notícias, vez que é mister que não se esqueça, conforme
alerta Márcio Thomaz Bastos, se referindo a Roger Pinto, que por sua vez foi citado por
Evaristo de Moraes Filhos: “A liberdade criou a imprensa. E a imprensa não deve se
transformar na madrasta da liberdade”.
3.3 Uma reflexão sobre caso concreto: o homicídio de Isabella Nardoni
Em 29 de março de 2008, a noite, no Edifício London, localizado na Vila Guilherme,
cidade de São Paulo, a menina Isabella Nardoni então com 05 (cinco) anos de idade foi
encontrada já com parada cardiorrespiratória no jardim do edifício, onde veio a óbito, após
sofrer uma queda do apartamento de seu genitor, localizado no 4º (quarto) andar.
Em depoimento, o genitor declarou que, na data dos fatos, chegou a sua residência
acompanhado de sua mulher Anna Carolina Jatobá e de seus três filhos adormecidos. Assim,
44
levou a vítima ao apartamento, onde a colocou na cama e, posteriormente, retornou à garagem
a fim de ajudar sua esposa à subir com seus outros filhos, contudo, ao retornar ao seu
apartamento, notou que a luz do quarto de seus filhos estava acesa e a grade de proteção da
janela estava cortada, bem como que sua filha havia sumido, ocasião em que percebeu que o
corpo dela estava caído no jardim. Ainda, relatou na época dos fatos, que acreditava que sua
filha havia sido atirada pela grade de proteção por alguma pessoa que não gostava dele,
relatando que suspeitava de um pedreiro com quem recentemente havia discutido.
Os laudos do Instituto Médico Legal, divulgados nas semanas seguintes descartaram a
possibilidade de ter ocorrido um acidente, apontando para o dolo de ter sido cortada a grade
de proteção da janela com o fim de atirar a menina, bem como tais laudos constataram a
presença de outros ferimentos, como a asfixia, que teriam derivado de causas diversas da
queda.
Desde então, praticamente todos os veículos de comunicação passaram a dar cobertura
ao caso, de modo a criar uma grande comoção social e ânsia pela justiça.
Fato este, que constata-se nas palavras de Fernando Montalvão (2008):
Acompanhando os telejornais na noite do dia 21.04.2008, me deparei com uma
situação inusitada. Um júri por via transversa. Exatamente no jornal da Globo,
edição das 20:00.
Houve publicação parcial dos depoimentos prestados por Alexandre Nardoni, 29, e a
madrasta, Anna Carolina Trotta Peixoto Jatobá, 24, no programa Fantástico, edição
de 20.04, depoimentos prestados por psiquiatras com conclusões sobre a
culpabilidade dos suspeitos, reprodução do crime, fase da instrução, manifestação do
Ministério Público sobre seu juízo de valor, apreciação da tese de defesa e sua
descaracterização pelo discurso afinado dos acusados, do pai e da irmã de Nardoni,
concluindo-se que a partir de cartas, que tudo não passava de uma encenação, uma
criação da defesa dos suspeitos. Finalmente, a apresentadora do programa
jornalístico, deu o seu veredicto, as contradições nos depoimentos não isentam os
suspeitos pela imputação. Condenados sem julgamento.
Quase que de imediato a imprensa encontrou seus suspeitos: o pai, que havia
abandonado a mãe da menina, e a madrasta má. Presenciou-se depoimentos para todos os
lados, vizinhos, conhecidos, amigos da família, agentes policiais, bem como um entrar e sair
do local do delito, com a apresentação de, a cada hora, um indício novo, por diversas vezes,
contrariando o antigo.
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Em realidade o que se instaurava era mais um reality show e como todos os outros,
este tinha o mesmo resultado, coberturas jornalísticas a cada segundo, entrevistas de
autoridades buscando dizer o que o povo queria ouvir e a privacidade dos suspeitos destruída.
Em artigo publicado na internet, intitulado “A morte de Isabella Nardoni : um grande
espetáculo” de autoria de Flávio Herculano (2008) extrai-se grande saber, vejamos:
Para aplacar tamanha avidez por novidades, haja exposição do tema na mídia. Todos
os dias, a estorinha da morte da criança é contada e recontada, na TV, no rádio, na
internet e nos jornais impressos, do mesmo modo como é tratado o resultado do
“paredão”, uma partida de futebol decisiva, um capítulo final de novela ou mesmo
um detalhe picante da vida de uma “celebridade” televisiva.
