REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 INSTITUCIONAL EDITORIAL DIRETORIA Presidente: Ronaldo Fredolino Wendland Vice-Presidente: Hordi Felten 1ª Secretária: Lurdi Bender 2º Secretário: Mara Tesche Meincke 1º Tesoureiro: Valdemar Blum 2º Tesoureiro: Flávio Fleck CONSELHO FISCAL Laudomir Lampert Ivo Novotny Dalva Lenz de Souza Nelsi Eichelberger CONSELHO DELIBERATIVO Ernani Krause Ronald Kirchhof Erni Drehmer É TEMPO DE LEITURA, PALAVRA, EDUCAÇÃO... As novas tecnologias, sem dúvida, ampliam possibilidades e renovam as mentes das pessoas. As instituições de ensino, entre elas a SETREM, desenvolvem seu trabalho somando conteúdo com as transformações do mundo. Através de ações, estudos, pesquisas, publicações, atividades e serviços propõem o rompimento das fronteiras do conhecimento e discussões acerca da realidade, assim como a melhor maneira de participar da comunidade local e regional com olhos voltados para o futuro. Diretor geral – Flávio Magedanz Vice-diretor Faculdade Três de Maio – Paulo Renato Manetzeder Aires Vice-diretora Centro de Ensino Médio – Zenaide Tesche Heimerdinger A diversidade dos artigos desta revista nos remeta para tal. Todos eles frutos de muita leitura, pesquisa e busca pelo novo, mas sempre com o propósito de contribuir para o crescimento das pessoas. Novas posturas diante de temas tão conhecidos, como o uso do livro didático de matemática. Ou então a perturbadora pergunta pela situação e destino dos idosos. Estes, e outros assuntos são tema e desafio nas páginas seguintes. Conselho Editorial: Adalberto Lovato, Cláudia Verdum Viegas, Cristiano Henrique Antonelli da Veiga, Fauzi de Moraes Schubeita, Gilberto Souto Caramão, Jorge Antônio Rambo, Liane Beatriz Tesche Roedel, Mário Luiz Santos Evangelista, Rafael Marcelo Soder, Renata Amélia Roos, Roque Ismael da Costa Güllich, Valmir Heckler, Vera Lúcia Lorenset Benedetti, Vera Beatriz Pinto Zimmermann Weber e Zenaide Heinsch É desejo que a leitura dessa edição permita ao leitor conhecer melhor os trabalhos realizados por professores e estudantes, enfim pesquisadores, da SETREM, possibilitando desta forma, participar do debate acerca dos temas propostos. Comissão Científica Interna (avaliadores): Ms Adalberto Lovato, Ms Cláudia Verdum Viegas, Ms Cristiano Henrique Antonelli da Veiga, Ms Evandir Bueno Barasuol, Ms Fauzi de Moraes Schubeita, Ms Gilberto Souto Caramão, Dr Mário Luiz Santos Evangelista, Ms Rafael Marcelo Soder, Drdo Roque Ismael da Costa Güllich, Ms Valmir Heckler, Ms Vera Beatriz Pinto Zimmermann Weber, Ms Vera Lúcia Lorenset Benedetti e Ms Zenaide Heinsch. Flávio Magedanz Diretor Geral / SETREM Comissão Científica Externa (avaliadores) Ms Tagli Dorval Mairesse Mallmann - FGV, Dr Carlos Ricardo Rossetto – UNIVALI (SC), Dr Sedinei Nardelli Beber – PUC/RS, Dra Cláudia Regina Bonfá – UFSC (SC), Dra Soraia Napoleão Freitas – UFSM (RS), Dra Olgamir Francisco de Carvalho – UNB (DF), Dra Cristiane Koehler – FATEC SENAC (RS), Dr João Bosco Mangueira Sobral – UFSC (SC), Dra Marlene Gomes Terra – UFSM (RS) e Ms Vera Lúcia Fortunato Fortes – UPF (RS). Capa e Diagramação: Assessoria de Comunicação SETREM Revisão: Carla Matzembacher Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 Revista SETREM: Revista de Ensino e Pesquisa/ Sociedade Educacional Três de Maio Três de Maio: Editora SETREM. Publicação Semestral 1 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 ADMINISTRAÇÃO A INOVAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIAS EM GESTÃO EDUCACIONAL: O CASO REDE SINODAL DE EDUCAÇÃO ....................... 4 Mário Luiz Evangelista André Sträher ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE AS ABORDAGENS DA INOVAÇÃO DISRUPTIVA E A ESTRATÉGIA DO OCEANO AZUL .................................. 12 Luis Carlos Zucatto ESTUDO DO POTENCIAL DE MERCADO DE UMA EMPRESA NO RAMO DO COMÉRCIO E DISTRIBUIÇÃO DE PRODUTOS DE BELEZA .................... 21 Cristina Schmitz Elisandro Ferretti Berti Jesildo Moura de Lima Jorge Antonio Rambo Sandro Ergang EDUCAÇÃO ANÁLISE DO LIVRO DIDÁTICO DE MATEMÁTICA UTILIZADO EM ESCOLAS PÚBLICAS .................................................................................................... 29 Elizangela Weber ANÁLISE PSICOSSOCIAL DOS ENCAMINHADOS PARA ATENDIMENTO CLÍNICO PSICOLÓGICO DA DEMANDA ESCOLAR .................................. 39 Renata Amélia Roos Taiana Elise W. Sperotto AS TEORIAS EDUCACIONAIS E SUA RELEVÂNCIA NO PROCESSO DE PRODUÇAO DO CONHECIMENTO ............................................................ 47 Adriane Helena Dutra Quaresma Elisandra Rasia Vera Beatriz Pinto Zimmermann Weber ENTRE A ARMA E O SOFRIMENTO PSÍQUICO: CARTOGRAFANDO TERRITÓRIOS POLICIAIS .......................................................................... 54 Fábio Parise Carmen S. de Oliveira REFORMAS UNIVERSITARIAS EN VENEZUELA ...................................... 64 Cátia Raquel Felden Francesca Sacco Oviedo Williams V. Aguilera 2 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 SAÚDE DOAÇÃO DE ÓRGÃOS: POSICIONAMENTO DE ESTUDANTES DE ENSINO MÉDIO ......................................................................................................... 75 Daiana Polippo Dalva Maria Pomatti Helenice de Moura Scortegagna Vera Lucia Fortunato Fortes PERFIL DA POPULAÇÃO VÍTIMA DE ACIDENTE DE TRÂNSITO: UM OLHAR SOBRE O JOVEM NESTE CONTEXTO ...................................................... 81 Carlos Eduardo Hermann Rafael Marcelo Soder Andréa Regina Nagorny RECREAÇÃO NA TERCEIRA IDADE: DIFERENÇA PARA UMA VIDA SAUDÁVEL ................................................. 92 Daiane Zambon Seloi da Rosa Weber Rafael Marcelo Soder UM ESBOÇO CURRICULAR DO ENSINO DE ENFERMAGEM NO BRASIL .................................................................. 99 Gilmara Vessozi Roque Ismael da Costa Güllich Gilberto Souto Caramão A CONTRIBUIÇÃO DOS ENFERMEIROS PARA O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE NAS UNIDADES BÁSICAS DE SAÚDE ...................................................... 110 Seloi da Rosa Weber Mirian Herath Rascovetzki 3 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 A INOVAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIAS EM GESTÃO EDUCACIONAL: O CASO REDE SINODAL DE EDUCAÇÃO Mário Luiz Evangelista 1 André Sträher 2 adopted, and to the procedures, bibliographical research and study of case. The results had been of that the education institution conceives as an “alive company”, for preserving its values and the professional ethics. Thus, the pertaining to school manager, will be prepared to learn to innovate, managing changes, a time that to construct the direction of the change of collective and gradual form is one of the requirements for the survival, maintenance and development of the Educational Institutions. The new paradigms defy the managers to demonstrate to new abilities, adapted its profile, becoming them capable to face the complexity of the environment and promoting the culture of the learning and the innovation. RESUMO O presente estudo apresenta a intersecção entre princípios pedagógicos, administrativos e os fundamentos de uma gestão adequada às escolas que integram a Rede Sinodal de Educação. Concebe a instituição escolar como uma organização aprendente, como lócus privilegiado do desenvolvimento de competências gestoras através da reflexão sobre a práxis no diálogo entre os pares. Neste trabalho, adotou-se uma abordagem metodológica qualitativa e, quanto aos procedimentos, pesquisa bibliográfica e estudo de caso. Os resultados obtidos foram de que se conceba a instituição de ensino como uma “empresa viva”, por preservar seus valores e a ética profissional. Assim, o gestor escolar estará preparado para aprender a inovar, gerindo mudanças, uma vez que construir o sentido da mudança de forma coletiva e progressiva é um dos requisitos para a sobrevivência, manutenção e desenvolvimento das Instituições Educacionais. Os novos paradigmas desafiam os gestores a demonstrarem novas competências, adaptando seu perfil, tornando-os capazes de enfrentar a complexidade do ambiente e promovendo a cultura da aprendizagem e da inovação. Key-words: Development of Abilities - School management -; Organizational learning. 1. INTRODUÇÃO As últimas duas décadas têm se caracterizado por mudanças estruturais que demandam reformas significativas nas instituições particulares de ensino. Essas alterações dizem respeito à forma administrativa e também na garantia da formação acadêmica que capacite os estudantes a enfrentar com criatividade e espírito empreendedor os problemas cada vez mais complexos da sociedade. Palavras-Chave: Desenvolvimento de Competências; Gestão Escolar; Aprendizagem Organizacional. ABSTRACT As mudanças de ordem social são marcadas por uma forte tendência à adoção de concepções e práticas interativas, participativas e democráticas. Não apenas a escola desenvolve esta consciência, mas também a sociedade cobra uma maior participação na definição das políticas escolares, na elaboração de seu projeto pedagógico e no estabelecimento de alianças e parcerias. As mudanças de ordem econômica, por sua vez, também apresentam um cenário desafiador para o futuro destas instituições. Em um mercado potencial retraído, cresce, a cada dia, a pressão por menor preço e maior qualidade. This study presents the intercession between pedagogical, administrative principles and the beddings of an adequate management to the schools that integrate the Rede Sinodal de Educação. It concedes the school institution is as an organization learning, as local privileged of the development of managing abilities through the reflection on the practice in the dialogue between the pairs. In this work a qualitative methodological approach was 1 Doutor, Faculdade Três de Maio – SETREM - Três de Maio – RS – Brasil. Universidade Regional do Noroeste do Estado do RS – UNIJUÍ - Brasil 2 Especialista, Faculdade Três de Maio – SETREM. Três de Maio – RS – Brasil 4 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 Nesse sentido, as instituições particulares comunitárias de ensino no Brasil, em geral, conviveram durante certo tempo com um confortável ambiente nãocompetitivo. A partir da década de 90 o mercado educacional entrou em crise pela oferta excessiva e acentuada queda da demanda. Os estabelecimentos particulares gaúchos, por exemplo, perderam em torno de 15% das matrículas para as escolas públicas entre os anos de 1996 e 2002 (CRUZ e COPETTI, 2003). Esta queda deve-se ao fato de que a escola particular atende às retraídas classes média e alta, do ponto de vista de poder aquisitivo, que vêm mostrando mudanças no padrão de comportamento. Fatores como redução no número de filhos, realocação de moradia e incorporação de outros hábitos que implicam gastos concorrentes ao investimento na escolarização dos filhos afetam diretamente o setor privado da educação básica. Soma-se a estes fatores a melhoria na qualidade de ensino nas escolas públicas e as novas instituições que surgiram no segmento educacional, gerando um ambiente de competitividade. em termos de possibilidades gerenciais, analisando os fatos e fenômenos que ocorrem em seu ambiente de trabalho. A pesquisa realizada na Rede Sinodal de Educação também se caracteriza com estudo de caso, pois, para Yin (2005, p. 42), os estudos de casos apresentam cinco componentes fundamentais para a realização de um projeto de pesquisa, como: as questões de estudo; as proposições se houver; a(s) unidade(s) de análise; a lógica que une dados às proposições e os critérios de interpretação das constatações. Assim, como se classifica como exploratória e bibliográfica quanto aos objetivos propostos. 3. REFERENCIAL TEÓRICO A tradição educacional evangélico-luterana, da qual a Rede Sinodal de Educação é herdeira, tem sua origem e sua orientação no movimento filosófico-teológico reformatório de Martin Lutero no século XVI. Desde o início da obra reformatória, o professor, a educação, e a escola estão presentes nas preocupações de Lutero com o objetivo de propor um acesso mais amplo da sociedade e de promover mudanças na educação. Em alguns de seus escritos, Lutero conclamou as pessoas e o poder público a criarem e manterem escolas, assim como incentivou os pais para que mandassem seus filhos à escola (LUTERO, 2000). Diante deste cenário cambiante, apresentam-se novos desafios ao gestor escolar que requerem uma análise aprofundada de questões fundamentais, como forma de conceber a escola, seu paradigma de gestão e a continuidade de sua formação e qualificação profissional. Este artigo tem como foco a inovação e o desenvolvimento de competências gerenciais no âmbito das escolas comunitárias-confessionais que integram a Rede Sinodal de Educação, tendo como característica um estudo de caso, de uma Instituição de Ensino que atua nos níveis infantil, fundamental e médio, cuja denominação doravante será Escola “A”. Este trabalho tem como objetivo investigar a relação entre a inovação nas instituições escolares que integram a Rede Sinodal de Educação e o desenvolvimento das competências de seus gestores a partir da reflexão sobre sua práxis. A partir de 1824, os imigrantes germânicos que foram trazidos para o então denominado, Império do Brasil, com a finalidade de colonizar as terras do sul, construíram as primeiras escolas comunitárias luteranas, em vista da ausência de escolas públicas. A generalização da escola pública já era uma realidade em algumas nações da Europa, enquanto que no Brasil inexistiam. A necessidade de construir e manter escolas eram uma demanda de preservação da bagagem cultural germânica tão importante quanto a língua e a religião. Normalmente nas instituições de ensino, encontramse gestores que têm por formação básica o magistério, a pedagogia ou a licenciatura. Embora ser professor não seja uma função exclusivamente pedagógica, ser gestor exige algumas competências e habilidades distintas daquelas que são necessárias para o exercício do magistério, não de natureza, mas de grau. Por não se perceberem como gestores, muitos continuam a preocupar-se prioritariamente com a continuidade de sua formação pedagógica, pois não refletem sobre sua práxis gerencial e não buscam qualificarem-se como gestores educacionais. Para continuarem a atender o seu propósito, as escolas comunitárias, então categorizadas pelo Estado como particulares, passaram a oferecer um currículo mais extenso do que a escola pública. Além de atenderem a base curricular comum, ofereciam disciplinas que valorizavam a cultura religiosa, atividades esportivas e a sensibilização para as artes. Voltadas para a capacitação de lideranças comunitárias e integradas à comunidade civil e religiosa na qual estão inseridas. Cada uma destas escolas confessionais luteranas desenvolveu sua autogestão e uma identidade pedagógica própria, atenta às necessidades do seu meio. 2. METODOLOGIA Neste trabalho, adotou-se por uma abordagem metodológica qualitativa, a partir da corrente teórica fenomenológica, visto que o objeto de estudo é o processo de formação de gestores educacionais e sua implicação com a práxis destes sujeitos em suas funções gerenciais. O texto é apresentado na forma de discurso argumentativo por serem os dados empíricos restritos à memória das reuniões da Equipe Diretiva da escola “A”. Nesta abordagem, o pesquisador percebe a realidade que o cerca Atualmente 57 destas escolas comunitárias luteranas integram a Rede Sinodal de Educação e atendem a cerca de 30 mil alunos. Unidas na diversidade, estas escolas mantêm viva a filosofia e a ética luterana nas localidades onde atuam, conforme descritos no documento 5 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 Princípios Pedagógicos da Rede Sinodal de Educação (2005b). entidade e pouco desejo de dar tudo de si em prol da empresa. Também é marco da identidade desta rede de escolas, os princípios expressos no 5º Plano de Trabalho: “autonomia; conhecimento; ética; busca da excelência; humildade; abertura ao novo; solidariedade e referencial luterano” (Rede Sinodal de Educação, 2005a, p. 9). Mas, em uma ampla pesquisa em que Geus realizou pela Schell em 1983 (Geus, 1998) descobriu que a expectativa média de vida destas organizações é muito curta porque diante das crises se faz necessário um alto grau de inventividade, capacidade de mudança, flexibilidade, motivação e coesão. Estes elementos inexistem em trabalhadores que não criam uma forte identificação com a empresa. A dinâmica intensa da realidade social e as transformações do cenário da educação demandam um modelo renovado de escola particular e um novo perfil de gestores. A demanda por desenvolver outras competências entre os gestores de escolas está intimamente ligada à leitura do contexto atual e a concepção de escola, visto que a gestão de uma escola pode ser desenvolvida de forma distinta de acordo com a concepção de organização da qual partilha a alta direção. Ou, como afirma Lück, (2000, p. 14), onde “... a escola e seus dirigentes se defrontam com a necessidade de desenvolver novos conhecimentos, habilidades e atitudes para o que não dispõem mais de modelos e sim de concepções”. Já na empresa viva os propósitos são a longevidade e o desenvolvimento do potencial da organização. A rentabilidade é um meio para se chegar a um fim. Na pesquisa mencionada, Geus (1998) destaca quatro fatores principais em comum nas empresas que sobreviveram mais de cem anos: sensibilidade ao ambiente, coesão e identidade, tolerância e descentralização e conservadorismo financeiro. Como em todos os organismos, a empresa viva existe, primeiramente, para procurar sua própria sobrevivência e desenvolvimento, para realizar seu potencial e crescer o máximo possível. Ela não existe unicamente para fornecer produtos aos clientes ou para dar retorno de investimento aos acionistas. A rentabilidade é sintoma de saúde corporativa, não um indicador ou um determinante desta saúde. O retorno sobre o investimento continua sendo importante, mas os gerentes vêem a otimização do capital como complemento da otimização das pessoas. A empresa em si é, principalmente, uma comunidade de pessoas. O caráter empresarial das instituições de ensino tem sido discutido com freqüência nas escolas particulares comunitárias brasileiras. Enquanto algumas instituições buscam aprender novos modelos de gestão, marketing e ferramentas estratégicas, outros negam com veemência olhar a escola como uma empresa prestadora de serviços educacionais. Esta persistente resistência em aceitar e legitimar a visão de escola enquanto organização inserida em um mercado competitivo pode estar relacionada com a concepção de empresa construída no imaginário da comunidade escolar, em especial dos docentes. Partindo do pressuposto de que a escola precisa perceber-se como uma empresa para que possa perpetuar-se na atual conjuntura econômica e social, é de fundamental importância que uma pergunta seja respondida: Qual concepção de empresa é adequada às escolas particulares confessionais e, em especial, às que integram a Rede Sinodal de Educação? O que as pessoas realmente desejam em seus locais de trabalho é ver que o resultado de suas decisões e esforços teve um impacto positivo, na manutenção da ordem, da qualidade e dos propósitos da organização, não sendo tratadas apenas como “mãos” ou “cérebros” a serviço da rentabilidade da empresa. Esta perspectiva reflete significativamente no entendimento da função dos gestores. Pois, como afirma Bergamini (1994, p. 22): “liderar é, antes de mais nada, ser capaz de administrar o sentido que as pessoas dão àquilo que estão fazendo” . Nesse sentido, buscou-se embasamento sobre tipos de empresas e verificou-se em Geus (1998), que existem fundamentalmente dois tipos de empresas, distinguíveis por sua principal razão de existir: as empresas econômicas e as empresas vivas. O estabelecimento escolar é um lugar de construção do sentido das práticas profissionais e de suas eventuais transformações. Cada escola tem sua própria atmosfera, possui um clima que é reflexo de sua cultura, como expressão dos valores coletivos. Por isso, organizar uma ação eficaz e intencional no estabelecimento escolar é considerar sua cultura, a maneira como os habitus são orquestrados, a forma como os atores percebem a realidade, reagem à organização, aos acontecimentos, às palavras e às ações, interpretam-nas e lhe dão sentido. O primeiro tipo de empresa é regido por um propósito puramente “econômico”: gerar o máximo de resultados com o mínimo de recursos. Gerenciadas em função do lucro, neste tipo de empresas as pessoas são vistas como “ativos” e o investimento nelas é mantido no nível mínimo para gerar o maior retorno possível no mais curto espaço de tempo. Os empregados são recrutados por suas qualificações e trocam seu tempo e preparo por dinheiro. As pessoas se percebem como acessórios da máquina de gerar riquezas para um pequeno grupo de indivíduos, o que promove pouca lealdade para com a empresa como Segundo Thurler (2001, p.89), a cultura de uma organização pode ser definida em termos de “conhecimentos socialmente compartilhados e transmitidos daquilo que é e deveria ser”. Já Schein (1982, apud 6 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 Lacombe e Heilborn, 2003) define cultura organizacional como padrão de suposição e valores básicos de um determinado grupo que aprende e repassa os ensinamentos aos novos membros da equipe, como forma de perceber, agir e pensar em relação aos problemas. mudança e o conhecimento como fator crucial de produção e de desenvolvimento de qualquer sociedade. No ambiente de negócios, a migração de um mundo dominado pelo capital para um mundo dominado pelo conhecimento explica o interesse pela aprendizagem organizacional que tem emergido entre as empresas nos últimos anos. Sua construção é inconsciente e é transmitida, muitas vezes, de modo involuntário e implícito. É como um iceberg, pois apenas uma pequena parte é tangível, simbolizada por meio de atos e produtos, bem como ocorrem nas interações mediadas pela linguagem: a maneira como as pessoas falam de seu mundo, do que falam e não falam, com quem e onde falam. Segundo Drucker (2001), o conhecimento formal é visto tanto como recurso pessoal fundamental, quanto econômico. Ao tomar o lugar do capital como fator escasso de produção, o conhecimento passou a ser a chave do sucesso corporativo. O conhecimento que antes era aplicado a ferramentas, a processos, a produtos e ao trabalho humano, passa a ser aplicado ao próprio conhecimento e à inovação sistemática. A cultura pode ser explicitada por meio de códigos de ética, declarações de princípios, credos ou, simplesmente, por meio do conjunto das políticas e normas da organização. Quando se explicita a cultura, tem-se uma cultura oficial, que são os valores e os ideais estabelecidos pela alta administração, os quais podem coincidir ou não com o que é praticado. Assim, Geus (1998) propõe que, para restabelecer a harmonia com o mundo externo, as empresas precisam adaptar-se ao novo cenário, fazer mudanças fundamentais e contínuas em suas estruturas internas. Ao apresentar a aprendizagem sob a perspectiva de adaptação, harmonia ou sintonia a uma realidade mutante, Geus (1998) concebe a aprendizagem de forma limitada a um processo de acomodação a novos contextos, apresentando a inovação como uma reação às pressões do mundo exterior. A aprendizagem associada à idéia de adaptação, onde o ser humano reage frente às pressões do meio, é inspirada em uma concepção ambientalista (REGO, 2001). Motta (2001) define o aprendizado gerencial como um processo pelo qual o indivíduo aprende e gera novos conhecimentos a partir da convivência em determinado ambiente organizacional. Mudar a cultura significará mudar a forma de pensar e de agir das pessoas. A mudança de cultura desafia hábitos enraizados de pensamento e ação. Também os sentimentos dão suporte ao pensamento habitual. Quando se quer mudar a cultura, é preciso mudar o sistema que a gerou a partir das tradições e dos hábitos. Para possibilitar práticas diferentes, é preciso criar as condições necessárias para que um jogo diferente possa emergir. Há, pois, razões para pensar que a cultura, a dinâmica, o clima e o funcionamento do estabelecimento têm grande influência na maneira como o colaborador constrói o sentido da mudança. Nas instituições escolares, em especial, é notória a resistência dos docentes a inovações, sejam elas de ordem pedagógica ou administrativa. Com freqüência, observa-se a frustração de gestores educacionais que, portadores de idéias revolucionárias, não conseguem aplicá-las em suas escolas por não conseguirem construir o sentido da mudança com sua equipe de trabalho. Por sua vez, Senge (2004), apresenta cinco dimensões vitais na construção de organizações capazes de aprender: a capacidade de pensar sistemicamente, de perceber a inter-relação dos fatos e das ações; o domínio pessoal comprometido com o próprio aprendizado ao longo da vida; a consciência e a crítica dos próprios modelos mentais; a construção de uma visão compartilhada e a aprendizagem em equipe. A empresa também possui a faculdade de estar consciente da própria situação e posicionar-se frente ao mundo. Possui seus valores e crenças e está freqüentemente questionando-as em relação à ética do mundo em que ela vive. Com o tempo, a prática da congregação contribui para reforçar a interdependência, a divisão das responsabilidades, o engajamento coletivo, a disponibilidade para lançar-se na auto-avaliação e na autocrítica, elementos estes fundamentais para que haja aprendizagem, para que se promova a inovação. Provavelmente os gestores prefeririam que as organizações fossem como “coisas”: sempre em harmonia com o seu meio, passivas, à espera de um empurrão que geraria resultados previsíveis e mensuráveis, conforme concebe o paradigma da administração científica (LÜCK, 2000). Nas organizações, a essência do ato de aprender é a capacidade de gerir a mudança mediante a transformação em si mesmo. Não basta que um estabelecimento escolar tenha uma cultura favorável à mudança para que essa abertura seja sistematicamente transformada em inovações efetivas e duráveis. Os estabelecimentos inovadores não são apenas organizações cuja cultura “dá uma oportunidade à mudança”, mas aqueles cuja mudança é, de certa forma, fonte de identidade, fator de coesão, motor, modo de vida, e não apenas uma resultante involuntária de ação coletiva. Há duas importantes forças que agem sobre as organizações na atualidade: o mundo em constante 7 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 Mudança pressupõe novas aprendizagens, riscos de fracasso, perda provisória de rotinas e referências, o luto de certos hábitos, uma fase de mínima eficiência. Por isso, a mudança dentro do estabelecimento escolar só é possível se ela tiver mais significado do que manter o status quo. Construir o sentido da transformação é um desafio para todos os colaboradores, mas em especial, para os gestores. a elementos decisivos para a competitividade da empresa, visto que têm por função diferenciar a companhia de seus competidores, criar utilidade e valor aos clientes, construir uma plataforma para o crescimento e promover direção e foco estratégico. Esta concepção de competências, excessivamente utilitarista, serve à concepção de empresa econômica (Geus, 2000), visto que parte do princípio de que devem, de alguma forma, agregar valor à organização, ou melhor, devem promover lucro para a empresa. Por sua vez, Perrenoud (2001, p. 20) define competência como: “faculdade de mobilizar um conjunto de recursos cognitivos – como saberes, habilidades e informações – para solucionar com pertinência e eficácia uma série de situações”. O estabelecimento escolar só pode tornar-se um lugar onde a mudança é construída, coletiva e progressivamente, se os atores que dela fazem parte dispuserem de flexibilização suficiente para conceber seu projeto e para inventar dispositivos suscetíveis de resolver os problemas encontrados. Já a categoria de competências gerenciais possui uma variação ainda maior de concepção entre os autores que utilizam ou desenvolvem este conceito. Segundo Ruas (2001), competência gerencial é “a capacidade de mobilizar, integrar e colocar em ação conhecimentos, habilidades e formas de atuar (recursos de competências) a fim de atingir/ superar desempenhos configurados na missão da empresa e da área”. Assim, a competência pertence à ordem do saber mobilizar. Mas, para haver competência, é preciso que esteja em jogo um repertório de recursos (conhecimentos, capacidades cognitivas, capacidades relacionais). Uma das chaves do êxito da inovação passa pela capacidade dos sistemas de criar dispositivos que permitam aos atores pôr em rede suas competências profissionais e reconstruir o vínculo que deve existir entre suas crenças, seus ideais, suas práticas cotidianas e as missões gerais do sistema educacional. Como afirma Thurler (in PERRENOUD et al., 2002, p.96), que os sistemas escolares transformam e se transformam em estabelecimentos inovadores à medida que aprendem e se organizam em redes. Quando as escolas funcionam de acordo com uma lógica flexível e em redes, os professores são levados a desenvolverem uma série de competências que lhes permitem transformar as pedagogias. A concepção de competência gerencial, enquanto ação através da qual se mobilizam conhecimentos, habilidades e aptidões pessoais e profissionais, aproximase significativamente do conceito empregado na educação. Nesta área este conceito divulgou-se a partir da Conferência Mundial em Jomtien (Tailândia) no ano de 1990, ocasião na qual foi elaborada a Declaração Mundial sobre Educação para Todos. No decorrer dos anos noventa, a noção de competências inspirou uma reescrita nos programas de educação em diversos países como o Canadá, a França, a Bélgica, a Suíça, a Espanha e o Brasil. O destino de uma inovação educativa depende do que os professores pensam e fazem. São eles que põem em prática, junto com seus alunos e por sua maneira de conceber e gerir cotidianamente situações de ensino e de aprendizagem, as novas idéias obtidas das pesquisas ou dos movimentos pedagógicos. O desenvolvimento profissional deve assentar-se no princípio de que os professores continuam sendo atores e responsáveis por sua formação contínua, pois decidem de maneira autônoma seus objetivos e seus planejamentos. Para que isso ocorra há necessidade de haver competências. Em educação, a abordagem por competências surge como uma proposta pedagógica para quebrar com o antigo paradigma da transferência de conhecimentos, com o modelo de educação bancária (FREIRE, 2005) em que o aluno acumula saberes, passa em exames, mas não consegue mobilizar o que aprendeu em situações reais, no trabalho, na resolução de problemas diários, ou no exercício da cidadania. A transferência de conhecimentos não é automática, adquire-se por meio do exercício e de uma prática reflexiva, em situações que possibilitam mobilizar saberes, transpô-los, combiná-los, inventar uma estratégia original a partir de recursos que não a contêm e não a ditam. O conceito de competências tem sido um dos mais empregados e mais controversos no jargão da administração contemporânea. Diferentes percepções e usos têm marcado sua apropriação tanto nas organizações, quanto no mundo acadêmico. É possível definir duas categorias amplas de entendimento do conceito de competências no meio empresarial: a estratégica, que possui uma dimensão corporativa; e a individual, que inclui a dimensão gerencial. 4. DISCUSSÃO E APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS A primeira categoria trata das competências organizacionais e se refere à empresa como um todo. É o caso das competências essenciais, ou core competencies, conforme (Ruas, 2001). As competências essenciais aparecem sob a forma de competências coletivas e aportam A concepção de empresa viva parece mais adequada às instituições educacionais do que a concepção de 8 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 empresa econômica, especialmente às escolas que integram a Rede Sinodal de Educação. Como estas escolas confessionais não têm a rentabilidade como objetivo primeiro, por seu caráter comunitário (e filantrópico para algumas), parte do excedente financeiro é revertido em investimentos na própria instituição, financiando sua manutenção e desenvolvimento, e parte em benefício da comunidade onde está inserida, na forma de subsídio ao estudo de alunos carentes e de promoção do desenvolvimento comunitário. promover uma cultura de aprendizagem e inovação em sua instituição escolar. De um lado, pode-se tratar a gerência como algo científico, racional, enfatizando as análises e as relações de causa e efeito, para se prever e antecipar ações de forma eficiente e eficaz. Pode-se valer dos conhecimentos sistematizados pelas teorias gerenciais. De outro, tem-se que aceitar a existência, na gestão, de uma face de imprevisibilidade e de interação humana que lhe confere a dimensão do ilógico, do intuitivo, do emocional, do espontâneo e do irracional. Outra aproximação significativa desta concepção de empresa com as escolas confessionais evangélicoluteranas é a compreensão das pessoas quanto ao conceito. Ao definir a empresa como uma comunidade de trabalho, onde se aposta na aprendizagem contínua e coletiva, assim como na capacidade de cada indivíduo desenvolver seu potencial, a concepção de empresa viva confere ao colaborador a condição de sujeito constituidor do sentido de seu labor. Diante desta acepção, o aprendizado gerencial não pode ser pautado exclusivamente na concepção do administrador escolar. Administrar é, sem dúvida, uma dimensão essencial da gestão. Envolve gerenciar recursos financeiros; desenhar, implementar, acompanhar e avaliar planos; organizar, prover e facilitar; criar condições favoráveis ao aproveitamento dos alunos. Uma boa administração promove a organização e a sustentabilidade financeira das instituições, mas não basta para fazer com que uma escola se aperfeiçoe e mude. Administradores escolares intervêm apenas de maneira indireta no trabalho dos professores. Para que transformações na qualidade do ensino ocorram, é preciso que atuem como líderes educacionais e influenciem diretamente o comportamento profissional dos educadores. É preciso que se constituam gestores educacionais, desenvolvam um saber que transcenda o conhecimento técnico, enfim, que desenvolvam competências gerenciais. Estas constatações também puderam ser feitas na Equipe Diretiva de uma escola que integra a Rede Sinodal de Educação, denominada neste estudo de escola “A”, e cujos problemas enfrentados em seu cotidiano são o ponto de partida das reflexões deste estudo. Os estudos na escola referida permitiram concluir que no cenário da educação estão ocorrendo mudanças importantes de toda a ordem, tais como: a qualificação docente, a proposta pedagógica e os recursos que a escola dispõe. Identificar as ameaças e as oportunidades é um exercício fundamental de percepção para os estabelecimentos escolares, mas que por si só não basta. A organização escolar deve se renovar, absorver novos saberes, novos programas, novos métodos e novas tecnologias sem deixar entender o que ocorreu no passado. Inovar no interior da escola para fazer frente à complexidade do mundo atual e da educação não significa simplesmente fazer mudanças, mas criar na escola uma cultura da aprendizagem, uma cultura favorável à mudança a ponto da escola criar uma identidade com a inovação. Diante dos recursos que são mobilizados em uma competência, é possível observar que a aprendizagem em gestão transcende o conhecimento de ferramentas, técnicas ou programas para a idéia de saberes integrados. Os sistemas convencionais de formação são centralizados no conhecimento. Através da aprendizagem organizacional é possível atuar no desenvolvimento do saber-fazer e do saber-agir/ser, pois estes se desenvolvem no ambiente de trabalho. Os novos paradigmas organizacionais sugerem uma reforma no modo de pensar e propõe um grande desafio à escola: afrontar e assumir a complexidade. Diferente de adaptar-se às mudanças do contexto, a idéia é criar na escola um ambiente flexível, ciente da complexidade da educação, aberto a mudanças na busca incessante de melhores respostas aos problemas dos alunos, dos pais e dos professores. A escola como lugar de vida e de trabalho é uma escola em movimento, assim como o contexto está em movimento. As competências devem ser uma forma de resposta profissional a fenômenos, a situações de determinado contexto escolar. Portanto, este trabalho apresentou as seguintes sugestões e que estão em fase de implementação para os gestores escolares da Rede Sinodal, onde deverão ser capazes de: - Refletir sobre sua práxis: implica o reconhecimento de que os gestores são responsáveis pela formulação de seus propósitos e, portanto, o processo de compreensão e melhoria de sua ação deve iniciar pela reflexão sobre sua própria experiência, no diálogo com seus pares. Saber avaliar e valorizar suas capacidades, seus limites e suas necessidades são atitudes fundamentais para as relações interpessoais do gestor e para que possa fazer opções corretas de formação continuada. Diante da concepção de escola como uma comunidade de trabalho, como uma organização viva, cujo propósito é a perpetuação, o perfil do gestor escolar muda radicalmente. Não para um novo modelo, mas para uma nova concepção. As transformações no cenário da educação demandam um gestor educacional capaz de enfrentar a complexidade, de desenvolver novas competências a partir da reflexão sobre sua práxis, e de 9 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 - Dominar sua própria formação: a identidade profissional do gestor é freqüentemente abalada pela natureza complexa de suas atribuições. A função de representar a escola, de estar em permanente contato com os colaboradores e motivá-los, de buscar alianças, de gerir os recursos financeiros, de estabelecer uma visão de futuro para a instituição exige uma busca constante por formação e qualificação em distintas áreas. É preciso desenvolver saberes técnicos, habilidades de relacionamento, conhecimentos conceituais, operacionais e estar permanentemente atento às mudanças do ambiente. - Desenvolver uma visão sistêmica: visualizar a escola como um conjunto integrado, como uma instituição em movimento. Implica a capacidade de perceber a interdependência entre as várias funções e como uma alteração em uma delas afeta as demais. - Criar propósito: a atividade docente é ambígua e repleta de contradições. Diante da falta de reconhecimento social, é preciso auxiliar a equipe docente a buscar o sentido de sua práxis. Buscar a finalidade da educação e estabelecer uma visão de futuro para a organização como um todo é condição fundamental para a cooperação, para que haja sinergia no compartilhar um objetivo. É preciso articular os interesses comuns para que os objetivos coletivamente estipulados possam ser alcançados da maneira mais adequada. - Promover a ação colaborativa, pôr em rede as competências profissionais: significa transformar a escola em uma comunidade de trabalho, onde profissionais aprendem uns com os outros, cooperando para solucionar problemas pedagógicos. Liderar é estimular a criatividade, mas ao mesmo tempo estabelecer padrões, confrontar, corrigir, capacitar. É fazer com que a equipe sinta que tem potencial para realizar e transformar, auxiliando os profissionais a melhor compreender a realidade educacional em que atuam. - Descentralizar o processo decisório: mais que delegar tarefas, é delegar poderes de auto-gestão na solução dos problemas, é promover uma práxis autônoma. Consiste na ampliação do espaço de decisão, voltada para a participação e para o fortalecimento da escola como organização social. Abrange a mudança de um princípio de uniformidade, ditada por regras e regulamentos, para o princípio de unidade, orientada por princípios e diretrizes. à tona o potencial de cada pessoa ou instituição estimulando o aprendizado contínuo. - Buscar parcerias, fazer alianças: os gestores assumem boa parte das relações externas da instituição escolar. A comunidade local deve ver na instituição uma entidade parceira no desenvolvimento da região. Grandes projetos necessitam agregar forças que transcendem os limites da instituição, pois são mais difíceis de serem desenvolvidos sozinhos. 5. CONCLUSÃO Buscar a excelência é um imperativo a todos que trabalham em escolas da Rede Sinodal de Educação, não tanto por uma questão de sobrevivência no mercado, mas principalmente por uma questão de filosofia de trabalho. Este princípio traduz-se pelo desenvolvimento máximo do potencial da organização como um todo na busca da melhoria da educação e da formação humana. A concepção evangélico-luterana de educação só pode ser compreendida a partir da leitura da intersecção dialógica entre teologia e pedagogia. Qualquer conceito de gestão para as escolas de confissão luterana deve integrar estas duas dimensões em um todo harmônico. Assim, a excelência em gestão consiste em criar as condições para que o projeto pedagógico, elaborado pela comunidade escolar, se torne possível e perpetue os princípios que animam e concedem propósito ao fazer educativo. Em vista à conjuntura econômica, com freqüência os gestores de escolas evangélico-luteranas deparam-se com o dilema de fazer opções entre projetos que antagonizam o fomento ao projeto pedagógico idealizado pela comunidade escolar e a sobrevivência da instituição. Manter uma proposta de escola comunitária e confessional nestes tempos, em que as relações entre os indivíduos são mediadas por práticas clientelistas e a condição de cidadania está vinculada ao poder de consumo, já é por si só um desafio ao contra-senso. Por isso a inovação, enquanto processo de aprendizagem organizacional, tornase um movimento a ser buscado na exploração colaborativa. - Promover clima dialógico: é preciso abrir canais para o diálogo com as famílias, com os alunos e com os professores. Todos devem perceber que sua opinião é importante, assim como também é importante ouvir e entender as demais pessoas que fazem parte da comunidade escolar. As escolas que integram a Rede Sinodal de Educação têm a inovação enquanto princípio. Fundamentado na concepção “Igreja reformada – em constante reforma”, contido no fundamento teológicoconfessional desenvolvido no documento – Diretrizes da Política Educacional da IECLB, esta permanente abertura ao novo não significa a implementação de modelos impostos por modismos, mas sim conceber a escola como uma organização capaz de aprender, como uma empresa viva. - Desenvolver o potencial de cada colaborador: a frente de uma equipe, o gestor deve ser capaz de trazer Tal afirmativa demanda uma concepção dinâmica de gestor escolar e um processo permanente de qualificação de sua ação. O gestor escolar contemporâneo precisa perceber-se enquanto gestor e refletir sobre sua 10 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 práxis a fim de desenvolver competências capazes de dar conta da complexidade de suas atribuições. O conceito de competências gerenciais transcende os conhecimentos formais e propõe que o gestor desenvolva aptidões que o tornem capaz de mobilizar múltiplos recursos diante das diversas situações complexas do cotidiano escolar, diante da necessidade de agir na urgência e decidir na incerteza. A escola, enquanto espaço de mediação de saberes, é lócus privilegiado de formação continuada das equipes diretivas e dos demais colaboradores. É no âmbito da organização que os colaboradores constroem o sentido de suas práticas profissionais pelo processo de compreensão e melhoria de sua ação na reflexão dialogada sobre suas próprias experiências. A capacidade de inovar implica a construção de uma visão e uma ação compartilhada. Ao gestor cabe proporcionar espaços-tempos para que os colaboradores possam pôr em rede suas competências profissionais e reconstruam, coletivamente, suas crenças, seus ideais e suas práticas cotidianas. Esta constatação coloca as pessoas no centro do desenvolvimento das instituições escolares e demanda do gestor uma atuação de liderança e articulação para promover a cooperação profissional. Para coordenar os esforços investidos pelas pessoas, é preciso reconhecer a diversidade e a divergência das maneiras de pensar e fazer, bem como, compreender a questão dinâmica, conflitiva e contraditória das relações interpessoais na organização. As perspectivas elaboradas durante este estudo não esgotam, sobremaneira, a amplitude e a complexidade da gestão educacional. A dificuldade em identificar, selecionar e apresentar dados empíricos delimitaram a pesquisa a um diálogo argumentativo com pesquisadores de diversas áreas do conhecimento. A contribuição deste trabalho para a ação gestores de escolas integrantes da Rede Sinodal de Educação se efetiva na elaboração de possibilidades de intersecção entre princípios pedagógicos, administrativos e os fundamentos da confessionalidade luterana. Este desafio dialético demanda novas competências aos gestores escolares para os quais não servem mais modelos, mas sim uma nova concepção. homem – trad. Maria Lúcia Rosa. São Paulo: Nobel, 2001. ESTIVALETE, Vânia de Fátima Barros. As Práticas de Gestão de Pessoas e o Processo de aprendizagem nas Organizações: um estudo de caso. (Artigo sem outras referências) FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 40 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005. GEUS, Ária de. A Empresa Viva: como as organizações podem aprender a prosperar e a se perpetuar. – trad. Lenke Peres. Rio de Janeiro: Elsevier, 1998. – 8. reimpressão. LACOMBE, Francisco José Masset; HEILBORN, Gilberto Luiz José. Administração: Princípios e Tendências. São Paulo: Saraiva, 2003 LÜCK, Heloísa. Perspectivas da Gestão Escolar e Implicações quanto à Formação de seus Gestores. Em Aberto, Brasília, v.17, n.72, fev/jun. 2000. LÜDKE, Menga; André, Marli E. D. A. Pesquisa em Educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986. 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O Melhor de Peter Drucker: o 11 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE AS ABORDAGENS DA INOVAÇÃO DISRUPTIVA E A ESTRATÉGIA DO OCEANO AZUL Luis Carlos Zucatto1 Faculdade Três de Maio - SETREM2 RESUMO Este estudo busca desenvolver uma análise comparativa entre as abordagens da Inovação Disruptiva e a Estratégia do Oceano Azul, procurando identificar como a utilização simultânea destas pode criar sinergia, potencializando as competências de inovação das empresas. Em seus resultados, o trabalho mostra o quão relevantes são as abordagens analisadas, à medida que evidenciam como podem ser estruturados novos mercados quando os gestores das empresas conseguem interpretar demandas latentes e focam em potenciais consumidores, satisfazendo suas expectativas. PALAVRAS-CHAVE: Inovações Disruptivas Estratégia do Oceano Azul - Inovação. espaço acadêmico, estudiosos e pesquisadores se debruçam sobre pesquisas, a discussão sobre inovações como atributos de diferenciação para uma empresa se tornar competitiva e construir sustentabilidade ganham mais corpo a cada dia. Gestores de empresas se debatem em busca de alternativas que levem suas organizações a novos patamares de competitividade, procurando estabelecer diferenciais que lhes possibilitem angariar lucros extraordinários. A inovação é, de fato, crítica para o crescimento de uma empresa, de uma região, de um País, pois a possibilidade de mudar o rumo de uma indústria, de um segmento da economia está relacionada à sua capacidade de inovar. As formas de inovar podem ser tanto através de novos modelos de negócios como de tecnologias aperfeiçoadas (business model innovation e technology innovation). Raramente uma mudança na tecnologia ocorre sem causar uma mudança também nos processos (e vice-versa) (DAVILA et al., 2003). ABSTRACT This study tries to develop a comparative analysis between the approaches of the Disruptive Innovation and the Strategy of the Blue Ocean, trying to identify how the simultaneous use of these ones can create synergy, potentializing the abilities of the companies’ innovation. In its results, the work shows how excellent the analyzed approaches are while they evidence how new markets can be structuralized when the managers of the companies are able to interpret latent demands and they focus on the potential consumers, satisfying their expectations. KEY WORDS: Disruptive Innovation – Startegy of the Blue Ocean – Innovation. 1 INTRODUÇÃO A agenda das discussões e produções acadêmicocientíficas sobre inovação é vasta, estendendo-se, com importância não menor, ao universo corporativo. Se no 1 2 No século XX a inovação foi institucionalizada, tornando-se uma característica específica desse período da história, ligada às atividades de pesquisa (MOWERY & ROSEMBERG, 2006). A própria inovação se reduziu à rotina. O progresso tecnológico está se tornando progressivamente o negócio de muitas equipes de especialistas treinados que produzem o que é requerido e o fazem funcionar de modo previsível (SCHUMPETER, 1942). O resultado disso é que as inovações tecnológicas freqüentemente criam novas indústrias, inteiramente novas, dedicadas à produção de novos bens, com crescimento rápido e superação de tecnologias, desafiando os competidores a buscarem o desenvolvimento de novas tecnologias, aliadas a novos modelos de negócios, gerando impactos econômicos. No estudo da inovação, o processo de decisão das estratégias empresariais centra a busca pelos elementos analíticos relevantes à compreensão da competitividade. A este processo decisório, por sua vez, aliam-se avaliações de executabilidade da estratégia, em função de capabilidades (capacitações próprias Mestrando PPGA/EA – UFRGS e Professor da Faculdade Três de Maio – SETREM - [email protected] Sociedade Educacional Três de Maio – Av. Santa Rosa 2.400, Três de Maio, RS. www.setrem.com.br 12 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 acumuladas) e da possibilidade de retornos financeiros esperados, via de regra, determinados pelos investimentos demandados e riscos que envolvem as atividades de inovação. Tais avaliações devem ser feitas de forma rigorosa, estruturadas por aspectos que caracterizem o ambiente e relacionem-se com o mercado e setor de atuação. Por isso, as transformações e os impactos esperados nas tecnologias dominantes devem levar em conta as transformações esperadas nas formas de competição, uma vez que a firma inovadora irá estabelecer um diferencial em relação aos competidores e esses buscarão formas de se equipararem ou de ultrapassá-la. As inovações, de fato, levam as empresas a novos patamares de competição e a competição que realmente interessa é a da nova mercadoria, da nova tecnologia, sendo muito mais eficiente que a outra, da mesma forma que um bombardeio para arrombar uma porta (SCHUMPETER, 1912). Contudo, nem todas as inovações conseguem imprimir transformações radicais sobre os paradigmas tecnológicos vigentes e nem sobre a realidade econômica em que impactam; outras, no entanto, suplantam paradigmas tecnológicos de forma radical. Quando há superação de um paradigma, também a sociedade muda, mudam os comportamentos, mudam os padrões, pois a tecnologia é uma construção social, é uma conquista da sociedade, sob o aspecto de que nos dias atuais, podese tomar as inovações tecnológicas impulsionadas pela microeletrônica com exemplo de quebra de paradigmas tecnológicos. A partir de 1945-50, o surgimento e introdução de semicondutores e circuitos integrados provocaram uma mudança radical em toda economia, associando-se ao advento e um paradigma tecnológico extremamente poderoso, alicerçado sobre o que se convencionou chamar de tecnologia da informação – final dos anos 90. Este paradigma se caracteriza pela extrema capilaridade, que lhe confere grande poder de penetrar em todos os segmentos da economia, particularmente no pós-advento da internet. É possível a convivência de mais de um paradigma tecnológico, porém a tendência é de que os novos predominem sobre os antigos e, ainda, sobre as gerações mais maduras de produtos e serviços. No mercado, isso se observa nos diferentes ritmos e dinamismo de crescimento. Na sociedade, um novo paradigma pode alterar as formas e padrões de consumo e comportamentos dos consumidores, no deslocamento de sistemas produtivos, padrões de reprodução de forças de trabalho e, sobremaneira, nas condições de vida das populações, impactando profundamente nas instituições. As inovações tecnológicas e mudanças de paradigmas são temas que permeiam os ambientes acadêmico e corporativo, além de órgãos governamentais que têm interesses na pauta devido às novas oportunidades de geração de emprego e renda que as inovações possibilitam e estudados à exaustão por um sem número de interessados na área, pelo que não será tratado aqui. O intuito com este estudo é oferecer uma contribuição sobre as abordagens das inovações em modelos de negócios, estabelecendo uma comparação entre as Inovações Disruptivas e a Estratégia do Oceano Azul, a partir do cruzamento de variáveis definidas como relevantes no contexto da Inovação. E, ainda, a carência de estudos nesta perspectiva se converte na justificativa deste trabalho. Por estes pressupostos, colocou-se como objetivo deste estudo a comparação entre Inovações Disruptivas e a Estratégia do Oceano Azul, através de uma profunda análise de cada uma e posterior cruzamento de variáveis consideradas relevantes em uma ou outra ou, ainda, nas duas. Para tanto, partiu-se da hipótese que as inovações disruptivas em modelos de negócios, além de suplantar os paradigmas vigentes, geram lucro e crescimento sustentável quando as empresas chegam aos não-clientes e conseguem trabalhar a custos que lhes possibilite atingir as faixas de baixo do mercado e a Estratégia do Oceano Azul ao criar diferenciação, gerando valor e reduzindo custos, proporcionam maior competividade e geram sustentabilidade às organizações. Este trabalho é um ensaio teórico, construído a partir da análise das teorias envolvidas e posterior exposição lógico-reflexiva, enfatizando a argumentação e interpretação pessoal (SEVERINO, 2000). O método de procedimento do estudo é o método comparativo, pois, a partir da análise de cada um dos critérios – Inovações Disruptivas e Estratégia do Oceano Azul, estabeleceu-se uma primeira aproximação entre os temas pesquisados, através de uma comparação baseada em variáveis que buscam evidências de similaridades e/ou diferenças entres esses critérios (OLIVEIRA,2007). Para materializar a comparação entre as Inovações Disruptivas e A Estratégia do Oceano Azul foi elaborado um quadro foram dispostas as variáveis que servem de parâmetro no cruzamento dos dois critérios analisados, onde são pontuados aspectos de cada um dos critérios. 2 REVISÃO DA LITERATURA 2.1 Tecnologia Tecnológicos e Paradigmas Usualmente a tecnologia é concebida como um conjunto de fatores, muito mais ligados a máquinas e equipamentos que, combinados, relacionam-se a determinados produtos ou serviços. Contudo, tecnologia compreende e exige muito mais que isso, contemplando um conjunto de parcelas de conhecimento acumulado, tanto teórico quanto prático de know-how, métodos, procedimentos, experiências de sucessos e de fracassos – dispositivos intangíveis e também dispositivos físicos. Os dispositivos físicos compõem a parte que pode ser denominada “incorporada” da tecnologia. A parte “nãoincorporada” compõe-se de expertise específica, da experiência acumulada por esforços tecnológicos que se caracterizam como a assimilação, adaptação e/ou criação de tecnologia. Para Kim (2006), a capacidade tecnológica está definida como a acumulação de conhecimento 13 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 tecnológico que gera um processo de aprendizagem organizacional; por isso, é necessário o desenvolvimento de habilidades na utilização e transformação das tecnologias para implementação de melhorias nos processos da organização. Com o desenvolvimento das capacidades tecnológicas, promove-se internamente o aprimoramento nas diferentes funções tecnológicas, como por exemplo, processos de organização e controle, atividades de engenharia e gestão de projetos, atividades relacionadas à produção e equipamentos (ARIFFIN & BELL, 1999). Sob este aspecto, a tecnologia inclui a percepção de um conjunto limitado de alternativas tecnológicas e de futuros desenvolvimentos nocionais (DOSI, 2006). De acordo com Christensen (1997) as tecnologias são processos que na organização transformam trabalho, capital, materiais e informações em produtos e serviços. A esse conceito, Sahal, (1981); Burgelman et al. (1995), acrescentam, além dos processos de engenharia e manufatura, processos de negócios à conceituação de tecnologia que será a perspectiva aqui adotada. Utilizou-se este conceito porque o caso abordado neste estudo trata de um modelo de negócio, ou seja, uma tecnologia de negócio. Christensen & Bower (1996) ainda definem tecnologias disruptivas como as que destroem uma trajetória estabelecida de performances de melhorias ou redefinem o que performance significa. Pelo acúmulo de conhecimentos, as tecnologias evoluem e, ao evoluírem, apresentam novos paradigmas tecnológicos em substituição aos vigentes. Um paradigma tecnológico pode ser definido como o “padrão” ou “modelo” de solução de problemas tecnológicos selecionados, baseados em princípios selecionados, derivados de conhecimentos das ciências naturais e da tecnologia existente que define o campo de investigação para resolvêlos (DOSI, 1982, 2006). Dentro de um paradigma tecnológico se desenvolvem trajetórias tecnológicas, definidas como o padrão da atividade normal de solução de problemas colocados pelo paradigma. A trajetória tecnológica pode ser representada pelo movimento de trocas multidimensionais entre as variáveis tecnológicas definidas como relevantes pelo paradigma. A mudança de um paradigma geralmente implica na mudança da trajetória tecnológica (DOSI, 1982; 1988). Um paradigma tecnológico, portanto, age como um “direcionador” do progresso técnico, definindo ex-ante as oportunidades a serem perseguidas e aquelas a serem abandonadas. É dotado, portanto, de “poderoso efeito de exclusão” (DOSI, 2006), pois os esforços e a imaginação tecnológica dos profissionais envolvidos e das organizações às quais pertencem focalizam-se em direções precisas, cegando-se a outras direções ou possibilidades tecnológicas ao permitir a redução à priori do número de alternativas de desenvolvimento tecnológico. Ainda, os paradigmas tecnológicos definem certa idéia de progresso, não como medida absoluta, mas como significado preciso de determinada tecnologia, pois se identifica com o esforço genérico a que está aplicado, com a tecnologia material aplicada, com as propriedades exploradas e com as dimensões e os equilíbrios tecnológicos e econômicos focalizados. O ciclo de vida de um paradigma tecnológico é delimitado em quatro períodos: i) difusão inicial, quando surgem as inovações radicais em produtos e processos, proporcionando múltiplas oportunidades de novos investimentos e surgimento de novas indústrias e novos sistemas tecnológicos; ii) crescimento rápido (prematuro) quando as novas indústrias vão se firmando e explorando inovações sucessivas; iii) um crescimento tardio, quando o crescimento das novas indústrias começa a desacelerarse e o paradigma difunde-se para os setores menos receptivos; iv) fase de maturação, ou a última fase do ciclo de vida do paradigma, na qual os mercados começam a saturar-se, os produtos e processos se padronizam, o conjunto de produtos chegam a um ponto de esgotamento e as inovações incrementais nos processos trazem pouco aumento de produtividade. Nesta última fase, a experiência acumulada em cada indústria e no mercado é tal que cada novo produto alcança a maturidade cada vez mais rápido (PEREZ, 1992). Ao atingir a última fase do paradigma, as firmas não permanecem inativas: buscam adotar estratégias que as mantenham no mercado, através de uma vantagem competitiva. Dentre as estratégias possíveis, a busca por novas tecnologias que possibilite a criação de novos produtos pode provocar uma mudança de tão longo alcance que implica em um novo paradigma tecnológico (PEREZ, 1992). Da perspectiva puramente econômica, um novo paradigma surge em um ambiente ainda dominado pelo paradigma anterior e, para se consolidar, precisa satisfazer alguns pressupostos: i) redução de custos; ii) crescimento rápido da oferta, explicitando a inexistência de barreiras no longo prazo aos investidores; e, iii) apresentar claramente um potencial para uso ou incorporação desta tecnologia em vários processos e produtos dentro do sistema econômico. Se o novo paradigma cumpre estas condições, ele prova suas vantagens comparativas. Iniciase, portanto, um processo de reestruturação das variáveischave até que o novo paradigma seja o predominante (FREEMAN e PEREZ, 1988). Essas variáveis são: (i) os interesses econômicos das organizações envolvidas em P&D nessas novas áreas tecnológicas; (ii) a história tecnológica das mesmas, seus campos de especialização, etc.; e, (iii) variáveis institucionais stricto-sensu, como as de órgãos públicos (DOSI, 2006). 