Como noticiado, publica-se uma crónica extraída da revista História, de Janeiro de 2007, após
autorização da revista e do próprio autor. Segue-se a reprodução dos comentários trocados
com o cronista.
Resposta do Presidente à crónica (17/01/07)
Contra-resposta do cronista (17/01/07)
Troca de correspondência - Prof. JBM para Prof. AMH (17/01/07)
Troca de correspondência - Prof. AMH para Prof. JBM e para [email protected] (23/01/07)
Troca de correspondência - Prof. JBM para Prof. AMH (23/01/07)
Na última reunião de historiadores que teve lugar no dia 25 de Janeiro foi dado conta da
publicação desta crónica no blogue, tendo muitos dos presentes considerado útil o debate sobre
ela e alguns mostrado vontade em esclarecer as várias leituras possíveis da mesma. Os
comentários podem ser dirigidos ao Comité Editorial ou para [email protected]
CRÓNICA
“Portugal e as infra-estruturas da investigação pós-colonial”
António Manuel Hespanha
Historiador
Acaba de se realizar em Luanda o IX Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências
Sociais (28-30-11). Como de costume, cobriu uma vastíssima área de saberes, no
domínio das ciências sociais e humanas e reuniu um corpo muito importante de
especialistas.
Na mesma altura em que este Congresso se realizava, estava eu a tentar elaborar uma
pequena lista de instituições portuguesas que pudessem ser classificadas como infraestruturas de investigação na área das ciências sociais e humanas e que pudessem ser
inseridas no Roadmap for Research Institutions (CORDIS-ESFRI) que visa listar as
“infra-estruturas da Investigação de interesse pan-europeu”.
Não creio que Portugal tenha muito para dar neste domínio, fora aquilo que se relacione
com o seu contributo para a história do mundo, onde dispomos de uma constelação de
instituições que são repositórios de dados e de tradições de saber de interesse mundial.
A Torre do Tombo e o Instituto de Investigação Científica e Tropical são os principais.
Mas poderíamos acrescentar mais alguns. Curiosamente, nenhuma destas instituições
tinha uma visibilidade própria no site do Congresso a que me referi; nem, salvo erro
meu, o Congresso foi referido nos sites de nenhuma delas.
Tratando-se de um evento que privilegia a África e o Brasil, é sobretudo de estranhar o
alheamento do IICT que, no seu site, nem nos links “Notícias”, “Eventos” ou mesmo na
“Agenda do Presidente” (bizarro …), inclui qualquer referência ao Congresso. Este é
mais um sinal do sustentado fracasso do IICT no período pós-colonial. Herdeiro de uma
tradição centenária de investigação tropical, depositário de um acervo ímpar, o Instituto
não soube ainda encontrar uma linha de rumo. Sobretudo, uma linha de rumo que
produza – não apenas declarações de intenções, projectos e bravatas (além de um
blogue, interessante sob vários pontos de vista, mas irrelevante para a avaliação
académica da Instituição) -, mas produtos concretos, palpáveis e sistemáticos,
nomeadamente daqueles que, conforme o voto de uma representante da UNESCO,
visita recente do IICT, acelerem o processo de disponibilização dos dados do AHU.
Porém, aquilo que o IICT deveria globalmente convergir era um projecto académico
correspondente aos da SOAS, ou da constelação de Centros de estudos pós coloniais de
uma universidade como, v.g., a de Leyden, ou para a vibração académica gerada em
torno de arquivos das Companhias coloniais holandesas. As oportunidades listadas no
IICT Self-Evaluation Report de 24 January, 2006, ficam muito aquém disto,
nomeadamente por restringirem as suas ambições a temática e nível lusófonos e,
sobretudo, por não destacarem suficientemente a componente académica e de
investigação de divulgação do acervo. Claro que os arquivos devem estar organizados e
disponíveis (e o AHU não está, como todos sabem); isso é o trabalho dos arquivistas, de
acordo com as grelhas autónomas da sua ciência, doutrina há muito fixada pelo CIA.
Mas, sobre esta documentação, há trabalho científico a fazer, a partir das grelhas
próprias de questionamento histórico; e este é o trabalho dos historiadores. Por sua vez,
as obras de história esclarecem o presente e ajudam a traçar políticas; este é o trabalho
dos especialistas nas questões do desenvolvimento, etc..