O que pouca gente consegue entender é que há uma inversão neste caminho. Não foi
entre o público que surgiu o interesse pela morte de Isabella, demandando uma
produção contínua de notícias sobre o caso. Foi, sim, a própria mídia quem construiu
esse interesse, levando o público a uma comoção. Quem preferir pode chamar esta
prática de manipulação, mas, no jornalismo, ela tem o nome de “agendamento”.
A mídia precisa, permanentemente, de um tema palpitante para noticiar. Pode ser
um escândalo político, um desastre, um grande evento ou... um crime. Depois do
desastre aéreo da Tam e da sequência de escândalos políticos do mensalão, do caso
Renan e dos cartões corporativos, tentou-se emplacar o escândalo do dossiê, com a
ministra Dilma Rousseff como personagem principal e o PT como coadjuvante. Mas
o tema era de pouco apelo popular e a tragédia envolvendo Isabella veio “no
momento certo”, para ocupar o espaço principal dos noticiários. A menina superou a
ministra; o crime familiar superou os erros do corporativismo político no Governo
Federal.
Nestes episódios de grande exposição, a mídia explora cada tema até a exaustão.
Depois disso, os descarta. Afinal, quem, hoje, se importa com personagens como
Marcos Valério, Delúbio Soares ou mesmo com João Hélio, aquele menino que foi
arrastado por diversas ruas no Rio de Janeiro, preso ao cinto de segurança de um
veículo, em uma morte que causou comoção semelhante a de Isabella.
Os dias que se prosseguiram foram dotados de discussões em cima de laudos periciais
sobre sangue no carro; sobre as pegadas que havia na cama; sobre os momento em que
ocorreram os ferimentos, tudo sob a intensa expectativa de a prisão preventiva ser decretada e
se os indiciados se entregariam.
Exemplo disto, é a reportagem do Jornal da Globo, conhecido telejornal de fim de
noite exibido pelo canal televiso da TV aberta Rede Globo. Á época dos fatos, referido
telejornal, em 02/05/2008, transmitiu reportagem com pareceres e relatórios técnicos de
peritos:
Laudo faz descrição minuciosa de como pode ter sido o assassinato da menina.
[...] Os peritos apresentaram, no laudo, suas considerações sobre a dinâmica do
crime, considerando as provas recolhidas [...].
[...] A agressão inicial pode ter ocorrido ainda no interior do veículo, porém, até a
soleira da porta de entrada do apartamento 62, não houve sangramento [...].
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[...] Imediatamente após a abertura da folha da porta, as manchas sanguíneas se
fazem presentes, obedecendo sempre o mesmo padrão, projetado a 1,25 m de altura
com relação ao suporte [...].
[...] Tais características indicam que a vítima estava sendo transportada, imóvel ou
inconsciente, até ser colocada sentada, junto a um sofá ali existente, justificando a
maior quantidade de sangue neste sitio [...].
[...] Transcorridos alguns minutos, que não foram passíveis de determinação, a
pequena vítima fora novamente transportada em direção ao dormitório pertencente
aos irmãos [...].
[...] O agressor que a carregava, ao tentar subir sobre a cama com o intuito de chegar
à janela, escorregou seu pé esquerdo,produzindo um esfregaço de solado de uma
sandália, do tipo havaiana, na lateral do lençol [...].
[...] Ato contínuo galgou a cama, produzindo com o pé direito uma marca de solado
de sandália, de mesmo tipo, sobre a superfície do lençol [...].
[...] Ao efetuar o passo seguinte, introduziu o pé esquerdo entre as duas camas, ali
produzindo um esfregaço de solado de mesma sandália na lateral do lençol [...].
(…) Junto à janela, introduz os pés da vítima. Pelo vão produzido na rede de
proteção, segurando-a pelos pulsos no vazio [...].
[...] O agressor ao segurar a vítima desta forma, pressionou seu tronco contra esta
mesma rede, ocasião em que a poeira nela contida foi transferida para as tramas da
camiseta que vestia, de maneira única e individual [...].
