13º ENCONTRO DE JURISTAS DOS
BANCOS CENTRAIS DOS PAÍSES DE
LÍNGUA PORTUGUESA
O Segredo Bancário – Flexibilidade
Versus Direito Fiscal
Praia, 23-24 de Setembro de 2010
Carla Monteiro
O segredo bancário – Flexibilidade versus Direito Fiscal
I – Introdução
 Esta exposição pretende analisar a questão do sigilo bancário sob
o enfoque do seu afastamento perante poder de inspecção e
fiscalização da Administração Fiscal , e à luz dos preceitos
constitucionais.
 Vale dizer, em consonância com o anseio nacional de construção
de uma sociedade justa e solidária, tal como expresso na
Constituição da República de Cabo Verde (CRCV), tendo por
núcleo os impostergáveis princípios da dignidade humana, da
igualdade e da capacidade contributiva.
 As implicações do tema são variadas, de modo que o presente
trabalho tem como escopo analisar a necessidade ou não de
autorização judicial para o afastamento do dever de sigilo
bancário perante o poder da Administração Fiscal.
O segredo bancário – Flexibilidade versus Direito Fiscal
II – Conceito
 Genericamente o Sigilo Bancário, corresponde à
obrigação imposta às instituições financeiras de
conservar segredo em suas operações activas e
passivas e serviços prestados.
 A doutrina acentua que se trata de um concreto
dever de conduta, de conteúdo negativo por parte
da instituição financeira: abster-se de revelar a
terceiros factos captados por ela no exercício de sua
peculiar actividade.
O segredo bancário – Flexibilidade versus Direito Fiscal
 Em vários países, designadamente no Brasil e
Portugal, a doutrina, com reflexos na jurisprudência
dos Tribunais Superiores, passou a vincular o
instituto em questão com a previsão constitucional
de resguardo da intimidade e da vida privada e com
sujeição de sua quebra à prévia ordem judicial.
O segredo bancário – Flexibilidade versus Direito Fiscal
III – Âmbito
O tema pode ser tratado em duas dimensões distintas:
 A primeira, de cunho essencialmente civilístico,
correspondente às origens históricas do instituto,
envolvendo as questões resultantes do resguardo da
situação patrimonial dos clientes em face da própria
instituição financeira e dos demais indivíduos, em especial
os seus familiares, representantes, sócios e sucessores.
 A segunda, de cunho publicista, significou uma atenuação
dos rigores da primeira, admitindo-se um regime especial
quando as informações bancárias interessarem ao Estado,
sobretudo ao Poder Judiciário e à Administração Fiscal.
O segredo bancário – Flexibilidade versus Direito Fiscal
 Ora, um pouco por todo o mundo, nota-se uma
firme tendência no sentido de ser deferido a órgãos
administrativos o poder de quebra do sigilo bancário
sempre que necessário às investigações criminais,
financeiras ou fiscais e inexistirem outros meios
menos gravosos.
O segredo bancário – Flexibilidade versus Direito Fiscal
 É tendência afirmar-se hoje que o carácter absoluto
do sigilo bancário somente vigora nos chamados
paraísos fiscais e hoje em dia pode-se afirmar que o
dever de sigilo bancário “está progressivamente
cedendo terreno ao dever de informar perante
interesses e valores sociais considerados mais
relevantes”, designadamente no âmbito do combate
ao branqueamento de capitais e ao financiamento
do terrorismo, ao tráfico de drogas, ao crime
organizado, à evasão fiscal, de entre outros.
O segredo bancário – Flexibilidade versus Direito Fiscal
IV - O Direito à Intimidade e à Vida Privada
 Cabe, de início, conceituar os termos privacidade e vida
privada, ressaltando-se que a doutrina faz a distinção
entre ambos, havendo, no entanto, estudiosos que
entendem que tais institutos se confundem.
 Salienta-se que “vida privada” é conceito que deve ser
entendido em oposição à “vida pública”, da qual todos
podem tomar conhecimento ou participar.
 O Direito à vida privada é o direito de manter o acesso a
esta vida social restrito aos grupos e pessoas que dela
fazem parte, por seu turno o Direito à intimidade é o
direito que permite subtrair-se a personalidade de
alguém, de maneira física ou psíquica, da exposição em
relação à esfera da vida pública e à esfera da vida
privada.
