UPM – UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE ÂNGELA MARIA MENDES ESCOLA E CULTURA: VISÕES DE ALUNOS DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS SÃO PAULO 2013 ÂNGELA MARIA MENDES ESCOLA E CULTURA: VISÕES DE ALUNOS DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS Dissertação apresentada à Banca da Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de mestre do curso Educação, Arte e História da Cultura, sob a orientação da Profa. Dra. Regina Maria Simões Puccinelli Tancredi. SÃO PAULO 2013 M538e Mendes, Ângela Maria Escola e cultura: visão de alunos da educação de jovens e de adultos. / Ângela Maria Mendes. – 2013. 145 f.; 30 cm Dissertação (Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2013. Orientador: Dra. Regina Maria Simőes Puccinelli Tancredi Bibliografia: f. 123 - 124 1. EJA 2. Escola 3. Espaço Cultural. I. Título CDD 374.012 FOLHA DE APROVAÇÃO BANCA EXAMINADORA -----------------------------------------------------------------Profa. Dra. Regina Maria Simões Puccinelli Tancredi -------------------------------------------------Profa. Dra. Ingrid Hötte Ambrogi --------------------------------------------------Profa. Dra. Maria Dalva da Silva Pagotto SÂO PAULO 2013 DEDICATÓRIA A Olorum, que me deu vida para que eu possa ter e realizar sonhos. A Nossa Senhora, Senhor Cachoeira e a todas as energias positivas que nos incentivam para continuarmos a caminhada terrena. À Maria Aparecida Pereira Mendes, que possibilitou que eu nascesse e sempre alimenta os meus sonhos. Às minhas irmãs, Sueli e Clires, que, cuidando da minha mãe, proporcionaram os meus estudos e a conclusão desta etapa. A Yá Lourdes que me incentivou e me segurou para que não caísse no abismo. AGRADECIMENTOS À minha Professora e Orientadora Regina Maria Simões Puccinelli Tancredi. Ao Francisco que mesmo quando faz silêncio consegue me ensinar muitas coisas e serve de inspiração para manter o equilíbrio entre prosa e verso: sonho e realidade. À adversidade da vida, que permitiu a luta mesmo sem saber por onde caminhava. A Paulo Freire, pois o meu encanto pela educação se concretizou à medida que lia seus livros e sonhava com a utopia de ver um mundo melhor para mim, para minha família e para as pessoas da minha classe. Aos meus alunos, que gentilmente responderam aos questionários e possibilitaram, assim, que a pesquisa tivesse corpo, bem como a todos os alunos com quem tive oportunidade de conviver e que me tornaram uma pessoa diferente, mais sensível diante das realidades da vida. A Gestão Escolar da escola São José que permitiu que eu pudesse conversar com os alunos. Aos amigos e as amigas que sabendo das dificuldades não deixaram de me dar apoio. A todas pessoas especiais que trabalham na Universidade que me ajudaram com dedicação e competência no encaminhamento de documentos para a conclusão do curso. Coisas simples. Paulo Freire acredita que o dado fundamental das relações de todas as coisas no mundo é diálogo. O diálogo é o sentimento do amor tornado ação. As trocas entre o homem e a natureza são originalmente regidas pelo diálogo. BRANDÃO, 2005:103 RESUMO O objetivo da pesquisa foi verificar a relação estabelecida pelos estudantes da Educação de Jovens e Adultos (EJA), entre escola e espaço cultural. O estudo foi desenvolvido com 90 alunos da Etapa Final da EJA do Ciclo Fundamental II, do período noturno, de uma escola pública da cidade de São Paulo. Para consultar os estudantes, utilizou-se um questionário. As questões foram divididas em blocos e serviram para: a) caracterizar os alunos e seu percurso escolar; b) perceber a relação que eles estabelecem entre escola e espaço cultural; c) conhecer sua aprendizagem dentro e fora da escola, d) identificar as expectativas dos alunos em relação à escola e ao trabalho. O referencial teórico abordou: a educação e a cultura e como elas se relacionam ao se tratar da escola (educação formal) e espaço cultural (educação não formal). Por isso, recorreu-se aos conceitos de educação formal, educação não formal e educação informal a partir das ideias de Gohn (2008/2010), Libâneo (2011), Trilla (2008). Também utilizou–se as ideias de Chauí (2010) e Coelho (2006) para entender cultura, e as ideias de Moreira (2008) e Freire (2001) para refletir sobre currículo.Destacam-se alguns resultados da pesquisa: a) o número de jovens na EJA aumentou e o de adultos diminuiu; b) os alunos reconhecem a importância do ensino escolar e percebem que existe um saber fora da escola; c) o acesso à produção cultural para alguns alunos não existiria sem a ação da escola; d) a necessidade de promover a permanência dos estudantes da EJA na escola e intensificar sua participação em espaços de cultura. Considera-se necessário ampliar a ação da escola e do espaço cultural como locais de divulgação de conhecimentos distintos voltados para a formação de indivíduos que agem sobre e no mundo. Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos, Papel da Escola e do Espaço cultural, Relação Escola e Espaço Cultural. RESUMEN El objetivo de esta investigación fue comprobar la relación establecida por los estudiantes de la Educación de Jóvenes y Adultos (EJA), entre la escuela y el espacio cultural. El estudio se lleró a cabo con 90 estudiantes de la EJA Ciclo Fundamental II, el período nocturno, de una ciudad de São Paulo. Para ver los estudiantes se utilizó un cuestionario. Las preguntas se dividen en bloques y sirvó para: a) caracterizar los estudiantes y su escuela; b) comprensión de la relación que se establece entre la escuela y espacio cultural; c) conocer su aprendizaje dentro y fuera de la escuela; d) identificar las expectativas de los estudiantes en relación a la escuela y al trabajo. El marco teórico discutido: con la educación y la cultura y cómo se relacionan con el caso de la escuela (educación formal) e incluso hay programas de cultural (educación no formal). Por esta razón, han recurrido-se a los conceptos de educación informal de las ideas de Gohn (2008/2010), Libâneo (2011) y Trilla (2008). También se utizaba las ideas de Chauí (2010) y Coelho (2006) para entender la cultura y a las ideas de Moreira (2008) a fin de reflexionar sobre el plan de estudios. Es de destacar algunos de los resultados de la búsqueda: a) el número de los jóvenes en la educación de adultos aumentó y disminuyó adulto; b) los estudiantes reconocen la importancia de la educación formal y se dan cuenta de que hay un conocimiento fuera de la escuela; c) el acceso a la producción cultural para algunos estudiantes no podrían existir sin la acción de la escuela; d) la necesidad de promover la retención de los estudiantes de la EJA en la escuela e intensifiquen su participación en los espacios de la cultura. Se ha considerado necesario ampliar en la acción de la escuela y del espacio cultural como lugares de difusión de los conocimientos que enfrenta la formación de la personas que actúan en y el mundo. Palabras-Clave: Educación de Jóvenes y Adultos, El Papel de la Escuela y del Espacio Cultural, Relación entre la Escuela y Espacio Cultural. LISTA DE FIGURAS FIGURA 1......................................................................................................... 20 FIGURA 2 ........................................................................................................ 22 FIGURA 3......................................................................................................... 23 FIGURA 4 ........................................................................................................ 25 LISTA DE TABELAS TABELA 1 .................................................................................................................... 30 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 - Faixa etária dos participantes.................................................... 67 Gráfico 2 - Número de pessoas que moram com os participantes ............. 70 Gráfico 3 - Motivos que levaram os participantes da pesquisa a abandonar a escola................................................................... 71 Gráfico 4 - Tempo (em anos) que os participantes ficaram fora da escola 73 Gráfico 5 - Motivos apontados pelos participantes para o retorno à escola......................................................................................... 73 Gráfico 6 - Tempo que os respondentes estudam na escola São José..... 74 Gráfico 7 - Cursos realizados fora da escola.............................................. 75 Gráfico 8 - Atividades culturais apreciadas pelos alunos .......................... 76 Gráfico 9 - As atividades culturais aumentam o conhecimento dos alunos 77 Gráfico 10 - Locais onde a aprendizagem ocorre ...................................... 78 Gráfico 11 - O aproveitamento dos conhecimentos dos alunos pela escola ...................................................................................... 79 Gráfico 12 - Projetos da escola de que os alunos participaram ................. 80 Gráfico 13 - Relação entre o que se aprende na escola e nos centros de Cultura.................................................................................... 83 Gráfico 14 - A escola corresponde às expectativas dos alunos.................. 85 Gráfico 15 - Contribuição dos estudos escolares para o desempenho profissional segundo a visão dos alunos ................................ 86 SUMÁRIO INTRODUÇÃO................................................................................................ 01 CAPÍTULO 1 – METODOLOGIA.......................... ......................................... 11 1.1 CONTEXTO DE PESQUISA................................................................... 19 1.1.1 O bairro: um pouco de história e possibilidades de aprendizagem ...... 19 1.2 Espaço cultural.......................................................................................... 24 1.3 Escola “SÃO JOSÉ”.................................................................................. 27 CAPÍTULO 2 – EDUCAÇÃO......................................................................... 34 2.1 MODALIDADES: EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS, FORMAL, NÃO FORMAL E INFORMAL................................................................................... 36 2.1.1 Educação de jovens e adultos.............................................................. 36 2.1.2 Educação formal, não formal e informal .............................................. 43 2.1.3 Pontos de aproximação, distanciamento e inter-relações possíveis entre essas modalidades formal, não formal e informal............................... 50 CAPÍTULO 3 – APROXIMAÇÃO ENTRE CULTURA E EDUCAÇÃO.......... 55 3.1 CULTURA.............................................................................................. 55 3.2 ESCOLA E ESPAÇO DE CULTURA PARA QUÊ?................................ 60 CAPÍTULO 4 – APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS................... 66 4.1 CONHECENDO OS PARTICIPANTES DA PESQUISA........................ 66 4.2 OS ALUNOS E A CULTURA.................................................................. 76 4.3 VOLTANDO À ESCOLA......................................................................... 86 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ 88 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................... 91 APÊNDICE................................................................................................... 94 INTRODUÇÃO Escolhi voltar à Universidade e ingressar no curso de PósGraduação, após vários anos de trabalho, para atualizar meus conhecimentos, mas também para refletir sobre a minha prática de educadora na escola pública e encontrar respostas para muitas das angústias que passei nesse período. Desde a escola básica me interessei pela docência, sendo este o motivo pelo qual busquei a graduação em 1983, cursei licenciatura, para concretizar a vontade de tornar-me educadora. Digo isso porque, no decorrer do curso universitário, tive contato com a Profª Drª Zulieka Aum Attab, especialista em educação e em Paulo Freire, por meio de um estágio – “Alfabetização de Adultos: uma experiência em realização” (1985) –, em que ela estimulava os alunos a olhar com carinho para a realidade da docência, a ter preocupação com a relação entre ensino e aprendizagem e com os sujeitos da aprendizagem. Essa professora trabalhava com a educação de jovens e adultos, a partir do método organizado e pensado pelo pensador/educador Paulo Freire. O “método Paulo Freire”, como é conhecido, não ensina a repetir palavras, não se restringe a desenvolver a capacidade de pensá-las segundo as exigências lógicas do discurso abstrato; simplesmente coloca o alfabetizando em condições de poder “reexistenciar” criticamente as palavras de seu mundo, para, na oportunidade devida, saber e poder dizer a sua palavra. Eis por que, em uma cultura letrada, aprende a ler e escrever, mas a intenção última com que o faz vai além da alfabetização. Atravessa e anima toda a empresa educativa, que não é senão aprendizagem permanente desse esforço de totalização – jamais acabada – através do qual o homem tenta abraçar-se inteiramente na plenitude de sua forma (FREIRE, 2005, p.12). 1 Outro fator que integra a pedagogia freireana é a ação educativa a partir do diálogo entre sujeitos, como o próprio autor afirma: ...enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa. Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em que os „argumentos de autoridade‟ já não valem. Em que, para ser-se, funcionalmente, autoridade, se necessita de estar sendo com as liberdades e não contra elas (FREIRE, 2005, p. 79). Esse estágio confirmou a minha intenção e desejo de trabalhar na educação. Depois de formada, saí de São José do Rio Preto e vim morar e trabalhar em São Paulo, uma cidade que demorou a me cativar. Comecei a lecionar e não parei mais. Iniciei em 1987 na escola de ensino fundamental, e, durante a minha trajetória de mais de 20 anos como educadora, trabalhei em escolas municipais e estaduais, com alunos do Ensino Fundamental, do Ensino Médio no regular e na Educação de Jovens e Adultos (EJA). Escolhi voltar à Universidade e ingressar no curso de PósGraduação, após vários anos de trabalho, para atualizar meus conhecimentos, mas também para refletir sobre a minha prática de educadora na escola pública e encontrar respostas para muitas das angústias que passei nesse período. Eis por que, em uma cultura letrada, aprende a ler e escrever, mas a intenção última com que o faz vai além da alfabetização. Atravessa e anima toda a empresa educativa, que não é senão aprendizagem permanente desse esforço de totalização – jamais acabada – através do qual o homem tenta abraçar-se inteiramente na plenitude de sua forma (FREIRE, 2005, p.12). Outro fator que integra a pedagogia freiriana é a ação educativa a partir do diálogo entre sujeitos, como o próprio autor afirma [...] enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa. Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em que os „argumentos de autoridade‟ já não valem. Em que, para ser-se, funcionalmente, autoridade, se necessita de estar sendo com as liberdades e não contra elas (FREIRE, 2005, p. 79). Este estágio confirmou a minha intenção e desejo de trabalhar na educação. Depois de formada, sai de São José do Rio Preto e vim morar e trabalhar em São Paulo, uma cidade que demorou me cativar. Comecei a 2 lecionar não parei mais. Iniciei em 1987 na escola de ensino fundamental, contudo durante a minha trajetória de mais de 20 anos como educadora trabalhei em escolas municipais e estaduais, com alunos do Ensino Fundamental, do Ensino Médio no regular e na Educação de Jovens e Adultos (EJA). Durante esse tempo, me preocupava com a ação educativa e procurava conversar com colegas sobre esses assuntos na busca de novas alternativas para o ensino e aprendizagem, já que tanto ensinar como aprender eram movimentos distintos, mas também que sempre mantiveram uma relação indissociável. Aprender e ensinar fazem parte da mesma moeda: frente e verso, cara ou coroa. Esses movimentos estão juntos em função do todo que se quer atingir, ou seja, a ampliação de conhecimento, novas maneiras de perceber a vida e busca de novas soluções para melhor viver, mas também por ser uma relação dialógica onde o professor aprende e alunos também ensinam, como afirma Freire (2005). Desta maneira, o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa. Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em que os „argumentos de autoridade‟ já não valem. Em que, para ser-se, funcionalmente, autoridade, se necessita de estar sendo com as liberdades e não contra elas (p. 79). O desejo pelo conhecimento me impulsionou a entrar em contato com artigos e livros que tratassem de educação, com destaque para o processo ensino e aprendizagem e ajudassem a fazer reflexões sobre os sujeitos da aprendizagem. Nesse caminho participei de algumas palestras, encontros que discutiam e refletiam uma concepção de educação que não fosse só conteudista, mas também contemplasse os saberes da vida cotidiana que cada um traz consigo como começo de conversa para uma aprendizagem com significado. Nessa perspectiva usa-se o método de Freire que consiste em observar a realidade, depois analisar essa realidade, e depois passa-se à transformação dessa realidade. Fiz também muitos cursos de atualização com a intenção de buscar respostas para minhas preocupações, já mencionadas. Em 2000, na EMEF Coelho Neto tive oportunidade de trabalhar com os alunos da EJA, pelos quais me apaixonei completamente: pelo desejo deles 3 de aprender, de compensar o tempo perdido, pelo respeito por quem ensina e quem aprende, e acreditar no êxito das atividades realizadas pelos professores com a participação deles. Outra razão é que penso em uma EJA para além da socialização e compensação de conteúdos, pois são inúmeras as exigências de um mundo em movimento como o nosso. Como exemplo das exigências para o século 21, chamaram-me a atenção as “Habilidades Globais”, mencionadas por Dimenstein (1997)1 em sua coluna, que estudantes precisavam desenvolver para serem bem-sucedidos neste século: saber escrever para ser capaz de comunicar-se bem, desenvolver a leitura abrangente e as habilidades de compreensão; usar da lógica e das habilidades de raciocínio; possuir alfabetização funcional e operacional e entendimento de estatística; ter fundamentos do conhecimento científico, incluindo ciência aplicada; usar os computadores e outras tecnologias; saber fazer pesquisas, aplicar e interpretar dados; ter conhecimento de história e do governo americanos para operar numa sociedade democrática; ter compreensão da história e da geografia mundiais e dos negócios no mundo; possuir conhecimentos de línguas estrangeiras; ter habilidades pessoais e interpessoais para conviver em grupo, além de disciplina e auto disciplina; ter raciocínio e pensamento crítico e habilidade na resolução criativa de problemas; ter flexibilidade e adaptabilidade para conviver com as mudanças de um mundo em transformações; estar entusiasmado com a vida e estabelecer metas para um aprendizado permanente, possuir também o entendimento multicultural, incluindo ideias na diversidade e a necessidade para uma perspectiva internacional; entender e praticar honestidade, integridade. O artigo do jornalista divulgava ainda quais ações a escola e os pais deveriam realizar para o educando viver no século XXI, portanto já apontava para mudanças que a escola não podia fingir que não percebia e nem resistir, talvez, por medo de enfrentar o inesperado e o inevitável, a mudança constante que nos envolve o tempo todo. 1 Gilberto Dimenstein colunista do jornal a Folha de São Paulo 4 de Jovens e Adultos (EJA), com a participação de alunos que frequentavam a Etapa Final desta modalidade na escola São José 2 da rede pública paulistana. O interesse pelo tema ocorreu como revelado na introdução do trabalho e se aprofundou com os estudos teóricos realizados. O que vem a seguir problematiza a relação escola e espaço cultural na EJA, o que permitirá compreender a questão de pesquisa e os objetivos dela decorrentes. A realidade das escolas revela a presença predominante do conhecimento formal e o investimento em sua apreensão pelos alunos, em detrimento de outras maneiras de conhecer e outros temas que poderiam ser igualmente pertinentes e interessantes para seus estudantes. Nesse ponto inicia-se um debate sobre o conhecimento pertinente que a escola pode desenvolver para tanto recorre-se ao que pensam Young (2007) e Freire (2003) sobre a educação, apontando aproximação e distanciamento entre eles. Durante esse tempo, me preocupava com a ação educativa e procurava conversar com colegas sobre esses assuntos na busca de novas alternativas para o ensino e aprendizagem, já que tanto ensinar quanto aprender eram movimentos distintos, mas que sempre mantiveram uma relação indissociável. Aprender e ensinar fazem parte da mesma moeda: frente e verso, cara ou coroa. Esses movimentos estão juntos em função do todo que se quer atingir, ou seja, a ampliação de conhecimento, novas maneiras de perceber a vida e busca de novas soluções para melhor viver, mas também por ser uma relação dialógica em que o professor aprende e alunos também ensinam, como afirma Freire (2005): Desta maneira, o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa. Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em que os „argumentos de autoridade‟ já não valem. Em que, para ser-se, funcionalmente, autoridade, se necessita de estar sendo com as liberdades e não contra elas (p. 79). 