[...] Nestas circunstâncias, soltou primeiramente a mão esquerda, quando então a
vítima efetuou movimento pendular para sua direita, soltando em seguida outra mão.
[...] Percorrendo em queda livre uma distância de aproximadamente dezoito metros,
vindo a imobilizar-se sobre o canteiro ajardinado [...].
[...] As sandálias e a camiseta relacionadas com os indícios aqui consignados
pertencem, segundo informes, a Alexandre Alves Nardoni. [...].
Estava decretada a frenesi da imprensa pelas notícias e os juízos paralelos se
desencadeavam. A polícia havia oferecido os suspeitos e a mídia o agarrado com
“unhas e dentes”, sem, em qualquer instante, questionar a culpabilidade do casal,
apenas se importando em dotar de sentimentalismo e sensacionalismo o caso, no
qual uma criança fragilizada, de cor branca, teria sido arremessada do quarto andar
de um edifício de luxo por seu pai, com grau superior, em decorrência do ciúme que
sua madrasta ostentava por ela, era o final infeliz da história da “gata borralheira”.
Luiz Flávio Gomes (2009), jurista brasileiro, em artigo no qual faz uma análise do
caso de Isabela Nardoni, apregoa que:
Não existe "produto" midiático mais rentável que a dramatização da dor humana
gerada por uma perda perversa e devidamente explorada, de forma a catalisar a
aflição das pessoas e suas iras. Isso ganha uma rápida solidariedade popular, todos
passando a fazer um discurso único: mais leis, mais prisões, mais castigos para os
sádicos que destroem a vida de inocentes e indefesos. As vítimas (ou seus
familiares), a população e a mídia, hoje, constituem o motor que mais impulsiona o
legislador (e, muitas vezes, também os juízes). É, talvez, a corrente punitivista mais
eficiente em termos de mudanças legislativas, que tendem a aceitar o clamor público
por penas mais longas, cárceres mais aviltantes, eliminação das progressões de
regime, cumprimento integral da pena, nada de reinserção nem permissões
penitenciárias, saídas de ressocialização etc.
A Revista Veja, enraizou na opinião pública a condenação do casal Nardoni,
apresentando-os ao público para o linchamento, de forma a estampar na capa de sua revista a
foto do casal com os dizeres “Foram eles”, bem como uma reconstituição desenhada em
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quadrinhos de como o pai e a madrasta teriam brutalmente assassinado a criança de forma fria
e cruel.
Visto e analisado tudo isto, o importante em si é que, culpados ou inocentes,
Alexandre Alves Nardoni e Anna Carolina Jatobá tiveram suas imagens divulgadas sem
consentimento e de forma não excepcionada pela administração da justiça, visto que nunca
foram tidos como procurados.
Tiveram suas vidas particulares devastadas e honras feridas, sem qualquer ponderação
ou responsabilidade pelos veículos de informação. Foram indiciados, presos e aniquilados
pela Imprensa de tal modo que, é inquestionável no imaginário popular a culpabilidade dos
indiciados/réus e, indubitável a afirmação que já estavam pré-condenados, sendo a sentença
dos jurados que compuseram o Júri no dia 22 de março e seguintes uma mera confirmação do
que o mídia já anunciou.
A solução para o problema, ao que parece, está muito distante de ser encontrada.
Contudo alguns alvitres podem ser citados: a suspensão do processo enquanto perdurar o
clamor público; o desaforamento; a anulação da sentença do júri se for notória a constatação
da pressão da imprensa; a proibição à divulgação de informações sobre algumas fases do
processo e a criminalização das condutas abusivas da mídia.
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CONCLUSÃO
O Tribunal do Júri, sustentando o direito de defesa do acusado, é histórico. Tempos
depois essa instituição perdeu algumas roupagens de garantia contra os poderes absolutos do
Estado. Hoje o acusado será encaminhado ao Tribunal Popular quando cometer algum crime
doloso contra a vida, sendo assim, pronunciado. Com a pronúncia o réu será julgado pelo
Conselho de Sentença, dando ao júri um caráter de participação popular.
Após a sentença de pronúncia, inicia-se a fase do judicium causae, na qual o acusado
será julgado em plenário, sujeitando-se ao julgamento de pessoas que fazem parte da
sociedade, que não possuem a mesma visão dos juízes togados, sendo por isso, juízes leigos.
