UPM – UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
ÂNGELA MARIA MENDES
ESCOLA E CULTURA:
VISÕES DE ALUNOS DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
SÃO PAULO
2013
ÂNGELA MARIA MENDES
ESCOLA E CULTURA:
VISÕES DE ALUNOS DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
Dissertação
apresentada
à
Banca
da
Universidade
Presbiteriana Mackenzie de São Paulo, como exigência parcial
para obtenção do título de mestre do curso Educação, Arte e
História da Cultura, sob a orientação da Profa. Dra. Regina
Maria Simões Puccinelli Tancredi.
SÃO PAULO
2013
M538e
Mendes, Ângela Maria
Escola e cultura: visão de alunos da educação de jovens e de adultos. /
Ângela Maria Mendes. – 2013.
145 f.; 30 cm
Dissertação (Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura) –
Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2013.
Orientador: Dra. Regina Maria Simőes Puccinelli Tancredi
Bibliografia: f. 123 - 124
1. EJA 2. Escola 3. Espaço Cultural. I. Título
CDD 374.012
FOLHA DE APROVAÇÃO
BANCA EXAMINADORA
-----------------------------------------------------------------Profa. Dra. Regina Maria Simões Puccinelli Tancredi
-------------------------------------------------Profa. Dra. Ingrid Hötte Ambrogi
--------------------------------------------------Profa. Dra. Maria Dalva da Silva Pagotto
SÂO PAULO
2013
DEDICATÓRIA
A Olorum, que me deu vida para que eu possa ter e realizar sonhos.
A Nossa Senhora, Senhor Cachoeira e a todas as energias
positivas que nos incentivam para continuarmos a caminhada terrena.
À Maria Aparecida Pereira Mendes, que possibilitou que eu
nascesse e sempre alimenta os meus sonhos.
Às minhas irmãs, Sueli e Clires, que, cuidando da minha mãe,
proporcionaram os meus estudos e a conclusão desta etapa.
A Yá Lourdes que me incentivou e me segurou para que não caísse
no abismo.
AGRADECIMENTOS
À minha Professora e Orientadora Regina Maria Simões Puccinelli
Tancredi.
Ao Francisco que mesmo quando faz silêncio consegue me ensinar muitas
coisas e serve de inspiração para manter o equilíbrio entre prosa e verso: sonho e
realidade.
À adversidade da vida, que permitiu a luta mesmo sem saber por onde
caminhava.
A Paulo Freire, pois o meu encanto pela educação se concretizou à
medida que lia seus livros e sonhava com a utopia de ver um mundo melhor para mim,
para minha família e para as pessoas da minha classe.
Aos meus alunos, que gentilmente responderam aos questionários e
possibilitaram, assim, que a pesquisa tivesse corpo, bem como a todos os alunos com
quem tive oportunidade de conviver e que me tornaram uma pessoa diferente, mais
sensível diante das realidades da vida.
A Gestão Escolar da escola São José que permitiu que eu pudesse
conversar com os alunos.
Aos amigos e as amigas que sabendo das dificuldades não deixaram de
me dar apoio.
A todas pessoas especiais que trabalham na Universidade que me
ajudaram com dedicação e competência no encaminhamento de documentos para a
conclusão do curso.
Coisas simples. Paulo Freire acredita que o dado fundamental
das relações de todas as coisas no mundo é diálogo. O diálogo
é o sentimento do amor tornado ação. As trocas entre o
homem e a natureza são originalmente regidas pelo diálogo.
BRANDÃO, 2005:103
RESUMO
O objetivo da pesquisa foi verificar a relação estabelecida pelos
estudantes da Educação de Jovens e Adultos (EJA), entre escola e
espaço cultural. O estudo foi desenvolvido com 90 alunos da Etapa
Final da EJA do Ciclo Fundamental II, do período noturno, de uma
escola pública da cidade de São Paulo. Para consultar os estudantes,
utilizou-se um questionário. As questões foram divididas em blocos e
serviram para: a) caracterizar os alunos e seu percurso escolar; b)
perceber a relação que eles estabelecem entre escola e espaço
cultural; c) conhecer sua aprendizagem dentro e fora da escola, d)
identificar as expectativas dos alunos em relação à escola e ao
trabalho. O referencial teórico abordou: a educação e a cultura e como
elas se relacionam ao se tratar da escola (educação formal) e espaço
cultural (educação não formal). Por isso, recorreu-se aos conceitos de
educação formal, educação não formal e educação informal a partir das
ideias de Gohn (2008/2010), Libâneo (2011), Trilla (2008). Também
utilizou–se as ideias de Chauí (2010) e Coelho (2006) para entender
cultura, e as ideias de Moreira (2008) e Freire (2001) para refletir sobre
currículo.Destacam-se alguns resultados da pesquisa: a) o número de
jovens na EJA aumentou e o de adultos diminuiu; b) os alunos
reconhecem a importância do ensino escolar e percebem que existe
um saber fora da escola; c) o acesso à produção cultural para alguns
alunos não existiria sem a ação da escola; d) a necessidade de
promover a permanência dos estudantes da EJA na escola e
intensificar sua participação em espaços de cultura. Considera-se
necessário ampliar a ação da escola e do espaço cultural como locais
de divulgação de conhecimentos distintos voltados para a formação de
indivíduos que agem sobre e no mundo.
Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos, Papel da Escola e do
Espaço cultural, Relação Escola e Espaço Cultural.
RESUMEN
El objetivo de esta investigación fue comprobar la relación establecida
por los estudiantes de la Educación de Jóvenes y Adultos (EJA), entre
la escuela y el espacio cultural. El estudio se lleró a cabo con 90
estudiantes de la EJA Ciclo Fundamental II, el período nocturno, de
una ciudad de São Paulo. Para ver los estudiantes se utilizó un
cuestionario. Las preguntas se dividen en bloques y sirvó para: a)
caracterizar los estudiantes y su escuela; b) comprensión de la relación
que se establece entre la escuela y espacio cultural; c) conocer su
aprendizaje dentro y fuera de la escuela; d) identificar las expectativas
de los estudiantes en relación a la escuela y al trabajo. El marco
teórico discutido: con la educación y la cultura y cómo se relacionan
con el caso de la escuela (educación formal) e incluso hay programas
de cultural (educación no formal). Por esta razón, han recurrido-se a
los conceptos de educación informal de las ideas de Gohn (2008/2010),
Libâneo (2011) y Trilla (2008). También se utizaba las ideas de Chauí
(2010) y Coelho (2006) para entender la cultura y a las ideas de
Moreira (2008) a fin de reflexionar sobre el plan de estudios. Es de
destacar algunos de los resultados de la búsqueda: a) el número de los
jóvenes en la educación de adultos aumentó y disminuyó adulto; b) los
estudiantes reconocen la importancia de la educación formal y se dan
cuenta de que hay un conocimiento fuera de la escuela; c) el acceso a
la producción cultural para algunos estudiantes no podrían existir sin la
acción de la escuela; d) la necesidad de promover la retención de los
estudiantes de la EJA en la escuela e intensifiquen su participación en
los espacios de la cultura. Se ha considerado necesario ampliar en la
acción de la escuela y del espacio cultural como lugares de difusión de
los conocimientos que enfrenta la formación de la personas que actúan
en y el mundo.
Palabras-Clave: Educación de Jóvenes y Adultos, El Papel de la
Escuela y del Espacio Cultural, Relación entre la Escuela y Espacio
Cultural.
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1......................................................................................................... 20
FIGURA 2 ........................................................................................................ 22
FIGURA 3......................................................................................................... 23
FIGURA 4 ........................................................................................................ 25
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 .................................................................................................................... 30
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 - Faixa etária dos participantes....................................................
67
Gráfico 2 - Número de pessoas que moram com os participantes .............
70
Gráfico 3 - Motivos que levaram os participantes da pesquisa a
abandonar a escola...................................................................
71
Gráfico 4 - Tempo (em anos) que os participantes ficaram fora da escola
73
Gráfico 5 - Motivos apontados pelos participantes para o retorno à
escola.........................................................................................
73
Gráfico 6 - Tempo que os respondentes estudam na escola São José.....
74
Gráfico 7 - Cursos realizados fora da escola..............................................
75
Gráfico 8 - Atividades culturais apreciadas pelos alunos ..........................
76
Gráfico 9 - As atividades culturais aumentam o conhecimento dos alunos
77
Gráfico 10 - Locais onde a aprendizagem ocorre ......................................
78
Gráfico 11 - O aproveitamento dos conhecimentos dos alunos pela
escola ......................................................................................
79
Gráfico 12 - Projetos da escola de que os alunos participaram .................
80
Gráfico 13 - Relação entre o que se aprende na escola e nos centros de
Cultura....................................................................................
83
Gráfico 14 - A escola corresponde às expectativas dos alunos..................
85
Gráfico 15 - Contribuição dos estudos escolares para o desempenho
profissional segundo a visão dos alunos ................................
86
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................ 01
CAPÍTULO 1 – METODOLOGIA.......................... ......................................... 11
1.1 CONTEXTO DE PESQUISA................................................................... 19
1.1.1 O bairro: um pouco de história e possibilidades de aprendizagem ...... 19
1.2 Espaço cultural.......................................................................................... 24
1.3 Escola “SÃO JOSÉ”.................................................................................. 27
CAPÍTULO 2 – EDUCAÇÃO......................................................................... 34
2.1 MODALIDADES: EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS, FORMAL,
NÃO FORMAL E INFORMAL................................................................................... 36
2.1.1 Educação de jovens e adultos.............................................................. 36
2.1.2 Educação formal, não formal e informal .............................................. 43
2.1.3 Pontos de aproximação, distanciamento e inter-relações possíveis
entre essas modalidades formal, não formal e informal............................... 50
CAPÍTULO 3 – APROXIMAÇÃO ENTRE CULTURA E EDUCAÇÃO.......... 55
3.1 CULTURA.............................................................................................. 55
3.2 ESCOLA E ESPAÇO DE CULTURA PARA QUÊ?................................ 60
CAPÍTULO 4 – APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS................... 66
4.1 CONHECENDO OS PARTICIPANTES DA PESQUISA........................ 66
4.2 OS ALUNOS E A CULTURA.................................................................. 76
4.3 VOLTANDO À ESCOLA......................................................................... 86
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ 88
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................... 91
APÊNDICE................................................................................................... 94
INTRODUÇÃO
Escolhi voltar à Universidade e ingressar no curso de PósGraduação, após vários anos de trabalho, para atualizar meus conhecimentos,
mas também para refletir sobre a minha prática de educadora na escola pública
e encontrar respostas para muitas das angústias que passei nesse período.