2 Nome fictício para favorecer a realização da pesquisa 5 O desejo pelo conhecimento me impulsionou a entrar em contato com artigos e livros que tratassem de educação, com destaque para o processo ensino e aprendizagem, e me ajudassem a fazer reflexões sobre os sujeitos da aprendizagem. Nesse caminho participei de algumas palestras, encontros que discutiam e refletiam uma concepção de educação que não fosse só conteudista, mas também contemplasse os saberes da vida cotidiana que cada um traz consigo como começo de conversa para uma aprendizagem significativa. Nessa perspectiva, a educação utiliza como método o diálogo, o diagnóstico, a interdisciplinaridade, os temas geradores, a problematização do conhecimento e a avaliação processual. Fiz também muitos cursos de atualização com a intenção de buscar respostas para minhas preocupações, já mencionadas. Em 2000, na EMEF Coelho Neto, tive oportunidade de trabalhar com os alunos da EJA, pelos quais me apaixonei completamente: pelo desejo deles de aprender, de compensar o tempo perdido, pelo respeito por quem ensina e por quem aprende, por aceitar proposta e acreditar no êxito das atividades apresentadas e realizadas pelos professores com a participação deles. Outra razão é que penso em uma EJA para além da socialização e compensação de conteúdos, pois são inúmeras as exigências de um mundo em movimento como o nosso. Como exemplo de exigências para o século 21, chamaram-me a atenção as “Habilidades Globais”, mencionadas por Dimenstein3 (1997) em sua coluna, que estudantes precisavam desenvolver para serem bem-sucedidos neste século: saber escrever para ser capaz de comunicar-se bem; desenvolver a leitura abrangente e as habilidades de compreensão; usar da lógica e das habilidades de raciocínio; possuir alfabetização funcional e operacional e entendimento de estatística; ter os fundamentos do conhecimento científico, incluindo ciência aplicada; usar os computadores e outras tecnologias; saber fazer pesquisas, aplicar e interpretar dados; ter conhecimento de história e do governo americanos para operar numa sociedade democrática; ter compreensão da história e da geografia 3 Gilberto Dimenstein é colunista do jornal a Folha de São Paulo. 6 mundiais e dos negócios no mundo; possuir conhecimentos de línguas estrangeiras; ter habilidades pessoais e interpessoais para conviver em grupo, além de disciplina e autodisciplina; ter raciocínio e pensamento crítico e habilidade na resolução criativa de problemas; ter flexibilidade e adaptabilidade para conviver com as mudanças de um mundo em transformações; estar entusiasmado com a vida e estabelecer metas para um aprendizado permanente; possuir também o entendimento multicultural, incluindo ideias na diversidade e a necessidade para uma perspectiva internacional; entender o conceito de honestidade e praticá-la, bem como ser íntegro. O artigo do jornalista divulgava ainda quais ações a escola e os pais deveriam realizar para o educando viver no século XXI, portanto já apontava para mudanças que a escola não podia fingir que não percebia e a que não poderia resistir, talvez por medo de enfrentar o inesperado e o inevitável: a mudança constante que nos envolve o tempo todo. Na verdade, sempre tive receio de me acomodar, de ser uma profissional que já sabe tudo e me sentir confortável com “os conhecimentos adquiridos”. Sei que os conhecimentos passam por constantes alterações, por isso é necessário atualizá-los e ampliá-los sempre. Portanto, meu caminho esteve marcado pelas dúvidas, pelos questionamentos, por considerar o conhecimento como algo ilimitado, infinito, e essa visão e essa relação com o conhecimento mantiveram aquecida dentro de mim a curiosidade, o desejo de descobrir, ou seja, a eterna procura pelo desconhecido, pelo que ainda não sei nem imagino existir. Nessas vivências percebi, entre outras coisas, que o sujeito da aprendizagem não pode ser entendido sem o seu contexto histórico, social e cultural, que tudo tem relação, o que, de certa forma, foi o disparador deste trabalho de mestrado que agora apresento. Outras sensações, de outro tipo, estiveram presentes, em decorrência dos contextos em que atuava: o desânimo, a falta de desejo, de curiosidade para descobrir e conhecer as coisas, a falta de pensar possibilidades para solucionar os desafios propostos no cotidiano apresentadas 7 tanto pelos alunos como pelos professores nas escolas em que trabalhei... O invento, a pesquisa e a procura por saídas em que ocorresse a parceria entre educador e educando foram raras. Uma das minhas hipóteses era de que isso ocorria porque as ações realizadas na escola incorporavam uma realidade distante da vida real dos alunos e da sociedade, dificultando uma troca de conhecimentos que partisse das experiências vividas e chegassem à apropriação do conhecimento escolar, para que, nesse intercâmbio entre os saberes, os alunos pudessem se reconhecer enriquecidos de nova visão de si, do outro e do mundo. Essa desconsideração por parte da escola podia levar, muitas vezes, ao fracasso intelectual e social dos educandos no processo educativo e na sua vida fora da escola. Por outro lado, algumas ações docentes pareciam considerar o aluno um “reservatório” que deveria ser “preenchido” com conhecimentos selecionados pelo sistema educacional, cabendo ao professor depositar esses conhecimentos, representando aspectos da educação bancária mencionada por Paulo Freire (2011): ... o ato de transferência de conhecimento, onde os educadores são os possuidores do conhecimento, enquanto os educandos são como se fossem „vasilhas vazias‟ que devem ser enchidas pelos depósitos dos educadores....os educandos não têm por que perguntar, questionar, desde que sua atitude não pode ser outra senão a de receber, passivamente, o conhecimento que os educadores neles depositam (p.143) Nessa perspectiva, o professor, por diferentes motivos, pode não ajudar os alunos a estabelecer a ligação entre o conhecimento produzido dentro da escola e suas vivências fora da escola, que são tão importantes quanto o apregoado pela instituição escolar e que se diferenciam por terem outros objetivos. Portanto, os conhecimentos escolares são diferentes, não entram em confronto por hierarquização, ou seja, o estudante escolhe quando usá-los a partir das exigências e pertinências sociais. 8 Inquietações sobre a possível falta de relação entre conhecimentos acadêmicos e cotidianos me pareciam mais agudas nas classes de Educação de Jovens e Adultos (EJA). Essa modalidade de ensino tem algumas especificidades, dentre as quais merecem destaque: o grupo é heterogêneo, apresenta grande pluralidade cultural (idade, etnias, credos, costumes, regionalismos, valores, interesses, inserção no mercado de trabalho). O currículo nem sempre é “desenvolvido” para eles ou com eles, partindo de suas motivações para estarem novamente no ambiente escolar e de suas expectativas, visando sua atuação profissional, e o aprender para se relacionar com o outro. Além disso, no bairro no qual está localizada a escola em que atuava no momento da elaboração da dissertação, há uma permanente variedade cultural. O bairro é conhecido por sua natureza em torno do diverso e múltiplo, que será ilustrado no contexto de pesquisa. Por outro lado, a escola às vezes promovia atividades fora de seu ambiente, levando os alunos a espaços culturais. Questionava-me algumas vezes sobre o que fazer com os conhecimentos adquiridos lá, a partir da experiência vivida. Procurei, então, saber se os alunos da 4ª etapa – alguns dos quais eram meus próprios alunos – frequentavam atividades que a escola promovia e que perspectivas tinham sobre a influência recíproca dos conhecimentos que adquiriam nesses espaços, o que, em minha opinião, enriqueceria grandemente a aprendizagem escolar. Suas respostas quase sempre não me satisfaziam, pois, para eles, era mais um lazer, um momento fora da escola, do que qualquer outra coisa, sem a preocupação da importância e do retorno que essas ações teriam em suas vidas. Foi assim que cheguei ao interesse de pesquisa e ao Programa de Pós-Graduação em Educação, Arte e História da Cultura: para pesquisar fundamentadamente, com apoio de referenciais teóricos, sobre as preocupações colocadas e, por meio dos resultados da investigação, contribuir para ampliar o conhecimento sobre o tema. Escolhi esse Programa pela visão interdisciplinar, ou seja, pensando que seria possível, por meio do conhecimento desenvolvido pela universidade envolvendo arte, educação e história da cultura, buscar alternativas que pudessem contribuir para a 9 superação de algumas das limitações colocadas pelo currículo, pelo cotidiano escolar e mesmo pelas políticas públicas educacionais. Também foi possível perceber no curso de Pós-Graduação alguns dos princípios freireanos, como: a generosidade, o respeito e o diálogo como práticas cotidianas que podem ser vivenciadas por estudantes e professores durante as aulas e superar a teoria pela teoria. Assim, o conhecimento prévio pertinente do aluno pode ser utilizado para nortear a ação pedagógica. Esse procedimento faz com que a aprendizagem tenha significado. Um dos problemas, que constato na EJA, é como articular o conhecimento de mundo de cada aluno para ampliá-lo nas ações educativas propostas na escola, e como tornar as aulas significativas para os estudantes. Apesar de me manter em eterno conflito, as disciplinas me propiciaram manter a esperança de construir, junto com os alunos, possíveis saídas para manter a curiosidade e o desejo de descobrir o que os estudos podem propiciar a ambos, alunos e professores. Assim, essas atividades propostas durante o curso favoreceram a minha atualização e confirmaram a trajetória que tinha em mente em realizar na Universidade para chegar a construir e a desenvolver o projeto de pesquisa, que teve como principais questões: Quais relações entre escola e espaço cultural podem ser percebidas por alunos do curso de EJA? A educação formal (escolar), oferecida em cursos de EJA, reconhece e integra o conhecimento de mundo dos alunos com sua frequência em espaços culturais e laborais? Dessas questões decorre o seguinte objetivo geral da pesquisa: verificar as relações entre escola e espaço cultural que são percebidas pelos alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Para responder às questões de pesquisa foram consultados, por meio de questionários, os alunos da EJA que estudam no período noturno de uma escola pública do ensino fundamental, alguns dos quais eram meus próprios alunos. 10 Os fundamentos teóricos e metodológicos, os dados e sua análise são apresentados nesse trabalho segundo a organização que segue: a) No capítulo 1, a metodologia de pesquisa e o seu contexto; b) No capítulo 2, a educação, é tratada a definição de educação. Aqui é feita a discussão sobre as especificidades das três modalidades da educação – a formal, a não formal e a informal – e sua necessária integração para o conhecimento de alunos da EJA considerando a escola (educação formal) e o espaço de cultura (educação não formal). c) No capítulo 3, alguns conceitos de cultura, a aproximação da cultura com a educação e o papel da escola e do espaço de cultura. d) No capítulo 4, análise dos dados coletados nos questionários aplicados a alunos da EJA; e) A seguir, as considerações sobre os resultados da pesquisa e do caminho percorrido. 11 CAPÍTULO 1 METODOLOGIA Esta pesquisa foi desenvolvida no campo da Educação de Jovens e Adultos (EJA), com a participação de alunos que frequentavam a Etapa Final desta modalidade na escola São José4, da rede pública paulistana. O interesse pelo tema ocorreu como revelado na introdução do trabalho e se aprofundou com os estudos teóricos realizados. O que vem a seguir problematiza a relação escola-cultura na EJA, o que permitirá compreender a questão de pesquisa e os objetivos dela decorrentes. A realidade das escolas revela a presença predominante do conhecimento formal e o investimento em sua apreensão pelos alunos, em detrimento de outras maneiras de conhecer e outros temas que poderiam ser igualmente pertinentes e interessantes para seus estudantes. Segundo Young (2007), a escola serve para ensinar o conhecimento que não está disponível no cotidiano do indivíduo/estudante, ou seja, não pode ser adquirido em casa ou em sua comunidade, em seus locais de trabalho. Portanto, este conhecimento é curricular ou escolar (formal), deve estar distante das experiências vividas de cada ser humano e deve ser um “conhecimento poderoso”. O “conhecimento poderoso”, para o autor, é aquele “que pode fornecer explicações confiáveis ou novas formas de pensar a respeito do mundo” (p.124). Ele considera ainda que algumas questões são importantes, como saber se a pessoa tem mais acesso ao conhecimento ou quem o legitima. Nessa abordagem, a escola teria como objetivo “transmitir conhecimento poderoso”, e a relação entre aluno e professor seria hierárquica, ou seja, o professor transmite o conhecimento e o aluno aprende. Embora Freire (2003) considere a importância da escola e do ensino formal na vida do estudante, para ele o objetivo do ensino formal deve ser o conhecimento que possa ser incorporado pelos estudantes a partir de suas 4 Nome fictício para favorecer a realização da pesquisa. 12 experiências e saberes sobre, do e no mundo, para que a aprendizagem tenha significado. Neste aspecto, tanto o papel do professor quanto do estudante são importantes para que a aprendizagem ocorra. Essa relação entre professor e estudante está fundamentada na ação entre sujeitos diante do conhecimento, portanto não seria válido o professor colocando conhecimento no estudante. Desenvolver o conhecimento formal contemplado no currículo pode não ser o único papel da escola que, para atender às Necessidades Básicas de Aprendizagem (NEBAs) definidas durante a Conferência Mundial de Educação de Jomtien (Tailândia), no ano de 1990, precisa incorporar o aprender a ser, aprender a viver juntos e aprender a fazer. Entretanto, para cumprir seu papel, socializar o conhecimento formal é imprescindível, pois é apenas no contexto escolar que muitos, se não a maioria dos alunos, podem ter acesso a ele e a outros conhecimentos importantes para a vida em sociedade. Para bem cumprir esse papel, a escola pode aproveitar os conhecimentos não formais e informais para desenvolver aqueles que lhe competem, favorecendo o aprender a aprender que está entre as NEBAs. De modo geral, especialmente em grandes centros, como a cidade de São Paulo (SP), uma escola não está sozinha num bairro. Ao redor encontram-se muitas outras oportunidades de aprender e de participar da vida comunitária. Os espaços culturais/casa de cultura, por exemplo, também se instalam nos bairros com propostas de formação de público e de integração com a comunidade, sendo muitas vezes apoiados em seu intento pela ação do Estado. Assim, uma aproximação entre escola e os centros de cultura de um bairro poderá trazer enriquecimento e dinamismo à ação escolar, ao mesmo tempo, uma alteração das ações desses espaços junto a comunidade. Especialmente em se falando em jovens e adultos, o estreitamento das relações entre esses polos educacionais e culturais pode ser benéfico, pois favorecerá que os estudantes tenham mais autonomia no seu ir e vir e participem com mais liberdade desses e de outros espaços, enriquecendo e alargando seu universo cultural, o que pode possibilitar atribuir outra importância ao conhecimento escolar. 13 É nessa interface que essa pesquisa se justifica: numa reflexão sobre os conhecimentos de diferentes naturezas que contribuem para a formação do indivíduo e/ou de um grupo social. Além disso, porque pretende desvelar os princípios que permeiam uma ação educativa na escola e, em especial, retratar a visão de alunos a respeito do mundo cultural, do trabalho e da sua formação fora da escola. Este estudo parte da perspectiva de que tanto as escolas como os espaços culturais podem estabelecer e manter uma parceria enriquecedora, no sentido de contribuir para o desenvolvimento mais pleno dos estudantes/usuários e cumprir com seus objetivos de formação dos indivíduos, já que a educação se dá o tempo todo. Entretanto, nem tudo são flores na construção dessa relação. O que se percebe é o conhecimento formal desenvolvido pela escola apartado de outros tipos de conhecimento, pois o conhecimento formal privilegia o pensamento lógico, racional, para lidar com os problemas do cotidiano, desconsiderando as outras dimensões do ser humano e a sua complexidade. Segundo Young (2011), o currículo – “o conhecimento que um país considera importante que esteja ao alcance de todos os estudantes” (p.612) – precisa levar em consideração o conhecimento local e cotidiano que os alunos têm e trazem para escola, embora esse conhecimento não seja a base para o currículo. Por outro lado, nos espaços de cultura, espera-se que o conhecimento vise a afetividade, a emoção. Segundo Gadotti (2008), existe a necessidade da educação dos sentidos para entender o todo do qual cada indivíduo faz parte: O ser humano é o único ser vivente que se pergunta sobre o sentido de sua vida. Educar para sentir e ter sentido, para cuidar e cuidar-se, para viver com sentido cada instante da nossa vida. Somos humanos porque sentimos e não apenas porque sentimos e não apenas porque pensamos. Somos parte de um todo em construção e reconstrução. (p.. 75) 14 Também Duarte (1991) nos alerta que a educação dos sentidos significa “ensinar”, “abrir” canais para que a sensibilidade possa fluir; fazer com que se aprenda o mundo a partir dos sentimentos, não de uma forma racional apenas, mas considerando os sentidos e os sentimentos inerentes ao ser humano. Colocar em pauta os nossos sentidos, os nossos sentimentos parece algo longe da razão e das atitudes que demandam pensar. Porém é possível entender a educação dos sentidos como uma forma de pensar, utilizar-se não apenas da razão, mas também das outras dimensões humanas como o afeto. Estamos num momento em que precisamos rever a fragmentação do homem em racional e sensível, dado que, ao fazer a separação entre os sentimentos e a intelecção, não levamos em conta a formação do indivíduo integral, enfatizamos a visão parcial dos fenômenos, da vida. Essa divisão acaba por se refletir na organização interior, mental, de cada indivíduo. Nessa abordagem separam-se os sentimentos das emoções, do raciocínio e da intelecção. Esse tipo de pensamento desenvolvido na escola favorece o “esquartejamento“ mental, ou seja, o indivíduo deve pensar dentro da escola, e pode sentir fora dela. O que nos leva a perguntar: qual o papel da escola e como os espaços de cultura podem contribuir para que o estudante aprenda a integrar esses conhecimentos promovidos por ambos os contextos para viver melhor? Se considerarmos que na escola se privilegia o conhecimento formal e nos espaços de cultura os conhecimentos não formais, temos instituições com objetivos claramente distintos. Mesmo assim, é possível que haja enriquecimento na vivência e apreensão de conhecimentos nos dois espaços. Por isso, esperamos que este estudo contribua para reflexões sobre a educação formal e a não formal para melhor esclarecer sobre o que chamamos a falsa dicotomia e também a falsa separação que parece existir entre escolas e espaços culturais quando se propõe a formação plena. Gadotti (2008) contribui para a ampliação desse pensamento ao dizer que se deve pensar em educar para pensar globalmente, pois, na era da informação, diante da velocidade que o “conhecimento é produzido e envelhece”, acumular informações pode não ser a melhor alternativa (p. 74). 15 Portanto, faz-se necessário saber pensar, saber usar todos os sentidos e sentimentos para repensar a atuação de cada um no mundo. Daí a importância de perceber que determinados conhecimentos não se constroem apenas fora da escola ou apenas no seu âmbito. Ao contrário, entende-se que escolas e espaços culturais podem ser aliados, já que a escola não domina sozinha todos os campos do conhecimento, e os espaços culturais também não; daí a necessidade da inter-relação, dos diálogos possíveis entre esses espaços. Hoje, pode-se imaginar uma escola que não dialoga dentro e fora de seus limites? Ou que um espaço cultural não eduque? Esses questionamentos se tornam mais importantes quando a população-alvo da escolaridade são pessoas que, por diversos motivos, deixaram de percorrer a trajetória escolar no Ensino Fundamental e no Ensino Médio na “idade própria”. Nesse contexto educacional, os alunos provavelmente têm, fora da escola, oportunidades de frequentar outros espaços, que podem incluir o do trabalho e o do lazer. Essas experiências de vida, que também incluem a escolaridade, podem provocar questionamentos semelhantes ou algumas respostas para as dúvidas levantadas. Nesse ponto, retomamos a questão principal da pesquisa – Quais relações entre escola e espaço de cultura podem ser percebidas por alunos do curso de EJA? – e uma outra que pode complementá-la: a educação formal, oferecida em cursos de EJA, reconhece e integra o conhecimento de mundo dos alunos com sua frequência em espaços culturais e laborais? Assim como retomamos os objetivos específicos da pesquisa, que decorrem dessas questões: a) apresentar o universo da escola, seus afazeres cotidianos, bem como os vários sujeitos que participam desse processo; b) apresentar o universo do espaço cultural e os sujeitos que participam dele; c) verificar as conexões percebidas pelos estudantes, no que se refere à aprendizagem, entre escola e espaços de cultura. 