O segredo bancário – Flexibilidade versus Direito Fiscal
 Desta forma, intimidade seria tudo aquilo dentro da vida
privada que não pode ser compartilhado por um grupo,
mesmo que este faça parte da vida privada do cidadão, se
não for do seu desejo, pois é algo que diz respeito aos
seus sentimentos, convicções e personalidade, é aquela
esfera interna, íntima, que o indivíduo prefere ocultar e
guardar para si.
 Em vários países, tais considerações a respeito dos
conceitos de vida privada e intimidade ganham relevância
com a concepção de que o sigilo bancário, encontra o seu
fundamento nos direitos da personalidade (dignidade da
pessoa humana) como uma manifestação do resguardo do
direito à intimidade dos indivíduos.
O segredo bancário – Flexibilidade versus Direito Fiscal
 Entretanto, ainda que enquadrável o sigilo bancário
no âmbito do resguardo do direito à intimidade, terse-ia que distinguir entre as informações afectas ao
círculo pessoal e familiar do indivíduo e aquelas
outras decorrentes das suas relações com terceiros por sinal, comummente mais numerosas - que não
guardassem conexão com aquela esfera nuclear do
ser humano.
 Deve-se admitir o risco de uma ingerência indirecta
ou reflexa no âmbito da vida privada, quando da
quebra do sigilo bancário.
O segredo bancário – Flexibilidade versus Direito Fiscal
 Apesar dos funcionários públicos estarem obrigados,
por lei, à manutenção do sigilo das informações
obtidas no exercício da função, o que inibiria o risco
de a informação vir a tornar-se inteiramente pública,
é preciso considerar que determinados contribuintes
têm o dever de declarar os seus rendimentos e
pagamentos ao Fisco.
 Por força do sigilo fiscal a que estão submetidas as
autoridades fiscais, se as informações bancárias
reservadas são licitamente acessíveis pelo
profissional do Fisco, esta pessoa, por sua vez, está
obrigada a manter as informações obtidas dentro da
esfera à qual teve acesso, sob pena de
responsabilidade disciplinar e penal.
O segredo bancário – Flexibilidade versus Direito Fiscal
 O instituto do sigilo bancário protege,
indistintamente, tanto as movimentações financeiras
das pessoas singulares como das pessoas colectivas.
 Em outras palavras, se já não é fácil estabelecer
uma constante vinculação entre qualquer
movimentação bancária promovida pelos indivíduos
com a noção de dignidade da pessoa humana, esta
correspondência se torna ainda mais difícil quando
se tratar de pessoa colectiva.
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V - O Sigilo Bancário e o Conflito de Interesses
 É importante salientar que os princípios
constitucionais não podem e não devem ser
interpretados de forma absoluta e isolada, sob pena
de confrontar, no caso concreto, outros princípios
constitucionais.
O segredo bancário – Flexibilidade versus Direito Fiscal
 A construção de uma sociedade justa e solidária
constitui um dos objectivos fundamentais da
República (nº3 do artigo 1º da CRCV), tendo esta
como um dos seus fundamentos a dignidade da
pessoa humana (n.º 1, do artigo 1º da CRCV)
cumprindo, pois, congregar todos os esforços com
vistas promover o bem - estar e a qualidade de vida
do povo cabo-verdiano, designadamente dos mais
carenciados, e remover progressivamente os
obstáculos de natureza económica, social, cultural e
política que impedem a real igualdade de
oportunidades entre os cidadãos (alínea e) do artigo
7º da CRCV).
O segredo bancário – Flexibilidade versus Direito Fiscal
 Nos Estados actuais, na sua maioria não
patrimoniais - cujos bens susceptíveis de produção
de rendimentos na sua titularidade são muito
limitados, levando a uma redução de receitas
patrimoniais – o dinheiro há de ser obtido, em larga
medida, pela via dos impostos.
 Estes impostos constituem receitas públicas do
Estado.
 No âmbito das suas atribuições, o Estado necessita
de realizar despesas públicas. Tais despesas são
satisfeitas através das receitas públicas.
O segredo bancário – Flexibilidade versus Direito Fiscal
 Há quem defende que em tais Estados, o princípio
da capacidade contributiva assume grande
relevância, o qual, diante do direito à intimidade e à
vida privada, decorrente do princípio constitucional
da dignidade da pessoa humana e, frente à questão
do sigilo bancário, poderá levar a uma colisão entre
princípios, em que o segundo deve ceder diante do
primeiro, com base na prevalência do interesse
público sobre o privado.