Desde a escola básica me interessei pela docência, sendo este o
motivo pelo qual busquei a graduação em 1983, cursei licenciatura, para
concretizar a vontade de tornar-me educadora. Digo isso porque, no decorrer
do curso universitário, tive contato com a Profª Drª Zulieka Aum Attab,
especialista em educação e em Paulo Freire, por meio de um estágio –
“Alfabetização de Adultos: uma experiência em realização” (1985) –, em que
ela estimulava os alunos a olhar com carinho para a realidade da docência, a
ter preocupação com a relação entre ensino e aprendizagem e com os sujeitos
da aprendizagem. Essa professora trabalhava com a educação de jovens e
adultos, a partir do método organizado e pensado pelo pensador/educador
Paulo Freire.
O “método Paulo Freire”, como é conhecido, não ensina a repetir
palavras, não se restringe a desenvolver a capacidade de pensá-las segundo
as
exigências
lógicas
do
discurso
abstrato;
simplesmente
coloca
o
alfabetizando em condições de poder “reexistenciar” criticamente as palavras
de seu mundo, para, na oportunidade devida, saber e poder dizer a sua
palavra.
Eis por que, em uma cultura letrada, aprende a ler e escrever,
mas a intenção última com que o faz vai além da alfabetização.
Atravessa e anima toda a empresa educativa, que não é senão
aprendizagem permanente desse esforço de totalização –
jamais acabada – através do qual o homem tenta abraçar-se
inteiramente na plenitude de sua forma (FREIRE, 2005, p.12).
1
Outro fator que integra a pedagogia freireana é a ação educativa a partir
do diálogo entre sujeitos, como o próprio autor afirma:
...enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando
que, ao ser educado, também educa. Ambos, assim, se tornam
sujeitos do processo em que crescem juntos e em que os
„argumentos de autoridade‟ já não valem. Em que, para ser-se,
funcionalmente, autoridade, se necessita de estar sendo com
as liberdades e não contra elas (FREIRE, 2005, p. 79).
Esse estágio confirmou a minha intenção e desejo de trabalhar na
educação. Depois de formada, saí de São José do Rio Preto e vim morar e
trabalhar em São Paulo, uma cidade que demorou a me cativar. Comecei a
lecionar e não parei mais. Iniciei em 1987 na escola de ensino fundamental, e,
durante a minha trajetória de mais de 20 anos como educadora, trabalhei em
escolas municipais e estaduais, com alunos do Ensino Fundamental, do Ensino
Médio no regular e na Educação de Jovens e Adultos (EJA).
Escolhi voltar à Universidade e ingressar no curso de PósGraduação, após vários anos de trabalho, para atualizar meus conhecimentos,
mas também para refletir sobre a minha prática de educadora na escola pública
e encontrar respostas para muitas das angústias que passei nesse período.
Eis por que, em uma cultura letrada, aprende a ler e escrever, mas a
intenção última com que o faz vai além da alfabetização. Atravessa e
anima toda a empresa educativa, que não é senão aprendizagem
permanente desse esforço de totalização – jamais acabada – através
do qual o homem tenta abraçar-se inteiramente na plenitude de sua
forma (FREIRE, 2005, p.12).
Outro fator que integra a pedagogia freiriana é a ação educativa a
partir do diálogo entre sujeitos, como o próprio autor afirma
[...] enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao
ser educado, também educa. Ambos, assim, se tornam sujeitos do
processo em que crescem juntos e em que os „argumentos de
autoridade‟ já não valem. Em que, para ser-se, funcionalmente,
autoridade, se necessita de estar sendo com as liberdades e não
contra elas (FREIRE, 2005, p. 79).
Este estágio confirmou a minha intenção e desejo de trabalhar na
educação. Depois de formada, sai de São José do Rio Preto e vim morar e
trabalhar em São Paulo, uma cidade que demorou me cativar. Comecei a
2
lecionar não parei mais. Iniciei em 1987 na escola de ensino fundamental,
contudo durante a minha trajetória de mais de 20 anos como educadora
trabalhei em escolas municipais e estaduais, com alunos do Ensino
Fundamental, do Ensino Médio no regular e na Educação de Jovens e Adultos
(EJA).
Durante esse tempo, me preocupava com a ação educativa e
procurava conversar com colegas sobre esses assuntos na busca de novas
alternativas para o ensino e aprendizagem, já que tanto ensinar como aprender
eram movimentos distintos, mas também que sempre mantiveram uma relação
indissociável. Aprender e ensinar fazem parte da mesma moeda: frente e
verso, cara ou coroa. Esses movimentos estão juntos em função do todo que
se quer atingir, ou seja, a ampliação de conhecimento, novas maneiras de
perceber a vida e busca de novas soluções para melhor viver, mas também por
ser uma relação dialógica onde o professor aprende e alunos também ensinam,
como afirma Freire (2005).
Desta maneira, o educador já não é o que apenas educa, mas o que,
enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser
educado, também educa. Ambos, assim, se tornam sujeitos do
processo em que crescem juntos e em que os „argumentos de
autoridade‟ já não valem. Em que, para ser-se, funcionalmente,
autoridade, se necessita de estar sendo com as liberdades e não
contra elas (p. 79).
O desejo pelo conhecimento me impulsionou a entrar em contato
com artigos e livros que tratassem de educação, com destaque para o
processo ensino e aprendizagem e ajudassem a fazer reflexões sobre os
sujeitos da aprendizagem. Nesse caminho participei de algumas palestras,
encontros que discutiam e refletiam uma concepção de educação que não
fosse só conteudista, mas também contemplasse os saberes da vida cotidiana
que cada um traz consigo como começo de conversa para uma aprendizagem
com significado. Nessa perspectiva usa-se o método de Freire que consiste em
observar a realidade, depois analisar essa realidade, e depois passa-se à
transformação dessa realidade. Fiz também muitos cursos de atualização com
a intenção de buscar respostas para minhas preocupações, já mencionadas.
Em 2000, na EMEF Coelho Neto tive oportunidade de trabalhar com
os alunos da EJA, pelos quais me apaixonei completamente: pelo desejo deles
3
de aprender, de compensar o tempo perdido, pelo respeito por quem ensina e
quem aprende, e acreditar no êxito das atividades realizadas pelos professores
com a participação deles.
Outra razão é que penso em uma EJA para além da socialização e
compensação de conteúdos, pois são inúmeras as exigências de um mundo
em movimento como o nosso. Como exemplo das exigências para o século 21,
chamaram-me a atenção as “Habilidades Globais”, mencionadas por
Dimenstein (1997)1 em sua coluna, que estudantes precisavam desenvolver
para serem bem-sucedidos neste século: saber escrever para ser capaz de
comunicar-se bem, desenvolver a
leitura abrangente e as habilidades de
compreensão; usar da lógica e das habilidades de raciocínio; possuir
alfabetização funcional e operacional e entendimento de estatística; ter
fundamentos do conhecimento científico, incluindo ciência aplicada; usar os
computadores e outras tecnologias; saber fazer pesquisas, aplicar e interpretar
dados; ter conhecimento de história e do governo americanos para operar
numa sociedade democrática; ter compreensão da história e da geografia
mundiais e dos negócios no mundo; possuir conhecimentos de línguas
estrangeiras; ter habilidades pessoais e interpessoais para conviver em grupo,
além de disciplina e auto disciplina; ter raciocínio e pensamento crítico e
habilidade na resolução criativa de problemas; ter flexibilidade e adaptabilidade
para conviver com as mudanças de um mundo em transformações; estar
entusiasmado com a vida e estabelecer metas para um aprendizado
permanente, possuir também o entendimento multicultural, incluindo ideias na
diversidade e a necessidade para uma perspectiva internacional; entender e
praticar honestidade, integridade.
O artigo do jornalista divulgava ainda quais ações a escola e os pais
deveriam realizar para o educando viver no século XXI, portanto já apontava
para mudanças que a escola não podia fingir que não percebia e nem resistir,
talvez, por medo de enfrentar o inesperado e o inevitável, a mudança constante
que nos envolve o tempo todo.
1
Gilberto Dimenstein colunista do jornal a Folha de São Paulo
4
de Jovens e Adultos (EJA), com a participação de alunos que
frequentavam a Etapa Final desta modalidade na escola São José 2 da rede
pública paulistana.
O interesse pelo tema ocorreu como revelado na introdução do
trabalho e se aprofundou com os estudos teóricos realizados. O que vem a
seguir problematiza a relação escola e espaço cultural na EJA, o que permitirá
compreender a questão de pesquisa e os objetivos dela decorrentes.
A realidade das escolas revela a presença predominante do
conhecimento formal e o investimento em sua apreensão pelos alunos, em
detrimento de outras maneiras de conhecer e outros temas que poderiam ser
igualmente pertinentes e interessantes para seus estudantes.
Nesse ponto inicia-se um debate sobre o conhecimento pertinente
que a escola pode desenvolver para tanto recorre-se ao que pensam Young
(2007) e Freire (2003) sobre a educação, apontando aproximação e
distanciamento entre eles.
Durante esse tempo, me preocupava com a ação educativa e
procurava conversar com colegas sobre esses assuntos na busca de novas
alternativas para o ensino e aprendizagem, já que tanto ensinar quanto
aprender eram movimentos distintos, mas que sempre mantiveram uma
relação indissociável. Aprender e ensinar fazem parte da mesma moeda: frente
e verso, cara ou coroa. Esses movimentos estão juntos em função do todo que
se quer atingir, ou seja, a ampliação de conhecimento, novas maneiras de
perceber a vida e busca de novas soluções para melhor viver, mas também por
ser uma relação dialógica em que o professor aprende e alunos também
ensinam, como afirma Freire (2005):
Desta maneira, o educador já não é o que apenas educa, mas
o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o
educando que, ao ser educado, também educa. Ambos, assim,
se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em
que os „argumentos de autoridade‟ já não valem. Em que, para
ser-se, funcionalmente, autoridade, se necessita de estar
sendo com as liberdades e não contra elas (p. 79).