16 Como orientação para o desenvolvimento da pesquisa, são detalhados os passos em objetivos específicos: a) apresentar o universo da escola, seus afazeres cotidianos, bem como os vários sujeitos que participam desse processo; b) apresentar o universo do espaço cultural e os sujeitos que participam dele; c) verificar as conexões possíveis, no que se refere à aprendizagem, entre escola e espaço de cultura percebidas pelos estudantes. O seguinte percurso foi feito para concretizar este estudo: 1. seleção de uma escola e de um espaço cultural existente no bairro Bela Vista; 2. levantamento de registros disponíveis para verificar os objetivos e as atividades propostas e/ou realizadas no espaço cultural; 3. entrevista com o responsável pela comunicação do espaço cultural; 4. levantamento de atividades propostas pela escola que tenham como objetivo favorecer a presença dos alunos em outros espaços culturais; 5. elaboração e aplicação de questionário a alunos da EJA da Etapa Final da escola São José; 6. coleta, categorização e análise dos dados; 7. análise de dados sobre o número de alunos matriculados, transferidos, evadidos, reprovados e aprovados no ano de 2011 na EJA, a partir de documento fornecido pela escola; 8. Levantamento bibliográfico referente aos seguintes temas: educação formal, não formal e informal, cultura e educação. 9. consulta aos alunos a partir da aplicação de um questionário; 10. análise das repostas das pelos estudantes. 17 A pesquisa foi desenvolvida com 90 alunos da Etapa Final da EJA do Ciclo Fundamental II, do período noturno, da escola São José, no bairro do Bexiga, ou Bela Vista, da Cidade de São Paulo, nos dias 28 e 29 de novembro de 2011. O questionário foi escolhido como forma de tornar a consulta menos pessoal. Para tanto, foram formuladas 20 questões, sendo 19 fechadas e uma aberta, subdividas em blocos temáticos, como segue: Bloco 1 – caracterização geral dos estudantes (1 a 3); Bloco 2 – percurso escolar (4 a 7); Bloco 3 – relação dos estudantes com a cultura (8 e 9); Bloco 4 – aprendizagem fora da escola (10 e 11); Bloco 5 – atividades organizadas pela escola (12 e 13); Bloco 6 – relação entre escola e cultura (14); Bloco 7 – escola e trabalho (15 e 16); Bloco 8 – continuidade dos estudos formais (17 a 19); Bloco 9 – temas importantes para os alunos. De modo geral, as questões tiveram o objetivo de mostrar as posições dos alunos em relação aos conhecimentos culturais oferecidos pela escola e os conhecimentos que estão em outros lugares, para além da escola; ou seja, perceber até que ponto os alunos valorizam esses conhecimentos desenvolvidos dentro e fora da escola para sua formação. Uma cópia do questionário se encontra no Apêndice 1 e exemplos das respostas dos alunos nos Anexos de 1 a 3. Outros procedimentos foram utilizados para complementar a pesquisa: na escola, o documento que mostra o desempenho escolar dos alunos no final do ano 2011 das 4ªs etapas, que possibilitou a realização da tabela que aponta o número de alunos matriculados, desistentes, retidos e aprovados. No espaço cultural, foi feita uma entrevista cujo objetivo era o de conhecer o espaço a partir de um de seus fundadores – Daniel Fontanelli – e as ações realizadas para dialogar com a escola. 18 1.1 O CONTEXTO DE PESQUISA Para melhor compreensão do contexto em que vivem os alunos da Escola São José, são apresentadas algumas características do bairro, do espaço cultural e da própria escola. 1.1.1 O bairro: um pouco de história e possibilidades de aprendizagem Quantos Bixigas... O Bixiga é o coração de São Paulo Bixiga ou Bela Vista? Bixiga ou Bexiga? Não tem uma resposta... O Bixiga não consta nos mapas oficiais da cidade, não existe como um bairro ou distrito, mas está presente no imaginário e na fala das pessoas, seja para negá-lo, reafirmá-lo ou defendê-lo saudosamente. O bairro está entre a Av.Paulista e o centro, entre o popular e a classe média, entre o anônimo e o familiar, entre o religioso e o profano... Bexiga era como popularmente se chamava a varíola, e lugares ou pessoas que tinha contato com a doença recebiam o apelido pejorativo. Teria sido esta a origem do nome deste pedaço da cidade? Ou seria uma referência a Antônio Bexiga, um dos donos da chácara que deu origem ao bairro? Será Adoniran Barbosa o responsável por imortalizar o apelido, com seus sambas no Bixiga, onde pizza avuava junto com as braxola? O Bixiga vai da avenida Brigadeiro Luís Antônio até a avenida 9 de julho, ou até a rua Paim... Vila Itororó é Bixiga ou Liberdade? Seu limite pode ser o Viaduto Major Quedinho, o Maria Paula, a rua Rui Barbosa ou 13 de maio. Há quem diga que Bixiga e Bela Vista são a mesma coisa. Há quem diga que Bixiga se refere à boemia, às cantinas italianas, ou aos teatros e à feira de antiguidades. ”Nóis era estranho no lugar e não quisemo se meter.” Melhor seguir Adoniran e deixar que aqueles que vivem no Bixiga, ou que por aqui passam determinem se estão no Bixiga ou na Bela Vista.5 Segundo registro histórico, bexiga é uma referência ao apelido dado à varíola – doença frequente no bairro na segunda década do século XVIII. Mas ficou Bixiga por conta da fala coloquial, principalmente dos italianos, que 5 Texto retirado do encarte Bixiga: arte e ofícios (exposição de 23/08/12 a 31/01/12). 19 vieram para o bairro porque o loteamento dos terrenos era de valor imobiliário reduzido. Eles fugiam do período de guerra na Europa e procuravam um novo lar, novas possibilidades de trabalho, já que o Brasil, não podendo contar com a força escrava, adotou o sistema de assalariado e incentivava a imigração. O bairro passou por mudanças no mercado imobiliário (principalmente nos anos 1960 e 1970), o que atraiu especuladores, investidores e também a prefeitura, que investiu nos cortiços do bairro nas décadas seguintes, culminando com a oficialização do nome “Bela Vista”.6 Foto 1 – Quadra da Escola de Samba da Vai-Vai O novo nome dado ao bairro trouxe outros ideários políticos e econômicos, como a sobreposição dos empreendimentos carnavalescos com a criação da “Escola de Samba Vai-Vai”, originária do “Cordão Vai-Vai da 6 Texto retirado do encarte Bixiga:artes e ofícios (exposição de 23/08/12 a 31/01/13). 20 Saracura” (1931), que durante três décadas se tornou referência do carnaval negro na cidade, com características artesanais nas fantasias e na forma de organização. Até a metade dos anos 60, não era permitida a entrada de brancos nos desfiles e na sua organização – característica esta representante de mais uma das formas de manifestar que o discurso do país mestiço não era assimilado por seus integrantes, uma vez que, em seus cotidianos, eles enfrentavam diversas situações de discriminação. A mudança para o status de escola de samba implicava maiores gastos, aumento no número de componentes e complexidades de burocracia internas. Junto ao poder público, tais fatores demandavam o incentivo de novos integrantes, tornando-se um espaço de empreendimento carnavalesco. Assim, foi sendo criada a ideia de uma coletividade negra ligada à diversão (como música, samba e folclore), deixando de lado a história dos movimentos de resistência dos quatro séculos de opressão. O samba está representado pela escola de samba Vai Vai, criada em 1928, e pelo Bloco dos Esfarrapados, criado em 1947e que desfila pelo bairro inteiro sempre na quarta-feira que antecede o carnaval. O Bixiga não é apenas um reduto de filhos, netos e bisnetos de imigrantes italianos que se reúnem anualmente na tradicional Festa de Nossa Senhora Achiropita, cantando canções napolitanas. Ele se revela uma mistura de migrantes nordestinos e também, historicamente, de africanos que fugiam para esta região. “Além de verde e vermelho, o mapa das artes e ofícios desvela um Bixiga mais colorido. É italiano e também africano, japonês, e brasileiro: pernambucano, mineiro, baiano e paulistano...”7 7 Encarte da exposição Bixiga, artes e ofícios. 21 Foto 2 – Bixiga: casarões “...era um palacete assobradado Foi aí, seu moço, que eu, Mato Grosso e Joca Construímo a nossa maloca...8 O bairro carece de áreas de lazer, o que pode ser constatado pelos poucos jardins, área verde pública reduzida e quase 100% de área construída. Outro fator que interfere na sua paisagem é a especulação imobiliária e publicitária, o que reforça a existência de poucos espaços para área verde pública e gratuita. 8 Música de Adoniran Barbosa.... 22 Foto 3 - Igreja da Nossa Senhora de Achiropita Bem atrás da Igreja de Achiropita, familiares e amigos se reúnem em boteco para ouvir samba de raiz ao vivo. Um ateliê de tecidos e aviamentos, com máquinas antigas e supermodernas, é comandado pela engenhosidade da costureira que dá vida a uniformes de trabalho e a vestidos de festa com seus brilhos e decotes. Câmeras curiosas seguem o percurso de grupos de teatro, restauradores, blocos de carnaval, contadores de história. 9 Seu cotidiano é marcado pela gastronomia, boemia, cultura e ruas de lazer, além da convivência com diversos ritmos musicais, que vão do hip hop ao samba. É preciso andar pelas ruas, escutar as histórias de seus moradores e aprender a olhar para conhecê-lo. O lugar comum onde pessoas se encontram para curtir samba, jogar capoeira, participar do teatro de rua, reunir-se na praça e no barzinho para papear, espairecer e celebrar a graça 9 Tirado do encarte Bixiga: artes e ofícios ( exposição de , 23/08/12 a 31/01/13) 23 de se ter, ali mesmo, em pleno centro de São Paulo, um convívio amistoso de cidadezinha de interior ou de periferia de metrópole. 10 No bairro existem inúmeras ONGs, pontos de cultura, centro cultural, espaços culturais, teatros, escolas, cortiços, pensões, bares, cantinas, salões de cabeleireiros, mercadinhos, museus etc. O Bixiga, por essa diversidade social e cultural, torna-se um espaço atraente e desperta curiosidade, o que contribuiu para esta pesquisa. 1.2 Espaço cultural O Espaço Casa da Gioconda11 foi criado em 2011 pela Companhia de mesmo nome, que já existia desde 1999. No início, a Cia de Teatro Gioconda era um grupo de teatro que não tinha espaço fixo para realizar seus ensaios e momentos de criação, e ficou assim por 10 anos. O grupo surgiu com estudantes que cursavam a Escola de Arte Dramática (EAD), na USP, com o objetivo de formar um teatro de grupo com uma dramaturgia coletiva e sem estilo definido. Após algum tempo, o texto dramático de Milton, diretor do grupo, deu um norte para o estilo do grupo, no caso, o realismo fantástico. Este estilo favorece, segundo Fontanelli, fazer um teatro de criança para adulto ou de adulto para criança, atraindo o adulto pelos temas e as crianças pelo som, pelo figurino, pelas imagens. O núcleo da Cia é formado atualmente por 4 pessoas: Milton, Daniel, Dani e Leandro. A Cia se apresentou no SESC e viajou para várias cidades do interior apresentando espetáculos infantis de autoria do próprio grupo de 2006 a 2010. Há espetáculos que o grupo tem de continuar representando muito tempo, por vários anos. 10 11 Tirado do encarte da exposição Bixiga, artes e ofícios, em 23/08/12 a 31/01/13. Os dados foram desse item foram colhidos em entrevista concedida por Fonatanelli. (08/10/11) 24 Foto 4 – Espaço da Casa da Gioconda A Cia tornou-se um Ponto de Cultura há 3 anos. Enquanto Ponto de Cultura, é patrocinado pelo Ministério da Cultura do Brasil (Minc), por meio do Programa Cultura Viva, e implementado por entidades governamentais ou não governamentais de ação e de impacto sociocultural nas comunidades. O Ponto pode ser instalado em uma casa ou em grande centro cultural, onde se desencadeia um processo orgânico, agregando novos agentes e parceiros e identificando novos pontos de apoio: a escola mais próxima, o salão da igreja, a sede da sociedade amigos do bairro; grupos de praticantes de capoeira ou mesmo a garagem de algum voluntário. A inserção do Grupo no Programa Cultura Viva favoreceu para que o grupo mantivesse a instalação e manutenção do espaço. A partir daí, a Cia sentiu necessidade de conhecer o bairro e – mais do que isso – pensar em como dialogar com ele para atingir seus objetivos, já que não pretendia ser apenas mais um grupo com atividades culturais no bairro. No geral, O Ponto de Cultura surge de associações que percebem a ausência de espaços e de atividades artísticas na comunidade e criam oportunidades para que isso aconteça. O bairro da Bela Vista – ou Bixiga – é um bairro conhecido pelos seus inúmeros espaços de cultura, como já foi mencionado, daí mais um desafio para a Cia. As atividades iniciais do Grupo para integrar-se à comunidade foram conhecer outras instituições que deram certo, como escolas 25 e ONGs, para propor um trabalho diferente a partir da necessidade existente e divulgar a cultura do teatro; feira de artes plásticas; promoção do diálogo com todas as expressões artísticas: máscaras, cinema (intercâmbio); superação do teatro com o diálogo para teatro; criação do núcleo de cinema em casa (texto, improviso e filmagem). Em um momento posterior, a Cia sentiu necessidade de discutir o que cada componente do grupo devia fazer e também as questões artísticas e burocráticas que envolviam a existência do grupo. O resultado dessa discussão foi a divisão das tarefas em que cada componente do grupo assumiu uma função, também burocrática. O Espaço é uma casa aberta às várias expressões artísticas, portanto não só para as artes dramáticas, mas para a dança, recitais de música, cinema, entre outras. As pessoas do bairro têm acesso livre e gratuito tanto para apresentar uma expressão artística quanto para assistir aos espetáculos promovidos diretamente ou indiretamente pelo Espaço. Outras atividades, como alugar o local para outros grupos e estabelecer contatos com as ONGs que estão no bairro, constituem um dos objetivos do Espaço. Apesar dos inúmeros convites, a comunidade não acredita que o espaço tenha sido criado para que ela tenha acesso à cultura de qualidade, não comercial. Até porque os integrantes da Cia não são famosos, nem estão na TV. Segundo Fontanelli12, as pessoas não aceitam a atração cultural, não querem admirar a arte. Não veem a arte como um divertimento, portanto não a veem como um motivo para se arrumar e sair de casa. Parece que o mundo da arte não é o delas, como se o teatro fosse feito para as pessoas de teatro. Outras impressões de Fontanelli são percebidas: As coisas você aprende dentro de sua casa, depois com os amigos no prédio, tem a escola que contribui. Hoje tem internet, onde você está todos os dias... a escola tem que diversificar trazendo teatro, dança, esporte. A igreja também tem um papel importante para as pessoas experimentar buscar 12 Fontanelli figurinista do Cia Espaço da Gioconda 26 e superar limites. Construir uma casa é preciso ter muitos conhecimentos. No entanto, ser pedreiro é muito difícil alguém falar bem desta profissão, é para pessoas que não têm uma qualificação/certificação. “Eu nunca fui instigado para a dança, mas para o futebol, no entanto me tornei artista. Minha irmã foi estimulada para a arte e tornou-se enfermeira. Acho que os responsáveis pelas crianças deveriam respeitar os talentos de seus filhos e incentivá-los... estar abertos para isso desde cedo, para não desperdiçar talentos”. Fala de Daniel em entrevista13 A entrada não parece um espaço cultural, lembra mais um casarão antigo do Bixiga. Passando-se por duas salas, um pequeno corredor, estamos no palco. Ele é pequeno, com capacidade para 50 espectadores. A vantagem é que todos estão tão perto, que tudo fica aconchegante. Parece que eles criaram um tipo de uma arquibancada para colocar as cadeiras. A oficina funciona nesta sala maior: o próprio palco. 14 1.3 Escola “SÃO JOSÉ” A escola na qual esta pesquisa se realizou é pública, municipal. Funciona em três períodos, das 7h às 23h. Oferece a Educação Básica nas modalidades: Ensino Fundamental Ciclo I e Ciclo II (Regular e EJA). Possuía 13 salas de aula de manhã; 14 no período da tarde e 10 no noturno em 2011. Havia aproximadamente 900 alunos e 80 professores. A equipe gestora é 13 14 Entrevista realizada em 08/10/2011. Em 2011, estivemos lá, meus alunos e eu, para assistirmos a peça do próprio grupo, Os olhos de Nebul. Achei que o teatro era muito bom por abrigar poucos espectadores por apresentação. Após a apresentação, os artistas, o diretor e a cenógrafa estavam disponíveis para conversar com os alunos a respeito da apresentação. Todos nós gostamos da atenção e do cuidado com que eles nos receberam. Eles fizeram uma brincadeira para nos integrar. Nesse primeiro momento, não consegui saber o que havia para além do palco. Depois foi possível verificar que o camarim fica logo após o palco; frente a ele está o banheiro, e o restante não foi possível observar, pois estava escuro. O camarim, para mim, é um dos espaços mais misterioso (o que as paredes teriam para contar sobre tudo o que se passa ali) de um espaço cultural. Esse era simples, porém cheio de conversas, risadas, choros, mistérios. Fiquei imaginando o que as paredes escondem... como prever tudo o que já aconteceu ali, suas histórias, o que tem de concreto é o figurino, como me disse Daniel. O figurino é a parte concreta de cada peça, que resiste e pode ser refeito, transformado para outra personagem ou apenas guardado para continuar sendo figurino. 27 composta por direção, assistente de direção e coordenação pedagógica. Há dois tipos de funcionários: os que têm uma carreira, porque prestaram concurso para trabalharem no município, e os que são contratados por uma firma, ou seja, os terceirizados que atuam na limpeza e na merenda da escola. A escola possui 16 salas de aula, uma sala de leitura, um Laboratório de Informática, sala de vídeo, dois banheiros, dois pátios (um interno e outro externo), uma quadra de esportes, uma horta, conjunto de salas onde funcionam, de um lado, a diretoria e a coordenação pedagógica, e do outro, a secretaria. Ainda há um jardim, uma cozinha e um palco. Esses espaços são usados por pessoas que diariamente enfrentam momentos bons e ruins. A ocupação das pessoas nesses espaços se dá como se fosse numa fábrica, cada um no seu quadrado, sem a integração desejada, sem muitas vezes que um espaço saiba o que o outro faz. Exemplo desta situação é que não há uma ligação entre as ações desenvolvidas na sala de informática com o que acontece na sala de leitura. Os professores participam de reuniões semanais, mas parece que a aproximação, no dia a dia, não se concretiza. Pensar em uma ligação que envolva pelo menos dois a três espaços momentaneamente é uma tarefa difícil. Uma visão oposta a essa apresentada no parágrafo anterior está presente nas atitudes dos alunos. Eles se apropriam dos espaços da escola e procuram transformá-los em locais de convivência e de encontro: isso pode ser constatado no uso do pátio, dos corredores, na quadra, nas salas de aula e nas salas-ambiente (informática e leitura). Em relação à ação do professor, cabe a ele ensinar a matéria, selecionar os conteúdos, preparar as aulas, determinar a organização da sala de aula, visando, geralmente, as avaliações externas e para dar respostas a pais e à gestão escolar. Dessa maneira, se percebe a alienação das pessoas na realização de suas atividades. Parece que a reflexão, a análise e a interpretação, como instrumentos para criar algo novo, sair do lugar comum, acabam perdendo espaço para as tarefas burocráticas. Assim se verifica que tanto os alunos 28 quanto os professores e os gestores estão envolvidos em uma rotina que leva à alienação de suas atividades. Parece que sobra pouco espaço/tempo para o trabalho intelectual e criativo. Então, a ação realizada na escola não ajuda a pensar, estudar ou descobrir coisas novas, pois todos devem aprender a mesma coisa do mesmo jeito e ao mesmo tempo/no mesmo espaço, ainda que a escola possua vários locais. No entanto, existe nessa ação escolar uma contradição, ou seja, ela abriga projetos, embora não tenha o envolvimento de todos. É o caso do projeto de recuperação em Português e Matemática e da horta. No momento da aplicação do questionário, a escola realizava o projeto de ação solidária com os alunos da EJA. Esse projeto visava a produção de objetos como bolsas e bijuterias a partir da técnica do fuxico. À medida que as pessoas “fuxicavam”, também produziam artefatos cuja renda era revertida para os integrantes do grupo, como mais uma fonte de renda. Destaca-se, nesta escola, a modalidade EJA do Ensino Fundamental Ciclo II, que há mais ou menos três anos tinha a grande maioria dos alunos com mais de 30 anos e hoje tem 50% deles com menos de 20 anos. Consequentemente, os desafios para a escola e os professores, tais como a indisciplina e a intolerância gerada pelo conflito de gerações na relação aluno-aluno e aluno professor, passaram a fazer parte do cotidiano. A diversidade etária também trouxe em seu bojo um aumento no número de alunos que desistem do curso por ter de trabalhar o dia todo, o que também desafia gestores e professores para solucionar problemas cotidianos. Como dizer de um menino popular, que se „saiu mal‟ na aplicação e certa bateria de testes, que não tem senso do ritmo, se ele dança eximiamente o samba, se ele cantarola e se acompanha ritmando o corpo com o batuque dos dedos na caixa de fósforos? (FREIRE, 2001, p.42) Os dados que compõem a Tabela 1 foram fornecidos pela própria escola “São José” e mostram o número de alunos matriculados, de 29 transferidos, de desistentes, de aprovados e de retidos somente nas classes das 4ªs Etapas – lembramos que a escola recebe alunos das 3ªs Etapas também. 