2.2 Inovação e Competitividade A inovação tem sido vista como uma atividade difícil e cara e, freqüentemente, ainda como a chave de sobrevivência e uma fonte de crescimento sustentável para as empresas (SCHUMPETER, 1942; PENROSE, 2006). Por outro lado, apresentam potenciais de geração lucros extraordinários às empresas, além do desenvolvimento de capabilidades e competências como vantagens competitivas às firmas inovadoras (TEECE et al., 1997; EISENHARDT & MARTIN, 2000; ZOLLO & WINTER, 2002), 14 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 podendo, ainda, ser transformada em uma competência destruidora (TUSHMAN & ANDERSON, 1986) ou disruptiva (CHRISTENSEN, 1997). Contudo, ao se falar em inovação, deve-se ter em mente que, mais do que uma definição ou atribuição de alguma característica, dois aspectos devem ser considerados: aplicação e novidade. Uma nova idéia, portanto, para gerar inovação, necessita que haja demanda - necessidade a ser satisfeita – para que a invenção se transforme em inovação. A inovação, dessa forma, é a transação no mercado de um produto ou serviço em que os consumidores perceberam valor e adquiriram, incrementando o lucro da empresa que a gerou (COTEC, 2001). É necessário, também, esclarecer que inovação é diferente de invenção, pois a segunda representa uma idéia, um esboço ou mesmo um modelo para um novo dispositivo, produto, processo ou sistema; uma invenção não necessariamente se transforma em inovação (SCHUMPETER, 1912, 1942). A dimensão das inovações tecnológicas impacta diretamente na competitividade, havendo uma relação estreita com a natureza e convergência dos processos de inovação em cada setor da economia (KAPLINSKY, 1989). Assim, um país sem uma posição interessante em inovação perde cada vez mais renda nacional e, ainda, vantagem competitiva em diversas indústrias (PORTER, 1989). Outros autores como Aaker (1998), Schewe & Hiam (1998), Engel et al.(2000), Ansoff & McDonnell (1993), Porter (1989), Ohmae (1988), Grant (1998) e Fahey (1994) sustentam, também, que a inovação confere maior competitividade às empresas e que a sustentabilidade no longo prazo está relacionada com sua capacidade inovadora. Esses autores defendem, ainda, que o retorno dos investimentos no desenvolvimento e introdução de produtos e serviços inovadores é incerto. Relacionada à competitividade, está a capacidade de gerir o processo de desenvolvimento tecnológico e a inovação, ligada a produtos, processos e serviços é, portanto, a chave para a obtenção e manutenção da competitividade (WAACK, 2005). as titulares serão as vencedoras, caracterizando-se uma circunstância sustentadora. A inovação sustentadora atende a uma necessidade explícita, com foco nas melhorias dos processos de negócios; porém, não alterando os modelos ou padrões dos processos de negócios. E quando o desafio é comercializar produtos mais simples e convenientes, vendáveis a preços mais baixos, a clientes menos atraentes, as desafiantes têm maior probabilidade de superar as titulares, o que caracteriza uma situação disruptiva. Esse tipo de inovação altera radicalmente os padrões existentes, criando novos produtos e serviços, com aplicações e experiências sem precedentes. A modelização da inovação disruptiva apresenta três elementos críticos: primeiro, em todo mercado há uma possibilidade de melhoria a ser utilizada pelos clientes na figura 01, é representada pelas linhas pontilhadas que apresentam uma tênue ascendência. O segundo elemento é que em todo mercado há uma trajetória própria de melhorias desenvolvidas por empresas inovadoras, quando lançam novos produtos com qualidade superior. Essa tendência é mostrada pelas linhas que apresentam inclinação acentuada na figura 01. E o terceiro elemento crítico é a distinção entre a inovação disruptiva e a inovação sustentadora: a inovação sustentadora busca atingir clientes mais sofisticados, por meio de desempenhos superiores aos disponíveis, podendo oferecer melhorias incrementais em seus produtos ou por avanços desbravadores, que ultrapassem os produtos concorrentes. As inovações disruptivas não buscam disponibilizar produtos melhores aos clientes atuais e em mercados já existentes. Rompendo e redefinindo os modelos vigentes, com novos produtos e serviços que talvez nem sejam tão bons quanto os existentes, mas que, pelas tecnologias disruptivas oferecem outros benefícios, pois se tornam mais simples, mais convenientes e mais econômicos, focando, sobretudo, em clientes novos ou menos exigentes. Feita esta distinção, apresenta-se a figura 01 que representa os elementos críticos das inovações disruptivas. Des emp en ho 2.3 Inovação Disruptiva medidas desempenho Estratégia de sustentação Lançar produto melhor em mercado tradicional Disrupção de baixo mercado Procurar clientes saciados com modelos d e negócios de baixo custo Diferentes de Tempo Disrupção em novo mercado Co ncorrer contra o não-consumo N oc ão as -c iõ on es su de mi nã dor oe co s o ns u um o Tradicionalmente, as inovações eram vistas como resultados de combinações felizes entre os elementos: produto certo, no lugar certo e na hora certa. Simplificar a esse nível a combinação de esforços, investimentos, planejamentos, pesquisas e outros fatores imprescindíveis à inovação, quiçá, seja aceitar que a inovação resulte mais do acaso que de aspectos administráveis ou, ainda, negar que as inovações são passíveis de pré-diagnosticação. Segundo Christensen & Raynor (2003), de fato o sucesso ou o fracasso no desenvolvimento de um produto ou serviço pode ser pré-diagnosticado. Ainda, de acordo com Christensen & Raynor (2003), a inovação disruptiva e a sustentadora, permitem prever se as empresas líderes terão sucesso ou se as desafiantes superarão as empresas maduras. Quando a corrida redunda em produtos melhores, vendáveis a preços mais altos, a clientes mais atraentes, Fonte: Adaptado de Christensen, 2003. Figura 01 – modelo da inovação disruptiva. 15 Tempo REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 As inovações disruptivas apontam para um efeito paralisante sobre os líderes setoriais, pelo fato destes estarem voltados às inovações sustentadoras, o que os torna incapazes de reagir em tempo hábil. Os líderes dos setores, por estarem voltados à conquista do mercado, raramente se proporão a defender o novo ou baixo mercado, foco das inovações disruptivas, caracterizando esse fenômeno a motivação assimétrica, tornando-se o cerne do dilema da inovação e o começo da solução da inovação (CHRISTENSEN, 2003). As inovações disruptivas se subdividem em dois tipos: o primeiro que busca um novo mercado, ou seja, os não-consumidores e o segundo, que busca a parte de baixo do mercado, onde se localizam consumidores não tão exigentes. As disrupções de baixos mercados são exemplos diretos do que Schumpeter denominava destruição criativa, pois provocam reduções bruscas nos custos, sendo promovidas por firmas estreantes que destroem as titulares. Por sua vez, as de novo mercado, iniciam uma construção criativa – um consumo novo – antes de provocar a destruição do antigo. que captura a situação atual do mercado e permite à empresa identificar em quais atributos pode se diferenciar e criar o oceano azul. A curva de valor é o componente básico da matriz de avaliação de valor, ela demonstra quais são os atributos que diferenciam a empresa do restante das empresas do setor. É a representação gráfica da atuação de cada atributo de valor da empresa e dos concorrentes. Os atributos de valor se localizam no eixo horizontal e, no eixo vertical, demonstra o nível de oferta de cada atributo segundo a percepção dos compradores (KIM e MAUBORGNE, 2005). Depois de situar cada atributo (da empresa e dos concorrentes) na matriz de avaliação de valor, deve-se proceder a uma análise e determinar as ações de: eliminar, reduzir, criar e elevar. Essas quatro ações permitem que se explorem sistematicamente maneiras de se rearranjar os atributos que geram valor para os clientes de modo a oferecer experiências inteiramente novas, enquanto mantêm baixa sua estrutura de custos (KIM e MAUBORGNE, 2005). 2.4 A Estratégia do Oceano Azul Estratégia é definida por Mintzberg e Quinn (2001) como um padrão ou um plano onde são integradas as principais metas, políticas e seqüências de ações de uma organização obedecendo a critérios de coerência. As estratégias bem formuladas ajudam a ordenação e alocação dos recursos organizacionais com viabilidade e singularidade, em conformidade com as competências e deficiências internas relativas, atentando-se às mudanças ambientais de forma antecipada e provendo contingentes realizados por oponentes inteligentes. Conforme Porter (1989), a vantagem competitiva surge do valor criado pela organização e percebido pelos seus clientes. Existem duas formas de obter a vantagem competitiva: por meio da liderança de custos ou pela diferenciação. No modelo de Porter, as empresas deveriam assumir ou a liderança de custos ou a liderança pela diferenciação. Porém, a estratégia do oceano azul busca ambas lideranças. Este modelo foi idealizado por Kim e Mauborgne (2005). Para diferenciar os dois tipos de mercado, os autores chamaram de oceanos vermelhos todos os setores existentes, o espaço de mercado conhecido, e de oceanos azuis todos os setores não existentes hoje, é o mercado desconhecido (KIM e MAUBORGNE, 2005). O foco de análise é os movimentos estratégicos (decisões e ações gerenciais). Os autores encontraram um padrão comum e constante entre os movimentos estratégicos para a criação e exploração de oceanos azuis. A inovação de valor ocorre apenas quando as empresas alinham inovação com utilidade, preço e ganhos de custo. As empresas que buscam criar oceanos azuis perseguem ambas ao mesmo tempo (KIM e MAUBORGNE, 2005). Após definir as ações, é preciso ter muito bem definido o foco, a singularidade e a mensagem consistente. Os autores identificaram seis condições básicas para reformular as fronteiras do mercado chamado de modelo das seis fronteiras (KIM e MAUBORGNE, 2005): - primeira fronteira - examinar os setores alternativos cujas formas e funções são diferentes, mas têm o mesmo propósito; - segunda fronteira - examinar os grupos estratégicos dentro dos setores que podem adotar estratégias semelhantes; - terceira fronteira - examinar a cadeia de compradores; - quarta fronteira - examinar as ofertas de produtos e serviços complementares, pensando no que acontece antes, durante e depois do uso do produto ou serviço; - quinta fronteira - examinar os apelos funcionais e emocionais dos compradores; e, - sexta fronteira - examinar o transcurso do tempo, como especulações sobre como a tendência pode mudar o valor para os clientes e como impactará o modelo de negócios da empresa. A figura 02 mostra a Matriz de Avaliação de Valor, proposta por Kim e Maugborne (2005). Para iniciar a elaboração da estratégia do oceano azul, é preciso construir uma matriz de avaliação de valor, 16 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 em valor e quando persistir na estratégia vigente, fazendo soar o alarme de que chegou a hora de desbravar novo oceano azul no momento em que a curva de valor começa a convergir com as dos concorrentes (KIM e MAUBORGNE, 2005). REDUZIR Quais atributos devem ser reduzido s Bem abaixo dos padrões setoriais? 3 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS CRIAR ELIMINAR Quais atributos considerado s indispensáveis pelo setor devem ser eliminados? NOVA CURVA DE VAL OR Qu ais atributo s nunca oferecidos pelo setor devem ser criados? Neste tópico são estabelecidas e caracterizadas as variáveis para análise e comparação entre as Inovações Disruptivas e A Estratégia do Oceano Azul. ELEVAR Quais atributos devem ser elevado s bem acima dos padrões setoriais? 3.1 Variáveis para Análise e Comparação entre Inovações Disruptivas e Estratégia do Oceano Azul Figura 02 – Matriz de Avaliação de Valor. Fonte: Adaptado de Kim e Mauborgne (2005). O próximo passo é alinhar o processo de planejamento estratégico para concentrar-se no panorama geral e aplicar essas idéias no desenho da matriz de avaliação de valor de sua empresa a fim de desenvolver uma estratégia do oceano azul (KIM e MAUBORGNE, 2005). A visualização da estratégia do oceano azul em toda a organização também torna muito mais esclarecedor o diálogo entre cada uma das áreas da empresa (KIM e MAUBORGNE, 2005). Para ir além da demanda existente, é preciso pensar nos não-clientes antes de pensar nos clientes; nos pontos em comum antes de nas diferenças; e na de-segmentação antes de estreitar a segmentação (KIM e MAUBORGNE, 2005). A estratégia do oceano azul representa uma ruptura muito mais drástica com o status quo, pois consiste em substituir a convergência pela divergência através das curvas de valor a custos mais baixos e, por essa característica, a execução se torna mais difícil (KIM e MAUBORGNE, 2005). Em se tratando das barreiras, uma é cognitiva: despertar os empregados para a necessidade da mudança de fundamentos. A segunda é a limitação de recursos: quanto maior for a mudança na estratégia, mais se necessitará de recursos para executá-la. A terceira é a motivação: como motivar as principais empresas do mercado a agir com rapidez e tenacidade para promover uma ruptura com o status quo? A última barreira é a política organizacional que precisa ser repensada estrategicamente (KIM e MAUBORGNE, 2005). A empresa se destaca dos concorrentes por sua capacidade de execução somente quando todos os membros da organização estão alinhados com a estratégia e sempre estão dispostos a apoiá-la em todas as circunstâncias. Para desenvolver a confiança e comprometimento das pessoas que atuam na organização e inspirar a cooperação voluntária de todos, as empresas precisam introduzir a execução na própria elaboração da estratégia desde o início. A presença ou ausência do processo justo pode construir ou destruir as melhores iniciativas de execução da estratégia (KIM e MAUBORGNE, 2005). A empresa precisa monitorar as curvas de valor para evitar a armadilha da concorrência. O monitoramento das curvas de valor sinaliza quando inovar A estratégia do oceano azul e as inovações disruptivas, abordadas anteriormente, apesar de suas particularidades, evidenciam aspectos relevantes. As diferentes abordagens de cada uma apresentam graus de abrangência e focos diversos, desde aspectos como condições básicas para reformulação de fronteiras do mercado até elementos críticos. Porém, as duas apresentam aspectos comuns, quais sejam, tornar a concorrência irrelevante e criação de novos mercados, sendo isto o mote mais forte para o desenvolvimento e estruturação deste quadro. Na tentativa de formular uma análise para comparar a inovação disruptiva e a estratégia do oceano azul, surge a necessidade de identificação de alguns critérios mínimos que permitam uma referência, sobre a qual cada uma possa ser comparada. Assim, parece-nos relevante avaliar sobre os seguintes aspectos: · TECNOLOGIA – apesar das evidências da relevância do papel da tecnologia no que tange à inovação e às formulações de estratégias organizacionais, nosso intuito aqui é de investigar se essa variável é fundamental para o desenvolvimento de inovações e estratégias. · INOVAÇÃO – um dos tópicos trata diretamente dessa variável – inovações disruptivas, porém investigouse se isso se torna relevante também no que diz respeito à estratégia do oceano azul. · ESTRATÉGIA – verificar se cada um dos aspectos analisados possibilita uma definição clara das estratégias envolvidas nas organizações que os implementam. · MERCADOS – averiguar se cada um dos critérios sob análise leva em conta, e em que medida, os mercados para formular suas táticas. · CLIENTES – investigar se os critérios analisados levam em conta em que grau, os clientes estão para instituir suas estratégias. 17 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 · NÃO-CLIENTES – analisar se os critérios pesquisados levam em conta e em que grau, os nãoclientes estão, na formulação de suas estratégias. · CUSTOS – avaliar se os custos interferem nas formulações das estratégias a ponto de serem diferenciais competitivos e · EMPRESAS LÍDERES – avaliar se as empresas líderes são ameaçadas ou não em suas posições pelas empresas estreantes e se essas são o alvo das estreantes. · DIFERENCIAÇÃO – verificar se a diferenciação é uma variável que influencia na formulação das estratégias nos critérios analisados e até que ponto o grau de diferenciação pode ser uma vantagem competitiva. · EMPRESAS ESTREANTES – verificar se as empresas estreantes têm possibilidade de derrotar as empresas líderes e se esse é seu objetivo. No quadro 01 é feita a comparação entre as duas abordagens, a partir das variáveis definidas para análise. · PRODUTOS – investigar como os produtos serão aceitos pelos clientes e não-clientes. VARIÁVEIS PARA ANÁLISE TECN OL OGIA ABORD AGENS INOVAÇÃO DISRU PTIVA ESTR AT ÉGIA D O OCEANO AZUL Quand o as inovações são em p rodu tos, Quan do as empresa s procuram têm g ra u de importância e levado; se as estab elecer um ocean o azu l a pa rtir de inovaç ões sã o e m mo de lo s de n egócio s, produtos ou serviços ofere cid os, a seu grau de impo rtância é re lativame nte imp ortância é eleva da, decrescend o me no r. qua ndo se trata de m od elo de negóci os. Ne sta aborda gem é fundamen al, pa rtindo D epende , p ois qua nd o se trata de do pressuposto que so me nte as INOVAÇ ÃO inovaç ões é que contam . T ornam-se destruiçõe s criativa s na lóg ica redução d e cu stos pa ra criar u m ocenao azul, nem semp re a s inovaçõ es sã o tão imp ortante s. Porém, q ua ndo se tra ta de dife rencia ção , a i no vação po de assu mir pap el fu nd amen tal. As emp re sas b uscam des en volve r a inovação de valor. A de fini ção de e stratégia s para d istanciarse do s compe ti do res permite criar de inovação a emp re sa irá de sen vol ver. esp aço s onde, pe la d ificulda de de imitação, a emp re sa p ossa "navegue" em Gra u de importâ nci a el eva do . seu Ocenao Azul. Co nsidera os mercados, sob re tu do a C ria mercad os busca nd o setore s alternativos e e xam ina nd o fornecedores e parte de b aixo, mui to imp ortante . Por grupos estra tégicos d en tro d os seto res. veze s, cria no vos m ercad os, bu scando os Ve rifica as ofe rtas de preço s e prod utos e os ap elos fun cionais d e potenciais não-consumidore s. com prado res. Os cl ientes meno s exigentes são o foco. Sch ump eteriana. Parte da e stratégia para d efin ir que tipo ESTRATÉGIA MERC ADOS C LIEN TES N ÃO-C LIEN TES Poré m, consid era qu e em tod o merca do há po ssibi lida des de melho ria s a serem utili za das pelos cli entes. Busca os não-clien tes e clientes me nos exi gentes. As emp resas líde res sofre m efeito Os cliente s ma is exig en te s são o foco. Bu sca os não-clie ntes, mas d as fai xas de cima do m ercad o. paralisante, po is se vol ta m às i novaçõ es EMPRESAS L ÍD ERES sustenta do ras, que redun da m em em Sã o ig no radas, tornand o-se irrelevantes. produto s mel ho res e a preço s m ais a ltos para clientes ma is atraentes. Ma ior p ro ba bi lida de de vencer quand o o EMPRESAS ESTREANTESdesafio é co me rcia lizar pro dutos ma is simple s e con ven ie ntes. PRODUTOS Parte de p rodutos no vos e mais sim ple s. Parte da lógic a de oferece r p roduto s de Estabel ecem seu Ocea no Azul. Pa rte de produtos n ovo s, mas mais sofistica do s. Pro cura a liar a estratég ia de lid eran ça e m custos co m difere nci ação. Po rém, nã o C UST OS D IFERENCIAÇÃO estab elece a precificação ma is ba rata me no re s custos. A diferenciação consiste de simplificar, ofe recendo , p or vezes, menos atrib utos com maior fu ncionalid ad e. com fator p rincipa l de com peti tivi dade. Pro cura "captura r" a situa ção d o mercado para d escobrir quais a tributos são essencia is à d ifere nci ação. Quadro 01 – Análise comparativa entre Inovação Disruptiva e Estratégia do Oceano Azul. 18 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 Salienta-se que a proposta de análise apresentada não objetiva exaurir o tema em estudo; pelo contrário, busca apresentar questões incipientes para fomentar o debate a partir de aspectos considerados relevantes. As variáveis colocadas para a comparação entre as Inovações Disruptivas e A Estratégia do Oceano Azul também poderão sofrer alterações e mais outras variáveis poderão ser adicionadas, conforme novos estudos se associarem a este. 4 CONSIDERÇÕES FINAIS A realização deste estudo possibilitou a identificação de aspectos relevantes na análise da Inovação como fator de competitividade e sustentabilidade organizacional. Primeiro, a caracterização da tecnologia como resultado do acúmulo do conhecimento em indivíduos e na organização que, associado aos dispositivos intangíveis e físicos, proporciona evoluções nas capacidades da firma em desenvolver novos produtos e serviços ou melhorar os existentes. Segundo, os não clientes que geralmente não são considerados pelas organizações ou se o são, caracterizam-se como um “peso.” Neste estudo, percebeuse que os não clientes formam mercados interessantes e que podem gerar parcelas significativas de faturamento quando as empresas conseguirem chegar até eles, seja através de produtos menos sofisticados com preços mais atrativos ou pela diferenciação. Por fim, este estudo poderá contribuir e desafiar a realização de outras pesquisas, procurando aplicar esta ferramenta comparativa em estudos de caso em empresas que se diferenciaram ou desenvolveram Inovações Disruptivas, investigando como este processo se deu e, ainda, como as empresas poderão criar seus Oceanos Azuis, através da inovação pela geração de valor e diferenciação em custos. Considera-se, também, que as duas estratégias poderão ser utilizadas conjuntamente para análise em estudos conforme referido e também para o desenvolvimento de estratégias que possibilitem às empresas abandonar a arena da competição dos Oceanos Vermelhos, navegando, pelo menos temporariamente, em Oceanos Azuis, criando uma cultura de inovação permanente. Entende-se que os Oceanos Azuis podem ser passageiros,;entretanto, acredita-se que a cultura de inovação inserida na estrutura das organizações lhes permita se reinventar para criar novos e repetidos Oceanos Azuis com e/ou através de Inovações Disruptivas. REFERÊNCIAS AAKER, D. A. Administração estratégica de mercado. 5 ed. Porto Alegre: Bookman, 1998. A ANSOFF, I. & McDONNELL, E. J. Implantando a administração estratégica. 2 ed. São Paulo: Atlas, 1993. ARIFFIN, N.; BELL, M. Firms, politics and political economy:patterns of subsidiary-parent linkages and technological capabilitybuilding in electronics TNC subsidiaries in Malaysia. 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Em relação à concorrência, se comparados, os produtos podem ser considerados como equivalentes em qualidade, mas o preço final ao consumidor é mais interessante. O trabalho trata do estudo de mercado em sua maior abrangência para assim definir suas potencialidades e meios de inserção desta nova empresa. Para este estudo foi utilizada a coleta de dados das fontes oficiais e posteriormente analisados, obtendo-se, desta forma, o consumo per capita dos produtos, a previsão de quanto a empresa poderia faturar de acordo com a fatia de mercado a ser atingida e quantas consultoras de vendas seriam necessárias para a inserção da empresa. been chosen from the Northwest Regionof the state of the Rio Grande do Sul:Três de Maio, Santa Rosa, Santo Ângelo and Ijuí. These cities had been taken by base because the franked company demands a minimum number of inhabitants for the area of performance to make it available. The products to be commercialized are distributed through the country and the headquarter is in the North-eastern region. In relation to the competition, if compared, the products can be considered as equivalents in quality, but the final price to the consumer is more interesting. The work deals with the study of market in its bigger enclose to define its potentialities and ways of insertion of this new company. For this study the collection of data of the official sources was used and later analyzed, getting itself, in such a way, the per capita consumption of the products, the forecast of how much the company could invoice in accordance with the slice of market to be reached and how many consulting of sales would be necessary for the insertion of the company KEYWORDS: Potential of Market – Sales Foresight - Sales Force. INTRODUÇÃO Palavras-chave: Potencial de Mercado – Previsão de Vendas – Força de Vendas. ABSTRACT The present article is about a study of the potential of market of a company in the commerce and cosmetic distribution. For this study four cities of the Region had Com o aumento da competitividade, as empresas sentem necessidade de planejar suas ações e se adaptarem rapidamente às modificações, tornando-se cada vez mais competitivas, garantindo sua permanência no mercado. Conhecer o mercado é reconhecer que a concorrência está aí e, se as empresas não estiverem atentas às ações das mesmas, muitos esforços de conquista de seu espaço podem deixar de ter o efeito desejado. 1 Acadêmica do Curso de Bacharelado em Administração da SETREM. Acadêmico do Curso de Bacharelado em Administração da SETREM 3 Acadêmico do Curso de Bacharelado em Administração da SETREM 4 Mestres, professores orientadores do Trabalho de Conclusão de Curso do Bacharelado em Administração da Sociedade Educacional Três de Maio – SETREM. 2 21 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 O marketing é responsável por impulsionar toda a empresa para ser orientada para o consumidor e para o mercado, tendo em vista que devem ser estabelecidos planos para conquistar e manter consumidores. Em razão de muitos fatores afetarem a satisfação do consumidor, o marketing deve trabalhar muito para assegurar-se de que o restante da empresa atenda às expectativas dos consumidores. O trabalho do marketing é analisar o mercado, identificar oportunidades, formular estratégias, desenvolver táticas e ações específicas, propor orçamento e estabelecer um conjunto de controles. Tendo em vista que o setor de cosméticos no Brasil cresceu, em média, 6% ao ano nos últimos dez anos, e que tem uma alta capacidade de geração de empregos relacionados com a comercialização dos produtos, o presente trabalho, baseado no marketing, foi desenvolvido com o objetivo de analisar o mercado de produtos de beleza do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, para identificar o potencial desse mercado, seu potencial de vendas, a previsão de vendas e, a partir daí, formular uma estratégia ampla de penetração do mercado, definindo um composto de marketing específico, incluindo a necessidade de força de vendas, para otimizar desempenho a longo prazo. SETOR E MERCADO DE COSMÉTICOS NO BRASIL A seguir será apresentado o setor do mercado de cosméticos no Brasil conforme informações da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos – ABIHPEC, conforme o site: http:// w w w. a b i h p e c . o r g . b r / c o n t e u d o / m a t e r i a l / apresentacaosetor_2005_2006.pdf . A Indústria Brasileira de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos apresentou um crescimento médio deflacionado composto de 11,5% nos últimos cinco anos, tendo passado de um faturamento líquido de impostos sobre vendas de R$ 9,7 bilhões em 2002 para R$ 17,5 bilhões em 2006. O crescimento em dólares em 2004 e 2005 foi influenciado pela desvalorização do real, na média do ano, em relação ao dólar de 3,9% em 2004 e 17,7% em 2005, além do crescimento real vigoroso do mercado interno de 13,4% e 14,2%, respectivamente, em 2005 e 2006. DESEMPENHO DO SETOR DE HIGIENE PESSOAL, PERFUMARIA E COSMÉTICOS; R$ X US$ O estudo apresenta a empresa franqueadora como escolhida para a penetração de mercado, sendo que a decisão por esta empresa ocorreu por causa de seu espírito empreendedor e ser destaque nacional no setor. Eis alguns fatores: - Baixo investimento na compra e manutenção de franquia. - Sistema misto de vendas, permitindo venda direta e lojas. - Destaque nacional e reconhecimento através do recebimento de prêmios de qualidade e empreendedorismo. - Produtos diferenciados focados nas classe de população em estudo. - Sistema diferenciado de acompanhamento e gestão ao distribuidor. - Marca não conhecida na região e com total preferência e exclusividade. - Diferencial de acompanhamento, capacitação e flexibilidade de negociação ao distribuidor e consultoras finais. - Estabelecimento de plano de crescimento, incentivos e carreira de forma clara e atingíveis. Fonte: http://www.abihpec.org.br/conteudo/material/ APRESENTACAO_2006_2005.pdf Vários fatores têm contribuído para este excelente crescimento do setor, dentre os quais se destacam: - Participação crescente da mulher brasileira no mercado de trabalho. - Utilização de tecnologia de ponta e o conseqüente aumento da produtividade, favorecendo os preços praticados pelo setor, que tem aumentos menores do que os índices de preços da economia em geral. - Lançamentos constantes de novos produtos atendendo cada vez mais às necessidades do mercado. - Aumento da expectativa de vida, o que traz a necessidade de conservar uma impressão de juventude. CRESCIMENTO DO SETOR VERSUS CRESCIMENTO DA ECONOMIA Com exceção do ano 2004, o País apresentou índices baixos de crescimento econômico nos últimos 22 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 anos. O quadro a seguir compara a evolução do Produto Interno Bruto com a da indústria em geral e com os índices da Indústria de Produtos de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos, demonstrando que o setor apresentou, neste período, crescimento bem mais vigoroso que o restante da indústria (11,5% de crescimento médio no setor contra 2,5% do PIB Total e 3,4% da Indústria Geral): VARIAÇÃO PERCENTAGEM ANUAL DO SETOR EM Fragrâncias As fragrâncias possuem o maior faturamento no segmento feminino. Desta forma, reforça-se o conceito de que as mulheres são as grandes consumidoras em função de sua vaidade e cuidados especiais com sua estética, contribuindo de forma expressiva no desempenho deste segmento. Fonte: http://www.abihpec.org.br/conteudo/material/ APRESENTACAO_2006_2005.pdf DIAGNÓSTICO DO SETOR O setor de cosméticos no Brasil tem uma representação significativa no mercado internacional em que a cada ano que passa o crescimento surpreende os analistas. Em 2006 o país passou a ocupar a terceira colocação e vem aos poucos tendo reconhecimento não apenas em volumes de produtos, mas sim em qualidade também. Em conjunto com o crescimento do setor em volume de produtos vem junto o aumento de oportunidades de trabalho, ao qual propicia às pessoas uma outra fonte de renda, sendo esta, a venda direta, que mais tem crescimento nos últimos anos. Tanto no volume de produtos, quanto no valor, a venda direta ao consumidor ultrapassa os 70%, sendo este o principal canal de participação na categoria de fragrâncias. Faturamento entre o público masculino, feminino e infantil Fonte: http://www.abihpec.org.br/conteudo/material/fragrancias.pdf 23 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 Categoria masculina A maquiagem em termos de volumes comercializados apresenta maior freqüência na venda tradicional, porém a venda direta representa uma grande fatia deste mercado e há expectativas de franco crescimento ano após ano. Em termos de valores, a venda direta é que tem maior participação, ultrapassando a casa dos 60%; isso representa maiores oportunidades de ganhos financeiros das pessoas envolvidas em relação às outras categorias. Cuidados com a pele De acordo com a ABIHPEC, conforme o site: http:/ / w w w. a b i h p e c . o r g . b r / c o n t e u d o / m a t e r i a l / apresentacaosetor_2005_2006.pdf no item cuidados com a pele a venda tradicional tem maior participação, mas a venda direta tem participação importante, ultrapassando os 40%. O canal de distribuição em volume de produtos ocorre com maior freqüência de forma tradicional, porém a venda direta também contribui significativamente, chegando próximo na casa dos 40%. Em termos de volumes financeiros, é na venda direta ao consumidor que está a maior representatividade; para tanto, analisa-se que para a empresa em estudo reforça as expectativas na formulação de seu plano de marketing, visto que são comercializados poucos produtos, mas com uma margem de lucratividade alta. Categoria infantil Os valores comercializados na venda direta correspondem a uma fatia expressiva, ressaltando que esse tipo de comércio tem destaque importantíssimo na participação do giro financeiro que ocorre nesta categoria. Na categoria infantil os perfumes e colônias possuem uma concentração de faturamento expressiva. Como o direcionamento da empresa está de acordo com esta linha, torna-se importante ressaltar que geralmente são as mães das crianças que efetuam as compras destes produtos. 24 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 Fonte: Site: www.sbc.org.br; capturado em 23 de março de 2007; www.ipea.gov.br; capturado em 13 de março da 2007; www.ibge.gov.br capturado em 12 de março de 2007. Fonte: Site: www.sbc.org.br; capturado em 23 de março de 2007; www.ipea.gov.br; capturado em 13 de março da 2007; www.ibge.gov.br capturado em 12 de março de 2007. É por meio da venda tradicional que ocorre o maior volume em vendas e valores comercializados; isto ocorre em função de existirem ainda poucas opções disponíveis nas outras formas de comercialização, tanto de venda direta quanto na forma de franquia. No presente estudo a categoria infantil também possui significância, em função de que a empresa em estudo comercializa produtos para este público. Fonte: Site: www.sbc.org.br; capturado em 23 de março de 2007; www.ipea.gov.br; capturado em 13 de março da 2007; www.ibge.gov.br capturado em 12 de março de 2007. DISCUSSÃO E APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS DIAGNÓSTICO DO POTENCIAL DE VENDAS DO SETOR DE COSMÉTICOS Inicialmente, efetuou-se um estudo sobre os dados demográficos e econômicos dos quatro municípios escolhidos, baseado em dados oficiais. Esta análise é importante para o diagnóstico e análise de potencial. Estes são os números: Segundo dados oficiais do IBGE, o Produto Interno Bruto (PIB) apresentado em 2006 pelos quatro municípios em estudo apresenta valores diferentes, demonstrando potenciais diversos para um estudo mercadológico. Neste estudo, levou-se em conta o cálculo de potencial de vendas descrito por DIAS (2006) que envolve o cruzamento dos seguintes dados: - População X Renda Per Capita Fonte: Site: www.sbc.org.br; capturado em 23 de março de 2007; www.ipea.gov.br; capturado em 13 de março da 2007; www.ibge.gov.br capturado em 12 de março de 2007. Para a previsão de vendas, utilizou-se o cruzamento de dados da figura seguinte, de acordo com o site: http:// www.ipib.com.br/ranking/pesquisavalestados. asp e http:/ /www.abihpec.org.br/noticias_ultimas_noticias.php, onde se encontram os dados de origem para a formulação do cálculo. 25 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 PREVISÃO DE VENDAS F aturamento do Setor de Cosméticos no estado do Rio Grande do Sul P opulação do Rio Grande do Sul P opulação da Região Três de Maio, Santa Rosa, Santo Ângelo e Ijuí P ercentual de Participação de Mercado Cuidados de Pele 9% Maquilagens 6% R$ 233,99 2.509.835.413,65 = 10.726.063 Valor de Consumo Per Capita 240.813 = R$ 56.347.833,87 x 233,99 P revisão de Vendas 15.777.393,48 28% = R$ x R$ 56.347.833,87 P revisão de Vendas Fragrâncias 13% F atia de Mercado a ser Atingida 3% R$ 473.321,80 x = R$ 15.777.393,48 F aturamento A nual Conforme análise, os quatro municípios em estudo são tomados por base em função de suas localizações e por serem cidades referência para uma possível expansão da empresa. Na descrição e quantificação da fatia de mercado a ser atingida, dotada de 3%, destaca como necessária e atingível. Uma penetração menor de 3% não resultaria em visualização e reconhecimento da marca e seus produtos no mercado. A colocação de um percentual maior traria maiores investimentos demandando a inviabilidade financeira inicial prevista. POTENCIAL DE MERCADO E PERSPECTIVA DE VENDAS *O valor base adotado como parâmetro de vendas a ser considerado na venda por consultoras/mês leva em conta índices da franquia. Segundo e empresa, a média estabelecida no país pelas empresas no setor é que a partir da “maturação” da vendedora estabelecido em seis meses, esta passa a viabilizar com um venda de R$1.000,00/mês. Para dados iniciais, considera um valor menor de R$ 545,00. De acordo com toda a população da região que é de 240.813 pessoas, a cidade de Três de Maio corresponde a 10%, Santa Rosa 27%, Santo Ângelo 31% e Ijuí 32%. Conforme a renda per capita de cada município que distribuída seria de 24%, 33%, 18% e 25%, respectivamente, o cálculo do potencial de mercado é a soma da população mais a renda per capita dividida por dois. Para tanto, verificou-se que o maior potencial de mercado está nas cidades de Santa 26 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 Rosa e Ijuí, com 30% e 29%, respectivamente. Com uma estimativa modesta, as 72 consultoras necessitam vender produtos no valor de R$ 545,98 para atingir a fatia de mercado projetada de 3% para esta marca de cosméticos nos quatro municípios em estudo. ESTABELECIMENTO DA FORÇA DE VENDAS Conforme análises realizadas com o cenário nacional, no presente trabalho foram levadas em conta o volume total de vendas no Brasil no setor em estudo. A partir da definição de atuação com um percentual de participação de mercado em 3%, realizou-se o cálculo a seguir descrito. A definição do número de consultoras se procedeu a partir da multiplicação do número de habitantes pelo percentual da fatia de mercado dividido por cem. Conforme a figura anterior, deverá haver 72 consultoras a fim de atingir os 3% do mercado de cosméticos nos municípios mencionados. Esta força de venda, embasada nas ferramentas de inserção e desenvolvimento, garantirá uma atuação visível e viável para os produtos da marca. CONSIDERAÇÕES FINAIS Desenvolver um negócio desafia administradores em seus estudos através de alternativas, mercado e índices financeiros e econômicos para a tomada de decisão. Uma empresa gerida de uma idéia, e por mais empreendedora que sejam seus criadores, sempre existe mesmo que implicitamente, um estudo de probabilidades de resultados e cenários. Apresentar um projeto através de um estudo de mercado mune o administrador para a sua tomada de decisão com ferramentas reais de análise de investimento e opções para ingresso no mercado. Avaliar o cenário em estudo através da busca de dados secundários, responsabiliza a coleta para obter confiabilidade através de dados oficiais e capazes de satisfazer as necessidades demandadas. No referido estudo realizado, através do conhecimento do mercado, a instalação de uma empresa prescinde finalmente do grau empreendedor de seus idealizadores. O estudo levantou o tamanho do mercado e potencial de venda para a empresa na área geográfica avaliada. O trabalho estudou a força de venda necessária apresentando um plano de ação para a sua inserção na região estudada. Analisar, adaptar e realizar cada ação até a concretização de um negócio leva tempo, agilidade, habilidade e conhecimento. O trabalho buscou reunir informações confiáveis e reais com uma proposta consciente de implantação da empresa no mercado estudado. A efetiva realização da proposta parte do empreendedorismo administrativo de seus interessados, mas as ferramentas buscadas tornam fonte de argumentação e decisão para o negócio se tornar real. Quanto mais forem tomadas decisões de forma profissional, argumentada em dados concretos e com ações de gestão administrativa, cada administrador torna um elo mais importante no mercado. Cabe a cada profissional da área absorver e contribuir para a assertividade e desenvolvimento de suas organizações e implantar novas idéias. REFERÊNCIAS AAKER, David. Pesquisa de Marketing. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2004. BLACKWEL, Roger. Comportamento do Consumidor. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005. BOONES, Louis E.; KURTZ, David L. Marketing Contemporâneo. 8 ed. Rio de Janeiro: LTC, 1998. CAIXETA-FILHO, José Vicente; GAMEIRO, Augusto Hauber. Transporte e Logística em Sistemas Agroindustriais. São Paulo, Atlas, 2001. CZINKOTA, Michael R. et al. Marketing as Melhores Práticas. Porto Alegre: Bookman, 2001. DIAS, Sérgio Roberto. Gestão de Marketing. 1 ed. São Paulo. Editora Saraiva, 2006. ETTINGER, Karl E. Distribuição e Vendas, Pesquisas e 27 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 Relações Públicas Glossário de Direção, Organização e Administração. 5 ed. São Paulo: Brasiliense S.A., 1974. KOTLER, Philip. Administração de Marketing: análise, planejamento, implementação e controle. 5 ed. São Paulo: Atlas, 1998. KOTLER, Philip. Marketing. Edição Compacta. São Paulo: Atlas, 1990. LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Andrade. Fundamentos da Metodologia Científica. São Paulo: Atlas, 1991. LOVATO, Adalberto; EVANGELISTA, Mario Luiz S.; GULLICH, Roque Ismael da Costa. Metodologia da Pesquisa Normas para apresentação de Trabalhos: Redação, Formatação e Editoração. Três de Maio: Sociedade Educacional Três de Maio, 2005. MATTAR, Fauze. Pesquisa de Marketing. 2 ed. Edição Compacta. São Paulo: Atlas, 2000. MCKENNA, Regis. Estratégias de Marketing em tempos de crise. 5 ed. Rio de Janeiro: Campus, 1989. MINAYO, Maria Celcília de Souza; DESLANDES, Suely Ferreira; NETO, Otavio Cruz; GOMES, Romeu. Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. Rio de Janeiro: Vozes, 1994. OLIVEIRA, Silvio Luiz de. Tratado de Metodologia Científica. 2 ed. São Paulo: Pioneira, 1999. http://www.abihpec.org.br/noticias_ultimas_noticias.php, pesquisado no dia 6 de março de 2007. h t t p : / / w w w. b l e s s c o s m e t i c s . c o m . b r / s i t e / c o n t e u d o / institucional.aspx. Acesso em 1 de março de 2007. http://www.ibge.gov.br. Acessado em 12 de março de 2007. http://www.ipea.gov.br. Acessado em 13 de março de 2007. http://www.ipib.com.br/ranking/pesquisaValEstados.asp. Acesso em 16 de abril de 2007. http://www.mundomulher.com.br/mostra.asp?cod=3645. Acesso em 11 de março de 2007. http://www.portalmunicipal.org.br. Acessado em 23 de março de 2007. http://www.provadefogo.com.br/enredo.php, Acesso em 11 de março de 2007. http://www.sbc.org.br. Acesso em 23 de março de 2007. 28 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 ANÁLISE DO LIVRO DIDÁTICO DE MATEMÁTICA UTILIZADO EM ESCOLAS PÚBLICAS Elizangela Weber 1 UNIJUÍ 2 RESUMO O trabalho expõe a problemática do livro didático e como este foi inserido na sala de aula, bem como um estudo teórico sobre o tema. Foi pesquisado nas escolas públicas de Ensino Fundamental, a importância do livro para a aprendizagem, como é feita sua escolha, e se é o único recurso utilizado em sala de aula ou é complementado de outros meios, entre outras observações relevantes. Por fim, a análise documental se deu com base nos livros utilizados pelos professores, quanto a seu conteúdo, a adequação de sua linguagem, erros ortográficos, de concordância, erros conceituais e metodológicos e, principalmente, se este condiz com a realidade da sociedade em que está inserido, levando em consideração os aspectos pedagógicos, ideológicos, econômicos, políticos e religiosos. Sendo assim, está apresentada a polêmica com relação ao livro didático, que certamente não resolverá suas eventuais falhas, porém possibilitará a sugestão de novas propostas tanto para a sua elaboração quanto sua utilização em sala de aula. Palavras Chave: Livro didático, ensinoaprendizagem, análise. ABSTRACT The work exposes the problem of the textbook and as how it was inserted in the classroom, as well as a theoretical study on the theme. It was researched at the public schools of Elementary Level, the importance of the book for the learning, as its choice is made, and if it is the only resource used in the classroom or it is complemented of other ways, among other relevant observations. Finally, the documental analysis was done with base in the books used by the teachers, as its content, the adaptation of its language, spelling, agreement, conceptual and methodological mistakes, and, mainly if it appropriate with the reality of the society in which it is inserted, taking into account the pedagogic, ideological, economical, political and religious aspects. Being like this, the controversy is presented regarding to the textbook, that certainly won’t solve their eventual fails, but it will make possible the suggestion of new proposed as to its elaboration as its use in classroom. Key words: Textbook, teaching-learning, analysis. 1 INTRODUÇÃO Este texto debate o uso do livro didático nas aulas de Matemática, devido à grande quantidade de erros encontrados em análise de coleções de livros utilizados na escola pública. O ensino da matemática incentiva o aluno a construir suas idéias, refletir, concluir; enfim, contribui para sua formação intelectual e, portanto, equipando-o para exercer a cidadania. Todavia, para que os aprendizes sejam cativados pela educação matemática é preciso aumentar a participação destes na produção do conhecimento, atendo-se menos a regras e técnicas sem sentido. Para isso, o professor precisa passar por uma prática reflexiva de seus métodos e pela formação continuada. O educador precisa ter uma postura reflexiva e crítica, capaz de mostrar que não basta adotar um livro didático em sala de aula para que as crianças aprendam. É preciso tomar decisões particulares e coletivas, baseadas em uma sólida bagagem conceitual, possibilitando a formação de crianças autônomas, capazes de diferenciar formas de apresentação e de elaborar idéias para novos problemas diferentes dos trabalhados na escola. Para tanto, o Ministério da Educação e Desporto elaborou, em 1998, os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs, propostas educacionais para orientar os professores mediante a apresentação de formas e currículos, embasados nos pressupostos básicos da Lei 1 Licenciada em Matemática pela URI, Especialista em Metodologia do Ensino de Ciências e Matemática pela EDUCON, Mestranda em Modelagem Matemática, Bolsista da CAPES pela UNIJUÍ, [email protected]. 2 Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, Rua São Francisco, 501 – Bairro São Geraldo, Ijuí – RS, e-mail: [email protected] 29 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB nº9.394/ 96). No contexto da inovação curricular proposta pelos PCNs, Brasil (1998), uma questão importante é a possibilidade de implementação de algumas de suas orientações conceituais e procedimentais quando o livro didático é assumido pelos professores como fonte quase única de preparação de aulas, influenciando no processo de aprendizagem do aluno. Desta forma, dar-se-á nesta monografia ênfase para a questão acima apresentada, referindo-se ao ensino da matemática de 5ª a 8ª séries. “insere-se em um rol de medidas visando à reestruturação e o controle ideológico de todo o sistema educacional brasileiro” (1989, p.24). Conforme Freitag; Costa; Motta (1989, p. 131), o decreto refletiu no trabalho do professor, fazendo com que: [...] o professor não somente se contenta com o que tem como ainda o idealiza, fazendo do livro didático não um entre outros, mas o seu único instrumento de trabalho. [...] Os professores passam a respeitar a palavra escrita do livro como árbitro último, submetendo-se docilmente ao seu conteúdo psicopedagógico e ideológico. 2 METODOLOGIA Güllich (2004, p. 43-44) complementa: As decisões e escolhas metodológicas e didáticas, bem como as opções acerca do conteúdo a ser estudado, a determinação dos objetivos e das metas a serem alcançados na pesquisa pedagógica e as formas de análise do livro didático estão sempre ancoradas no contexto educacional da escola. Na busca de uma pesquisa que nos permite uma visão mais ampla do papel do livro didático na sala de aula e possibilite uma análise comparativa das concepções de ensino-aprendizagem do livro didático com as propostas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs, optouse por realizar uma revisão bibliográfica sobre a história e implantação do livro didático no Brasil e as avaliações do livro ao longo dos anos. Em seguida foi realizada a pesquisa das coleções utilizadas nas escolas públicas de Ensino Fundamental – séries finais do município de Giruá-RS. Após conseguir as coleções, foi realizada a análise destas, onde foram encontrados erros ortográficos, inadequações de conteúdos e linguagem, concordância, erros conceituais e metodológicos. Nesta proposta, analisou-se, ainda, se os conteúdos contidos nos livros condizem com as propostas dos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs para cada ciclo e se estes alcançam os objetivos do mesmo. 3 A AVALIAÇÃO DO LIVRO DIDÁTICO No mesmo período em que surgiu o Livro Didático, cria-se também a Comissão Nacional do Livro Didático – CNLD, à qual cabia julgar, examinar e indicar os livros didáticos a serem adquiridos pelo governo e usados nas escolas. Isto ocorria sem a participação efetiva da comunidade escolar e/ou de profissionais da área da educação. Tratava-se de algo imposto de forma hierárquica. No Estado Novo, essa Comissão tinha mais o objetivo de ratificar a ideologia nacionalista e a função de um controle político e ideológico, do que propriamente a função didática. Freitag; Costa; Motta consideram que a criação da CNLD [...] os livros didáticos são documentos que expressam de forma oficial o ensino no Brasil, pois, têm o aval do PNLD (Programa Nacional do Livro Didático), o que lhes permite na maioria das vezes ditar o currículo ensinado nas escolas de todo o país. Em 1960 ocorre o acordo MEC/USAID (este último, representante dos interesses estadunidenses), que faz com que o MEC passe a ter o controle do mercado dos livros didáticos em termos de distribuição e consumo, ao passo que o governo estadunidense adquire o controle ideológico do material produzido. Esse era um contrato de colaboração e participação na produção de livro didático. Com isso, há uma forte estatização na política e no mercado destes livros. Percebe-se que, na época, as diversas instituições não têm forças para influenciar na política estatal do livro didático, totalmente dependente e controlado pelo Estado, que escolhia o conteúdo, indicava, encomendava e distribuía os livros. Já em outros países associações de pais, professores, alunos, enfim pessoas da comunidade escolar, participavam ativamente na escolha do conteúdo do livro didático. É pertinente discutir a natureza da política que envolvia o livro didático. Nesse período ela era centralizada no poder estatal. A questão da centralização ou não da política do livro didático tem diversos pontos positivos e negativos. Os que defendem a centralização estatal argumentam que há vantagem da racionalização do material e distribuição. Já os que defendem a descentralização colocam que o processo centralizador é mais passível de corrupção, pois fica restrito a pequenas esferas de decisão sem um maior controle social efetivo; é mais burocrático, pois para ser gerenciado em nível tão grande como o nacional, requer uma forte organização, visto que a realidade demonstra uma tendência à burocratização. Estes últimos também argumentam que a descentralização possibilita uma maior democratização 30 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 na seleção do material didático, seu conteúdo, forma de distribuição, uso. Com essa democratização, há tendência à regionalização, respeitando as especificidades lingüísticas, culturais e sociais da comunidade que dele se utiliza. Porém, com isso, corre-se o risco de aumentar as desigualdades regionais existentes, segundo a postura dos que defendem a centralização. Por outro lado, os que defendem a descentralização afirmam que esta permitiria, facilitaria a sua adaptação às realidades regionais e às necessidades de aprendizagem dos alunos dentro da região em que vivem. Sobre a regionalização e aproximação do livro didático à realidade do aluno, Silva (2000, p. 38) afirma: Diante da concepção de que as editoras são simplesmente empresas capitalistas, que colocam o lucro acima de tudo e que, por isso, se beneficiam com a produção do livro descartável ou consumível e até com produção de livros não consumíveis, seria temerário imaginar um LD regional, saído das editoras, com qualidades física e pedagógica satisfatórias. Também seria temerário imaginar que, por iniciativa das mesmas editoras, os livros viessem a ter formulação do seu conteúdo entregue à responsabilidade de equipes técnicas e de autores locais. Em relação à qualidade do livro didático, é importante remeter a 1938, 1969 e 1984, quando foram criadas comissões para avaliar os livros produzidos pelas editoras. Essas comissões se deram em âmbito nacional e estadual. Quanto às primeiras comissões, vale ressaltar que não havia critérios estabelecidos de avaliação, o que dificulta qualquer processo avaliativo. Os membros dessas comissões eram especialistas contratados pelo governo, podendo, assim, assumir a função de censores do Estado, por questões políticas, uma vez que dependem de uma indicação política para assumirem essa função. Em termos de competência técnico-científica, esses assessores não são melhores que professores, pesquisadores e alunos, tendo estes outros a vantagem de estar inseridos no processo educativo, no contato diário com o material didático e na realidade em que a escola está posta; portanto, mais aptos para falar dessa realidade, interferir e adequar o material didático às reais necessidades. O livro didático deve ser um material de apoio, ter espaço e abrir espaço para a reflexão e o questionamento da realidade e dos conhecimentos já adquiridos e sistematizados pela sociedade no decorrer histórico para, a partir dessa reflexão, construir novos conhecimentos e avançar nos já existentes. Atendendo em parte a sugestão de Freitag; Costa; Motta é instituído pelo Decreto 91.542, de 19 de agosto de 1985, o PNLD, Programa Nacional do Livro Didático: As duas posturas requerem uma série de cuidados, mas a que se mostra mais democrática e passível de atender às necessidades da comunidade escolar e da comunidade como um todo, já que uma das funções da escola é formar ou possibilitar a formação de cidadãos críticos e conscientes, de respeitar as especificidades de cada região ou grupos sociais é a postura descentralizadora. Experiência esta tentada em alguns países europeus e que tem mostrado resultados frutíferos. Art. 1º - Fica instituído o Programa Nacional do Livro Didático, com a finalidade de distribuir livros escolares aos estudantes matriculados nas escolas públicas de 1º Grau. Art. 2º - O Programa Nacional do Livro Didático será desenvolvido com a participação de professores do ensino de 1º Grau, mediante análise e indicação de títulos dos livros a serem adotados.(DECRETO 91.542/1985) Enquanto esta postura não é inserida em nosso cronograma, observa-se a necessidade da substituição do livro didático ou de sua complementação com outros recursos alternativos, na sala de aula: Este sistema foi implantado para analisar os livros didáticos, seguindo normas definidas por pesquisadores de diferentes áreas da educação escolar e regimentadas pelos órgãos competentes, tais avaliações têm influenciado na formação de professores, na reorganização das estratégias de ensino e no trabalho pedagógico da escola. Enfim, entende-se que esta análise deve abranger desde os parâmetros curriculares até a prática em sala de aula. [...] contudo, os desentendimentos sobre a política de regionalização e suas modalidades e sobre as condições reais de criação, produção e utilização de novos recursos didático-pedagógico aumentam as dificuldades de dispensa do LD tradicional na sala de aula da rede pública do ensino fundamental, onde o livro continuará tendo, não se sabe até quando, o seu lugar garantido.