 Entretanto, o facto de determinado princípio ceder a
outro não significa que se torne inválido.
O segredo bancário – Flexibilidade versus Direito Fiscal
 Em estreito vínculo com o método da ponderação
dos interesses assume importância o princípio da
proporcionalidade ou da razoabilidade como um
parâmetro de valoração dos actos do Poder Público,
levando-se em conta não só os motivos
(circunstâncias de facto), os meios e os fins.
 Para alguns autores, à luz do princípio constitucional
da capacidade contributiva, a inviabilização do
acesso directo do Fisco às informações bancárias
dos contribuintes, constitui mecanismo perpetuador
e fomentador de um sistema tributário injusto e, em
última análise, do quadro de desigualdade social.
O segredo bancário – Flexibilidade versus Direito Fiscal
 Segundo eles, chegaria a ser trágico conceber, em
um mundo globalizado de milhões de transacções
financeiras diárias, tivesse o agente fiscal de, a cada
diligência, obter uma prévia autorização judicial para
levantar informações sobre a movimentação de
recursos por parte do contribuinte. O controlo
judicial há de ser concomitante ou posterior à
efectivação da medida, transferindo-se ao
contribuinte o ónus de demonstrar a sua cabal
desnecessidade ou mesmo o carácter abusivo do ato
administrativo.
O segredo bancário – Flexibilidade versus Direito Fiscal
 Afirmam ainda, que exigir que a Administração Fiscal
exponha ao Judiciário, previamente, a necessidade da
medida, redunda na sua desnaturação e ineficácia, eis
que, no mais das vezes, em função da dinâmica das
relações económicas, as próprias informações bancárias
constituirão os indícios da evasão fiscal, pelo que não teria
a Administração como apontar ao Judiciário,
objectivamente, as suspeitas que recairiam sobre
determinado contribuinte.

Segundo eles, não tivesse a administração a faculdade
de identificar o património, os rendimentos e as
actividades económicas do contribuinte, não poderia
tributar, a não ser na medida em que os contribuintes,
espontaneamente, declarassem ao Fisco os factos
tributáveis.
O segredo bancário – Flexibilidade versus Direito Fiscal
 Concluem que não haveria propriamente quebra do
sigilo bancário dos contribuintes pelo Fisco e sim
mera subsunção das informações bancárias ao
âmbito maior do sigilo fiscal ao qual estão
vinculados os agentes públicos.
 Não se pode esquecer que o fiscal do imposto,
dentre outras atribuições, detém a competência
legal para examinar as declarações entregues pelos
contribuintes, sejam estes pessoas singulares ou
colectivas.
O segredo bancário – Flexibilidade versus Direito Fiscal
 Ao examinar as declarações do Imposto Único Sobre os
Rendimentos das pessoas singulares por exemplo, o fiscal
toma conhecimento de inúmeras informações que dizem
respeito à intimidade e à vida privada do cidadão.
O Que acontece na realidade?
 O fiscal, no exercício das suas atribuições, seja analisando
uma declaração de imposto de pessoa singular ou
colectiva, seja fiscalizando determinado contribuinte,
navega de forma contundente pela intimidade e pela vida
privada do cidadão ou da empresa, devendo guardar o
sigilo fiscal, sob pena de responsabilidade funcional e
penal, de tal forma que o sigilo bancário, parece restar
amparado por um sigilo maior e mais abrangente, que é
o sigilo fiscal.
O segredo bancário – Flexibilidade versus Direito Fiscal
VI - A realidade Caboverdiana
 Em Cabo Verde, a Lei n.º 3/V/96, de 1 de Julho
regula a constituição, o funcionamento e a
actividade das instituições de crédito e
parabancárias
 Ao contrário de muitos países, o dever de sigilo é
sucintamente tratado. Assim, os artigos 39º, 40º e
80º.
O segredo bancário – Flexibilidade versus Direito Fiscal
Com efeito dispõe o artigo 39º:
1. “As instituições de crédito e parabancárias e as sucursais de
instituições com sede no estrangeiro, os respectivos titulares dos
órgãos sociais, gerentes, directores, mandatários e empregados,
bem como outras pessoas que, a título permanente ou ocasional,
lhes prestem serviços directamente ou através de outrem, não
podem revelar nem utilizar informações sobre factos ou
elementos respeitantes ao funcionamento ou às relações da
instituição ou sucursal com os seus clientes, cujo conhecimento
lhes advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos
seus serviços.