4ª Etapa Matriculados Transferidos Desistentes Retidos Promovidos A 53 --- 14 15 24 B 54 3 16 12 24 C 54 2 11 16 24 D 53 -- 18 11 24 E 55 3 25 12 15 F 54 2 25 9 18 323 10 109 75 129 TOTAL Tabela 1 Os dados da Tabela 1 mostram que dos 323 estudantes que fizeram matrícula na 4ª Etapa, apenas 129 concluíram o Ensino Fundamental Ciclo II e estão habilitados a prosseguir os estudos no Ensino Médio. O número de aprovados é de 129 – considera-se que é menos de 50% dos matriculados. O número de desistentes é de 109 – considera-se que seja alto, pois, se os estudantes retornam à escola, pode indicar que os mesmos motivos determinam o seu abandono novamente. Vale apena mencionar a afirmação de Freire (2001), a respeito da desistência ou evasão da escola: As crianças populares brasileiras não se evadem da escola, não a deixam porque querem. As crianças populares brasileiras são expulsas da escola – não, obviamente, porque esta ou aquela 30 professora, por uma questão de pura antipatia pessoal, expulse estes ou aqueles alunos ou os reprove. É a estrutura mesma da sociedade com os outros, de que resultam obstáculos enormes para que as crianças não só não cheguem à escola, mas também, quando chegam, nela ficarem e nela fazerem o percurso a que têm direito. (p.35) O número de retidos é de 75, e também pode ser considerado alto, mas, no cotidiano escolar, esses alunos desistem nos últimos meses do 2º semestre. É muito rara a reprovação só por conceito, geralmente a reprovação é por conceito e frequência. De qualquer forma, somando o número de desistentes ao de reprovados tem-se um total de 184, o que se torna um problema grave, pois revela o fracasso. Mas fracasso de quem: dos alunos, da escola, do sistema educacional? Para mim, tanto a escola quanto o sistema educacional fracassaram, pois não conseguem planejar ações que possam favorecer o desempenho desses alunos. Segundo Charlot (2000) não existe fracasso escolar, o que existe são “alunos em situação de fracasso”: O fracasso escolar não existe; o que existe são alunos fracassados, situações de fracasso, histórias escolares que terminam mal. Esses alunos, essas situações, essas histórias é que devem ser analisados, e não algum objeto misterioso, ou algum vírus resistente, chamado fracasso escolar. (p.16) O autor acrescenta que “o aluno é um sujeito confrontado com a necessidade de aprender e com a presença, em seu mundo, de conhecimento de diversos tipos” (2000, p. 33). Os dados acima mostram a fragilidade que apresenta essa modalidade de educação, pois mantém o círculo vicioso que oferece acesso a poucos, permanência de alguns e desistência de muitos. Relacionamos alguns motivos: tempo gasto, local, acolhimento desses alunos, currículo, atendimento de expectativa, ou seja, estudantes de 15 a 25 anos pensam e querem coisas 31 diferentes de estudantes de 30 a 50, como integrar e organizar uma ação educativa e criativa. Parafraseando Carlos Drummond de Andrade, “há uma pedra no meio do caminho, no meio do caminho há uma pedra, uma pedra há no meio do caminho”. Quando se trata do tempo, é importante enfatizar que ele deve ser gasto de maneira criativa na escola, senão poderá fazer pouco sentido ir à escola para adquirir novos conhecimentos. O tempo se constitui um fator importante para os alunos da EJA, já que, no geral, esses alunos procuram na modalidade uma possibilidade de terminar os estudos mais rápido do que no curso regular. O tempo pode interferir no desempenho dos estudantes, se considerarmos que eles faltam à aula por terem de conciliar várias atividades ao mesmo tempo. Se a modalidade EJA só é oferecida no período noturno, quem passa a trabalhar à noite deixa de estudar ou tem de procurar o CIEJA (Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos). Outro fator que pode afastar o aluno da EJA é o espaço onde ocorre a aprendizagem. Alguns estudantes não aceitam que fora da sala de aula há aprendizagem. Para eles, as atividades extraclasse não têm sentido, são perda de tempo. Por isso, a escola deve apontar a importância dos vários conhecimentos que podem ser adquiridos fora da sala de aula e mesmo dos espaços não escolares. No que se refere à avaliação, faz-se necessário refletir e considerar que os estudantes devem ser avaliados, como afirma Freire (2001), a partir do respeito aos valores, à sabedoria, à linguagem, o padrão cultural de classe. Os dados em relação à aprovação apontam que 129 são heróis e heroínas, pois superaram suas limitações e a adversidade oferecida pela própria modalidade. Até 2011 a modalidade EJA funcionou com a seguinte matriz curricular distribuída durante as cinco noites: Língua Portuguesa (5 aulas semanais); Matemática (5 aulas semanais); História (3 aulas semanais), Geografia (3 aulas semanais); Arte (3 aulas semanais), Ciências (4 aulas 32 semanais) e Inglês (2 aulas semanais). Em 2012, a modalidade participa do Projeto da Secretaria Municipal de Educação, tornando-se EJA Modular, dividida em Etapas, com as seguintes denominações: Alfabetização, Básica, Complementar e Final. Cada Etapa tem a duração de um ano. A Etapa Final é composta por quatro Módulos, de frequência obrigatória: Módulo de Língua Portuguesa (50 dias letivos com 3 horas/aula por dia), Módulo de Arte e Língua Inglesa (25 dias letivos com 3 horas/aula por dia), Módulo de Matemática e Ciências (25 dias letivos com 3 horas/aulas diárias) e Módulo de História e Geografia (25 dias letivos com 3 horas/aulas diárias). A parte diversificada do currículo – facultativa para os alunos – é denominada Enriquecimento Curricular e composta por dois módulos: Qualificação Profissional e Atividades Complementares. Cada um desses Módulos tem 90 minutos diários. O módulo que trata da Qualificação Profissional é composto de três cursos: Informática, Inglês e Agente Cultural. O módulo que trata das Atividades Complementares abrange as ações de recuperação, revisão, reposição de aulas e projetos oferecidos pelos professores, dependendo da disponibilidade de cada escola, já que ela pode escolher outros cursos do interesse da comunidade. Segundo a Secretaria Municipal de São Paulo, a EJA Modular tem por objetivo facilitar a continuidade e o término dos estudos dos jovens e adultos, pois cada módulo concluído com êxito será eliminado. 33 CAPÍTULO 2 EDUCAÇÃO Quando se tem algo bom para poucos, não é qualidade, é privilégio. Sempre dou um exemplo: São Paulo é uma cidade na qual se come muito bem, isso é verdade, mas quem come? Temos um parque cultural de cinemas, teatros e museus, imbatível, mas quem os frequenta? Dizer que São Paulo tem grande qualidade para o parque cultural letrado, talvez seja mais fácil dizer que a cidade tem uma grande estrutura de privilégio para o parque cultural letrado.(CORTELLA, 2009, p.9) Para Libâneo (2011), a educação escolar deve ser pensada no contexto das transformações da sociedade contemporânea. Por isso ela vem sendo questionada acerca de seu papel ante as transformações econômicas, políticas, sociais e culturais que envolvem o momento histórico. Esse conjunto de transformações é conhecido como globalização, decorre, sobretudo, dos avanços tecnológicos, da reestruturação do sistema de produção e desenvolvimento, da compreensão do papel do Estado, das modificações nele operadas e das mudanças no sistema financeiro, na organização do trabalho e nos hábitos de consumo. Também os princípios que interferem o Sistema de Educação no Brasil são atingidos pelas ideias globalizadas. Segundo ainda Libâneo (2011), a palavra globalização [..].designa uma gama de fatores econômicos, sociais, políticos e culturais que expressam o espírito da época e a etapa de desenvolvimento do capitalismo em que o mundo se encontra atualmente. Esse termo sugere a ideia de movimentação intensa, ou seja, de que as pessoas estão em meio a um acelerado processo de integração e de reestruturação capitalista. Exatamente por isso, há quem diga que a globalização é um conceito ou uma construção ideológica. Segundo os estudiosos do assunto, nesse conceito esconde-se a ideologia neoliberal, segundo a qual, para garantir seu desenvolvimento, a um país basta liberalizar a economia e suprimir formas superadas e degradadas de intervenção social, de modo que a economia por si mesma se defina e seja criado, assim, um sistema mundial autorregulado. (p.51) Também os princípios que interferem no Sistema de Educação no Brasil são atingidos pelas ideias globalizadas. Em 1990, o relatório intitulado “Educação – Um tesouro a descobrir”, de Jacques Delors, um estudo realizado 34 para a UNESCO é um exemplo disso. Neste relatório Delors afirma que a educação deve organizar-se em torno de quatro aprendizagens fundamentais e úteis para cada indivíduo, os pilares educacionais, que são: aprender a conhecer, isto é, adquirir os instrumentos da compreensão; aprender a fazer, por em prática seus conhecimentos, e adaptá-los a outras situações que não foram imaginadas; aprender a viver juntos, que envolve descobrir o outro e a participação em projetos com objetivos comuns visando à cooperação; aprender a ser via essencial que integra as três precedentes. (DELORS, 1990) Aprender a ser volta-se à humanização do mundo e está relacionada com a evolução ética. A ideia desenvolvida por Delors mostra a necessidade do desenvolvimento total da pessoa, como espírito e corpo, inteligência e sensibilidade, sentido estético e responsabilidade pessoal, para que sejam difundidos os pensamentos autônomos e críticos do indivíduo, tendo em vista refletir sobre os problemas e solucioná-los. Delors (1990) aponta para a necessidade que cada indivíduo tem de complementar sua formação fora da escola, o que revela que a escola não fará sozinha a formação do indivíduo. Outro aspecto importante neste estudo é refletir sobre o currículo, como já o fizemos, de certa forma, ao trazer o pensamento de Young (2001), o de Freire (20030 e o de Moreira (2008), que podem ser complementados com as ideias de alguns outros pensadores: Fourquin (1993), Morin (2003), Rocha (2007). Para Fourquin (1993) Um currículo escolar é, no vocabulário pedagógico anglo-saxão, um percurso educacional, um conjunto contínuo de situações de aprendizagem (“learning experiences”) às quais um indivíduo vê-se exposto ao longo de um dado período, no contexto de uma instituição de educação formal (p.22) Já Rocha (2007) afirma que o que não se pode é aprender uma única coisa, todo mundo igual, dar pesos desiguais, negar ou excluir coisas em função de critérios que são ideológicos. É possível criar uma sociedade polivalente e diversificada. Em relação à pedagogia, ou seja, à maneira de ensinar, este pensador afirma que “somos movidos pela curiosidade, que vira um desafio, que vira uma encrenca. As respostas às perguntas são testadas e viram novas metodologias, pedagogias.”(p.) Sobre educação e currículo, Morin (2003) afirma que Um dos principais objetivos da educação é ensinar valores. Um valor importante é do indivíduo se conhecer, como se compreender a si mesmo para que possa compreender os outros e a humanidade em geral. O sistema educativo não incorpora essas discussões e, pior, fragmenta a realidade, simplifica o complexo, separa o que é 35 inseparável, ignora a multiplicidade e a diversidade. (MORIN, 2003, p. 21) (...) As disciplinas como estão estruturadas só servem para isolar os objetos do seu meio e isolar partes de um todo. Eliminam a desordem e as contradições existentes, para dar uma falsa sensação de arrumação. A educação deveria romper com isso mostrando as correlações ente os saberes, a complexidade da vida e dos problemas que hoje existem. (IDEM) Instigar a curiosidade é um dos caminhos para construir um currículo alternativo. O autor acrescenta ainda que “Os saberes não devem assassinar a curiosidade. A educação deve ser um despertar para a filosofia, para a literatura, para a música, para as artes. É isso que preenche a vida. Esse é o seu verdadeiro papel.” (IDEM) Neste estudo, compartilhamos a ideia de Moreira (2008): “ palavra currículo pode ser entendida como: a) os conteúdos a serem ensinados e aprendidos; b) as experiências de aprendizagem escolares a serem vividas pelos alunos; c) os planos pedagógicos elaborados por professores, escolas e sistemas educacionais; d) os objetivos a serem alcançados por meio do processo de ensino; e) os processos de avaliação que terminam por influir nos conteúdos e nos procedimentos selecionados nos diferentes graus da escolarização. (p. 18) Não se trata de a escola ampliar a escolaridade nem as condições favoráveis para que se melhore a qualidade do ensino, pois seriam medidas insuficientes para atender às crescentes e heterogêneas demandas por educação e, de maneira mais geral, para resolver a limitação dela para enfrentar todas as novidades e transformações que a sociedade propõe. 2.1. Educação, educação..... Nesse momento refletimos sobre a educação que está dentro e fora da escola. 36 2.1.1Educação de jovens e adultos A educação é um projeto de vida, não de formação para o mercado. A lógica da vida não é ter um emprego. Ter analfabetos não pode ser um problema econômico, é um problema ético. (ROCHA, 2007) A Educação de Jovens e Adultos teve impulso a partir de 1930, quando era usada ainda a expressão Educação de Adultos, com a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública. Nessa época, as ações educativas eram orientadas essencialmente para “combater” o analfabetismo. Nas décadas de 1940, 1950, e início de 1960 várias campanhas propostas pelo Ministério da Educação foram realizadas. Na década de 1940, começaram as primeiras iniciativas governamentais para lidar com o analfabetismo entre adultos, entendia-se que o crescimento econômico do país estava ligado a não ter analfabetos. Na década de 1950, por sua vez, considerou o adulto analfabeto um eleitor em potencial, nessa época, analfabeto não votava. Divulgou-se a crença na participação de todos – como eleitores – para o desenvolvimento do país. Na década de 1960, a alfabetização juntou-se estudantis e sindicais e a questão do analfabetismo passou consequência direta da pobreza e de uma política de desigualdades. Foi nesse contexto que as ideias de Paulo dimensão nacional. Assim, afirma o documento: aos movimentos a ser vista como manutenção de Freire ganharam Sua proposta inovadora pregava a necessidade de uma alfabetização voltada para a libertação, para a conscientização dos homens e mulheres como sujeitos capazes de transformar a realidade social. A educação passou a ser entendida como um ato político. [...] Desde Freire, a educação de jovens e adultos vem caminhando na direção de uma educação democrática e libertadora, comprometida com a realidade social, econômica e cultural dos mais pobres. (MEC, 2006, p.26-27) Também Gadotti (2001) discorre sobre a história da educação de adultos, no Brasil, para o autor ela pode ser dividida em três períodos: 1º - de 1946 a 1958, onde foram realizadas grandes campanhas nacionais de iniciativa oficial, chamadas de “cruzadas”, sobretudo para “erradicar o analfabetismo”, entendido como uma “chaga”, uma doença como a malária. Por isso se flava em “zonas negras de analfabetismo” (GADOTTI, 2001, p.36); 37 2º - de 1958 a 1964, como a realização do 2º Congresso Nacional de Educação de Adultos, contou com a participação de Paulo Freire. Partiu daí a ideia de um programa permanente de enfrentamento do problema da alfabetização que desembocou no Plano Nacional de Alfabetização de Adultos, dirigido por Paulo Freire e extinto pelo Golpe de Estado de 1964, depois de um ano de funcionamento. A educação de adultos era entendida a partir de uma visão das causas do analfabetismo, como educação de base, articulada com as „reformas de base‟ defendidas pelo governo popular/populista de João Goulart. Os CPCs (Centros Populares de Cultura), extintos logo depois do golpe militar de 1964, e o MEB (Movimento de Educação de Base), apoiado pela igreja e cuja duração foi até 1969, foram profundamente influenciados por essas ideias (IDEM) 3º - O governo militar insistia em campanhas como a „Cruzada do ABC‟ (Ação Básica Cristã) e posteriormente, como o MOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfabetização). Em 1985, com a “redemocratização” (1985), a “Nova República”, sem consultar os seus 300 mil educadores extingue o MOBRAL e cria a Fundação Educar, com objetivos mais democráticos, mas sem os recursos de que o MOBRAL dispunha. A educação de jovens e adultos foi enterrada pela “Nova República” e autodenominada “Brasil Novo” (1990) do primeiro presidente eleito depois de 1961, criou o PNAC (Plano Nacional de Alfabetização e Cidadania), apresentado com grande publicidade em 1990 e extinto no ano seguinte sem qualquer explicação para a sociedade civil que o havia apoiado” (IDEM) Segundo o autor, em 1989 foi criada a Comissão Nacional de Alfabetização, com a coordenação inicial de Paulo Freire e depois de José Eustáquio Romão como a finalidade de organizar o Ano Internacional da Alfabetização. A Comissão existe até hoje, “com o objetivo de elaborar diretrizes para a formulação de políticas de alfabetização em longo prazo que nem sempre são assumidas pelo governo federal” (GADOTTI, 2001, p.36). O caráter essencialmente da alfabetização da EJA foi alterado com a Lei Federal nº 5.692/71, que previa a continuidade da escolarização, não se restringindo apenas à fase da alfabetização, ao instituir o Ensino Supletivo de 1º e 2º Graus. Com a Constituição Federal de 1988, o Estado assume a responsabilidade da educação para aqueles que não tiveram acesso em idade própria, por meio do Art.208 “I – ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive par os que a ele não tiveram acesso na idade própria” (1993, p.118). A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) nº 9.394 de 1996 nos Art. 4º e Art.37 institui a palavra jovem. Então se passa a entender que a educação é de jovens e adultos que não estudaram na idade própria. Art. 4º. O dever do estado com a educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de: 38 VI – oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando; VII – oferta de educação escolar regular para jovens e adultos, com características e modalidades adequadas às suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as condições de acesso e permanência na escola; (1996, p.7) Art.37 - A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria. §1º. Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos adultos, que não puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames. §2º. O Poder Público viabilizará e estimulará o acesso e a permanência do trabalhador na escola, mediante ações integradas e complementares entre si. (1996, p.16) Nesse momento, a EJA foi consolidada no que se refere a: a) Escolarização – direito à educação básica a todos os sujeitos, independentemente da idade, e considerando a educação como direito humano fundamental; b) Educação continuada – entendida pela exigência do aprender por toda a vida, independentemente da educação formal e do nível de escolaridade, o que inclui ações educativas de gênero, de etnia, de profissionalização. Neste estudo procura-se enfatizar alguns fatores que envolvem questões sociais e questões do próprio sistema de ensino para entender as especificidades da modalidade de educação de jovens e adultos (EJA). Questões sociais fazem com que, todos os anos, muita gente desista de estudar ou então deixe a sala de aula temporariamente em relação aos jovens de 15 e 17anos. Alguns motivos levam a esta realidade: a) vulnerabilidade – muitos estudantes enfrentam problemas como a pobreza extrema, o uso de drogas, a exploração juvenil e a violência. ( 2011, p.96) nova escola b) trabalho – a necessidade de compor renda familiar faz com que muitos alunos deixem o Ensino Fundamental regular antes de concluí-lo. Já que não conseguem conciliar os estudos com o trabalho. (, 2011, p.96) 39 c) gravidez precoce – principalmente, as meninas param de estudar para cuidar dos filhos, só retornam tempo depois para concluir os estudos. (id, p.6) Também Educacional: há as questões relacionadas ao Sistema a) reprovação e evasão - o estudo do MEC aponta que a repetência de 17,45 na 7ª série e 22,6% na 8ª série só não é maior devido ao aumento da evasão escolar. b) desmotivação – a falta de interesse pelos alunos em relação ao currículo e como ele é tratado ela escola. (98) c) decisão do gestor – a direção da escola decide enviar os alunos “indisciplinados” para o curso noturno, às vezes, para melhorar os resultados das avaliações externas. (99) O documento Orientações Curriculares: Expectativas de Aprendizagem da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo (SME), o conceito de educação de adultos guarda estreita relação com educação supletiva, uma forma de oferta diferenciada de educação regular de Ensino Fundamental e Médio. E como não existem referenciais específicos para este segmento, a prática predominante tende a reproduzir o modelo escolar tradicional, constituído para atender crianças e púberes, dividindo o processo de formação em series e disciplinas compactadas. Ignora-se, portanto, que o adulto não age, nem raciocina como criança e que aprende por mecanismos, pelo menos parcialmente, distintos dos que se verificam entre crianças (SME, 2008, p.18). A coleção “Trabalhando com a Educação de Jovens e Adultos”, feita pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECADI), mostra que os estudantes veem a escola como o [...] lugar especialmente estruturado para potencializar a aprendizagem dos alunos. A escola pode ser o lugar no qual os alunos e professores, juntos, vão construindo uma história que modifica, amplia, transforma e interfere em diferentes âmbitos: o da pessoa, o da comunidade na qual está inserida e o da sociedade, numa perspectiva mais ampla.” (MEC, 2006, p. 8-9) Quanto ao tempo, aponta o mesmo documento que: Os horários e a rigidez da grade curricular são, muitas vezes, obstáculos à entrada e permanência do aluno jovem e adulto na escola. É preciso lembrar, sempre, que esses alunos são, em sua imensa maioria, trabalhadores, pessoas com responsabilidades familiares, o que imprime algumas restrições e dificuldades para 40 chegar e estar na escola. Assim, torna-se necessário que a escola proponha uma forma de organização adequada ao público jovem e adulto. É preciso repensar horários de entrada e saída, os tipos de tarefas extraescolares, as exigências em torno da frequência, as propostas feitas que não conseguem manter os alunos motivados e atuantes, de tal modo que estar na escola a despeito do cansaço, do adiantamento de outros compromissos e da ausência na família seja realmente importante e indispensável (MEC, 2006, p.9). Com relação aos conteúdos: deve-se considerar que o sentido de aprender, nas classes de EJA, está no encontro dos alunos com a satisfação de suas necessidades expectativas. Estas foram se construindo ao longo da vida, a partir e no contexto de sua cultura. É desse lugar, ou seja, de sua cultura, que os alunos podem atribuir sentido ao conhecimento (IBIDEM, 2006, p.9) No que diz respeito à matrícula Na, o Censo Escolar de responsabilidade do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) divulga que a) em 2010 – uma queda de 8% (374.098), totalizando 4.287.234. Desse total, 2.860.230 (67%) estão no ensino fundamental e 1.427.004 (33%) no ensino médio. (Inep, 2011, p.17); b) em 2011 – uma queda de 6% (254.753), totalizando 3.980.203. Desse total 2.657.781 (Inep, 2012, p.24); c) em 2012 – uma queda de 3,4% (139.292), totalizando 3.906.877. Desse total 2.5601.013 (Inep, 2013, p.27) Pelos dados da Pnad/IBGE 2009, o Brasil tinha uma população de 57,7milhões de pessoas com mais de 18 anos que não frequentam escola e que não tinham o ensino fundamental completo. Esse contingente poderia ser considerado uma parcela da população a ser atendida pela EJA”( Inep, 2013, p.27). No entanto, esses números mostram que o atendimento escolar para os jovens e adultos é insuficiente. Isso pode sinalizar também mais uma dificuldade, sobretudo para o trabalhador que precisa de motivação para voltar à escola uma vez que se têm menos escolas, sobretudo nos grandes centros urbanos em que os deslocamentos podem se tornar um impedimento para o acesso aos locais de oferta. 