(SILVA, 2000, p.39) Além do objetivo de buscar a melhoria da qualidade do ensino, o PNLD direciona-se a aprimorar a qualidade pedagógica e física dos livros utilizados pela rede de ensino e promover a reutilização dos livros de 2ª a 8ª séries. As editoras justificam o uso do livro didático descartável argumentando que possuem um baixo custo 31 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 em altas tiragens; têm maior adequação ao professor; possuem atualidade pedagógica, já que são refeitos e podem ser revistos a cada ano. Quanto a esse último argumento, pode-se observar, analisando diversas edições de um mesmo título do livro didático, que o texto parece invulnerável ao dever histórico, logo não se altera nem se atualiza da forma como as editoras estão argumentando. Como o livro didático brasileiro é uma das poucas formas de documentação e consultas empregadas por professores e alunos, e a maioria destes apresentavam baixa qualidade, o MEC – Ministério da Educação cria uma comissão para avaliação, em 1993, formada por professores do Ensino Fundamental e por pesquisadores universitários. Comissão esta, que tinha como principais objetivos, avaliar a qualidade dos livros mais solicitados e estabelecer critérios gerais para avaliação das novas aquisições (lançamentos). As avaliações feitas pelo MEC, ou melhor, pela comissão destinada a ler, corrigir, apresentar soluções, enfim avaliar a qualidade do livro didático pelo seu caráter ideológico e discriminatório, sua atualização à realidade, incorreções teóricas e metodológicas, têm como tarefa classificar os livros em: excluído, não recomendado, recomendado com restrições e recomendado; porém, esta classificação não é apresentada ao professor na hora de este efetuar sua escolha. Após a primeira avaliação dos livros didáticos, feita pela comissão destinada pelo MEC no ano de 1994, o MEC modifica o processo de seleção e escolha do livro didático pelo PNLD – Programa Nacional do Livro Didático, criando em 1996 o Guia do Livro Didático, o qual apresenta as resenhas críticas que evidenciam os problemas e as qualidades do livro, avaliando assim sistemática e continuamente o livro didático brasileiro e ainda oportuniza debates entre os autores envolvidos em sua produção e consumo, em relação a suas características, funções e qualidades. Depois da instalação da comissão de avaliação e a criação do Guia do Livro Didático, as editoras têm selecionado melhor seus exemplares, as mudanças foram notórias tanto nos conteúdos quanto na maneira como estes são abordados. alcance dos alunos. Esta afirmação nos reporta ao contexto de discussão do uso do livro didático num país com pouco acesso à informação por alunos e professores, a qualidade da formação do professor, entre outros, que tornam o livro didático de fundamental importância na sala de aula e no processo de ensino-aprendizagem. Ao discutir o uso do livro didático, faz-se necessário apontar para a adequação da proposta por ele apresentada e à forma de utilização pelo professor. Ao utilizá-lo ou explorá-lo em planejamentos ou aulas propriamente ditas, o professor precisa fazê-lo com a consciência de que este é auxiliar ao processo e não pré-determinante deste. O professor, ao ensinar matemática, envolve métodos coerentes com o que acredita em termos de aprendizagem; isto é, métodos que permitem construir o conhecimento são desenvolvidos por professores que acreditam que aprender implica participação efetiva do aluno no processo. Este alicerçado na investigação, na comunicação entre os sujeitos e na argumentação, buscando compreensões. Quando os métodos utilizados são alicerçados na crença de que o aluno aprende ouvindo o que o professor fala ou simplesmente reproduzindo ações, os métodos serão coerentes com isso e o ensino terá ênfase no objeto do saber, chamando de ensino tradicional. O professor, ao realizar uma reflexão sobre o que é apresentado teoricamente na fonte de pesquisa em questão, estabelecerá a dimensão de sua influência na prática. Então, a adequação da proposta do livro, de exemplos e de exercícios, poderá ser feita mediante uma ação docente que valorize a significação dos conteúdos apresentados, mesmo que tal significação não seja evidenciada na fonte de pesquisa, no livro didático. Assim, de forma coerente com a concepção de ensino defendida pelo professor, o livro didático pode servir como um material de ajuda e consulta, sem prejudicar a autonomia do professor na gestão da sala de aula, sendo usado como um recurso pedagógico integrado a um processo de ensino e aprendizagem próprio e com características definidas pelos saberes docentes construídos e em constante construção. Sabe-se das reais condições das escolas, 4 A UTILIZAÇÃO DO LIVRO EM SALA DE principalmente as públicas, que não possuem um acervo AULA bibliográfico disponível, nem salas de estudo, materiais O livro didático deve ter o potencial de instruir, informar e divertir. Pode auxiliar no processo de ensinar e aprender, com uma orientação adequada para o desenvolvimento de habilidades que tornem o aluno sujeito de sua aprendizagem, considerando-o em sua integralidade. O livro didático é adotado em várias regiões de nosso país, em muitas delas é o único material de apoio utilizado pelos professores e fonte de conhecimento que está ao pedagógicos, enfim tanto as escolas se encontram em situação precária, quanto as condições de trabalho do professor, que geralmente possuem uma vida de correria e improvisações, carga horária excessiva, desvalorização salarial, afinal os professores se tornam escravos do trabalho. Em alguns estabelecimentos de ensino o educador deve seguir fielmente os “programas oficiais” impostos pelas autoridades, os quais muitas vezes, estão distantes das práticas escolares, dificultando a aplicação de didáticas 32 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 (ou o seu desvelamento) pela confrontação entre ela e a realidade (como de fato está sendo e não como o discurso oficial diz que ela é), realidade vivida pelos educandos e pelos educadores, percebemos a inviabilidade de uma educação neutra. A partir deste momento, falar da impossível neutralidade da educação já não nos assusta ou intimida. É que o fato de não ser o educador um agente neutro não significa, necessariamente, que deva ser manipulador (...). O que temos de fazer, então, enquanto educadoras ou educadores, é aclarar, assumindo a nossa posição, que é política, e ser coerentes com ela, na prática (FREIRE, 1987, p.28-9). diferentes de interesse dos alunos; além disso, ainda tem as editoras com suas estratégias de venda, exibindo “versão atualizada e ampliada” ou “contextualizado segundo os PCNs”. Diante de toda essa problemática, o livro didático passa a ser a opção de planejamento utilizada pelo professor, uma vez que apresenta facilidades, tais como apresentação dos conteúdos previamente distribuídos, apresentando orientações didático-metodológicas, com sugestões de como se pode trabalhar um determinado conteúdo, com respostas e soluções de exercícios propostos. Observa-se que nem sempre a boa vontade do professor é suficiente para que ele possa prescindir do uso do livro didático, pois é a realidade social e educacional do país, incluindo a falta de condições de trabalho do professor, que praticamente o obriga a utilizar o livro didático em suas aulas. Apesar da maioria dos professores não terem tempo para ler, pesquisar e atualizar-se com um número muito grande de aulas por dia, sem muito parâmetro para analisar os conteúdos de ensino, com muitas turmas para atender, eles devem conscientizar-se de que o livro didático é apenas um complemento de seu trabalho em sala de aula e não pré-determinante deste. E mesmo usando este somente como auxílio, antes devem analisar as atividades propostas, bem como os defeitos presentes no circuito de produção, circulação e consumo de livros didáticos. Quando a presença do livro didático na sala de aula é inevitável, ele pode exercer um papel mais importante do que o do professor, do jeito que querem as classes dominantes, reproduzindo os conhecimentos e valores adequados às classes socialmente privilegiadas. Freire (1987, p. 31) ainda adverte ao professor/ educador que supere sua ingenuidade diante do conteúdo ideológico dos textos didáticos: Temos de respeitar os níveis de compreensão que os educandos – não importa quem sejam – estão tendo da sua própria realidade. Impor a eles a nossa compreensão em nome da sua liberdade é aceitar soluções autoritárias como caminhos de liberdade. Mas assumir a ingenuidade dis educandos demanda de nós a humildade necessária para assumir também sua criticidade, superando, com ela, a nossa ingenuidade. Em síntese, Freire (1987) recomenda aos professores/educadores que assumam, conscientemente, a sua posição que é naturalmente política, mas não se tornem dominadores e pautem a sua ação pelo bom senso. Todos os cuidados no uso do livro didático são necessários porque, conforme a opinião de vários autores de obras sobre o livro didático, este é um livro que tem um espaço garantido por longo tempo, na escola. Silva (2000, p. 42), complementa: De acordo com Silva (2000), o professor é pressionado de tal forma que, quase sempre, não tem consciência da sua inferioridade em relação ao livro que adota e também não percebe a ideologia subjacente aos textos e exercícios das suas lições. O professor não exerce plenamente seu direito de escolha do livro didático a ser adotado em suas aulas porque, além de faltar formação adequada, é muitas vezes influenciado pela oferta das editoras, que como cortesia oferecem o Livro do Professor, e, ao acatar passivamente como verdadeiras as informações contidas no livro didático, o professor assume uma atitude ingênua. E, agindo com ingenuidade o professor colabora com a intenção ideológica da editora e/ou do autor. Entretanto, como adverte Paulo Freire, o professor, por não ser um agente neutro, não pode passar a ser manipulador: Na medida em que compreendemos a educação, de um lado, reproduzindo a ideologia dominante, mas, de outro, proporcionando, independente da intenção de quem tem o poder, a negação daquela ideologia Em face das deficiências do LD, cabe ao professor que acredita na sua capacidade de utilizar outros recursos didáticos sugerir aos seus alunos as atividades que os levem a desenvolver as suas próprias capacidades cognoscitivas, para poderem lidar criticamente com os conteúdos. A inquietação diante deste quadro da realidade escolar se justifica sobremaneira porque depende da melhor qualificação e valorização do professor a escolha do livro didático de melhor qualidade e a sua adequada utilização na sala de aula e, conseqüentemente, a redução dos índices de fracasso escolar de crianças carentes. 33 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 5 ANÁLISE DAS COLEÇÕES DE 5.1 RESPONSABILIDADE LIVROS DIDÁTICOS ESCOLHA DO LIVRO DIDÁTICO A análise de coleções de livros didáticos utilizados nas escolas e o trabalho do professor foi realizada em escolas públicas do município de Giruá, noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, em que se buscou compreender a prática docente, envolvendo a maneira como esta trabalha com o livro didático na sala de aula, a metodologia e as técnicas de ensino no decorrer das aulas. O município de Giruá-RS possui 17.070 habitantes, segundo o IBGE (2007) e um território de 835,04 km2; em sua área rural, possui seis escolas, duas da rede estadual e quatro da rede municipal, sendo que três apresentam Ensino Fundamental completo (duas da rede estadual e uma da rede municipal). Na área urbana, há nove escolas da rede municipal, quatro da rede estadual e uma da rede particular. A rede municipal possui cinco escolas de Ensino Fundamental completo e cinco escolas de Educação Infantil; a rede estadual possui quatro escolas de Ensino Fundamental completo, dentre estas, uma possui o Ensino Médio. Há, ainda, uma escola da rede particular de Educação Básica. Escolheu-se abordar o livro didático porque este é adquirido por todas as escolas da rede pública, uma vez que é distribuído gratuitamente em todo o Brasil, estando presente na realidade da escola há muitos anos. O professor atualmente o adota conforme suas preferências, levando em consideração a realidade na qual sua escola está inserida e a metodologia que melhor atende suas perspectivas de ensino. Abrangeram-se as séries finais do Ensino Fundamental, porque é neste período que o livro didático tem sido o principal, ou único, referencial utilizado pelo professor. O livro didático geralmente é o único material de estudo que crianças e jovens oriundos de famílias de baixa renda têm acesso durante os estudos ou até por toda a vida. Crianças estas que se concentram nas escolas públicas. Coloca-se em evidência as séries finais, porque a quinta série marca o início de uma nova etapa na vida escolar, um salto extraordinário. O educando sofre com a diversidade de metodologias, um grande número de estilos docentes e, principalmente, um livro didático para cada disciplina. Conhecer a metodologia desenvolvida nos conteúdos propostos na disciplina de Matemática pelo professor e como os alunos estão captando essa metodologia no sentido em que ele consiga ligar esse conteúdo com a sua vida, com seu dia-a-dia, dando um sentido mais real entre o conteúdo e a prática, como são avaliados e como gostariam que fossem as avaliações; enfim, conhecer a realidade entre ensinar e aprender e ver que entre esses dois conceitos existem muitas barreiras que vão depender muito do conhecimento, da vontade, do entusiasmo do professor para que essas barreiras sejam transpostas sem que possam interferir na busca do conhecimento. PELA O tema “Livro Didático”, sua qualidade, seu uso pelo professor e aluno insere-se num contexto mais amplo da economia e política educacionais e da sociedade como um todo. Não se tem a intenção de discutir essa questão de forma tão ampla, porém analisar o conteúdo e metodologia em relação ao problema específico do livro de matemática adotado nas escolas públicas, nas séries finais do Ensino Fundamental. O aluno é o usuário por excelência. Mas não é ele, pelo menos na maioria dos casos, quem decide pela escolha do título adotado. Essa escolha é do professor, que tem a “liberdade” e a “responsabilidade” para a adoção do livro. Reclama-se muito da qualidade do livro didático; no entanto a sua adoção maciça estimula a sua reprodução. De acordo com Elza Yasuko Passini (1994), “a escolha é feita muitas vezes de forma ingênua, pois os professores são atraídos pela maquiagem das ilustrações e frases de efeito, qual propaganda televisiva” (p.44). O professor pode ser responsabilizado no momento da escolha ou no momento da utilização, pela forma como o faz. É possível escolher-se um livro de péssima qualidade, contendo inclusive erros em seu conteúdo, porém que se faça bom uso dele, permitindo aos alunos uma crítica, utilizando o livro como um dos instrumentos e não como o único e inquestionável. Assim como se pode tomar o texto do livro didático como ponto de partida para uma discussão aberta com os alunos. 5.2 A ANÁLISE DOS LIVROS Segundo o Guia do Programa Nacional do Livro Didático – PNLD, Brasil (2007), o recurso mais eficaz à disposição dos professores é o livro didático. Este fornece informações, conteúdos, propõe exercícios, desafios de diversos níveis de dificuldade, propostas pedagógicas, auxilia na avaliação da aprendizagem do aluno, entre outros. Isso não significa que o professor deve acatar o livro didático como único recurso e submeter-se a todas suas atividades sem contestá-las. Afinal, ninguém melhor que o educador para conhecer melhor as táticas de aprendizagem de seus alunos, a realidade da escola e do bairro onde está inserido. Sendo, assim, o mais indicado para definir o planejamento, os métodos e as propostas de ensino coerente com sua necessidade. Não se pode ignorar que, entre as coleções disponíveis, há algumas mais próximas da concepção e prática de ensino-aprendizagem praticada pelo professor e, muitas vezes, melhor se ajustam ao projeto políticopedagógico da escola. Assim, tendo presente algumas 34 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 coleções de livros adotadas nas escolas, investigou-se os erros abordados nos livros e a possibilidade de desenvolver a matemática no Ensino Fundamental mais coerentemente com a proposta dos PCNs, a partir da adoção do livro didático pelo professor. Nos livros didáticos de matemática, de 5ª a 8ª séries, adotados na escola pesquisada, não se percebeu uma preocupação metodológica para um trabalho eficaz de leitura e interpretação da linguagem matemática. A coleção de livro didático mais utilizada na escola para o ensino da matemática de 5ª a 8ª séries é: Matemática na Medida Certa, dos autores José Jakubovic e Marcelo Lellis, da editora Scipione. A forma de utilização destas bibliografias se caracteriza como determinante no processo ensino-aprendizagem nas aulas de matemática, uma vez que estes livros são utilizados diariamente por professor e alunos. Porém, vale ressaltar que o professor utiliza ainda outras coleções como forma de complementação e ainda realiza atividades extraclasse, que não se encontram nos livros didáticos. Os livros foram lidos para analisar a proposta das coleções. Para tanto, é relevante rever, observar e interpretar os conteúdos que constituem o programa de cada volume (associado às respectivas séries) e, em seguida, efetuar uma análise dos erros encontrados e a ligação com as sugestões dos PCNs. Dentre um e outro livro didático analisado, percebese que a estrutura de cada capítulo está basicamente disposta em: um exemplo, em seguida o raciocínio da matemática geral, as “fórmulas”, e finaliza com exercícios. Em alguns, encontrou-se, ao final dos capítulos, propostas de atividades participativas, o que possibilita ao aluno a interação do conhecimento adquirido com a prática. Na análise, deparou-se com erros algébricos, tais como: em um exemplo de simplificações de frações encontra-se “2 x 5 = 40” (JAKUBOVIC - 5ª série, p.154). Sabe-se que dois multiplicado por cinco não resulta em quarenta, mas oito multiplicado por cinco, sim. Em outro exemplo, de divisão de polinômios, dividem somente a parte numérica da expressão e esquecem da parte literal; porém a resposta se apresenta certa. A revisão da ortografia seria um método necessário para que erros como estes não interfiram no processo de aprendizagem do aluno. No estudo da geometria, autores confundem a utilidade dos materiais para desenho geométrico, tais como: régua, compasso, transferidor e esquadro, fazendo algumas trocas na ordem do exercício: “medir o ângulo com o esquadro” (JAKUBOVIC - 5ª série, p. 79), o esquadro possui somente ângulos que medem: 90º, 60º, 45º e 30º, e ainda estes não possuem medidas. O aluno necessitará do auxilio de uma outra ferramenta para verificar o ângulo do esquadro. “Desenhar uma circunferência com o auxílio da régua” (JAKUBOVIC - 5ª série, p. 89), e o compasso e transferidor para que servem? Ainda no estudo da geometria: “Os matemáticos consideram que os pontos são tão pequenos que não chegam a ter tamanho algum” (JAKUBOVIC - 5ª série, p. 68). Por mais que em algumas situações o tamanho do ponto é desprezível, não se pode afirmar que este não possui tamanho. “A reta AB não tem começo nem fim” (JAKUBOVIC - 5ª série, p. 69). Deve-se, neste caso, conceituar o infinito. “As retas r e s, que não se cortam, são paralelas” (JAKUBOVIC - 5ª série, p. 70). As retas não se cortam, se interceptam, pois o verbo cortar, segundo o dicionário Aurélio, significa: dividir com instrumento de gume; separar (uma parte) de um todo com instrumento cortante..., e em nenhum destes casos podem-se inserir as retas paralelas. Em relação aos números racionais, encontrou-se: “Vamos considerar que frações também são números” (JAKUBOVIC - 5ª série, p.150). Não é que vamos considerar, frações são números racionais absolutos. Continuando nos números racionais, no estudo da multiplicação e divisão: “depois, colocamos o sinal” (JAKUBOVIC - 6ª série, p.74), porém em qualquer operação devemos trabalhar com o sinal simultaneamente e não simplesmente, ao final do cálculo, “colocar” o sinal. No estudo das propriedades das raízes, alguns exemplares não apresentam a propriedade: m * n m n a = a a ∈ ℜ, m ∈ Ν, n ∈ Ν , esta também é muito importante, além de facilitar os cálculos. Ainda no estudo da radiciação, este muitas vezes não é apresentado como operação inversa da potenciação; porém, para o desenvolvimento das equações do 2º grau será necessário para o aluno observar por que uma equação é resolvida desta forma: (x − 2 )2 = 9 → x − 2 = ± 9 → x − 2 = ±3 . Erros ortográficos são também freqüentes em coleções, especialmente as mais antigas. No decorrer da análise, pode-se perceber palavras grafadas erroneamente, (“sobvre”, “tranportamos”) (JAKUBOVIC - 7ª série, p. 34), capítulos numerados de forma incorreta, resolução de expressões numéricas incompletas (incógnitas são esquecidas no decorrer do cálculo, parênteses não são utilizados em substituições da multiplicação em uma equação), representar numericamente um número e por extenso escrever outro (“10º20’5" (dez graus, vinte minutos e dez segundos”)) (JAKUBOVIC - 6ª série, p.192). Encontram-se, ainda, expressões de sentido ambíguo, como: “dar zero” (JAKUBOVIC - 7ª série, p.85) ou resultar em zero, “o lado do triângulo cai sobre” (JAKUBOVIC - 7ª série, p.141) ou sobrepõe, “o método inventado” (JAKUBOVIC - 7ª série, p. 191) ou descoberto. Redundância de termos, pois se o triângulo é retângulo, é obvio que não terá nenhum ângulo obtuso, entre outros equívocos cometidos no decorrer dos livros. 35 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 Os livros, geralmente são ilustrados com figuras, diálogos, gráficos e exemplos, entre os quais se percebe predominantemente a razão feminina. Geralmente as meninas têm razão e os meninos é que estão errados, fazendo prevalecer a idéia de que as meninas são mais estudiosas que os meninos. Durante o diálogo, em alguns balões, personagens desvalorizam a importância das equações ou cálculos, referindo-se a estes desta maneira: “isto”, “o resultado disso” (JAKUBOVIC - 6ª série, p. 87), tornando o cálculo pejorativo. As possibilidades de seqüenciar os conteúdos são múltiplas e decorrem mais das conexões que se estabelece e dos conhecimentos já construídos pelos alunos do que da idéia de pré-requisito ou de uma sucessão de tópicos estabelecida a priori. Embora existam conhecimentos que precedam outros, a hierarquização entre eles não é tão rígida como tradicionalmente é apresentada (BRASIL, 1998, p.53). Apresentam ainda desproporcionalidade das gravuras (por exemplo, uma figura deve ter lados iguais a 3cm e 0,5cm, mas no retângulo apresentado pode-se perceber que um lado é apenas o dobro do outro) (JAKUBOVIC - 7ª série, p. 49) e na representação de ângulos (JAKUBOVIC - 6ª série, p. 196), o que acarreta imprecisão de desenhos matemáticos. A concepção adotada para a abordagem dos conteúdos e para a distribuição dos mesmos no livro didático não considera o acima exposto, uma vez que é apresentada uma fragmentação e uma linearidade para os conteúdos, decorrente da valorização de pré-requisitos no estudo da série precedente. A par da caracterização feita para os tópicos específicos de cada volume, bem como do conhecimento da coleção na sua totalidade, é possível afirmar que a proposta para a concepção da aprendizagem é facilitada com a exploração do conteúdo em suas partes, e não diretamente como um todo. Analisando alguns exemplares da mesma coleção, deparou-se com homogeneidade de capítulos de um livro para outro, em edições distintas, páginas idênticas. Confirmando o desleixo de editoras para com a atualização anual, que estas julgam necessária. Percebe-se, ainda, uma descontextualização com a realidade da escola onde os livros estão inseridos. Fatos históricos, ligações entre o conteúdo e os povos antigos, origens do conteúdo não são abordadas com pouca freqüência no decorrer do livro. Os capítulos iniciam nos exemplos, sem abranger maiores explicações de por que se estuda tal conteúdo, por exemplo, e das demonstrações, dos teoremas e fórmulas. Vale ressaltar que alguns livros abordam com êxito modelos de gráficos e a importância destes para a vida cotidiana dos educandos, uma vez que este conteúdo pode ser visualizado em jornais, revistas, folhetos informativos, meios de comunicação, além de ser um instrumento essencial para a constituição da atitude crítica dos alunos diante das questões sociais, políticas, culturais, cientificas da atualidade. Mas, infelizmente, só é apresentado no último capítulo do livro, o qual a maioria dos professores não trabalha, devido à carga horária reduzida. A ordem na abordagem dos conteúdos não se justifica pela consideração de pré-requisitos, pois não é mostrada sua utilização enquanto conhecimentos prévios na evolução dos conteúdos. Além dos conteúdos já trabalhados, deve-se levar em consideração os conhecimentos adquiridos no cotidiano, abordando os que apresentam relevância social e contribuem para o desenvolvimento intelectual e pessoal do aluno. Não obstante a valorização da conexão entre os conteúdos é importante salientar que nestes ciclos precisase desenvolver o raciocínio matemático e o afeto dos estudantes para com a disciplina em questão: [...] é preciso desenvolver o trabalho matemático ancorado em relações de confiança entre o aluno e o professor e entre os próprios alunos, fazendo com que a aprendizagem seja vivenciada como uma experiência progressiva, interessante e formativa, apoiada na ação, na descoberta, na reflexão, na comunicação. É preciso ainda que essa aprendizagem esteja conectada à realidade, tanto para extrair dela as situações-problema para desenvolver os conteúdos como para voltar a ela para aplicar os conhecimentos construídos. (BRASIL, 1998. p.63) Em alguns livros a fórmula de Bhaskara é demonstrada analiticamente, o que é importante para o entendimento da mesma pelo educando. Porém, esta deveria ser demonstrada geometricamente também, para que o aluno visualize a praticidade da mesma. 5.2 PCNS OS LIVROS DIDÁTICOS E OS Analisando a caracterização anterior dos conteúdos presentes nos livros didáticos em análise, com a proposta dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) para o terceiro e quarto ciclo, é interessante trazer o proposto a seguir: Além das aprendizagens por meio das experiências ligadas à vida diária dos educandos, nos volumes de livro didático não são valorizados os objetivos que, segundo os PCNs, Brasil (1998), visam o desenvolvimento do aluno. Quanto ao desenvolvimento do pensamento numérico, não analisam o aspecto dos problemas históricos para motivar a construção do significado nos números, nem é feita uma conexão dos números a contextos não-matemáticos. 36 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 Em consideração ao desenvolvimento do pensamento algébrico, não estimula o estabelecimento de relações entre figuras espaciais e suas representações planas. Aborda de forma hipotética o deslocamento e localização de pontos no espaço, para obter noções de direção e sentido, de ângulo, paralelismo e de perpendicularismo. Salienta-se, ainda, o uso de instrumentos de medição, a utilização se dá de modo confuso e formal, isto é, não se relaciona com a necessidade de representações de ângulos e construção de figuras. inequações e sistemas, mas não explora as diferentes escritas algébricas. Quanto aos objetivos de atingir o raciocínio algébrico, raciocínio de proporcionalidade, da competência métrica, do raciocínio combinatório, estatístico e probabilístico, percebeu-se maior relevância às questões, desenvolvendoas a partir de informações suficientes para o educando construir seu conhecimento. Em relação ao desenvolvimento dos raciocínios: proporcional, estatístico e probabilístico, pode-se afirmar que estes foram valorizados pelo autor, que busca atingir os objetivos propostos com êxito. No quarto ciclo, além do processo de inquietações emocionais, psicológicas e sexuais que os alunos estão enfrentando, é neste período que surge a preocupação com a continuidade de seus estudos e com o futuro profissional. É nesta perspectiva de crescimento que o ensino da matemática pode interferir com êxito, através da relação com os contextos sociais, o conhecimento matemático e o trabalho. De acordo com os PCNs, Brasil (1998), é nesse ponto que o professor deve despertar o caráter especulativo do aluno, refletir sobre a história da matemática, a coincidência e a convergência na construção do conhecimento, para que o educando supra suas necessidades e amplie suas experiências. [...] é preciso fazer uso de todas essas situações para mostrar aos alunos que a Matemática é parte do saber cientifico e que tem um papel central na cultura moderna, assim como também para mostrar que algum conhecimento básico da natureza dessa área e uma certa familiaridade com suas idéiaschave são requisitos para ter acesso a outros conhecimentos, em especial à literatura cientifica e tecnológica.(BRASIL, 1998, p.80) O ensino de matemática contempla várias áreas do conhecimento e, segundo os PCNs, Brasil (1998), deve desenvolver os pensamentos numérico, algébrico, geométrico, de competência métrica, os raciocínios proporcional, estatístico e probabilístico. Quanto ao desenvolvimento do pensamento numérico, os livros didáticos analisados propõem o estudo dos números irracionais, porém não consolidam os significados a partir do contexto social e, ainda, a maioria dos exercícios sugeridos para ampliar os conhecimentos das operações é mecânica. O pensamento algébrico é desenvolvido através da identificação de equações, Analisando o pensamento geométrico na sétima e oitava séries, este aprofunda noções geométricas, analisa transformações, ampliações e reduções, todavia não interpreta o deslocamento de uma figura no plano cartesiano. Referente à competência métrica, pode-se dizer que o livro não trabalha com volume de figuras planas, conforme indica os PCNs, Brasil (1998) para este ciclo e nem com aproximação de medidas. Certamente, a análise de coleções de livro didático, mesmo com sugestões e correções, não aborda todos os aspectos dos conteúdos, objetivos, orientações a serem desenvolvidas no terceiro e quarto ciclo e, portanto, devese complementar a aula com leitura de documentos, realizar trabalhos de pesquisa, utilizar recursos como vídeos, meios de comunicação, calculadora, computador, jogos e outros materiais que integram as situações corriqueiras e que levam ao exercício da análise e reflexão, adequando desta maneira o trabalho escolar a uma nova realidade, pois a matemática está presente em diversos campos da atividade humana. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Na história da educação brasileira, o livro didático se impôs na sala de aula de tal forma que se tornou o único ponto de referência para muitos professores, tanto na aplicação da teoria quanto na metodologia utilizada, o que o caracteriza como grande colaborador ou inibidor da implementação das propostas e inovações curriculares. A análise feita de coleções de livros didáticos, em confronto com a proposta curricular atualmente em vigor (PCNs), mostra que o livro didático traz contribuições para a implementação de algumas inovações curriculares, especialmente na oferta de sugestões para uma possível contextualização e para uma possível exploração de determinados conteúdos de forma a obter um envolvimento do aluno em atividades de construção e investigação. No entanto, as sugestões precisam ser reconhecidas pelo professor como sugestões ao planejamento das aulas, e não como determinação destas. Pois, da forma como estão no livro didático, não permitem um ensino inovador se o livro for utilizado como única fonte de informação, mas sim como fonte de pesquisa e auxiliar no processo de potencializar a construção do conhecimento. Nesse contexto, faz-se necessário o professor ter clareza da proposta de ensino que quer desenvolver, e dentro de suas perspectivas de eficácia de sua aula fazer 37 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 uso das sugestões apresentadas no livro didático que atendam às reais necessidades de sua metodologia e que satisfaçam os interesses e a realidade de seu educandário. Para tanto, é necessário que o educador conheça e aplique as propostas de ensino dos PCNs, Brasil (1998), e, embora o professor de hoje disponha de recursos com o Guia Nacional do Livro Didático, dentro do contexto educacional atual não existe critério absoluto para assegurar ao professor que sua opção por determinado livro é a melhor. Portanto, o livro didático deve ser mais uma alternativa para a aula e o professor deve lutar por um novo livro didático, com conteúdo informativo, atividades intradisciplinares, incentivo à pesquisa, história, enfim um livro que ensine, prepare o aluno para enfrentar os desafios do mundo e eduque-o com uma formação crítica. OFICIAL, Diário. Decreto nº 91.542 de 19 de agosto de 1985. Brasília: 1985. Disponível em: <www.abrelivros.org.br/ abrelivros/texto.asp?id=148> Acessado em: 03/10/2007. PASSINI, Elza Yasuko. Alfabetização cartográfica e o livro didático: uma análise crítica. Belo Horizonte: Editora Lê, 1994. (Coleção Apoio). RANGEL, Ana Cristina Souza. Educação matemática e a construção do número pela criança. Porto Alegre: Artes Médicas,1992. SADOVSKY, Patrícia. Falta fundamentação didática no ensino da Matemática. Revista Nova Escola. São Paulo, 199.ed., p. 15 – 18, fev. 2007. SILVA, Rafael Moreira da. Textos Didáticos: crítica e expectativa. Campinas, SP: Editora Alínea, 2000. 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Com o objetivo de analisar a produção social desse perfil e de possibilitar questionamentos referentes ao modo como esses escolares são atendidos, este estudo propõe pensar em possibilidades de intervenção na área da Psicologia e da Educação, que não reproduzam ou fortaleçam o encaminhamento de estudantes para atendimento sem uma leitura crítica e social dessa prática. PALAVRAS-CHAVE: Psicologia Escolar, Demanda Escolar ABSTRACT The study starts from a research that analyzes the profile of the students referred for psychological care for public schools of a city in the state of Rio Grande do Sul in 2003. Through the analysis of contents of the forms for attendance, eighty-two, it was identified that the students are in their majority males and attend the first series of Elementary School and present disparity between chronological age and school age being described as some type of undesirable behavior, problems in the pedagogical area and questions of familiar order. With the objective of analyzing the social production of this profile and to enable the possibility of referring to how these schools are taken care of it this study suggests thinking about possibilities for intervention in the field of Psychology and Education, which do not repeat or strengthen the delivery of service to students without reading and social criticism of this practice. KEYWORDS: Scholar Psychology, Student Demand 1. INTRODUÇÃO Através de um convênio entre o curso de Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria e a Secretaria de Educação do Município, foi possível oferecer atendimento especializado para os estudantes da rede municipal de ensino. Tal oferta gerou uma demanda acentuada de solicitações de atendimentos, de forma a gerar lista de espera e certo anacronismo entre demanda escolar e serviço psicológico. Diante desse quadro, foi proposto um estudo que tinha como objetivo pensar questões referentes a essa demanda, ou seja, questões que fizessem tanto a comunidade escolar quanto psicólogos pensar criticamente sobre suas implicações nesse contexto. Traçar o perfil ou tendência de encaminhamentos foi uma alternativa para provocar um estranhamento dessa realidade e do modo como ela vinha sendo trabalhada. Tanto no sentido de identificar que demanda é essa, quanto de questionar como surge e para que trabalha, fezse uma análise quantitativa e qualitativa do total, oitenta e duas, das fichas de solicitação de atendimento psicológico emitidas por 15 escolas municipais de Santa Maria ao Serviço de Atendimento Clínico Institucional do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria. Na época, esse era o total de fichas 1 Psicóloga, Mestre em Psicologia Social e Institucional, Professora dos cursos de Graduação em Pedagogia, Normal Superior e Psicologia na SETREM. E-mail - [email protected] 2 Psicóloga, Especialista em Educação Infantil, Coordenadora do Serviço de Psicologia da ONG CEDEDICA-SM e da ONG Royale Escola de Dança e Integração Social. 3 Sociedade Educacional Três de Maio – SETREM, Av. Santa Rosa, 2504, Três de Maio – RS, e-mail: [email protected]); 39 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 existentes no Serviço e continham informações como: nome do aluno, escola, data de nascimento, série e parecer descritivo do aluno (este último item trata-se de um espaço no qual a escola descreve o motivo do encaminhamento). Verificou-se que o estudante encaminhado é, na sua maioria, do sexo masculino, (sessenta e duas solicitações de atendimento), freqüenta da pré-escola à quarta série do Ensino Fundamental e apresenta disparidade entre a idade cronológica e a idade escolar (trinta e uma das fichas de encaminhamento). Quanto aos pareceres descritivos, este estudante é narrado como um aluno que apresenta algum tipo de comportamento indesejado (setenta e nove pareceres), problemas na área pedagógica (quarenta e sete pareceres) e questões de ordem familiar (trinta e cinco pareceres). Os meninos apresentam maior proporção de pareceres que as meninas no que se refere ao Comportamento (meninos sessenta e dois e as meninas dezessete) e Aprendizagem (meninos com trinta e sete pareceres e meninas com dez). Enquanto as meninas somente superam em proporção, no que se refere às indicações de problemas familiares (meninos com vinte seis, proporção = 0,42; meninas com nove pareceres, proporção = 0,45). Dessa forma, esse estudo parte de uma análise das informações oferecidas nas fichas de encaminhamento para atendimento psicológico produzidas pelas escolas, buscando questionar esse perfil a partir de estudos bibliográficos no que se refere à produção sócio-histórica dessa demanda. Traçando a história das crenças que sustentaram teorias e iniciativas no campo educacional, responsáveis por uma série de práticas e discursos com relação ao atendimento à demanda escolar, para então pensar quais suas implicações e problemáticas atuais. 2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 2.1 Breve história da Psicologia Clínica e Demanda Escolar O aumento da demanda e oferta social de escolas nos países industriais capitalistas da Europa e da América trouxe consigo dois problemas para os educadores e gestores: de um lado, a necessidade de explicar as diferenças de rendimento da clientela escolar; de outro, a de justificar o acesso desigual desta clientela aos graus escolares mais avançados. No final do século XIX, os pesquisadores de Psicologia, principalmente os americanos, passaram a se interessar pela Educação e desenvolver estudos na área. Neste sentido, Schultz descreve que a primeira clínica de Psicologia, assim chamada, foi inaugurada em 1896 por Lightner Witmer, e tinha como objetivo avaliar e tratar problemas de aprendizagem das crianças em idade escolar. Desta forma, o termo psicologia clínica, antes de corresponder ao que se conhece hoje, esteve primeiramente relacionada aos interesses educacionais (Schultz; 2005, p. 208). A medicina, juntamente com a Psicologia da criança, que estava nascendo no fim do século XIX, desenvolveu um sistema teórico que procurava as origens dos problemas nas características das crianças. Datam desta época as rígidas classificações dos “anormais” e os estudos de neurologia, neurofisiologia e neuropsiquiatria conduzidos em laboratórios anexos a hospícios. Quando os problemas de aprendizagem escolar começaram a tomar corpo, os progressos da nosologia já haviam recomendado a criação de pavilhões especiais para os “duros da cabeça” ou “idiotas”. Categorias que foram transpostas para o contexto escolar, de forma que as crianças que não acompanhavam seus colegas na aprendizagem escolar passaram a ser designadas como anormais escolares e as causas de seu fracasso procuradas em alguma anormalidade orgânica (Patto, 1999). Os trabalhos de Galton, desenvolvidos na Inglaterra, na segunda metade do século XIX, parecem se constituir em importante marco da psicologia ligada à educação. Galton buscava medir as diferenças individuais, através da seleção dos psicologicamente mais capazes. Foi um dos mais conhecidos adeptos de Darwin, sendo que transferiu seus princípios evolucionistas de variação, seleção e adaptação para o estudo das capacidades humanas, criando instrumentos que permitiram a mensuração de diversos aspectos de aprendizagem como: acuidade visual, auditiva, tempo de reação e discriminação. Preocupado em medir a inteligência e a personalidade, foi um dos precursores das escalas, baterias, testes e provas que, posteriormente, constituíram o principal instrumento de trabalho dos psicólogos nas escolas e nas fábricas. “O objetivo de Galton era incentivar o nascimento de indivíduos mais notáveis ou mais aptos na sociedade e desencorajar o nascimento dos inaptos” (Schultz; 2005, p.138). Para essa finalidade, fundou a ciência da eugenia, palavra por ele cunhada. Eugenia, isto é, de boa estirpe, hereditariamente dotado, de qualidades nobres. Seu argumento era de que a hereditariedade era determinante no sucesso, de forma que as oportunidades e vantagens sociais não eram levadas a sério por ele. O período pós - revolução industrial, com a vitória da burguesia liberal, é o pano de fundo sobre o qual Galton desenvolveu sua teoria. Num contexto em que a burguesia emergente reafirmava seu poder tendo como base o liberalismo, pautado num ideal de igualdade de oportunidades para todos, as diferenças entre classes sociais eram concebidas a partir da explicação de que uns eram mais capazes do que outros, recebendo respaldo nos instrumentos de medida de inteligência e personalidade criados por Galton (LIMA, 2005; p.19). No início do século XX é elaborada a primeira escala métrica da inteligência infantil quando, em 1904, o governo francês encarrega Alfred Binet e Théophile Simon a criarem 40 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 instrumentos que ajudassem a detectar as crianças escolares que necessitassem de educação especializada. Esta escala constitui o primeiro método da Psicologia Escolar: a psicometria. Em 1912, um psicólogo americano chamado Terman, aperfeiçoa os testes de Binet, o que acaba permitindo que se calcule o Quociente Intelectual (QI), ou seja, a “idade mental”. A avaliação dos anormais escolares se tornou, durante os trinta primeiros anos do século XX, praticamente sinônimo de avaliação intelectual, sendo que os testes de QI adquiriram um grande peso nas avaliações dos educadores a respeito do destino escolar das crianças. Medir as aptidões naturais se tornara o grande desafio dos psicólogos na virada do século. Já vinham ocorrendo mudanças não só na visão dominante de doença mental como nas concepções correntes sobre as causas das dificuldades de aprendizagem. A incorporação de alguns conceitos psicanalíticos, nesta época, acabou sendo um dispositivo a mais na flexibilização das nosologias psiquiátricas. Com a psicanálise, houve uma maior consideração da influência ambiental sobre o desenvolvimento da personalidade nos primeiros anos de vida e atribuiu-se maior importância à dimensão afetivo-emocional na determinação do comportamento e seus desvios. Isto provocou uma mudança terminológica no discurso da psicologia educacional: de anormal, a criança que apresentava problemas de aprendizagem escolar passou a ser designada como criança problema. Quanto às causas, se antes se falava em anormalidades genéticas e orgânicas, agora são buscadas no ambiente sócio-familiar. Ampliase, assim, o quadro de possíveis problemas do escolar que, supostamente, explicariam seu insucesso escolar. Agora, as causa vão desde físicas até as emocionais e de personalidade, passando pelas intelectuais. 2.2 Discursos e encaminhamentos de estudantes para atendimento Psicológico São muitos os estudos já realizados que demonstram que a clientela infantil tem representado a imensa maioria da população atendida pelos serviços de saúde mental da rede pública. Estas pesquisas indicam ainda que os encaminhamentos contenham, em sua maioria, queixas referentes a “problemas de aprendizagem” ou outras queixas relacionadas com a performance do estudante. O que chama atenção é a sensação de que este fato não provoca grandes questionamentos. Na maioria das vezes, “esta prática, nada recente, inquietante pelo volume de trabalho que produz e pelos parcos resultados conseguidos, é reconhecida como um fato natural, cotidiano” (Boarini, 1993, p. 22). Há outros estudos na literatura indicando que as dificuldades escolares se constituem no problema mais freqüentemente apresentado pela clientela infantil de serviços de saúde mental (Lopes, 1984; Santos, 1990; Graminha e Martins, 1994) e que as crianças com essas dificuldades comumente apresentam, paralelamente, outros problemas de ordem emocional/comportamental. Esse conjunto de dados sugere uma associação entre saúde mental infantil e problemas escolares e a necessidade de se considerar estes dois aspectos como interligados (Graminha, Martins e Miura, 1996, p. 167). As idéias atualmente em vigor no Brasil a respeito das dificuldades de aprendizagem escolar, dificuldades que se manifestam predominantemente entre crianças de segmentos mais empobrecidos da população, têm uma história. É importante destacar que alguns autores, como Costa (1993) e Patto (1999), têm pensado que o surgimento das práticas, no que concerne ao atendimento à demanda escolar, estaria relacionado com as dificuldades e transtornos ocasionados pela escolarização obrigatória. Estes autores argumentam que a escola não estaria preparada para receber tantos alunos, principalmente das camadas populares, o que a levou a enfrentar sérios problemas. Diante dos fracassos freqüentes e da dificuldade de lidar com esta nova clientela, a escola se sente impotente, recorrendo a especialistas. Desde o início da escolarização obrigatória até os dias de hoje, muitas dúvidas ainda permanecem em relação à formação da demanda escolar. Costa (1993) verifica, em suas pesquisas sobre Unidades Psicopedagógicas, que estas não foram criadas a partir da necessidade e demanda das escolas públicas. “Foi por iniciativa médica que, partindo-se da preocupação com a saúde mental das crianças de classes “desfavorecidas”, procurou-se, com o intuito de “prevenção” contra futuros problemas psiquiátricos, oferecer, através de uma instituição especializada, “serviços” à escola” (Costa, 1993, p.33). Segundo Yazlle (1997), o que acabou ocorrendo, em grande parte dos casos, foi a transposição de práticas de consultório para o espaço escolar por parte de profissionais que, efetivamente, tinham na área clínica seu maior interesse. Esta influência da psicologia clínica dentro das escolas pode ser confirmada se nos remetermos, atentamente, aos conceitos de “problemas de comportamento” e “problemas de aprendizagem”, alguns dos principais motivos de encaminhamento de estudantes. Constatamos que eles se referem apenas a um dos protagonistas do processo de escolarização: o aluno. É o aluno que “não pára sentado”, “não obedece a ordens”, “não traz a lição de casa” ou, ainda, “não consegue escrever”, “é cabeça dura”, “só faz cópia”, etc. Essas constantes afirmações presentes na vida escolar diária, aliadas ao trabalho clínico dentro das escolas que efetiva a idéia de que é a criança que deve ser “tratada”, reforçam uma visão determinista de criança, que ora é avaliada pelo seu desempenho, ora é reduzida a inúmeros problemas emocionais e familiares. 41 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 Souza (2000) ressalta que os conhecimentos da Psicologia, de maneira geral, têm sido utilizados muito mais para manter mitos e práticas de segregação e de discriminação das crianças na escola, do que para possibilitar o avanço dessas crianças no processo de escolarização. A maioria dos profissionais, até hoje, encampou estas queixas, procurando dar-lhes resposta por meio da orientação do aluno e de sua família, deixando de lado os mecanismos institucionais, sociais e políticos que propiciam a produção de “problemas”. Assim, o que se tem verificado é que muitos psicólogos que atuam na rede pública de ensino têm oferecido um trabalho que se restringe às práticas individualizadas, mantendo os modelos clínicos tradicionais, oriundos das práticas higienistas e, conseqüentemente, contribuindo para que tanto a Psicologia quanto a Educação se apresentem como meros veículos de ajustamento (Yazlle, 1997). Pesquisa realizada por Freller (1997) constatou que a maioria dos profissionais propõe o mesmo procedimento diagnóstico, seguido pelo mesmo tratamento, para todas as crianças que procuram atendimento psicológico, independentemente da queixa ou do agente de encaminhamento. O processo psicodiagnóstico consiste em entrevistas de anamnese com a família, sessões de ludodiagnóstico e aplicação de testes de inteligência e projetivos. Para finalizar, é marcada uma entrevista devolutiva com a família, em que geralmente é recomendada uma psicoterapia para a criança e orientação para a mãe. Freller (1997) ressalta ainda que este padrão de atendimento tem sido considerado insatisfatório pelas crianças, pais, professores e até pelos psicólogos que o praticam. O nosso objetivo está em desvelar os processos de escolarização que produziram esta criança que tem na apatia uma forma de comunicação ou na agressividade a sua maneira de se defender de práticas pedagógicas produzidas em uma escola cujas relações são atravessadas por preconceitos e estereótipos em relação à criança pobre e a sua família. Ou seja, a existência de mecanismos institucionais e de ações cristalizadas produzem na criança e no professor a impossibilidade de pensar a sua própria condição de submissão e de exclusão no processo educacional (Souza, 2000, p.127). O problema é que as idéias de “falta”, “anormalidade”, “doenças” e “carência” dominam a formulação das queixas a respeito das inúmeras crianças que são encaminhadas pelas escolas aos serviços de psicologia. Como nos diz Machado: Essas idéias ganharam vida própria, pois muitas vezes deparamo-nos com cenas do diaa-dia escolar nas quais ouvimos que as crianças têm ‘distúrbios de aprendizagem’, ‘desnutrição’, ‘família muito pobre’, como se essas idéias não tivessem sido produzidas historicamente. Elas tornaram-se mitos e rompê-los, tem sido um de nossos desafios no trabalho com educadores (Machado, 2000, p. 145). É interessante notar que, já nesta época, existia a preocupação de relacionar a “anormalidade” da criança com sua origem social, não no sentido de compreender sua situação real de vida, mas no sentido depreciativo de considerar o seu meio “pernicioso”, “imoral”; enfim, propício ao desenvolvimento de patologias. A “infância anormal” passa, então, a ser vista como “caso social”. Ainda é comum ouvirmos o professor dizer que o aluno é “fraquinho”, que “não tem prontidão”, que “não consegue aprender porque os pais são ignorantes” ou, ainda, que a criança não aprende porque “é traumatizada por viver num ambiente familiar muito agressivo” ou porque “vive num ambiente pobre em estímulos”. Muitos alunos são encaminhados para classes especiais porque, durante o processo de alfabetização, se comportaram de maneira diferente da estabelecida pela escola e apresentaram divergências com relação ao desempenho esperado por essa mesma escola. Em geral, a escola dá ao erro, representação do não saber, a conotação de fracasso. O erro marca o aluno como “aquele que não consegue aprender”, aquele que é estigmatizado e, portanto, ganha o rótulo de incompetente. O erro, inevitável ao processo de aprendizagem, torna-se negativo, inviabilizando que a criança vivencie e expresse seu real processo de aprendizagem/desenvolvimento. Tal visão é decorrente da impossibilidade de se visualizar o erro como parte do processo de construção de conhecimentos; portanto, potencialmente articulador de novos saberes. Preso a um único padrão de resposta (o certo), o professor não consegue apreender do material produzido por seus alunos os diversos indicadores de aprendizagem ali presentes. Um professor que coloca as crianças com dificuldade em aprender a ler e a escrever em uma específica fileira das carteiras da classe, ou uma equipe de professores que decide formar uma classe com os alunos lentos, deveriam perceber as produções de subjetividade que essas práticas inventam. É comum a criança que está indo bem na escola, que está aprendendo, sentir que aquele que não aprende não tem nada a ver com ela. É comum a criança encaminhada para classe especial encarar o problema que motivou seu encaminhamento ser um problema apenas individual. Não é a “fileira dos alunos lentos” que é em si boa ou má, assim como não é a “classe especial”, ou “repetir”, que são em si bons ou maus. O problema é que certas práticas potencializam a diferença ser vivida como negação, como algo qualitativamente inferior (Machado e Souza, 1997). 42 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 2.3 A infância e os encaminhamentos Outra possível explicação para o alto número de encaminhamentos de estudantes é proveniente dos estudos de Boarini (1998). A autora ressalta que quando um grande contingente de crianças “bate à porta” dos serviços de saúde mental, isso é indicação de que algo não vai bem com a infância. Para ela, o projeto moderno de infância, marcado pela imagem da criança bonita, saudável, alegre, cheia de energia e imaginação, esbarra, nos dias de hoje, em condições concretas de vida, permeadas por extremas desigualdades sociais e por crescentes manifestações de violência fora e dentro de casa. O sonho e a fantasia são cada vez mais articulados às práticas de consumo. Kupfer (1997), ao falar dos encaminhamentos de escolares aos serviços de psicologia, argumenta que há uma prática indiscriminada de diagnosticar e tratar os problemas de aprendizagem, sem levar em conta a necessidade individual do caso e a necessidade social (demanda excessiva gerando filas de espera enormes). Além disso, conforme a autora, muitas vezes o aumento do número de encaminhamentos decorre do pensamento que “mal não faz” e que “terapia é sempre útil para o autoconhecimento e para a elaboração de conflitos”. Concomitantemente, o fato de que as escolas não estão levando em conta a fase de adaptação da criança ao processo de escolarização, só veio aumentar os encaminhamentos, principalmente para as séries iniciais. Parece ocorrer o que Souza (2000) chama de caráter “preventivo” ou caráter “apressado” dos encaminhamentos. A escola desconsidera que o início do processo de escolarização é um momento extremamente importante para a criança e para os pais, onde fantasias e expectativas em relação à capacidade de cada indivíduo e de sua família podem se concretizar em função do desempenho escolar, e acaba encaminhando crianças para atendimento psicológico, em muitos casos, ainda nos primeiros anos da sua caminhada estudantil (no caso dos encaminhamentos pesquisados, encontramos uma proporção de 0,40 estudantes da pré-escola à segunda série, sendo que na primeira série observamos dezesseis encaminhamentos, o que corresponde a uma proporção de 0,20 pareceres). Assim, para López (2004), não seria fácil definir o que seria um problema na infância. Afinal, “não são os menores que pedem ajuda ou vêm à consulta, mas os pais e os professores que expressam suas preocupações, as quais dependem muito das concepções que estes têm dos filhos e de seu comportamento” (López; 2004, p. 114). A natureza da relação que pais e professores estabelecem com o que evidenciam como sendo um problema da criança também vai marcar a suposição de que a criança apresenta um problema, ou seja, “o grau de tolerância aos problemas e a forma de julgar o que ocorre é extremamente variável” e influencia o modo de perceber o que está acontecendo como problemático ou não. Ainda, segundo o autor, muitos dos problemas descritos pelos professores que poderiam ser interpretados como um déficit de atenção por hiperatividade, como a inquietação e a distração, são evidenciados em 50% das crianças entre 3 e 7 anos. Cunha (1997), em sua pesquisa com professores, constatou na fala destes, cinco temas principais: questões relativas aos alunos, às famílias, às classes, aos aspectos pessoais dos professores e ao trabalho do psicólogo. Segundo ela, as questões relativas aos alunos foram as mais freqüentes, havendo um grande número de falas que retratavam o comportamento do aluno como indesejado ou incompatível com o esperado em sala de aula. Eram queixas que genericamente eram denominadas de “indisciplina”, mas que dificilmente se apresentavam isoladamente, sempre se associavam a alguma outra característica indesejada, como o aluno ser: irrequieto, agressivo, birrento, manifestar-se de forma indecorosa, fazer gestos obscenos, brigar com os colegas, etc. Comumente, os professores traziam outras informações com o objetivo de explicar melhor o que consideravam desvio. Estes outros comentários quase sempre se reportavam às famílias de seus alunos. Nesta mesma pesquisa, Cunha comenta que a apatia de algumas crianças foi apontada como um comportamento preocupante. As atitudes de rebeldia e/ou apatia, que poderiam significar condições escolares inadequadas, tenderam a ser interpretadas como desinteresse do aluno, preguiça, mimo dos pais ou conflito de ordem familiar. Geralmente, nada é feito no sentido de examinar as condições institucionais, mais do que a criança e sua família, que contribuem para os problemas observados. Muitos entendem que se a criança está apresentando problemas de comportamento é porque esta contém dentro dela a causa dos problemas (problemas emocionais, traumas, bloqueios), e é nela que se encontra a fonte potencial para sua resolução. Dessa forma, a psicoterapia acaba sendo freqüentemente recomendada. Aquino (1996) chama este modo de operar de perspectiva psicologizante. Esta seria uma das principais maneiras de pensar os problemas (seja de ordem disciplinar, seja de aprendizagem) dos alunos nas escolas. Segundo o autor, não se deveria situar a gênese de determinada problemática em torno de um núcleo conceitual abstrato como o de “personalidade”, “identidade”, “perfil”, “maturidade”, uma vez que, se procurarmos pensar institucionalmente, idéias como “desestruturação da personalidade” ou “déficit em alguma fase de desenvolvimento” deixam de fazer sentido. A disciplina implicaria na obediência a preceitos ou normas estabelecidas. No caso da escola, encontramos alguns destes preceitos observando os pareceres que ilustram o ideal de aluno que a instituição exige. O bom aluno é aquele que: aceita e realiza com êxito as atividades propostas, tem bom relacionamento com os colegas e professores, sendo solícito com estes, calmo, tranqüilo, educado, etc. 43 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 A instituição escolar exige uma série de condutas em seu cotidiano que seus alunos precisam seguir. Estes comportamentos não são comportamentos naturais, como a escola poderia acreditar. Estes foram produzidos através de instruções e mecanismos de disciplina. É preciso problematizar o modelo de aluno padronizado e idealizado, localizá-lo no tempo dando a ele o caráter histórico que merece. Calligaris (1994) complementa dizendo que o “reino encantado” da infância já não encontra mais espaço para existir enquanto projeto da modernidade, pois já não possui enquadramento possível dentro do contexto social moderno: o contexto que o criou. Como tantos outros ideais imaginados nos últimos 200 anos, o do mundo maravilhoso das crianças também entra em crise na era pós-industrial e pós-moderna. No entanto, Boarini (1998) verifica a inexistência da infância isenta de violências, do trabalho, de responsabilidades do mundo adulto, ou seja, a inexistência da “infância feliz”. Para esse segmento social, não é apenas uma questão da atualidade; dessa forma, o que parece novo, na verdade se revela como reedição de situações similares já vivenciadas pela criança desde o início da modernidade. Cada vez mais condicionada à aquisição de objetos (que não garantem a satisfação almejada), a imagem da criança feliz vai-se esvaindo e sendo aos poucos substituída pela realidade da criança sujeita a atos de violência e/ou abusos sexuais, abandonada fora e dentro de casa, delinqüente e exterminada nas ruas e praças públicas, da criança depositária dos conflitos e tensões sociais de uma sociedade em crise (Jerusalinski e Tavares, 1994, p. 5). É como se existisse, em nossa sociedade, um comportamento ideal e esperado pelo grupo. Aqueles indivíduos que não conseguem corresponder a este modelo ficam sendo rotulados como desviantes. No caso da educação, mais especificamente do “aluno-problema”, procurou-se naturalizar a idéia de patologização do fracasso escolar para que, após a identificação e confirmação da “patologia”, se partisse na busca de ajuda especializada. Assim, a escola solicita o encaminhamento e avaliação desta criança na expectativa de que um profissional de saúde venha confirmar esta primeira identificação (desviante), aliviando sua ansiedade e eximindo de qualquer responsabilidade. (Arpini,1995) A educação de crianças pequenas a coloca no espaço público, que não deveria ser um espaço fraternal, nem doméstico, nem familiar. Desta forma expõe e possibilita à criança outros agenciamentos, afetos e amizades. É preciso saber aproveitar as possibilidades de acontecimentos que se inauguram na cena pública e escolar. A professora não é a mãe, nem a tia; a colega não é a irmã; brincar da casinha não é imitar papai e mamãe; as histórias infantis não precisam remeter a um final feliz nem à idéia de mulher, de casal e de povo. Nessa educação a professora está fortemente empenhada em entender o que as crianças falam, o que querem estudar, o que querem deixar pra lá, em que desejam pensar, o que há de interessante pra visitar, que novas formas de brincar podem ser elaboradas, que músicas e que danças podem ser inventadas (Abramowicz e Levcovitz, 2005, p. 84). 