Ademais, uma grande Instituição não se recompõe ou se constrói no clima de crispação,
de atomismo e transitoriedade programáticos que transparece da sua página web e da
prolixa informação aí disponível; muita da qual tem um carácter cenográfico demasiado
perceptível e outra é daquela que, nas mansões com pergaminhos, se lava dentro de
casa. A tão apregoada cultura da centralidade e avaliação da excelência também
abrangem estas questões de modelos de convivialidade humana e, até, de aparência
pública. Embora estes detalhes da face não nos devam fazer perder de vista que a
doença está na cabeça e vai corroendo o corpo todo”.
Resposta do Presidente à crónica (17/01/07)
Caro colega
Graças a uma bolseira diligente, descobri ontem a insinuante crónica sobre “infraestruturas da investigação pós-colonial” que publicou na revista História.
Nem lhe conhecia interesse pelo que chamo a pertença lusófona que os portugueses
partilham com sete outros países nem a consulta perfunctória que fiz a
www.hespanha.net sugeriu mais do que o “wishful thinking” já patente nas siglas de
supostos modelos para o laboratório de estado cujo sítio ajudou a divulgar, o que é
óptimo.
A esse respeito irá aparecer em www.iict.pt uma notícia a comentar as suas sentenças
sobre o que deveriam ser os arquivistas, historiadores e “especialistas nas questões de
desenvolvimento,etc...” que trabalham no IICT. Para facilitar a desejável ligação dessa
notícia ao blogue “história lusófona” onde foi comentado o congresso que serviu de
pretexto à sua crónica, pedi ao respectivo comité editorial para considerar a reprodução
do artigo e dos comentários, incluíndo esta proposta de diálogo e sua eventual resposta.
A sugestão foi prontamente aceite.
Creio que a transparência institucional é a maneira mais eficiente e justa de prestar
contas ao contribuinte que nos suporta, além de reflectir a “convivialidade humana” que
apregoa no seu texto, logo antes da frase final.
Eu invoco estes mesmos valores para opinar que devia ter cortado a referência mórbida
com que termina a crónica.
Também envio esta mensagem ao director-adjunto da revista História, que, por outra
razão, enviou uma cópia à minha atenção.
Saudações académicas
Contra-resposta do cronista (17/01/07)
Caro Colega.
É, de facto, uma preocupação minha de há bastante tempo divulgar as
virtualidades do Instituto que o Colega dirige, cujas actividades já
financiei quando fui Presidente da Comissão dos Descobrimentos, e de
que me ocupei enquanto membro de uma comissão consultiva para a
reforma do mesmo, nomeada pelo Ministro Mariano Gago, no governo de
António Guterres. Como historiador e académico, não posso deixar de
lamentar o estado de relativa paralisia em que, na minha opinião, o
IICT permanece.
Por uma questão de política científica, como explicava no início da
minha crónica na História, e porque, embora o Colega –
compreensivelmente, porque não é da área - não o tenha notado, de há
muito me dedico a temas de história político-institucional colonial,
sobre os quais tenho um livro e vários artigos publicados, quase todos
no estrangeiro (China, Itália, França, Brasil) e felizmente com boa
aceitação. Para além de ter orientado dissertações de doutoramento e
participado, como arguente, em vários júris de história do ultramar.
Embora saiba que o IICT é mais do que arquivo histórico e labor de
historiadores, acho que tenho a legitimidade curricular suficiente
para opinar sobre o assunto. Ou, pelo menos, e como diz o povo, na
especialidade "peço meças" ...
Naturalmente que não tenho nada a opor quanto à inclusão do meu texto,
bem como destas linhas, no blogue a que se refere, até porque já me
sentia um pouco fora de época por nunca ter participado nestas
inovações comunicativas, agora – ao que vejo – em emergência também no
mundo académico. Se necessário for, e a minha preparação mo permitir,
voltarei a intervir, não para ditar sentenças, mas para propor ideias,
nomeadamente sobre as funções dos historiadores e dos arquivistas,
pois ambos os campos têm sido objecto da minha atenção, em virtude de
compromissos académicos e de tarefas de serviço público a que tenho
sido chamado.