41 Outra informação importante divulgada pelo Inep está relacionada a distribuição de vagas: “A maioria da matrícula da EJA está na rede pública, distribuída da seguinte forma: 54,8% na rede estadual, 41,7% na rede municipal e 0,4% na rede federal, cabendo à rede privada uma participação 3,1%.” (Inep, 2013, p.27). Outra possibilidade para as pessoas que não estudaram na idade própria, ou querem retomar seus estudos, é o Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (ENCCEJA), uma avaliação voluntária e gratuita ofertada às pessoas que não tiveram a oportunidade de concluir os estudos em idade apropriada para aferir competências, habilidades e saberes adquiridos, tanto no processo escolar quanto no extraescolar, para residentes no Brasil ou no exterior. O objetivo do exame é construir uma referência nacional da educação para jovens e adultos por meio da avaliação de competências, habilidade e saberes formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais, entre outros (MEC, 2013). O ENCCEJA também pode ser realizado para pleitear a certificação no nível de conclusão do Ensino Fundamental para quem tem no mínimo 15 (quinze) anos completos na data de realização das provas. Além da certificação no nível de conclusão doo Ensino Fundamental, os brasileiros residentes no exterior podem pleitear a certificação no nível de conclusão do Ensino Médio desde que tenham no mínimo 18 anos completos na da ta de realização das provas. No município de São Paulo, a alternativa, além da modalidade tradicional da EJA oferecida em algumas escolas, é o Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos (MOVA), voltado para a alfabetização, os Centros Integrados de Educação de Jovens e Adultos (CIEJA) e a EJA Modular voltados para o Ensino Fundamental Ciclo II, já mencionada no contexto de pesquisa. Acrescenta-se ainda, que a EJA teve origem popular, pois antes de entrar no Sistema de Educação, ela existia nas comunidades por iniciativa dos movimentos populares. Esse aspecto dela torna possível a reflexão sobre a educação formal, a educação não formal e informal. Escolhemos aprofundar o debate na perspectiva do que esses termos têm em comum, os pontos de aproximação e de distanciamento, a partir da escola, como exemplo de educação formal e do espaço cultural como educação não formal. 42 2.1.2 Educação formal, não formal e informal Segundo Libâneo (2011), a escola em sua forma atual, surgiu com o nascimento da sociedade industrial e com a constituição do estado nacional, para complementar a educação que ocorria na família e na igreja. Ganhou corpo com base na crença do progresso e de ser um bem para a educação dos homens e a ampliação da cultura. O autor considera o aspecto político da escola ao afirmar: Numa perspectiva crítica, a escola é vista como uma organização política, ideológica e cultual em que indivíduos e grupos de diferentes interesses, preferências, crenças, valores e percepções da realidade mobilizam poderes e elaboram processos de negociação, pactos e enfrentamentos (LIBÂNEO, 2011, p.168). O aspecto social também é contemplado pelo autor: [...] a vida social implica a vivência da educação pelo convívio, pela interação entre as pessoas, pela socialização das práticas, hábitos e valores que produzem a vida humana em sociedade (LIBÂNEO, 2011, p.168). Sobre a prática educativa, o autor afirma: A prática educativa envolve a presença de sujeitos que ensinam e aprendem ao mesmo tempo, de conteúdos (objetos de conhecimento a ser apreendidos), de objetivos, de métodos e de técnicas coerentes com os objetivos desejados (LIBÂNEO, 2011, p.168). A educação formal é sistemática, organizada e intencional, ocorre em instâncias de educação escolar, apresentando objetivos educativos explicitados. Assim, a escola é o espaço de realização tanto dos objetivos do sistema de ensino quanto dos objetivos de aprendizagem, o que a torna um lugar influenciado pela estrutura econômica e social, pelas decisões políticas e pelas relações de poder em vigor na sociedade, que vão interferir nas ações educativas e também nos sujeitos, no caso, no aluno, no professor e nos demais agentes escolares. A educação dita formal é relativamente recente na história humana, seu caráter decorre de um conjunto de mecanismos de certificação que formaliza a seleção de pessoas diante de um mercado de profissões estabelecido. Para Libâneo (2011), a educação escolar foi ajustada a esses 43 requisitos, como forma de as pessoas se ajustarem aos empregos por meio de uma certificação, quando a chamada estrutura ocupacional se urbanizou e uma parcela importante da economia pôde ser suprida com ocupações compatíveis, com uso de saberes tipicamente escolares. O sistema de educação brasileiro apresenta uma estrutura que vai do nível municipal, passa pelo estadual e chega até o nível federal, tal como previsto pela Constituição Federal de 1988 no Art. 211. “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino” (1993, p.118) - e na LDB 9394/96, Arts. 16, 17 e 18, que tratam da abrangência dos três níveis de governo. Assim, todas as políticas econômicas e sociais, que envolvem a educação, são estabelecidas respeitando os níveis de governo mencionados. O sistema está dividido em educação básica e educação superior. Na prática trata-se de um conjunto de sistemas escolares, vinculados a órgãos administrativos e estabelecimentos de prestação direta de educação pública, mas ligados entre si por leis “maiores”. Segundo a Lei de Diretrizes de Base da Educação Nacional (LDBEN) de 1996, no Art. 21, “a educação escolar brasileira apresenta dois níveis: a educação básica, formada pela educação infantil, pelo ensino fundamental (ciclos I e II) e pelo ensino médio e a educação superior” (LDBEN, 1996, p.11). A educação básica se divide em estabelecimentos de educação infantil (centros para crianças de até 3 anos e escolas para crianças pequenas de 4 a 5 anos), escolas de ensino fundamental – de 9 anos - (para crianças e jovens de 6 a 14 anos de idade) e de ensino médio. Destaca-se essa educação básica porque ela está relacionada à modalidade de educação de jovens e adultos. A educação de jovens e adultos destina-se aos que não tiveram, na idade própria, acesso ao ensino fundamental e médio ou continuidade de estudos nesses níveis de ensino. Essa educação “prevê cursos e exames supletivos a ser realizados no nível de conclusão do ensino fundamental, para maiores de 15 anos, e no nível de conclusão do ensino médio, para maiores de 18 anos” (LIBÂNEO, 2011, p.262). A educação profissional, outra modalidade presente na LDB/¨96, deve estar integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia e visa ao permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva. “No nível básico é a modalidade de educação não formal, de duração variável, uma vez que está sujeita à regulamentação curricular.” (IBIDEM, 2011, p. 263) 44 A educação especial é entendida “na LDBEN/96 (Art.58) como a modalidade oferecida para educandos portadores de necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino.” (IBIDEM, 2011, p.264) Embora, a educação formal apresente e tenha todo este sistema organizado, não é possível para ela atender todas as demandas de uma sociedade plural e diversa, que respira e transpira mudanças constantes. Para Trilla (2008), ao se tratar da educação, é preciso não limitá-la à escolar, pois alguns fatos questionam, relativizam e complementam a perspectiva pedagógica polarizada em torno da escola como: 1. A escola é uma instituição histórica, nem sempre existiu; é funcional a certas sociedades, mas o que é essencial a qualquer sociedade é a educação (p. 17); 2. O processo educativo global do indivíduo e os efeitos produzidos pela escola não podem ser entendidos independentemente dos fatores e intervenções educacionais não escolares, uma vez que ambos interferem continuamente na ação escolar (p.18:): 3. O marco institucional e metodológico da escola nem sempre é o mais idôneo para atender a todas as necessidades e demandas educacionais. A estrutura escolar impõe limites que devem ser reconhecidos. E mais: além de não ser apta para todo tipo de objetivo educacional, a escola mostra-se particularmente imprópria para alguns deles (p. 18); 4. O crescente aumento da demanda por educação em face da incorporação de setores sociais, tradicionalmente excluídos dos sistemas educacionais convencionais (adultos, idosos, mulheres, minorias étnicas etc.), (p.19); 5. As transformações no mundo do trabalho que obriga a operacionalizar novas formas de capacitação profissional (formação continuada, recolocação profissional etc.), (p.19); 6. Ampliação do tempo livre, o que gera a necessidade de desenvolver ações educativas que se transformem em marcos de atuação e/ou em objetivos (p.20); 7. Mudança na instituição familiar e outros aspectos da vida cotidiana, como a urbanização, que tornam necessárias novas instituições e meios educacionais capazes de assumir algumas tarefas que antes eram exercidas pelas famílias de maneira informal (p.20); 8. A presença dos meios de comunicação de massa na vida social e o desenvolvimento de novas tecnologias promovendo 45 outros modos de realizar a educação superando os sistemas presenciais da escolaridade convencional. (p.20) Para Trilla (2008), a educação formal desenvolvida na escola, começou a ser criticada pelos fatores elencados acima, o que contribuiu para a ampliação da educação não formal. Isso fez com que a educação formal fosse revista como única opção para se adquirir alguns conhecimentos que favorecessem a ação das pessoas ao trabalho, por exemplo. Verifica-se, pelas considerações feitas por Trilla (2008) no que diz respeito à superação de ambientes escolares presenciais, que outras possibilidades de realização da educação formal existem sem ser na escola, como é o caso da educação a distância. Isso permitiu o deslocamento da vivência estritamente escolar, fazendo com que o discurso pedagógico integre e legitime tais possibilidades, como uma alternativa para alguns estudantes. Tal reflexão possibilita que haja uma análise do conhecimento escolar em relação a outros conhecimentos que não escolares, pois a escola não deveria responsabilizar-se, sozinha, pelo conhecimento que responde às demandas sociais. Segundo Gohn (2008, p. 91), no Brasil até os anos 1980, tanto os educadores como as políticas públicas não valorizavam a educação não formal. Quando a ela se referiam, reduziam-na a uma educação desenvolvida em espaços exteriores às unidades escolares como programas ou campanhas de alfabetização de adultos, cujos objetivos giravam em torno da aquisição da compreensão da leitura e da escrita e da participação sociopolítica das camadas populares para integrá-las no contexto urbano industrial. A educação não formal era vista naquele momento como um conjunto de ações para [...] alcançar a participação de indivíduos e de grupos em áreas denominadas extensão rural, animação comunitária, treinamento vocacional ou técnico, educação básica, planejamento familiar etc. Os conteúdos a serem adquiridos na aprendizagem em ambiente não formal se referiam à cooperação na família, no trabalho, na comunidade; à colaboração para o crescimento nacional, o progresso; à alfabetização funcional; ao conhecimento de habilidades funcionais para o planejamento familiar, a sustentação econômica e a participação cívica, além de uma visão científica para a compreensão elementar de determinadas áreas específicas. (GOHN, 2008, p.92). Nos anos 1990, ainda segundo Gohn (2008), a educação não formal se ampliou em decorrência das mudanças na economia, na sociedade e no mundo do trabalho. Passou-se a considerar “os processos de aprendizagem em grupos e a valorizar a cultura que articula as ações dos indivíduos em uma nova cultura organizacional que exigia a aprendizagem de habilidades extra46 escolares” (p.92). Entende-se por cultura organizacional “o conjunto de fatores sociais, culturais e psicológicos que influenciam os modos de agir da organização como um todo e o comportamento das pessoas em particular” (LIBÂNEO, 2011, p.320). Outros elementos contribuíram para expansão da educação não formal, como a mídia e as agências internacionais como a ONU e a UNESCO. A UNESCO divulgou dois documentos elaborados na Conferência realizada em 1990, na Tailândia: “Declaração mundial sobre educação para todos” e “Plano de ação para satisfazer necessidades básicas da aprendizagem” que tinham a preocupação de uma educação que pensasse o local e o global. Segundo Gohn (2008), a definição de necessidades básicas da aprendizagem envolvia “conteúdos teóricos e práticos, valores e atitudes para viver e sobreviver, e a desenvolver a capacidade humana, os documentos da conferência ampliam o campo da educação para outras dimensões além da escola” (p.93). As realidades educacionais como as apontadas pela expressão “educação não formal” existem desde muito antes do século XX. Para Trilla (2008), o que muda, a partir daí, é que esse termo passa a integrar a linguagem pedagógica. É a partir de estudos realizados por Coombs, em 1968, que se começa a distinguir a educação realizada fora da escola como informal (que será apresentada mais adiante) e não formal. Assim, educação não formal “[...] é toda atividade organizada, sistemática, educativa, realizada fora do marco do sistema oficial, para facilitar determinados tipos de aprendizagem a subgrupos específicos da população, tanto adultos como infantis “ (COOMBS, apud TRILLA, 2008, p. 33) A educação não formal deve ser vista pelo seu caráter universal, no sentido de abranger e abarcar todos os seres humanos, independentemente de classe social, idade, sexo, etnia, religião etc. Assim, educação não formal, para Gonh (2010) é: Um processo sociopolítico, cultural e pedagógico de formação do indivíduo para interagir com o outro em sociedade. Ela designa um conjunto de práticas socioculturais de aprendizagem e produção de saberes, que envolve organizações/instituições, atividades, meios e formas variadas, assim como uma multiplicidade de programas e projetos sociais (p.33). Para a autora, a educação não formal tem diferenças da educação formal e informal, pois atua sobre aspectos subjetivos do grupo, trabalhando e formando sua cultura política. Além de desenvolver laços de pertencimento, a educação não formal ajuda na construção da identidade coletiva do grupo; 47 pode colaborar para o seu desenvolvimento e fortalecimento, criando o que alguns analistas denominam o capital social de um grupo. A autora critica o uso instrumental e estratégico da educação não formal por ONGs (Organizações Não Governamentais) e instituições interessadas somente em processos de “capacitação” dos indivíduos para o mercado de trabalho informal, para geração de renda em atividades do terceiro setor. Prefere fundamentar a educação não formal em critérios de solidariedade e identificação de interesses comuns, como parte do processo de construção da cidadania coletiva e pública do grupo. A mesma autora afirma que a educação não formal se tornou uma disciplina nos cursos de Pedagogia e Educação e Pós-graduação em várias universidades brasileiras, a partir de 1990. Para aprofundar a ideia de que a educação informal é aquela adquirida pelo indivíduo através da família, dos amigos, do trabalho, enfim, é aquela que se dá de forma “espontânea” em qualquer lugar, recorremos a seguinte afirmação de Gonh (2010): [...] não é organizada, os conhecimentos não são sistematizados e são repassados a partir das práticas e experiências anteriores, usualmente é o passado orientando o presente. Ela atua no campo das emoções e sentimentos. É um processo permanente e estabelecido pelo cotidiano (p. 20). Já para Coombs (1985), [...] educação informal é um processo, que dura a vida inteira, em que as pessoas adquirem e acumulam conhecimentos, habilidades, atitudes e modos de discernimento por meio das experiências diárias e de sua relação com o meio. (apud TRILLA, 2008, p.33) Tanto Gohn quanto Combs têm ideias complementares ao se tratar da educação informal, já que a primeira enfatiza a questão dos sentimentos das emoções, e a segunda foca nas experiências vividas pelos indivíduos. Uma vez apresentadas as especificidades das modalidades da educação, ou seja, formal, não formal e informal, passamos a discutir os pontos de aproximação, distanciamento e inter-relações possíveis entre essas modalidades que são relevantes para a formação do indivíduo. A definição dos conceitos serve para mostrar especificidades, no entanto, existe a compreensão de que tanto a educação não formal quanto a educação informal são produtoras de saber, por isso não devem estar 48 antagônicas à educação formal. Para a reflexão sobre as modalidades de educação considera-se, neste item, a aproximação e o distanciamento que existem entre o que se aprende dentro de casa com a família, aquilo que se aprende fora, em instituições nos vários momentos de lazer, de formação profissional e o que se aprende na escola. Segue-se, inicialmente, a reflexão proposta por Gohn (2010) sobre as modalidades de educação a partir de: a) quem educa; b) espaço/tempo; c) objetivo; d) resultados esperados; e) contexto: f) intencionalidade e g) o que se ensina. Na educação formal, quem educa, no geral, é o professor que, junto com os outros profissionais de educação (o porteiro, a merendeira, o agente de serviço, a secretária, a equipe de gestão escolar), fazem com que a ação educativa se realize no interior da escola. Na educação não formal existe a presença do educador social, chamado de agente cultural, aquele que anima, incentiva as ações, mas quem educa na prática é o “outro”, ou seja, aquele com quem o sujeito interage ou integra. (GOHN, 2010, p.17) Na educação informal, a educação é orientada pelos pais, amigos, vizinhos, colegas de escola, a igreja, os meios de comunicação de massa e, muitas vezes, a partir de exemplos dados por todos (p.17). Quanto ao tempo e ao espaço, esclarece Gohn (2010) que a educação formal ocorre nas escolas que, regulamentadas por lei, certificam e se organizam segundo diretrizes nacionais. Portanto essa modalidade de ensino exige tempo, local específico, pessoal especializado; normatização das formas de organização de um currículo por meio da sistematização sequencial das atividades, tempos de progressão, disciplinamento, regulamentos e leis, órgãos superiores etc.; caráter metódico e, usualmente, dividido por idade/classe de conhecimento. A educação não formal ocorre em espaços múltiplos, a saber: no bairro-associação, nas organizações que estruturam e coordenam os movimentos sociais, nas igrejas, nos sindicatos e nos partidos políticos, nas Organizações Não-Governamentais, nos espaços culturais, nas escolas, e nos espaços interativos que acompanham as trajetórias de vida dos grupos e indivíduos. O tempo da aprendizagem de cada indivíduo respeita as diferenças existentes para a absorção e reelaboração dos conteúdos, implícitos ou explícitos no processo de aprendizagem (IBIDEM, 2008, p. 101). Em relação ao espaço, muitas escolas são utilizadas como local para a realização de cursos promovidos pela própria comunidade. 