2.4 A questão de gênero e os encaminhamentos Enfim, além da pouca idade destes estudantes e do número acentuado de encaminhamentos, fica ainda a questão da desproporção entre meninos e meninas (os meninos com sessenta e dois pedidos de atendimento, numa proporção de 0,76) encaminhados. Tal discrepância em relação às meninas não se evidencia apenas nas escolas pesquisadas, mas é responsável por estudos em outras áreas, como a Neurociência e Antropologia. Com o objetivo de entender o porquê das meninas se tornarem invisíveis para a escola e os meninos aqueles que estabelecem a pior relação institucional, seja por conta da indisciplina, seja por não atingir o desempenho esperado. Pesquisas apontam que os meninos teriam uma trajetória escolar mais difícil e cheia de obstáculos, pois “colocam mais problemas de ordem e disciplina na família e nas salas de aula” (López; 2004, p. 115). A expectativa quanto a sua masculinidade, e podese ler também neste caso agressividade, é responsável por estabelecerem modos de ser no ambiente escolar. Afinal, se o menino se comporta de forma dócil, estudando e se interessando nas aulas, tal comportamento pode colocar em suspeita a sua identidade sexual e assim sua socialização. Mas se, por outro lado, ele resolver assumir o papel de rebelde, estará criando problemas e entrando em atrito com a escola e os estudos. Neste viés, recente pesquisa buscou associar o comportamento e o desempenho escolar de meninos e meninas na educação infantil, entendendo que a qualidade das relações estabelecidas na escola pode afetar o aprendizado. Os professores responderam uma escala avaliando a relação do aluno com a tarefa, com os colegas e com o professor. De acordo com os resultados, os professores avaliaram o comportamento das meninas mais positivamente. Com isso, indicando que os professores têm maior dificuldade em relação ao comportamento dos meninos, o que poderia estar colocando-os em uma situação escolar de maior vulnerabilidade. 44 Há indícios de que os professores respondem mais, e com mais atenção negativa, aos problemas de comportamento dos meninos que das meninas. Essas diferenças de atenção podem tornar as situações de ensinoaprendizagem mais aversivas para os meninos, reduzindo suas oportunidades de REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 aprendizagem na sala de aula. Elas também podem contribuir para tornar os problemas de aprendizagem dos meninos mais visíveis que os das meninas, já que os meninos são alvo de mais atenção do professor quando apresentam problemas de comportamento (Gardial e Marturano; 2007, p. 550). (pulando, jogando bola, andando de bicicleta, tendo expectativas quanto a seu futuro), e as meninas de maneira delicada, frágil e passiva (Felipe, 1998, p. 114). 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Outro fator que pode favorecer essa configuração é o da escola ser um ambiente majoritariamente feminino no que tange aos professores e funcionários. A figura masculina na escola é numericamente menos presente, dificultando ainda mais identificações e aproximações entre esses dois gêneros. Além disso, as professoras, por conta de sua vida e história, acreditam estarem mais preparadas para entender e discriminar os sentimentos e comportamentos femininos do que os masculinos. A educação em nossa sociedade é entendida como a única alternativa de realização na vida. Quando algo não vai bem, todos se mobilizam a fim de entender o que acontece com aquele estudante que poderá ter seu futuro comprometido. Nestes casos, o que vemos é uma enxurrada de encaminhamentos a especialistas que teriam a responsabilidade de restituir a boa aprendizagem e boa conduta daqueles que estão com seus futuros comprometidos. A partir desse cenário, pode-se projetar uma trajetória hipotética, em que os companheiros tendem a reagir com rejeição e a professora tende a perceber os problemas de comportamento como uma sobrecarga, em termos de tempo e recursos. Instala-se assim o contexto para relacionamentos negativos. Essas experiências interpessoais negativas precoces, em se repetindo cotidianamente, tendem a ser incorporadas pela criança aos seus modelos internos de relacionamento, em construção, o que explicaria a persistência do padrão desadaptativo nos anos subseqüentes... (Gardial e Marturano; 2007, p. 550). Mas a complexidade da realidade escolar, sua história, suas políticas, interesses sociais, compõe o que, à primeira vista, parece ser um problema unicamente daquele estudante. Desse modo, o atendimento a essa demanda precisa ser pensado levando em conta mais do que o atendimento isolado dos estudantes – responsável, muitas vezes, pelo repassar de responsabilidades e propagação de mitos e estereotipias, mesmo sabendo que, para isso, outros tempos e outros modos de implicação precisarão ser agenciados. A questão seria observar como as relações se estabelecem. A história do modo como aprendemos a olhar para as questões pertinentes à escola é uma forma de problematizar as demandas de atendimento, individualizantes e culpabilizantes. As redes de relações que são naturalizadas e postas como normais e inquestionáveis deveriam ser discutidas e revistas para que não produzam essa discrepância e discriminação referentes aos papéis desempenhados por meninos e meninas no contexto educacional que prejudicam a aprendizagem. Afinal, não se deve esquecer que, mesmo no seu aparente silêncio, a escola está atravessada por proposições de gênero, o que significa dizer que em seus livros didáticos, nas brincadeiras propostas, nas escolhas pedagógicas diferenciadas para meninos e meninas, nas formas de avaliação estabelecidas, que priorizam a organização e o capricho, há sempre um modelo feminino e masculino sendo traçado e sugerido e quase nunca discutido. Um exemplo é o estudo proposto por Felipe no qual ela observou os discursos presentes em alguns livros dirigidos ao público infantil e pré-adolescente, que visam explicar questões ligadas ao sexo e sexualidade. Ela percebeu, quanto às relações de gênero estabelecidas, que os meninos eram colocados de forma mais ativa O trabalho com o coletivo exige que se saiba trabalhar com o outro em sua diferença e no incômodo que ele possa suscitar. Ou seja, não é tão simples a problematização da instituição escolar. A tendência à personificação e à procura de “culpados” é grande em nossa sociedade que, provavelmente, prefira indicar a criança, os professores, o governo, a comunidade, a família como os responsáveis, isoladamente, pelo alto índice de fracasso existente. Provocando, em todos, a sensação de impotência e desânimo frente aos problemas. A busca por culpados, quem sabe é uma maneira de entender o problema, mas que impede que possamos realmente avaliar o que acontece e produzir mudanças. Fica a ressalva de que se deve investir na criação de espaços nos quais as pessoas envolvidas possam formular questões, expressar seus conflitos e repensar vínculos. Pensando em promover ambientes com ações integradas, a partir de projetos, que transformem as relações estabelecidas entre especialistas, comunidade, professores, pais e estudantes. Quanto ao psicólogo, independentemente dos motivos que geram os encaminhamentos de crianças aos serviços de psicologia, cabe a ele obter uma compreensão mais ampla da realidade escolar. É claro que num primeiro contato com a escola, a expectativa inicial é a de que o psicólogo fará diagnóstico e oferecerá tratamento para “problemas psicológicos dos alunos”. Mas, a partir de um trabalho conjunto, pode surgir a sensibilização para outros 45 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 aspectos da questão e tanto a escola como a comunidade possam se dispor a rever suas próprias práticas. Assim, a análise das fichas de encaminhamento dos estudantes a atendimento psicológico buscou identificar as diferentes linhas que compõem essa realidade de fracasso escolar. Mesmo que tais linhas pareçam inúmeras e de nós bastante fechados, outras práticas vêm sendo evocadas nos estudos dos autores citados neste espaço. E o que cada vez se torna mais unânime entre eles é que para se trabalhar com essa demanda, além de uma formação específica na área da educação e nos processos de aquisição do conhecimento, são necessários espaços para a promoção de ambientes nos quais todos se sintam co-responsáveis e atuantes nas mudanças que precisam ser pensadas e realizadas no que se refere ao modo como pensamos e entendemos o “bom estudante”. Mais uma vez pensar a diferença! 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRAMOWICZ, Anete e LEVCOVITZ, Diana. Tal infância. Qual criança. In: Afirmando diferenças: montando o quebracabeça da diversidade. São Paulo: Papirus, 2005, p. 73-85. ARPINI, Dorian Mônica. 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O texto apresenta uma discussão sobre quais as teorias que fundamentam o processo de produção de conhecimento nas instituições de ensino atualmente e constatamos que 37,5% fundamentam sua prática pedagógica na teoria construtivista tendo Piaget como mentor; 50% na teoria sócio-cultural preconizada por Vigotski; 62,5% utilizamse também de outros teóricos e 12,5% disseram não usar nenhum autor, nem teoria específica. Conclui-se que a maioria dos entrevistados utiliza alguma teoria, sendo que alguns não seguem nenhum teórico específico. Ë importante perceber que a teoria interacionista, que é a mais adequada no processo da aprendizagem, somente quatro dos entrevistados faz uso dela, visto que o indivíduo cresce num ambiente social e a interação com o outro é essencial a sua aprendizagem. Palavras-chaves: Teorias da aprendizagem. Educação. Interação professor-estudante. ABSTRACT In the current society it is demanded a quality in education with more intensity every day. From that thought the text exposes an initial research that we accomplished on the theories of the learning and it identifies which are the theories followed by teachers of the 6th grade of Elementary School of a community school of the area. For the accomplishment of this research, we used the situational diagnosis and qualiquantitative approach and an open questionnaire. The analysis that came out from the field research was built up and discussed with a lot of authors from the education area. The text presents a discussion on which theories that base the process of knowledge production in the teaching institutions, and we verified that 37,5% base their pedagogic practice in the constructivist theory of Piage; 50% in the socio-cultural theory of Vygostky, 62,5% are also used of other theoretical ones and 12,5% said not to use any author, nor specific theory. It is concluded that most of the interviewees use some theory, and some don’t follow any theoretical one specific. It is important to notice that the integrationist approach, that is the most adapted in the learning process, only four of the interviewees make use of it because the person grows in a social atmosphere and the interaction with the another one is essential to his learning. keywords: Learning theories. Education. Teacher– student interaction CONSIDERAÇOES INICIAIS Muitas são as teorias que se voltam para a produção do conhecimento e esta pesquisa se propõe a refletir sobre diferentes posições teóricas de modo a compreender como cada uma delas encara o papel do social, enquanto condição de facilitadora e determinante na apropriação e superação do conhecimento socialmente disponível sendo que, após observações e discussões feitas em aula e tendo em vista as diversas linhas pedagógicas existentes no meio Educacional, sentimos a necessidade de pesquisar qual 1 Acadêmicas do 5° semestre do Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia – Administração Escolar - SETREM; aq0064653@ setrem.com.br e [email protected] 2 Mestre em Educação nas Ciências, professora do Instituto Superior de Educação da SETREM e do componente curricular “Teorias e Paradigmas Educacionais”, [email protected] 3 Avenida Santa Rosa, 2405; Três de Maio RS [email protected] 47 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 é a teoria da educação seguida pelos professores atualmente. 1 PRESSUPOSTO DAS TEORIAS DA EDUCACÃO Segundo Palangana (1998), há várias formas de conceber o desenvolvimento e a aprendizagem enquanto propriedades fundamentais do indivíduo que se apresentam com uma multiplicidade de fatores tanto intra como interindividuais e também os que o meio material dispõe. Existe, porém, um aspecto básico: “a aprendizagem e o desenvolvimento do pensamento pressupõem, sempre, uma relação entre o sujeito e o objeto de conhecimento” (PALANGANA, 1998, p. 7), visto que a aprendizagem é uma construção coletiva e se constrói a partir das aprendizagem individuais e grupais. As formas de conceber a ação educativa são várias e não há uma realidade acabada, única. A aproximação desta ação pode ser considerada como mediações historicamente possíveis e, por esta razão, dignas de serem analisadas, pesquisadas. Partindo deste pressuposto, foram consideradas as seguintes Teorias: a inatistamaturacionista, a comportamentalista, a interacionista construtivista e a histórico-cultural. CAMINHOS METODOLÓGICOS Esta pesquisa se tratou de um diagnóstico situacional e teve uma abordagem qualitativa. Foi realizada através de questionário aberto aplicado a profissionais da área da educação. Baseou-se também em fundamentos do método bibliográfico. Segundo Oliveira (1999), o método qualitativo é utilizado no desenvolvimento das pesquisas que visam descrever a complexidade de uma determinada hipótese ou problema, compreendendo e classificando processos dinâmicos experimentados por grupos sociais, apresentando contribuição no processo de mudança, criação ou formação de opiniões de determinado grupo. A abordagem qualitativa nos leva, entretanto, a uma série de leituras sobre o assunto da pesquisa, para efeito da apresentação de resenhas, ou seja, descrever pormenorizada ou relatar minuciosamente o que os diferentes autores ou especialistas escrevem sobre o assunto e, a partir daí, estabelecer uma série de correlações para, ao final, darmos nosso ponto de vista conclusivo (OLIVEIRA, 1999, p.117). Segundo Moreira (1999), teoria de aprendizagem é uma construção humana para interpretar sistematicamente a área de conhecimento que chamamos aprendizagem e tenta explicar por que e como ela funciona. “As teorias também expressam relações entre conceitos, porém são mais abrangentes, envolvendo muitos conceitos e princípios” (MOREIRA, 1999, p. 13). São muitas as definições para teorias de aprendizagem, mas, de modo geral, se refere à aprendizagem cognitiva, àquela que resulta no armazenamento organizado de informações, de conhecimentos, na memória do que aprende. Uma teoria é uma interpretação sistemática de uma referida área do conhecimento e é usada para significar uma maneira particular de ver as coisas. Assim, para a elucidação do trabalho, passaremos a discorrer sobre as quatro teorias da aprendizagem que são: inatista-maturacionista, comportamentalista, construtivista e histórico-cultural. 1.1 A TEORIA MATURACIONISTA Na Teoria Inatista-Maturacionista tudo se aprende naturalmente, atribui-se um papel central a fatores biológicos no desenvolvimento humano. Segundo Fontana (1997), o inatismo-maturacionismo parte do princípio de que os fatores hereditários ou de maturação são mais importantes para o desenvolvimento do indivíduo e para a determinação de suas capacidades do que os fatores relacionados à aprendizagem e à experiência. A hereditariedade pode ser entendida como um conjunto de qualidades ou características que estão fixadas... já no nascimento... ou seja, quando falamos em hereditariedade estamos nos referindo à herança genética individual que a criança recebe de seus pais A idéia de maturação refere-se a um padrão de mudanças comum a todos os membros de determinada espécie, que se verifica durante a vida de cada indivíduo (FONTANA, 1997, p. 11). Depois de coletadas as informações através da aplicação do questionário, os dados foram examinados através da análise de conteúdo para sua socialização. Aos entrevistados foram garantidos os preceitos éticos e direitos previstos na Resolução 196 do Conselho Nacional de Saúde, do Ministério da Saúde, de 10/10/1996, sendo que todos consentiram de forma livre esclarecida com a pesquisa. A pesquisa contou com a participação de 08 profissionais da educação – professores das 6ª série do Ensino Fundamental de uma escola comunitária - de um município da região do grande Santa Rosa- RS. INATISTA- Conforme Fontana (1997), Binet concebia a inteligência como uma aptidão geral que não depende das informações ou das experiências adquiridas no decorrer da vida do indivíduo. Porém, sabemos ser a inteligência a habilidade do indivíduo de julgar, compreender e raciocinar. 48 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 Segundo Fontana (1997), Gesell explica que a existência de um padrão de desenvolvimento comum à maioria dos indivíduos é o processo de maturação biológica inerente às transformações por que passa o comportamento do ser humano. Tanto Binet quanto Gesell, acreditando que a inteligência e o desenvolvimento psíquico da criança são biologicamente determinados, preocuparam-se em descrever comportamentos e habilidades típicos de cada faixa etária. (FONTANA, 1997, p. 15). De acordo com esta perspectiva, Fontana (1997) afirma que a aprendizagem é que dependo do desenvolvimento. Esta concepção teve o objetivo de chamar a atenção para as especificidades do indivíduo, suas características, para as habilidades dos estudantes, destacando pontos como prontidão, maturidade, aptidão. Essa teoria tem tido muita influência na escola. O inatismo-maturacionismo configura o início da relação entre a psicologia e a educação. 1.2 A TEORIA COMPORTAMENTALISTA A Teoria comportamentalista ou behaviorista trata da aprendizagem - que é o tema central - como uma questão de conexões entre estímulos e respostas. Segundo explica Fontana (1997), esta abordagem destaca a importância da influência de fatores externos, do ambiente e da experiência sobre o comportamento do indivíduo. O comportamentalismo se origina das ações e as habilidades do indivíduo que são determinadas por suas relações com o meio em que se encontra. Skinner é o mais famoso psicólogo defensor da hipótese behaviorista. Um dos seus principais preceitos, e de seus seguidores, é que o aprendizado se dá através de dois processos denominados: condicionamento clássico e condicionamento operante. O condicionamento clássico envolve um tipo de comportamento determinado, que é sempre provocado por um estímulo também determinado e envolve uma reação do organismo ao meio e não da ação do organismo sobre o meio. Segundo a concepção de Skinner, a maioria dos comportamentos dos indivíduos é aprendida por condicionamento operante, onde a aprendizagem se dá de forma muito diferente, através de comportamentos emitidos pelo próprio organismo e tem algum tipo de conseqüência. Se a conseqüência for agradável, o comportamento tende a se repetir; caso contrário, o comportamento tem menos chance de se repetir. Esse tipo de comportamento é responsável pela criação dos hábitos. Mas não são apenas os padrões de estímulo que chamam a atenção dos behavioristas. A imitação também exerce uma função importante na aquisição de linguagem pela criança. O padrão de imitação segue um princípio fixo: o adulto fala uma palavra, a criança imita essa produção e o adulto recompensa a criança por essa repetição, mesmo que ela não seja fiel ao que foi dito inicialmente. Com o passar do tempo, a criança passa a falar mais parecido com o adulto, aprendendo como combinar as palavras da mesma maneira que aprendeu a reproduzi-las, através da imitação e posterior aproximação ao modelo adulto. A crítica a essa visão é que os behavioristas tendem a enfatizar a influência do meio e ver a criança com um receptor passivo da linguagem, desprezando o seu papel no processo de aprendizagem. Não explicam o fato das crianças produzirem construções que nunca foram ouvidas por elas anteriormente, assim como o fato da aquisição dos padrões gramaticais, já que as construções agramaticais nem sempre são corrigidas pelos pais e as gramaticais elogiadas, não podendo, assim, serem explicadas pelo reforço paterno. Segundo Moreira (1999), o behaviorismo de que se refere Watson não se interessava pelo reforço ou pela conseqüência como causa da aprendizagem. Ele considerava tais conceitos “muito subjetivos para uma teoria objetiva do comportamento” (MOREIRA, 1999, p. 22). Para Watson, não existem aptidões, disposições intelectuais ou temperamentos inatos ou hereditários, mas sim, a propensão para responder a certos estímulos de uma maneira determinada. Conforme explica Fontana (1997), a questão da aprendizagem é resultado do pressuposto de que o ambiente e a experiência são determinantes do comportamento. “Ela envolve uma reação do organismo ao meio e não uma ação do organismo sobre o meio” (FONTANA, 1997, p 26). De acordo com o comportamentalismo, o processo ensino-aprendizagem se tornou mais eficiente, respeitando o ritmo de cada indivíduo, valorizando o planejamento do ensino. 1.3 A TEORIA CONSTRUTIVISTA A idéia central do construtivismo é que o individuo passa por etapas de desenvolvimento e nessas etapas ele sente a necessidade de descobrir ou construir o saber. As peculiaridades do pensamento e da lógica das crianças despertaram o interesse do epistemólogo suíço Jean Piaget, que se preocupou principalmente com a questão de como o ser humano elabora seus conhecimentos sobre a realidade, chegando a construir, no decorrer de sua história, o seu próprio conhecimento. Para Moreira (1999), Piaget considera as ações humanas como base do comportamento humano. Tudo no comportamento humano parte da ação. O crescimento 49 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 cognitivo do indivíduo acontece por assimilação e acomodação. O indivíduo constrói esquemas de assimilações mentais para abordar a realidade. Não há acomodação sem assimilação, pois acomodação é reestruturação da assimilação. O equilíbrio entre assimilação e acomodação é a adaptação à situação. Experiências acomodadas dão origem, posteriormente, a novos esquemas de assimilação e um novo estado de equilíbrio é atingido. Este estado de equilibração prossegue até a vida adulta, em alguma área de experiência do indivíduo. As implicações dessas proposições para o ensino são óbvias e de grande importância: ensinar significa, pois, provocar o desequilíbrio do indivíduo para que ele, procurando o reequilíbrio, reestruture-se cognitivamente e aprenda. Jean Piaget foi responsável pela criação do cognitivismo construtivista ou hipergenético. Segundo ele, a aquisição da linguagem depende do desenvolvimento da inteligência na criança e se dá na superação do estágio sensório-motor, por volta dos 18 meses. “Nesse estágio de desenvolvimento cognitivo, numa espécie de ‘revolução coperniciana’, usando as palavras do próprio Piaget (1979), dá-se o desenvolvimento da função simbólica, por meio da qual um significante (ou um sinal) pode representar um objeto significado, além do desenvolvimento da representação, pela qual a experiência pode ser armazenada e recuperada”. (CASTORINA; OLIVEIRA, 2000, p.210) Quando as conquistas cognitivas se unem, o sujeito passa da inteligência sensória e motora à inteligência préoperatória e surge a possibilidade da adoção de símbolos públicos da comunidade ao invés dos seus significantes pessoais, ou seja, a linguagem se torna possível, assim como outros processos da função simbólica geral, como desenhar. Através do desenvolvimento cognitivo gradativo, a criança adquire cada vez mais a capacidade adulta em relação aos aspectos da linguagem. Em oposição ao modelo inatista, a aquisição é vista como resultado da interação entre o ambiente e o organismo, através de assimilações e acomodações, responsáveis pelo desenvolvimento da inteligência em geral, e não como resultado do desencadear de módulo ou um órgão - específico para a linguagem. Daí se diz que a visão de Piaget sobre a linguagem é não-modularista. Assim também, a visão behaviorista é rechaçada, com a crença de que as crianças não esperam passivamente que o conhecimento de qualquer espécie seja transmitido, mas constroem sue próprio conhecimento (PALANGANA, 1998). As pesquisas de inspiração piagetiana foram desenvolvidas nas décadas de 1970 e 1980, época que também começaram a surgir as críticas ao seu trabalho. Elas se baseavam, principalmente, na ausência do aspecto social nas suas pesquisas. 1.4 A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL Essas funções se juntam a outros três processos na superação do que Piaget chama de “egocentrismo radical”, presente no período sensório-motor, segundo o qual não existe uma diferenciação entre sujeito e objeto, a ponto do sujeito não se reconhecer nem mesmo como fonte de suas ações. Estes três processos são relacionados a seguir: O interesse em explicar como se formaram, ao longo da história do homem, as características tipicamente humanas de seu comportamento e como elas se desenvolvem em cada indivíduo constitui a base da abordagem histórico-cultural em psicologia, desenvolvida por um grupo de psicólogos soviéticos liderados por L. S. Vigotski. - o da descentralização das ações em relação ao corpo próprio; isto é, entre sujeito e objeto. O sujeito passa a se identificar como agente de suas ações; Vigotski morreu prematuramente em 1934, mas a maior parte das traduções das suas obras para o francês e o inglês foi feita a partir de 1960. No entanto, foi só nos anos 1970 que sua obra começou a exercer influência sobre os estudos de aquisição de linguagem. Representou uma alternativa ao construtivismo piagetiano, questionando o inativismo chomskiano. Explica o desenvolvimento da linguagem e do pensamento como tendo origens sociais externas (CASTORINA; OLIVEIRA, 2000). - o da coordenação gradual das ações, a fim de constituir uma conexão entre meios e fins; - o da permanência do objeto, mesmo quando ele está ausente do espaço perceptual da criança. Por meio desses processos, torna-se possível o uso efetivo do símbolo e da representação de um sinal por outro, utilizando o princípio da arbitrariedade do símbolo. No campo da linguagem, o jogo simbólico, a imagem mental, as sucessivas coordenações entre as ações e entre estas e o sujeito, a possibilidade de internalizar e conceptualizar as ações passam a fazer parte de sua realidade. Para Vigotski, conforme afirma Rego (2000), o uso da linguagem é as condições mais importantes para o desenvolvimento das estruturas psicológicas superiores (a consciência) da criança. A experiência histórica do homem se reflete nas formas verbais de sua comunicação. Esse conteúdo histórico também foi interiorizado por meio da linguagem, logo, a natureza social das pessoas se torna igualmente sua natureza psicológica. 50 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 Nesta visão, o mesmo aconteceria com a criança. O seu desenvolvimento cultural aconteceria primeiro em nível social e mais tarde em nível individual. Esse processo implicaria a utilização de signos e suporia uma evolução através de uma série de transformações qualitativas na consciência da criança. Assim, a consciência de cada criança retrataria a sua interação com a realidade. contribuições para a prática pedagógica das abordagens educacionais. O processo de internalização seria uma reconstrução interna de uma operação externa, mas diferente de Piaget, ressalta a importância da atividade do outro no processo, já que o sucesso deste depende da reação daquele. As transformações que ocorrem nesse processo são as seguintes: - uma operação que a princípio representa uma atividade externa é reconstruída e passa a ocorrer internamente; - as funções do desenvolvimento da criança passam do interpessoal (nível social) para o intrapessoal (nível individual). Assim, todas as funções superiores (memória lógica, formação de conceitos, entre outras) se originam das relações reais entre as pessoas; - o processo de internalização é resultado da história das relações reais entre as pessoas. Vigotski (2001) considera que o significado da palavra é a chave de compreensão da relação pensamento e linguagem; logo, sendo também da consciência e da subjetividade. Desse modo, seria possível analisar as transformações semânticas da língua ao longo do desenvolvimento da criança. Os trabalhos da linha vigotskiana entendem que a criança é o sujeito no processo de aquisição da linguagem, construindo seu conhecimento de mundo com a ajuda do outro. Os trabalhos nessa linha são conhecidos com “interacionismo social”. Na perspectiva interacionista de Vigotski que, por sua vez, refere-se ao meio social como sendo o contexto das relações que os homens, diariamente, estabelecem entre si e com a natureza na luta por garantir a satisfação de suas necessidades básicas, ou seja, na luta pela sobrevivência. É nesse ambiente social e historicamente organizado que o sujeito se e insere e se constitui como tal. Na tabela abaixo, apresentamos um quadro comparativo que diferenciam as quatro teorias educacionais que embasam esse texto.. Tabela 1 – Quadro comparativo que explica resumidamente o papel dos fatores internos e externos no desenvolvimento do sujeito; a relação entre desenvolvimento e aprendizagem; os principais representantes e as 51 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 Abordagem Inatistamaturacionista Abordagem comportamentalista Papel dos fatores internos e externos no desenvolvimento É determinado pelos fatores biológicos, como a hereditariedade e a maturação. É inerente às transformações pelas quais passa o indivíduo. O desenvolvimento é visto como resultado da aprendizagem. E enfatiza a influência dos fatores externos, do ambiente e da experiência sobre o comportamento do indivíduo. Relação entre desenvolvimento e aprendizagem A aprendizagem depende do desenvolvimento, isto é, o que a criança é capaz ou não de aprender é determinado pelo nível de maturação de suas habilidades e do seu pensamento através de seu nível de inteligência. Alfred Binet, Arnold Gesell Desenvolvimento e aprendizagem são processos coincidentes. O desenvolvimento é o resultado das aprendizagens acumuladas no decorrer da vida do indivíduo. Principais representantes Contribuições para a prática pedagógica Sua influência foi muito pertinente na escola, pois marcou o começo da relação entre a psicologia científica e a educação. Joahn Broadus Watson, Burrhus Frederic Skinner A idéia de que os comportamentos humanos são aprendidos em decorrência de contingências ambientais e a noção de modelagem do comportamento. Abordagem piagetiana Abordagem histórico-cultural Destaca o papel de Enfatiza as fatores internos relações com o ligados à maturação, outro e a da experiência reconstrução adquirida pelo internamente das indivíduo em seu formas culturais contato com o de ação e ambiente e da pensamento, suas equilibração significações e os sucessiva que usos da palavra conduzem a maneiras que foram com ela de agir e de pensar compartilhados. cada vez mais elaboradas e complexas. O aprendizado e o A aprendizagem desenvolvimento depende do andam juntos desenvolvimento, ou desde o primeiro seja, aquilo que o indivíduo pode ou não dia de vida do indivíduo, sendo aprender é que o aprendizado determinado pelo suscita e nível de impulsiona o desenvolvimento de desenvolvimento. suas estruturas cognitivas. Jean Piaget Lev Semeiotic Vygotsky Oportuniza ao indivíduo a sua própria ação sobre o objeto do conhecimento; o professor é um agente facilitador, o indivíduo é quem constrói seu próprio conhecimento. O professor é o mediador à medida que seus conhecimentos teóricos o ajudam a compreender o que ocorre em sala de aula, marcando suas decisões e seu modo de agir. Fonte: WEBER; QUARESMA; RASIA, 2006. 2 AUTORES QUE FUNDAMENTAM A Na pergunta sobre em que autor o professor baseia PRÁTICA PEDAGÓGICA sua prática pedagógica e que justifique a sua resposta, Na análise dos dados coletados, observamos os seguintes resultados: verificamos que 50%, ou seja, 4 dos professores entrevistados disseram fazer uso da teoria histórico-cultural na sua prática de ensino. Os que fundamentam sua prática no construtivismo, somaram 37,5%, ou seja, 3 dos entrevistados. Os que argumentaram não usar nenhum autor, nem teoria específica foram 12,5%, ou seja, um dos entrevistados. E 62,5%, ou seja, 5 dos professores entrevistados disseram que, além desses autores já citados, utilizam-se de outros autores não mencionados. Segundo o que estudamos, a teoria construtivista oportuniza o indivíduo a sua própria ação sobre o objeto do conhecimento. O professor é um agente facilitador e o indivíduo é quem constrói seu próprio conhecimento, a partir 52 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 de seu conhecimento prévio sobre a realidade, chegando a construir sua própria história. Conforme a teoria Histórico-Cultural, o professor é o mediador à medida que conhecimentos teóricos ajudam o sujeito a compreender o que ocorre em sua realidade marcando suas decisões e seu modo de agir. Os processos de aprendizado movimentam os processos de desenvolvimento e a atuação dos outros membros do grupo cultural é essencial na mediação entre a cultura e o indivíduo. A consciência individual e os aspectos subjetivos que substituem cada pessoa são, para Vigotski, elementos essenciais no desenvolvimento do ser humano, dos processos psicológicos superiores. A constante recriação da cultura por parte de cada um de seus membros é a base do processo histórico, sempre em transformação, das sociedades humanas, sendo uma relação mediadora e produzida de fora para dentro, ou seja, extrapessoal para intrapsíquica. Paulo. Atual, 1997. GOULART, Iris Barbasa. Piaget – Experiências Básicas para a Utilização Pelo Professor. Editora Vozes, Petrópolis, 2000. LIMA, Lauro de Olilveira; A Construção do Homem Segundo Piaget (Uma Teoria Da Educação). São Paulo, Summus, 1984. MOREIRA, Marco Antônio; Teorias de Aprendizagem. São Paulo, EPU, 1999. MIZUKAMI, Maria da Graça Nicoletti. Temas Básicos de Educação e Ensino. São Paulo. EPU, 2006. OLIVEIRA, Silvio Luiz. Tratado de Metodologia Científica. 2 ed. São Paulo: Pioneira, 1999. PALANGANA, Isilda Campaner. 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É interessante perceber que as análises de cunho teórico e prático das teorias educacionais se encaminham, direta ou indiretamente, no sentido de oferecer alternativas para uma atuação pedagógica que melhor responda à realidade sócio-educacional condicionada pelo momento histórico. Esperamos que não encerremos nossas discussões, mas que prossigamos nas nossas reflexões educacionais na “construção de um novo homem, numa nova sociedade” (PALANGANA, 1998, p. 164), sabendo que, para Vigotski, as origens e as explicações dos relacionamentos humanos devem ser buscadas nas interações sociais e é aí que o sujeito tem acesso aos instrumentos que possibilitam o desenvolvimento e a formação da sua própria realidade e pensamento. REFERÊNCIAS BRASIL, Conselho Nacional de Saúde. Resolução Nº 196/96 . Trata da Ética na Pesquisa com Seres Humanos. Brasília: MS, 1996. CASTORINA, José Antonio; OLIVEIRA, Marta Kohl de. PiagetVygotsky - Novas Contribuições para o Debate. Editora Ática, São Paulo, 2000. COLL, Cezar. O Construtivismo na Sala de Aula. Editora Ática, São Paulo, 1999. DEHEINZELIN, Monique. Construtivismo– A Poética das Transformações. Editora Ática, São Paulo, 1997. FONTANA, Roseli. Psicologia e Trabalho Pedagógico. São 53 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 ENTRE A ARMA E O SOFRIMENTO PSÍQUICO: CARTOGRAFANDO TERRITÓRIOS POLICIAIS Fábio Parise1 Carmen S. de Oliveira2 Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS3 of intervention in which the aim is to contemplate the police worker’s mental health. RESUMO Problematiza o trabalho da polícia civil através da escuta clínica e do recurso metodológico da cartografia. O levantamento foi realizado em um departamento especializado no combate ao tráfico de drogas no Estado do Rio Grande do Sul, durante os anos de 2003 e 2004. São analisadas três situações que se identificou como associadas ao sofrimento psíquico destes trabalhadores: o imperativo fálico (e suas ressonâncias entre os homens e as mulheres policiais), os estados de tensão pelos quais estes sujeitos possam vir a sofrer durante a execução de suas tarefas e a burocratização. Por último, são feitas considerações com vistas a produzir agenciamentos, em vários níveis de intervenção, e que contemplem a saúde mental do trabalhador nas polícias. Palavras-chave: policial - sofrimento psíquico – subjetividade ABSTRACT According to this article, it is proposed question the civil police work through the clinical listening and the methodological cartography resource. This research was done from 2003 to 2004 in a specialized department which fights against drug trafficking in the state of Rio Grande do Sul, Brazil. Three situations are linked to the psychological suffering of these workers: the strong male empire (differences between policemen and policewomen), the mental strain that these people might suffer during this period of work and the bureaucracy. Hence, considerations are made in this research in different levels Keywords: policeman - psychological suffering subjectivity INTRODUÇÃO “Basta!” Cansado de ouvir falar sobre a crise na Segurança Pública, nosso cartógrafo decidiu que era o momento de se deixar levar pelas intensidades e pelos afetos que emergiam desta instituição. Para tanto, escolheu como área de (re)pouso a Polícia Civil, mais precisamente, o departamento responsável pelo combate ao narcotráfico e seus respectivos trabalhadores, os policiais. Sabendo que a estadia neste micro universo seria, ao mesmo tempo, desgastante e instigante, nosso personagem decidiu levar consigo alguns “companheiros de viagem”, entre os quais, uma mochila na qual coubessem, além de um bloco de anotações, alguns livros para eventuais consultas; alguns cds que serviram de trilha sonora em sua estadia e, ainda, um filme que serviu como fonte de inspiração na elaboração de sua cartografia. Pretendendo dar corpo e fala ao sofrimento psíquico ao qual estão submetidos esses trabalhadores, nosso cartógrafo se lançou nesta viagem também para identificar prováveis linhas de fuga aos modos dominantes de subjetivação naquela instituição. Portanto, para uma melhor visibilidade deste corpo vivo chamado Polícia Civil e, especialmente, do trabalhador que transita por entre os meandros desses espaços de trabalho, esta viagem foi dividida em cinco escalas. Na primeira, o cartógrafo evidencia algumas características do departamento da Polícia Civil escolhido para este mapeamento. Na escala seguinte, explora algumas questões acerca da construção 1 Psicólogo. Ex-estagiário da Polícia Civil do Governo do Estado do RS. E-mail: [email protected] Psicóloga. Doutora em Psicologia Clínica (PUCSP). Subsecretária de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República. Pesquisadora na área de Violência Juvenil. Ex-presidente da FEBEM/RS. E-mail: [email protected] 3 Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Av. Unisinos, 950; São Leopoldo – RS. E-mail: http://www.unisinos.br 2 54 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 do masculino em nossa sociedade, pois percebeu que tais questões atravessam a todo instante esses servidores. Na terceira, aborda o cotidiano deste trabalhador e seus desdobramentos. Na seqüência, analisa a questão da subjetividade feminina tentando não se despotencializar em um ambiente predominantemente masculino, como é o caso do território policial. Já na última escala, cartografa as possibilidades destes sujeitos em romper com os territórios burocráticos, bem como alguns possíveis focos de intervenção psicológica em tal contexto. PRIMEIRA ESCALA: FAZENDO UMA “RECUNHA” 4 NO LOCAL Devidamente instalado no departamento policial em questão, nosso cartógrafo decidiu circular um pouco na instituição. Durante sua “ronda”, passou a sentir na pele os afetos metalizados por uma instituição que potencializa a idéia do não-sentir. Curiosamente, nosso protagonista havia lido algo sobre produção litográfica em Ferreira (1998), que consiste em um “processo de gravar sobre pedra calcária ou placa de metal”, e pensou que a frieza e dureza daquele ambiente não seriam, necessariamente, impedimentos na construção de um outro solo – agenciador de vidas exuberantes – diferente deste, um magma institucional. Proclamado como a elite da Polícia Civil gaúcha nos últimos tempos, este departamento opera em nível estadual no combate e repressão ao narcotráfico. Também faz parte da sua esfera de atuação a repressão aos usuários de droga. Para isto, nosso cartógrafo constatou que operam neste órgão quatro delegacias, além de três setores administrativos. Nestes locais trabalham 92 funcionários, sendo que 69 são homens e 23 mulheres5, ou seja, para cada mulher há três homens em trabalho. Vale salientar que entre elas, apenas seis trabalham na investigação, e as demais exercem cargos administrativos. Embora este predomínio masculino esteja mudando – haja vista a última turma de delegados formados, onde mais de 50% são mulheres6 -, observa-se que o poder de decisão e a ocupação de cargos estratégicos ainda pertencem aos homens. Subindo e descendo morro, entrando e saindo de vilas, este é em grande parte o cotidiano dos trabalhadores deste local. “Andando por entre os becos, andando em coletivos, ninguém foge ao cheiro sujo”7, cantarolou o cartógrafo. “Mas que estranho” - constatou ele -, “dificilmente há uma operação em áreas nobres da cidade”. Contudo, pensando melhor, lembrou que a Organização Policial está vinculada à emergência e à expansão do poder de Estado (TAVARES dos SANTOS, 1997) e, nesta medida, não seria tão surpreendente que sua ação estivesse mais voltada para o controle das classes subalternas e que o corpo policial passaria a ser investido por relações de poder e dominação, além de táticas de sujeição sutis, como afirma Amador (2002). Observou que os próprios policiais caracterizam seu trabalho pelo paradoxal exercício da coerção física legítima e o estabelecimento do bem-estar social e, portanto, mesmo que eles não referissem isto diretamente, ficou claro que a tarefa policial participa da governabilidade, auxiliando na instituição do poder do Estado sobre as coletividades, transformando-se em tecnologia de poder (FOUCAULT, 1982). Ainda sobre o corpo policial, o cartógrafo registrou que existiam alguns atravessamentos institucionais peculiares e que faziam surgir um outro corpo: o de policial civil. É como se o sujeito que existisse antes do policial acabasse sendo preterido pela construção de uma figura identitária enrijecida. Através da fabricação de corpos submissos pela disciplina, o bom policial é aquele que obedece: quanto mais obediente e viril for, mais útil será considerado, e vice-versa. Perante o reconhecimento da aquisição de um “novo corpo” assumido pelo policial, nosso viajante se pôs a pensar de que forma uma mulher conseguia “sobreviver” neste universo de traços visivelmente masculinos. Além dessa, outra dúvida: por que as características fálicas de virilidade, força e insensibilidade fizeram do homem o modelo de policial para a modernidade? SEGUNDA ESCALA: O MASCULINO E O FEMININO NA ORGANIZAÇÃO POLICIAL Para tentar responder a estas questões, o nosso protagonista resolveu recorrer à Sociologia e à História para conhecer mais sobre a construção das subjetividades masculina e feminina. Foi assim que aprendeu com Kimmel (1998) que as masculinidades são socialmente construídas, não sendo propriedade de alguma espécie de essência eterna ou mítica, muito menos biológica. De outro lado, são produzidas simultaneamente em dois campos inter-relacionados de relações de poder – nas relações de homens com mulheres (desigualdade de gênero) e nas relações dos homens com outros homens (desigualdades baseadas em raça, etnicidade, sexualidade, idade, etc). Por último, o autor nos faz compreender que devido à imersão da masculinidade nas relações de poder, esta é freqüentemente algo invisível aos homens, cuja ordem de gênero é mais privilegiada. O autor também refere que no século XIX uma nova versão emergiu, a do self-made-man, onde o modo masculino deveria ser demonstrado e provado no mercado, exigindo dos homens uma comprovação constante e incluindo sempre o risco de falhar. Neste sentido, Kimmel analisa três padrões 4 Gíria policial usada para reconhecer uma pessoa ou ambientar-se com um lugar. Dados obtidos durante a aplicação do Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de Lipp (ISSL), no período de abril a setembro de 2004. 6 Jornal Zero Hora, 02 de outubro de 2004. 7 Chico Science & Nação Zumbi, “Manguetown”, Afrociberdelia, SONY MUSIC/CAOS, 1996. 5 55 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 básicos de provas ou demonstrações: o autocontrole, a fuga para longe das influências femininas e a desvalorização de outras formas de masculinidade. Agora, depois de cartografar um pouco acerca da construção histórico-social da masculinidade, o nosso explorador decidiu respirar outros ares, deixando-se tocar pela construção do feminino no Brasil. Observou que no início do século XX, conforme aponta Neumann (2001), instaura-se no país a sociedade industrializada e urbanizada, consolidando o modelo de família nuclear, onde os valores estão no bom ambiente do lar, e a mulher é a dedicada esposa e mãe. De acordo com a autora, para ser uma mulher bondosa, ela deveria ser desprovida de erotismo e não ter uma conduta duvidosa perante a sociedade. Assim, era no casamento que as mulheres seriam reconhecidas, sendo este também o único espaço aceito para o exercício de sua sexualidade (CORREA, 1994). Após essas leituras, nosso incansável cartógrafo decidiu que era o momento de desacelerar. “Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma, até quando o corpo pede um pouco mais de alma, a vida não pára. Enquanto o tempo pede pressa eu me recuso e faço hora na valsa”8. De posse de seus cds e de seu bloco de anotações, iniciou o registro das intensidades vividas nos últimos momentos. Em seguida, pôs-se a assistir ao filme “Dia de Treinamento” 9, que, como veremos logo adiante, foi essencial na produção de sua cartografia e na compreensão da subjetivação policial neste departamento. TERCEIRA ESCALA: O CHAPADO, O CHEIRADO E O TOMADO. Nos últimos anos, a Segurança Pública e as conseqüentes atuações das polícias vêm sendo freqüentemente veiculadas pela mídia. Muitas vezes, estes trabalhadores da Segurança Pública são colocados como legítimos vilões; em outras situações, ao mencionarem suas péssimas condições de trabalho e o risco diário ao qual estão expostos, são considerados vítimas. Na medida em que eles operam no paradoxo contenção/produção da violência, são tanto sujeitos de opressão quanto de reprodução dessa violência. Para além desta configuração em heróis ou vilões, o que o cartógrafo desejou foi abrir fissuras nestas referências identitárias para que as falas, as angústias, os medos e espectros destes sujeitos ganhassem expressão. Já que não se tratava de naturalizar estes papéis, o ponto de partida seria indagar acerca dos possíveis agenciamentos que vêm consolidando tais territórios policiais. Neste sentido, o nosso aventureiro decidiu seguir uma pista deixada em uma entrevista pelo escritor David Ayer, que inspirou o filme “Dia de Treinamento” (uma produção cinematográfica que retrata o dia-a-dia de dois policiais da Divisão de Narcóticos de Los Angeles): “O diabo não aparece de chifre e rabo, ele é muito mais sedutor”. Quais seriam, então, as nuances do diabólico no território policial e suas estratégias de sedução? Nesta perspectiva, Freitas & Fischer (2002) alertam para o fato de que a Segurança Pública carrega consigo o peso das funções mais duras do Estado, devido a dois fatores: o agravamento das questões sociais e a sua esfera de atuação. Isto ficou muito claro para o nosso investigador quando ele foi conferir o enredo daquele filme que trata do encontro de Alonzo, um policial veterano e corrupto, e de Jake, um agente recém-chegado da Academia e que sonha em ser detetive. Os scripts desses personagens permitiram ao cartógrafo identificar várias semelhanças com os depoimentos coletados durante sua estadia naquele departamento policial. Dessa forma, decidiu nomear os três estados de tensão pelos quais os policiais deste local estão sujeitos a vivenciar ao longo de suas carreiras: o chapado, o cheirado e o tomado. O estado de chapado tem relação com a maconha, geralmente a primeira droga ilícita experimentada por um drogadito, e que serve como via de entrada na dependência química. Pensando assim, o cartógrafo concluiu que o servidor público, ao ingressar na Polícia Civil, pode ser acometido por um efeito semelhante ao da maconha. Isto é, ele fica chapado por uma instituição que o obriga a inalar durante 24 horas os ares de identidade policial. Essa constante pressão sequer se encerra quando eles voltam para suas casas, pois a desvinculação desta referência identitária é praticamente impossível, conforme relatou esse funcionário: “Depois que tu entrou pra polícia, é como se tu tivesse uma segunda pele que de forma alguma sai de ti. Parece escama, nem mesmo embaixo d’água sai.”10 Ou seja, onde quer que esteja e em qualquer condição, o policial estará sendo pressionado por alguma norma que o induz a incorporar a instituição “polícia civil” o tempo todo. Se este policial trabalha com escuta telefônica11, por exemplo, a desvinculação do trabalho é quase inviável, posto que não pode desligar o celular em momento algum do dia, pois precisa escutar seu suspeito: “Agora, além de armados o tempo todo, andamos ‘celulados’12 durante todo o dia”. Além da pressão jurídica e institucional, o cartógrafo constatou que os policiais são cobrados a agir como tais, o tempo todo, também pela sociedade: “As pessoas cobram que você seja polícia em qualquer hora do dia, seja de madrugada, quando tu chega do trabalho, ou até Lenine, “Paciência”, Na Pressão, BMG, 1999. “Dia de Treinamento”, direção de Antonie Fuqua, WARNER BROS, 2001. 10 Nos depoimentos policiais colhidos, foi mantida uma linguagem coloquial com o intuito de preservar a veracidade dos fatos. 11 Interceptação telefônica, expedida pelo juiz, segundo a lei 9296/96. 12 Expressão usada pelo policial para indicar o uso constante do telefone celular. 8 9 56 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 mesmo nos raros domingos de descanso. Assim, fica difícil de nós sairmos deste papel de polícia, mesmo quando não se está em serviço. O outro não consegue te desvincular. O cara vai te ver como rato (policial) o tempo todo”. Ao que um outro colega seu agrega: “Mesmo após o fim do expediente a sociedade vê a gente como policial. Até bronca13 que nada tem a ver contigo ou com o teu trabalho eles pedem pra ti resolver. Tu acaba virando referência de todos na vila”. Por outro lado, agrava-se o fato de que o policial lida com questões com as quais nossa sociedade insiste em esconder, excluir e negar: morte, crimes, drogas e miséria. Para Bittner (2003), a essência do trabalho diário policial é enfrentar situações que outras pessoas respondem com medo, raiva ou repugnância, como essa que o cartógrafo registrou em seu bloco a partir do depoimento de um policial: “Quando eu entrei na casa para cumprir o mandado, eu não acreditei no que vi... Parecia um filme de terror. Havia umas cinco ou seis crianças, nem lembro mais o número correto, mas todas estavam sobre uma cama, com suas roupas sujas, com fraldas cheias de merda por toda a casa, inclusive sobre a mesa. A mãe, completamente chapada, gritava muito, agarrandose aos seus filhos que, desesperados e chorando muito, davam-nos chutes na pífia tentativa de que não levássemos sua mãe presa... Olha, te confesso que quase vomitei e por pouco não chorei de tão mal que fiquei. Aquela noite passei em claro”. Por isso, é como se este sujeito devesse ser um policial total, mesmo que isto comporte uma grande carga de sofrimento psíquico, visto que carrega consigo, durante todo o tempo, as adversidades emergentes do trabalho. O segundo estado de tensão que pode acometer o policial durante sua jornada de trabalho foi considerado pelo cartógrafo como o estado de cheirado, cuja referência nos remete à cocaína. É um estado intensificado pelo cotidiano das ruas, pela pressão institucional e social e, sobretudo, pela adrenalina produzida pela própria profissão. O que chama a atenção é uma forte fissura desses policiais por suas atividades nas ruas, bem como um grande sentimento de desconfiança (um dos principais sintomas do dependente de cocaína). Ao pensar no encantamento desses trabalhadores pela circulação urbana e ao lembrar de algumas cenas do filme “Dia de Treinamento”, nosso aventureiro sentiu vestígios do corpo vibrátil que, segundo Rolnik (1989), é capaz de intensificar afetos. O primeiro desses registros evoca o diálogo que ocorre entre Alonzo (veterano) e Jake (novato). Quando os dois saem da lanchonete – era o primeiro dia de Jake na Divisão de Narcóticos -, ao entrar no carro este pergunta: - “Alonzo, onde é o escritório? Na Divisão?”. 13 Algum caso a ser investigado. O veterano policial sorri e, depois de alguns segundos olhando para seu colega, responde: - “Você está no escritório, cara”. Em seguida, arranca com o carro partindo para as ruas. É esclarecedor também outro diálogo entre os dois policiais, ocorrido na rua, com o carro em movimento: Alonzo: - “Se não gosta da Narcóticos, cai fora do meu carro. Volte pro escritório. Vá investigar cheques sem fundo. Entendeu? Depois de alguns segundos, indaga: - “Por que escolheu a Narcóticos?”. Jake: - “Quero ser detetive”. Alonzo: - “Legal. Vá por mim, você consegue. Esqueça aquelas besteiras da Academia. Não use aqui, você vai acabar morto. Abaixe o vidro. Comece por aí. Ouça a rua, cheire, sinta o gosto. Ela é sexy”. Ao resgatar essas duas inusitadas cenas do filme, o cartógrafo procura trazer à luz do conhecimento o que é ser policial, especialmente neste órgão de combate ao narcotráfico. Estendendo um pouco mais seu pensamento, ele questiona: “Que adrenalina e paranóia são essas produzidas no contato com as ruas?” Para tentar responder a essa indagação, o nosso viajante realizou alguns deslocamentos pela instituição a fim de cartografar aspectos da formação policial. Na medida em que nosso sistema penitenciário e jurídico se revela incapaz de dar conta da problemática da criminalidade e da “reabilitação” social dos criminosos, os policiais se sentem alvo preferencial da violência que esses sujeitos dirigem à instituição enquanto agente opressor. Mesmo sem usar fardas, como os policiais militares, eles corporificam e materializam essa instituição perante toda a sociedade. É preciso, então, manter-se sempre atento, especialmente quando se está nas ruas: “Eu só me sinto seguro quando ponho o pé dentro de casa. Quando estou na rua fico nervoso o tempo todo”. Essa angústia gerada pela necessidade de estar sempre alerta é fortemente agravada após alguma situação em que se sentiu intimidado por criminosos: “Depois que o policial passa por uma situação desta, ele passa a desconfiar de todo mundo...” Tampouco em companhia de familiares isto é amenizado: “A gente nunca tá tranqüilo, principalmente quando estamos com nossa família. Ficamos o tempo todo observando. É muita paranóia... Quando tu vê, já tá repetindo em casa o mesmo funcionamento que tu tem na delegacia. É automático... Tu começa a desconfiar de tudo e de todos. Nem mesmo a tua esposa e teus filhos 57 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 escapam disso. O problema é que tu vai lá, te esforça pra prender o cara e quando não dá nem uma semana o cara já está aprontando de novo. Os vagabundos nunca ficam preso, quem dirá os peixões.”14 verdade” em sua execução concreta: “É somente na rua que eu me sinto policial. Ser policial é estar nas ruas, no movimento, e não trancado dentro de uma sala. A rua possibilita que a aprendizagem ocorra in loco”. Conforme Amador (2002), a esfera de trabalho dos policiais evidencia muitos elementos de pressão do trabalho; entre eles, o contexto diário de perigo e risco. Em face dessa realidade, a atividade policial exige atenção difusa, pois necessitam estar constantemente sintonizados com a possibilidade de confronto: “Tu ta sempre em ponto de, a qualquer momento, explodir. A pressão é muito grande”. De um modo geral, nota-se que os futuros policiais entram na Academia de Polícia com a idéia de uma instituição eficaz, equipada e preparada, no estilo FBI de alguns filmes norte-americanos16. Isto faz lembrar ao cartógrafo um argumento de Freud (1913) em “Totem e Tabu”, de que o objeto tabu tem o sentido paradoxal de sagrado e também de horror. Transportando essa noção para o meio policial, presenciamos que o vínculo com a instituição também repousa em um paradoxo, porque pertencer a uma instituição requer destes policiais uma grande elasticidade para suportar o choque entre o que lhes foi passado na Academia (o sagrado/idealizado) e a realidade institucional (o horror da falta/carência). Por isto, em suas falas, observamos uma certa apologia ao “discurso da adrenalina”, que parece cumprir uma função de justifica e de valorizar o esforço desmedido, muitas vezes representado pela desconsideração da falta de condições de trabalho: “Tem os problemas materiais que atrapalham tudo, mas na hora de cumprir o mandado a gente nem pensa nisso”. Também os riscos que o trabalho em certas situações impõem às suas vidas são secundarizados: “Às vezes a gente entra com tudo na vila, troca tiro com os traficantes e só depois é que percebe que se um tiro daqueles tivesse encontrado o seu destino, que é a gente, tinha tudo acabado.Mas na hora a gente nem pára pra pensar que não vale a pena morrer por causa dos vago...”15 Nesse sentido ser policial é, para eles, algo que corre nas veias, um impulso, uma vocação, muito embora eles próprios digam que isso surge depois que ingressam na instituição, reforçando a idéia da “fissura”. Contudo, podemos apreender esse discurso como uma verdadeira “ideologia ocupacional defensiva” (Dejours, 1992, p.69), na medida em que atenua o medo e a ansiedade decorrente da percepção do risco inerente ao trabalho policial, o qual é muitas vezes exarcebado pela falta de condições materiais apropriadas (coletes, armas, carros adequados, etc.). Tal hipótese consolida-se quando observamos que esse discurso permeia a fala de grande parte dos trabalhadores que vivem o cotidiano da rua, os quais estão mais expostos a esse tipo de ocorrência. Considerando todos esses aspectos é possível dizer que essa defesa assegura a execução do trabalho, minimizando a relação destes trabalhadores com essas contradições e seus aspectos paralisantes. Quanto à formação do policial, a maioria afirma ser bastante deficitária. Apesar de reconhecerem um aperfeiçoamento nos últimos anos, sentem uma distância de seu cotidiano: “O treinamento não mudou: Hoje tem Psicologia, Sociologia, mas, no fundo, a gente é preparado para a guerra, e depois vai para a rua fazer trabalho comunitário, assistencial. Mas de que jeito?” Por isto, ainda hoje, concebem o trabalho como algo que se aprende “de Portanto, chegamos agora no último estado tensional identificado pelo nosso protagonista. Este, sem sombra de dúvida, é apontado como o mais perigoso de todos. É o chamado estado da tomada, em outras palavras, “tomada nos canos”17. Se nos dois estados anteriores nós tínhamos como referência, respectivamente, a maconha e a cocaína; neste, a referência é a heroína (substância geralmente injetável). Este é o resultado da pulsão de morte, do poder ilimitado que o policial julga possuir e, sobretudo, o da linha tênue que, segundo os policiais, separam-nos dos traficantes. Assim como um dependente químico que, ao atingir este nível de drogadição, praticamente aniquila com qualquer possibilidade de recuperação, o policial que atravessa uma vez a linha dificilmente deixará de atravessála em outras oportunidades: “Aqui é muito fácil de tu passar pr’outro lado. Aqui, tu lida com muito poder. E não é só de dinheiro que eu tô falando... É maconha, cocaína, ecstasy, crack... É muita grana... É muito fácil se corromper... Só que quando tu começa a cruzar a linha, onde irá parar nem Deus sabe”. De acordo com Amador (2002), esse limite tênue parece existir por dois aspectos. O primeiro diz respeito à realidade de exercício de uma profissão que se vê cortada por aspectos marginais, que influencia cotidianamente os policiais, caso não possuem uma boa estrutura psíquica e uma sólida formação. O segundo fala de uma profissão que os coloca frente a frente com o perigo, levando-os ao poder de decisão de matar ou morrer, de prender ou soltar. Ainda, segundo essa autora, a linha tênue representa o centro do sofrimento policial, pois revela a tentativa dos policiais “para se manterem em equilíbrio sobre uma linha frágil (o sofrimento) que separa o controle do descontrole (a saúde da loucura)”. 