2
Nome fictício para favorecer a realização da pesquisa
5
O desejo pelo conhecimento me impulsionou a entrar em contato
com artigos e livros que tratassem de educação, com destaque para o
processo ensino e aprendizagem, e me ajudassem a fazer reflexões sobre os
sujeitos da aprendizagem. Nesse caminho participei de algumas palestras,
encontros que discutiam e refletiam uma concepção de educação que não
fosse só conteudista, mas também contemplasse os saberes da vida cotidiana
que cada um traz consigo como começo de conversa para uma aprendizagem
significativa. Nessa perspectiva, a educação utiliza como método o diálogo, o
diagnóstico, a interdisciplinaridade, os temas geradores, a problematização do
conhecimento e a avaliação processual. Fiz também muitos cursos de
atualização com a intenção de buscar respostas para minhas preocupações, já
mencionadas.
Em 2000, na EMEF Coelho Neto, tive oportunidade de trabalhar com
os alunos da EJA, pelos quais me apaixonei completamente: pelo desejo deles
de aprender, de compensar o tempo perdido, pelo respeito por quem ensina e
por quem aprende, por aceitar proposta e acreditar no êxito das atividades
apresentadas e realizadas pelos professores com a participação deles.
Outra razão é que penso em uma EJA para além da socialização e
compensação de conteúdos, pois são inúmeras as exigências de um mundo
em movimento como o nosso. Como exemplo de exigências para o século 21,
chamaram-me a atenção as “Habilidades Globais”, mencionadas por
Dimenstein3 (1997) em sua coluna, que estudantes precisavam desenvolver
para serem bem-sucedidos neste século: saber escrever para ser capaz de
comunicar-se bem; desenvolver a leitura abrangente e as habilidades de
compreensão; usar da lógica e das habilidades de raciocínio;
possuir
alfabetização funcional e operacional e entendimento de estatística; ter os
fundamentos do conhecimento científico, incluindo ciência aplicada; usar os
computadores e outras tecnologias; saber fazer pesquisas, aplicar e interpretar
dados; ter conhecimento de história e do governo americanos para operar
numa sociedade democrática; ter compreensão da história e da geografia
3
Gilberto Dimenstein é colunista do jornal a Folha de São Paulo.
6
mundiais e dos negócios no mundo; possuir conhecimentos de línguas
estrangeiras; ter habilidades pessoais e interpessoais para conviver em grupo,
além de disciplina e autodisciplina; ter raciocínio e pensamento crítico e
habilidade na resolução criativa de problemas; ter flexibilidade e adaptabilidade
para conviver com as mudanças de um mundo em transformações; estar
entusiasmado com a vida e estabelecer metas para um aprendizado
permanente; possuir também o entendimento multicultural, incluindo ideias na
diversidade e a necessidade para uma perspectiva internacional; entender o
conceito de honestidade e praticá-la, bem como ser íntegro.
O artigo do jornalista divulgava ainda quais ações a escola e os pais
deveriam realizar para o educando viver no século XXI, portanto já apontava
para mudanças que a escola não podia fingir que não percebia e a que não
poderia resistir, talvez por medo de enfrentar o inesperado e o inevitável: a
mudança constante que nos envolve o tempo todo.
Na verdade, sempre tive receio de me acomodar, de ser uma
profissional que já sabe tudo e me sentir confortável com “os conhecimentos
adquiridos”. Sei que os conhecimentos passam por constantes alterações, por
isso é necessário atualizá-los e ampliá-los sempre. Portanto, meu caminho
esteve marcado pelas dúvidas, pelos questionamentos, por considerar o
conhecimento como algo ilimitado, infinito, e essa visão e essa relação com o
conhecimento mantiveram aquecida dentro de mim a curiosidade, o desejo de
descobrir, ou seja, a eterna procura pelo desconhecido, pelo que ainda não sei
nem imagino existir.
Nessas vivências percebi, entre outras coisas, que o sujeito da
aprendizagem não pode ser entendido sem o seu contexto histórico, social e
cultural, que tudo tem relação, o que, de certa forma, foi o disparador deste
trabalho de mestrado que agora apresento.
Outras sensações, de outro tipo,
estiveram
presentes,
em
decorrência dos contextos em que atuava: o desânimo, a falta de desejo, de
curiosidade para descobrir e conhecer as coisas, a falta de pensar
possibilidades para solucionar os desafios propostos no cotidiano apresentadas
7
tanto pelos alunos como pelos professores nas escolas em que trabalhei... O
invento, a pesquisa e a procura por saídas em que ocorresse a parceria entre
educador e educando foram raras. Uma das minhas hipóteses era de que isso
ocorria porque as ações realizadas na escola incorporavam uma realidade
distante da vida real dos alunos e da sociedade, dificultando uma troca de
conhecimentos que partisse das experiências vividas e chegassem à
apropriação do conhecimento escolar, para que, nesse intercâmbio entre os
saberes, os alunos pudessem se reconhecer enriquecidos de nova visão de si,
do outro e do mundo. Essa desconsideração por parte da escola podia levar,
muitas vezes, ao fracasso intelectual e social dos educandos no processo
educativo e na sua vida fora da escola.
Por outro lado, algumas ações docentes pareciam considerar o
aluno um “reservatório” que deveria ser “preenchido” com conhecimentos
selecionados pelo sistema educacional, cabendo ao professor depositar esses
conhecimentos, representando aspectos da educação bancária mencionada
por Paulo Freire (2011):
... o ato de transferência de conhecimento, onde os educadores
são os possuidores do conhecimento, enquanto os educandos
são como se fossem „vasilhas vazias‟ que devem ser enchidas
pelos depósitos dos educadores....os educandos não têm por
que perguntar, questionar, desde que sua atitude não pode ser
outra senão a de receber, passivamente, o conhecimento que
os educadores neles depositam (p.143)
Nessa perspectiva, o professor, por diferentes motivos, pode não
ajudar os alunos a estabelecer a ligação entre o conhecimento produzido
dentro da escola e suas vivências fora da escola, que são tão importantes
quanto o apregoado pela instituição escolar e que se diferenciam por terem
outros objetivos. Portanto, os conhecimentos escolares são diferentes, não
entram em confronto por hierarquização, ou seja, o estudante escolhe quando
usá-los a partir das exigências e pertinências sociais.
8
Inquietações sobre a possível falta de relação entre conhecimentos
acadêmicos e cotidianos me pareciam mais agudas nas classes de Educação
de Jovens e Adultos (EJA). Essa modalidade de ensino tem algumas
especificidades, dentre as quais merecem destaque: o grupo é heterogêneo,
apresenta grande pluralidade cultural (idade, etnias, credos, costumes,
regionalismos, valores, interesses, inserção no mercado de trabalho). O
currículo nem sempre é “desenvolvido” para eles ou com eles, partindo de suas
motivações para estarem novamente no ambiente escolar e de suas
expectativas, visando sua atuação profissional, e o aprender para se relacionar
com o outro.
Além disso, no bairro no qual está localizada a escola em que
atuava no momento da elaboração da dissertação, há uma permanente
variedade cultural. O bairro é conhecido por sua natureza em torno do diverso
e múltiplo, que será ilustrado no contexto de pesquisa. Por outro lado, a
escola às vezes promovia atividades fora de seu ambiente, levando os alunos
a espaços culturais. Questionava-me algumas vezes sobre o que fazer com
os conhecimentos adquiridos lá, a partir da experiência vivida. Procurei,
então, saber se os alunos da 4ª etapa – alguns dos quais eram meus próprios
alunos – frequentavam atividades que a escola promovia e que perspectivas
tinham sobre a influência recíproca dos conhecimentos que adquiriam nesses
espaços,
o
que,
em
minha
opinião,
enriqueceria
grandemente
a
aprendizagem escolar. Suas respostas quase sempre não me satisfaziam,
pois, para eles, era mais um lazer, um momento fora da escola, do que
qualquer outra coisa, sem a preocupação da importância e do retorno que
essas ações teriam em suas vidas.
Foi assim que cheguei ao interesse de pesquisa e ao Programa de
Pós-Graduação em Educação, Arte e História da Cultura: para pesquisar
fundamentadamente,
com
apoio
de
referenciais
teóricos,
sobre
as
preocupações colocadas e, por meio dos resultados da investigação, contribuir
para ampliar o conhecimento sobre o tema. Escolhi esse Programa pela visão
interdisciplinar, ou seja, pensando que seria possível, por meio do
conhecimento desenvolvido pela universidade envolvendo arte, educação e
história da cultura, buscar alternativas que pudessem contribuir para a
9
superação de algumas das limitações colocadas pelo currículo, pelo cotidiano
escolar e mesmo pelas políticas públicas educacionais.
Também foi possível perceber no curso de Pós-Graduação alguns
dos princípios freireanos, como: a generosidade, o respeito e o diálogo como
práticas cotidianas que podem ser vivenciadas por estudantes e professores
durante as aulas e superar a teoria pela teoria. Assim, o conhecimento prévio
pertinente do aluno pode ser utilizado para nortear a ação pedagógica. Esse
procedimento faz com que a aprendizagem tenha significado. Um dos
problemas, que constato na EJA, é como articular o conhecimento de mundo
de cada aluno para ampliá-lo nas ações educativas propostas na escola, e
como tornar as aulas significativas para os estudantes. Apesar de me manter
em eterno conflito, as disciplinas me propiciaram manter a esperança de
construir, junto com os alunos, possíveis saídas para manter a curiosidade e o
desejo de descobrir o que os estudos podem propiciar a ambos, alunos e
professores.
Assim, essas atividades propostas durante o curso favoreceram a
minha atualização e confirmaram a trajetória que tinha em mente em realizar
na Universidade para chegar a construir e a desenvolver o projeto de pesquisa,
que teve como principais questões:

Quais relações entre escola e espaço cultural podem ser
percebidas por alunos do curso de EJA?

A educação formal (escolar), oferecida em cursos de EJA,
reconhece e integra o conhecimento de mundo dos alunos
com sua frequência em espaços culturais e laborais?
Dessas questões decorre o seguinte objetivo geral da pesquisa:
verificar as relações entre escola e espaço cultural que são percebidas pelos
alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA).