Para terminar. Vejo que não gostou da frase final que, admito, pode
ter leituras várias. Se a integrar na lógica do artigo, onde destaco
aquilo que me parece ser uma falta de estratégia global para o
Instituto, a qual irá corroer e diminuir qualquer iniciativa parcelar,
creio que não lhe dará a conotação mórbida a que se refere. Claro que
uma estratégia global tem a ver com a orientação da política
científica; e, nessa medida, não se enganou se entendeu a frase como
uma crítica forte à direcção do Instituto desde, pelo menos, há uns
dez anos.
Logo que receber do Director da revista História a nota da recepção do
seu texto, não deixarei de preparar uma resposta adequada a esse
auditório mais alargado.
Grato pela sua atenção e esperando - como o Colega - que desta
discussão possa resultar uma maior atenção pública ao IICT e à sua
vida científica, que me interessa mais do que o seu website, envio-lhe
as minhas
Saudações académicas.
AMH
Troca de correspondência - Prof. JBM para Prof. AMH (17/01/07)
Obrigado pela resposta pronta que vou então publicar convidando o
colega a visitar o IICT eventualmente para um encontro/seminário com
as pessoas que mais lhe interessarem.
Se não temesse ser invasivo dava-lhe já umas datas possíveis para a
sua visita, mas se aceitar o princípio de vir à zona ribeirinha
concretize por favor se assim o entendesse, também me poderia enviar
um portfolio dos papers a que alude os quais, como disse, não
encontrei acessíveis na minha perfunctória visita à sua página.
reitero o interesse do IICT e meu na transparência institucional e na
convivialidade humana, as quais poderão servir de base a um diálogo
frutuoso com a academia - e com o colega.
Troca de correspondência Prof. AMH para Prof. JBM e para [email protected] (23/01/07)
Senhor Presidente do IICT
Fiquei, apesar de tudo, admirado pela forma como entende estar
cumprido aquilo que prometia nos seus e-mails de 17 p.p. (“a reprodução do
artigo e dos comentários” [...]) e não havendo sequer sinais de cumprimento de
outras promessas de publicação (“incluindo – prometia num segundo e-mail
mais melífluo - esta proposta de diálogo e sua eventual resposta”), o que
confirma muito do que se diz sobre as regras deontológicas e editoriais que
cultiva. Transfiro, por isso, as minhas intervenções para um espaço onde a
ética do diálogo seja observada, deixando-o a falar consigo mesmo e com
quem mais entender no blogue do Instituto. Nem sequer respondo às inócuas
observações que alguns Colegas aí me dirigem, pois entendo a delicadeza da
posição em que estão, além de que a alguns deles me ligam relações de
amizade mais ou menos antiga. As minhas críticas dirigiam-se à Direcção e
não aos funcionários do IICT. A ela cabe responder directamente e não por
interpostas (e subordinadas) pessoas.
Quanto ao envio do meu CV na área, creio que uma instituição de
investigação colonial, deve ter meios próprios de saber o que se publica nessa
área, bem como quem dirige teses e faz parte de júris de mestrado e
doutoramento sobre os temas a ela relativos. Pode recorrer de novo aos
funcionários ...
Sugiro-lhe que nunca se esqueça que não sou seu subordinado e que,
por isso, é muito difícil calar ou condicionar as minhas opiniões e a sua
publicação ou filtrá-las segundo as suas conveniências. As regras de jogo de
eventual seguimento desta troca de opiniões não vão ser doravante, pelo que
me diz respeito, as suas, mas as minhas.
Muita saúde.
AMH
Troca de correspondência - Prof. JBM para Prof. AMH (23/01/07)
Sem perceber porque não respondeu ao convite que enderecei para
visitar o IICT e mudou a forma de tratamento, informo que aguardo uma
reunião de investigadores sobre o seu texto.
As reacções anteriores vieram como estava claro das chefias referidas
na sua crónica e não constam do blogue que tem regras de publicação
mas sim das notícias.
Quando definir as suas regras de jogo veremos se diferem; para já
atenho-me à sua resposta anterior.
Saudações académicas
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Crónica extraída da revista "História"