14 O grande traficante. Abreviação de vagabundo, termo usado pelos policiais na identificação do traficante. 16 Local de reforço dos bíceps e tríceps narcísicos. 17 Gíria policial que identifica, geralmente, o dependente em heroína injetável. 15 58 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 A respeito da linha tênue, o cartógrafo lembra deste depoimento: “Às vezes as coisas estão todas certas, no seu devido lugar. Daí, quando surge um pequeno empecilho, tu resolve não seguir os ditames institucionais de praxe. N’outro dia tu repete a transgressão, porém a situação era mais delicada, por exemplo, que a do dia anterior. E assim, sucessivamente, tu vai pegando gosto pela coisa. Ou seja, tu percebe que cruzando a linha um pouco, resolve o caso. Aí, diariamente, tu avança um centímetro, um metro, e quando percebe, já está do outro lado”. De uma certa forma, isto se confirma na expressão do personagem Alonzo no filme: “Se não gosta da Narcóticos, cai fora (...). Volte pro escritório, vá investigar cheques sem fundo. Entendeu?”. Em outras palavras, o que ele quis dizer é que nesta instituição não há espaços para medos, receios e vacilações. E é exatamente isso que o nosso instigante cartógrafo vivenciou durante sua estadia neste órgão policial. Dessa maneira, evitando o medo através de uma posição de autoconfiança, o trabalhador deste local se coloca, muitas vezes, como o “todo poderoso” ou, então, como afirma Alonzo: “Eu sou a polícia! O King Kong não pode comigo!” Tal frase ganha notoriedade maior ainda quando comparada com essa proferida por um outro servidor: “A gente quando é polícia vê algumas coisas de outra forma. Isso porque existe uma mentalidade própria na polícia que faz com que internalizamos e detectamos as coisas de outro jeito... Daí você se torna aquele cara policial, superior. É a solução para o problema”. Nesta última frase podemos perceber não só a personificação de uma identidade policial, que tal como uma tatuagem marca o corpo deste trabalhador, mas principalmente uma sensação de poder ilimitado, que pode ser mais bem visualizada no filme, nestas palavras de Alonzo para Jake: “Para proteger as ovelhas, você precisa pegar o lobo. E é preciso um lobo para pegar o lobo, entendeu? Eu estou num nível superior, filho. Tenho todas as chaves de todas as portas”. Ou, então, neste depoimento feito por um policial: “Nós, enquanto policiais, muitas vezes nos deixamos levar por uma sensação poderosa de que podemos tudo e de que quase nada devemos. Nas ruas, então, especialmente durante a noite, agimos como os justiceiros do mal.” Por mais antagônica que possa parecer essa expressão, “justiceiros do mal”, ela reflete um anseio que a sociedade projeta sobre o policial, que é o de fazer justiça com as próprias mãos, independentemente das categorias e canais legais de resolução de conflitos (PAIXÃO E BEATO, 1997). Nesse sentido, verifica-se freqüentemente a aprovação de ações arbitrárias e mesmo violentas da polícia por parte da opinião pública. Deste modo, o trabalho policial se defronta usualmente com uma clara contradição. Se, por um lado, podemos verificar o crescimento da fiscalização da sua atuação pelas instituições democráticas, por outro, temos demandas por parte da sociedade civil de uma atuação arbitrária e muitas vezes violenta para que se faça justiça. É assim que, concomitantemente ao “discurso da adrenalina”, vemos surgir o “discurso da naturalização da morte” servindo como mais uma defesa coletiva. Para os policiais, o risco se torna uma rotina. Matar ou morrer é algo natural. Consideram mesmo que dentre as funções da polícia se destaca o “matar ou morrer”. “Nós temos mil funções na rua, não só a de prender. Há casos em que os traficantes não querem nem saber, eles te tocam fogo mesmo. Daí é tu ou eles. Daí é matar ou morrer”. Para finalizar esta parte de sua produção litográfica, o nosso aventureiro buscou nas palavras desta canção um pouco da síntese do que foi cartografado nesta escala: “Às vezes eu falo com a vida, às vezes é ela quem diz: qual é a paz que eu não quero conservar pra tentar ser feliz?”18 QUARTA ESCALA: ENTRE A 7.65 E O BATOM Após uma pausa entre uma escala e outra, nosso aventureiro voltou a se perguntar: “Será que tais estados citados na escala anterior podem ser encontrados também entre as mulheres policiais? De que forma a mulher consegue inserir-se neste universo masculino sem que para isso precise usar de subterfúgios que a capture em territórios nos quais os desejos e afetos não pulsam mais como agentes potencializadores da vida?” Para tentar responder a estas questões, o nosso protagonista recorreu novamente ao filme já referido anteriormente; desta vez para focalizar o diálogo inicial entre seus dois principais personagens. No caso, Jake comenta com Alonzo uma ação empreendida junto com sua treinadora. Deste relato, o que mais chama a atenção de Alonzo é o fato de seu colega ter uma treinadora mulher, seguindo-se várias perguntas: “Ela era negra? Branca? Franchona? Sapatão? Lésbica? Gostosa?” Diante deste interrogatório, Jake evita qualquer resposta e tenta retomar sua narrativa do patrulhamento feito, ao que Alonzo comenta ao final: “Verdade? Incrível... Você fica um ano com uma gostosa e a melhor história que me conta é a prisão de um bêbado?” E volta a indagar ao perplexo Jake: “Mas não acredito em você. Você comeu, não comeu?” Como o colega, encabulado, responde que tem esposa, ele pergunta, indignado: “Você tem pau, não tem? O seu pau fica no meio. Dos lados tem os bolsos, certo? Nesses bolsos têm dinheiro. Procure num deles e pague a conta”. Diante desta cena cinematográfica e dos depoimentos colhidos em termos de masculinidade e feminilidade no departamento policial cartografado, o nosso explorador de intensidades constatou que o reconhecimento da mulher naquele local se constrói, via de regra, pelo conteúdo sexual. No decorrer do diálogo acima reproduzido, Alonzo em momento algum, depois de saber que Jake trabalhava com uma mulher, fez menção 18 59 O Rappa, “Minha Alma”, Lado B, Lado A, WARNER MUSIC, 1999. REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 ao desempenho desta em termos profissionais. Em vista disso, o cartógrafo deflagrou três papéis devidamente “oferecidos” pelos homens policiais às suas colegas de departamento: o “mandado quente”, o “mandado frio” e o “sem mandado”. vocabulário geralmente utilizado pelos homens, observase que algumas policiais masculinizam seu corpo, assim como seu modo de agir, de sentir e de falar: “A mulher policial tem que saber pedalar porta19, dar tiro, saber fazer a retaguarda, não dar mole pros vago”. O primeiro papel é o de mandado quente, quando se associa à mulher termos como “gostosa” e “frágil”, reduzida a objeto de prazer masculino. O que parece imperar nesta lógica é aquilo que Guattari (1987) denominou como alienação sexual, uma vez que um dos pilares do capitalismo implica na polarização do corpo social na masculinidade, sobrando para o corpo feminino a transformação em objeto de cobiça, em mercadoria. Porém, trata-se de uma saída custosa, conforme se pode visualizar neste desabafo: “E daí tu tá na vila. E tu precisa entrar naquela casa. Teu colega está ao teu lado... posso sentir ele falando: - ‘Agora quero ver como irás fazer!’ Então é como se tu ligasse um piloto automático, pra usar toda a tua força, não só física, mas mental também, e entrar naquele casebre, ignorando o choro da criança, o desespero da mãe, o latido do cachorro, o miado do gato... Enfim de toda aquela realidade. Nessas horas tu tem que te sentir como um homem... Frieza e força são destas coisas que tu precisa. Senão tu só será mais um corpo a ser comido”. A esta mulher policial está designado também um papel doméstico, semelhante ao da mulher burguesa do início do século XX que, como já cartografado anteriormente, era o exemplo da boa dona-de-casa, dedicada aos filhos e ao marido. A chamar suas colegas de “fogão”, os homens deste departamento fazem uma alusão a um objeto que, a grosso modo, serve para esquentar e comer. Logo, ao assumir um papel de “mandado quente” – aquele que se efetua –, tal mulher está sendo “esquentada para ser comida”. Em outras palavras, o que se agencia é o papel da “noivinha-que-gora-e-gruda” (ROLNIK, 1989) e que vivencia os movimentos do desejo como caos. Segundo a autora, ao boicotar o fluxo contínuo das conexões de seus desejos, restringindo ao máximo seus agenciamentos, essa noivinha acaba experimentando uma constante perda de sentido pela vida. Mas nosso explorador de afetos observou que também o policial acaba cristalizando uma masculinidade do tipo self-made-man, aquela do policial machão, que “traça todas” e não tem medo de nada, conforme as palavras do personagem Alonzo: “Fale a verdade, você comeu a garota. No banco de trás!... Você tem pau, não tem?”. O segundo papel destinado às mulheres neste departamento foi nomeado pelo cartógrafo como o mandado frio. A mulher que ocupa este papel é considerada, pelos homens, lésbica ou “machorra”. Diferentemente da noivinha-que-gora-e-gruda, esta descola dessa imagem fragilizada: “Pra uma mulher que não é gostosa ser reconhecida aqui, somente com muito tempo de trabalho na rua, sendo pau-ferro no que faz, onde até os vago a respeitem”. A expressão “pau-ferro” utilizada naquele departamento para designar a melhor policial, a mais preparada, a que “não te deixa na mão”, é a principal evidência de uma subjetividade feminina seduzida por uma virilidade potente, pois, além de indicar significados de um Dito de outra maneira deflagra-se não somente um fazer masculino para essa mulher ser respeitada como trabalhadora, mas, sobretudo, uma imposição de que policial é somente aquele que faz do seu corpo e de sua agressividade seus instrumentos de trabalho. Por último temos o papel ocupado pela mulher sem mandado, que de tão insignificante que ela é para os homens, nem mesmo demandas masculinas ela consegue suscitar. Ela não é nem quente e nem fria; nem sensual/ frágil e nem machorra/rude; não gruda e nem descola. Ou seja, ela é um ser assexuado, vivendo em um limbo existencial que a torna praticamente invisível: “Polícia que é polícia trabalha na rua, prendendo vago, não socado atrás de um computador fazendo papel20. Nem mesmo policial ela pode ser considerada. É funcionária pública, não policial”. Assim, o próximo relato, registrado no bloco do cartógrafo, sintetiza os três papéis que as mulheres estão sujeitas a ocuparem neste ambiente: “Aqui, nós mulheres, embora isto tenha mudado um pouco atualmente, vivemos a lógica do se ficar o bicho come, se correr o bicho pega, visto que ainda hoje somos reconhecidas, pelo olhar masculino, como fogões. Assim sendo, ou somos gostosas e frágeis, sempre necessitando da proteção masculina, ou somos lésbicas e mal vistas ou, então, somos burocráticas e, o que é pior, nem vistas”. A partir disto, o que reverberou em nosso cartógrafo foi a melancólica constatação de que os homens e mulheres acabam, muitas vezes, despontecializados em seus devires na atividade policial, uma vez que se encontram colados a territórios fixos e delimitados. Seus corpos ficam incapazes de afetar ou de serem afetados, contribuindo, com isso, para a transformação instantânea de toda e qualquer manifestação de força ativa em força 19 No cumprimento dos mandados policiais, em caso de suspeita de tráfico, é preciso, muitas vezes, invadir a casa do suposto traficante. Para isso, quando o suspeito não se entrega ou não tem ninguém em casa, os policiais, ao lado de uma testemunha, invadem a casa, tendo que, na maioria dos casos, por a porta abaixo com um pontapé. 20 Trabalhar em setor administrativo, como cartórios e secretarias. 60 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 reativa. Tal constatação fez o nosso protagonista buscar em Nietzsche (2001, p.28) um contraponto a este contexto: “ser ativo é parte necessária da felicidade”. Bem, se por um lado o nosso agenciador de afetos encontrou em sua caminhada nômade muitas subjetividades desvitalizadas, também registrou encontros que foram extremamente potencializadores, como um certo devir “noivinha-que-gora-e-descola” (ROLNIK, 1989) em meio a este viril departamento. Foi assim que enquanto para algumas mulheres o mais viável foi deixar-se prender em existências erótico-domésticas ou burocráticas, intimidando-se perante os músculos do self made-man, para outras a desterritorialização abriu espaço para a circulação dos fluxos esquizo, propulsores de novos agenciamentos coletivos de desejo (GUATTARI, 1987), como afirma uma das policiais: “A instituição e os homens que a fazem, já possuem em suas mentes lugares certinhos para ocuparmos assim que chegamos. Entre os favoritos estão a gostosona, a puta e a machorra. Cabe a nós, mulheres, não ocuparmos tais lugares. É dolorido, mas é preciso resistir e se impor entre a agilidade da 7.65 e a suavidade do batom”. QUINTA ESCALA: TODO POLICIAL TEM UM POUCO DE GREGOR SAMSA? Durante seu processo cartográfico, nosso protagonista nos deixou a par da densa realidade da instituição Policia Civil, mais precisamente deste órgão responsável pelo combate ao narcotráfico. Agora, pretende colocar em análise a burocracia e seus modos de subjetivação no departamento. Geralmente burocracia é uma palavra que coloca os seres humanos a serviço das organizações. O burocrata do serviço público, segundo Costa (1991) é imobilista, girando em torno da “máquina”. Sem ela não há sentido, não há ação, não há satisfação e nem tampouco gozo. Seu objetivo é manter as coisas como estão, ou seja, em ordem e, quando possível, retroceder no que era antes. Levando em consideração os estudos de Arendt (1989) sobre o Totalitarismo, esta salientou algumas manobras utilizadas pelos burocratas contra as mudanças. Dentre elas, existe a do mito do preguiçoso, cujo resultado é a auto vitimação do burocrata. Outra manobra burocrática contra as transformações é a mistificação do passado, cuja ativação opera na lógica da omissão da responsabilidade individual (a culpa é sempre do outro). Como última manobra, mantenedora do status quo burocrata, temos a dissuasão pelo desdém. Ou seja, é o ataque à modalidade do trabalho, tendo como meta a destruição dos sujeitos encarregados pelas mudanças. Parafraseando Arendt (2001), na medida em que a vida pública é burocratizada, mais a violência se faz presente. Dessa forma, a burocracia nada mais é do que um sistema de gestão da vida das pessoas, cuja característica principal é a de privá-las de sua liberdade política e de seu poder de ação. Portanto, a engrenagem burocrática opera na divisão entre quem comanda, pensa e deseja, por intermédio da violência, autoridade e persuasão, sobre a passividade daqueles que apenas a observam acontecer. Entretanto, como refere Guattari (1986), o modo pelo qual os indivíduos vivem a subjetividade oscila entre dois extremos: uma relação de opressão e alienação, na qual o indivíduo se submete à subjetividade tal qual recebe, ou uma relação de expressão e de criação, na qual o indivíduo se reapropria dos componentes da subjetividade, produzindo um processo que o autor chama de singularização. O que o nosso cartógrafo constatou entre os policiais foi uma forte concentração de forças para o lado do “homem da moral” (ROLNIK, 1994). Em tal situação se cultua a ordem, a disciplina e o dever, mas como vimos isto não cria novos agenciamentos e, por vezes, leve esses trabalhadores a oscilar entre uma amoralidade e uma imoralidade, e a visualizar o mundo de forma dicotômica, como nas divisões de gênero, por exemplo. O que se cartografou também foram subjetividades do tipo “sentinelazumbi”, que se conservam o tempo todo em estado de alerta, conforme os três estados anteriormente descritos (chapado, cheirado e tomado). Neste conjunto de situações, no entanto, os policiais acabam desvigorados, vivendo em cavernas platônicas da existência, idealizando o dia em que alguém sairá de uma destas para ver o que há do lado de fora. Portanto, nesta etapa final da cartografia caberia indagar acerca das possibilidades de se promover revoluções moleculares neste meio institucional denso e burocrático da polícia civil. Isto remeteu o cartógrafo a uma leitura em Kafka (2000): “Quando em certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranqüilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso. Estava deitado sobre suas costas duras como uma couraça e, ao levantar um pouco a cabeça, viu seu ventre abaulado, marrom (...) - ‘O que aconteceu comigo?’ – pensou (p. 07)”. Nesta problematização da burocracia, Kafka dá início a uma metáfora do lugar que ocupou o funcionário frente ao Estado. Com efeito, Gregor Samsa reflete o destino de milhões de “insetos” subordinados a um Estado paternalista e assistencialista. O cartógrafo considerou muito interessante esta análise, pois permitiu elucidar não apenas as metamorfoses impostas aos policiais, no caso, mas as transformações que vão se operando em seus vínculos pessoais (família, vizinhança, chefia, etc.). Em síntese, Kafka define a subjetividade do homem perante o Estado paternalista como profundamente degradante e degradada, envolvendo nela não apenas Gregor Samsa, mas todo o conjunto social que o rodeia. 61 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 O cartógrafo ficou pensando o quanto o policial civil é realmente colocado e tirado do lugar de uma forma tão simples dentro da instituição pública. O Estado exerce seu poder não importando se neste instante a pessoa está pronta para a mudança ou não, como nas situações de relotação funcional, quando os servidores simplesmente são intimados para trocar de setor e, algumas vezes, de cargo, sem consulta se isto corresponde ao seu desejo. Que espécie de paternalismo é este? - “Perverso” – pareceu ao cartógrafo. “Sem escrúpulo algum, sem respeito, sem cuidado”. Um paternalismo que não vê um sujeito, e sim um indivíduo na definição guattariana; isto é, um indivíduo serializado, registrado e modelado, ou seja, engrenagem de uma máquina de produção, que não pode parar, que não pode sentir. Portanto, ao recorrer a Kafka, o cartógrafo busca a noção de uma metamorfose capaz de romper e transformar com o que está instituído. Talvez o símbolo dessa metamorfose kafkiana, a que se refere o explorador de intensidades, não seja um inseto nojento e rasteiro, sujeitado a se alimentar das sobras do Estado, como nos mostra em sua obra o escritor tcheco. Mas sim a borboleta que, após um tempo enclausurada, sofrendo todo tipo de perigo e pressão, transforma-se em um dos animais mais belos da natureza. É no bater de suas asas, mesclado com a beleza de seus movimentos, que ela suavemente ganha vôo. E voar é querer a vida em seu sentimento máximo de potência, em suas possibilidades múltiplas de expansão e produção de mais vida. Depois de ter mergulhado intensamente no universo da Polícia Civil, o cartógrafo pensou em deixar registrada uma última nota em seu diário: a importância da consolidação de programas preventivos e promotores de saúde mental para estes trabalhadores. Concluiu que seria urgente que os gestores públicos absorvessem sua responsabilidade com a saúde de seus servidores, visto que já não se trata apenas de um “caso de polícia”, mas, sim, de uma questão de saúde pública, onde os efeitos do sofrimento psíquico destes policiais atingem também a sociedade como um todo. Pensando nessa direção, o cartógrafo visualizou algumas iniciativas visando a saúde mental do trabalhador na Polícia Civil. Em primeiro lugar é preciso criar um processo de democratização nestes espaços de trabalho, o que pressupõe um convite a esses trabalhadores para que participem das decisões que são tomadas quanto às políticas a serem adotadas no departamento do qual fazem parte. Também o investimento na contratação de profissionais das áreas das ciências humanas e da saúde que possam atuar juntos às delegacias e aos departamentos, aproximando-se, desse modo, do cotidiano dos policiais. E, por último, o estabelecimento de políticas públicas que amparem programas sistemáticos em saúde do trabalhador junto aos espaços do trabalho policial. apaixonado cartógrafo, a fim de romper com o instituído que burocratiza as subjetividades, faz uso da metáfora da borboleta para elucidar alguns aspectos que considera importantes em uma análise final. No que pese a delicadeza e a fragilidade da borboleta, seu processo metamórfico é de uma potência quase sem comparações na natureza. Ficou evidente para o cartógrafo a necessidade que esses policiais possuem em romper com os casulos impostos pela instituição no qual estão inseridos, buscando, através desta ruptura, uma apropriação artística dos seus sentidos, afetos e corpos. Fato que consiste em estarem implicados numa ética e estética que contemple a vida em todos os seus sentidos, potencializando-a em cada coração afetado pela ânsia de viver. Mais do que saber manusear uma arma, “pedalar uma porta”, prender “os vagos”, cumprir mandados, estar “celulado”, estar em alerta, ser fissurado pelas ruas, é preciso saber, também, quando é o momento de suspender as ações, prevenir, desacelerar e, principalmente, saber o caminho de volta para casa. Entre a arma e o sofrimento psíquico existe uma espiral imaginária de acontecimentos que, ao se comprimir, parece que irá se romper. No entanto, a força tensional exercida sobre essa espiral não é maior do que seu poder de resistência. Mais do que resistir à fissura pelas ruas, à linha tênue, ao imperativo fálico, às pressões institucionais, o policial precisa saber exercer um poder de resiliência21 que lhe proporcione, no meio de toda essa loucura, um momento de lucidez. Isto é claro, antes que o gatilho seja acionado e o sofrimento abreviado. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: AMADOR, Fernanda S. Violência policial: verso e reverso do sofrimento. Santa Cruz do Sul, EDUNISC, 2002. ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. São Paulo, Companhia das Letras, 1989. _____. Sobre a violência. Rio de Janeiro, Relume Dumará, 2001. BITTNER, Egon. Aspectos do trabalho policial. São Paulo, EDUSP, 2003. CORREA, Silvio Marcus de S. Sexualidade e poder na Belle Époque de Porto Alegre. Santa Cruz do Sul, UNISC, 1994. COSTA, Jurandir F. et al. Clínica do social: ensaios. São Paulo, Escuta, 1991. DEJOURS, Cristophe. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. São Paulo, Cortez/Uboré, 1992. FERREIRA, Aurélio Buarque de H. Minidicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1998. FOUCAULT, Michael. Microfísica do poder. 3ª ed. Rio de Janeiro, Edições Graal, 1982. FREITAS, Isabel & FISCHER, Maria de Fátima B. 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Revista de Sociologia Tempo Social, Porto Alegre: p., 155-167, jan/abr 1997. 63 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 REFORMAS UNIVERSITARIAS EN VENEZUELA 1 Cátia Raquel Felden 2 Francesca Sacco Oviedo 3 Williams V. Aguilera 4 Sociedade Educacional Três de Maio (SETREM/ Brasil) Universidade de Carabobo (Venezuela) RESUMO De acuerdo al informe presentado por la UNESCO en el año 2002, titulado: “La educación superior en Venezuela”, se evidencian diversas deficiencias, en respuesta a éstas, a nivel del gobierno central han surgido propuestas, entre ellas se encuentran las de carácter legal como: el decreto 3444, la ley de servicio comunitario del estudiante de Educación Superior y la Ley Orgánica de Ciencia, Tecnología e Innovación. Desde esta tríada, el objetivo de la presente investigación es conocer la perspectiva que asumen las autoridades de la Universidad de Carabobo frente a la necesidad de repensar las instituciones universitarias y replantearse la gestión universitaria, y de esta forma desentrañar los procedimientos que articularán el sector empresarial, la sociedad venezolana y la Universidad. La presente investigación constituye una primera etapa de una investigación más general y fue abordada de forma documental y de campo y el nivel de estudio fue descriptivo. La población estuvo conformada por las cuatro autoridades de la Universidad de Carabobo, los cuales constituyeron la unidad de análisis. La recolección de datos se realizó a través de entrevistas semiestructuradas. Los datos recolectados se analizaron según su frecuencia y del análisis se realizaron las descripciones que generaron información pertinente a la Universidad de Carabobo. Los resultados reflejaron la necesidad de continuar con reformas universitarias que permitan ampliar la formación de profesionales, recuperando una visión auténticamente “social” en su estudiantado e incorporando a la empresa en el quehacer científico y tecnológico de las universidades. El estudio en cuestión no queda concluido, sino que al contrario se abren puertas para continuar observando los efectos que provocará la tríada anteriormente identificada así como también otros factores de semejante índole que pudieran permitir la reforma universitaria venezolana. Palabras clave: Reforma, Universidades, Venezuela. ABSTRACT According to the report presented by UNESCO in 2002, entitled “The Higher Education in Venezuela,” we can highlight several weaknesses. In response to this report the government has drafted some measures, such as the 3444 decree, the law of community service for students in higher education, the organic law of science, technology and innovation. The purpose of this study is to know the stance that the University of Carabobo adopted, given the need to rethink and redesign the joints between the business sector, society and academia. Data collection was through semi-structured, because it is a descriptive study. After analyzing the data we can conclude that there is a latent need to continue with the reforms university, with an alignment between universities, corporations and businesses. 1 Keywords: Reform, University, Venezuela. Grupo de Investigación “La responsabilidad social en las Universidades”. Catia Raquel Felden ([email protected]). Licenciada en Administración de Empresas (URI-Santo Ângelo), Postgrado en Finanzas (URI-Santo Ângelo), Maestría en Desarrollo (UNIJUI/Ijui), Doctoranda en Contabilidad y Finanzas (UNIZAR-Zaragoza/ España).Prof. SETREM. 3 Francesca Sacco Oviedo ([email protected]) Licenciada en Contaduría Pública. (Univ de Carabobo./Venezuela). Postgrado en Ciencias Contables (Univ de Carabobo./Venezuela). Magíster on line en Comunicación en las Organizaciones (Univ Complutense de Madrid/España). Doctoranda en Contabilidad y Finanzas (UNIZAR-Zaragoza/España).Prof. Univ de Carabobo 4 Williams V. Aguilar ([email protected]) Licenciatura Economía (Univ. de Carabobo, Venezuela) Postgrado: Especialización en Cooperación Internacional para el Desarrollo (Univ Simón Bolívar/Venezuela). Postgrado Magíster en Economía de Empresas (Univ. de Carabobo/Venezuela). Doctorado Integración y Desarrollo Económico. Univ. Autónoma de Madrid (Madrid). Prof. Univ de Carabobo. 2 64 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 1 INTRODUCCIÓN En la Constitución Nacional de la República Bolivariana de Venezuela, se promueven los valores de la vida, la libertad, la justicia, la igualdad, la solidaridad, la democracia, la Responsabilidad Social, y la preeminencia de los derechos humanos, la ética y el pluralismo político, en concordancia con estos valores y especialmente con el de la Responsabilidad Social; durante el año 2005 se decretaron dos leyes: la Ley de Servicio Comunitario del Estudiante de Educación Superior y la Ley Orgánica de Ciencia, Tecnología e Innovación que se encargan de vincular las Universidades con las empresas y la sociedad venezolana. Inicialmente durante el año 2002 se dicta en Gaceta oficial el decreto Nº 3444: “Reforma parcial del reglamento orgánico del Ministerio de Educación Superior”, normativas de carácter legal que afectan la educación superior venezolana y que buscan combatir: uno de los problemas más apremiantes... los recursos, ...la manera de aumentarlos, de diversificar su fuentes, de mejorar su asignación y gestión interna y, por último, el modo de asumir las funciones que la sociedad les encomienda conservando al mismo tiempo la reconocida tradición de autonomía y de servicio desinteresado. (IEASALC-UNESCO, 2003) En este sentido, conocer la perspectiva que asumen las autoridades de la Universidad de Carabobo frente a la necesidad de repensar las instituciones universitarias y replantearse la gestión universitaria constituye el objetivo general de la presente investigación. El estudio en cuestión está estructurado en dos partes: la primera la constituye el fundamento teórico de Autonomía Universitaria, Responsabilidad Social Universitaria y las actividades empresariales / Ciencia y Tecnología; y una segunda, constituida por un análisis de la posición asumida por las autoridades de la Universidad de Carabobo al respecto. América Latina experimenta una pobreza muy aguda y diversos autores (Kliksberg, 2004; Machado y Alvarado, 2005) han expresado su opinión: Uno de cada dos Latinoamericanos es pobre y la pobreza es un flagelo que atenta contra los derechos humanos más elementales del ser humano, crea inestabilidad en los sistemas democráticos, produce efectos económicos y sociales regresivos y por su naturaleza y complejidad amerita políticas que trasciendan los usuales enfoques economicistas y que apunten hacia el diseño de acciones más sistémicas e integrales, donde el fin último sea el desarrollo de las capacidades humanas y el bienestar social. Por otro lado, la desigualdad existente en esta región entre ricos y pobres, siendo la mayor del planeta, (Kliksberg, 2004); no se reduce al ámbito de la justicia social, sino que determina que un gran número de personas queden relegadas de la actividad educativa y productiva, por lo tanto son pocos los que contribuyan de manera relevante en la creación de la riqueza y desarrollo. Venezuela, no escapa de esta realidad, y la pobreza, agobia a un alto índice de la población venezolana, así lo confirma el informe de desarrollo humano 2005, en donde se especifica que Venezuela a pesar de ser un país con mayor crecimiento del PIB per capita en Latinoamérica, es el que mayor pobreza extrema tiene (15% del total de su población). En las investigaciones de Vásquez, por un lado se observa que en Venezuela la producción científica y académica de las Universidades se encuentra muy por debajo de los niveles encontrados en los países desarrollados5, y por otro lado se muestran las cifras de matriculación en educación superior (a nivel de pregrado) que a pesar de su tendencia creciente durante la última década, éste no ha sido en las áreas científicas y tecnológicas. Ante esta situación el país ha iniciado un proceso de reformas que buscan encaminar al país hacia un desarrollo más equitativo. Dentro de estas reformas, la universitaria se constituye de forma manifiesta como líder de este proceso. En concordancia a esta reforma, el gobierno central de Venezuela, ha entendido la necesidad de vincular la Universidad con la sociedad y la empresa, creándose en el 2005 la ley de servicio comunitario del estudiante de Educación Superior y la Ley Orgánica de Ciencia, Tecnología e Innovación, como una manera de coaccionar al estudiantado y al gran empresario e involucrarlos en el desarrollo social, científico y tecnológico de la nación. Sin embargo el papel que juegan las autoridades para llevar a cabo las transformaciones necesarias en la Universidad es fundamental, por lo que resulta de interés para los autores conocer: ¿Cuál es la perspectiva que asumen las autoridades de la Universidad de Carabobo, ante el escenario de las reformas legales propuesto por el Gobierno Central? Para alcanzar el objetivo del artículo que es “Conocer la perspectiva que asumen las autoridades de la Universidad de Carabobo frente a la necesidad de repensar las instituciones universitarias”, planteamos tres objetivos específicos. (1) Conocer la perspectiva que asumen las autoridades de la Universidad de Carabobo frente al Decreto 3444.; (2) Conocer la perspectiva que asumen las autoridades de la Universidad de Carabobo frente a la Ley de Servicio Comunitario del Estudiante de Educación 5 Contrariamente a esta situación en los países de reciente industrialización para ampliar sus capacidades tecnológicas han tenido como política: incrementar el número de matriculados en las áreas técnicas y científicas, mostrando fuertes correlaciones entre la competitividad de las empresas manufactureras y la magnitud de las matrículas en áreas tecnológicas 65 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 Superior; (3) Conocer la perspectiva que asumen las autoridades de la Universidad de Carabobo frente a la Ley Orgánica de Ciencia, Tecnología e Innovación. 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS La presente investigación fundamentó su base teórica primeramente en el Debate temático titulado: Autonomía, Responsabilidad social y Libertad, el cual se fundamenta en 4 pilares y se encuentra especificado en el cuadro Nº 1: CUADRO Nº 1: Autonomía y Libertad Autonomía universitaria y rendición de cuenta Se refiere a que las instituciones universitarias deberán ajustarse a las normativas legales, y de esta forma ser m ás transparentes y demostrar sus logros, rindiéndole cuentas al Estado o a los consejos de administración que representaban al público o a los propietarios. En este pilar el debate se centra en la reflexión sobre la autonomía y la rendición de cuentas. En Venezuela, este debate se encuentra en la ley de Universidades, El reglamento Orgánico del Ministerio de Educación Superior y el decreto 3444. Autonomía universitaria y Libertad académica: partes interesadas: Estado, consecuencias éticas Sociedad y Universidad y responsabilidades cívicas. La búsqueda de la La educación superior verdad es uno de los impulsada está por una objetivos de las economía de mercado, Instituciones posee muchos intereses Universitarias, sin externos, con los que se deberá enfrentar y buscar su embargo los conflictos apoyo y hasta dependerá de éticos y las responsabilidades ante ellos. En este sentido la la comunidad entran en relación entre universidad y la sociedad se intensi ficará, juego e incluso pueden ser contrarias a la ética pero ahora el compromiso es responsabilidad moral con personal de los académicos. Los la sociedad, implica ir mas progresos tecnológicos, allá del apoyo financiero, la biológicos y médicos y Universidad deberá estar al el desarrollo de campos “servicio a la comunidad”, que ayuden a la comunidad transdisciplinarios entran en este campo a protagonizar su propio de dilemas éticos. desarrollo. Se hace entonces evidente la necesidad de diversificar el apoyo y la financiación. En Venezuela, este debate se ha iniciado a partir de la creación de la Ley de Servicio Comunitario del Estudiante de Educación Superior. Libertad académica y actividades empresariales. Las universidades tratan de buscar otras fuentes de financiamiento distintas al Estado, en este sentido tratan de establecer relaciones con la empresa. En relación a esta situación, el debate se centra en “¿cómo conservar la libertad de investigación y difusión cumpliendo al mismo tiempo las condiciones de confidencialidad que suele exigir una relación empresarial?” En Venezuela, este debate recientemente se está iniciando a partir de la Ley Orgánica de Ciencia y Tecnología. Fuente: IESALC-UNESCO. Autonomía, Responsabilidad social y Libertad Académica. Asociación Internacional de Universidades. Adaptación: propia Ante el debate anterior, donde se hace referencia a la Responsabilidad Social Universitaria, se hace impostergable su definición, al respecto diversos autores han manifestado su posición, sin embargo la asumida por Luis Eduardo Bacigalupo6, constituye la más pertinente para la actual investigación. 6 La Responsabilidad Social Universitaria es un enfoque ético del vínculo mutuo entre universidad y sociedad. Se trata de un compromiso moral irrenunciable que, a la par que genera nuevo conocimiento relevante para la solución de los problemas sociales, permite la aplicación directa del saber científico y tecnológico, así como una formación profesional más humanitaria. (p.1) Director de la Académico de proyección social y extensión universitaria de la Pontificia Universidad Católica del Perú (PUCP) Filósofo en la Freie Universität Berlin, Alemania y tiene un Doctorado en Filosofía de esta misma Universidad. Es Profesor de la PUCP en los cursos de Ética, Filosofía Medieval y Filosofía de la Religión como Profesor Principal desde 2000. También es el Vicepresidente del Consejo de Lima del Intercambio Cultural Alemán Latinoamericano (ICALA) y de la Agencia Católica Alemana de Intercambio Académico (KAAD). Miembro del Consejo Académico del Fondo Edito-rial de la PUCP. Presidente del Consejo Directivo del Consorcio de Universidades 66 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 El autor de este concepto, se fundamenta en cinco pilares básicos: I- Implicación del cambio de terminología: Proyección Social de la Universidad por Responsabilidad Social Universitaria: la Universidad de hoy debe asumir un rol protagónico en la sociedad, no es de lo que le sobre a la Universidad lo que destinará para la sociedad, sino que debe responder a demandas sociales específicas y mas a sabiendas de que el Estado se encuentra atravesando por una crisis. Le corresponde a las Universidades “injerencia política orientada al cambio de estructuras y hábitos sociales que impiden el bienestar y el desarrollo humano”. A continuación en el cuadro Nº 2 se muestran las diferencias entre Proyección social de la Universidad y Responsabilidad Social Universitaria. Como se observa en el cuadro anterior, las características detalladas de Responsabilidad Social Universitaria abarcan la presencia implícita de los seis ejes estratégicos de la educación, a los que hace referencia Morin, en su libro: “Educar en la era planetaria”7, en cambio la proyección social voluntaria, es simplista no abarca la trasversalidad que implica el otro concepto en comparación, lo relevante en todo caso es buscar los mecanismos que conlleven a la acción. II- La función política que debe asumir la Universidad como institución de asociación voluntaria: Primeramente habrá que aclarar que la universidad es una asociación voluntaria, ya que una de sus características es su ámbito de libertad: “libre ingreso y libre egreso”. La Universidad deberá realizar investigación aplicada que permita interpretar las demandas de la sociedad para posteriormente proponer propuestas de acción viables y sostenibles, deberá conjugar un diálogo democrático con los distintos actores políticos y, sobre todo: “ser capaz de apoyar mediante el conocimiento y la racionalidad ética el diálogo entre el Estado y la Sociedad Civil”. La racionalidad técnica está basada sobre el conocimiento científico y técnico, la racionalidad pragmática está relacionada con el sistema político, que por su vez se busca obtener el poder sobre las distintas instituciones, y aquí entran en juego la negociación y la percepción, y no menos importante la racionalidad ética, que para Fantoni “es una racionalidad intersubjetiva” ya que se encuentra sustentada en principios éticos y no en dogmas. Salvaguarda el valor de la persona humana y “funda sus bases para la responsabilidad por las acciones comunes de los hombres”, se encuentra ligada con “el mundo de la vida”. La racionalidad política es una racionalidad pragmática, que incluye principios éticos dictados por la sociedad civil. Lo que distingue la acción política de las organizaciones de la Sociedad Civil es que luchan por garantizar la libertad personal y las libertades cívicas de sus colectividades sin pretender la obtención del poder en el aparato del Estado. Su orientación es contribuir a la realización colectiva de mejores condiciones de vida en el ámbito de acción social más directo, lo cual puede solo lograrse a través de la acción coordinada de esfuerzos con el estado y los propios ciudadanos. No sustituyen a la Sociedad Política, no se separan de la Sociedad Económica, sino que buscan convertirse en el elemento articulador de éstas sociedades. En ese sentido es que la Sociedad Civil es la mediadora de ambas, porque ambas sociedades, la económica y la política, cuando pierden la dimensión ética de su acción, entran en una vorágine autodestructiva; lo que, dicho de otra manera, significa que ambas racionalidades, la técnica y la pragmática, tienden a enajenar a las personas, convirtiéndolas en simples medios para sus fines. Si hacen eso sin ningún tipo de autolimitación, en esa misma medida minan el suelo por el que ellas mismas transitan. El supuesto es que en el caso de que los principios de responsabilidad sean extralimitados por alguna de ellas sería la sociedad civil a través de las redes organizacionales e institucionales quien obligue pacíficamente a la reconstitución de los principios básicos de actuación moral, social y ética. III- La racionalidad ética como labor intrínseca de la Universidad y su relación con otras racionalidades: El tener dos conceptos de sociedad: el económico y el político implica distintas formas de racionalizar: sea técnica, pragmática o ética. 7 Los seis ejes al que hace referencia Edgar Morin, en su libro son: el eje estratégico directriz conservador /revolucionante, el eje estratégico directriz para progresar resistiendo, el eje estratégico directriz que permita problematizar y repensar el desarrollo y criticar la idea subdesarrollada de subdesarrollo, el eje estratégico directriz que permite el regreso (reinvención) del futuro y la reinvención (regreso) del pasado, el eje estratégico directriz para la complejización de la política y para una política de la complejidad del devenir planetario de la humanidad, el eje estratégico directriz para civilizar la civilización 67 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 Cuadro Nº 2: Proyección Social y Responsabilidad Universitaria Fuente: BID. Documento conceptual de referencia del concurso regional: Programa de apoyo a iniciativas de Responsabilidad Social Universitaria, ética y Desarrollo. IV- La compatibilidad de la misión de la Universidad: “difundir la racionalidad ética” con la misión clásica de la Universidad: “la ciencia y la investigación”. Aunque la Universidad no constituye el espacio para movimientos y partidos políticos, si constituye el espacio para una nueva forma de hacer política: “que no sea partidista”, su papel no puede reducirse exclusivamente a lo científico, porque las Universidades desde sus más remotos orígenes, siempre han tenido repercusión, en la configuración de la vida política de su entorno. Este vínculo, es lo que ha llevado a que hoy se esté replanteando la idea de una responsabilidad ante la sociedad que la Universidad no se puede seguir eludiendo. 68 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 V- La Responsabilidad Social Universitaria ante la escasez de recursos económicos y baja calidad en contraposición con el gran número existente de ellas. La Sociedad Civil necesita el apoyo de la Universidad, sin embargo primeramente hay que fortalecer a las universidades, y es a través de la investigación. Si bien hacer investigación pura constituye la presencia de presupuestos muy altos para las universidades, la investigación aplicada es la opción, para posteriormente trasmitir este conocimiento a las aulas. Por otra parte Morin, en su libro: Los siete saberes necesarios a la educación del futuro, presenta los fundamentos necesarios para construir una educación pertinente al momento en que se encentra atravesando la sociedad actual, caracterizada por un “Mundo de creciente complejidad”. A continuación se presenta el cuadro Nº 3 el cual presenta de forma resumida su fundamento: Cuadro Nº 3: Los siete saberes necesarios a la educación del futuro Fuente: Edgar Morin. Adaptación: propia. 69 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 3 FUNDAMENTOS LEGALES La fundamentación legal de la presente investigación se encuentra en tres leyes, que en a continuación se resumen en el cuadro Nº 4 Cuadro Nº 4: Fundamentos Legales La ley de Universidades Decretada en el mes Septiembre de 1970 Ley de Servicio Comunitario del Estudiante de Educación Superior. de Decretada en el mes de Agosto de 2005. Objeto: Las Universidades son Instituciones al servicio de la Nación y a ellas corresponde colaborar en la orientación de la vida del país mediante su contribución doctrinaria en el esclarecimiento de los problemas nacionales. La enseñanza universitaria se inspirará en un definido espíritu de democracia, de justicia social y de solidaridad humana, y estará abierta a todas las corrientes del pensamiento universal, las cuales se expondrán y analizarán de manera rigurosamente científica. Objeto: normar la prestación del servicio comunitario del estudiante de educación superior, que a nivel de pre grado aspire al ejercicio de cualquier profesión. Se regirá por los principios constitucionales de solidaridad, responsabilidad social, igualdad, cooperación, corresponsabilidad, participación ciudadana, asistencia humanitaria y alteridad la Ley Orgánica de Ciencia y Tecnología Decretada en el Agosto de 2005. mes de Objeto de la Ley: Desarrollar los principios orientadores que en materia de ciencia, tecnología e innovación y sus aplicaciones, establece la constitución de la República Bolivariana de Venezuela, organizar el Sistema Nacional de Ciencia, Tecnología e Innovación, definir los lineamientos que orientarán las políticas y estrategias para la actividad científica, tecnológica y de innovación, con la implantación de mecanismos institucionales y operativos para la promoción, estímulo y fomento de la investigación científica, la apropiación social del conocimiento y la transferencia e innovación tecnológica, a fin de fomentar la capacidad para la generación, uso y circulación del conocimiento y de impulsar el desarrollo nacional. Las actividades de ciencia, tecnología e innovación y la utilización de los resultados, deben estar encaminadas a contribuir con el bienestar de la humanidad, la reducción de la pobreza, el respeto a la dignidad y los derechos humanos y la preservación del ambiente. Fuente: Ley de Universidades, Ley de Servicio Comunitario y Ley Orgánica de Ciencia, Tecnología e Innovación. Diseño: Propio. 70 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 4 ASPECTOS METODOLÓGICOS Cuadro Nº 4: Descripción de la Metodología Tipo de Investigación Documental y de campo Nivel de Investigación Descriptiva Población y Muestra La población está conformada por las cuatro Autoridades de la Universidad de Carabobo. Por ser la población tan pequeña, la muestra es el 100% de la población. Se utilizó como técnica la observación y la revisión documental. Se utilizó como instrumentos las entrevistas no estructuradas. Técnicas e Instrumentos de Recolección de Datos: Técnicas de Análisis de Datos Validez El análisis de datos se hizo con carácter cuantitativo; para el tratamiento de los datos se utilizaron técnicas de estadística descriptiva, tomándose en cuenta la frecuencia de cada indicador, la cual además de expresarse mediante cantidades porcentuales, fueron representados gráficamente, con el propósito de interpretar y analizar los resultados obtenidos. La validez se realizó a través del juicio de tres expertos: en metodología, en educación superior y en estadística. Elaborado por: Sacco y Vásquez (2007) 4.1 ANÁLISIS DE LOS RESULTADOS Con relación al objetivo específico Nº 1: Conocer la perspectiva que asumen las autoridades de la Universidad de Carabobo frente al Decreto 3444, los resultados obtenidos fueron los siguientes: Cuadro Næ% 5: Resultados SI En relación a si decreto 3444 constituye una violación a la autonomía universitaria En relación a las funciones que pertenecían al CNU y a la OPSU. ¿Ahora pasan a al viceministro de Asuntos Académicos? Con este decreto ¿el viceministro de Asuntos Académicos se encargará de la creación de nuevas carreras universitarias El viceministro de Asuntos Académicos ¿se encargará de 4 planificar, coordinar planes, proyectos y de supervisar el trabajo que se haga en el CNU? Considera que ¿el decreto está por encima de la Ley de Universidades? Considera que ¿el decreto está por encima de la Constitución Nacional? NO 4 TOTAL 4 4 4 4 Se observa que las autoridades de la Universidad de Carabobo tienen una posición de mayor apertura hacia el decreto 3444, que la visión inicial de considerar dicho decreto en “una violación a la Constitución Nacional”, en relación a la Autonomía Universitaria, e incluso llegan a considerar que “Ha existido mucha mitología en torno a este decreto, que esencialmente busca la aplicación del reglamento de funcionamiento del Ministerio de Educación Superior de Venezuela...el CNU sigue funcionando con sus tareas inherentes; la OPSU también, con las modificaciones que se aspiran implantar en relación a las políticas de ingreso a la educación superior; y el vice ministerio de asuntos académicos tiene sus propias funciones y tareas de acuerdo a dicho reglamento... el decreto 3.444 es la aplicación de un reglamento interno de funcionamiento del ministerio, que no se había aplicado nunca, pese a estar aprobado desde hace tiempo. Es razonable pensar que el ministerio tiene toda la potestad de aplicar su reglamento interno, en función de cumplir con sus objetivos de institución que rige la educación superior en Venezuela” 71 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 La Oficina de Planificación Superior Universitaria (OPSU), fue creada en principio para planificar el sector universitario, sin embargo con el tiempo esa misma organización degeneró en un organismo financiero, que no era su principio, con ello las autoridades quieren aclarar que las funciones del Concejo Nacional de Universidades (CNU) y la OPSU no van a pasar a manos del viceministro de Asuntos Académicos, ni que se encargará de la creación de nuevas carreras, sin embargo si se encargará de planificar, coordinar y supervisar planes y proyectos que se hagan en el CNU, el proceso de creación de nuevas carreras sigue su curso tradicional: consejo de escuela, consejo de facultad, consejo universitario, CNU, Ministerio de Educación Superior. Hacen referencia que el vice ministerio se encuentra facultado por la Ley para planificar y coordinar planes y proyectos donde invierta recursos el Estado venezolano, puede, igualmente, supervisar la efectividad del CNU. debate hacia su reforma en la Asamblea Nacional e incluso llegan a afirmar que la ley actual amerita una reforma integral, pues fue elaborada en un país distinto al actual. Consideran que “el verdadero debate: es nueva Ley, donde nosotros, los universitarios, debemos participar... para hacer conocer nuestras ideas sobre la universidad que queremos. Allí es donde debemos expresar al gobierno en representación del Estado- que tenemos ideas y propuestas sobre la universidad venezolana; que tenemos divergencias y coincidencias, pero que es en el debate con mesura y altura de miras, que debemos construir una nueva ley de universidades que se corresponda con la voluntad consensual de todos los universitarios”. Con relación al objetivo específico Nº 2: Conocer la perspectiva que asumen las autoridades de la Universidad de Carabobo frente a la Ley de Servicio Comunitario del Estudiante de Educación Superior. Cuadro Næ% 6: Resultados No consideran que el decreto esté por encima de la Ley de Universidades. La propia ley de universidades se SI Considera que esta Ley ¿constituye una oportunidad para 4 Reformar a las Universidades al asumir como un deber de los estudiantes de educación superior la Responsabilidad Social? Usted, ¿ha encontrado debilidades a la presente Ley? 4 Las autoridades ven esta Ley como “una oportunidad para fortalecer el sentido humanista que debe prevalecer en la reflexión y la acción de todo universitario respecto a la sociedad donde coexiste”. Como actores principales están los estudiantes, y el escenario: la sociedad. Aclaran que desde los orígenes de la Universidad de Carabobo, siempre se ha tenido Responsabilidad Social, hoy la diferencia radica en que el estudiantado será el protagonista, y no como antes, cuando todo lo que hacia el estudiante era voluntariado, porque ahora es un requisito para la obtención del título universitario y tendrá una duración mínima de 120 horas académicas. Las autoridades de la Universidad de Carabobo, pretenden cumplir con esta Ley a través de la Dirección de Extensión y Servicios a la Comunidad (DESCO) “es la unidad organizativa administrativa con adscripción a la Rectoría de la Institución, la cual realiza funciones de naturaleza técnica y de servicios para beneficio de la colectividad; dirigiendo, coordinando y ejecutando actividades intra y extrauniversitaria, en las áreas de NO TOTAL asesoría jurídica, salud comunitaria, orientación y educación, recreación y cultura, con el propósito de cooperar con las comunidades en la formulación de propuestas para el desarrollo social, a la vez que contribuye en la solución de sus problemas”, esta dirección para la fecha de la creación de la ley ya existía y ya tenía proyectos sociales de excelente envergadura. Aclaran también que por ser una Ley bastante nueva (2005) la consideran perfectible y que es en este año cuando se están iniciando la aplicación de los proyectos, por lo que aún no existen resultados de la aplicabilidad de esta Ley. Con relación al objetivo específico nº 3: Conocer la perspectiva que asumen las autoridades de la Universidad de Carabobo frente a la Ley Orgánica de Ciencia, Tecnología e Innovación. Cuadro Næ% 6: Resultados ¿Con la Ley Orgánica de Ciencia, Tecnología e Innovación se están incrementando las posibilidades de iniciar las reformas académicas necesarias? ¿Existe capacidad de respuesta para res olver problemas que se plantean en el sector productivo visto desde la óptica anterior? ¿La actividad científica y tecnológica que se realiza en las universidades y centros de investigación es transferible al sector privado? ¿Está la estructura universitaria en capacidad de responder a estos retos? ¿Se plantea la heterologación salarial donde a mayor trabajo, mayores ingresos? Existen previsiones doctrinales, organizativas, administrativas y de seguimiento que garanticen la correcta uti lización de estos recursos? 