Para responder às questões de pesquisa foram consultados, por
meio de questionários, os alunos da EJA que estudam no período noturno de
uma escola pública do ensino fundamental, alguns dos quais eram meus
próprios alunos.
10
Os fundamentos teóricos e metodológicos, os dados e sua análise
são apresentados nesse trabalho segundo a organização que segue:
a) No capítulo 1, a metodologia de pesquisa e o seu contexto;
b) No capítulo 2, a educação, é tratada a definição de educação.
Aqui é feita a discussão sobre as especificidades das três
modalidades da educação – a formal, a não formal e a informal –
e sua necessária integração para o conhecimento de alunos da
EJA considerando a escola (educação formal) e o espaço de
cultura (educação não formal).
c) No capítulo 3, alguns conceitos de cultura, a aproximação da
cultura com a educação e o papel da escola e do espaço de
cultura.
d) No capítulo 4, análise dos dados coletados nos questionários
aplicados a alunos da EJA;
e) A seguir, as considerações sobre os resultados da pesquisa e do
caminho percorrido.
11
CAPÍTULO 1
METODOLOGIA
Esta pesquisa foi desenvolvida no campo da Educação de Jovens e
Adultos (EJA), com a participação de alunos que frequentavam a Etapa Final
desta modalidade na escola São José4, da rede pública paulistana.
O interesse pelo tema ocorreu como revelado na introdução do
trabalho e se aprofundou com os estudos teóricos realizados. O que vem a
seguir problematiza a relação escola-cultura na EJA, o que permitirá
compreender a questão de pesquisa e os objetivos dela decorrentes.
A realidade das escolas revela a presença predominante do
conhecimento formal e o investimento em sua apreensão pelos alunos, em
detrimento de outras maneiras de conhecer e outros temas que poderiam ser
igualmente pertinentes e interessantes para seus estudantes.
Segundo Young (2007), a escola serve para ensinar o conhecimento
que não está disponível no cotidiano do indivíduo/estudante, ou seja, não pode
ser adquirido em casa ou em sua comunidade, em seus locais de trabalho.
Portanto, este conhecimento é curricular ou escolar (formal), deve estar
distante das experiências vividas de cada ser humano e deve ser um
“conhecimento poderoso”. O “conhecimento poderoso”, para o autor, é aquele
“que pode fornecer explicações confiáveis ou novas formas de pensar a
respeito do mundo” (p.124). Ele considera ainda que algumas questões são
importantes, como saber se a pessoa tem mais acesso ao conhecimento ou
quem o legitima. Nessa abordagem, a escola teria como objetivo “transmitir
conhecimento poderoso”, e a relação entre aluno e professor seria hierárquica,
ou seja, o professor transmite o conhecimento e o aluno aprende.
Embora Freire (2003) considere a importância da escola e do ensino
formal na vida do estudante, para ele o objetivo do ensino formal deve ser o
conhecimento que possa ser incorporado pelos estudantes a partir de suas
4
Nome fictício para favorecer a realização da pesquisa.
12
experiências e saberes sobre, do e no mundo, para que a aprendizagem tenha
significado. Neste aspecto, tanto o papel do professor quanto do estudante são
importantes para que a aprendizagem ocorra.
Essa relação entre professor e estudante está fundamentada na
ação entre sujeitos diante do conhecimento, portanto não seria válido o
professor colocando conhecimento no estudante.
Desenvolver o conhecimento formal contemplado no currículo pode
não ser o único papel da escola que, para atender às Necessidades Básicas de
Aprendizagem (NEBAs) definidas durante a Conferência Mundial de Educação
de Jomtien (Tailândia), no ano de 1990, precisa incorporar o aprender a ser,
aprender a viver juntos e aprender a fazer. Entretanto, para cumprir seu papel,
socializar o conhecimento formal é imprescindível, pois é apenas no contexto
escolar que muitos, se não a maioria dos alunos, podem ter acesso a ele e a
outros conhecimentos importantes para a vida em sociedade. Para bem
cumprir esse papel, a escola pode aproveitar os conhecimentos não formais e
informais para desenvolver aqueles que lhe competem, favorecendo o
aprender a aprender que está entre as NEBAs.
De modo geral, especialmente em grandes centros, como a cidade
de São Paulo (SP), uma escola não está sozinha num bairro. Ao redor
encontram-se muitas outras oportunidades de aprender e de participar da vida
comunitária. Os espaços culturais/casa de cultura, por exemplo, também se
instalam nos bairros com propostas de formação de público e de integração
com a comunidade, sendo muitas vezes apoiados em seu intento pela ação do
Estado. Assim, uma aproximação entre escola e os centros de cultura de um
bairro poderá trazer enriquecimento e dinamismo à ação escolar, ao mesmo
tempo, uma alteração das ações desses espaços junto a comunidade.
Especialmente em se falando em jovens e adultos, o estreitamento
das relações entre esses polos educacionais e culturais pode ser benéfico, pois
favorecerá que os estudantes tenham mais autonomia no seu ir e vir e
participem com mais liberdade desses e de outros espaços, enriquecendo e
alargando seu universo cultural, o que pode possibilitar atribuir outra
importância ao conhecimento escolar.
13
É nessa interface que essa pesquisa se justifica: numa reflexão
sobre os conhecimentos de diferentes naturezas que contribuem para a
formação do indivíduo e/ou de um grupo social. Além disso, porque pretende
desvelar os princípios que permeiam uma ação educativa na escola e, em
especial, retratar a visão de alunos a respeito do mundo cultural, do trabalho e
da sua formação fora da escola.
Este estudo parte da perspectiva de que tanto as escolas como os
espaços culturais podem estabelecer e manter uma parceria enriquecedora, no
sentido
de
contribuir
para
o
desenvolvimento
mais
pleno
dos
estudantes/usuários e cumprir com seus objetivos de formação dos indivíduos,
já que a educação se dá o tempo todo.
Entretanto, nem tudo são flores na construção dessa relação. O que
se percebe é o conhecimento formal desenvolvido pela escola apartado de
outros tipos de conhecimento, pois o conhecimento formal privilegia o
pensamento lógico, racional, para lidar com os problemas do cotidiano,
desconsiderando as outras dimensões do ser humano e a sua complexidade.
Segundo Young (2011), o currículo – “o conhecimento que um país considera
importante que esteja ao alcance de todos os estudantes” (p.612) – precisa
levar em consideração o conhecimento local e cotidiano que os alunos têm e
trazem para escola, embora esse conhecimento não seja a base para o
currículo.
Por outro lado, nos espaços de cultura, espera-se que o
conhecimento vise a afetividade, a emoção. Segundo Gadotti (2008), existe a
necessidade da educação dos sentidos para entender o todo do qual cada
indivíduo faz parte:
O ser humano é o único ser vivente que se pergunta sobre o
sentido de sua vida. Educar para sentir e ter sentido, para
cuidar e cuidar-se, para viver com sentido cada instante da
nossa vida. Somos humanos porque sentimos e não apenas
porque sentimos e não apenas porque pensamos. Somos parte
de um todo em construção e reconstrução. (p.. 75)
14
Também Duarte (1991) nos alerta que a educação dos sentidos
significa “ensinar”, “abrir” canais para que a sensibilidade possa fluir; fazer com
que se aprenda o mundo a partir dos sentimentos, não de uma forma racional
apenas, mas considerando os sentidos e os sentimentos inerentes ao ser
humano. Colocar em pauta os nossos sentidos, os nossos sentimentos parece
algo longe da razão e das atitudes que demandam pensar. Porém é possível
entender a educação dos sentidos como uma forma de pensar, utilizar-se não
apenas da razão, mas também das outras dimensões humanas como o afeto.
Estamos num momento em que precisamos rever a fragmentação do
homem em racional e sensível, dado que, ao fazer a separação entre os
sentimentos e a intelecção, não levamos em conta a formação do indivíduo
integral, enfatizamos a visão parcial dos fenômenos, da vida. Essa divisão
acaba por se refletir na organização interior, mental, de cada indivíduo. Nessa
abordagem separam-se os sentimentos das emoções, do raciocínio e da
intelecção. Esse tipo de pensamento desenvolvido na escola favorece o
“esquartejamento“ mental, ou seja, o indivíduo deve pensar dentro da escola, e
pode sentir fora dela. O que nos leva a perguntar: qual o papel da escola e
como os espaços de cultura podem contribuir para que o estudante aprenda a
integrar esses conhecimentos promovidos por ambos os contextos para viver
melhor?
Se considerarmos que na escola se privilegia o conhecimento formal
e nos espaços de cultura os conhecimentos não formais, temos instituições
com objetivos claramente distintos. Mesmo assim, é possível que haja
enriquecimento na vivência e apreensão de conhecimentos nos dois espaços.
Por isso, esperamos que este estudo contribua para reflexões sobre a
educação formal e a não formal para melhor esclarecer sobre o que chamamos
a falsa dicotomia e também a falsa separação que parece existir entre escolas
e espaços culturais quando se propõe a formação plena.
Gadotti (2008) contribui para a ampliação desse pensamento ao
dizer que se deve pensar em educar para pensar globalmente, pois, na era da
informação, diante da velocidade que o “conhecimento é produzido e
envelhece”, acumular informações pode não ser a melhor alternativa (p. 74).
15
Portanto, faz-se necessário saber pensar, saber usar todos os sentidos e
sentimentos para repensar a atuação de cada um no mundo. Daí a importância
de perceber que determinados conhecimentos não se constroem apenas fora
da escola ou apenas no seu âmbito. Ao contrário, entende-se que escolas e
espaços culturais podem ser aliados, já que a escola não domina sozinha todos
os campos do conhecimento, e os espaços culturais também não; daí a
necessidade da inter-relação, dos diálogos possíveis entre esses espaços.
Hoje, pode-se imaginar uma escola que não dialoga dentro e fora de seus
limites? Ou que um espaço cultural não eduque?
Esses questionamentos se tornam mais importantes quando a
população-alvo da escolaridade são pessoas que, por diversos motivos,
deixaram de percorrer a trajetória escolar no Ensino Fundamental e no Ensino
Médio
na
“idade
própria”.
Nesse
contexto
educacional,
os
alunos
provavelmente têm, fora da escola, oportunidades de frequentar outros
espaços, que podem incluir o do trabalho e o do lazer. Essas experiências de
vida, que também incluem a escolaridade, podem provocar questionamentos
semelhantes ou algumas respostas para as dúvidas levantadas.