49 Já a educação informal tem seus espaços educativos demarcados por referências de nacionalidade, localidade de nascimento ou moradia, idade, sexo, religião, etnia etc. Para a autora, existe uma “naturalização desses espaços porque não são escolhidos pelos indivíduos, ou seja, os espaços são dados pelos seus pertencimentos culturais” (GOHN, 2010, p.17) Os objetivos propostos pela educação formal têm ênfase naqueles relativos aos processos de ensino e à aprendizagem de conteúdos historicamente sistematizados, regulamentados e normatizados por leis, dentre os quais se destaca a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) de 1996. Segundo a LDBEN/96, a escola tem como objetivo formar o indivíduo como um cidadão participante, desenvolver, em cada um, habilidades e competências várias, desenvolver a criatividade, a percepção e a motricidade, entre outras. (GOHN, 2010). Os objetivos da educação informal é socializar os indivíduos, desenvolver hábitos, atitudes, comportamentos, modos de pensar e de se expressar no uso da linguagem, segundo valores e crenças de grupos que se frequenta ou a que se pertence por herança, desde o nascimento. Trata-se do processo de socialização dos indivíduos em que os componentes como herança e naturalização estão presentes. (GOHN, 2010, p.18) São objetivos da educação não formal: [...]a orientação para a cidadania, que incorpora: educação para justiça social; educação para direitos (humanos, sociais, políticos, culturais etc.); educação para liberdade; educação para igualdade e diversidade cultural; educação para democracia; educação contra toda e qualquer forma de discriminação; educação pelo exercício da cultura e para a compreensão das diferenças culturais. (GOHN, 2010, p.19) Para a autora, “os objetivos não são dados a priori, eles se constroem no decorrer do processo, gerando o processo educativo” (GOHN, 2010, p.19), visto que a educação não formal capacita os indivíduos a se tornarem cidadãos do mundo, no mundo. O modo de educar é construído como resultado do processo voltado para os interesses e as necessidades dos que participam. A construção de relações sociais baseadas em princípios de igualdade e justiça, quando presentes num dado grupo social, fortalece o exercício da cidadania; é o caso de um projeto desenvolvido com a finalidade de aumentar a renda de um determinado grupo, como é o caso, por exemplo, da economia solidária. Nesse contexto, a transmissão de informação política e sociocultural é uma meta na educação não formal. Ela prepara formando e propiciando que os indivíduos, por meio de ações, debatam sobre o egoísmo, o individualismo, a competição desprovida de valores éticos. 50 Quanto aos resultados, na educação formal espera-se, além “da aprendizagem efetiva, que haja uma certificação com a devida titulação que capacita os indivíduos a seguir para graus mais elevados, mais avançados do sistema educacional” (GOHN, 2010, p.21). Na educação informal os resultados “não são esperados, eles simplesmente acontecem a partir do desenvolvimento do senso comum nos indivíduos, senso esse que orienta suas formas de pensar e agir espontaneamente” (GOHN, 2010, p.21). A educação não formal poderá desenvolver “uma série de processos que envolvam a conscientização e organização de grupos com a finalidade de resgate da identidade, da cultura, a valorização individual e coletiva como resultado” (GOHN, 2010, p.21). Com relação ao contexto, ou seja, situação e maneira de se educar, a educação formal pressupõe ambientes normatizados, com regras, legislações e padrões comportamentais definidos previamente; o perfil do docente e as metodologias de trabalho são normatizados. A educação não formal ocorre em situações interativas e em ambientes construídos coletivamente, segundo diretrizes dos grupos, e usualmente a participação dos indivíduos é optativa. Mas ela poderá também ocorrer por força de certas circunstâncias da vivência histórica de cada um, em seu processo de experiência e de socialização, “pertencimentos adquiridos” pelo ato da escolha em dados processos ou ações coletivas. Já a educação informal opera em ambientes espontâneos, onde as relações sociais se desenvolvem segundo gostos, “preferências ou pertencimentos herdados” (GOHN, 2010, p.18). Quanto à intencionalidade das ações educativas, este estudo buscou as ideias desenvolvidas por Gohn (2010), Libâneo (2011), Trilla (2006), Cortella (2003) e Guará (2003). A intencionalidade educacional, para Gohn (2010), está presente tanto na educação formal quanto na educação não formal, sendo que na informal não fica muito clara, pois neste caso, vai depender das ações espontâneas realizadas pelas pessoas envolvidas. Por isso, a autora mostra a dificuldade de delimitar a intenção nas relações familiares e entre amigos dos indivíduos. Para Libâneo (2011), há uma educação não intencional - a informal e outra intencional - formal e não formal. A educação não intencional, informal, refere-se às influências do meio natural e social sobre o homem e interfere em sua relação com o meio sócia. “Os costumes, a religião, as leis, os fatos físicos, as ideias vigentes na sociedade, o tipo de governo, as práticas das famílias são exemplos dessa modalidade” (169). A educação intencional se divide em formal e não formal. O autor afirma que a prática educativa não formal diz 51 [...] respeito às atividades intencionais em que há relações pedagógicas com pouca sistematização ou estruturação, como ocorre nos movimentos sociais, nos meios de comunicação de massa, nos locais de lazer como clubes, cinemas, museus. Apesar da caracterização de baixa sistematização das intenções, a educação não formal intercambia frequentemente com a educação formal (LIBÂNEO, 2011, p. 169) Segundo o autor, a intencionalidade das ações aproxima a educação não formal da formal, pois ambas planejam suas ações antes de executá-las. A educação formal se caracteriza pela institucionalidade, por ter objetivos explícitos, conteúdos, métodos de ensino e procedimentos didáticos organizados para antecipar resultados”(LIBÂNEO, 2011, p.169). Acrescenta ainda que a educação formal não ocorre apenas na escola, mas também nos locais em que a educação ministrada possui as mesmas características, como é o caso da educação sindical e da profissional. Para Libâneo, são as ações educativas intencionais que trarão um “diferencial” à formação do indivíduo. Trilla (2008) se posiciona da seguinte maneira: não é a intencionalidade o aspecto capaz de delimitar a ação das modalidades de educação. Por isso, lança as perguntas: quem pode garantir que todas as ações na escola têm a intenção de ensinar? Na família, as ações não têm intenção de ensinar algo? Assim, o autor questiona a ideia de que a educação pode ser uma atividade o tempo todo intencional, abre espaço para ações que educam mesmo sem que exista uma programação, um planejamento anterior. Para Cortella (2003), é a intencionalidade que determina o tipo de educação, ou seja, o autor considera que a educação tem duas dimensões: ocasional e intencional. A ocasional “é a educação vivencial, espontânea e está na vida, é aprendida em todos os lugares e por todo o tempo” (p.98). Na educação intencional sua ação é deliberada, proposital e ocorre na escola, nos meios de comunicação, na família, nas ONGs. Essa posição do autor traz mais uma possibilidade de divisão da educação: em ocasional e intencional. Acrescenta que nessas duas possibilidades de educação é possível observar vantagem e desvantagem. Assim, a educação ocasional tem a vantagem de apresentar uma aprendizagem concreta, útil, significativa: permanente. Sendo que desvantagem estaria na sua lentidão, “às vezes simplória, às vezes experiente”. Já a educação intencional apresenta como desvantagem o fato de ela “ser pouco estimulante, metódica, programada, organizada, sistematizada e veloz” (p.98). Outro fator tão importante quanto os outros mencionados até aqui está relacionado ao que ensinar tanto na educação escolar quanto nas outras modalidades de educação. 52 Quando se trata do que ensinar para a modalidade não formal, Guará (2003) afirma que [..].os conteúdos podem ser flexíveis, e são, via de regra, ancorados em demandas emergenciais dos sujeitos e das comunidades, abordando assuntos sinalizados nos temas transversais, como ética, meio ambiente, saúde, consumo, trabalho, entre outros (GUARÁ, 2003, p.41) Essa afirmação de Guará (2003) aponta para a preocupação que a educação não formal tem em buscar temas relevantes que respeitam o contexto, aproxima o conhecimento da ação e responde de modo direto e rápido às demandas da vida prática. A educação formal existe um sistema de ensino regido por leis que determinam a ação pedagógica. No caso, a LDBEN/96, em seu Artigo 12, afirma que “os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de: “elaborar e executar sua proposta pedagógica” (1996, p.9), e o currículo a ser desenvolvido pela escola a partir da orientação dos PCNs15 e de documentos expedidos por órgãos do Ministério de Educação e da Secretaria Estadual e Municipal de Educação que orientam as ações educativas escolares, sendo que o currículo tem uma base nacional como os artigos da LDBEN de 1996 definem:. Art. 26. Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a se complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela. (p.11-12) Art. 27. Os conteúdos curriculares da educação básica observarão, ainda, as seguintes diretrizes: I – a difusão de valores fundamentais ao interesse social, aos direitos e deveres dos cidadãos, de respeito ao bem comum e à ordem democrática; III – orientação para o trabalho; IV – promoção do desporto educacional e apoio às práticas desportivas não-formais (p.12) Na escola, apesar de todo o respaldo oferecido pela lei, pelas diretrizes que orientam o currículo para que a educação formal flua, é possível perceber uma ação educativa marcada pelo que afirma Rocha (2007)16 15 16 PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais. Caderno A16 - Entrevista da 2ª – Jornal Folha de São Paulo de 26/11/2007. 53 A escola não permite inovação. Ela é reprodutora da mesmice. A escola formal não está só na forma. Ela está dentro da fôrma. O pior é quando ela está dentro do formol. É um cadáver. O conteúdo da escola está pronto. Os meninos que vão entrar na escola no ano que vem, independentemente, de quem sejam e de suas histórias, aprenderão as mesmas coisas (ROCHA, 2007) O autor propõe que se reflita sobre o currículo que é estabelecido nas várias escolas brasileiras que, no geral, possuem uma parte comum e outra diversificada. Apesar dessa possibilidade, os currículos são os mesmos nas diferentes regiões brasileiras e isso não garante a aprendizagem dos estudantes. Na opinião de Rocha (2007), faltaria pensar continuamente em criar e inovar em cada lugar do Brasil a partir de uma situação local e dos interesses dos indivíduos. Porque esta maneira de construir a educação permitiria a criação de “uma sociedade polivalente e diversificada”, em que houvesse lugar para que fossem manifestadas as expressões humanas, já que “somos movidos pela curiosidade que vira uma encrenca. As respostas à perguntas são testadas e viram novas metodologias, novas pedagogias.” (2007). Morin (2003)17 é outro pensador que também defende uma mudança do quê ensinar nas escolas a partir da revisão das disciplinas. Assim, o autor se coloca: As disciplinas como estão estruturadas só servem para isolar os objetos do seu meio e isolar partes de um todo. Eliminam a desordem e as contradições existentes, para dar uma falsa sensação de arrumação. A educação deveria romper com isso mostrando as correlações ente os saberes, a complexidade da vida e dos problemas que hoje existem (p.21). Esse posicionamento poderia instigar a curiosidade, o que seria um caminho para construir um currículo vivo. O autor acrescenta ainda que “os saberes não devem assassinar a curiosidade. A educação deve ser um despertar para a filosofia, para a literatura, para a música, para as artes. É isso que preenche a vida. Esse é o seu verdadeiro papel” (MORIN, 2003, p.21). Pelo posicionamento dos autores, percebe-se que uma modalidade não é mais importante do que a outra para a formação do estudante, uma vez que elas se interpenetram. Porque tanto as práticas informais como as formais e não formais ocorrem na vida dos indivíduos, sua importância pode ser determinada pelo acesso que estes têm no processo de aprender, que ocorre a todo o momento, nas aplicações cotidianas e nas relações sociais. 17 Entrevista – Nova Escola de /2003. 54 CAPÍTULO 3 APROXIMAÇÃO ENTRE CULTURA E EDUCAÇÃO ...existe, entre educação e cultura, uma relação íntima, orgânica. Quer se tome a palavra ‘educação’ no sentido amplo, de formação e socialização do indivíduo, quer se a restrinja unicamente ao domínio escolar, é necessário reconhecer que, se toda educação é sempre educação de alguém por alguém, ela supõe sempre também, necessariamente, a comunicação, a transmissão, a aquisição de alguma coisa. FOURQUIN,1993, p. 10 O objetivo, neste capítulo, é apresentar alguns conceitos sobre a palavra cultura, entender o que cultura e educação podem fazer juntas. 3.1 CULTURA Ao se falar de Cultura, é comum ouvirmos uma expressão bastante ambígua, vaga, imprecisa, mas bem intencionada que é a de se “levar a Cultura ao povo”. Contra isso, a priori, nada se pode dizer. Temos que levar sim, não só a Cultura, mas também a Erudição, que é o conhecimento da cultura dos outros: a ninguém fará nenhum mal o contato com as peças de Shakespereare e Moliére que infelizmente não eram brasileiros, os quadros de Velásquez e Van Goh, as sonoridades de Mozart e Beethoven. Nós não devemos, porém – jamais! – esquecer que o povo tem sua própria Cultura. O povo também é artista, porque essa é a condição humana: somos os únicos habitantes da Terra capazes de criarmos Metáforas, e a arte é sempre uma Metáfora. (BOAL, 2005)18 O termo cultura tem dois sentidos iniciais. Segundo Chauí (2010), o primeiro vem do verbo latino colere (“cultivar”, “criar”, “tomar conta”, “cuidar”), que significava o aprimoramento da natureza humana pela educação em 18 Discurso de agradecimento de Augusto Boal proferido em relação aos pontos de cultura 55 sentido amplo, isto é, como formação das crianças não só pela alfabetização, mas também pela iniciação à vida na coletividade por meio do aprendizado da dança, da ginástica e de exercícios mentais; com o aprendizado de gramática, poesia, oratória ou eloquência, história, ciências e filosofia. Portanto, culta era a pessoa fisicamente bem preparada, moralmente virtuosa, politicamente consciente e participante, intelectualmente desenvolvida pelo conhecimento das ciências, das artes e da filosofia. O segundo sentido está relacionado à civilização, ou seja, como resultados e consequências da formação ou da educação dos seres humanos, expressos em obras, feitos, ações e instituições que se manifestam nas formas de organização da vida social e política ou na vida civil, de cidadão. Nesse momento se dá a separação entre natureza e cultura, ou seja, entre homem e a natureza há uma diferença essencial: o homem age por escolha de acordo com valores e fins estabelecidos por ele próprio. A natureza seria o campo da necessidade causal e de efeitos que operam por si mesmos, sem depender da vontade de algum agente. Assim, a cultura é o campo instituído pela ação dos homens, que agem escolhendo livremente seus atos, dando a eles sentido, finalidade e valor porque instituem as distinções entre bom e mau, verdadeiro e falso, legítimo e ilegítimo, possível e impossível, sagrado e profano. (CHAUÍ, 2010, p. 227). A autora apresenta outros sentidos para o termo cultura: a) a palavra cultura como sinônimo de história, que passa a ter esse sentido quando “a relação que os seres humanos socialmente organizados estabelecem com o tempo e com o espaço, com os outros seres humanos e com a natureza, relações que se transformam no tempo e variam conforme as condições do meio ambiente” ( p. 227); b) a transformação da natureza pela ação do trabalho humano, ou seja, “os seres humanos produzem objetos inexistentes na natureza, organizam-se socialmente para realizá-lo, dividindo as tarefas, daí surgem a invenção do comércio e a classes sociais e, consequentemente, os conflitos gerados pelo poder.”(p. 228); 56 c) como ordem simbólica, ou seja, “a capacidade de dar às coisas um sentido que está além de sua presença material, isto é, a capacidade de atribuir significações e valores às coisas e aos homens, distinguindo entre bem e mal, verdade ou falsidade, beleza e feiura; determinando se uma coisa ou uma ação é justa ou injusta, legítima ou ilegítima, possível ou impossível.”(p. 229). Outro aspecto que se torna pertinente quando se trata dos sentidos da palavra cultura é a de ter menos ou mais cultura, relacionada à posse de conhecimentos. Por isso é um fator positivo ser culto. Outro sentido está relacionado ao fato de se estar habilitado para exercer certa função ou posição. Portanto, nesses dois sentidos, cultura sugere prestígio e respeito, como destaca Chauí (2010, p. 224). Gruman (2010) manifesta concordância com Chauí no que diz respeito à palavra cultura significar prestígio, quando cita Da Matta: [...] quando alguém não tem cultura, a referência é à sofisticação, sabedoria, de educação no sentido restrito do termo. Ou seja, pressupõe-se que o volume de leituras, controle de informações e títulos universitários equivalem à „inteligência‟. A cultura em seu sentido antropológico, por outro lado, transcende a noção de refinamento intelectual (cujo adjetivo é „culto‟, e não „cultural‟). A cultura permite traduzir melhor a diferença entre nós e os outros e, assim fazendo, resgatar a nossa humanidade no outro e a do outro em nós mesmos. (DA MATTA, 1981, apud GRUMAN, 2010). Afirma Gruman que, “ao seguirmos esta perspectiva, tornamo-nos mais respeitosos com relação ao outro porque este outro nada é do que nosso espelho, refletindo a unidade na diversidade. Para além da tolerância, perseguimos a convivência e a harmonia.” (GRUMAN, 2010)19. Libâneo (2011) propõe a ideia de cultura a partir da visão psicológica, voltada para a escola. Para o autor, existe uma cultura organizacional na escola: os indivíduos e sua subjetividade interferem nas 19 Discurso proferido como representante ministerial no Encontro Ibero-Americano de Educação Artística e Cultura, México/2010 57 formas de organização e de gestão escolar, pois têm como uma das características básicas a relação interpessoal, tendo em vista a realização de objetivos comuns. Portanto, a bagagem cultural dos indivíduos contribui para definir a cultura organizacional da instituição da qual fazem parte. Isso significa que as organizações – a escola, a família, a empresa, o hospital, a prisão, etc. – vão formando uma cultura própria, de modo que os valores, as crenças, os modos de agir dos indivíduos e sua subjetividade são elementos essenciais para compreender a dinâmica interna delas. (IBIDEM, p. 319) Na escola é a cultura organizacional que explica o comportamento de cada indivíduo diante da aceitação ou não aceitação de mudanças, nas palavras de Fourquin (1993): A escola é, também, um mundo social, que tem suas características de vida próprias, seus ritmos e seus ritos, sua linguagem, seu imaginário, seus modos próprios de regulação e de transgressão, seu regime próprio de produção e de gestão de símbolos. (apud LIBÂNEO, 2011, p.320) Cultura organizacional pode, então, [...] ser definida como o conjunto de fatores sociais, culturais e psicológicos que influenciam os modos de agir da organização como um todo e o comportamento das pessoas em particular. Isso significa que, além daquelas diretrizes, normas, procedimentos operacionais e rotinas administrativas que identificam as escolas, há aspectos de natureza cultural que as diferenciam umas das outras, não sendo a maior parte deles nem claramente perceptíveis nem explícitos. Esses aspectos têm sido denominados frequentemente de „currículo oculto‟, o qual, embora recôndito, atua de forma poderosa nos modos de funcionar das escolas e na prática dos professores. Tanto é verdade, que os mesmos professores tendem a agir de forma diferente em cada escola em que trabalham. (LIBÂNEO, 2011, p.320) A palavra cultura se transforma em ações com outras significações quando se relaciona a espaços culturais, como: 58 [...] a) fazer da cultura um espetáculo, pago ou gratuito; b) através da cultura tirar os jovens das ruas e da violência e oferecer-lhes uma alternativa para a TV; c) confusão entre “cultura e educação ao tornar o teatro, o cinema, a biblioteca ou centro de cultura em substitutivos para um sistema educacional falido (COELHO, 2006, p.10). No entanto, a cultura prolifera. Mas que cultura está sendo multiplicada? Aquela cultura que expressa o senso comum que estaria ligado ao campo artístico e às atividades do lazer. Então, a cultura seria uma espécie de entretenimento, algo a que as pessoas se dedicam no seu tempo livre, fora de seus trabalhos cotidianos, no tempo em que podem relaxar. Nesse ponto vista, a vida cultural estaria ligada ao complexo de produtos e atividades, acessórios, secundários, com algum valor de mercado.(FERREIRA, 2010) Também Coelho (2006, p.10) menciona que a abertura de teatros e museus “ao povo” quase nunca é pensada para proporcionar uma situação para o povo chegar à criação, mas apenas para aumentar o número de novos espectadores e admiradores, quer dizer, novos consumidores. Isso ocorre, na opinião do autor, pelo fato de que os centros, os espaços culturais, utilizam, no geral, em seu programa de ação, a fabricação cultural como meio de realizá-lo. A fabricação cultural “é um processo com um início determinado, um fim previsto e etapas estipuladas que devem levar ao fim preestabelecido” (IBIDEM, p.12). Já a ação cultural ou arte-ação é o “processo com início claro e armado, mas sem fim especificado e, portanto, sem etapas ou estações intermediárias pelas quais se deva necessariamente passar – já que não há um ponto terminal ao qual se pretenda ou espere chegar”. (IBIDEM, p.12) Há dois propósitos diferentes entre a fabricação e a ação cultural, ou seja, na fabricação, “o sujeito produz um objeto, como um marceneiro faz um pé torneado e, na ação, o agente gera o processo, não um objeto. Por isso, 59 o objeto na ação cultural não seria algo programado ou previsto, não existe o controle quando se desencadeia o processo” (IBIDEM, p.12). Nas palavras do autor, “a cultura é o que move o indivíduo, o grupo, para longe da indiferença, da indistinção; é uma construção que só pode proceder pela diferenciação. Seu oposto é a diluição” (IBIDEM, p.21). Daí a necessidade de que, nos espaços onde ocorra a expressão das várias manifestações artísticas, haja e seja desenvolvida em seu programa de ação a prática da “arte-ação”, para se diferenciar e se destacar em relação a outras existentes, visando a transformação da sociedade. Nessa perspectiva, espaço de cultura poderá contribuir com a escola na formação do estudante para que este deixe de ser apenas consumidor da produção cultural. 