72 SI NO 4 4 4 4 4 4 TOTAL REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 Las autoridades universitarias ven positiva la creación de la Orgánica de Ciencia, Tecnología e Innovación, porque la consideran “un canal de comunicación entre sectores productivos (públicos y privados) y sectores de investigación, radicados fundamentalmente en nuestras universidades. Un canal de comunicación de ganar-ganar, por cuanto permite a las universidades mostrar sus posibilidades y a los sectores productivos repensar la relación con las casas de estudio y poder utilizar experiencias que contribuyan a mejorar su productividad. Y todo por un recurso fiscal que permite a las empresas aportar un porcentaje de sus ganancias brutas a financiar proyectos de ciencia, tecnología e innovación. Consideran que con esta Ley se puede avanzar mucho, primero en la relación y en el contacto de problemáticas y soluciones propias de ambos sectores; y seguidamente, más en el mediano plazo, la propulsión de posibilidades de reformar aspectos de las universidades, que decididamente deben mejorarse”. En esta Ley se prevé taxativamente, que las empresas cuya facturación excede 100.000 unidades tributarias (Bs. 3 millardos anuales) en empresas de hidrocarburos, mineras y eléctricas, y de otros sectores, el aporte será del 2%, 1%, y 0,5%, respectivamente, de sus ingresos brutos para ser invertido en el sector de ciencia, tecnología e innovación en el entendido de que estas actividades son transferibles al sector productivo. Las autoridades consideran que esta situación constituirá, un fondo de financiamiento extraordinario que le hacía falta para el progreso académico de las Universidades ya que junto con la planta productiva del país se aprecian niveles de obsolescencia de tecnologías o de importaciones de éstas, aunque reconocen estar académicamente preparados para afrontar los retos en materia de ciencia, tecnología e innovación que exige el empresariado. Por otra parte, las autoridades se encuentran conscientes de la existencia de debilidades administrativas que pueden afectar la motivación del profesor, tales como: ausencia de heterologación salarial donde a mayor trabajo, mayores ingresos, previsiones doctrinales, organizativas, administrativas y de seguimiento que garanticen la correcta utilización de estos recursos. En relación a las previsiones doctrinales, organizativas, administrativas y de seguimiento que garanticen la correcta utilización de estos recursos, manifestaron que la universidad venezolana tiene diversos mecanismos para la recepción de fondos destinados al desarrollo de proyectos de ciencia, tecnología e innovación. En nuestras universidades, han existido los Consejos de Fomento, con una visión orientada a la recolección de recursos económicos. En el caso de la Universidad de Carabobo, se ha creado la Fundación para la Promoción y Desarrollo de la Investigación de la Universidad de Carabobo (FUNPROINDES), con el objetivo de desarrollar proyectos con la plantilla de docentes e investigadores que tenemos y ofrecer soluciones que demandan los sectores productivos públicos y privados de nuestro país. REFLEXIONES FINALES El conjunto de acontecimientos que conforman el escenario mundial afectan las instituciones universitarias, en este sentido se trata de “Conocer lo humano... situarlo en el universo y a la vez prepararlo de él”8. Para ello en primer lugar las instituciones universitarias deberán dar respuesta a las necesidades en materia de ciencia, tecnología e innovación, -que en general han mejorado la vida- a través de la promoción de la “Sociedad del Conocimiento” que está vinculada estrechamente con el desarrollo de la sociedad, donde las características sean: “La solidaridad y el sentido humano”, se trata de humanizar la tecnología, y no de cómo afirma Mayz Ballenilla citado por Morales “en convertir al hombre en tecnita” (p.70). Las Universidades venezolanas deben dar respuesta a la necesidad de efectuar cambios profundos, por tanto deben servir en mayor cantidad y calidad, su campo de acción deberá ir más allá de su espacio geográfico, deberá ser pionera en tecnología de punta y ser la protagonista de las innovaciones, su apertura debe dar cabida a ciudadanos que estén interesados en su desarrollo personal o profesional pero también deberá crear en el ciudadano la necesidad de ser partícipe del mundo universitario, por tanto la Universidad debe asumir la responsabilidad de la educación formal e informal, es decir su apertura debe incluir una relación entre el gobierno, las empresas y la sociedad . En cuanto a la gestión, las Universidades deben tener un sistema de autoevaluación, de motivación a la calidad y creatividad, las asociaciones con distintas instituciones deberán ser a nivel nacional e internacional así como también el asumir la interdisciplinariedad y la transdisciplinariedad como la esencia del ser Universidad. En cuanto al sentido académico debe promover la libertad y respetar las distintas posturas e ideales. En este sentido, las leyes de servicio Comunitario del Estudiante de Educación Superior y la Ley Orgánica de Ciencia, Tecnología e Innovación buscan implícitamente situar contextualmente al estudiante y al empresario en la sociedad venezolana. Dentro de éste ámbito de reformas legales, las autoridades universitarias constituyen un factor fundamental, ya que sus perspectivas servirán de legitimación o no de las reformas iniciadas, y serán ellos quienes tendrán en sus manos el poder a través de su 8 Morin. Los siete saberes necesarios a la educación del futuro. 2000 p.51 73 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 ética de no relegar a un segundo plano el problema fundamental: lo social. económico, autonomía de la innovación y mejora tecnológica en Venezuela. Trabajo de ascenso no publicado Universidad de Carabobo, 2005 Serán precisamente las autoridades universitarias quienes deben asumir una preocupación prioritaria hacia una labor educativa y de promoción que permita a los estudiantes participar en el desarrollo social, científico y tecnológico del país, pero a su vez, en sus manos está la canalización de los proyectos sociales, científicos y tecnológicos así como el seguimiento y control desde el punto de vista administrativo y académico, una “Contraloría de los proyectos sociales, científicos y tecnológicos” que permitan analizar (desde el punto de vista social) y promulgar (desde el punto de vista científico y tecnológico) los resultados obtenidos. Las autoridades universitarias a través de su gestión pueden promover mayor justicia social, así como también pueden promover la libertad, por medio de la creación de ciencia y tecnología que lleve al desarrollo de la nación, si bien “la dominación...es un problema para el cual no hay solución a priori, pero que tienen mejoras posibles que podrían tratar el proceso multidimensional que nos civilizaría a cada uno de nosotros, a nuestras sociedades, a la tierra”9. REFERENCIAS BACIGALUPO, Luis Eduardo. La Responsabilidad Social Universitaria: Transformaciones para el Perú y América Latina. Artículo Publicado por: Pontificia Universidad Católica del Perú, 2003. Constitución Nacional de la República Bolivariana de Venezuela. Caracas. Decreto 3444 Caracas, 1999. IESALC-UNESCO (1998). Autonomía, Responsabilidad Social y Libertad Académica. Paris. Disponible en: http:// w w w. i e s a l c . u n e s c o . o r g . v e / s i d / d o c u m e n t o s u n e s c o / autonom%C3%ADa%20y%20responsabilidad%20social.pdf. IESALC-UNESCO. La educación Superior en Venezuela. Caracas, 2003.. Disponible:http://www.iesalc.unesco.org.ve/ programas/nacionales/venezuela/infnac_ve.pdf KLIKSBERG, Bernard. La Ética y el Capital Social Cuentan. Venezuela. Ediciones Universidad de Carabobo. FACES de la Universidad de Carabobo. Venezuela, 2004. Ley de Servicio Comunitario del estudiante de Educación Superior. Caracas, 2005. Ley Orgánica de Ciencia, Tecnología e Innovación. Caracas, 2005. Ley de Universidades. Caracas, 1970. MORALES, Víctor. La universidad latinoamericana actual: necesidad de replantear su misión. La universidad se reforma II. UCV IESALC-UNESCO, 2004. MORIN Edgar. Los siete saberes necesarios a la educación del futuro. Venezuela, 2006. MORIN Edgar. Educar en la era planetaria. España. Editorial GEDISA, 2003. Reglamento Orgánico del Ministerio de Educación Superior. Caracas (2002). VÁSQUEZ, Williams. Nuevos modelos de crecimiento 9 Morin. Los siete saberes necesarios a la educación del futuro. 2000. P.122 74 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 DOAÇÃO DE ÓRGÃOS: POSICIONAMENTO DE ESTUDANTES DE ENSINO MÉDIO Daiana Polippo1 Dalva Maria Pomatti2 Helenice de Moura Scortegagna 3 Vera Lucia Fortunato Fortes4 Universidade de Passo Fundo5 ORGANS DONATION: POSITION OF HIGH-SCHOOL STUDENTS RESUMO Estudo descritivo com abordagem quantitativa, realizado em duas unidades de uma escola privada dos municípios de Passo Fundo e Casca (RS), com estudantes das três turmas do 3o ano do Ensino Médio matriculados no segundo semestre de 2005. O objetivo foi conhecer o posicionamento de estudantes de Ensino Médio em relação à doação de órgãos. A amostra compreendeu 46 educandos de ambos os sexos, menores de 21 anos, que estavam na escola no dia agendado e autorizaram a coleta de dados. O estudo atendeu à resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. Utilizou-se a estatística descritiva para descrever as categorias de dados semelhantes. Para verificar a independência entre as variáveis de posicionamento próprio quanto à doação com as sociodemográficas foi utilizado o teste qui-quadrado para um nível de significância de 5%. A maioria dos estudantes não é doador de órgãos ou não sabe responder se é (43,5% e 28,3%, respectivamente). O assunto é de certa forma comentado na família (65,2%), pouco na escola durante o Ensino Fundamental (30,4%) e mais abordado no Ensino Médio (45,7%); conteúdos desenvolvidos nesta última fase do período estudantil demonstram o favorecimento à doação de órgãos (p= 0,029). Os resultados apontam que o Ensino Médio fortaleceu o posicionamento positivo à doação de órgãos. Campanhas continuadas e a progressiva abordagem na vida estudantil incrementariam a decisão por ser um doador. Estudos posteriores poderiam mostrar resultados mais favoráveis à decisão de doar. Palavras-chave: Doação de órgãos. Transplantes. Ensino Médio. ABSTRACT Descriptive study with quantitative approach, carried out in two units of a private school in the cities of Passo Fundo and Casca (RS), with students from the three thirdyear groups in the second semester of 2005. The objective was to know high school students’ position regarding to organs donation. The sample comprised 46 male and female students, under the age of 21, who were in school on the scheduled day and had agreed with the data collection. The study fulfilled the 196/96 resolution of the National Health Council. Descriptive statistics was used to describe the categories of similar data. The qui-square test for a significance level of 5% was used to verify the independence among the own positioning variables regarding to donation with the sociodemographics. Most of the students are not donors or they can’t tell if they are (43,5% and 28,3%, respectively). The subject is, in a way, discussed in the family (65,2%), very little in elementary school (30,4%) and more often addressed in high school (45,7%); subjects developed in this last phase of the learning period show support to organs donation (p=0,029). The results show that the high school education strengthened the positive positioning regarding to organs donation. Continued campaigns and the ongoing approach in the student life would help in the decision of being a donor. Posterior studies could show more favorable outcomes regarding to donation. Keywords: Organs donation. Transplants. High School. 1 Acadêmica do IX semestre do curso de Enfermagem – UPF – Rua Teixeira Soares 817, Passo Fundo, RS. [email protected]. Mestre, professora Adjunta do Curso de Enfermagem - UPF. Rua Sete de Setembro 234/703 Centro – 99010-121 – Passo Fundo, RS. [email protected]. 3 Mestre, doutoranda. Professora Titular do Curso de Enfermagem - UPF. Rua Carlos Gomes 462/402, Passo Fundo RS. [email protected]. 4 Mestre, professora Assistente III da UPF. Rua Uruguai 1140/401 - Centro - 99010-111 – Passo Fundo, RS. [email protected]. 5 Universidade de Passo Fundo – UPF, Rua Teixeira Soares 817 – 99010-080 – Passo Fundo, RS. [email protected]. 2 75 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 1 INTRODUÇÃO Existe uma desinformação geral acerca da doação de órgãos, assunto que não é efetivamente trabalhado na formação escolar ou intrafamiliar. Diante do déficit de informações ou da carência de um firme posicionamento das pessoas quanto à doação, lançou-se o desafio de abordar o tema com alunos de escolas de Ensino Médio. Para que as pessoas entendam a problemática e se posicionem quanto à doação de órgãos, é necessário atuar quando as opiniões se formam no ser humano, o que geralmente acontece na fase da adolescência, período frutífero para sustentar um posicionamento quanto aos cuidados com a própria saúde e ao compromisso social. As escolas de Ensino Médio se constituem, basicamente, de adolescentes, sendo um campo ideal para possíveis discussões férteis acerca da temática “doação de órgãos”, pois os adolescentes apreciam assuntos polêmicos e buscam assumir um posicionamento que caracterize seu papel na sociedade. Este estudo é resultado de pesquisa realizada na disciplina de Iniciação Científica e teve por objetivo conhecer como o estudante de Ensino Médio se posiciona perante a doação de órgãos, testando as seguintes hipóteses: a) as famílias não discutem a temática doação de órgãos; b) as escolas de Ensino Médio e Ensino Fundamental não desenvolvem efetivamente conteúdos relacionados a doenças dependentes de transplantes de órgãos; c) não existem campanhas de divulgação de doação de órgãos na comunidade e escolas; d) os estudantes de Ensino Médio não têm um posicionamento firmado quanto a ser ou não ser doador. REVISÃO DE LITERATURA Muitos pacientes acabam morrendo na fila de espera de transplante. O número de doações no Brasil é insuficiente, sendo dez vezes menor que em países desenvolvidos. O grande desafio é conscientizar e educar a população em geral sobre o tema “Doação de órgãos” (PESSINI; BARCHIFONTAINE, 1995). No Rio Grande do Sul a lista de espera é infindável. Em janeiro de 2005 estavam aguardando na fila de espera por uma doação de órgãos 2583 pessoas, incluindo rim, córnea, fígado, pulmão, pâncreas e coração (ADOTE, 2005; BRASIL, 2005). A Lei dos Transplantes, n o 9.434/97, sofreu alterações em alguns dispositivos em 23 de março de 2001 pela lei no 10.211, no que se refere ao art. 4º, quanto à retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de pessoas falecidas para transplante ou outra finalidade terapêutica, extinguindo definitivamente a doação presumida. Fica estabelecido que, para ser doador após a morte, é necessária a autorização do cônjuge ou parente, maior de idade, obedecida a linha sucessória, reta ou colateral, até o segundo grau inclusive, firmada em documento subscrito por duas testemunhas presentes à verificação da morte (BRASIL, 2001). A partir da promulgação da lei 10.211, o número de doações aumentou, contudo a necessidade se sobrepõe à demanda de órgãos efetivamente doados. É preciso que esse número cresça em razão da grande perda de potenciais doadores. Transplante de doador cadáver consiste no aproveitamento de alguns órgãos de uma pessoa falecida, utilizando-os em outras pessoas que dependam do funcionamento desses órgãos para sobreviver ou melhorar a qualidade de vida. Dentre as indicações, incluem-se a insuficiência cardíaca intratável, a cirrose hepática, a insuficiência pulmonar, o diabetes mellitus e a insuficiência renal crônica. Também é possível transplantar córneas, ossos, músculos/tendões, vasos sangüíneos, pele, medula e intestino (LEONARDELLI, 2003). Doador vivo é aquela pessoa que apresenta saúde normal, sem doenças infecciosas prévias e que deseja doar um órgão ou parte desse para um parente, mediante autorização judicial; para isso, exames de compatibilidade são essenciais para evitar a rejeição (LEONARDELLI, 2003). No Brasil, a história de transplantes teve início no Hospital das Clínicas de São Paulo, quando se realizou, na década de 60, o primeiro transplante de rim de doador vivo (LIMA; MAGALHÃES; NAKAMAE, 1997). O Ensino Médio tem a finalidade de formar o indivíduo de maneira a desenvolver nele valores e competências necessários para integrar seu projeto individual ao da sociedade, aperfeiçoar o estudante como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico, prepará-lo e fornecer-lhe orientação básica para sua integração ao mundo do trabalho e o desenvolvimento da capacidade para continuar aprendendo de maneira autônoma e crítica (BRASIL, 1999). O caminho mais eficaz para se concretizar a doação de órgãos é a pessoa manifestar em vida aos seus familiares o desejo de ser um doador. Provavelmente, se essa pessoa passar por situações adversas que a levarão ao coma e subseqüente morte cerebral, os familiares lembrarão e respeitarão o seu pedido. Depoimento de familiar confirma que, mesmo diante da dor da perda de seu ente, a doação foi concedida, pois era de desejo do doador; com a confirmação diagnóstica da morte encefálica, prevaleceu a vontade de doar (ADOTE, 2005). METODOLOGIA Trata-se de um estudo descritivo-analítico realizado com alunos que freqüentavam, no ano de 2005, o 3º ano do Ensino Médio de duas escolas privadas de uma mesma mantenedora, nos municípios de Passo Fundo e de Casca. Foram incluídos no estudo alunos do 3º ano do turno da manhã, do Centro de Ensino Médio Integrado da 76 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 Fundação Universidade de Passo Fundo, Campus Passo Fundo e Campus Casca, ambos municípios do norte do Rio Grande do Sul, separados por uma distância de aproximadamente 100 km. O primeiro é de médio porte, com uma população de 182.233 habitantes, e o segundo, um pequeno município, com 8.683 habitantes (IBGE, 2005). Os alunos eram de ambos os sexos, com idade inferior a 21 anos e que estavam presentes no dia agendado para a coleta de dados. Foram excluídos os alunos que necessitavam de ou tinham se submetido a algum transplante e aqueles com familiar na mesma situação. A população do estudo totalizou 63 alunos nas duas turmas da Escola A e 21 da única turma da Escola B. Aceitaram participar da pesquisa 29 e 17 estudantes, respectivamente, resultando numa amostra de 46 sujeitos, os quais responderam a um questionário que buscou identificar brevemente o perfil desses alunos e, principalmente, seus posicionamentos quanto à doação de órgãos. A coleta de dados foi realizada por meio de um questionário com perguntas estruturadas e semiestruturadas, respondidas de forma individual em sala de aula, com o fornecimento de orientações prévias da pesquisadora e com a colaboração e a participação da coordenadora pedagógica da escola. A aplicação do questionário ocorreu no mês de setembro de 2005, em dias e horários agendados com a direção da escola. Os dados obtidos em ambas escolas foram agrupados, codificados e digitados num banco de dados do programa Excel e, para a análise, foi utilizado o software SPSS 10.0. Foi utilizada a estatística descritiva para descrever as categorias de dados semelhantes. Para verificar a independência entre as variáveis foi utilizado o teste qui-quadrado para um nível de significância de 5%. O projeto de pesquisa observou os dispositivos da resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (BRASIL, 1996) e foi aprovado pela direção do Centro de Ensino Médio Integrado da Fundação Universidade de Passo Fundo, Campus Passo Fundo e Casca e pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Passo Fundo (registro n. 646/ 2005). Os estudantes e seus responsáveis legais que concordaram em participar da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. RESULTADOS A idade média dos alunos foi de 16,8 anos [DP = 0,39 anos, IC=16,6; 17,1]. Quanto ao sexo, foram 63% do feminino e 37% do masculino. A raça branca foi predominante, com 93,5%, e outras com 6,5% . A religião católica correspondeu a 82,6%; outras crenças ficaram com 6,5% e ignoraram a questão 10,9%. campanha a respeito. A maioria, 91,3%, não conhece alguma pessoa que necessite de um órgão e 8,7% afirmaram conhecer alguém que precise de transplante. Para 65,2% dos alunos em algum momento o tema doação de órgãos foi abordado em sua família e para 34,8% o assunto nunca foi discutido em casa. Na escola, durante o Ensino Fundamental, 69,6% dos alunos afirmaram nunca terem ouvido comentários sobre doação de órgãos; para 30,4% o assunto foi abordado. No Ensino Médio, 45,7% responderam que o tema foi discutido e 54,3%, que não ouviram falar do assunto durante as aulas. Com relação ao posicionamento sobre ser ou não doador de órgãos, apenas 26,1% dos estudantes responderam que são doadores; 43,5% referiram que não o são, 28,3% estavam em dúvida quanto a essa decisão e 2,2% ignoram a questão. Dos alunos entrevistados, 91,3% afirmaram saber o que é morte cerebral e 8,7% desconhecem esse conceito. Da mesma forma, 84,8% afirmaram ser possível a doação a partir de uma pessoa com morte cerebral, ao passo que 15,2% ignoravam tal possibilidade. Questionados sobre se sabiam que o transplante pode ser a partir de um doador vivo, 95,7% responderam afirmativamente e 4,3% consideraram não ser possível esse tipo de doação. Indagados sobre se conheciam alguém que tenha recebido um órgão de outra pessoa, 19,6% afirmaram conhecer e 80,4% não conhecer ninguém que seja transplantado. Quanto aos órgãos que consideram ser possível a doação, as respostas foram múltiplas, mas predominaram o rim e o fígado. Ao optarem pela forma que define o que é necessário para a pessoa ser um doador de órgãos, a maioria dos alunos, 63%, assinalou a opção correta e amparada pela legislação, ou seja, que é necessário avisar a família, porém 37% desconhecem essa forma de encaminhamento. Ao se questionar sobre a existência de algum hospital que realiza transplante na região, grande parte dos estudantes, 89,1%, afirmou que conhece, mas 10,9% desconhecem qualquer serviço que faça esse procedimento. A Tabela 1 apresenta as variáveis entre ser, não ser e não saber ser um doador de órgãos com as variáveis sociodemográficas, incluindo sexo, campanhas de doação, conhecimento de alguém que precise de um transplante, conteúdos no Ensino Fundamental e conteúdos no Ensino Médio. Todos os alunos responderam de forma afirmativa que já ouviram falar de doação de órgãos em algum momento de suas vidas; 82,6% presenciaram campanhas sobre esse assunto, a maior parte por meio da televisão, ao passo que 17,4% nunca viram qualquer tipo de 77 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 Tabela 1 – Doação de órgãos entre alunos de Ensino Médio - Passo Fundo, RS 2005. Variáveis Categorias Doador Não Não sei 10 10 9 3 Total P 28 16 0,362 Feminino Masculino Sim 8 4 Campanhas Sim Não 10 2 17 3 10 3 37 8 0,833 Conhecimento de alguém que precisa de transplante Sim Não 2 10 1 19 1 12 4 41 0,524 Conteúdos no Ensino Fundamental Sim Não 5 7 5 15 3 10 13 32 0,518 Conteúdos no Ensino Médio Sim Não 9 3 8 12 3 10 20 25 0,029 Sexo Cruzamento das variáveis entre ser doador de órgãos; não ser doador de órgãos e não saber ser um doador de órgãos com as variáveis: sexo, campanhas de doação de órgãos, conhecer alguém que necessite de um transplante, conteúdos sobre doação de órgãos no Ensino Fundamental e conteúdos sobre doação de órgãos no Ensino Médio. Fonte: Polippo et al., 2005. Constata-se que as campanhas falada e escrita não estão surtindo o efeito desejado, pois os argumentos utilizados não estão sensibilizando as pessoas. Deduzse que, junto à infância e pré-adolescência, durante o desenvolvimento do Ensino Fundamental, o assunto doação de órgãos também não vem sendo trabalhado efetivamente. Os resultados apontam que a única variável que influenciou no posicionamento favorável à doação de órgãos foi comentários desenvolvidos no Ensino Médio, mostrando que existe uma subdivulgação tanto nas campanhas quanto na infância e no início da adolescência durante o Ensino Fundamental e que, provavelmente, o fato de não conhecerem alguém que necessite de um transplante é fator determinante para não serem doadores. DISCUSSÕES O posicionamento em relação a ser um doador de órgãos mostrou que a maioria dos alunos não é ou tem dúvidas quanto a essa decisão e uma minoria afirmou ser doador. Isso demonstra que existe uma subdivulgação da importância do tema no cotidiano das pessoas, possivelmente porque as campanhas ainda não são efetivas. No Brasil os avanços científicos e tecnológicos têm colaborado para o aumento expressivo do número de transplantes, embora ainda insuficientes em face da enorme demanda de necessidade de órgãos. A taxa obtida é de 5,4 doadores por milhão de habitantes/ano (SANTOS; MASSAROLLO, 2005). O número de potenciais doadores estabelecidos pela estatística é de 50–60 por milhão de habitante (LEONARDELLI, 2003). Evidenciou-se que, mesmo discutindo o assunto doação de órgãos dentro das famílias, esse fato não sensibilizou os jovens a serem doadores, possivelmente porque as discussões são superficiais e não envolvem fatos polêmicos, como doenças, sofrimento e morte cerebral. É bem provável que os pais não tenham preparo para realizar essa discussão em casa, pois esse processo é relativamente recente e vem sofrendo alterações na sua legislação, mas, principalmente, porque sempre o assunto doação de órgãos é acompanhado de um tema ainda mais nebuloso, a morte. É profícuo que a temática doação de órgãos tenha sido tratada no Ensino Médio e revelado um favorecimento à doação (Tabela 1), porém ainda é insuficiente, necessitando-se que os conteúdos abordem esse assunto nas discussões desde a infância, iniciando no Ensino Fundamental. Uma possibilidade seria por meio de oficinas lúdicas nas quais as crianças começariam a entender que existem doenças que prejudicam alguns órgãos, os quais precisam ser substituídos por outros, doados por pessoas. No Ensino Médio, os alunos deveriam ter acesso aos dados regionais que mostram o contingente de pessoas que necessitam de um órgão para viver e também conhecer os tipos de doador e os encaminhamentos para a efetivação da doação. A construção desse processo ao longo da vida possibilitaria à pessoa, autonomamente, tomar decisões. A autonomia se refere à capacidade de tomada de decisão pelo indivíduo, como também exige da sociedade o respeito a essa determinação própria. Decidir sobre algo exige entendimento e conhecimento do assunto para que o processo de análise seja realizado de forma mais inteirada da realidade, reduzindo os erros provenientes de uma conduta ou atitude insensata, o que muitas vezes é irreversível (ALMEIDA et al., 2003). 78 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 A maioria dos alunos sabe que, para ser um doador de órgãos, é necessário avisar a família, porém ao marcar também as outras duas opções, que eram fazer um documento e colocar um selo na identidade, eles demonstraram que ainda existem dúvidas quanto ao correto encaminhamento dessa decisão. A lei n o 10.211 estabeleceu que as manifestações de vontade relativas à doação de órgãos, constantes na carteira de identidade e de habilitação, não teriam validade a partir de dezembro de 2000 (ALMEIDA et al., 2003). Os estudantes sabem que são realizados transplantes nos hospitais da região, possivelmente pelo fato de que fígado e rim são transplantados com freqüência, sendo esses bastante divulgados nos meios de comunicação local. Apesar de todos os alunos terem respondido afirmativamente que sabem o que é morte cerebral, acredita-se que as pessoas, no geral, não tenham muita clareza desse conceito, pois existe confusão entre a paralisação da circulação cerebral e a manutenção dos batimentos cardíacos. Os resultados mostram que as campanhas de doação de órgãos efetivamente não influenciaram no posicionamento em ser doador. É possível que a mídia não esteja conseguindo estimular as pessoas a serem doadoras; assim, a televisão, forte instrumento de influência, deveria realizar campanhas continuadas e em horário nobre, amparada pelo Ministério da Saúde. As comissões intra-hospitalares de transplantes são as principais articuladoras em prol da doação de órgãos, pois “detêm o conhecimento, devendo responsabilizar-se pela educação e conscientização da sociedade em geral”. Precisam desenvolver inúmeras ações sociais, incluindo estar sempre disponível à imprensa em geral, com dados estatísticos e informações; manter projeto de palestras em escolas e empresas; participar de programas de rádio e TV; convidar os demais hospitais da cidade e região para participar dos treinamentos; estar presente em eventos da comunidade; apresentar seu trabalho por meio de palestras, sempre que solicitadas; organizar e participar de campanhas de doação de órgãos e contagiar as pessoas com a “cultura da doação” como tarefa nobre e privilegiada (LEONARDELLI, 2003, p. 27). O enfermeiro não pode se eximir da problemática da insuficiência de doações de órgãos. Atuando em hospitais, especificamente em terapia intensiva e emergência, necessita reconhecer o potencial doador. Trabalhando na rede básica, deve informar a população quanto às doenças dependentes de um transplante e apontar estratégias para sanar dúvidas e mitos que envolvem o processo de doação. CONSIDERAÇÕES FINAIS A morte cerebral é um assunto que continua permeado por dúvidas entre as pessoas. Os critérios que definem essa situação de irreversibilidade devem ser mais compreendidos pela população, pois, diante dessa evidência com um familiar, potencial doador, a menção à doação de órgãos surge como algo obscuro, somado ao momento crítico vivido pelo seu ente. Se esse assunto tivesse sido mencionado no decorrer da vida da pessoa que se encontra em estado crítico, ficaria mais fácil um posicionamento dos familiares e, provavelmente, se a doação fosse um desejo, ocorreria com mais tranqüilidade o consentimento à mesma. Os resultados mostram que, infelizmente, as pessoas não estão decididas a serem doadores de órgãos e que, possivelmente, se essa decisão for tomada na juventude, o posicionamento se manterá para o resto da vida. Torna-se imprescindível, portanto, que os profissionais de saúde e educação incorporem nos seus conteúdos com maior ênfase essa temática, pois muitas doenças vêm se tornando epidemias e dependem de órgãos para diminuir sua incidência. Campanhas em nível nacional, somadas às ações das comissões intra-hospitalares, possivelmente, sejam os maiores esclarecedores e incentivadores das doações, pois suas proposições influenciariam diferentes âmbitos e permitiriam obter um resultado mais significativo quanto à doação de órgãos. Devem-se aumentar as campanhas de divulgação, mobilizando os profissionais da área da saúde a orientar e incentivar a população, fornecendo informações quanto às causas que levam uma pessoa a depender de um órgão, esclarecendo as estatísticas das principais doenças indicativas de transplante e mostrando a dimensão das listas de espera. É preciso aumentar a confiança da população para que tenha condições de postar-se criticamente decidindo sua posição diante da doação. O empenho dos profissionais em discutir acerca da doação de órgãos em diferentes contextos sociais, sustentados na convicção da melhoria na qualidade de vida após o transplante, possibilita despertar um posicionamento particular quanto a ser um doador e, o que é mais importante, tornar pública tal decisão diante de seus familiares. Não basta apenas dizer que “doar órgãos é um ato de amor”. Esse gesto deve extrapolar o romantismo e revestir-se do compromisso social com as pessoas que sofrem durante anos com uma doença crônica, estão na lista de espera por um transplante ou morrem antes de consolidar esse desejo. Se durante a formação do adolescente for incentivada a participação na comunidade, amplifica-se o seu olhar e possibilita-se que reflita frente à situação que se apresenta. Envolver-se com as questões da sociedade é o principal desafio da educação, pois isso o deixa comprometido com os problemas do meio em que vive, tornando-se mais responsável e mais participativo no contexto atual. 79 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 Silenciar quanto à doação de órgãos junto aos adolescentes seria menos exaustivo, mas embrenhar-se em defesa da outra vida quando a própria vida já não existe mais denota um compromisso social e reflete um ato de solidariedade. Para se ter um panorama mais amplo quanto ao posicionamento sobre a doação de órgãos, outros estudos poderiam ser implementados com diferentes amostras, incluindo crianças, estudantes de graduação e trabalhadores. REFERÊNCIAS ALIANÇA PARA DOAÇÃO DE ÓRGÃOS E TECIDOS. Disponível em: <http://www.adote.org.br>. Acesso em: 30 mar. 2005. ALMEIDA, Kelly C. et al. Doação de órgãos e bioética: construindo uma interface. Rev. Bras Enfer,. Brasília, v. 56, n. 1, p. 19-23, jan./fev. 2003. FUNDAÇÃO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE): Cidades. Disponível em: <http:// www.ibge.gov.br/cidadesat/default.php>. Acesso em: 31 out. 2005. LEONARDELLI, Luciana do A. et al. Manual de captação de órgãos e tecidos. Caxias do Sul: Dinâmica Comunicação Empresarial, 2003. LIMA, Elenice D. R; MAGALHÃES, Myrian B. B; NAKAMAE, Djair D. Aspectos éticos-legais de retirada e transplantes de tecido, órgãos e partes do corpo humano. Rev. Latino-am Enfermagem, São Paulo, v. 5 n. 4, p. 5-12, out. 1997. BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros curriculares nacionais: ensino médio. Brasília: Secretaria da Educação Média e Tecnológica. 1999. BRASIL. Lei nº 10.211, de 23 de março de 2001. Altera dispositivos da Lei 9.434, de 4 de fevereiro de 1997. Dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento. Presidência da República. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/Leis/LEIS_2001/L10211.htm>. Acesso em: 8 abr. 2005. BRASIL. Ministério da Saúde. Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos. Disponível:<http:// p o r t a l . s a u d e . g o v. b r / p o r ta l / s a u d e / visualizar_texto.cfm?idtxt=22744>Acesso em: 2 nov. 2005. BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Diretrizes e normas regulamentadoras da pesquisa envolvendo seres humanos: Resolução n. 196/96. Brasília (DF); 1996. 12 f. PESSINI, Leo; BARCHIFONTAINE, Cristian de P. de. Segunda chance de vida: transplantes e doação de órgãos. In:_____. Problemas atuais de bioética. 6. ed. São Paulo: Loyola, 1995. p. 317-334. SANTOS, Marcela J. dos; MASSAROLLO, Maria. C. K. B. Processo de doação de órgãos: percepções de familiares de doadores cadáveres. Rev. Latino-am Enfermagem, São Paulo, V.13, n 3, p. 382-387, maio/jun. 2005. 80 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 PERFIL DA POPULAÇÃO VÍTIMA DE ACIDENTE DE TRÂNSITO: UM OLHAR SOBRE O JOVEM NESTE CONTEXTO Carlos Eduardo Hermann1 Rafael Marcelo Soder2 Andréa Regina Nagorny3 ABSTRACT RESUMO O artigo é referente à investigação quanto ao aumento dos acidentes de trânsito com jovens, que está ocorrendo neste país, bem como a identificação dos tipos de acidentes de trânsito e o levantamento de dados estatísticos acerca do tema, quais os fatores que contribuem para a ocorrência de acidentes de trânsito com jovens, identificar o dia e a hora da semana de maior ocorrência dos acidentes, identificação do número de jovens envolvidos por acidentes. A pesquisa caracterizase como sendo de cunho quantitativo, do tipo documental, a coleta dos dados deu-se por meio das informações contidas nos Boletins de Ocorrências de todos os acidentes ocorridos no período de Julho de 2006 a Junho de 2007 fornecidos pela Polícia Rodoviária Estadual. Após a análise dos dados, evidenciou-se que no período analisado ocorreram 84 acidentes com envolvimento de jovens, sendo maio de 2007 com 13 acidentes e outubro de 2006 com 11 acidentes os meses que mais ocorreram. Verificou-se o horário que ocorreu o maior número de acidente foi entre 16:01h e 20:00h com 28% dos casos. Em relação aos dias da semana, domingo com 29% dos acidentes e sábado com 21% foram os dias em que houve o maior número de vítimas. Outro dado impressionante é a faixa etária dos envolvidos, sendo que 73% das pessoas envolvidas em acidentes de trânsito estão na faixa etária dos 18 aos 27 anos. Frente a estas considerações foi possível verificar que os jovens devem ter um maior cuidado no trânsito tornando-o mais seguro, e assim diminuir o número de casos de acidentes envolvendo os jovens motoristas. The article is about the investigation related to the increasing number of traffic accidents with young people that are happening in this country as well as the identification of the types of statistical data-collecting and traffic accidents concerning to the subject, which the factors that contribute for the occurrence of traffic accidents with them, to identify to the day and the hour of the week of bigger occurrence of the accidents, identification of the number of involved young people per accidents. The research is characterized as being quantitative, of documentary type, the data collection happened through information contained in Bulletins of Occurrences of all the accidents occurred in the period of July 2006 to June 2007 supplied by the ‘Polícia Rodoviária Estadual’. After the analysis of the data, it was in May of 2007 with 13 accidents and October of 2006 with 11 proven that in the analyzed period 84 accidents were detected with young people involved, being the months with more numbers of accidents. The schedule was verified that occurred the biggest number of accident was between 16:01 and 20:00 with 28% of the cases. In relation to the days of the week, Sunday with 29% of the accidents and Saturday with 21% had been the days where it had the biggest number of victims. Another impressive data is the age of the involved ones, being that 73% of the involved people in traffic accidents are at the ages from 18 to 27. Facing these considerations it was possible to verify that the young people must have a well-taken care in traffic becoming it safer and thus to decrease the number of accidents cases involving the young drivers. Palavras-chaves: Acidentes, Jovens, Trânsito, Vítimas. Keywords; Accidents. Young People. Traffic. Victims 1 Acadêmico do Curso Bacharelado em Enfermagem, da Sociedade Educacional Três de Maio – SETREM. [email protected]. Orientador, Mestre em Enfermagem, Professor do Bacharelado em Enfermagem da Sociedade Educacional Três de Maio – SETREM. [email protected]. 3 Acadêmica do Curso Bacharelado em Enfermagem, da Sociedade Educacional Três de Maio – SETREM. [email protected] 2 81 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 1 INTRODUÇÃO O presente artigo teve seu desenvolvimento durante o segundo semestre do ano de 2007, com a análise de Boletins de Ocorrências (BO) dos acidentes de trânsito que aconteceram no período de julho de 2006 a julho de 2007 em uma microrregião do Estado do Rio Grande do Sul, sustentado pelo elevado número de acidentes automobilísticos evidenciados subjetivamente nesta região em estudo. Neste quadro, o elevado índice de mortalidade por acidentes de trânsito representa um problema de saúde pública tanto no Brasil como em outros países. Acidentes e mortes no trânsito são problemas fruto do aumento do número de carros, do estresse cotidiano e de outros fatores. Todos os cidadãos vivenciam direta ou indiretamente os problemas causados pelo trânsito. Quantitativamente, os acidentes de trânsito representam em nosso país o segundo maior problema de saúde pública, só perdendo para a desnutrição. Anualmente, milhares de pessoas morrem ou se ferem em acidentes de trânsito, e mais da metade dos feridos ficam com lesões ou seqüelas permanentes (MARTÍN; QUEIRÓZ, 2000, p. 12). Os acidentes de trânsito, principalmente com jovens, sendo um fenômeno que vem aumento a cada dia e que está presente em nossa volta, vêm tornando-se um grave problema de saúde pública a ser enfrentado pelos administradores de todo o país. Estes são responsáveis por buscar meios de diminuir o impacto que os acidentes de trânsito estão ocasionando em nossas vidas. Tendo em vista uma verdadeira epidemia de acidentes com a população jovem, possivelmente esses acidentes podem ser considerados como eventos evitáveis, portanto preveníveis. Por isso, surgiu a necessidade do presente estudo de analisar e conhecer melhor as causas e circunstâncias dos acidentes de trânsito, permitindo elaborar planos preventivos eficazes baseados nos dados reais. 2 METODOLOGIA O presente artigo teve uma abordagem quantitativa, do tipo documental, através da análise de BO dos acidentes de trânsito de uma microrregião do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. Segundo Gil (2004 p. 45): “a pesquisa documental vale-se de materiais que não recebem ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetos da pesquisa”. A coleta dos dados para a pesquisa se deu no mês de agosto de 2007 através das informações contidas nos Boletins de Ocorrência da Polícia Rodoviária Estadual envolvendo Acidentes de Trânsito durante o período de Julho de 2006 a junho de 2007. A análise dos resultados se deu por meio da análise de conteúdos que segundo Minayo (2004), refere-se ao encontro de respostas que se darão para as questões formuladas, podendo ou não serem confirmadas as afirmações estabelecidas antes de se iniciar o trabalho de investigação e também foi utilizada a análise estatística para fazer o levantamento em percentagem do número de casos dos acidentes, bem como poder traçar um perfil dos acidentes de trânsito e das vítimas. O referido trabalho está embasado nas normas e diretrizes da resolução nº 196/96, do Conselho Nacional da Saúde (CNS) que envolve ética na pesquisa com seres humanos. Havendo com isso a privacidade da identificação dos indivíduos-alvo da pesquisa. 3 OS JOVENS E O TRÂNSITO As pesquisas sobre os acidentes de trânsitos começaram a ser estudadas nos países desenvolvidos a partir dos anos 60, isso devido ao aumento da mortalidade e gravidade das lesões provocadas por esses acidentes. No Brasil há poucas pesquisas sobre os acidentes de trânsito, sendo as primeiras nos anos 80. 3.1 ASPECTOS GERAIS SOBRE OS ACIDENTES DE TRÂNSITO Pela Classificação Internacional de Doenças (CID), os acidentes de trânsito são denominados como causas externas. Estes têm sido causas constantes de procura, atendimentos e de internações nos Hospitais de todo o Brasil, resultando em grande demanda aos serviços de saúde e em angústia para as vítimas e seus familiares, além de elevados custos diretos e indiretos e de seqüelas que danificam a qualidade de vida dos que sofreram estas lesões (MARTINS; ANDRADE, 2005). Os acidentes de trânsito estão entre as principais causas de morte no Brasil e no mundo, segundo a OMS (1997), os acidentes de trânsito devem saltar de 9º lugar em 1990 para 3º lugar em 2020 em causa de morte no mundo, perdendo apenas para doenças coronárias e depressão. Segundo Plonka (2004, p. 02): “no Brasil, US$ 5 bilhões por ano são gastos com os acidentes de trânsito, o que corresponde a 70% dos recursos do Sistema de Previdência referentes aos acidentes de trabalho”. Para um país subdesenvolvido é um alto custo os acidentes de trânsito, pois com estes recursos gastos em tratamento poderia ter outros fins como melhoria das condições das 82 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 rodovias, do policiamento e com isso prevenir futuros acidentes. Outro fator que traz preocupação à saúde é as internações hospitalares devido aos acidentes de trânsito, que em alguns lugares chega a ocupar 60% dos leitos reservados a pacientes com traumatismo dos hospitais deixando muitas pessoas em filas de espera ou morrendo por falta de leitos e atendimento médico (PLONKA, 2004). Para Mello Jorge (2002, p. 02): Do ponto de vista econômico, a violência no trânsito representa um custo não mensurável, mas, com certeza, bastante elevado, visto que incide prioritariamente sobre uma população de idade produtiva que é, abruptamente retirada do meio em que vive, seja pela morte precoce, seja pela ocorrência de seqüelas, em grande número de vezes, graves e irreversíveis. Outro dado que é relevante discutir é o aumento desenfreado de automóveis que são colocados em circulação anualmente no país, dados mostram que no ano de 2005 o Brasil possuía uma frota de 42.071.961 veículos, para uma população de 189.001.971 habitantes, cerca de 1 veículo para cada 5 pessoas, tornando cada vez mais difícil a prevenção dos acidentes de trânsito (DENATRAN, 2005). 3.2 Os jovens e os acidentes de trânsito Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente do Brasil (ECA) (1991), “é considerado adolescente, aquela pessoa entre 12 e 18 anos”. Já a Organização Mundial de Saúde preconiza que seja considerado adolescente dos 10 aos 19 anos de idade e, juventude, aquele que decorre entre os 15 e os 24 anos. tidos como o futuro, como uma mão de obra mais qualificada, tornando a sociedade mais deficiente com tantas mortes nesta fase da vida. Atualmente, os jovens estão tendo mais liberdades dentro da sociedade em que vivem e, com essa liberdade, acabam cometendo alguns descasos com a sua segurança assim como com as pessoas que convivem com eles. Dentre as várias questões que os jovens estão se envolvendo, uma delas é os acidentes de trânsito que vêm aumentando cada vez mais em todo país. Segundo Minayo; Souza (1993, p. 74), “no Brasil, o fenômeno da mortalidade por acidente de trânsito também segue a tendência mundial em termos de maior incidência sobre o sexo masculino e em faixas etárias jovens”. O sexo masculino é maior acometido pelos acidentes de trânsito em todo o mundo, assim como a faixa etária que ocorre o maior índice dos acidentes é a juventude. Conforme a Fundação Nacional da Saúde, no Brasil, o acidente de trânsito é apontado como a segunda causa de mortes entre os jovens, sendo a primeira na região Sul (FUNASA, 2000). Nestes acidentes muitas vezes não são apenas os jovens que são as vítimas, podendo envolver também familiares, amigos e demais pessoas que estavam no local. Várias pesquisas relatam que cerca de 70% das vítimas de acidente de trânsito têm idade entre 10 e 39 anos. Portanto, pertencem ao grupo de adolescentes e adultos jovens. Os jovens estão cada vez mais se envolvendo em acidentes devido a várias causas como a inexperiência no trânsito, uso abusivo de álcool e outras drogas, a busca de novas emoções e a impulsividade de viver sob riscos, fatos estes que vêm contribuindo com o aumento das estatísticas acerca dos acidentes de trânsito. Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (OPS, 1994), a cada jovem que morre por acidente de trânsito, entre 10 e 15 apresentam seqüelas e 30 a 40 sofrem ferimentos graves e utilizam o serviço de emergência. Para Vermelho; Mello Jorge (1996): 3.3 Principais causas dos acidentes de trÂnsito entre jovens A juventude, por outro lado, é uma categoria fundamentalmente sociológica e se refere ao processo de preparação para que os indivíduos assumam o papel social do adulto, tanto do ponto de vista familiar, quanto profissional, com plenos direitos e responsabilidades. Os acidentes de trânsito entre jovens estão cada vez mais comuns nos dias de hoje e são vários os fatores contribuintes para que ocorra esse tipo de violência, como a pouca experiência na condução do veículo, uso de álcool e drogas, agressividade e busca de adrenalina, bem como o abuso da alta velocidade. Para OMS (2006): “cada ano morrem cerca de 400.000 jovens menores de 25 anos como conseqüência de acidentes de trânsito e vários milhões sofrem lesões ou ficam incapacitados de alguma forma”. Com todas estas mortes e lesões que ocorrem com jovens, faz com que haja um problema ainda maior, visto que os jovens são 83 Hakkinen (1976), apud Martins; Queiroz (2000): observou que, em todas as faixas etárias, a freqüência de acidentes é uma vez e meia maior REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 nos três primeiros anos em que o motorista adquire sua carteira (licença) para dirigir, do que nos anos subseqüentes. Uma vez que juventude pouco pratica na condução de veículos e falta de adaptação geral no trânsito estão fortemente associadas ao maior risco de acidente de trânsito. 3.4 CÓdigo de trânsito brasileiro Com a implantação do novo Código de Trânsito Brasileiro (CTB), aprovado pela lei nº 9.503, contendo 341 artigos que foi publicado no dia 23 de setembro de 1997 e entrou em vigor em janeiro de 22 de janeiro de 1998, surgiu um novo aliado ao combate da violência no trânsito. Os jovens como referem os autores, mesmo possuindo licença para dirigir, ainda não estão preparados para o trânsito, são mais vulneráveis, tem menos habilidade no controle do veículo, tomam decisões de forma precipitada ou inconsciente, não sabendo ou não conhecendo as ruas ou rodovias por onde trafega, e, com isso, levando muitas vezes a ocasionar um acidente. Segundo Traumann (1998), os efeitos do novo CBT começaram a ser sentidos já no carnaval do ano em que entrou em vigor, pois nesse período considerado de risco para a ocorrência de acidentes de trânsito, teve uma redução de 45% no número de acidentes em relação ao mesmo período de 1997. Outro fator agravante é a tomada de decisão que deve ser feita no trânsito, algumas vezes frações de segundos. Muitos acidentes ocorrem não tanto pela falta de habilidade do condutor, e sim pelo julgamento e tomada de decisão na hora de controlar o automóvel. Com a implantação do novo CTB ocorreram melhorias em relação ao meio ambiente, às sinalizações, tanto para condutores como para pedestres, melhoria no sistema de fiscalização, como radares, semáforos, bem como repressão aos maus condutores que geram riscos de acidentes de trânsito (TRAUMANN, 1998). Para Carrer (1992) apud Martín; Queiroz (2000) existe três tipos de tomada de decisão: a tomada de decisão racional caracteriza-se por destacar a informação relevante, observar cuidadosamente as conseqüências futuras e atuar de forma intencional e lógica. A intuitiva mostra pequena antecipação às conseqüências futuras, ou pequena procura sistemática de informação. A dependente tem como características não se mostrar responsável por suas decisões, que são tomadas em virtude da aprovação social. O abuso da velocidade no trânsito é uma das principais causas dos acidentes envolvendo os jovens, pois permite experimentar sentimentos de adrenalina, superioridade, onipotência, independência. Segundo a OMS (2006), “freqüentemente veiculam-se anúncios que associam carros velozes e alta velocidade com virilidade”. Esses anúncios têm sua maior influência na população jovem, sendo esta mais vulnerável e em busca de novas situações de emoção. Mas a redução no número de acidentes não se manteve com o passar dos anos, possivelmente pela falta de ativa fiscalização, com a não aplicação de punições devidas, assim como o atraso no recebimento das multas. E com isso ocorreu um novo aumento no número de acidentes. 3.5 Acidentes de trânsito, um problema de saúde pública Os acidentes de trânsito são fenômenos de natureza multicausal que interessam muito a área da saúde por razão do elevado número de mortes que ocasionam, bem como a necessidade do atendimento a equipes de saúdes. Segundo Mello Jorge (2002), “no Brasil, a violência vem manifestando-se em números elevados e crescentes, provocando indicadores de saúde absolutamente negativos para a sua população”. Dos anos 70 até os anos 90 a mortalidade por acidente de trânsito cresceu cerca de 50% . Outro fator preocupante em todas as idades, mas principalmente entre os jovens, é o consumo drogas, sobretudo o álcool. Várias pesquisas apontam o álcool como tendo uma forte relação com os acidentes de trânsito. Em vários países, o álcool é responsável por 30% a 50% dos acidentes graves ou fatais (OMS, 2006). A área da saúde está deixando de ter a função principal na forma curativa e dando espaço ao modo da saúde preventiva como modo de diminuir os riscos à saúde que estão acometendo a todos, como exemplo, os acidentes de trânsito. É neste contexto que a saúde pública age de maneira mais eficiente. No Brasil, existe um limite de álcool no sangue para poder dirigir com segurança, sendo este até 0,06 decigramas por litro de sangue. Após este valor o condutor terá a suspensão do direito de dirigir, além de multa e retenção do veículo. Os acidentes de trânsito representam, há vários anos, um problema de saúde pública de grande magnitude e transcendência, já que vêm provocando forte impacto na morbimortalidade das populações e existem métodos para a sua prevenção e controle. Caracteriza-se como problema importante, visto que esses métodos, ou não estão sendo 84 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 aplicados ou, apesar das ações realizadas com o objetivo de reduzir sua força, têm mantido os índices além do nível esperado (FORATTINI, 1992). reforça sua importância em termos de saúde pública (SAUER; WAGNER, 2003). Segundo Kerr-Pontes; Rouquayrol (1999): Do ponto de vista econômico, Mello Jorge (2002) acredita que os acidentes de trânsito representam um custo imensurável e, com certeza, bastante elevado, visto que ocorre prioritariamente sobre uma população em idade produtiva, como os jovens, que é retirada do meio em que vive, seja pela morte precoce, seja pela ocorrência de seqüelas, em grande número de vezes, graves e irreversíveis. é fato comprovado que há uma relação entre o desenvolvimento e as condições de vida de uma população e a sua mortalidade na infância. O indicador de saúde “taxa de mortalidade infantil”, universalmente conhecido como marcador não apenas da mortalidade, mas também do nível socioeconômico de uma população, é um exemplo desta relação. Nas últimas décadas, a concepção de desenvolvimento de uma população superou a dimensão tradicional da riqueza para assumir uma visão integral que engloba o desenvolvimento das pessoas, para as pessoas e pelas pessoas. Para Yunes (2001): quanto aos gastos que os serviços de saúde têm com o tratamento de lesões, traumatizados, algumas observações são importantes. As internações decorrentes de lesões provocadas por causas externas nos hospitais próprios ou conveniados com o Sistema Único de Saúde, no Brasil, representam cerca de 6% do total de hospitalizações (dados de 2000). Esse valor pode parecer baixo, mas totaliza algo como 700 mil internações/ano. Ainda do ponto de vista de gastos hospitalares, foi possível mostrar que, em São Paulo, esse valor corresponde a, aproximadamente, 8% do total despendido, o que evidencia que o paciente traumatizado é mais oneroso, com gasto/dia 60% mais elevado que o de pacientes internados por causas naturais. Essa diferença decorre, provavelmente, de maior número de dias de hospitalização em Unidades de Terapia Intensiva e procedimentos mais dispendiosos, como cirurgias e diagnósticos por imagem. 2.6 Anos potenciais de vida perdidos (APVP) A morbimortalidade causada pela violência no trânsito entre os jovens está adquirindo importância em todo o mundo, tanto por sua repercussão imediata, quanto por sua projeção nas idades mais produtivas da vida. Quando se analisa o indicador Anos Potenciais de Vida Perdidos (APVP), ressalta-se que os óbitos por acidentes de trânsito representam um dos mais terríveis grupos de causas de morte. Afinal, conhecendo a grande importância dos acidentes de trânsito fatais no país, especialmente pelo predomínio em populações jovens e/ou economicamente ativas, maior será a perda de anos de vida produtiva, assim como o elevado custo direto e indireto para a sociedade. 4. ANÁLISE DOS DADOS E APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS OBTIDOS Esta parte do estudo foi desenvolvida com a intenção de relatar os resultados obtidos após a análise dos dados coletados. A coleta dos dados foi realizada na Polícia Rodoviária Estadual durante o mês de Agosto de 2007, sendo coletado dados dos BO’s de acidente de trânsito do período de Junho de 2006 a Julho de 2007, totalizando 84 BO’s analisados, visando conhecer o perfil epidemiológico dos jovens vítimas de acidentes no trânsito. Serão debatidos os resultados da pesquisa após a análise dos dados; desta forma será possível conhecer o perfil dos jovens vítimas de acidente de trânsito. A partir da tabulação e análise dos dados coletados foi possível construir várias tabelas e gráficos promovendo assim o melhor entendimento dos dados obtidos. O indicador APVP vem sendo utilizado para comparar as diferenças no padrão de mortalidade, ordenando as principais causas de óbito, uma vez que ele combina a magnitude das causas com a idade em que ocorreram os óbitos. Segundo a previsão da Organização Mundial da Saúde (OMS) para o ano de 2020, acidentes de trânsito ocuparão o segundo lugar em causas por APVP em todo o mundo. Neste sentido, adolescentes e adultos jovens apresentam um elevado número de mortes por causas externas, especialmente em acidentes de trânsito, contribuindo com um contingente maior de APVP, o que 85 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 Na tabela 2, que expõe sobre o horário em que Tabela 1: Distribuição dos acidentes de aconteceram os acidentes de trânsito, nota-se um maior Julho de 2006 a Junho de 2007. Meses Julho Agosto Setembro Outubro Novembro Dezembro Janeiro Fevereiro Março Abril Maio Junho Total Nº acidentes 8 5 5 11 7 5 3 7 10 3 13 7 84 número de casos, 23 acidentes, no horário entre as 16:01 e 20:00, e também entre as 04:01 e 08:00 com um total de 16 acidentes. Enquanto que na tabela 3 os dados expõem os dias da semana em que mais ocorreram os acidentes de trânsito, revela que o domingo, com 29% dos acidentes e sábado com 21%, são os dias em que ocorre o maior número de acidentes. Pode-se notar, então, que a metade dos acidentes ocorridos no período de 12 meses foi durante os fins de semana. Percentual 10% 6% 6% 13% 8% 6% 4% 8% 12% 4% 15% 8% 100% Observando a tabela 2, pode-se acreditar que no horário entre 16:01h 20:00h ocorram acidentes em razão do deslocamento de pessoas que saem do trabalho em uma cidade e retornam para suas casas em outras cidades. Divergindo destes dados, ao observar a tabela 3, verifica-se que as maiores ocorrências foram no sábado e no domingo, tornando difícil a afirmação de que o número de acidentes neste horário seja em decorrência do deslocamento para o trabalho. Fonte: Hermann, Nagorny, Soder, 2007. Na tabela acima, que demonstra os meses do ano em estudo com o respectivo número de acidentes, observase que nos meses de Maio, Outubro e Março foram os meses com maior número de acidentes registrados, com um total de 40% dos acidentes ocorridos no período analisado. Tabela 2: Distribuição dos acidentes segundo o horário do sinistro de Julho de 2006 a Junho de 2007. Hora 00:01 - 04:00 04:01 - 08:00 08:01 - 12:00 12:01 - 16:00 16:01 - 20:00 20:01 - 00:00 Total: Nº acidentes 12 16 12 13 23 8 84 Percentual 14% 19% 14% 15% 28% 10% 100% Outro horário em que ocorreu um número maior de acidentes foi entre as 04:01h e 08:00h, podendo este também ser um horário de deslocamento para ir ao trabalho, mas, como novamente se depara com a tabela 3, nota-se que ocorreram no sábado e domingo, podendo assim relacionar estes acidentes com a saída de festas, bailes, encontro com amigos entre outros. Segundo a pesquisa de Barros et al (2003), “os horários e dias preferenciais para a ocorrência de acidentes são entre 18 e 22 horas e fins de semana”. Este dado se aproxima muito da realidade vivenciada nesta região, não diferenciando muito da realidade brasileira encontrada atualmente. Tabela 4:Distribuição dos acidentes segundo a idade das vítimas dos sinistros de Julho de 2006 a Junho de 2007. Idade Nº acidentes 18 - 22 42 23 - 27 41 28 - 32 13 33 - 37 3 38 - 42 3 43 - 47 2 48 - 52 2 53 ou + 8 Não Identificado 1 Total 115 Fonte: Hermann, Nagorny, Soder, 2007. Tabela 3: Distribuição dos acidentes segundo o dia da semana do sinistro de Julho de 2006 a Junho de 2007. Dia da semana Domingo Segunda Terça Quarta Quinta Sexta Sábado Total Nº acidentes 25 7 8 8 10 8 18 84 Percentual 29% 8% 10% 10% 12% 10% 21% 100% Fonte: Hermann, Nagorny, Soder, 2007. Fonte: Hermann, Nagorny, Soder, 2007. 