Nesse ponto, retomamos a questão principal da pesquisa – Quais
relações entre escola e espaço de cultura podem ser percebidas por alunos do
curso de EJA? – e uma outra que pode complementá-la: a educação formal,
oferecida em cursos de EJA, reconhece e integra o conhecimento de mundo
dos alunos com sua frequência em espaços culturais e laborais? Assim como
retomamos os objetivos específicos da pesquisa, que decorrem dessas
questões:
a) apresentar o universo da escola, seus afazeres cotidianos, bem
como os vários sujeitos que participam desse processo;
b) apresentar o universo do espaço cultural e os sujeitos que
participam dele;
c) verificar as conexões percebidas pelos estudantes, no que se
refere à aprendizagem, entre escola e espaços de cultura.
16
Como orientação para o desenvolvimento da pesquisa, são
detalhados os passos em objetivos específicos:
a) apresentar o universo da escola, seus afazeres cotidianos, bem
como os vários sujeitos que participam desse processo;
b) apresentar o universo do espaço cultural e os sujeitos que
participam dele;
c) verificar as conexões possíveis, no
que
se
refere à
aprendizagem, entre escola e espaço de cultura percebidas pelos
estudantes.
O seguinte percurso foi feito para concretizar este estudo:
1.
seleção de uma escola e de um espaço cultural existente
no bairro Bela Vista;
2.
levantamento de registros disponíveis para verificar os
objetivos e as atividades propostas e/ou realizadas no espaço
cultural;
3.
entrevista com o responsável pela comunicação do espaço
cultural;
4.
levantamento de atividades propostas pela escola que
tenham como objetivo favorecer a presença dos alunos em outros
espaços culturais;
5.
elaboração e aplicação de questionário a alunos da EJA
da Etapa Final da escola São José;
6.
coleta, categorização e análise dos dados;
7.
análise de dados sobre o número de alunos matriculados,
transferidos, evadidos, reprovados e aprovados no ano de 2011 na
EJA, a partir de documento fornecido pela escola;
8.
Levantamento bibliográfico referente aos seguintes temas:
educação formal, não formal e informal, cultura e educação.
9.
consulta aos alunos a partir da aplicação de um
questionário;
10.
análise das repostas das pelos estudantes.
17
A pesquisa foi desenvolvida com 90 alunos da Etapa Final da EJA
do Ciclo Fundamental II, do período noturno, da escola São José, no bairro do
Bexiga, ou Bela Vista, da Cidade de São Paulo, nos dias 28 e 29 de novembro
de 2011. O questionário foi escolhido como forma de tornar a consulta menos
pessoal. Para tanto, foram formuladas 20 questões, sendo 19 fechadas e uma
aberta, subdividas em blocos temáticos, como segue:
Bloco 1 – caracterização geral dos estudantes (1 a 3);
Bloco 2 – percurso escolar (4 a 7);
Bloco 3 – relação dos estudantes com a cultura (8 e 9);
Bloco 4 – aprendizagem fora da escola (10 e 11);
Bloco 5 – atividades organizadas pela escola (12 e 13);
Bloco 6 – relação entre escola e cultura (14);
Bloco 7 – escola e trabalho (15 e 16);
Bloco 8 – continuidade dos estudos formais (17 a 19);
Bloco 9 – temas importantes para os alunos.
De modo geral, as questões tiveram o objetivo de mostrar as
posições dos alunos em relação aos conhecimentos culturais oferecidos pela
escola e os conhecimentos que estão em outros lugares, para além da escola;
ou seja, perceber até que ponto os alunos valorizam esses conhecimentos
desenvolvidos dentro e fora da escola para sua formação. Uma cópia do
questionário se encontra no Apêndice 1 e exemplos das respostas dos alunos
nos Anexos de 1 a 3.
Outros procedimentos foram utilizados para complementar a
pesquisa: na escola, o documento que mostra o desempenho escolar dos
alunos no final do ano 2011 das 4ªs etapas, que possibilitou a realização da
tabela que aponta o número de alunos matriculados, desistentes, retidos e
aprovados. No espaço cultural, foi feita uma entrevista cujo objetivo era o de
conhecer o espaço a partir de um de seus fundadores – Daniel Fontanelli – e
as ações realizadas para dialogar com a escola.
18
1.1 O CONTEXTO DE PESQUISA
Para melhor compreensão do contexto em que vivem os alunos da
Escola São José, são apresentadas algumas características do bairro, do
espaço cultural e da própria escola.
1.1.1 O bairro: um pouco de história e possibilidades de aprendizagem
Quantos Bixigas...
O Bixiga é o coração de São Paulo
Bixiga ou Bela Vista?
Bixiga ou Bexiga?
Não tem uma resposta...
O Bixiga não consta nos mapas oficiais da cidade, não existe como um
bairro ou distrito, mas está presente no imaginário e na fala das pessoas,
seja para negá-lo, reafirmá-lo ou defendê-lo saudosamente. O bairro está
entre a Av.Paulista e o centro, entre o popular e a classe média, entre o
anônimo e o familiar, entre o religioso e o profano... Bexiga era como
popularmente se chamava a varíola, e lugares ou pessoas que tinha
contato com a doença recebiam o apelido pejorativo. Teria sido esta a
origem do nome deste pedaço da cidade? Ou seria uma referência a
Antônio Bexiga, um dos donos da chácara que deu origem ao bairro?
Será Adoniran Barbosa o responsável por imortalizar o apelido, com seus
sambas no Bixiga, onde pizza avuava junto com as braxola?
O Bixiga vai da avenida Brigadeiro Luís Antônio até a avenida 9 de julho,
ou até a rua Paim... Vila Itororó é Bixiga ou Liberdade? Seu limite pode
ser o Viaduto Major Quedinho, o Maria Paula, a rua Rui Barbosa ou 13 de
maio. Há quem diga que Bixiga e Bela Vista são a mesma coisa. Há quem
diga que Bixiga se refere à boemia, às cantinas italianas, ou aos teatros e
à feira de antiguidades. ”Nóis era estranho no lugar e não quisemo se
meter.” Melhor seguir Adoniran e deixar que aqueles que vivem no Bixiga,
ou que por aqui passam determinem se estão no Bixiga ou na Bela Vista.5
Segundo registro histórico, bexiga é uma referência ao apelido dado
à varíola – doença frequente no bairro na segunda década do século XVIII.
Mas ficou Bixiga por conta da fala coloquial, principalmente dos italianos, que
5
Texto retirado do encarte Bixiga: arte e ofícios (exposição de 23/08/12 a 31/01/12).
19
vieram para o bairro porque o loteamento dos terrenos era de valor imobiliário
reduzido. Eles fugiam do período de guerra na Europa e procuravam um novo
lar, novas possibilidades de trabalho, já que o Brasil, não podendo contar com
a força escrava, adotou o sistema de assalariado e incentivava a imigração.
O
bairro
passou
por
mudanças
no
mercado
imobiliário
(principalmente nos anos 1960 e 1970), o que atraiu especuladores,
investidores e também a prefeitura, que investiu nos cortiços do bairro nas
décadas seguintes, culminando com a oficialização do nome “Bela Vista”.6
Foto 1 – Quadra da Escola de Samba da Vai-Vai
O novo nome dado ao bairro trouxe outros ideários políticos e
econômicos, como a sobreposição dos empreendimentos carnavalescos com a
criação da “Escola de Samba Vai-Vai”, originária do “Cordão Vai-Vai da
6
Texto retirado do encarte Bixiga:artes e ofícios (exposição de 23/08/12 a 31/01/13).
20
Saracura” (1931), que durante três décadas se tornou referência do carnaval
negro na cidade, com características artesanais nas fantasias e na forma de
organização.
Até a metade dos anos 60, não era permitida a entrada de brancos
nos desfiles e na sua organização – característica esta representante de mais
uma das formas de manifestar que o discurso do país mestiço não era
assimilado por seus integrantes, uma vez que, em seus cotidianos, eles
enfrentavam diversas situações de discriminação. A mudança para o status de
escola de samba implicava maiores gastos, aumento no número de
componentes e complexidades de burocracia internas. Junto ao poder público,
tais fatores demandavam o incentivo de novos integrantes, tornando-se um
espaço de empreendimento carnavalesco. Assim, foi sendo criada a ideia de
uma coletividade negra ligada à diversão (como música, samba e folclore),
deixando de lado a história dos movimentos de resistência dos quatro séculos
de opressão.
O samba está representado pela escola de samba Vai Vai, criada
em 1928, e pelo Bloco dos Esfarrapados, criado em 1947e que desfila pelo
bairro inteiro sempre na quarta-feira que antecede o carnaval.
O Bixiga não é apenas um reduto de filhos, netos e bisnetos de
imigrantes italianos que se reúnem anualmente na tradicional Festa de Nossa
Senhora Achiropita, cantando canções napolitanas. Ele se revela uma mistura
de migrantes nordestinos e também, historicamente, de africanos que fugiam
para esta região. “Além de verde e vermelho, o mapa das artes e ofícios
desvela um Bixiga mais colorido. É italiano e também africano, japonês, e
brasileiro: pernambucano, mineiro, baiano e paulistano...”7
7
Encarte da exposição Bixiga, artes e ofícios.
21
Foto 2 – Bixiga: casarões
“...era um palacete assobradado
Foi aí, seu moço, que eu, Mato Grosso e Joca
Construímo a nossa maloca...8
O bairro carece de áreas de lazer, o que pode ser constatado pelos
poucos jardins, área verde pública reduzida e quase 100% de área construída.
Outro fator que interfere na sua paisagem é a especulação imobiliária e
publicitária, o que reforça a existência de poucos espaços para área verde
pública e gratuita.
8
Música de Adoniran Barbosa....
22
Foto 3 - Igreja da Nossa Senhora de Achiropita
Bem atrás da Igreja de Achiropita, familiares e amigos se reúnem
em boteco para ouvir samba de raiz ao vivo. Um ateliê de tecidos e
aviamentos, com máquinas antigas e supermodernas, é comandado pela
engenhosidade da costureira que dá vida a uniformes de trabalho e a vestidos
de festa com seus brilhos e decotes. Câmeras curiosas seguem o percurso de
grupos de teatro, restauradores, blocos de carnaval, contadores de história.