3.2 ESCOLA E ESPAÇO DE CULTURA PARA QUÊ? A educação pode ser uma modalidade da cultura, mas o universo desta será sempre mais amplo que o campo daquela, de modo que aceitar fazer da ação cultural uma ação educativa é conformar-se em ficar aquém do possível. A ação cultural não se contenta com limitações. COELHO, 2006, p.32 Os acontecimentos do mundo atual afetam a educação escolar de várias maneiras, como destaca Libâneo (2011): a) exigem um novo tipo de trabalhador, ou seja, mais flexível e polivalente, o que provoca certa valorização da educação formadora de novas habilidades cognitivas e de competências sociais e pessoais; b) levam o capitalismo a estabelecer, para a escola, finalidades mais compatíveis com os interesses do mercado; c) modificam os objetivos e as prioridades da escola; d) produzem modificação nos interesses, nas necessidades e nos valores escolares; e) forçam a escola mudar suas práticas por causa do avanço tecnológico dos meios de comunicação e da introdução à informática; f) induzem alteração na atitude do professor e no trabalho docente, uma vez que os meios de 60 comunicação e os demais recursos tecnológicos são muito motivadores (p.52). A sociedade atual é denominada por estudiosos como sociedade do conhecimento, sociedade técnico-informacional, cuja ênfase está no saber e na ciência. A consequência disso é as pessoas aprenderem na fábrica, com a televisão, na rua, nos centros de informação, nos vídeos e no computador, ampliando-se, assim, os espaços de aprendizagem (IDEM). Dessa forma, como já foi mencionado neste estudo, a escola deixa de ser o único lugar que ensina, ou seja, a instituição escolar (...) já não é considerada o único meio ou o meio mais eficiente e ágil de socialização dos conhecimentos técnico-científicos e de desenvolvimento de habilidades cognitivas e de competências sociais requeridas para a vida prática (IDEM). O autor, ao falar da importância da escola, relata que “a tensão em que a escola se encontra” não significa seu fim enquanto instituição social e educativa, mas indica um processo de reestruturação dos sistemas educativos e da instituição tal como é conhecida. A escola de hoje terá que conviver com outras modalidades de educação (não formal, informal e profissional) e articular-se e integrar-se a elas, a fim de formar cidadãos preparados para atuar no mundo. Por isso, o ensino escolar deve contribuir para: a) formar indivíduos capazes de pensar e de aprender permanentemente (capacitação permanente) em um contexto de avanço das tecnologias de produção, de modificação da organização do trabalho, das relações contratuais capitaltrabalho e dos tipos de emprego; b) desenvolver conhecimentos, capacidades e qualidades para o exercício autônomo, consciente e crítico da cidadania; c) formar cidadãos éticos e solidários (IBIDEM, p.52-53). Percebe-se também, nas ações desenvolvidas pelo espaço cultural, a interferência da sociedade do conhecimento. Para Coelho (2006), existe a 61 tensão entre produzir arte-ação e fabricação cultural no espaço cultural, sendo que a arte-ação se utiliza da ação cultural, que se baseia na cultura, e a fabricação cultural se apoia na ação educativa. Nas palavras do autor, a falta de perceber a diferença entre o processo educativo do processo cultural é a principal responsável pelo aparecimento de centros culturais, ou de ação “cultural”, em geral, que são na verdade meros substitutos ou complementos de sistemas educacionais formais falidos (p.29) . Ao optar pela educação, o centro de cultura busca o mais fácil, trazendo palestras, promovendo debates e cursos (de teatro, de cinema, de desenho, etc.), distanciando-se da arte-ação e da cultura. Para o autor, existe diferença entre educação e cultura. Ele as coloca em situações distintas: “a educação é o estar, quer dizer, partir daqui para voltar aqui mesmo, permanecer, metaforicamente, preparar-se para o que está, para o que existe, integrar-se ao que existe” (p.29), enquanto “a cultura (como a arte) procura viabilizar o êxtase, o sair para fora de si, sair do contexto em que se está para ver outra coisa, para ver melhor, para ver além, para enxergar sobre, acima, por cima, para ver por dentro”(p.28-29). São projetos excludentes, no entender do autor: ou se desenvolve cultura ou se desenvolve educação nos espaços culturais. Ao defender a ideia de arte-ação, que se apoia na definição de cultura, Coelho (2006) enfatiza que esta não deve focar no lazer alienante ou na recuperação social de pessoas, pois isso reforçaria a “ação dos aparelhos ideológicos do Estado criados para gerir a crise da cultura e produzir práticas novas em conformidade com essa lógica” (p.50). Existem os programas de TV, espaços culturais, produções de teatro, de dança, de música que não apresentam nada de inovador, por isso não leva a comunidade a pensar, a criticar sua realidade. espontaneamente, Não financiará é possível práticas que esperar que contestem a e sociedade, proponham transformações dela mesma, mas existe um movimento antagônico no seu 62 interior capaz de provocar alterações de tempo em tempo, por meio da arteação. Outro aspecto que preocupa o autor é a facilidade que o agente cultural pode ter em conseguir financiamentos para sua produção, e isso fazer com que ele se submeta aos procedimentos de reprodução cultural defendida em escolas, universidades, meios de comunicação de massa, publicidade, bem como “às tentativas constantes de fazer com que tudo se transforme, imediatamente, em dinheiro e lucro” (COELHO, 2006, p.51) Embora a posição de Coelho traga uma crítica que parece desmerecer o trabalho de grupos que envolvam a cultura, há inúmeros grupos que, com muita dificuldade, conseguem se manter e ter um espaço para a apresentação e a divulgação de seu trabalho junto à comunidade. Para relacionar-se com essa comunidade, o grupo tem de ser criativo, o que nem sempre é fácil, pois, no geral, a comunidade não se sente nem consumidora nem produtora de cultura. Para ela, o lazer está relacionado a não ir trabalhar, portanto o significado de diversão está em colocar uma música alta, reunir os amigos, umas bebidas e muita dança e muita conversa, dormir muito, ou assistir à TV. Ora, um ponto de cultura precisa inovar para ser mais atraente do que a televisão e a reunião a que as pessoas daquele local estão acostumadas, e, nesse movimento, trazer a arte-ação e cultura, e ao mesmo tempo atrair essas pessoas em torno desta proposta. Na Bela vista há vários exemplos de grupos que atuam tendo em vista o princípio de arte-ação e cultura defendido por Coelho, como é o caso do grupo da Cia Espaço da Gioconda, do Literatura Suburbana, do Grupo do Teatro Oficina, comandado por José Celso, para citar alguns existentes no bairro. Segundo Coelho (2006), promover lazer ao homem, que já é massificado por meio da TV, da música, de livros de jornais especializados em cultura; ou promover sua recuperação social, tanto em uma ação quanto e na outra não ocorre ação cultural ou arte-ação. 63 É possível dizer que o espaço cultural não vai deixar de atuar nos vários bairros, até porque se espera que ele comece a agir nas comunidades com a intenção de promover a arte-ação, pois é nesse estágio que ele contribui verdadeiramente para que a escola supere a sua mesmice e supere a ação cultural no sentido defendido por Coelho (2006), transformando-se em uma comunidade de aprendizagem, como defende Torres (2003). Em relação à contribuição que o ponto de cultura pode trazer para a formação do indivíduo, questão levantada inicialmente nesta pesquisa, Ferreira (2010) nos ajuda a refletir, quando afirma que a cultura deve ser uma necessidade básica, como dormir, vestir e morar. Temos que entender que, sem uma radical mudança de valores, não há salvação para a vida do homem no planeta. Sem o que não haverá desenvolvimento sustentável. Carecemos de outra visão do que seja desenvolvimento da cultura. Os números e os fatos nos mostram que o atual modelo de desenvolvimento desta civilização exauriu-se (2010) O mesmo poderia ser dito em relação à educação. O ideal é que ela seja uma ação cotidiana, como respirar, para que, a todo o momento, independentemente das modalidades e especificidades, os indivíduos pudessem produzir e ter acesso à produção artística e cultural da sociedade. A ideia de comunidade de aprendizagem pode ser uma alternativa para promover ações compartilhadas entre espaço de cultura e escola, como propõe Torres (2003), para quem a comunidade de aprendizagem é uma comunidade humana organizada que constrói um projeto educativo e cultural próprio para educar a si própria, suas crianças, seus jovens e adultos, graças a um esforço endógeno, cooperativo e solidário, baseado em um diagnóstico não apenas de suas carências, mas, sobretudo, de suas forças para superar essas carências. (p.83). Para ela, assegurar educação e aprendizagem permanente, relevante e de qualidade para todos é fazer da educação uma necessidade e uma tarefa de todos, desenvolvendo e sincronizando os 64 recursos e os esforços das comunidades local e nacional, com um forte apoio dos níveis intermediários e do nível central, a fim de assegurar condições de viabilidade, qualidade e equidade (p.83). Afirma ainda que a comunidade de aprendizagem, não é um modelo fechado, limitado ao âmbito local, mas uma proposta de política educativa, centrada em uma estratégia de desenvolvimento e transformação educativa e cultural em nível local e nacional, considerando como protagonista e tendo em vista o desenvolvimento humano. Estabelece alianças operacionais e estratégicas em nível micro (comunidade de aprendizagem) e macro (política educativa, social e econômica). Adota uma visão sistêmica do educativo, colocando no centro a necessidade e a cultura em sentido amplo e articulando educação formal/ não formal /informal, escola/comunidade, política educativa/social/econômica, educação e cultura, saber científico/saber comum, educação de crianças/educação de adultos, reforma/inovação, gestão administrativa/gestão pedagógica, os pobres, os grupos „desfavorecidos‟ ou „em situação de risco‟, o global/o local. (p.86) Portanto, Torres nos traz a preocupação não só da educação permanente, mas também da aprendizagem permanente, que ocorreria na relação entre os vários polos culturais existentes no bairro. Daí a importância desses espaços manterem suas diferenças e especificidades para servirem como polos que participam de uma aprendizagem efetiva. 65 CAPÍTULO 4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS Neste capítulo apresentamos os dados da pesquisa que buscou conhecer a relação de alunos da Educação de Jovens e Adultos com a Escola e a Cultura, aspectos desenvolvidos anteriormente. A relevância desse conhecimento está no fato de que, nos dias atuais, importa que ambos os ambientes educacionais, escola e comunidade, participem da educação da população, em especial daqueles indivíduos que não tiveram oportunidade, na idade própria, de se sentir cidadãos do mundo e dele participarem ativa e criticamente. 4.1 CONHECENDO OS PARTICIPANTES DA PESQUISA Como primeiro passo para compreender as opiniões dos alunos sobre os temas em estudo, está sua caracterização, obtida por meio das três primeiras perguntas do questionário a que responderam, no total, 90 estudantes, sendo 51 mulheres e 39 homens. Tem- se, nos Gráficos 1 e 2, um panorama das idades e da situação de moradia, considerando o número de pessoas que habitam sob o mesmo teto. 66 Gráfico 1 - Faixa etária dos participantes 1% 1% 0% 1% 0% 3% 15 - 20 6% 21 - 25 26 - 30 7% 31 - 35 36 - 40 41 - 45 13% 52% 46 - 50 51 - 55 56 - 60 61 - 65 7% 66 - 70 9% 71 - 75 Observa-se que a faixa etária varia de 15 a 75 anos e a predominância é de jovens 15 a 20 anos, o que revela que esses buscam a continuidade dos estudos na modalidade. Isso, possivelmente, aponta uma das seguintes realidades: a) os jovens saem do curso regular e procuram a modalidade EJA a fim de concluir os estudos; b) os adolescentes/jovens foram “colocados” na modalidade para corrigir fluxo, ou por outros motivos encaminhados pela gestão da escola; c) a modalidade é oferecida no período noturno, geralmente, o que implica que o adolescente/jovem só tenha uma opção de horário para continuar seus estudos; d) no noturno é possível conciliar estudo e trabalho. Observa-se que o jovem aluno da EJA não é aquele com uma história de escolaridade regular. Ele é um excluído da escola e, por isso, incorporado aos cursos supletivos em fases mais adiantadas da escolaridade, com maiores chances, portanto, de concluir o ensino fundamental, ou mesmo o ensino médio. Esse jovem é bem mais ligado ao mundo urbano, envolvido em 67 atividades de trabalho e lazer mais relacionadas com a sociedade letrada, escolarizada e urbana (OLIVEIRA, 1999). Por outro lado, esse resultado mostra um número menor de pessoas mais velhas na modalidade, o que pode gerar hipóteses sobre o que aconteceu com elas. Uma possibilidade é que querem e precisam concluir sua escolaridade por algum motivo. De qualquer forma, o adulto está inserido no mundo do trabalho – ou querendo nele se inserir – e no das relações interpessoais de um modo diferente daquele da criança e do adolescente. Traz uma história mais longa de experiências, conhecimentos acumulados e reflexões sobre o mundo externo, sobre si mesmo e sobre as outras pessoas, portanto tem sua particularidade. O adulto da EJA, segundo Oliveira (1999), não é um estudante universitário, nem o profissional qualificado que frequenta cursos de formação continuada ou de especialização, ou a pessoa adulta interessada em aperfeiçoar seus conhecimentos em áreas como artes, línguas estrangeiras ou música, por exemplo. Na conversa informal com os alunos em sala de aula, pudemos perceber que os dados de Kohl (1990) continuam atuais, quando menciona que eles são, geralmente, migrantes que chegam às grandes metrópoles provenientes de áreas rurais empobrecidas, filhos de trabalhadores rurais que não saíram da zona rural e que apresentam baixo nível de instrução escolar, e que têm, eles próprios, uma passagem curta e não sistemática pela escola, trabalhando em ocupações urbanas não qualificadas, após experiência no trabalho rural na infância e na adolescência. Eles buscam, tardiamente, a escola para alfabetizar-se ou cursar algumas séries do ensino supletivo. Pode-se acrescentar que esse adulto é mais consciente da importância do estudo formal na sua vida social, desde a relação com os filhos e netos até nos possíveis empregos, já que hoje o adulto de mais de 60 anos, embora aposentado, tem necessidade de continuar trabalhando para manter os seus próprios gastos e os da família. 68 A EJA tornou-se uma oportunidade educativa para um largo segmento da população, com três características escolares básicas: a) iniciaram a escolaridade já na condição de adultos trabalhadores; b) são adolescentes/jovens e adultos que ingressaram na escola regular e a abandonaram há algum tempo, frequentemente motivados pelo ingresso no trabalho e em razão de movimentos migratórios, entre outros; e c) são adolescentes que ingressaram e cursaram recentemente a escola regular, mas acumularam aí grande defasagem entre a idade e a série cursada. Pode-se considerar, ainda, que a clientela da EJA tornou-se mais jovem e urbana em função da dinâmica escolar e da pressão do mundo do trabalho. As deficiências do sistema escolar regular público são responsáveis por parte da demanda do público jovem em relação os programas da EJA, a qual ficou com mais algumas funções, como a de “acelerar os estudos” desses estudantes. Essas pessoas têm em comum o fato de estar diante de um curso oferecido pelo Estado, destinado àqueles que não puderam seguir o caminho da escolaridade regular e que constitui objeto da área da EJA. 69 Gráfico 2 - Número de pessoas que moram com os participantes da pesquisa 1% 0% 1% 6% 0-1 30% 2a3 4a6 7a8 62% mais de 8 O Gráfico 2 apresenta, em termos percentuais, o número de pessoas com quem cada participante da pesquisa mora: 1 pessoa mora sozinha; 53 moram com 2 a 3 pessoas; 26 moram com 4, 5 ou 6 pessoas; 5 moram com 7 ou 8 pessoas e apenas 1 mora com mais de 8 pessoas, totalizando 86, pois 4 deixaram a questão em branco. A predominância é morar duas a três pessoas (62%), o que causa surpresa, pois a ideia inicial era a de que os estudantes pertencessem a famílias numerosas. Na verdade, o resultado revelou que o núcleo familiar diminuiu – alguns desses alunos não moram com a família. As questões de 3 a 7 mostram características do percurso escolar dos estudantes. No Gráfico 3 estão expostos, em termos percentuais, os motivos que levaram os respondentes a abandonar os estudos em alguma época da vida. 70 Gráfico 3-Motivos que levaram os participantes da pesquisa a abandonar a escola casamento opção entre trabalhar e estudar gravidez escola distante medidas sócio-educativas abuso de drogas arrimo de família violência infantil zona rural problemas de saúde 0% 5% 0% 0% 6% 15% 6% 0% 8% 11% 49% Os dados brutos que deram origem ao gráfico foram: 12 alunos deixaram a escola por causa do casamento; 40 porque tiveram que optar entre estudo e trabalho; 9 mulheres por gravidez; 6 porque a escola era distante; 5 por serem arrimo de família; 5 porque na zona rural não havia ensino fundamental ou médio e 4 por problemas de saúde, totalizando 80 respostas. 71 Quatro respostas apareceram por escrito, por iniciativa dos participantes, como: “Parei porque não encontrei vaga nas escolas”; “Repeti de ano”; “Mudei de cidade e na escola não tinha vaga”; “Nunca deixei a escola”, totalizando 84 respostas. Acrescente-se ainda que, nesta questão, o participante podia escolher mais de um item e que 24 estudantes deixaram a questão em branco. Os itens medidas socioeducativas e abuso de drogas não foram assinalados, embora exista um número considerável de alunos em liberdade assistida recebidos pela escola, e há casos de uso de drogas por parte dos alunos – o que ocorre tanto na EJA quanto no ensino regular. Verifica-se que os itens mais escolhidos pelos respondentes foram a opção pelo trabalho e pelo estudo (40) e pelo casamento (12). Gráfico 4 -Tempo (em anos) que os participantes ficaram fora da escola 0% 29% 33% mais de 1 ano mais de 2 anos de 5 a 10 anos mais de 15 anos 27% 11% O Gráfico 4 se refere ao tempo que os respondentes ficaram fora da escola: 23 ficaram mais de 1 ano; 8 mais de 2 anos; 19 de 5 a 10 anos e 20 72 mais de 15 anos. Embora a questão fosse fechada, surgiram dois esclarecimentos adicionais: um aluno ficou afastado por um dia e o outro afirmou que nunca havia parado de estudar, totalizando 72 respostas. Dezoito dos participantes deixaram a questão em branco. Verifica-se a variação de 1 a mais de 15 anos. A predominância é de um ano fora da escola (23) e mais de 15 anos (20). Os que não responderam à questão provavelmente nunca se afastaram da escola. Entre os alunos que voltaram para a escola, nem todos permanecem, muitos desistem e vários são reprovados, principalmente pelo excesso de faltas, discussão que será feita mais à frente. Gráfico 5 - Motivos apontados pelos participantes para o retorno à escola 0% 20% continuidade dos estudos exigência do serviço 15% desejo de ampliar os estudos 65% O Gráfico 5, que trata do motivo de retorno à escola pelos participantes, aponta o seguinte resultado: 18 dos estudantes retornaram à escola para continuar os estudos; 13 por exigência do serviço e 57 pelo desejo de ampliar os conhecimentos; 1 respondeu que sempre estudou na escola, 73 totalizando 89 respostas. Alguns dos respondentes escolheram mais de um item e 15 dos entrevistados deixaram a questão em branco. Verifica-se que a maioria, ou seja, 65% dos respondentes retornaram à escola pelo desejo de ampliar os estudos, apontando para a importância da escola na vida deles, independentemente de se fazer uma associação entre o que se aprende na escola e o resultado da aprendizagem lhes servir para vida profissional. Isso aponta para uma limitação da escola, pois ela poderia auxiliar claramente seus estudantes na escolha das profissões, ou seja, dar um direcionamento para outros cursos técnicos e/ou universitários e de como atingir esse objetivo. Essa posição da escola poderia enriquecer sua relação com o aluno e aumentar os vínculos entre ambos. Gráfico 6 - Tempo que os respondentes estudam na escola São José 0% 5% 49% menos de 1 ano mais de 2 anos sempre estudei aqui 46% O Gráfico 6 aponta os seguintes resultados: 44 estudam há menos de 1 ano; 41 há mais de 2 anos e 4 sempre estudaram na escola, totalizando 89 respostas. Apenas 1 dos estudantes não respondeu à questão. 