86 Percentual 37% 36% 10% 3% 3% 1.5% 1.5% 7% 1% 100% REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 Tabela 7: Distribuição dos acidentes Tabela 5: Distribuição dos acidentes segundo a causa do sinistro de Julho de segundo dia da semana, horário e idade das 2006 a Junho de 2007. vítimas dos sinistros de Julho de 2006 a Nº Junho de 2007. Causa Acidentes Percentual Horário Dia da Nº que mais ocorreu Semana acidentes Domingo 25 16:01-20:00 Segunda 7 12:00-16:00 Terça 8 08:01-12:00 Quarta 8 16:01-20:00 Quinta 10 16:01-20:00 Sexta 8 16:01-20:00 Sábado 18 04:01-08:00 Idade que mais se Nº acidentes envolveu 8 18-22 3 18-22 4 23-27 3 23-27 5 23-27 3 18-22 5 18-22 Condutor Veículo Não Identificado Animal na Pista Aquaplanagem Rodovia Escorregadia Total 72 3 5 2 1 86% 4% 6% 2% 1% 1 84 1% 100% Fonte: Hermann, Nagorny, Soder, 2007. Fonte: Hermann, Nagorny, Soder, 2007. A tabela 4 demonstra as faixas etárias que se encontravam os condutores envolvidos nos acidentes de trânsito, sendo que entre 18 e 22 anos eram 42 pessoas envolvidas e entre 23 e 27 anos 41 pessoas envolvidas, evidenciando que os jovens foram a maioria dos envolvidos dos acidentes, chegando a 73% dos casos. Na tabela acima é possível identificar que a grande maioria dos acidentes não ocorre por alguma falha mecânica ou algum problema na rodovia como buracos, falta de acostamento, mas a grande parte dos acidentes de trânsito acontece por causa dos condutores, em 86% dos casos. Concordando com este assunto, Barros et al (2003), afirma que “os acidentes de trânsito não ocorrem “por acaso”, mas são decorrentes de deficiências das vias, dos veículos e, principalmente, das falhas humanas”. Esse número elevado de jovens envolvidos em acidentes de trânsito como se vê na tabela 5, pode-se relacionar com o horário em que os acidentes mais ocorreram, entre 04:01h e 08:00h de sábado e 16:01-20:00h de domingo, evidenciando que nesses dias e horários os jovens estão se deslocando, saindo ou voltando de festas, bares e boates em outros municípios, tornando o trânsito mais perigoso. Segundo Rozestraten; Dotta (1996): Dentre os elementos que se relacionam com as causas dos acidentes, sabe-se que mais de 90% deles estão associados a fatores humanos. Apenas 10% têm suas causas relacionadas às condições ambientais, condições da via ou condições do veículo. Tabela 6: Distribuição dos acidentes Assim, evidencia-se que a maioria das causas dos segundo o sexo e a média de idade das acidentes é culpa do condutor do veículo, sendo os jovens vítimas dos sinistros de Julho de 2006 a os maiores envolvidos nos acidentes, principalmente do Junho de 2007. sexo masculino. Sexo vitimas envolvidas Masculino Feminino Total Nº 120 23 143 Percentual 84% 16% 100% Sexo Masculino Feminino Média Idade 27 anos 25 anos Fonte: Hermann, Nagorny, Soder, 2007. Na tabela 6 que revela o sexo e a média de idade das pessoas envolvidas nos acidentes de trânsito, identifica-se que 120 pessoas envolvidas são do sexo masculino e 23 pessoas do sexo feminino, mostrando que o sexo masculino é o maior envolvido nos acidentes de trânsito. Em relação à média de idade, nota-se que no sexo masculino a média de idade é de 27 anos, enquanto no sexo feminino a média é 25 anos. 87 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 Tabela 8: Distribuição dos acidentes segundo o sexo do condutor dos sinistros de Julho de 2006 a Junho de 2007. Sexo Cond V1 Masc Fem. Não Ident. Total Nº acid. Perc. 73 11 0 87% 13% 0% 84 100% Sexo Cond. V2 Masc. Fem. Não Ident. Nº acid. 25 4 1 30 Perc. Sexo Nº Perc. Total Cond. acid. V3 84% Masc. 1 100% 100 5% Fem. 0 0% 15 1% Não 0 0% 1 Ident. 1 100% 115 100% Fonte: Hermann, Nagorny, Soder, 2007. Na tabela 8 identificou-se o sexo dos condutores e foram separados em condutores do veículo 1, do veículo 2 e do veículo 3, de acordo com o que conduziam. Quanto ao sexo do condutor do veículo 1, nota-se que 87% dos condutores são do sexo masculino e apenas 13% do sexo feminino. Em relação ao condutor do veículo 3, observa-se que 84% dos condutores são do sexo masculino e 5% do sexo feminino. E condutor do veículo 3 é de 100% do sexo masculino. Portanto, fica evidenciado que na grande maioria dos acidentes que ocorreram no período analisado, os condutores eram do sexo masculino, não importando se eram condutores do veículo 1, 2 ou 3. Tabela 9: Distribuição dos acidentes segundo o uso de álcool e uso de cinto de segurança/capacete dos sinistros de Julho de 2006 a Junho de 2007. Nº Embriaguez acidentes Sim 15 Não 62 Desconhecido 7 Total 84 Percentual 18% 74% 8% 100% Uso cinto ou Nº capacete acidentes Sim 61 Não 15 Desconhecido 8 84 Percentual 73% 18% 9% 100% Fonte: Hermann, Nagorny, Soder, 2007. A tabela 9, que expõe sobre o uso de bebida alcoólica e o uso de cinto de segurança ou capacete, revela que em 18% dos acidentes houve sinal de embriaguez em envolvidos e outros 18% não usavam capacete ou cinto de segurança. Tabela 10: Distribuição dos acidentes segundo o uso de álcool, sexo, idade e horário dos sinistros de Julho de 2006 a Junho de 2007. Embriaguez Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sexo M M M M M M M M M M M M F M M Idade 29 20 19 22 29 28 21 20 24 18 19 20 18 27 24 Fonte: Hermann, Nagorny, Soder, 2007. 88 Horário que mais ocorreu 04:01-08:00 04:01-08:00 08:01-12:00 04:01-08:00 00:01-04:00 04:01-08:00 04:01-08:00 20:01-00:00 20:01-00:00 00:01-04:00 04:01-08:00 08:01-12:00 16:01-20:00 20:01-00:00 00:01-04:00 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 A tabela acima mostra mais detalhadamente o perfil do motorista que sofreu acidente de trânsito e constatou uso de bebida alcoólica, sendo a grande maioria do sexo masculino, jovens entre 18 e 29 anos e em horários variados, mas com o maior número de casos entre 04:01 e 08:00 da madrugada; com isso, nota-se que estes acidentes aconteceram devido à mistura álcool, direção, imprudência e irresponsabilidade por parte dos motoristas. Tabela 11: Distribuição dos acidentes segundo o uso de cinto de segurança/ capacete, sexo e idade dos sinistros de Julho de 2006 a Junho de 2007. Segundo Quadro (2006, p. 02), a Abramet (Associação Brasileira de Acidentes e Medicina de Tráfego) informou que cerca de 35% dos acidentes de trânsito com vítimas são causados pelo álcool. [...] A Santa Casa de São Paulo comprova que 80% das pessoas lá atendidas com traumatismos graves decorrentes de acidentes de trânsito entram no hospital alcoolizadas. Acidente com mortos Embriaguez Idade Colisão Sim 20 Colisão Não 60 Colisão Não 59 Capotamento Não 18 Condição da pista Asfalto (seca) Asfalto (seca) Asfalto (seca) Asfalto (seca) Fonte: Hermann, Nagorny, Soder, 2007. Na tabela15, onde mostra os acidentes em que ocorreram as mortes, é possível identificar que três mortes ocorreram em colisões, sendo elas um dos tipos de acidentes que menos ocorreu durante o período analisado, demonstrando que apesar de ser baixo este tipo de acidente, ele tem maiores complicações devido à violência com que acontece. Quanto à embriaguez, uma morte aconteceu com motorista alcoolizado. As idades das vítimas que foram a óbito são de dois jovens, 18 e 20 anos, e de duas pessoas com mais idade, 59 e 60 anos, mas vale lembrar que na morte das pessoas com mais idade teve o envolvimento um jovem motorista. No caso da condição da pista é possível verificar que todos os acidentes com mortos foram em superfície de asfalto e com pista seca, demonstrando que mesmo com pista seca se deve ter o mínimo de cuidado no trânsito. Tabela 16: Distribuição dos acidentes segundo o tempo, a superfície e a condição da pista dos sinistros de Julho de 2006 a Junho de 2007. Tempo Bom Chuva Nº acid. 67 9 Perc. 80% 11% Nublado Total 8 84 9% 100% Nº acid. 80 4 Superfície Asfalto Não pavim. 84 Condição Perc. Pista 95% Seca 5% Molhada Queda de barreira 100% Nº acid. 67 16 Perc. 80% 19% 1 84 1% 100% Fonte: Hermann, Nagorny, Soder, 2007. Na tabela 16, identifica-se o tempo em que ocorreu o acidente, a superfície onde os veículos trafegavam e qual era a condição da pista no momento do acidente. Teoricamente, quando um veículo trafega pela rodovia em condições de chuva e pista molhada fica mais propício para que ocorra o acidente. A via pavimentada tem melhor condição de tráfego, assim terá uma maior velocidade e, quanto maior a velocidade, mais chance de sofrer acidentes enquanto que as rodovias não pavimentadas, com desníveis e mais buracos, terá tráfego em menor velocidade e com isso menos acidente. Mas ficou evidenciado que a maioria dos acidentes aconteceu em tempo bom, com pista seca. Quanto ao tempo no momento do acidente, nota-se que a maioria dos acidentes, 80% dos casos, ocorreu com tempo bom, onde a superfície de rodagem dos veículos era, em 95% dos casos, em pista asfaltada e a condição da pista no momento do acidente era seca em 80% dos acidentes. 89 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 5 CONCLUSÃO O desígnio deste artigo foi iniciar uma reflexão sobre o elevado número de acidentes de trânsito com jovens que está ocorrendo em todo país, assim como na região em que o estudo foi realizado, buscando identificar qual o perfil epidemiológico dos jovens vítimas de acidentes de trânsito e usar este estudo como sendo uma forma de conscientizar tanto os jovens como toda a sociedade para o perigo que é o trânsito. O Brasil é um dos países que mais acontece acidente de trânsito, principalmente com envolvimento de jovens. Os acidentes de trânsito estão aumentando tanto cada ano que dentro de alguns anos só terá menos vítimas que as doenças coronárias e a depressão. Um dos desafios da saúde pública é de fazer com que estes números tão elevados não continuem aumentando, pois os acidentes fazem com que seja gasto muito dinheiro entre hospitais, tratamentos e reabilitação das vítimas que sobrevivem ao acidente, assim como em campanhas de conscientização a toda população sobre o perigo que é estar dirigindo em uma rodovia sem ter experiência ou atenção mínima necessária para ter uma viagem tranqüila. O enfoque deste estudo se concentrou em identificar qual é o perfil dos jovens que estão se acidentando no trânsito fazendo com que possa ocorrer uma maior aproximação das pessoas que trabalham na saúde diretamente nas faixas etárias mais atingidas. Através da abordagem do referido tema assim como do restante do estudo, evidencia-se que os objetivos propostos foram atingidos proporcionando às pessoas que terão acesso a este trabalho uma forma de poder orientar-se bem como passar este conhecimento a outras pessoas, principalmente aos jovens. Neste sentido, vale advertir que os papéis dos profissionais da área da saúde vão além da curativa, tornando-se muitas vezes educadores em saúde. Desta forma, este artigo vem a contribuir para com esta função educativa, trazendo dados estatísticos sobre os acidentes de trânsito, proporcionando aos educandos uma maior conscientização, pois são dados concretos da realidade em que se vive. Vivencia-se hoje um aumento do número de vítimas dos acidentes de trânsito, principalmente com jovens, fazendo com que ocorra uma demanda maior aos serviços e saúde e, conseqüentemente, a enfermagem se vê ligada a esta realidade, então é de grande importância que haja uma maior capacitação destes profissionais perante a questão de fornecer informações sobre os acidentes. Com a realização deste trabalho, além de todo conhecimento adquirido durante as fases do estudo, confirmou-se a importância de fomentar as pesquisas, pois em temáticas com referências teóricas dirimidas, a produção de conhecimento se torna essencial para o desenvolvimento social, servindo de subsídio para futuros estudos e, certamente, contribuirá para promover a conscientização das pessoas a respeito da violência no trânsito, direcionado principalmente à população jovem. REFERÊNCIAS BARROS, A. J. D. et al. Acidentes de trânsito com vítimas: sub-registro, caracterização e letalidade. 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Na medida em que as atividades foram sendo desenvolvidas pelos participantes, atentava-se aos aspectos que poderiam transmitir informações acerca dos sentimentos presentes em cada idoso. De acordo com os resultados encontrados a partir dos relatos e também da interpretação das atividades realizadas pelos mesmos, percebeu-se que os idosos residentes nesta instituição sentem-se bem e felizes mesmo estando longe dos seus familiares. Observou-se, ainda, que participam ativamente do cotidiano social deste ambiente, aceitando de forma acolhedora todas as pessoas que vão visitá-los. Enfatiza-se que a cada nova visita, foi sendo desenvolvido maior vínculo, quando conseguiam expressar todo o carinho e dedicação através de gestos e palavras. Isto se pode caracterizar de forma representativa que muitos idosos se sentem carentes de afeição e, com o desenvolvimento deste estudo, pode-se compreender a dimensão da importância do trabalho voluntário na sociedade atual. Palavras-chave: Idosos institucionalizados, atividades recreativas, qualidade de vida. ABSTRACT The present study had as its main purpose to improve the life quality of the resident people in an institution of seniors through physical, dynamics activities and conversations concerning their personal needs. It was analyzed the pertinent aspects to the theme through observation of he expressions and interpretations of seniors’ speeches, drawings and attitudes during the accomplished activities. As the activities were being accomplished by the participants it was attempted to the aspects that could transmit information concerning to the emotions present in each senior. According to the results from the reports and also from the activities interpretation accomplished by them, it was noticed that the resident seniors in this institution feel well and happy even if they are far away from their relatives. It was still observed that they participate actively in the daily life of this social environment, accepting so welcoming all people who will visit them. It is emphasized that the each new visit was being developed greater bond, when got to express all the love and dedication through gestures and words. This can be characterized as representative that many seniors feel lacking of affection, and with the development of this study, the dimension of the importance of the voluntary work can be understood in the current society. Key words: Institutionalized seniors, recreational activities, quality of life. 1 INTRODUÇÃO Atualmente são muitos os desafios que povos e governos enfrentam para construir uma sociedade mais humana e digna, levando-se em consideração que o envelhecimento da população, decorrente do aumento do tempo de vida, tem transpassado ao dia-a-dia a questão de todos os idosos, sabendo-se que a longevidade constitui uma notável conquista da ciência, e que a maioria das pessoas afirma que o mais importante não é somente ter uma vida longa, mas sim, tê-la com dignidade e qualidade. 1 Acadêmica do 8º semestre do Curso Bacharelado em Enfermagem SETREM Enfermeiro e Docente do Curso Bacharelado em Enfermagem SETREM. 3 Av. Santa Rosa, 5405, Três de Maio – RS [email protected] 2 92 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 O envelhecimento da população é conseqüência do desenvolvimento econômico e social, sintoma de riqueza e cultura. É no campo da saúde e das pensões que mais se nota esse mal denominado problema. Com os anos, o organismo vai perdendo a qualidade e podem aparecer doenças e invalidez que levam à necessidade de assistência e cuidados (RUIPÉREZ; LIORENTE, 1998). Com o aumento da população idosa, surge como pauta para discussão, tanto política como social, a questão da institucionalização dos idosos, sendo que a partir disso, surge um acréscimo de instituições que nem sempre estão preparadas para atender os idosos, seja pela estrutura física ou pela qualificação dos profissionais que prestam atendimento a essas pessoas. Estes profissionais devem aguçar seu talento e atualizar seu conhecimento, não somente técnico, mas também com um atendimento mais humanizado para tentar minimizar a falta que os idosos sentem do aconchego familiar (SILVA; SCHORN; CAVALHEIRO, 2006). A instituição para idosos é um estabelecimento no qual as necessidades devem ser supridas de maneira que esses idosos se sintam acolhidos da melhor maneira possível, respeitando a individualidade de cada um como ser humano único que é. Pois nem sempre os idosos que permanecem nessas instituições estão por vontade própria. Muitas vezes estão pela necessidade, visto que não têm quem os cuide e acabam sofrendo com esta situação por estarem separados dos familiares e terem de se adaptar a um ambiente estranho, convivendo com pessoas até então desconhecidas. A necessidade e o interesse de estudar e conhecer um pouco mais os idosos institucionalizados, assim como suas vivências, quer sejam individuais ou coletivas, e uma vez que muitas lacunas ainda são percebidas, sendo imprescindível o preenchimento delas, foram os motivos que levaram as pesquisadoras à realização deste estudo. Após conhecer a instituição em evidência, localizada em um município da região Noroeste do estado do Rio Grande do Sul, busca-se implementar ações que melhorem a qualidade de vida dos idosos que vivem nessa instituição, levando-se em consideração que essas ações devem ter caráter humanizador, considerando que a instituição, segundo Terra; Dornelles (2003), não pode ser um lugar público, mas sim como uma residência coletiva, onde as individualidades dos que lá moram devem ser preservadas. Este trabalho buscou proporcionar aos idosos institucionalizados um bem-estar físico, mental e social, a partir de atividades físicas, recreativas, dinâmicas de grupo, auto-estima e cuidados pessoais, proporcionando assim uma diversificação no dia-a-dia dos mesmos. Dentro das limitações de cada um, procurou-se abrir espaço para as realizações das atividades como também de um maior conhecimento entre todos os participantes para uma melhor interação. 2 METODOLOGIA A presente pesquisa foi realizada com os idosos que fazem parte da instituição estudada, desenvolvida no decorrer do 2º semestre de 2007 por acadêmicas do curso Bacharelado em Enfermagem – SETREM. A pesquisa utilizou-se da observação dos pesquisadores por meio das expressões, interpretações de falas, desenhos e atitudes. Na medida em que as atividades foram sendo realizadas, atentava-se para os aspectos que poderiam transmitir informações acerca dos sentimentos presentes em cada idoso. A instituição onde a pesquisa foi realizada abriga 23 idosos institucionalizados em tempo integral. Porém, por motivos de limitação física e interesse particular de cada um dos idosos presentes, a amostragem se deu entre sete a quatorze participantes dependendo da atividade realizada. Buscou-se abrir espaço para que todos tivessem oportunidade de executar as atividades, dependendo, como já mencionado, das limitações físicas e emocionais de cada um. As atividades foram desenvolvidas três vezes por semana, no período de agosto a novembro de 2007, sendo que cada encontro teve duração aproximada de duas horas, estendendo-se conforme aproveitamento dos participantes. 3 ENVELHECIMENTO 3.1 PROCESSO DO ENVELHECIMENTO HUMANO O envelhecimento é um processo fisiológico e não está necessariamente ligado à idade cronológica. Antigamente os idosos eram mais considerados por possuírem grande sabedoria. Hoje não são vistos desta forma. Muitas vezes são tratados com descaso e desprezo, sendo excluídos da sociedade, que os julga improdutivos, sendo comum encontrar idosos abandonados e ignorados dentro de suas próprias famílias (PIRES et al. 2006). A população vem envelhecendo em ritmo acelerado, mas idade não é sinônimo de inutilidade, pois, principalmente com os avanços da saúde, houve um aumento da longevidade, de forma gradual, com um significativo aumento na qualidade de vida. Para isso, é necessário aceitar as mudanças que ocorrem tanto exterior como interiormente, buscando motivação e evoluindo sempre. A maturidade e a velhice representam desafios individuais e socioculturais permanentes para conseguir atingir o bem-estar dos idosos. O envelhecimento não começa aos 60 anos, mas sim é o acúmulo de interações sociais, biológicas e de comportamento durante toda a 93 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 vida, sendo que a aceitação dos mesmos pela sociedade e a sua adequação ao envelhecimento e ao grupo social em que vivem são fundamentais para uma vida mais saudável (COSTA; CARBONE, 2004). O processo do envelhecimento e a velhice sempre foram motivos de preocupações para a humanidade, pois, de acordo com Figueiredo; Tonini (2006), delimitam mudanças expressivas de ordem individual, familiar e social, cada uma com seus significados e relevâncias, sendo que para uma velhice tranqüila é necessário um somatório de tudo que traga benefícios ao organismo, desde uma alimentação saudável, um bom relacionamento familiar, atividades físicas em um espaço de lazer adequado, mas, acima de tudo, é preciso investir em uma melhor qualidade de vida. 3.2 HÁBITOS INADEQUADOS CONTRIBUINDO PARA O SURGIMENTO DE PATOLOGIAS Até o século XX as doenças que diminuíam a longevidade eram as infecciosas, sendo agravadas pelas deficiências nutricionais, saneamento, entre outras. Hoje, as enfermidades, na maioria das vezes, são causadas por uma má alimentação (calorias, gordura, álcool), níveis nocivos de colesterol, juntamente com uma prática de hábitos pouco saudáveis como tabagismo e sedentarismo. Essas enfermidades respondem hoje por grande número de mortes que poderiam ser prevenidas anteriormente (COSTA; CARBONE, 2004). A maior parte das alterações celulares resulta de fatores externos, como sedentarismo e má alimentação, e não por fatores genéticos. Atividades físicas regulares e adequadas a cada pessoa reduzem o risco cardíaco, ajudam a prevenir diabetes, câncer de mama e da próstata, obesidade, depressão, entre outras patologias, proporcionando assim uma melhor qualidade de vida (COSTA; CARBONE, 2004). 3.3 NEGAÇÃO AO ENVELHECIMENTO autocuidado ou buscando uma nova alternativa de vida em instituições para idosos. O envelhecimento, por ser a última etapa do ciclo normal da vida humana, entendido como um processo em desenvolvimento, tanto na parte de aprendizagem, adaptação, participação, deveria ser encarado com mais naturalidade pelas pessoas e não como uma derrota. As pessoas se baseiam muito no padrão de beleza que a mídia expõe, preocupando-se mais em seguir estes perfis, deixando de valorizar seus próprios potenciais, qualidades e atitudes nas mais variadas esferas da vida humana. 3.4 POLÍTICAS DE SAÚDE PÚBLICA DA ASSISTÊNCIA AO IDOSO As questões relativas à melhoria da qualidade de vida do idoso têm crescido nos últimos tempos, já que o aumento da longevidade se tornou algo importante no que tange às políticas de saúde do idoso. Na sociedade atual o processo de envelhecimento é acompanhado de várias mudanças sociais que podem interferir de forma negativa nas condições de vida dos idosos. Conforme o Estatuto do Idoso (2003), as instituições que abrigam idosos são obrigadas a manter padrões de habitação compatíveis com a necessidade de cada um, bem como oferecer alimentação regular e cuidados com a higiene pessoal adequada. A política nacional de saúde do idoso tem como propósito a promoção de um melhor estado de saúde às pessoas em idade avançada, aumentando assim a expectativa de vida, associada a altos níveis de função e autonomia. Portanto, envelhecer é um fenômeno natural, inerente à finitude biológica do organismo humano, tornando-se necessário pensar em garantir um envelhecer com segurança e dignidade, considerando-se os idosos cidadãos de plenos direitos (SILVA; SCHORN; CAVALHEIRO, 2006). De acordo com o Estatuto do Idoso (2003), o Poder Público, a família, comunidade e a sociedade, são responsáveis pela efetivação do direito à vida, e todas as qualidades pertinentes para a vivência familiar e comunitária. As pessoas, em geral, querem ter uma longevidade, mas não querem ser velhos; porém, quando alcançada, ela passa a ser uma questão social, sendo que viver muito e bem é um direito de todos. Os idosos encontram dificuldades em achar quem os cuide, pois muitas vezes são apontados como estorvo pela família ou sociedade da qual fazem parte, ou ainda por eles próprios. No entanto, faz-se necessário aprender a vigiar a própria saúde, seguindo uma rotina adequada de 3.5 IDOSO INSTITUCIONALIZADO Muitos são os fatores que contribuem para o aumento da população idosa. Este novo perfil populacional trouxe a questão da institucionalização de idosos. Nas últimas décadas, viu-se crescer estabelecimentos voltados a oferecer cuidados a pessoas idosas. A população envelhece rapidamente e sem um planejamento adequado por parte dos setores sociais e de saúde (VIEIRA, 2003). 94 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 As instituições definidas como grupos sociais oficiais que formalizam um sistema de regras próprio, que determina a vida desses grupos, são asilares à medida que assumem um caráter de custódia sobre quem reside nelas. Esse caráter é visto, com freqüência, como a perda de autonomia civil; seria a morte da sociedade do indivíduo, já que quem responde pelo asilado é a instituição que o tutela (VIEIRA, 2003, p.22). Ainda, de acordo com Vieira (2003), as instituições têm função social indiscutível na organização e no funcionamento da sociedade, pois elas surgem para atender às necessidades sociais de várias formas. Toda instituição tem um referencial social que a explique, mas ela não pode se justificar como imprescindível, não pode se bastar puramente pela correspondência social de sua utilidade. participantes iam passando de um para o outro um ursinho de pelúcia. Quando a música era interrompida por uma das monitoras, o participante que se encontrava com o urso era quem se apresentava, e assim sucessivamente. Caso um dos participantes já houvesse falado, o próximo a se apresentar seria o companheiro do lado direito. Nesta primeira atividade, por meio dos relatos dos participantes, pôde-se perceber como são importantes e gratificantes para os idosos essas atividades de descontração, pois lhes proporcionam momentos de reflexão e alegria. Neste primeiro momento, observou-se a carência de afeto que a maioria dos idosos possui. Encontravam-se também introspectivos, sendo isto justificável pelo fato das acadêmicas serem desconhecidas a eles. Pôde-se notar no decorrer da atividade como as expressões faciais de cada um se modificavam, expressando a alegria de participar de uma atividade fora das suas rotinas diárias. Um relato que nos chamou a atenção foi: O apoio da família ao idoso tem sido visto como a melhor alternativa para o seu cuidado. Pensa-se que em nenhum outro lugar a não ser no âmbito familiar, o idoso terá suas necessidades e expectativas atendidas, mas, talvez isto não deva ser generalizado, pois muitos familiares têm optado por viverem separados de seus familiares.(VIEIRA, 2003). Para muitos idosos, nem sempre a família é aquela que tem laços sangüíneos. Isto por alguns idosos não terem parentes, por viverem afastados ou ainda por serem rejeitados pela família, acabando, assim, sendo cuidados por outras pessoas, criando com estas, fortes laços de amizade e confiança (ZIMERMAN, 2005). [...] esta atividade foi muito importante, não somente para vocês nos conhecerem, mas também para nos conhecermos melhor e sabermos um pouco mais da história de cada um (Sujeito 1). Percebe-se a falta de afeto dos participantes pelo fato de ter um urso de pelúcia fazendo parte da dinâmica, sendo que os participantes não queriam se desfazer do urso, mostrando gestos carinhosos com o mesmo, até mesmo os que se encontravam mais isolados do grupo. 4.2 RESSURGINDO FEMININA 4 ATIVIDADES DESENVOLVIDAS 4.1 CONHECENDO UNS AOS OUTROS COM DESCONTRAÇÃO Como primeira atividade desenvolvida, foi realizada uma dinâmica de apresentação para que houvesse uma interação entre as acadêmicas e as pessoas residentes na instituição, contando com quatorze participantes. Nesta atividade, cada sujeito foi estimulado a se apresentar e a falar um pouco de sua vida, contando como era antes de morar nesta instituição e como se sente atualmente, com a liberdade de sugerir outras atividades que gostariam de desenvolver. Para isso, realizou-se uma dinâmica na qual foi reproduzida uma música bem alegre e no seu decorrer os A VAIDADE A pedido dos próprios idosos, a segunda atividade realizada foi manicure e pedicure, em cujo transcurso percebia-se ansiedade por parte dos mesmos para a realização da mesma. Ao chegar ao lar, pôde-se perceber que muitas das mulheres já estavam aguardando as acadêmicas, impacientes para começar a arrumar as unhas. Após concluir a atividade, notou-se o olhar alegre e entusiasmado em cada sujeito participante, pois, através de um ato tão simples conseguiu-se melhorar a auto-estima e proporcionar um bem-estar interior e exterior, fazendo ressurgir a vaidade presente em cada pessoa. No decorrer desta atividade, teve-se a oportunidade de conhecer melhor cada idoso por meio de conversas descontraídas. Em uma dessas conversas ouviu-se o seguinte: 95 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 [..] é muito bom ter pessoas assim como vocês, com disposição para ajudar a gente, e fazer com que a gente se sinta melhor. Espero que vocês continuem [...] (Sujeito2). Foi muito gratificante ouvir este tipo de comentário, pois motivou a continuar estas atividades com mais afinco. sentem bem na instituição em que vivem, conforme o que se ouviu no decorrer da realização desta atividade. Vários desenhos chamaram atenção, dentre os quais se pode citar o do Sujeito 3, que escreveu por várias folhas os mesmos traços, que podem ser vagos, mas para ele simbolizam muita coisa, pois, de acordo com seu relato, apesar da dificuldade de expressão, pode-se entender que ele gostaria muito de ter freqüentado a escola, mas não teve oportunidade, devido às suas necessidades especiais. 4.3 ATIVIDADE FÍSICA: SINÔNIMO DE VIDA SAUDÁVEL Esta atividade foi realizada com o intuito de proporcionar aos idosos um momento de descontração e movimentos corpóreos para alívio das tensões musculares e psicológicas, extraindo a monotonia do dia-a-dia e fazendo com que os mesmos percebessem o quanto eles ainda são capazes de executar tais movimentos, respeitando o limite físico de cada um. A atividade foi realizada com a participação de onze idosos. Para isto, ouviu-se uma música relaxante, sendo que os exercícios foram feitos por uma das monitoras e repetidos por todos os participantes que tinham condições. Estas atividades eram leves, sem a necessidade de grandes esforços. Pôde-se perceber no início da realização desta atividade certa resistência, mas no decorrer da mesma foram interagindo, ficando mais à vontade e executando os movimentos conforme a capacidade individual, sendo que no fim da atividade todos os que tinham condições estavam realizando com empolgação os exercícios. Ao fim da atividade, percebeu-se na expressão da maioria dos participantes uma grande motivação e alegria por estarem realizando uma diversificação no seu dia-a-dia. Figura 1: Desenho realizado pelo Sujeito 3 durante o período da pesquisa. Outro desenho que chamou a atenção foi o realizado por um senhor que vive nesta instituição há aproximadamente 2 anos. Segundo o relato dele: 4.4 TRABALHOS ARTÍSTICOS MANUAIS [...] apesar de aqui ser bom de se viver, ainda sinto muita saudade da época em que vivia com toda a minha família [...] (Sujeito 4). Esta atividade teve como propósito identificar, através dos desenhos realizados, os sentimentos que os idosos possuem. Após ter sido dada a explicação de como ocorreria a atividade, sentiu-se, por parte de vários idosos, uma resistência, pois muitos deles nunca haviam realizado algo parecido, não se achando capazes de realizar a mesma. Depois de incentivados, muitos começaram a fazer conforme explicado, uns com mais entusiasmo que outros. Ao término da atividade havia ainda nove participantes. Foram várias as vivências expressadas através dos desenhos, deixando transparecer através dos rabiscos muito dos sentimentos. Percebeu-se também o uso de várias cores nos desenhos; em sua maior parte, cores claras e vivas, simbolizando a alegria e bem-estar neles existentes. O que pode representar que estas pessoas se Figura 2: Desenho realizado pelo Sujeito 4 durante o período da pesquisa 96 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 4.6 CORTE DE CABELO Esta atividade foi realizada a pedido da maioria dos idosos, pois a solicitaram desde o início da implantação deste projeto. Neste dia, pôde-se perceber a euforia dos mesmos pela pressa que tinham em mudar o visual e se sentirem mais bonitos. Observou-se a partir disso a vaidade existente em cada um, pois um queria passar à frente do outro e ser atendido primeiro. Para a realização desta atividade, contou-se com a colaboração de uma profissional cabeleireira, que no transcorrer da manhã conseguiu fazer os cortes de cabelo de todos os que estavam necessitando. 5 CONCLUSÃO A partir da realidade vivenciada pelos idosos da referida instituição, percebeu-se a necessidade de intervenções no que tange à melhoria da qualidade de vida, aspectos que podem ser melhorados através de atividades recreativas que podem ser introduzidas no dia-a-dia, de forma leve e gradativa, conforme o limite de cada um, proporcionando momentos de lazer e descontração, beneficiando assim a saúde. Figura 3: Desenho realizado pelo Sujeito 5 durante o período da pesquisa A figura 3, ou seja, o desenho logo acima, também foi realizado por outra participante desta dinâmica o qual chamou atenção por passar tranqüilidade, serenidade e vontade de viver, tanto pelas cores utilizadas, como pelas formas desenhadas, com complementação de figuras coladas. Percebeu-se, também, lucidez e criatividade, pois desenhou a árvore e não esqueceu de fazer o solo. 4.5 PINTURA COM MOLDES EM TECIDO Para a realização desta atividade, contou-se com o auxílio de uma professora de pintura que já havia realizado esta tarefa outras vezes, observando-se assim maior participação dos idosos, pois eles já haviam criado um vínculo com ela. A atividade contou com sete participantes. No seu decorrer, observou-se grande empenho por parte dos sujeitos, deixando de lado as barreiras que muitos possuem, relacionadas à coordenação motora, déficit da acuidade visual, entre outras. Apesar de tudo, realizam trabalhos muito bonitos, trabalhos estes que são posteriormente expostos e comercializados, mostrando assim a persistência, força de vontade e a certeza de que todos são capazes, independentemente de qualquer barreira encontrada. De acordo com os resultados encontrados, a partir dos relatos e também da interpretação dos desenhos realizados pelos mesmos, percebeu-se que os idosos residentes nesta instituição se sentem bem e felizes mesmo estando longe dos seus familiares. Observou-se também que gostam de participar da vida social, aceitando todas as pessoas que vão visitá-los; em especial os que realizam atividades voluntárias. Enfatiza-se que a cada nova visita realizada, foi-se criando maior vínculo com os idosos conseguindo expressar todo carinho existente, através de gestos e palavras. Isto representa que muitos sentem carência afetiva e, com interação contínua, pôde-se amenizar este sentimento. Apesar de apresentarem, em sua grande maioria, uma vida cercada de várias histórias, suas satisfações estão mais ligadas às superações das dificuldades e obstáculos impostos, pois se percebe que os mesmos não ignoram os seus problemas e sofrimentos, mas, ao contrário, encaram-nos com naturalidade. Pôde-se perceber por meio das atividades realizadas que as pessoas residentes nesta instituição se sentiam mais felizes, visto que estavam realizando atividades motivadoras tanto para sua auto-estima quanto para o seu bem-estar físico e mental, deixando de lado a monotonia do dia-a-dia. Foi muito gratificante realizar este trabalho, pois se aprende muito por meio das trocas de experiências e 97 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 relatos da vida de cada um, assim como o reconhecimento deles pelo trabalho realizado. Pôde-se tirar muito proveito, não somente como graduandas em enfermagem, mas também para a vida pessoal. Por tudo isso, acredita-se que se pôde proporcionar através dessas ações momentos mais alegres à vida de cada residente desta instituição, reconhecendo mais um amplo campo profissional para atuação da enfermagem. 6 REFERÊNCIAS BRASIL, Ministério da Saúde. Estatuto do Idoso. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/2003/L10.741.htm>. 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Assim, o presente estudo se preocupa em perceber de que forma o currículo, suas teorias e a importância destas para o ensino, é percebido dentro do discurso presente na produção científica em Enfermagem publicada nos Congressos Brasileiros de Enfermagem CBEns dos últimos 5 anos, visando delinear as perspectivas do seu ensino no que se refere à discussão e estruturação de um currículo em Enfermagem. Percebese, então, ante a análise do enredo do CBEn, que o currículo é discutido como sendo fundamental numa prática mais crítica e reflexiva frente a sua atuação profissional; entretanto, a maior parte dos trabalhos traz a preocupação com as metodologias utilizadas nas formas de ensinar, o que denota a face do currículo tradicional, muito centrado no tecnicismo; já o currículo crítico e pós-crítico, que busca a significação de conteúdos, aparece como preocupação pungente no ensino de Enfermagem; entretanto, em menor número e de forma menos densa, o que instiga novos e maiores estudos centrados nesta temática. Palavras-chave: Ensino de Enfermagem. Currículo. Diretrizes curriculares. Throughout History appeared different concepts of curriculum, and thus, this work cleaved of the purpose underlying such concepts brought different theories of social justice, and incorporated philosophical, sociological, psychological, anthropological contributions, in advances to the appropriate educational area. Regarding to nursing and its practice of teaching, increasingly becomes necessary discussions on the National Guidelines Nursing Graduation Curriculum (DCGENF), and their contributions to the structuring of a practice of Nursing teaching consistent with the reality that begins to appear for the profession. Thus, the present study is concerned to understand how the curriculum, its theories, and the importance of them for education, is noticed within the discourse in this scientific production in Nursing published in the Brazilian Congress of Nursing CBEns in the last 5 years, aiming to delineate the prospects of its teaching regarding to the discussion and development of a curriculum in Nursing. It is known then, facing the analysis of the plot of CBEn, that the curriculum is discussed as to be basic in the more critical and reflective practice front of their professional performance; however, most of the works brings at concern about the methodologies used in forms of teaching, which denotes the face of the traditional curriculum, very focused on technicality, now the curriculum critical and post-critical, that searches signification of contents, appears as pungent concern in the teaching of nursing, though in smaller number and less dense , which incited new and larger studies focusing on this issue. Key words: Teaching of Nursing. Curriculum. Guidelines curriculum. 1 Bacharel em Enfermagem (SETREM); Mestranda em Educação nas Ciências (UNIJUÍ) [email protected]. Biólogo, Mestre em Educação nas Ciências (UNIJUÍ). Doutorando em Botânica – ENBT/ Jardim Botânico do Rio de Janeiro, Professor Titular do Instituto Superior de Educação da Faculdade Três de Maio (SETREM); [email protected] 3 Bacharel e Licenciado em Enfermagem (UNIFRA); Psicopedagogo (UNIFRA); Mestre em Educação (UFSM); Membro dos Grupos de pesquisa do CNPq: Educação Especial: Interação e Inclusão Social (UFSM) e Educação em Saúde Coletiva (SETREM); Rua Avaí, nº 900 – Centro – 98910-000 – Três de Maio – RS–BR ; [email protected]. 4 Avenida Santa Rosa, 2405, Três de Maio –RS. [email protected]. 2 99 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 1 INTRODUÇÃO O conceito de currículo, desde sua etimologia até a constituição das suas teorias que o têm influenciado ao longo dos anos, mostra que este é resultante de ideologias que envolvem aspectos filosóficos, políticos, históricos, religiosos e morais, presentes em nossa sociedade. Ao se declinar sobre a história do currículo, percebese o hábito de se chamar currículo, os planos de estudo, os programas, ou de um modo geral, os documentos em que se definem a estrutura e o funcionamento dos cursos; isto é, documentos escritos onde, para uns, denota-se a afirmação dos planos, projetos ou propósitos educativos e, para outros, significa as próprias atividades educativas. O currículo designa-se, então, por plano de ação pedagógica que compreende não somente os programas para as diferentes matérias, mas também a definição das finalidades de educação pretendidas, uma especificação das atividades de ensino e de aprendizagem e finalmente, indicações precisas sobre as maneiras como o ensino ou o aluno serão avaliados (SAVIANI, 2006, p. 42). A diversidade de estudos neste campo decorre do caráter conflitual das diversas concepções de currículo e frente a esta constatação este estudo se destina a delinear a preocupação com o currículo e a aplicação das teorias curriculares dentro do movimento discursivo do Congresso Brasileiro de Enfermagem (CBEn), vislumbrando novos horizontes na prática de ensino em Enfermagem. Nesse propósito, utilizou-se da pesquisa qualitativa de cunho documental, da produção científica de Enfermagem dentro da área de Formação Profissional e Ensino/Educação publicada nos Anais dos últimos 5 anos do CBEn, identificar por meio da análise do conteúdo do discurso destes, as interfaces da prática pedagógica e curricular do ensino de Enfermagem brasileiro atual e as mudanças que esta propicia na prática profissional e social. Tal proposta de estudo permitiu perceber que a Enfermagem brasileira atém sua prática de ensino ainda muito centrada na teoria Tradicional do currículo, com poucas pretensões para uma proposta curricular mais crítica, onde sejam consideradas outras perspectivas no processo de ensino-aprendizagem, Desta forma, elucida-se que a prática de ensino de Enfermagem atualmente no âmbito dos processos de ensino-aprendizagem, ainda se preocupa mais com os meios de ensinar, ou seja, com as “metodologias”, esquecendo-se de fomentar concepções dentro de outras perspectivas, calcadas na reflexão e no conhecer da ação profissional e de ensino. Diante do exposto, nota-se a falta de incorporar e internalizar a noção de um currículo-formação voltado para a consciência crítica, emancipação e humanização do indivíduo, assumindo questões de natureza ética, política, social e não apenas as de ordem técnica-instrumental, é que se vislumbra a reflexão do que se faz e porque se faz, exercitando o pensamento, buscando a reflexão-na-ação (SCHÖN, 2000). Acredita-se ainda que, conforme preconizam as diretrizes curriculares do curso superior no que tange à flexibilização dos currículos, uma revisão mais aprofundada dos conteúdos se faz indispensável na busca de uma formação que propicie ao aluno a possibilidade de transformar realidades, contribuindo para o desenvolvimento social da profissão. 2 METODOLOGIA Para o desenvolvimento do estudo em questão, adotou-se a abordagem qualitativa. A pesquisa qualitativa busca entender a subjetividade das informações, sejam elas faladas, escritas, documentais ou observadas. Este estudo se preocupa com o nível da realidade e abrange inúmeros significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes (MINAYO, 2007). Como método de investigação que possibilitasse uma análise da congruência entre o ensino de enfermagem e as interfaces que interpõem a mudança da práxis profissional na sociedade brasileira atual, optou-se pela pesquisa documental que Lüdke; André (2001, p. 38) “aponta se constituir numa técnica valiosa de abordagem de dados qualitativos seja complementando as informações obtidas por outras técnicas, seja desvelando aspectos novos de um tema ou problema”. Concordante com Lüdke; André (2001), o uso de documentos alicerça os objetivos da pesquisa quando o intuito do pesquisador é a análise da expressão de cada indivíduo, do mesmo modo que a sua linguagem na obtenção de dados que reafirmam, justificam e reforçam as declarações do pesquisador. Estes constituem uma fonte poderosa de onde podem ser retiradas evidências que fundamentem afirmações e declarações do pesquisador. Representam ainda uma fonte “natural” de informação, não sendo apenas uma fonte de informação contextualizada, mas surge num determinado contexto e fornecem informações sobre esse mesmo contexto (LÜDKE; ANDRÉ, 2001, p. 39). Como instrumento da coleta de dados utilizou-se os resumos publicados no 54º, 55º, 56º, 57º, e 58º Anais do CBEn, cujo tema satisfazia ao objetivo da pesquisa, compreendendo o período de 2002 a 2006. Para a interpretação dos resultados e o tratamento destes, empregou-se a análise do conteúdo do discurso constituinte dos resumos analisados. 100 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 [...] um artefato social e cultural. Isto significa que ele é colocado na moldura mais ampla de suas determinações sociais, de sua história, de sua produção contextual. O currículo não é um elemento inocente e neutro de transmissão desinteressada do conhecimento social. O currículo está implicado em relações de poder, o currículo transmite visões sociais particulares e interessadas, o currículo produz identidades individuais e sócias particulares. O currículo não é um elemento transcendente e atemporal, ele tem uma história vinculada a formas específicas e contingentes de organização de sociedade e da educação. Segundo Minayo (1999) a análise de conteúdo parte de uma literatura de primeiro plano para atingir um nível mais aprofundado: aquele que ultrapassa os significados manifestos. Em termos gerais, relaciona estruturas semânticas (significantes) com estruturas sociológicas (significados) dos enunciados. Articula a superfície dos textos descrita e analisada com os fatores que determinam suas características: variáveis psicossociais, contexto cultural, contexto e processo de produção da mensagem. Embora a proposta de estudo ora aqui apresentada se destine à análise de documentos que são de domínio público, respeitaram-se os princípios e aspectos éticos elencados na Resolução Nº. 196 de 10 de outubro de 1996, do Conselho Nacional de Saúde. 3 CURRÍCULO E A CONSTITUIÇÃO DE SUAS TEORIAS Pela etimologia da palavra currículo, deparou-se com um emaranhado de significados; em latim, por exemplo, pode ser entendido como proveniente de currere que significa correr, decorrendo as derivações substantivas do próprio latim como cursus, que significa carreira, ou mesmo, curriculum no sentido de caminho e ainda pista de corrida, assim, “podemos dizer que no curso desta corrida que é o currículo, acabamos por nos tornar o que somos” (MOREIRA; SILVA, 2005, p.15). O currículo surgiu na década de 20, adjunto ao processo de industrialização e urbanização da sociedade norte americana como uma forma de preservação da cultura e de valores frente aos processos imigratórios que intensificavam a massificação da escolarização. Nessa época, o currículo era visto como um processo de racionalização dos resultados educacionais, cuidadosa e rigorosamente especificados e mesurados (MOREIRA; SILVA, 2005, p. 12). Baseando-se nesses pressupostos e que se constata que o currículo é o que respalda toda educação e, desta forma, toda e qualquer prática educativa, transformando suas metas básicas em estratégias que permeiem o ensino, comprovando e concretizando na prática seu verdadeiro valor. “Na mediação da dinâmica curricular importa se articulem as práticas e as teorias que as informam e as impulsionam esclarecendo-as e as dando sentindo” (MARQUES, 2006, p. 115). Desta forma, aos apontamentos de Silva (2001), o que serve de pano de fundo na tentativa de compreensão de qualquer teoria do currículo é a de saber qual conhecimento deve ser ensinado, ou melhor, o que deve ser ensinado e, para isso, as teorias curriculares recorrem a discussões sobre a natureza humana, sobre a natureza da aprendizagem ou sobre a natureza do conhecimento, da cultura e da sociedade. Concernente, Silva (2001, p. 11) afirma: [...] uma teoria do currículo começaria por supor que existe, “lá fora”, esperando para ser descoberta, descrita e explicada, uma coisa chamada “currículo”. O currículo seria um objeto que precederia a teoria, a qual só entraria em cena para descobri-lo, descrevê-lo, explicá-lo. Ao se declinar sobre a história do currículo, concordante com Silva (2001), percebe-se que este não pode ser analisado fora de sua constituição social e histórica que o circunda desde o seu surgimento, no início servindo como instrumento de controle social, depois devido aos interesses e necessidades da economia surge o vislumbre de uma reestruturação que o confira ordem, racionalidade e eficiência. Assim, as teorias do currículo estão intimamente envolvidas em questões de poder no momento que enfatizam como o currículo deve ser e, desta forma, situamse num campo epistemológico social, envolvidas na obtenção de consenso e hegemonia, do mesmo modo que é o poder capaz de ditar uma identidade ou subjetividade como sendo ideal, que reflete no currículo o indivíduo a ser formado. Anos depois, como nova tendência, busca-se reconceituar o campo, com intenção de identificar e eliminar aspectos contribuintes da restrição da liberdade de indivíduos e grupos. Hoje se apresenta como um campo de estudo, indispensável para aqueles que buscam compreender os processos de seleção, distribuição, organização e ensino dos conteúdos curriculares e a estrutura de poder em todo o seu contexto social. Ainda nesse ínterim é que a questão do poder se relaciona com a diferenciação das teorias curriculares, podendo ser assim melhor exemplificadas: Explicitando melhor a importância do currículo, fazse respeitável os apontamentos de Moreira; Silva (2005, p.08) que o definem como sendo: 101 as teorias tradicionais pretendem ser apenas isso: “teorias” neutras, científicas, desinteressadas. As teorias críticas e as teorias pós-críticas, em contraste, argumentam que nenhuma teoria é neutra, científica ou desinteressada, mas que está, inevitavelmente, implicada em relações de poder (Id., 2001,p.16). REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 Em breve análise, constata-se que as teorias tradicionais acabam por se concentrar em questões técnicas, não questionam o que ensinar e sim se preocupam com a organização, concentrando-se em como fazer o currículo, tendo esse como veiculador de ideologias, em geral elas dão a questão “o que?” como dada, como óbvia e desta forma se preocupam a responder outra questão, “como?”. Já as teorias críticas e pós-críticas, não se limitam a perguntar “o quê?” e sim “o porquê?”, estando preocupadas com as conexões entre saber, identidade e poder (SILVA, 2001). Apoiando-se em Silva (2001), os conceitos oriundos de uma teoria direcionam a atenção para algumas coisas que normalmente não se veria, sendo que deste ponto de vista pode-se dizer que estas possuem a capacidade de estruturar e organizar a forma como vemos a realidade; desta forma, a distinção das diferentes teorias curriculares se dá pela análise dos conceitos que estas empregam e a reação humana frente a estes. Desta forma, o quadro abaixo apresenta as Teorias do currículo e suas concepções a fim de facilitar o entendimento e sedimentar suas contribuições no estudo. Tabela 1: Categorias conceituais do currículo Teorias Tradicionais Teorias Críticas Teorias Pós-Críticas Ensino Ideologia Identidade, alteridade, diferença Aprendizagem Reprodução cultural e social Subjetividade Avaliação Poder Significação e discurso Metodologia Classe social Saber-poder Didática Capitalismo Representação Organização Relações sociais de produção Cultura Planejamento Conscientização Gênero, raça, etnia e sexualidade Eficiência Emancipação e Libertação Multiculturalismo Objetivos Currículo oculto Currículo* Resistência Fonte: Vessozi; Güllich; Caramão, 2007. Adaptado de Silva, 2001. Nota: * Categoria extraída de Moreira (2005) 4 PROPOSTAS CURRICULARES NA TRAJETÓRIA DO ENSINO EM ENFERMAGEM Os debates sobre as bases curriculares de ensino em Enfermagem se instituem praticamente desde o surgimento da Enfermagem como prática profissional; ao se analisar numa perspectiva histórico-cultural evidenciase uma grande preocupação referente a um currículoformação voltado para a consciência crítica, emancipação e humanização, assumindo questões de natureza ética, política, social e não apenas as de ordem técnicainstrumental. Nesse sentido, Marques (2006, p.114) acrescenta: “os projetos da construção do conhecimento são, ao mesmo passo, projetos de construção da sociedade. O universal não se opõe ao particular, mas dele faz parte”. Com vista a tal explanação é que se percebe a importância de currículos que atendam a formação profissional a que se almeja atualmente, onde a academia se estabeleça em um local acima de tudo de formação de cidadãos capazes de atender às expectativas da sociedade, produzindo e (re)construindo saberes e assim transformando a sociedade em que vive. Voltando à temática do currículo de ensino em Enfermagem, em todas as mudanças curriculares no ensino de enfermagem no Brasil, denuncia-se a predominância do modelo médico/hospitalar no ensino de graduação. A legislação sobre o ensino de enfermagem desde a criação da Escola Anna Nery, compreendendo os currículos de 1923, 1949, 1962 e 1972, revela que a formação do enfermeiro era centrada no pólo indivíduo/ doença/cura e na assistência hospitalar, seguindo o mercado de trabalho específico de cada época. As mudanças surgidas nos anos 80 referentes à saúde trazem o intuito de melhoria do sistema vigente, 102 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 permeada pelos pressupostos de equidade, integralidade e universalidade, como princípios norteadores das políticas no setor saúde, exigindo profissionais com formação generalista, capazes de atuar em diferentes níveis de atenção à saúde. Assim, esta época foi marcada por constantes discussões entre entidades de classe, escolas e instituições de saúde a respeito da necessidade de reformulação do currículo de 1972, pois o mesmo não seria mais capaz de atender às necessidades impostas pelo setor da saúde no Brasil. As reformas curriculares nos sistemas educativos desenvolvidos obedecem pretensamente à lógica de que através delas se realiza uma melhor adequação entre os currículos e as finalidades da instituição escolar, ou a de que com elas se pode dar uma resposta mais adequada à melhora das oportunidades dos alunos e dos grupos sociais (SACRISTÁN, 1998, p. 18). Resultante desta problemática, a ABEn, como um dos autores firmemente engajados nesse processo de luta, desencadeia um amplo debate a respeito da reformulação do currículo de Enfermagem por meio de Seminários Nacionais e Regionais, mobilizando docentes, discentes e profissionais dos serviços objetivando, a construção coletiva de um projeto educacional para a Enfermagem. Como resultado, a troca de experiências e a riqueza das discussões geradas nesse movimento subsidiaram o Parecer 314/94 do então CFE, homologado pela portaria 1.721 do Ministério da Educação que, em 15/12/1994, concluiu uma nova proposta curricular sendo que este prevê a formação do enfermeiro em quatro áreas: assistência, gerência, ensino e pesquisa. Tem como pressuposto a educação como possibilidade de transformação, centrada no desenvolvimento da consciência crítica, levando o enfermeiro à reflexão sobre a prática profissional e ao compromisso com a sociedade (TEIXEIRA et al., 2006). Em 1994, a ABEn cria os Seminários Nacionais de Diretrizes para a Educação em Enfermagem (SENADEns), que trouxeram significativas contribuições na construção DCGENF. Estes, além de constituírem novos espaços para o aprofundamento das discussões, ainda auxiliam na construção das políticas e propostas que dizem respeito à Enfermagem. Desde o seu invento, o SENADEn contribui significativamente para as discussões acerca das bases curriculares que sedimentam o ensino de Enfermagem e as novas perspectivas para o seu ensino e sua prática profissional, antes realizado bienalmente desde 2002. Devido a sua importância e contribuição para o processo de formação do(a) enfermeiro (a), a categoria solicitou sua realização anual. Em 1996 é aprovada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional-(LDBEN), Lei 9.394 de 20 de dezembro de 1996, esta estabelece as diretrizes e bases da educação no país, abrindo espaço para a flexibilização dos currículos de graduação, para a expansão de cursos e vagas na educação superior, além de direcionar a construção de Diretrizes Curriculares para cada curso de graduação (BRASIL, 1996). Segundo Galleguillos; Oliveira (2001) a LDBEN assegura às instituições de ensino superior autonomia didático-científica, autonomia em fixar os currículos dos seus cursos e programas; assim, estas não têm a obrigatoriedade em seguir a regulamentação do currículo mínimo determinada pela Portaria 1721/94. Entretanto, esta trouxe novas responsabilidades para as IES, docentes, discentes e sociedade, pois permitiu a formação de diferentes perfis profissionais a partir da vocação de cada curso/escola, esperando melhor adaptação ao “mundo do trabalho”. Desta forma, o currículo não é mais o único determinante, mas base para direcionar e orientar o ensino de graduação em enfermagem. A atual LDBEN oferece às escolas as bases filosóficas, conceituais, políticas e metodológicas que devem orientar a elaboração dos projetos pedagógicos, visando à formação de profissionais que possam vir a ser críticos, reflexivos, dinâmicos e ativos, diante das demandas do mercado de trabalho, a assumir os direitos de liberdade e cidadania, compreendendo as tendências do mundo atual e as necessidades de desenvolvimento do país. Cabe citar aqui os argumentos de Sacristán (1998, p. 22): O primeiro evento promoveu a discussão acerca das necessidades de se propor e implantar Diretrizes Curriculares capazes de viabilizar o desenvolvimento de competências e habilidades que extrapolassem o simples domínio do saber, contribuindo no processo de construção de projetos pedagógicos que, além da organização curricular, contemplassem a formação de profissionais capazes de atender as demandas sociais (VALE; FERNANDES, 2006). 103 [...] o currículo faz parte na realidade, de múltiplos tipos de práticas que não podem reduzir-se unicamente à prática pedagógica de ensino; ações que são de ordem política, administrativa, de supervisão, de produção de meios, de criação intelectual [...], e que enquanto são subsistemas em parte autônomos e em parte interdependentes, geram forças diversas que coincidem com a prática pedagógica. Âmbitos que evoluem historicamente, de um sistema político e social a outro, de um sistema educativo a outro diferente. Todos esses usos geram mecanismos de decisão, tradições, crenças, conceitualizações que de uma forma mais ou menos coerente, vão penetrando nos usos pedagógicos e podem ser apreciados com maior clareza em processos de mudança. REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 A LDBEN trouxe novas responsabilidades para as IES docentes, discentes e sociedade, pois permite a formação de diferentes perfis profissionais a partir da vocação de cada curso/escola, esperando melhor adaptação ao mercado de trabalho, já que as instituições de ensino terão a liberdade para definir parte considerável de seus currículos plenos. A partir da LDBEN (9394/960), o Parecer 1133 do CNE/CES reforça a necessidade de articulação entre educação superior e saúde, objetivando a formação geral e específica dos egressos/profissionais, com ênfase na promoção, prevenção, recuperação e reabilitação da saúde; após este, foi aprovada a Resolução CNE/CES Nº 3 de 7 de novembro de 2001, que definiu as DCGENF, elaborada tanto nos documentos encaminhados pelas IES e pela ABEn como, principalmente, pelo documento “modelo de enquadramento das propostas de diretrizes curriculares” formulado pelo Departamento de Políticas de Ensino Superior SESu/ MEC. A proposta privilegia a formação do enfermeiro critico e reflexivo com competência técnico-científico-éticopolítico social-educativa, o que se percebe em breve análise ao fragmento do Parecer 1133 do CNE/CES de 2001, que define o perfil/egresso dos estudantes de Enfermagem: - atuar profissionalmente compreendendo a natureza humana em suas diferentes expressões e fases evolutivas; -incorporar a ciência/arte do cuidar como instrumento de interpretação e de intervenção profissional; estabelecer novas relações com o contexto social, reconhecendo a estrutura e as formas de organização social, suas transformações e expressões; -compreender a política de saúde no contexto das políticas sociais, reconhecendo os perfis epidemiológicos das populações; reconhecer as relações de trabalho e sua influencia na saúde; -reconhecer-se como sujeito no processo de formação de recursos humanos; -dar respostas às especificidades regionais de saúde através de intervenções planejadas estrategicamente; -comprometerse com os investimentos voltados à solução de problemas sociais; -sentir-se membro do seu grupo profissional.