9
Seu cotidiano é marcado pela gastronomia, boemia, cultura e ruas
de lazer, além da convivência com diversos ritmos musicais, que vão do hip
hop ao samba. É preciso andar pelas ruas, escutar as histórias de seus
moradores e aprender a olhar para conhecê-lo.
O lugar comum onde pessoas se encontram para curtir
samba, jogar capoeira, participar do teatro de rua, reunir-se na
praça e no barzinho para papear, espairecer e celebrar a graça
9
Tirado do encarte Bixiga: artes e ofícios ( exposição de , 23/08/12 a 31/01/13)
23
de se ter, ali mesmo, em pleno centro de São Paulo, um
convívio amistoso de cidadezinha de interior ou de periferia de
metrópole. 10
No bairro existem inúmeras ONGs, pontos de cultura, centro cultural,
espaços culturais, teatros, escolas, cortiços, pensões, bares, cantinas, salões
de cabeleireiros, mercadinhos, museus etc.
O Bixiga, por essa diversidade social e cultural, torna-se um espaço
atraente e desperta curiosidade, o que contribuiu para esta pesquisa.
1.2 Espaço cultural
O Espaço Casa da Gioconda11 foi criado em 2011 pela Companhia
de mesmo nome, que já existia desde 1999. No início, a Cia de Teatro
Gioconda era um grupo de teatro que não tinha espaço fixo para realizar seus
ensaios e momentos de criação, e ficou assim por 10 anos. O grupo surgiu com
estudantes que cursavam a Escola de Arte Dramática (EAD), na USP, com o
objetivo de formar um teatro de grupo com uma dramaturgia coletiva e sem
estilo definido. Após algum tempo, o texto dramático de Milton, diretor do
grupo, deu um norte para o estilo do grupo, no caso, o realismo fantástico. Este
estilo favorece, segundo Fontanelli, fazer um teatro de criança para adulto ou
de adulto para criança, atraindo o adulto pelos temas e as crianças pelo som,
pelo figurino, pelas imagens. O núcleo da Cia é formado atualmente por 4
pessoas: Milton, Daniel, Dani e Leandro. A Cia se apresentou no SESC e
viajou para várias cidades do interior apresentando espetáculos infantis de
autoria do próprio grupo de 2006 a 2010. Há espetáculos que o grupo tem de
continuar representando muito tempo, por vários anos.
10
11
Tirado do encarte da exposição Bixiga, artes e ofícios, em 23/08/12 a 31/01/13.
Os dados foram desse item foram colhidos em entrevista concedida por Fonatanelli. (08/10/11)
24
Foto 4 – Espaço da Casa da Gioconda
A Cia tornou-se um Ponto de Cultura há 3 anos. Enquanto Ponto de
Cultura, é patrocinado pelo Ministério da Cultura do Brasil (Minc), por meio do
Programa Cultura Viva, e implementado por entidades governamentais ou não
governamentais de ação e de impacto sociocultural nas comunidades.
O Ponto pode ser instalado em uma casa ou em grande centro
cultural, onde se desencadeia um processo orgânico, agregando novos
agentes e parceiros e identificando novos pontos de apoio: a escola mais
próxima, o salão da igreja, a sede da sociedade amigos do bairro; grupos de
praticantes de capoeira ou mesmo a garagem de algum voluntário.
A inserção do Grupo no Programa Cultura Viva favoreceu para que o
grupo mantivesse a instalação e manutenção do espaço. A partir daí, a Cia
sentiu necessidade de conhecer o bairro e – mais do que isso – pensar em
como dialogar com ele para atingir seus objetivos, já que não pretendia ser
apenas mais um grupo com atividades culturais no bairro. No geral, O Ponto de
Cultura surge de associações que percebem a ausência de espaços e de
atividades artísticas na comunidade e criam oportunidades para que isso
aconteça. O bairro da Bela Vista – ou Bixiga – é um bairro conhecido pelos
seus inúmeros espaços de cultura, como já foi mencionado, daí mais um
desafio para a Cia. As atividades iniciais do Grupo para integrar-se à
comunidade foram conhecer outras instituições que deram certo, como escolas
25
e ONGs, para propor um trabalho diferente a partir da necessidade existente e
divulgar a cultura do teatro; feira de artes plásticas; promoção do diálogo com
todas as expressões artísticas: máscaras, cinema (intercâmbio); superação do
teatro com o diálogo para teatro; criação do núcleo de cinema em casa (texto,
improviso e filmagem). Em um momento posterior, a Cia sentiu necessidade de
discutir o que cada componente do grupo devia fazer e também as questões
artísticas e burocráticas que envolviam a existência do grupo. O resultado
dessa discussão foi a divisão das tarefas em que cada componente do grupo
assumiu uma função, também burocrática.
O Espaço é uma casa aberta às várias expressões artísticas,
portanto não só para as artes dramáticas, mas para a dança, recitais de
música, cinema, entre outras. As pessoas do bairro têm acesso livre e gratuito
tanto para apresentar uma expressão artística quanto para assistir aos
espetáculos promovidos diretamente ou indiretamente pelo Espaço.
Outras atividades, como alugar o local para outros grupos e
estabelecer contatos com as ONGs que estão no bairro, constituem um dos
objetivos do Espaço.
Apesar dos inúmeros convites, a comunidade não acredita que o
espaço tenha sido criado para que ela tenha acesso à cultura de qualidade,
não comercial. Até porque os integrantes da Cia não são famosos, nem estão
na TV. Segundo Fontanelli12, as pessoas não aceitam a atração cultural, não
querem admirar a arte. Não veem a arte como um divertimento, portanto não a
veem como um motivo para se arrumar e sair de casa. Parece que o mundo da
arte não é o delas, como se o teatro fosse feito para as pessoas de teatro.
Outras impressões de Fontanelli são percebidas:
As coisas você aprende dentro de sua casa, depois com os
amigos no prédio, tem a escola que contribui. Hoje tem
internet, onde você está todos os dias... a escola tem que
diversificar trazendo teatro, dança, esporte. A igreja também
tem um papel importante para as pessoas experimentar buscar
12
Fontanelli figurinista do Cia Espaço da Gioconda
26
e superar limites. Construir uma casa é preciso ter muitos
conhecimentos. No entanto, ser pedreiro é muito difícil alguém
falar bem desta profissão, é para pessoas que não têm uma
qualificação/certificação. “Eu nunca fui instigado para a dança,
mas para o futebol, no entanto me tornei artista. Minha irmã foi
estimulada para a arte e tornou-se enfermeira. Acho que os
responsáveis pelas crianças deveriam respeitar os talentos de
seus filhos e incentivá-los... estar abertos para isso desde
cedo, para não desperdiçar talentos”. Fala de Daniel em
entrevista13
A entrada não parece um espaço cultural, lembra mais um casarão
antigo do Bixiga. Passando-se por duas salas, um pequeno corredor, estamos
no palco. Ele é pequeno, com capacidade para 50 espectadores. A vantagem é
que todos estão tão perto, que tudo fica aconchegante. Parece que eles
criaram um tipo de uma arquibancada para colocar as cadeiras. A oficina
funciona nesta sala maior: o próprio palco. 14
1.3 Escola “SÃO JOSÉ”
A escola na qual esta pesquisa se realizou é pública, municipal.
Funciona em três períodos, das 7h às 23h. Oferece a Educação Básica nas
modalidades: Ensino Fundamental Ciclo I e Ciclo II (Regular e EJA). Possuía
13 salas de aula de manhã; 14 no período da tarde e 10 no noturno em 2011.
Havia aproximadamente 900 alunos e 80 professores. A equipe gestora é
13
14
Entrevista realizada em 08/10/2011.
Em 2011, estivemos lá, meus alunos e eu, para assistirmos a peça do próprio grupo, Os olhos de Nebul. Achei que o
teatro era muito bom por abrigar poucos espectadores por apresentação. Após a apresentação, os artistas, o diretor e
a cenógrafa estavam disponíveis para conversar com os alunos a respeito da apresentação. Todos nós gostamos da
atenção e do cuidado com que eles nos receberam. Eles fizeram uma brincadeira para nos integrar. Nesse primeiro
momento, não consegui saber o que havia para além do palco. Depois foi possível verificar que o camarim fica logo
após o palco; frente a ele está o banheiro, e o restante não foi possível observar, pois estava escuro. O camarim, para
mim, é um dos espaços mais misterioso (o que as paredes teriam para contar sobre tudo o que se passa ali) de um
espaço cultural. Esse era simples, porém cheio de conversas, risadas, choros, mistérios. Fiquei imaginando o que as
paredes escondem... como prever tudo o que já aconteceu ali, suas histórias, o que tem de concreto é o figurino, como
me disse Daniel. O figurino é a parte concreta de cada peça, que resiste e pode ser refeito, transformado para outra
personagem ou apenas guardado para continuar sendo figurino.
27
composta por direção, assistente de direção e coordenação pedagógica. Há
dois tipos de funcionários: os que têm uma carreira, porque prestaram
concurso para trabalharem no município, e os que são contratados por uma
firma, ou seja, os terceirizados que atuam na limpeza e na merenda da escola.
A escola possui 16 salas de aula, uma sala de leitura, um
Laboratório de Informática, sala de vídeo, dois banheiros, dois pátios (um
interno e outro externo), uma quadra de esportes, uma horta, conjunto de salas
onde funcionam, de um lado, a diretoria e a coordenação pedagógica, e do
outro, a secretaria. Ainda há um jardim, uma cozinha e um palco.
Esses espaços são usados por pessoas que diariamente enfrentam
momentos bons e ruins. A ocupação das pessoas nesses espaços se dá como
se fosse numa fábrica, cada um no seu quadrado, sem a integração desejada,
sem muitas vezes que um espaço saiba o que o outro faz. Exemplo desta
situação é que não há uma ligação entre as ações desenvolvidas na sala de
informática com o que acontece na sala de leitura. Os professores participam
de reuniões semanais, mas parece que a aproximação, no dia a dia, não se
concretiza. Pensar em uma ligação que envolva pelo menos dois a três
espaços momentaneamente é uma tarefa difícil.