74 Verifica-se a predominância de menos de um ano (49%) e mais de dois anos (46%). A maioria dos respondentes está na escola há pouco tempo, e voltou à escola para concluir o Ensino Fundamental Ciclo II, Etapa Final. Percebe-se aí o interesse dos alunos pela certificação do Ensino Fundamental Ciclo II e a possível continuidade para o Ensino Médio. Quanto aos cursos realizados pelos alunos fora da escola, as respostas revelaram que 57 alunos fizeram cursos (66%) e 29 não (34%), totalizando 86 respostas. Do total, 4 deixaram a questão em branco. Gráfico 7 - Cursos realizados fora da escola 0% 0% 28% informática 46% idiomas artes instrumentos musicais outros 8% 6% 12% Os cursos compreendem informática (33); idiomas (9); artes (4); instrumentos musicais (6) e outros (20). Em outros cursos (20), obteve-se o seguinte resultado: os ligados à profissão como: depilação (1), manicure (1), RH (2), secretariado (1), recepção e atendimento (1), modelista (1), administração e gerenciamento (3), panificação e confeitaria (1), gestão e negócio (1), curso de barista (1), artesanato (1), preparação para o mercado de trabalho (1), desenho (1); arte: dança (1), teatro (2); e novos idiomas: morou fora do país (1). 75 Observa-se a predominância de alunos que buscam ou buscaram outros cursos fora da escola para ampliar seus conhecimentos, mostrando que há uma preocupação com a formação profissional e geral. 4.2 OS ALUNOS E A CULTURA Os gráficos 8 e 9 tratam das atividades culturais que os estudantes apreciam e se elas interferem em seus conhecimentos sobre o mundo. Gráfico 8 - Atividades culturais apreciadas pelos alunos teatro exposição de fotografia cinema recital escultura espetáculos de dança artes plásticas ópera show de música 0% 19% 23% 3% 6% 7% 13% 3% 25% 1% 76 O Gráfico 8 aponta que os estudantes apreciam: cinema (50); teatro (46); show de música (37); dança (26); exposição de fotografia (15); artes plásticas (11); escultura (6); ópera (6); recital (3), totalizando 200 respostas. Cinco dos estudantes deixaram a questão em branco. Os alunos podiam escolher várias alternativas. Acrescenta-se ainda que as respostas foram induzidas pelo questionário, não sendo possível afirmar se os respondentes frequentam ou apenas gostam dessas atividades culturais. Verifica-se que a preferência dos alunos por cinema, teatro e show de música. De certa forma, a interferência da escola ao promover atividades que os coloquem em contato com as várias expressões artísticas traz um retorno considerável, já que, espontaneamente, esses alunos não escolheriam recital ou ópera, por exemplo. Gráfico 9 - As atividades culturais aumentam o conhecimento dos alunos. 0% 1% 6% totalmente de acordo 17% nem concordo nem discordo discordo não sei 76% 77 O Gráfico 9 revela que os alunos: estão de acordo (68); nem concordam nem discordam (15); discordam (1); não sabem (1), totalizando 85 respostas. Cinco deixaram a questão em branco. Observa-se que, para essa questão, 76% concordam. Constata-se que a escola acerta ao proporcionar aos alunos atividades fora do espaço escolar. Essas atividades desenvolvem a capacidade poética nos alunos, pois eles são convidados a acessar todos os sentidos, aguçando sua sensibilidade. Esse resultado é positivo, pois parte dos alunos, em atitudes informais, se posiciona contrária às atividades que fogem à “lição na lousa”, ou que sejam realizadas fora da sala de aula. Para esses alunos é como se não houvesse aula, portanto seria uma perda de tempo. O Gráfico 10 mostra a percepção dos alunos em relação ao espaço onde ocorre a aprendizagem. Gráfico 10 - Locais onde a aprendizagem ocorre 0% 8% 5% 3% 0% em casa no trabalho nos centros de cultura 57% 27% na rua na escola todas as alternativas O Gráfico 10 mostra que a aprendizagem ocorre: em casa (8); no trabalho (5); nos centros de cultura (3); na escola (26); em todas as alternativas (56), totalizando 98 respostas. Dois alunos deixaram a questão em branco e ninguém escolheu que a aprendizagem ocorre na rua. 78 Observa-se a percepção por parte dos respondentes que em todos os lugares se aprende algo. Provavelmente, quem assinalou apenas na escola (26%), entende que o que se ensina nas escolas é diferente, ou seja, é específico em relação aos outros lugares. Os gráficos 11 e 12 tratam de como a escola se relaciona com os conhecimentos trazidos pelos estudantes. Gráfico 11 - O aproveitamento dos conhecimentos dos alunos pela escola 0% concordo plenamente, pois vi muito da minha cultura nas ações educativas 14% 4% concordo em parte algumas coisas foram superficiais 54% 28% discordo, porque foi passada uma cultura que não assimilo não sei O Gráfico 11 mostra que os alunos: concordam plenamente (45); concordam em parte (23); discordam (3); não sabem (12), totalizando 83 respostas. Sete dos respondentes deixaram a questão em branco. Observa-se que a maioria (54%) acredita que a escola aproveita os conhecimentos trazidos pelos alunos para acrescentar novos. 79 Gráfico 12 - Projetos da escola de que os alunos participaram Olhos de Nebul (teatro) Casa da Gioconda Poeira de estrela 2% 0% Identidade Jovem (filme) Câmara Municipal 12% 23% Wilson Simonal (documentário) - Unibanco 24% 17% Mulher Invisível _ (filme) Unibanco As eruditas (teatro) Teatro Brigadeiro 2% 4% 16% Vésper (música) - Casa da Gioconda outras O Gráfico 12 mostra a participação dos alunos nas atividades culturais, ou seja, aponta o seguinte resultado: 48 frequentaram a Casa da Gioconda e assistiram a Olhos de Nebul, peça teatral; 26 assistiram a Vésper, show de música; 36 foram ao CEU Bristol para ver Poeira de estrela (peça teatral); 80 34 foram à Câmara Municipal de São Paulo para assistir ao filme “Identidade Jovem”; 8 foram ao Espaço Unibanco assistir a “Wilson Simonal” e 5 assistiram a “Mulher Invisível”; outras : “Tapa” (1); “O Doido” (2); Umes (1). Observa-se que os respondentes participam das atividades culturais fora do ambiente escolar, como passeios, audição de música, teatro, filmes, totalizando 161 respostas; 11 deixaram a questão em branco. A escola tenta se relacionar com os equipamentos culturais que tenham algum vínculo com a formação de público. É o caso do Centro Educacional Unificado (CEU), um complexo educacional, esportivo e cultural caracterizado como espaço público múltiplo. Oferece 1 Centro de Educação Infantil (CEI) para criança de zero a três anos; 1 escola Municipal de educação Infantil (EMEI) para criança de quatro e cinco anos; 1 Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF), que possui Ensino de Jovens e Adultos (EJA). A cidade de São Paulo conta com 45 CEUs e o Centro de Convivência Educativo e Cultural de Heliópolis. Todas as unidades do CEU são equipadas com quadra poliesportiva, teatro, playground, piscinas, biblioteca, telecentro e espaços para oficinas, ateliês e reuniões. O Espaço Unibanco, localizado no bairro, abriu as portas em 1995 com o objetivo de levar ao público filmes de qualidade artística e cultural que não são facilmente encontrados nas salas comerciais. Com a fusão dos bancos Itaú e Unibanco, em 2008, o local passou a ser conhecido como Espaço Itaú de Cinema. A Câmara Municipal de São Paulo, órgão legislativo da cidade, foi criada em 1560 por um ato do terceiro governador-geral do Brasil, Mem de Sá, e fica localizada, atualmente, no local conhecido como Palácio Anchieta. O prédio, que fica no centro da cidade, além de ser o espaço em que funciona o poder legislativo da cidade, fica aberto para outras manifestações e atividades democráticas – a sessão do filme “Identidade Jovem” foi um exemplo. 81 Casa da Gioconda é um espaço cultural que mantém um diálogo com a escola, como foi apresentado no contexto de pesquisa. Percebe-se que, mesmo quando a escola não organiza diretamente um evento, por alguma razão, os espaços culturais acabam convidando a escola mais próxima para assistir a uma peça teatral ou para ver uma exposição – é o que acontece no bairro da Bela Vista. Os convites chegam à escola de centros culturais, teatros e outros espaços culturais do bairro, como também da própria Secretaria de Educação Municipal de São Paulo, através dos CEUs. É possível verificar que o calendário dessas atividades nem sempre é proposto ou direcionado pela própria escola. A escola se organiza quando leva os alunos ao cinema, pois precisa verificar o filme que está em cartaz, se ele é, de fato, de interesse dos alunos e dos professores. Assim, constata-se que a escola é convidada a interagir com o que está fora dela, quer pelos convites oriundos da SME, quer pelos convites feitos dos centros de cultura. Essa ação da escola faz com que os alunos criem alguns hábitos. Não é difícil, em uma conversa informal, ouvir o aluno confidenciar que é a primeira vez que entra em um teatro, que até aquele momento não sabia que era bom. Mostra também que esses espaços não propiciam o acesso de todos, pois os alunos vivem no bairro e não percebem esses espaços como públicos, portanto um local onde eles podem entrar e participar do que é realizado lá. Sobre as atividades desenvolvidas fora da escola, obteve-se o seguinte resultado: 62 alunos concordam plenamente que essas ações podem ser consideradas educativas; 24 concordam em parte e 2 discordam, totalizando 88 respostas. Dois dos respondentes deixaram a questão em branco. Observa-se que, embora não fosse explicado o significado do que seja uma atividade educativa, os alunos responderam à questão. 82 Gráfico 13 - Relação entre o que se aprende na escola e nos centros de cultura nenhuma relação, pois se trata de conhecimentos diferentes percebo que há relação, embora os conhecimentos sejam diferentes não há nenhuma relação sim, os conhecimentos da escola podem ser utilizados nos centros culturais parcialmente, pois os centros culturais são mais centros de lazer do que de conhecimento não frequento centros culturais os centros culturais completam os conhecimentos adquiridos na escola ampliando a aprendizagem não sei 0% 7% 10% 22% 25% 7% 3% 1% 25% O Gráfico 13 mostra, ainda que não tenha sido explicado, o que é um centro de cultura para os alunos: 83 10 não percebem relação entre o que se aprende na escola e nos centros culturais, pois se trata de conhecimentos diferentes; 26 percebem que há relação, embora os conhecimentos sejam diferentes; 1 dos alunos não percebe relação entre o que se aprende na escola e nos centros de cultura; 25 percebem que os conhecimentos da escola podem ser utilizados nos centros culturais; 3 percebem que a relação é parcial, pois os centros culturais são mais centros de lazer do que de conhecimento; 22 entendem conhecimentos que os centros adquiridos na culturais completam os escola, ampliando a aprendizagem; 7 não sabem se existe relação entre o que se aprende na escola e o que se aprende no centro cultural; Apenas 7 não frequentam centros culturais. No total, foram 107 respostas, pois os alunos escolheram mais de um item e 6 deixaram a questão em branco. Apesar de 7 alunos não frequentarem os centros de cultura na sua vida cotidiana, os estudantes percebem esses espaços como lugar de lazer e/ou de aquisição de conhecimentos que poderão ser levados para a sua vida como um todo. Isso nos permite levantar a hipótese de que os alunos não se percebem como sujeitos/participantes da cultura produzida pela sociedade. Ir ao teatro, assistir a um filme no cinema, visitar uma exposição de fotografias, ir à bienal de arte e a outros espaços culturais não faz parte de sua vida, de seu cotidiano. Por outro lado, os alunos não consideram que a escola, ao promover momentos em que eles frequentem os espaços de cultura, faz uma aproximação entre ela e a comunidade e favorece o acesso deles à produção cultural lá veiculada. 84 4.3 VOLTANDO À ESCOLA Os gráficos 14 e 15 mostram as expectativas dos alunos em relação à escola e a relação entre os estudos desenvolvidos e o desempenho profissional. Gráfico 14 - A escola corresponde às expectativas dos alunos 0% 2% 5% não, eu não adquiri conhecimentos necessários para prosseguir os estudos sim, adquiri conhecimentos necessários para prosseguir os estudos 27% parcialmente, percebo que terei que continuar os estudos 66% não sei O Gráfico 14 revela o resultado: 2 responderam que não adquiriram; 55 responderam que sim, que adquiriram; 23 responderam parcialmente, pois terão de continuar seus estudos; 4 não sabem se a relação existe. 85 O resultado consta de 84 respostas. Seis alunos deixaram a questão em branco. Observa-se que 66% dos respondentes afirmam que suas expectativas de aprendizagem foram garantidas pela escola tendo em vista a continuidade dos estudos. Percebe-se a confiança muito grande depositada na escola pelos alunos, bem como a confiança no conhecimento ensinado pela escola tendo em vista a continuidade dos estudos. Gráfico 15 - Contribuição dos estudos escolares para o desempenho profissional segundo a visão dos alunos 0% 0% concordo plenamente, consigo relacionar o que aprendo na escola com o trabalho 36% concordo parcilamente, nem tudo que aprendo na escola pode ser colocado em prática 64% discordo, não é possível relacionar os conhecimentos O Gráfico 15 mostra que 56 alunos concordam plenamente com a afirmação de que há relação com o conteúdo aprendido na escola; 31 concordam parcialmente. Dos 87 que responderam, no total, ninguém disse que discordava; 3 alunos deixaram a questão em branco. As questões de 17 a 19 tratam da continuidade dos estudos formais pelos alunos. Sobre o interesse em darem continuidade aos estudos, dos 90 86 respondentes, 85 disseram sim e 5, não. Nessa direção, 83 alunos têm intenção de cursar o ensino médio e sete deixaram a questão em branco. Considerando a mais longo prazo: 65 pretendem cursar o ensino superior, 8 não pretendem e 17 deixaram a questão em branco. Verifica-se, assim, o interesse na continuidade dos estudos pelos alunos. A única questão em aberto traz os assuntos que não foram contemplados no questionário. São eles: Em relação à gestão da escola, os alunos dizem que é preciso: “mais atitude da direção da escola”; “menos bagunça na escola”; “profissionalismo da secretaria”; “falar sobre a direção”; Em relação aos professores, alunos afirmam que “todos os professores explicam bem”; Em relação aos alunos, as afirmações são sobre a necessidade de “respeito ao professor por parte dos alunos”, bem como sugerem a “avaliação dos professores pelos alunos”; Com relação à aprendizagem na escola, sugerem escrever sobre “Que matéria você mais gostou”; “Escrever uma redação livre falando sobre sua aprendizagem durante as aulas”; “Ter aula de Educação Física” e “aula de filosofia e espanhol”; “Falar sobre musicais, apesar de que quero cursar nutrição dietética”; “Mencionar sobre os verbos”; “Palestras sobre relações sexuais, mundo das drogas e do crime”. “Os conhecimentos adquiridos na escola e nos centros culturais”; “O que o aluno aprendeu na escola e nos centros culturais”; Outros assuntos também foram abordados: “faltam atividades envolvendo todas as turmas junto”; “a estrutura da escola é boa”; “todos os conhecimentos são bons”. Poucos alunos expressaram sua opinião sobre outros assuntos. Houve uma participação maior deles nas questões fechadas. 87 CONSIDERAÇÔES FINAIS [...] a educação não é a alavanca da transformação da sociedade, mas tem seu papel no processo, pode alguma coisa. (FREIRE, 2001, p.30). O referencial teórico adotado para o desenvolvimento da pesquisa aponta a importância e a necessidade de aproximações entre a escola e a comunidade em que se esta se insere, em especial com os espaços culturais nela localizados. Estabelecer relações próximas entre espaço cultural e escola pode favorecer a ampliação do universo cultural dos estudantes, sua participação mais efetiva e crítica na comunidade e o enriquecimento dos conhecimentos escolares que precisam adquirir. Além de poder integrar os sentidos e os sentimentos vivenciados no espaço cultural à maneira mais racional e lógica praticada na escola. O percurso realizado para o desenvolvimento da dissertação e os resultados obtidos mostraram que é possível esse diálogo entre escola e espaço de cultura, que começa no papel específico que cada um desempenha num determinado contexto, no caso o próprio bairro em que esses espaços se encontram, na aproximação estabelecida por eles com a comunidade e como a comunidade considera isso. Embora as questões de pesquisa não tenham sido respondidas diretamente pelos estudantes no questionário usado para conhecer seus posicionamentos sobre o tema, foi possível perceber que ambas as instituições têm seu papel na ampliação do universo de conhecimento dos estudantes da EJA. A escola tem um importante papel, o de ser um disparador dessas relações, sem o qual as oportunidades de frequentar os espaços culturais por esse alunos seriam diminuídas. Entre os diferentes resultados obtidos destaca-se o caráter educativo da escola, percebido como importante pelos alunos. Em específico pode-se afirmar que para eles: a) as atividades culturais aumentam seu conhecimento sobre o mundo; 88 b) embora os conhecimentos adquiridos na escola e no espaço cultural sejam diferentes, ambos os espaços educam e são considerados complementares; c) a escola é importante, pois além de ampliar os conhecimentos, saber mais pode alterar a situação dos alunos, uma vez que os estudos ajudam na manutenção no emprego ou no alcance de outro. Em outras palavras: os alunos sabem que o conhecimento desenvolvido pela escola é necessário, é reconhecido pela sociedade e não é possível ser indiferente a isto; sabem que de posse desse conhecimento, poderá obter um resultado melhor no campo profissional e social. Embora haja o reconhecimento da importância da educação formal (escolar), os resultados mostram que os alunos pretendiam concluir até o ensino médio e não pensavam na continuidade no ensino superior. Em relação ao acesso dos alunos à escola e ao espaço cultural estudados foi possível observar que a divulgação dos programas dos espaços culturais feita pela escola e a distribuição gratuita de ingressos possibilita à escola promover o acesso dos alunos a esses locais, com o acompanhamento de professores. Constatou-se que se esses alunos não estivessem na escola e esta não promovessem visitas e idas aos espaços culturais e similares, os estudantes, por si só, não teriam essa iniciativa. Não perceberiam a importância da participação de cada indivíduo nos vários espaços do bairro que promovem a cultura, bem como não teriam acesso a esses bens culturais. O acesso aos bens culturais é de responsabilidade tanto da escola, dos espaços culturais como do Estado, já que este último é responsável pelas políticas públicas. Cabe à escola mostrar que os espaços de cultura existem e incentivar os alunos a frequentá-los, até que eles o façam de maneira autônoma. Por seu lado, cabe aos espaços culturais fazer com que a comunidade de seu entorno participe das atividades culturais organizadas e produzidas como forma de mostrar a ela que a arte e as expressões artísticas pertencem aos humanos, portanto a todos independente de classe social e de formação. Uma escola justa e séria pode ter origem no que pensa Freire (2001) quando estava à frente da Secretaria de Educação Municipal da Cidade: [...] a criação de uma escola que reformule seu currículo para que ocorra um espaço onde a alegria, a curiosidade, a competência, a justiça sejam princípios para a aprendizagem, a criação, a pergunta e o correr riscos (p.30). Parafraseando Freire, correr riscos faz parte do questionamento da realidade e a prática educativa competente procura, ao ensinar os conteúdos, desocultar a razão de 89 ser dos problemas d os conflitos presentes num determinado contexto, dando a entender que este pode ser modificado e reinventado. Uma alternativa para superar a escola que está aí, por uma questão de coerência pedagógica, é não buscar uma „receita‟ para ser aplicada em todas as escolas, receita que alunos e professores deem seguir ao pé da letra, é pensar e agir para que tanto a escola como o espaço de cultura cumpram seus respectivos papéis, atendendo a contento a comunidade e contribuindo para a formação dos estudantes, especial aos da EJA. Ao cumprir esses papéis distintos, tanto escolas quanto espaços culturais contribuirão para a construção de uma comunidade coesa e participativa. Assim, suas ações complementares poderão ampliar a formação dos estudantes da EJA e de outros níveis e modalidades de ensino. Destaca-se nesse final, a importância de desenvolver estudos que ajudem a entender dois aspetos nitidamente indicados na pesquisa: a evasão escolar ainda presente na EJA, buscando entender o porquê de os alunos desistirem dos estudos, mesmo quando tendo voltado à escola depois de vários anos; a maneira como as escolas e os espaços de cultura de um bairro podem estabelecer e estreitar seu intercâmbio cultural de modo que os estudantes possam de fato se sentir cidadãos do mundo, participantes de maneira criativa, inovadora da sociedade, onde os diferentes se encontram para manter o todo. 90 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARANTES, V. A. Educação formal e não-formal: pontos e contrapontos. São Paulo: Summus, 2008. BRANDÃO, C. R. o que é método Paulo Freire. São Paulo: Brasiliense, 2005. BRANDÃO, C. R. O que é educação. São Paulo: Brasiliense, 2007. BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Programa de Integração da Educação Modalidade de Educação de Jovens e Adultos PROEJA. Documento Base, 2006. 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( )2–3 ( )4–6 ( )7–8 ( ) mais de 8 3 - Escolha as alternativas que fizeram você deixar de frequentar a escola: ( ) O casamento ( ) Tive que optar entre estudar e trabalhar ( ) Gravidez não planejada ( ) Escola distante, faltava dinheiro para a condução ( ) Estive cumprindo medidas socioeducativas ( ) Abuso de drogas, álcool, não ficava acordado ( ) Arrimo de família devido à perda dos pais ( ) Violência Infantil ( ) Zona rural sem presença de ensino fundamental e/ou médio ( ) Problemas graves de saúde 4 - Há quanto tempo estava afastado da escola? ( ) + 1 ano ( ) + 2 anos ( ) 5 a 10 anos ( ) + de 15 5 - Seu retorno à escola se deve: ( ) Não pode continuar os estudos antes ( ) Solicitação do emprego/ exigência do serviço ( ) Desejo de ampliar seus conhecimentos 6 - Há quanto tempo você estuda nesta escola? ( ) – de 1ano ( ) + de 2 anos ( ) sempre 94