- reconhecer-se responsável pela coordenação do trabalho da equipe de enfermagem. -identificar fontes, buscar e produzir conhecimentos para o desenvolvimento da prática profissional; buscar sua constante capacitação e atualização (BRASIL, 2001, p. 18). associando o máximo de qualificação acadêmica com o máximo de compromisso social, sinalizando na direção da superação da fragmentação do conhecimento até então presente (SCHERER; SCHERER; CARVALHO, 2006). Complementando, para Santana et al. (2005, p.298): na área da enfermagem, o desafio do contexto social requer competências profissionais que implicam novos modos de saber, fazer e ser do (a) enfermeiro (a) e de sua equipe nos serviços de saúde em todos os níveis de atenção. O desenvolvimento dessas competências possibilita a ampliação da capacidade de leitura da realidade e a compreensão do processo saúde-doença como prática socialmente determinada. Em síntese, ao analisar toda a trajetória da constituição do ensino de Enfermagem no Brasil descrita aqui, percebe-se que o ensino de enfermagem está inserido no atual momento educacional brasileiro em que as oportunidades para a produção do conhecimento devem somar-se à consciência crítica do aluno, considerando todos os aspectos de ensino, tanto formal como também o aprendizado adquirido e produzido no contexto do indivíduo, pesquisa ou extensão para a aprendizagem. 5 ANÁLISES INICIAIS 5.1 O CBEN E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A ENFERMAGEM BRASILEIRA E AS TEORIAS CURRICULARES PRESENTES NO SEU ENREDO O CBEn desde sua criação em 1947, é até hoje o principal e maior evento da categoria, reportado como uma das mais importantes realizações da ABEn e fonte de inspiração do desenvolvimento da enfermagem brasileira. As discussões originadas em cada edição do congresso são notórias, direcionando ações em benefício da Enfermagem, fomentando assim o desenvolvimento desta no país. Fica claro o compromisso e a responsabilidade da educação superior com a formação de profissionais competentes, engajados na busca de transformação e de cidadãos que possam atuar, não apenas em sua área de formação, mas também no processo de transformação da sociedade. Nesse sentido, as novas diretrizes curriculares para o curso de enfermagem têm adotado perspectivas mais humanistas. É esperado que a instituição universitária esteja comprometida com o destino dos homens, 104 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 Tabela 2: Demonstrativo dos trabalhos apresentados e analisados Total de Trabalhos Anos 2002 2003 2004 2005 2006 Número de trabalhos apresentados 39 * ** 23 * ** 32 * ** 26 * ** 25 * ** 144 Números de trabalhos analisados no estudo 26 19 18 21 18 102 Fonte: Vessozi; Güllich; Caramão, 2007. Nota: * Sessão Ensino/Educação; ** Sessão Formação Profissional. Resumos extraídos da Sessão Ensino/Educação e de Formação Profissional dos Congressos Brasileiros de Enfermagem de 2002 até 2006. As edições do CBEn se realizam anualmente, exceto nos anos de 1953 e 1961, reunindo os enfermeiros de todas regiões do país, promovendo desta forma um espaço de produção, reflexão e corroboração no saberfazer da Enfermagem. Felizmente hoje o CBEn recebe grande número de trabalhos nas mais diferentes áreas favorecendo e instigando cada vez mais a pesquisa. As sessões de Formação Profissional e Ensino/Educação são as que congregam os estudos no âmbito do ensino de Enfermagem propriamente dito e suas inter-relações (profissão, academia e docência), favorecendo, deste modo, discussões acerca de novos saberes e novas perspectivas para a área. Tal fato se faz significante, pois, de acordo com Polit; Beck; Hungler (2004), espera-se que as enfermeiras mantenham um bom nível de envolvimento com a pesquisa, bem como a utilização destas em sua prática, percebendo e explicando fenômenos que devem ser considerados no planejamento e atendimento de Enfermagem. A demarcação realizada na Tabela 3 tem como desígnio reforçar a estrutura metodológica que constitui o modo de análise temática, facilitando o reconhecimento das categorias encontradas dentro do discurso de cada trabalho, para que delas possa ser feito a corroboração com as categorias bases do currículo, à luz da teoria de Silva (2001), possibilitando assim a compreensão dos trabalhos, suas lógicas e processos através da teorização. Deste modo, torna-se possível tracejar o currículo e as bases que fundamentam e ou expressam os modos de sua produção e de seu processo: constructo históricocultural em essência, percebidos dentro nos trabalhos publicados nesses últimos 5 anos no CBEn. Nesse ínterim, a análise que valida este estudo se consolidou a partir dos trabalhos apresentados e publicados nos Anais do CBEn de 2002 a 2006, dentro das sessões Ensino/Educação e Formação Profissional, totalizando um montante de 144 trabalhos, sendo que destes somente 102 convieram aos propósitos do estudo, como exposto na Tabela 2. A apreciação da Tabela 2 evidencia de forma clara que os trabalhos apresentados sobre o ensino de Enfermagem apresentam uma constância no que se refere à quantidade dentro do período de análise, podendo-se destacar somente o ano de 2002, onde houve uma maior publicação sobre a temática, da mesma forma que foi o ano que mais apresentou trabalhos que se enquadraram ao estudo. Posteriormente à averiguação da totalidade da amostra, buscou-se, dentro do enredo do CBEn presente nos trabalhos analisados sobre o ensino de Enfermagem, categorizar os trabalhos por temática, através da leitura minuciosa de cada resumo, no intuito de identificar a quais teorias curriculares estes pertenciam. 105 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 Tabela 3: Temáticas e teorias curriculares encontradas no discurso dos trabalhos analisados do CBEn Ano Nº de trabalhos por Tema Temática Teoria Curricular Base 2002 10 Processos Ensino-Aprendizagem Tradicional 02 As Relações Humanas e Trabalho Pós-crítica 06 Novas perspectivas Pós-crítica 04 A pesquisa Pós-crítica 04 Prática Profissional Crítica/Tradicional 08 Processos Ensino-Aprendizagem Crítica/Tradicional 02 As Relações Humanas e Trabalho Tradicional/Crítico 03 Novas perspectivas Pós-crítica/Tradicional 02 A pesquisa Crítico/Tradicional 04 Prática Profissional Histórico-cultural/Crítico 09 Processos Ensino-Aprendizagem Tradicional/Históricocultural/Crítico 04 As Relações Humanas e Trabalho Tradicional/Crítico 02 Novas perspectivas Tradicional 0 A pesquisa - 03 Prática Profissional Tradicional 10 Processos Ensino-Aprendizagem Tradicional/Pós-crítico/Crítico 03 As Relações Humanas e Trabalho Crítico/Tradicional 03 Novas perspectivas Tradicional 04 A Pesquisa Crítico/Histórico-cultural 01 Prática Profissional Tradicional 04 Processos Ensino-Aprendizagem Tradicional 02 As Relações Humanas e Trabalho Pós-crítico/Crítico 03 Novas Perspectivas Crítico/Pós-crítico/Tradicional 05 A Pesquisa Tradicional/Pós-crítico 04 Prática Profissional Crítico/Tradicional 2003 2004 2005 2006 106 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 Desta forma, evidencia-se que dentro dos trabalhos analisados, cinco temáticas base, as quais denotam a preocupação com diferentes áreas: processos de ensinoaprendizagem, as relações humanas e trabalho, novas perspectivas, a pesquisa e a prática social. Nesse contexto, pode-se verificar que aqueles preocupados com os processos de ensino-aprendizagem ainda são maioria, apresentando-se em maior número em cada ano analisado na amostra. Tais trabalhos se caracterizam dentro do currículo Tradicional, prevalecendo a concepção tecnicista da educação com aporte na perspectiva positivista de ciência, Maldaner (2003), a qual se sedimenta na racionalidade técnica, em que ainda predomina a preocupação em diversificar as metodologias de ensino e não em constituir investigações sobre a dinâmica deste processo (GÜLLICH, 2003). Segundo Maldaner (2003), currículos de formação profissional, com base na racionalidade técnica derivada do positivismo, tendem, exatamente, a separar o mundo acadêmico de mundo da prática e, assim, manter o monopólio da pesquisa. Nestes currículos, separa-se pensamento e ação, teoria e prática, mundo acadêmico e mundo do dia-a-dia; para tanto, as raízes destas dicotomias devem ser buscadas em uma visão particular de ciência e de profissão e não na ciência em geral ou nas profissões em geral (SCHÖN, 2000), desfazendo-se estes enganos que estruturam o atual ensino/currículo de Enfermagem. Os problemas dentro de tais currículos se abstraem das circunstâncias concretas e da vivência da prática profissional, situação indispensável na constituição dos conhecimentos no que se refere à Enfermagem, mas estes não permitem a prática reflexiva dentro da própria prática, dedicam-se apenas ao observado, ao sentido, ao conhecido, esquecem-se do pensar, do refletir, tornandose frágeis e inseguros frente às necessidades de conhecer e refletir nas situações de vivências e práticas. Sacristán (1998) respalda que é a crítica ao que está aí posto, como meio de opor-se ao tradicional, ao não discutível, não negociável, que permeia uma alternativa e uma perspectiva reflexiva, capaz de entender que o conhecimento admitido no currículo deve ser o resultado de um consenso, objeto de revisões e críticas, resultando de uma deliberação democrática constante. Percebem que um currículo que se diz crítico deve permear produção do conhecimento no ato de criar e (re)criar o coletivo e, assim, a constituição crítica da realidade. mas desenvolver conceitos que nos permitam compreender o que o currículo faz (SILVA, 2001, p. 30). Esta explanação vem ao encontro do que se busca dentro do Ensino de Enfermagem, a reflexão sobre a prática, no intuito de (re)transformá-las, de se perceber, de estar presente-na-ação (SCHÖN, 2000), indo além, envolvendo-se na ação, exercitando o pensamento, compreendendo que o pensar durante a ação possibilita alterá-la sem interrompê-la, mesmo que nem sempre. Diferenciam, ainda, da perspectiva crítica do currículo, os estudos que se estabelecem como possibilidades de categorias, tais como: significação, subjetividade, identidade, diferença e saber-poder; nestes, percebe-se a busca pelo discurso e pela contextualização, na ânsia de atribuir um significado ao ensino de Enfermagem e sua prática, do mesmo modo que buscam a reflexão, a inter-locução e subjetivação, através da mediatização (VIGOTSKI, 2001). Concernente ao exposto, pode-se dizer que eis a busca pela fundamentação e validação dos conhecimentos e, desta forma, tomar para si o saber como forma de poder de outrora, de constituir, de recriar. Então, quando os atores sociais de ensino de Enfermagem compreendem que esse ensinar e todas as suas relações que o circundam, diferencia-se daquele entendido dentro da concepção mecanicista/tradicional, apoderam-se dele, concebendose outras e novas expressões, e, por conseguinte, outras formas de produzir e pensar o currículo formador (GÜLLICH, 2003). Percebe-se, então, que as teorias pós-críticas do currículo apontam para um novo campo, o das representações e subjetividades na relação dialógica entre os sujeitos e destes com o meio, com o senso comum e com a cultura. Deixam-se de lado as críticas apenas por se fazer criticar e descobre-se a diferença, as subjetividades, o discurso da ação (HABERMAS, 1989;) e seus inter-relacionamentos dentro do processo de conhecimento, “assume-se a cultura como significação, na certeza que todo conhecimento, na medida em que se constitui num sistema de significação, é cultural” (SILVA, 2001, p.139), assim o currículo é perspectivas que direcionam à discussão e, sendo assim, a andar, a percorrer, incursionando erros e, desta forma, aprendendo a refazer. O currículo faz história, narra aprendizagens, fazse social, instigando a aprender com ele, a compreender sua totalidade histórica e pedagógica e a lê-lo como um documento de identidade (GÜLLICH, 2003). As teorias críticas são teorias de desconfiança, questionamento e transformação radical. Para as teorias críticas o importante não é desenvolver técnicas de como fazer o currículo, 107 O currículo é lugar, espaço, território. O currículo é relação de poder. O currículo é trajetória, viagem, percurso. O currículo é autobiografia, nossa vida; Curriculum Vitae: No currículo se forja a nossa identidade. O currículo é texto, discurso, documento. O currículo é documento de identidade (SILVA, 2001, s.p). REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 Baseando-se nesse argumento, serve ainda, como referência para outras áreas do conhecimento, como um arquétipo de como se modela um currículo, e como se delineia enquanto elo formador e como constitui suas representações, enquanto instituído e instituinte. Deste modo, Enfermagem, ensino e currículo, conversam/ dialogam de uma forma mais estreita, discutem, por assim dizer e, discutindo, edificam formação e história. O movimento discursivo emergente desta análise apresenta uma descontinuidade característica, ou seja, percebe-se que este não se trata de um movimento ventral e/ou, horizontal; muito pelo contrário, verifica-se que este se processa de maneira ondular dentro da cada ano analisado, o que demonstra que o enredo dos discursos oscila dentro das diferentes tipologias de currículo e suas abordagens (Tradicional, Crítica e Pós-Critica) como define, Silva (2001). Perceber o movimento discursivo em profundidade e em perspectiva permite levantar novos olhares, novas perguntas e possibilidades, perceber e reforçar que é assim, pois não há teoria que extermine outra teoria, são diferentes teorias, diferentes olhares, diferentes intencionalidades que coexistem, permanecem, dialogam e se refazem e, neste embate, podem se (re)produzir outras possibilidades, outra teorias, outras práticas. em fixar os currículos dos seus cursos e programas. Assim, as universidades não têm a obrigatoriedade em seguir a regulamentação do currículo mínimo determinada pela Portaria 1721/94. No momento atual, o currículo não é mais o único determinante, mas base para direcionar e orientar o ensino de graduação em enfermagem. A atual LDBEN oferece às escolas as bases filosóficas, conceituais, políticas e metodológicas que devem orientar a elaboração dos projetos pedagógicos. A LDB visa à formação de profissionais que possam vir a ser críticos, reflexivos, dinâmicos, ativos, diante das demandas do mercado de trabalho. Perceber a preocupação com o currículo no ensino de Enfermagem e igualmente com as DCGENF e seus desígnios dentro do movimento discursivo do CBEn se faz gratificante, pois denota a inquietação de profissionais, docentes e discentes ante a constituição de um currículo que permeie a socialização da profissão. É também válido afirmar que, além das discussões acerca das diretrizes presentes nos trabalhos analisados, os docentes brasileiros e as instituições da área de Enfermagem têm discutido as diretrizes e seu papel performático, identitário e curricular na formação de Enfermagem nos CBEns e igualmente nos SENADEns, afim de discutir a pertinência, rumos e aplicações destas na perspectiva da práxis de Enfermagem. 6 CONCLUSÃO O ensino de enfermagem no país passou por várias fases de desenvolvimento ao longo dos anos, tendo como reflexo de cada mudança o contexto histórico da enfermagem e da sociedade brasileira; logo, o perfil de enfermeiros apresenta significativas mudanças em decorrência das transformações no quadro políticoeconômico-social da educação e da saúde no Brasil e no mundo. Em todas as mudanças curriculares no ensino de enfermagem no Brasil, apreende-se e se denuncia a predominância do modelo médico/hospitalar no ensino de graduação. A legislação sobre o ensino de enfermagem desde a criação da Escola de Enfermagem Anna Nery, compreendendo os currículos de 1923, 1949, 1962 e 1972, revela que a formação do enfermeiro se centrava no pólo indivíduo/doença/cura e na assistência hospitalar, seguindo o mercado de trabalho específico de cada época. No contexto histórico do ensino de enfermagem no Brasil é importante ressaltar que, em virtude da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) – Lei n° 9.394 de 20 de dezembro de 1996, há inovações e mudanças na educação nacional, onde é prevista uma reestruturação dos cursos de graduação, com a extinção dos currículos mínimos e a adoção de diretrizes curriculares específicas para cada curso. A nova LDBEN assegura às instituições de ensino superior autonomia didático-científica, bem como autonomia A teoria curricular e a educacional apontam a necessidade de se compreender o currículo além de suas dimensões técnico-pedagógicas, entendendo-o como um ato de renovação e compromisso social (SILVA, 2001). 7 REFERÊNCIAS ABEn. 54º Congresso Brasileiro de Enfermagem. Anais do Congresso. Fortaleza: ABEn, 2002. CD 1. ABEn. 55º Congresso Brasileiro de Enfermagem. Anais do Congresso. Rio de Janeiro: ABEn, 2003. CD 1. ABEn. 56º Congresso Brasileiro de Enfermagem. Anais do Congresso. Gramado: ABEn, 2004. Disponível em: <http:// www.abennacional.org.br>. Acesso em: 23 ago. 2007. ABEn. 57º Congresso Brasileiro de Enfermagem. Anais do Congresso. Goiânia: ABEn, 2005. Disponível em: <http:// www.abennacional.org.br>. Acesso em: 17 ago. 2007. ABEn. 58º Congresso Brasileiro de Enfermagem. Anais do Congresso. Salvador: ABEn, 2006. Disponível em: <http:// www.abennacional.org.br>. 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Utilizou-se delineamento qualitativo, tipo exploratório, sendo que a produção dos dados realizou-se por meio de entrevista estruturada com questões abertas, gravadas e transcritas posteriormente, empregando-se o universo existente. Os resultados foram avaliados pela análise de conteúdo, buscando-se abrir espaço ao conhecimento do processo de trabalho. Constatou-se que a finalidade das ações é o bem-estar do usuário e que, além de todo o material específico utilizado, a bagagem intelectual foi considerada o instrumento mais importante à realização do trabalho, objetivando-se a co-responsabilidade por parte do usuário quando se trata dos produtos esperados. A contribuição ocorre tanto pela coordenação das equipes como pelo atendimento educacional e assistencial, sendo que para isso utilizam-se da prática da clínica ampliada. Apesar da distorção do valor de uso entre os profissionais de saúde acham que isso não os põe em situação de desprestígio. A maior lacuna é a questão da referência e contrareferência, ainda não consolidada. Como proposta para melhoria, acha-se necessário mudar o perfil acadêmico, visando acompanhar as mudanças que vêm ocorrendo no setor saúde e uma maior aproximação das universidades à prática realizada. Desta forma, a discussão sobre a temática evidencia a atuação do enfermeiro como agente de transformação social. Palavras-chave: Contribuição. Enfermeiros. Sistema Único de Saúde. Unidades Básicas de Saúde. This study intends to identify the contributions of the nurses to the Sistema Único de Saúde (SUS). A qualitative delineation of exploratory type and data production through structuralized interview with open questions was used, recorded and transcribed later, making use of the existing universe. The results had been evaluated by the content analysis, trying to open a space to the knowledge of the work process. It was evidenced that the purpose of the actions of the welfare of the user and that beyond all the used material, the intellectual knowledge was considered the most important instrument to the work done, objectifying the co-responsibility on the part of the user when it is about of expected products. The contribution occurs as of the staff coordination as the educational and assistant attendance, being that for this they use the extended clinic practice. Despite the distortion of the value of use existing among the health professionals they think that this doesn’t put them in lack of prestige situation. The biggest gap is the question of the reference and counter reference that are not consolidated yet. As proposal for improvement it is necessary to change the academic profile, aiming at to follow the changes that are occurring in the health sector and a bigger approach of the universities to the performed practice. Thus, the discussion about the thematic evidences the performance of the nurse as a social transformation agent. Key words: Contribution. Nurses. Sistema Único de Saúde. Basic Health Units. 1 Acadêmica do 8º semestre do Curso Bacharelado em Enfermagem SETREM. Enfermeira e Docente do Curso Bacharelado em Enfermagem SETREM. 3 Av. Santa Rosa, 2504, Três de Maio – RS [email protected] 2 110 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 1 INTRODUÇÃO de uma hipótese e aprofunda seu estudo nos limites de uma realidade específica, buscando maior conhecimento. A presente pesquisa se constitui de um estudo acerca das contribuições dos enfermeiros para o Sistema Único de Saúde (SUS) nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) no intuito de poder demonstrar informações pertinentes aos profissionais da área da saúde, buscandose promover um repensar crítico sobre a prática e papel do enfermeiro frente ao sistema vigente. Leva-se em conta que o processo de redemocratização do país na década de 80, com a ampliação da organização popular e a emergência de novos atores sociais, produziu o aumento das demandas sobre o Estado e desencadeou um forte movimento social pela universalização do acesso e pelo reconhecimento da saúde como direito universal e dever do Estado, sendo que o Movimento da Reforma Sanitária reuniu atores diversificados em uma batalha política pelo reconhecimento da saúde como direito social, pela universalização do acesso aos seus serviços e pela integralidade da atenção à saúde. As mudanças sucessivas, nessa época, terminaram com a aprovação, na Assembléia Nacional Constituinte, da Constituição Federal (CF) de 1988, no SUS. A pesquisa visou conhecer o processo de trabalho dos enfermeiros que atuam na saúde coletiva. Assim sendo, este estudo se apoiou na pesquisa qualitativa que, de acordo com Minayo (2007), “responde a questões muito particulares. Ela se preocupa nas Ciências Sociais, com um nível de realidade que não pode ou não deveria ser quantificado” (p.21). A produção dos dados foi realizada por meio de entrevista estruturada, organizada com questões abertas, permitindo ao entrevistado transcorrer livremente sobre o tema. O questionário foi gravado e transcrito com posterior análise do conteúdo. As entrevistas aconteceram nas Unidades de Saúde da Família e UBS de um município da região Noroeste do estado do Rio Grande do Sul (RS). Levando-se em consideração que o número de sujeitos participantes da pesquisa foi pequeno, utilizou-se o universo existente, para que com este campo amostral se conseguisse representar com maior fidedignidade as características estabelecidas. Foram denominados de Enf. e classificados numericamente (1,2,3...), objetivando-se manter o anonimato mesmos. Assim sendo, sabe-se que é nos campos práticos onde de fato se acompanha o trabalho dos enfermeiros da saúde coletiva e, seguindo a linha de pensamento voltada ao modelo preventivo da forma assistencialista, percebese a importância da realização de um estudo no que tange ao conhecimento do processo de trabalho, o que realmente é feito por estes profissionais, quais os instrumentos de trabalho, objetos, objetivos, finalidade e se os resultados realmente são efetivos. No que tange às precauções éticas relacionadas às pesquisas que envolvem seres humanos, foi respeitado o que propõe a resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e do Ministério da Saúde (MS). Foi realizado também um termo de consentimento à instituição municipal de saúde, tendo em vista as considerações dos aspectos éticos e legais nas pesquisas. Nesta perspectiva, acredita-se que a presente pesquisa possibilite um conhecimento mais amplo do desenvolvimento da história das políticas de saúde, bem como do processo de trabalho do enfermeiro. E, além do mais, servirá como subsídio aos profissionais de saúde que, ao exercerem suas funções, poderão reorganizar-se na realização do seu processo de trabalho com a adoção de políticas públicas que invistam na população, contribuindo à qualidade do atendimento empregado aos usuários. 3 AS POLÍTICAS DE SAÚDE NO BRASIL 2 METODOLOGIA Este estudo teve um delineamento qualitativo, do tipo exploratório, com o intento de se obter maior clareza, brevidade e aproveitamento dos dados produzidos de acordo com os objetivos propostos anteriormente. Segundo Trivinõs (1987), o estudo exploratório permite ao investigador aumentar sua experiência em torno do problema, pois parte As políticas de saúde, enquanto ações objetivas sob responsabilidade do Estado, começaram a existir somente no início do século XX, pois naquela época a principal fonte de renda da economia brasileira era a agricultura e a exportação. As cidades onde se localizavam os portos tinham papel de destaque, uma vez que a exportação era realizada através de navios. É nesse quadro que o governo começa a atuar na saúde pública, preocupado com os trabalhadores das capitais, das cidades portuárias e com aqueles que trabalhavam nos portos (MELO; CUNHA; TONINI, 2004). Conforme os autores supracitados, foi a partir da Revolução de 1930, quando Getúlio Vargas assumiu a presidência da República, que começou a se intensificar o processo de industrialização e urbanização. Surgiram muitas fábricas e com elas empregos. As indústrias trouxeram um rápido crescimento às cidades em que se instalavam. Nessa época, começou-se a observar um novo 111 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 tipo de direito à saúde, voltado às pessoas com trabalho formal. De acordo com Costa; Carbone (2004), expressando o conceito assinalado, a CF de 1988 criou o SUS, formado por uma rede de serviços regionalizada, hierarquizada e descentralizada, integrado pelas três esferas de governo, onde a comunidade também teve sua participação regulamentada através das Leis Orgânicas da Saúde (LOS), Leis 8.080/90 e 8.142/90. Com a NOB/96 ficaram definidos os papéis em nível municipal, estadual e federal no que tange ao SUS. Reafirmado também o papel das comissões intergestoras no processo de articulação entre os gestores, além de oferecer tetos financeiros para todas as esferas de governo. 3.1 UNIDADES BÁSICAS DE SAÚDE As UBS foram criadas para atender a crescente necessidade de saúde da população, produzidos pelos diversos problemas que afetavam as suas vidas. Pensados como “porta de entrada” do sistema público de serviços de saúde a partir de 1970, como proposta de atenção primária a saúde, pois até então somente tinham acesso as pessoas vinculadas ao mercado de trabalho formal. Nesse contexto, percebia-se a necessidade de estender a assistência à saúde para toda a população (BERTUSSI; OLIVEIRA; LIMA, 2001). A intenção era organizar o Sistema de Saúde a partir da atenção básica à saúde, principalmente a partir da rede de UBS, rompendo com a idéia de atenção centrada no baixo custo, simplificada e com poucos equipamentos. Cabendo ao nível municipal as responsabilidades de atenção básicas à saúde e de gestão de serviços de atenção à saúde, percebendo que a proximidade com a população permite reconhecer melhor as verdadeiras necessidades. territorialização, vinculação com a população, garantia de integridade na atenção, trabalho em equipe com enfoque interdisciplinar, estímulo à participação da comunidade, ênfase na promoção da saúde, com fortalecimento das ações intersetoriais. (PEREIRA et al. 2004). A USF pode atuar com uma ou mais equipes, sendo composta, no mínimo, por um médico generalista, enfermeiro, auxiliar de enfermagem e agentes comunitários de saúde (ACS). E como assinala Bertussi; Oliveira; Lima (2001) tem o objetivo de ser resolutiva, com profissionais capazes de identificar e propor intervenções aos problemas de saúde mais comuns e manejar novos saberes e, a partir destes, promover hábitos de vida saudáveis. No entanto, para conseguir dar conta das diversas demandas, é necessária a inclusão de equipes de multiprofissionais e a interação com outros setores, pois conforme Brasil (2003), não atuará somente como porta de entrada, será responsável, também, por todo o plano terapêutico, mesmo que este seja realizado por serviço especializado. 3.3 O PROCESSO DE TRABALHO DO ENFERMEIRO Rocha; Almeida (1997) descrevem o processo de trabalho como sendo o modo que o homem utiliza para produzir e reproduzir sua existência. Ao fazê-lo, estabelece relações sociais e objetiva sua atividade. Para D’Innocenzo; Adami; Cunha (2006): o componente processo corresponde à prestação da assistência segundo padrões técnico científicos, estabelecidos e aceitos na comunidade científica sobre determinado assunto e, a utilização dos recursos nos seus aspectos quanti-qualitativos. Inclui o reconhecimento de problemas, métodos diagnósticos, diagnóstico e os cuidados prestados (p. 85). 3.2 PROGRAMA DE SAÚDE DA FAMÍLIA Com os avanços na construção do SUS houve um aumento da cobertura dos serviços em todos os níveis de complexidade, com ênfase especial na Atenção Básica, por intermédio do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e do Programa Saúde da Família (PSF), abrindo mais um espaço de mudança do modelo de atenção, possibilitando passar do atendimento de demanda ao atendimento por responsabilidade sanitária. Após o surgimento da idéia de descentralização e a municipalização dos serviços de saúde, em 1994 nasceu a proposta do PSF, pois era um desafio a implementação efetiva do SUS, valorizando os princípios de Por isso é muito importante a enfermagem identificar e entender o seu processo de trabalho, o que ela identifica como sendo objeto e finalidade, pois, de acordo com Fracolli; Granja (2005), a análise do processo de trabalho em saúde, das características e condições de inserção da enfermagem neste processo, possibilita desenhar com clareza qual o objeto de intervenção da enfermagem, seja ele um indivíduo, uma família ou uma comunidade. Conhecer mais profundamente a área da enfermagem implica em compreender a prática dos seus múltiplos agentes e as articulações existentes entre elas, 112 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 bem como a articulação da enfermagem com as práticas da saúde (MENDES; GONÇALVES apud PEDUZZI; ANSELMI, 2002). Como finalidade/objetivo das ações entende-se o resultado futuro desejado, os quais definem o escopo de todas as ações. Conforme assinala Peduzzi; Anselmi (2002), quando dizem que é o aspecto específico, recortado da realidade sobre o qual incide a atividade do trabalho, não existe enquanto objeto de intervenção por si só, mas é recortado por um “olhar” que contém uma finalidade. De acordo com Peduzzi; Anselmi (2002), os instrumentos de trabalho tampouco são naturais, mas construídos historicamente pelo sujeito que estende a sua possibilidade de intervenção sobre o objeto. Encontramse tanto instrumentos materiais quanto intelectuais, tais como os saberes técnicos que informam e fundamentam imediatamente a ação realizada. Segundo D’Innocenzo; Adami; Cunha (2006), o componente resultados correlaciona-se às conseqüências das atividades realizadas nos serviços de saúde ou pelo profissional em termos de mudanças percebidas no estado de saúde dos usuários, considerando também as mudanças relacionadas a conhecimentos e comportamentos, bem como a satisfação do usuário e do trabalhador ligada ao recebimento e prestação dos cuidados. Para a clínica ampliada é fundamental expandir o objeto, agregando não somente as doenças, mas também as situações de risco ou vulnerabilidade das pessoas, pois se considera essencial a ampliação da finalidade do trabalho clínico, buscando a produção de saúde por distintos meios, objetivando o aumento do grau de autonomia dos usuários (CAMPOS; AMARAL, 2007). Assim sendo, a clínica ampliada se baseia na construção de responsabilidade singular e de vínculo estável entre equipe de saúde e usuário, abandonando a tradição parcelar de especialização e responsabilidade por procedimento, reorganizando o trabalho em equipe. Conforme Campos (2000), o resultado do trabalho se materializa em produtos e estes assumem a forma de bens ou serviços. No capitalismo, os produtos têm um duplo valor: valor de troca e de uso, sendo que o valor de troca garante que os produtos circulem como mercadorias e o valor de uso expressa a utilidade do produto e permite sua realização, isto é, seu consumo. 4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS 4.1 PERFIL DOS ENTREVISTADOS Por meio dos dados produzidos foi possível traçar o perfil da população-objeto do campo amostral, onde se percebe a existência de trabalhadores nas mais diversas faixas etárias, demonstrando que existem diferenças e que estas podem trazer benefícios ao sistema, levando-se em consideração o ano de formação de cada participante e a história de vida de cada um. Dos sete participantes da pesquisa, seis são do sexo feminino e um do sexo masculino, o que ainda demonstra a feminilização no trabalho de enfermeiro, ou seja, uma tendência do mercado de trabalho, imprimindo uma dinâmica própria ao setor saúde. Perpassando pelos contextos históricos ainda percebe-se características da formação profissional que ocorrem em conseqüência da superposição de modelos determinados por sua história. No município em questão existem profissionais enfermeiros que atuam há mais de vinte anos e os que atuam há menos tempo são os que tiveram seus contratos mais recentes, adequando-se ao mercado de saúde coletiva, sendo isto justificável pelo evento do PSF, pois, através do mesmo, ocorreu um aumento no mercado de trabalho dos enfermeiros. Somente dois dos entrevistados não possuem curso de pós-graduação. Um participante da pesquisa está concluindo a especialização em Saúde Pública. E o restante dos entrevistados possui pós-graduação em nível de especialização, cursos relacionados à Saúde Coletiva, demonstrando que a maioria dos entrevistados está em busca de uma adequação ao mercado de trabalho ao qual estão inseridos. Evidencia-se através disso, de forma clara, nas várias modalidades existentes, que a universidade exerce a sua responsabilidade no processo de produção social, como assinala Desaulniers (2004), que o profissional, ao produzir e reproduzir o capital intelectual, além de ter a garantia poderá criar novos caminhos ao campo científico, aliado aos demais campos sociais em que atua ou está inserido. Um processo que dá oportunidade às universidades para uma participação pró-ativa na relação estabelecida com os demais campos, visando o enfrentamento dos desafios da atualidade, no que tangem as suas atribuições quanto à responsabilidade social. Todos os entrevistados costumam fazer cursos de atualização, em sua maioria oferecidos pelo MS, ministrados por profissionais que atuam na área pública. Cursos com exigência dentro do mercado de trabalho, e o profissional, por sua vez, capacitado retorna ao seu local 113 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 de trabalho, tendo o compromisso de implantar as normatizações, socializando os conhecimentos referidos. áreas a fim de assegurar atendimento livre de riscos ao usuário. 4.2 FINALIDADE/OBJETIVO DAS Na enfermagem, onde o cuidar é a essência da AÇÕES profissão, pode-se parafrasear D’Innocenzo; Adami; Cunha Enf.1 Enf.2 Enf.3 Enf.4 Enf.5 Enf.6 Enf.7 (2006) quando dizem que a concentração de esforços em direção aos objetivos propostos deverá levar à melhoria contínua desta assistência, implicando na conscientização de toda a equipe quanto à sua importância e ao valor de suas ações. [...] o usuário [...] proporcionar resolutividade frente àquilo que ele nos procura. Promover uma melhor saúde e com isso reduzir os riscos de doença na população. [...] atendimento qualificado, que seja integral, que valorize as necessidades das pessoas, observando a sua realidade [...] [...] melhoria de qualidade de vida de saúde da população [...] nós não queremos somente trabalhar a parte curativa, mas a prevenção, né [...] [...] principalmente trabalhar o desenvolvimento do autocuidado [...] [...] o objetivo das ações é a prevenção, né [...] Cuidar. O trabalho em saúde, para ser eficaz, deve responder a essa complexidade e dar sentido à intervenção nos diversos campos da saúde. Por conta disso, tem-se um leque de possibilidades de uso de diversas tecnologias de trabalho para a produção do cuidado. 4.3 INSTRUMENTOS DE TRABALHO Fonte: Weber; Rascovetzki, 2007. FIGURA 1: Quadro referente à finalidade/objetivo das ações. O trabalho é uma atividade que tem sempre uma finalidade para que ele se realize, a qual está ligada ao atendimento à determinada necessidade da pessoa. Para Merhy (2006), a finalidade do trabalho em saúde é a produção do cuidado individual ou coletivo, resultando na cura e na saúde do cidadão e a produção do trabalho em saúde se dá no momento exato do consumo; por isso, a sua dinamicidade. Dentre as falas dos enfermeiros, percebe-se que eles ficam divididos entre a busca da resolução do problema, atendimento qualificado, prevenção, promoção de saúde e autocuidado. Mas, ao se analisar esta questão mais profundamente, pode-se perceber que para haver plenitude na produção de saúde da população deve ocorrer a fusão de todas estas características. Concorda-se com Campos (2003) quando o mesmo fala que a saúde não é considerada objeto da Saúde Coletiva ou da Clínica, mas sim uma finalidade, algo que se procura defender ou construir, sendo que o objeto de estudo e de intervenção dessas práticas é o risco de adoecer, a doença, sendo que esta vulnerabilidade pode ser induzida por situações inerentes às pessoas ou ao contexto em que vivem, então é aí que a Saúde Coletiva deve agir, na possibilidade dela acontecer, usando técnicas de educação, prevenção e promoção de saúde. Os instrumentos de trabalho utilizados pelos enfermeiros compreendem o material de rotina, instrumentos específicos de uso na profissão, o carro e a bagagem intelectual agregada ao trabalho interdisciplinar, pois é através dele, com uma equipe multiprofissional, que se consegue desenvolver ações que vêm de encontro à promoção de saúde da população. Do universo das pessoas entrevistadas, a maioria citou o conhecimento concomitante a outras, pois de nada adianta uma infinidade de instrumentos se não tiver o conhecimento. Pensando assim, pode-se citar Merhy (1997), que descreve a produção do cuidado e suas tecnologias de trabalho em saúde, complementando o que foi dito por uma das entrevistadas. Tecnologias duras são as que estão inscritas nas máquinas e instrumentos; leve-duras as que se referem ao conhecimento, por ter uma parte dura que é a técnica, e uma leve que é o próprio modo como o trabalhador a aplica, podendo assumir formas diferentes dependendo sempre de como cada um trabalha e cuida do usuário; e as tecnologias leves que dizem respeito às relações, fundamentais para a produção do cuidado e se referem ao jeito ou atitude próprios do profissional (MERHY, 1997). Quando se fala em qualidade da assistência da enfermagem como um fator para o benefício do usuário, é importante esclarecer o que se entende por qualidade da assistência e o que é esperado dos profissionais envolvidos para atingi-la (D’INNOCENZO; ADAMI; CUNHA, 2006). Assim, o movimento pela qualidade nos serviços de saúde é hoje uma necessidade incorporada à gestão dessas 114 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 4.4 PRODUTOS/RESULTADOS enfermeiro com o cliente (D’INNOCENZO; ADAMI; CUNHA, ESPERADOS 2006). Enf.1 [...] a necessidade do paciente [...] aplicar realmente uma forma de saúde coletiva [...] mudar indicadores [...] fazer com que o paciente seja co-responsável [...] Enf.2 Melhora dos indicadores de saúde do município [...] Enf.3 [...] atendimento qualificado [...] que as comunidades tenham mais saúde [...] onde o paciente tenha autonomia [...] que ele tenha a segurança de procurar uma equipe de saúde e saber que pode contar com ela. Enf.4 É que as pessoas entendam melhor qual é o seu papel para cuidar de sua saúde [...] Enf.5 [...] que essa pessoa se cuide [...] quando o sujeito não faz do jeito que você pensou, você tem que ter outras alternativas [...] Enf.6 [...] que os pacientes sigam aquilo que a gente recomenda, né [...] Enf.7 Satisfação. 4.5 A IMPORTÂNCIA DO ENFERMEIRO À SOLIDIFICAÇÃO DO SUS Os enfermeiros foram unânimes ao afirmarem a sua importância na execução e efetivação do SUS, atuando como agentes de transformação social na produção de saúde, pois, de acordo com um dos participantes, possuem um olhar diferenciado, principalmente na prevenção. Além do cuidado ao ser humano, que é a essência da enfermagem, tem várias outras atividades que ele vem realizando, tais como gerenciamento do serviço de enfermagem, do PACS, consultas, prescrições de exames, medicamentos, orientações, atividades de prevenção e promoção. Dessa forma, pela resolutividade obtida, tornase clara a contribuição à solidificação do SUS, pois têm a capacidade de construir o sistema, estando presentes em todos os atendimentos do SUS. Fonte: Weber; Rascovetzki, 2007. FIGURA 2: Quadro referente aos produtos/resultados esperados. Como resultado no trabalho em saúde obtém-se a construção do espaço intercessor entre o usuário e o trabalhador de saúde, onde o mesmo deve satisfazer as necessidades do usuário, sendo que estas muitas vezes são vistas como uma carência de saúde ou ainda como um meio de ser mais autônomo no seu modo de caminhar no mundo (MERHY, 2006). Para Kurcgant et a.l (1991) “o produto final das instituições de saúde é a prestação de serviços de saúde aos clientes que recebem ações terapêuticas que não devem sofrer qualquer interrupção” (p. 75). Ao analisar as respostas, percebe-se a mesma linha de pensamento, ou seja, a autonomia do sujeito, pois o que mais almejam é provocar a co-responsabilidade do paciente. Juntamente a isso fica evidente nas falas, que ensejam resolutividade às necessidades do usuário, podendo realmente aplicar uma forma de saúde coletiva. Sabe-se que para ter uma melhora nos indicadores do município é necessário que se tenha resolutividade nas ações, mas, para que isso aconteça, torna-se indubitável um atendimento qualificado, como também foi falado por um dos participantes, que o usuário possa se sentir seguro ao procurar o serviço de saúde. A qualidade da assistência da enfermagem envolve aspectos primordiais como os conhecimentos e as habilidades, as crenças e os valores individuais, profissionais e institucionais. Os conhecimentos que fundamentam as ações de enfermagem constituem um conjunto teórico, a habilidade envolve a capacidade de cuidar, constituindo um dos alicerces da qualidade assistencial, influenciando o padrão estabelecido para a assistência de enfermagem que se fundamenta na qualidade dos resultados desejados da interação do De acordo com Sakai et al. (2001) os recursos humanos em saúde devem manter a organização produtiva e estarem mobilizados para o processo de transformação do modelo assistencial que ainda vem ocorrendo e da prática sanitária vigente, no intuito de ofertar à população um serviço com todos os princípios e diretrizes propostos pelo SUS. Assim sendo, percebe-se que o enfermeiro é um facilitador de acesso entre as equipes de saúde e as famílias, pois consegue perceber o usuário no contexto em que o mesmo se encontra inserido. Bernardino; Oliveira; Ciampone (2006) argumentam que, com a Reforma Sanitária, o enfermeiro ampliou seu campo de ação, assumindo um papel de destaque, favorecendo a ampla participação da sociedade civil na gestão deste processo, enquanto membro da equipe de saúde, engajado no atual momento político brasileiro. O papel do enfermeiro não se restringe à prestação direta dos cuidados ou à supervisão de pessoal auxiliar ou ainda à administração de unidades, é importante um conhecimento bem amplo, o qual qualificará o mesmo para desempenhar com aptidão as múltiplas funções, contribuindo para a implantação de uma assistência de qualidade em todos os níveis da assistência em saúde. 4.6 AMPLIADA A PRÁTICA DA CLÍNICA A opinião foi unânime quando questionados acerca da prática da clínica ampliada, pois, de acordo com Cunha (2005) ela é a transformação da atenção individual e coletiva, de forma a possibilitar que outros aspectos do sujeito, não apenas o biológico, possam ser compreendidos e trabalhados pelos profissionais de saúde. 115 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 A implantação do SUS trouxe o desafio de redirecionar as práticas, não somente as de enfermagem, mas as práticas de toda a equipe para o atendimento integral à saúde da população. Assim sendo, concorda-se com Campos (2003) quando o mesmo fala que clínica ampliada é a redefinição ampliada do objeto, do objetivo e dos meios de trabalho da assistência individual, familiar ou a grupos. No entanto, dependem do trabalho em equipe, particularmente da interação interdisciplinar entre as distintas formas de exercício clínico existentes. Frente ao exposto e ainda de acordo com o mesmo autor, percebe-se que tanto no diagnóstico quanto na terapêutica, tomar elementos orgânicos, subjetivos e sociais do processo saúde doença, implica ampliar os meios de trabalho, modificando a escuta, a entrevista, as intervenções, ou seja, uma reversão do modelo assistencial, voltado à prevenção. Reformulando a clínica, tomando não apenas a doença, mas o sujeito enfermo, o biológico, o subjetivo e o social do processo saúde e doença, estendendo as práticas de promoção de saúde e equipes interdisciplinares. Frente ao que foi mencionado, percebe-se a importância da existência do vínculo continuado entre profissionais e pacientes e, de acordo com o autor supracitado, pode ser considerado um recurso terapêutico, o qual conceitua o vínculo como sendo a circulação de afeto entre as pessoas. 4.7 DISTORÇÃO DO VALOR DE USO DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE Os enfermeiros, quando abordados acerca da distorção do valor de uso, no sentido de que ela venha a colocá-los em posição de desprestígio à efetivação do SUS, se comparada às demais profissões de nível superior, acreditam que existe uma distorção, principalmente em nível salarial, mas no geral pensam que isso não os põe em posição de desprestígio. Apesar do desnivelamento salarial existente, percebe-se que os enfermeiros estão bem comprometidos com o sistema em si, pois possuem uma gama de conhecimentos e habilidades técnicas, compromissada com a qualidade de assistência. Desta forma, atuam como agente de mudanças e contribuem para a melhoria dos serviços prestados à população (D’INNOCENZO; ADAMI; CUNHA, 2006). integrantes da equipe de saúde, diferenciados pela natureza específica na contribuição de cada um no processo de trabalho, deve integrar-se para bem realizar os objetivos finais da produção do serviço de saúde. Frente ao exposto, nota-se que na dimensão econômica, isto é, a permuta entre capacidade de trabalho e salário, onde a capacidade de trabalho é entendida como potencial de utilidade, podendo ser designada simplesmente enquanto trabalho e tratada como mercadoria, onde o elemento central a ser considerado diz respeito à notável diferenciação entre as categorias que integram a equipe, em termos da capacidade de ação das parcelas de trabalho que entram na produção do resultado final esperado no processo de atendimento, tem provocado o surgimento de impasses ou situações de difícil superação, envolvendo tanto a questão salarial como outras formas de retribuição do trabalho ou do tempo de serviço (SANTANA, 1993). 4.8 LACUNAS PREENCHIDAS NO SUS A SEREM Pela variedade das respostas, fica evidente a existência de inúmeras lacunas, e o que mais chama a atenção é a questão da intersetorialidade, pois, segundo uma das entrevistadas, não possui no município; dessa forma, concorda-se com Campos (2003) quando o mesmo reconhece ser de suma importância o agir intersetorial, procurando envolver vários organismos da sociedade civil e do Estado na resolução dos problemas de saúde. Outra lacuna existente é a questão da referência e contra-referência, pois, de acordo com os entrevistados, é feita a referência, mas a contra-referência na maioria das vezes não volta e, de acordo com Juliani; Ciampone (1999), “é um dos pontos mais importantes para viabilizar a implantação do SUS, uma vez que é a partir de sua estruturação que o encaminhamento de pacientes aos diversos níveis de atenção torna-se possível” (p. 323). O sistema de referência e contra-referência é a articulação entre os níveis de complexidade. Se este fluxo estiver bem definido pode ocorrer diminuição na demanda dos níveis secundários e terciários, bem como diminuição das internações hospitalares. Conforme falado por uma das enfermeiras, existe culturalmente uma desvalorização da enfermagem, a qual acaba privilegiando algumas profissões, mas sabe-se que o conhecimento em saúde não é monopólio de determinadas categorias profissionais, e que o enfermeiro tem um forte componente de ação transformadora da realidade em que atua. De acordo com Santana (1993), no âmbito do processo de trabalho, no trato das relações entre os 116 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 4.9 AO SUS PROPOSTAS PARA MELHORIA Enf.1 Precisamos registrar mais tudo o que for feito [...] Que as universidades consigam trabalhar seus egressos, com o perfil para o atendimento em saúde coletiva [...] pra conseguir mobilizar a população, no sentido de fazer com que eles sejam co-responsáveis e tenham também uma participação para qualidade e proteção de vida. Enf.2 Na organização, desde o nível central até os municípios e principalmente o cumprimento das leis existentes, uma reformulação se for necessário. Enf.3 [...] aumentar a proximidade das instituições de ensino superior juntamente aos profissionais de saúde [...] É importante também à efetivação dos profissionais no sistema [...] Pensar numa política que valorize os métodos alternativos [...] Pensar numa reforma da lei da responsabilidade fiscal e também mecanismos para financiar as alternativas ou mesmo possibilidades do SUS. Enf.4 [...] que os profissionais trabalhem com dedicação, vendo seu trabalho pelo SUS da mesma forma como se estivesse em uma instituição privada [...] Os profissionais registrarem seus procedimentos [...] Enf.5 [...] mais educação do povo, para entender melhor a proposta do SUS [...] Ter algumas coisas definidas, qual é a função do estado [...] qual é a função dos municípios [...] Enf.6 [...] momentos de participação da comunidade [...] discutir juntos para que as pessoas também se sintam envolvidas [...] Criar critérios de utilização para o uso de medicamentos do SUS [...] Enf.7 [...] padronização de algumas coisas, não de uma maneira engessada, mas de uma maneira que seja contínua [...] A questão da intersetorialidade [...] pra gente defender o ser humano de maneira integral tem que ter os outros setores envolvidos no desenvolvimento de nossas ações [...] Fonte: Weber; Rascovetzki, 2007. Alguns dos profissionais também acham importante uma melhor organização desde o nível central até o municipal, de realmente fazerem se cumprir as leis existentes para, nesta época de municipalização, saber realmente qual é a função do Estado e qual é a função do Município. Neste mesmo questionamento, enfatizam a necessidade dos profissionais enfermeiros registrarem todos os procedimentos realizados, objetivando-se que isso chegue ao conhecimento de gerenciamentos, ou seja, ao poder de decisão, em nível de Estado ou de Ministério, pois, a partir do momento do registro é que se conseguem muitas melhorias, e isso demonstra que determinado procedimento foi feito e foi feito de tal maneira, valorizando o serviço e o sistema. Discorrem acerca de modificações que podem ser feitas para melhorar o sistema, como a padronização de determinados procedimentos e o desenvolvimento de protocolos de serviço, pois se percebe essa diferenciação em cada unidade, mas desejam que seja de uma forma contínua, não engessada. A definição dos perfis profissionais, segundo uma das entrevistadas, também é algo que deva ser definido, pois existem profissionais atuando no sistema, sem perfil para o mesmo. Com isso, torna-se urgente ampliar essa rede de recursos humanos em saúde, agindo enquanto sujeitos nesse processo de transformação das práticas vigentes. Uma das falas que surgiu foi a necessidade de as universidades trabalharem os graduandos com perfil para atuarem em saúde coletiva, como também uma aproximação das instituições de ensino superior aos profissionais que estão atuando, para que estes futuros trabalhadores tenham uma visão mais prática e não fiquem somente na teoria. Pois para Sakai et al. (2001): FIGURA 3: Quadro demonstrativo das alternativas de melhoria ao SUS. [...] o desafio que as universidades enfrentam, na educação dos profissionais de saúde, é o de rever o seu papel na formação dos profissionais de saúde, através de uma mudança nos currículos dos cursos da área da saúde e com um modelo pedagógico que permita ao aluno aprender, seja ético, humano e que seja competente, beneficiando a população (p. 121). No quadro acima, apresentam-se alguns discursos dos enfermeiros no que tange às propostas para melhoria do SUS, levando-se em consideração que o sistema de saúde brasileiro vem sofrendo constantes mudanças desde o século passado, acompanhando as transformações socioculturais, econômicas e políticas. . Várias foram as considerações dos entrevistados no que se referem às alternativas de melhoria no SUS, apesar de muito já ter sido feito, persistem as lacunas. Percebe-se que os mesmos sentem falta de um melhor entendimento da maioria da população, apesar de todos os momentos de conferência oferecidos, existe pouca participação da comunidade; como conseqüência, tem-se um não entendimento da real proposta do SUS. Assim sendo, percebe-se a importância de um modelo pedagógico centrado no aluno, para que ele se torne ativo no processo de ensino-aprendizagem e seja inserido precocemente na realidade. No contexto atual, é fundamental que as universidades estejam preparadas para responder às demandas e exigências da sociedade. Sociedade essa, 117 REVISTA SETREM - Ano VII nº12 Jan/Jun 2008 ISSN 1678-1252 em que a educação ganha novo e fundamental papel, a qual continuará sendo prioridade, preparando o cidadão para o mundo da vida e do trabalho, instigando o profissional a agir crítica e produtivamente nos serviços construindo e descobrindo oportunidades. É hora de trazer a prática universitária, trazer as novas concepções de mundo e sociedade, os novos desafios, revendo os paradigmas do processo de formação, desde os currículos, os planos de estudo, os métodos e técnicas que sustentam a aprendizagem (ZAINKO, 2006). Frente aos dados produzidos, constata-se a existência de várias lacunas, mas o que mais chama a atenção é a questão da referência e contra-referência, parecendo incipiente, pois, na maioria dos casos, os enfermeiros não recebem a contra-referência, sendo que a mesma é um dos pontos mais valiosos para viabilizar a implantação do SUS. Cabe ressaltar também outro objeto de discussão, a intersetorialidade, sendo que a mesma muitas vezes é necessária para prestar um atendimento integral e resolutivo. Cabe ainda ressaltar a importância da intersetorialidade, pois, de acordo com uma das participantes da pesquisa, para dar um atendimento integral é necessário que tenha o envolvimento de outras secretarias; caso contrário, muitas vezes não tem como dar resolutividade ao problema, sabendo-se que o PSF surgiu para a reversão do modelo assistencial. Como propostas para melhoria do SUS, sente-se a necessidade da mudança de cenário, é preciso que haja não apenas reflexões, porém ações concretas para a melhoria na questão do ensino na saúde, que as universidades consigam trabalhar os egressos, abarcando qualidades para trabalharem em saúde coletiva, acompanhando as mudanças que ainda vêm ocorrendo no setor. Como também maior participação da comunidade nos momentos de conferência que são proporcionados e imprescindíveis para que elas se sintam protagonistas da sua história. Frente a estas considerações, é necessário levar em conta que, para atuar nesse cenário, os profissionais precisam estar preparados, ter sensibilidade e conscientização dos problemas da realidade e incorporar no seu dia-a-dia uma perspectiva de trabalho conjunto utilizando outros saberes. 5 CONCLUSÃO Frente aos dados produzidos, pontuam-se as seguintes considerações acerca do processo de trabalho dos enfermeiros, o qual possui como finalidade o bemestar do usuário. E que, além de todo o material específico utilizado, a bagagem intelectual foi considerada o instrumento mais importante à realização do trabalho, percebendo-se o uso das tecnologias leve, leve-dura e dura, objetivando-se a co-responsabilidade por parte do usuário quando se trata dos produtos/resultados esperados. Conseguindo, desta forma, mudar os indicadores de saúde, aplicando realmente uma forma de saúde coletiva. Evidencia-se que o enfermeiro, além de todo atendimento assistencial e educacional, é também responsável pela coordenação das equipes, conseguindo atuar como agente de transformação social na produção de saúde. Principalmente pela realização da clínica ampliada, percebendo-se que no município, apesar das particularidades existentes em cada unidade, existe um trabalho homogêneo, atendendo ao usuário no contexto em que o mesmo se encontra inserido. Apesar da existência de uma pequena distorção no valor de uso, enfatiza-se que isso não os desprestigia em relação à efetivação do SUS, pois como a enfermagem é uma profissão que ainda está conquistando seu espaço, quando o usuário sabe que existem outras formas de atendimento, com certeza estará buscando, na direção de que ela venha dar-lhe resolutividade. Esta pesquisa reafirma a hipótese que se tinha em relação à contribuição do enfermeiro à solidificação do SUS e a tão almejada produção em saúde, que, em muitos casos, ainda segue a antiga forma de medicina previdenciária em certos programas e ações. Como também a não co-responsabilização do usuário na adesão do seu tratamento, que ainda tem um longo caminho a ser percorrido. Pode-se sentir ao final desse o trajeto que, para realizar um trabalho permanente, com vistas à efetivação do SUS, é essencial um profissional enfermeiro sensível, qualificado, cônscio das necessidades de saúde da população, capaz de transformar-se e transformar a realidade pela prática eficiente e responsável, é preciso muito mais do que bases, diretrizes e projetos pedagógicos. É preciso haver um compromisso de toda equipe, envolver todos os atores neste processo como sujeitos protagonistas de ações e mudanças. REFERÊNCIAS BERNARDINO, E.; OLIVEIRA, E.; CIAMPONE, M. H. T. 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