Uma visão oposta a essa apresentada no parágrafo anterior está
presente nas atitudes dos alunos. Eles se apropriam dos espaços da escola e
procuram transformá-los em locais de convivência e de encontro: isso pode ser
constatado no uso do pátio, dos corredores, na quadra, nas salas de aula e nas
salas-ambiente (informática e leitura).
Em relação à ação do professor, cabe a ele ensinar a matéria,
selecionar os conteúdos, preparar as aulas, determinar a organização da sala
de aula, visando, geralmente, as avaliações externas e para dar respostas a
pais e à gestão escolar.
Dessa maneira, se percebe a alienação das pessoas na realização
de suas atividades. Parece que a reflexão, a análise e a interpretação, como
instrumentos para criar algo novo, sair do lugar comum, acabam perdendo
espaço para as tarefas burocráticas. Assim se verifica que tanto os alunos
28
quanto os professores e os gestores estão envolvidos em uma rotina que leva
à alienação de suas atividades. Parece que sobra pouco espaço/tempo para o
trabalho intelectual e criativo. Então, a ação realizada na escola não ajuda a
pensar, estudar ou descobrir coisas novas, pois todos devem aprender a
mesma coisa do mesmo jeito e ao mesmo tempo/no mesmo espaço, ainda que
a escola possua vários locais.
No entanto, existe nessa ação escolar uma contradição, ou seja, ela
abriga projetos, embora não tenha o envolvimento de todos. É o caso do
projeto de recuperação em Português e Matemática e da horta. No momento
da aplicação do questionário, a escola realizava o projeto de ação solidária
com os alunos da EJA. Esse projeto visava a produção de objetos como bolsas
e bijuterias a partir da técnica do fuxico. À medida que as pessoas “fuxicavam”,
também produziam artefatos cuja renda era revertida para os integrantes do
grupo, como mais uma fonte de renda.
Destaca-se,
nesta
escola,
a
modalidade
EJA
do
Ensino
Fundamental Ciclo II, que há mais ou menos três anos tinha a grande maioria
dos alunos com mais de 30 anos e hoje tem 50% deles com menos de 20
anos. Consequentemente, os desafios para a escola e os professores, tais
como a indisciplina e a intolerância gerada pelo conflito de gerações na relação
aluno-aluno e aluno professor, passaram a fazer parte do cotidiano. A
diversidade etária também trouxe em seu bojo um aumento no número de
alunos que desistem do curso por ter de trabalhar o dia todo, o que também
desafia gestores e professores para solucionar problemas cotidianos.
Como dizer de um menino popular, que se „saiu mal‟ na
aplicação e certa bateria de testes, que não tem senso do
ritmo, se ele dança eximiamente o samba, se ele cantarola e se
acompanha ritmando o corpo com o batuque dos dedos na
caixa de fósforos? (FREIRE, 2001, p.42)
Os dados que compõem a Tabela 1 foram fornecidos pela própria
escola “São José” e mostram o número de alunos matriculados, de
29
transferidos, de desistentes, de aprovados e de retidos somente nas classes
das 4ªs Etapas – lembramos que a escola recebe alunos das 3ªs Etapas
também.
4ª Etapa
Matriculados
Transferidos
Desistentes
Retidos
Promovidos
A
53
---
14
15
24
B
54
3
16
12
24
C
54
2
11
16
24
D
53
--
18
11
24
E
55
3
25
12
15
F
54
2
25
9
18
323
10
109
75
129
TOTAL
Tabela 1
Os dados da Tabela 1 mostram que dos 323 estudantes que fizeram
matrícula na 4ª Etapa, apenas 129 concluíram o Ensino Fundamental Ciclo II e
estão habilitados a prosseguir os estudos no Ensino Médio.
O número de aprovados é de 129 – considera-se que é menos de
50% dos matriculados.
O número de desistentes é de 109 – considera-se que seja alto,
pois, se os estudantes retornam à escola, pode indicar que os mesmos
motivos determinam o seu abandono novamente. Vale apena mencionar a
afirmação de Freire (2001), a respeito da desistência ou evasão da escola:
As crianças populares brasileiras não se evadem da escola, não a
deixam porque querem. As crianças populares brasileiras são
expulsas da escola – não, obviamente, porque esta ou aquela
30
professora, por uma questão de pura antipatia pessoal, expulse estes
ou aqueles alunos ou os reprove. É a estrutura mesma da sociedade
com os outros, de que resultam obstáculos enormes para que as
crianças não só não cheguem à escola, mas também, quando
chegam, nela ficarem e nela fazerem o percurso a que têm direito.
(p.35)
O número de retidos é de 75, e também pode ser considerado alto,
mas, no cotidiano escolar, esses alunos desistem nos últimos meses do 2º
semestre. É muito rara a reprovação só por conceito, geralmente a reprovação
é por conceito e frequência.
De qualquer forma, somando o número de desistentes ao de
reprovados tem-se um total de 184, o que se torna um problema grave, pois
revela o fracasso. Mas fracasso de quem: dos alunos, da escola, do sistema
educacional? Para mim, tanto a escola quanto o sistema educacional
fracassaram, pois não conseguem planejar ações que possam favorecer o
desempenho desses alunos.
Segundo Charlot (2000) não existe fracasso escolar, o que existe
são “alunos em situação de fracasso”:
O fracasso escolar não existe; o que existe são alunos
fracassados, situações de fracasso, histórias escolares que
terminam mal. Esses alunos, essas situações, essas histórias é
que devem ser analisados, e não algum objeto misterioso, ou
algum vírus resistente, chamado fracasso escolar. (p.16)
O autor acrescenta que “o aluno é um sujeito confrontado com a
necessidade de aprender e com a presença, em seu mundo, de conhecimento
de diversos tipos” (2000, p. 33).
Os dados acima mostram a fragilidade que apresenta essa
modalidade de educação, pois mantém o círculo vicioso que oferece acesso a
poucos, permanência de alguns e desistência de muitos. Relacionamos alguns
motivos: tempo gasto, local, acolhimento desses alunos, currículo, atendimento
de expectativa, ou seja, estudantes de 15 a 25 anos pensam e querem coisas
31
diferentes de estudantes de 30 a 50, como integrar e organizar uma ação
educativa e criativa. Parafraseando Carlos Drummond de Andrade, “há uma
pedra no meio do caminho, no meio do caminho há uma pedra, uma pedra há
no meio do caminho”.
Quando se trata do tempo, é importante enfatizar que ele deve ser
gasto de maneira criativa na escola, senão poderá fazer pouco sentido ir à
escola para adquirir novos conhecimentos. O tempo se constitui um fator
importante para os alunos da EJA, já que, no geral, esses alunos procuram na
modalidade uma possibilidade de terminar os estudos mais rápido do que no
curso regular. O tempo pode interferir no desempenho dos estudantes, se
considerarmos que eles faltam à aula por terem de conciliar várias atividades
ao mesmo tempo. Se a modalidade EJA só é oferecida no período noturno,
quem passa a trabalhar à noite deixa de estudar ou tem de procurar o CIEJA
(Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos).
Outro fator que pode afastar o aluno da EJA é o espaço onde ocorre
a aprendizagem. Alguns estudantes não aceitam que fora da sala de aula há
aprendizagem. Para eles, as atividades extraclasse não têm sentido, são
perda de tempo. Por isso, a escola deve apontar a importância dos vários
conhecimentos que podem ser adquiridos fora da sala de aula e mesmo dos
espaços não escolares.
No que se refere à avaliação, faz-se necessário refletir e considerar
que os estudantes devem ser avaliados, como afirma Freire (2001), a partir do
respeito aos valores, à sabedoria, à linguagem, o padrão cultural de classe.
Os dados em relação à aprovação apontam que 129 são heróis e
heroínas, pois superaram suas limitações e a adversidade oferecida pela
própria modalidade.
Até 2011 a modalidade EJA funcionou com a seguinte matriz
curricular distribuída durante as cinco noites: Língua Portuguesa (5 aulas
semanais); Matemática (5 aulas semanais); História (3 aulas semanais),
Geografia (3 aulas semanais); Arte (3 aulas semanais), Ciências (4 aulas
32
semanais) e Inglês (2 aulas semanais). Em 2012, a modalidade participa do
Projeto da Secretaria Municipal de Educação, tornando-se EJA Modular,
dividida em Etapas, com as seguintes denominações: Alfabetização, Básica,
Complementar e Final.
Cada Etapa tem a duração de um ano. A Etapa Final é composta por
quatro Módulos, de frequência obrigatória: Módulo de Língua Portuguesa (50
dias letivos com 3 horas/aula por dia), Módulo de Arte e Língua Inglesa (25 dias
letivos com 3 horas/aula por dia), Módulo de Matemática e Ciências (25 dias
letivos com 3 horas/aulas diárias) e Módulo de História e Geografia (25 dias
letivos com 3 horas/aulas diárias).
A parte diversificada do currículo – facultativa para os alunos – é
denominada Enriquecimento Curricular e composta por dois módulos:
Qualificação Profissional e Atividades Complementares. Cada um desses
Módulos tem 90 minutos diários. O módulo que trata da Qualificação
Profissional é composto de três cursos: Informática, Inglês e Agente Cultural. O
módulo que trata das Atividades Complementares abrange as ações de
recuperação, revisão, reposição de aulas e projetos oferecidos pelos
professores, dependendo da disponibilidade de cada escola, já que ela pode
escolher outros cursos do interesse da comunidade.
Segundo a Secretaria Municipal de São Paulo, a EJA Modular tem
por objetivo facilitar a continuidade e o término dos estudos dos jovens e
adultos, pois cada módulo concluído com êxito será eliminado.
33
CAPÍTULO 2
EDUCAÇÃO
Quando se tem algo bom para poucos, não é qualidade, é
privilégio. Sempre dou um exemplo: São Paulo é uma cidade
na qual se come muito bem, isso é verdade, mas quem come?
Temos um parque cultural de cinemas, teatros e museus,
imbatível, mas quem os frequenta? Dizer que São Paulo tem
grande qualidade para o parque cultural letrado, talvez seja
mais fácil dizer que a cidade tem uma grande estrutura de
privilégio para o parque cultural letrado.(CORTELLA, 2009, p.9)
Para Libâneo (2011), a educação escolar deve ser pensada no
contexto das transformações da sociedade contemporânea. Por isso ela vem
sendo questionada acerca de seu papel ante as transformações econômicas,
políticas, sociais e culturais que envolvem o momento histórico. Esse conjunto
de transformações é conhecido como globalização, decorre, sobretudo, dos
avanços tecnológicos, da reestruturação do sistema de produção e
desenvolvimento, da compreensão do papel do Estado, das modificações nele
operadas e das mudanças no sistema financeiro, na organização do trabalho e
nos hábitos de consumo. Também os princípios que interferem o Sistema de
Educação no Brasil são atingidos pelas ideias globalizadas.