O segredo bancário – Flexibilidade versus Direito Fiscal
2. Estão, designadamente, sujeitos ao dever de sigilo os nomes dos
clientes, as contas de depósito e seus movimentos e as demais
operações bancárias, financeiras ou cambiais.
3. O dever de sigilo não se extingue com a cessação das funções ou
da prestação de serviços.”
O segredo bancário – Flexibilidade versus Direito Fiscal
 Contudo, o artigo 40º prevê as situações em que o
sigilo bancário poderá ser afastado:
a)
Com autorização do cliente, quando respeitem às relações com
este;
b) Com autorização da instituição ou da sucursal, quando respeitem
exclusivamente ao funcionamento das mesmas;
c) Ao Banco de Cabo Verde, no âmbito das suas atribuições;
d) Nos termos da lei penal e processo penal; e
e) Nos termos de outra disposição legal que expressamente o
permita.
O segredo bancário – Flexibilidade versus Direito Fiscal
 Como o direito ao segredo é um direito disponível e
renunciável, desde que o cliente autorize a revelação de
factos ou elementos das suas relações com as instituições,
o sigilo bancário é afastado.
 O mesmo acontece com as instituições, desde que
devidamente representadas para o efeito. Porém, quando
esses factos ou elementos se referirem também às
relações do cliente com a instituição, é necessária a
autorização de ambos.
 Por seu turno, nos termos do seu poder de supervisão, o
Banco de Cabo Verde poderá solicitar às instituições
financeiras informações indispensáveis.
O segredo bancário – Flexibilidade versus Direito Fiscal
Incumprimento do dever de Sigilo – Artigo 80º
da Lei
 O incumprimento do dever de sigilo, constitui crime
de violação da segredo profissional, punível nos
termos do artigo 192º do Código Penal caboverdiano.
 Esta violação é também passível de responsabilidade
civil e disciplinar.
O segredo bancário – Flexibilidade versus Direito Fiscal
 Em cabo verde não hão dever genérico de
colaboração, que se imponha directamente às
instituições financeiras com quebra de sigilo.
Conflito
 Nos termos do nº 1 do artigo151º do Decreto – lei nº
19/93, de 29 de Março, que aprovou o Código do Processo
Tributário, sob a epígrafe “Formalidades da penhora de
dinheiro ou valores depositados”:
“A penhora de dinheiro ou de outros valores depositados
será precedida de informação do escrivão sobre a
identidade do depositário, a quantia ou os objectos
depositados e o valor presumível deles.”
O segredo bancário – Flexibilidade versus Direito Fiscal
 Pergunta-se:
 Perante este articulado não estamos perante uma situação
de conflito?
 Geralmente os bancos têm alegado o dever de sigilo
bancário para não prestar aquelas informações.
 A Administração Fiscal teve que adoptar uma outra
postura para proceder à penhora de contas bancárias,
percorrendo um caminho moroso e muitas vezes arriscado
e até ameaçador das garantias dos contribuintes.
O segredo bancário – Flexibilidade versus Direito Fiscal
VII - Conclusões
 O sigilo bancário em Cabo Verde tem sido enquadrado
como expressão do sigilo profissional, cuja violação
implica sanções penais e disciplinares, para além da
responsabilidade civil, nos termos da legislação em vigor,
devendo estar sujeito à reserva de jurisdição, de modo
que a requisição de informações financeiras e bancárias
não pode ser feita directamente pela autoridade tributária,
devendo ser sempre precedida de autorização judicial
 Em Cabo Verde não hão dever genérico de colaboração,
que se imponha directamente às instituições financeiras
com quebra de sigilo
O segredo bancário – Flexibilidade versus Direito Fiscal
 A necessidade de autorização judicial para a quebra
do sigilo bancário se depara com o problema da
morosidade das decisões judiciais que poderá
implicar em prejuízos à efectividade e eficiência da
fiscalização tributária.
 Todo o funcionário da Administração Fiscal que tiver
acesso às informações financeiras e/ou bancárias do
contribuinte está obrigado por lei a resguardá-las
em função do sigilo fiscal a que estão submetidas as
autoridades tributárias, sob pena de
responsabilidade penal, disciplinar e civil.
 O segredo bancário – Flexibilidade versus Direito Fiscal
FIM
OBRIGADA!
CARLA MONTEIRO
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