Dessa forma, podemos perceber que a pronúncia acontece quando o juiz se convence
da existência do fato delituoso bem como há existência de indícios suficientes da autoria ou
participação, levando o juiz a pronunciar o acusado.
Em linhas gerais, o presente estudo buscou, em primeira abordagem, demonstrar a
fragilidade do Sistema do Júri através da explicação acerca de seu funcionamento e um exame
crítico sobre seus problemas, enfatizando a parcialidade dos jurados, os quais, muitas vezes,
em face de fatores culturais e sociais, não são capazes de se projetarem na realidade que
vivencia o réu e não atendem a função social do júri de ser julgado por seus iguais.
Em um plano mais importante, o estudo pretendeu demonstrar, na sequência, de modo
crítico analítico a influência dos veículos de comunicação sobre os jurados que compõem o
Conselho de Sentença, em que a mídia através do frenesi pela notícia e a busca pela audiência
oprime o cidadão com a divulgação sensacionalista de crimes violentos, ocasionando neste
temor, ódio e vingança.
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Posteriormente analisou-se a influência direta dos órgãos midiáticos sobre os jurados
nos delitos de grande repercussão social, como no caso do homicídio da menina Isabella
Nardoni.
Diante de todo o exposto concluiu-se que, embora a liberdade de manifestação do
pensamento e da informação outorgada aos jornalistas seja de extrema importância para a
garantia da democracia, esta não pode ter primazia absoluta quando seu exercício sacrificar a
intimidade, a honra ou a imagem de uma pessoa.
Além disto, se constatou que a mídia atua perante o Estado como uma espécie de
quarto poder que, além de introduzir no imaginário e consciência popular, medo, pavor,
violência e insegurança através da veiculação de notícias que somente tratam de barbáries e
sensacionalismo, quando se vê diante de um crime cruel, o informa, o deforma, o investiga,
anuncia seus culpados e os julga perante a sociedade, formando a opinião pública conforme
lhe convém.
Não obstante, algumas das soluções apresentadas são aparentemente inócuas, haja
vista que a tentativa em se obstar informações em um mundo em que estas chegam à
velocidade da luz em decorrência dos avanços tecnológicos soa de um modo não muito astuto.
Já a última opção, ao que parece, vai de encontro à posição atual do Supremo Tribunal
Federal que entendeu ser a tipificação específica de crimes de autoria da imprensa
inconstitucionais por cercearem a liberdade de expressão, pondo abaixo qualquer tentativa em
dar mais limites e responsabilidades a essas práticas abusivas.
Sendo assim, e por ser o júri, talvez, a única esfera do poder judiciário permeável à
efetiva intervenção da sociedade, imperioso que o mesmo se aperfeiçoe para que possa se
adequar frente à realidade de nossa sociedade, haja vista que pode ser entendido como a
melhor maneira de se julgar o acusado, em razão da heterocomposição que tem o tribunal do
júri com a sociedade.
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Ao que parece a solução mais plausível em um primeiro momento, seria o júri,
composto por um conselho de sentença eminentemente técnico de cidadãos do povo com
conhecimentos jurídicos (graduando e graduados em direito, professores, etc), o que evitaria a
não motivação das decisões, uma vez que à ausência de motivação, implica em dizer que os
jurados votam de acordo com a sua íntima convicção, com base não só nas teses jurídicas
levantadas pelas partes, mas também apoiados em um juízo de equidade sobre as questões a
eles submetidas e por isso, um júri composto por jurados providos de conhecimento técnico
jurídico a respeito da etimologia dos mais variados termos usados em plenário, afastaria, por
assim dizer, um júri tendencioso.
Em derradeiro, em última análise, conclui-se que, diante da aparente impossibilidade
em frear a divulgação de informações pelos órgãos jornalísticos, a garantia constitucional do
indivíduo em ser julgado por um Júri Popular em crimes de sua competência, na tentativa de
se alcançar uma maior benignidade e compaixão pelo senso comum, se transforma em um
verdadeiro atentado constitucional quando se constata a influência dos veículos de
comunicação, os quais transformam os processos em espetáculos e pré-condenam acusados de
maneira fria, calculista e irresponsável.
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ANDRÉ LUÍS DILLMANN TRIBUNAL DO JÚRI: A INFLUÊNCIA DA