Segundo ainda Libâneo (2011), a palavra globalização
[..].designa uma gama de fatores econômicos, sociais, políticos e
culturais que expressam o espírito da época e a etapa de
desenvolvimento do capitalismo em que o mundo se encontra
atualmente. Esse termo sugere a ideia de movimentação intensa, ou
seja, de que as pessoas estão em meio a um acelerado processo de
integração e de reestruturação capitalista. Exatamente por isso, há
quem diga que a globalização é um conceito ou uma construção
ideológica. Segundo os estudiosos do assunto, nesse conceito
esconde-se a ideologia neoliberal, segundo a qual, para garantir seu
desenvolvimento, a um país basta liberalizar a economia e suprimir
formas superadas e degradadas de intervenção social, de modo que
a economia por si mesma se defina e seja criado, assim, um sistema
mundial autorregulado. (p.51)
Também os princípios que interferem no Sistema de Educação no
Brasil são atingidos pelas ideias globalizadas. Em 1990, o relatório intitulado
“Educação – Um tesouro a descobrir”, de Jacques Delors, um estudo realizado
34
para a UNESCO é um exemplo disso. Neste relatório Delors afirma que a
educação deve organizar-se em torno de quatro aprendizagens fundamentais e
úteis para cada indivíduo, os pilares educacionais, que são: aprender a
conhecer, isto é, adquirir os instrumentos da compreensão; aprender a fazer,
por em prática seus conhecimentos, e adaptá-los a outras situações que não
foram imaginadas; aprender a viver juntos, que envolve descobrir o outro e a
participação em projetos com objetivos comuns visando à cooperação;
aprender a ser via essencial que integra as três precedentes. (DELORS, 1990)
Aprender a ser volta-se à humanização do mundo e está relacionada
com a evolução ética. A ideia desenvolvida por Delors mostra a necessidade
do desenvolvimento total da pessoa, como espírito e corpo, inteligência e
sensibilidade, sentido estético e responsabilidade pessoal, para que sejam
difundidos os pensamentos autônomos e críticos do indivíduo, tendo em vista
refletir sobre os problemas e solucioná-los. Delors (1990) aponta para a
necessidade que cada indivíduo tem de complementar sua formação fora da
escola, o que revela que a escola não fará sozinha a formação do indivíduo.
Outro aspecto importante neste estudo é refletir sobre o currículo,
como já o fizemos, de certa forma, ao trazer o pensamento de Young (2001), o
de Freire (20030 e o de Moreira (2008), que podem ser complementados com
as ideias de alguns outros pensadores: Fourquin (1993), Morin (2003), Rocha
(2007).
Para Fourquin (1993)
Um currículo escolar é, no vocabulário pedagógico anglo-saxão, um
percurso educacional, um conjunto contínuo de situações de
aprendizagem (“learning experiences”) às quais um indivíduo vê-se
exposto ao longo de um dado período, no contexto de uma instituição
de educação formal (p.22)
Já Rocha (2007) afirma que o que não se pode é aprender uma
única coisa, todo mundo igual, dar pesos desiguais, negar ou excluir coisas em
função de critérios que são ideológicos. É possível criar uma sociedade
polivalente e diversificada. Em relação à pedagogia, ou seja, à maneira de
ensinar, este pensador afirma que “somos movidos pela curiosidade, que vira
um desafio, que vira uma encrenca. As respostas às perguntas são testadas e
viram novas metodologias, pedagogias.”(p.)
Sobre educação e currículo, Morin (2003) afirma que
Um dos principais objetivos da educação é ensinar valores. Um valor
importante é do indivíduo se conhecer, como se compreender a si
mesmo para que possa compreender os outros e a humanidade em
geral. O sistema educativo não incorpora essas discussões e, pior,
fragmenta a realidade, simplifica o complexo, separa o que é
35
inseparável, ignora a multiplicidade e a diversidade. (MORIN, 2003, p.
21)
(...)
As disciplinas como estão estruturadas só servem para isolar os
objetos do seu meio e isolar partes de um todo. Eliminam a desordem
e as contradições existentes, para dar uma falsa sensação de
arrumação. A educação deveria romper com isso mostrando as
correlações ente os saberes, a complexidade da vida e dos
problemas que hoje existem. (IDEM)
Instigar a curiosidade é um dos caminhos para construir um currículo
alternativo. O autor acrescenta ainda que “Os saberes não devem assassinar a
curiosidade. A educação deve ser um despertar para a filosofia, para a
literatura, para a música, para as artes. É isso que preenche a vida. Esse é o
seu verdadeiro papel.” (IDEM)
Neste estudo, compartilhamos a ideia de Moreira (2008): “ palavra
currículo pode ser entendida como: a) os conteúdos a serem ensinados e
aprendidos; b) as experiências de aprendizagem escolares a serem vividas
pelos alunos; c) os planos pedagógicos elaborados por professores, escolas e
sistemas educacionais; d) os objetivos a serem alcançados por meio do
processo de ensino; e) os processos de avaliação que terminam por influir nos
conteúdos e nos procedimentos selecionados nos diferentes graus da
escolarização. (p. 18)
Não se trata de a escola ampliar a escolaridade nem as condições
favoráveis para que se melhore a qualidade do ensino, pois seriam medidas
insuficientes para atender às crescentes e heterogêneas demandas por
educação e, de maneira mais geral, para resolver a limitação dela para
enfrentar todas as novidades e transformações que a sociedade propõe.
2.1. Educação, educação.....
Nesse momento refletimos sobre a educação que está dentro e fora
da escola.
36
2.1.1Educação de jovens e adultos
A educação é um projeto de vida, não de formação para o mercado.
A lógica da vida não é ter um emprego. Ter analfabetos não pode ser
um problema econômico, é um problema ético. (ROCHA, 2007)
A Educação de Jovens e Adultos teve impulso a partir de 1930,
quando era usada ainda a expressão Educação de Adultos, com a criação do
Ministério da Educação e Saúde Pública. Nessa época, as ações educativas
eram orientadas essencialmente para “combater” o analfabetismo. Nas
décadas de 1940, 1950, e início de 1960 várias campanhas propostas pelo
Ministério da Educação foram realizadas.
Na década de 1940, começaram as primeiras iniciativas
governamentais para lidar com o analfabetismo entre adultos, entendia-se que
o crescimento econômico do país estava ligado a não ter analfabetos.
Na década de 1950, por sua vez, considerou o adulto analfabeto um
eleitor em potencial, nessa época, analfabeto não votava. Divulgou-se a crença
na participação de todos – como eleitores – para o desenvolvimento do país.
Na década de 1960, a alfabetização juntou-se
estudantis e sindicais e a questão do analfabetismo passou
consequência direta da pobreza e de uma política de
desigualdades. Foi nesse contexto que as ideias de Paulo
dimensão nacional. Assim, afirma o documento:
aos movimentos
a ser vista como
manutenção de
Freire ganharam
Sua proposta inovadora pregava a necessidade de uma alfabetização
voltada para a libertação, para a conscientização dos homens e
mulheres como sujeitos capazes de transformar a realidade social. A
educação passou a ser entendida como um ato político. [...] Desde
Freire, a educação de jovens e adultos vem caminhando na direção
de uma educação democrática e libertadora, comprometida com a
realidade social, econômica e cultural dos mais pobres. (MEC, 2006,
p.26-27)
Também Gadotti (2001) discorre sobre a história da educação de
adultos, no Brasil, para o autor ela pode ser dividida em três períodos:
1º - de 1946 a 1958, onde foram realizadas grandes campanhas
nacionais de iniciativa oficial, chamadas de “cruzadas”, sobretudo
para “erradicar o analfabetismo”, entendido como uma “chaga”, uma
doença como a malária. Por isso se flava em “zonas negras de
analfabetismo” (GADOTTI, 2001, p.36);
37
2º - de 1958 a 1964, como a realização do 2º Congresso Nacional de
Educação de Adultos, contou com a participação de Paulo Freire.
Partiu daí a ideia de um programa permanente de enfrentamento do
problema da alfabetização que desembocou no Plano Nacional de
Alfabetização de Adultos, dirigido por Paulo Freire e extinto pelo
Golpe de Estado de 1964, depois de um ano de funcionamento. A
educação de adultos era entendida a partir de uma visão das causas
do analfabetismo, como educação de base, articulada com as
„reformas de base‟ defendidas pelo governo popular/populista de
João Goulart. Os CPCs (Centros Populares de Cultura), extintos logo
depois do golpe militar de 1964, e o MEB (Movimento de Educação
de Base), apoiado pela igreja e cuja duração foi até 1969, foram
profundamente influenciados por essas ideias (IDEM)
3º - O governo militar insistia em campanhas como a „Cruzada do
ABC‟ (Ação Básica Cristã) e posteriormente, como o MOBRAL
(Movimento Brasileiro de Alfabetização). Em 1985, com a
“redemocratização” (1985), a “Nova República”, sem consultar os
seus 300 mil educadores extingue o MOBRAL e cria a Fundação
Educar, com objetivos mais democráticos, mas sem os recursos de
que o MOBRAL dispunha. A educação de jovens e adultos foi
enterrada pela “Nova República” e autodenominada “Brasil Novo”
(1990) do primeiro presidente eleito depois de 1961, criou o PNAC
(Plano Nacional de Alfabetização e Cidadania), apresentado com
grande publicidade em 1990 e extinto no ano seguinte sem qualquer
explicação para a sociedade civil que o havia apoiado” (IDEM)
Segundo o autor, em 1989 foi criada a Comissão Nacional de
Alfabetização, com a coordenação inicial de Paulo Freire e depois de José
Eustáquio Romão como a finalidade de organizar o Ano Internacional da
Alfabetização. A Comissão existe até hoje, “com o objetivo de elaborar
diretrizes para a formulação de políticas de alfabetização em longo prazo que
nem sempre são assumidas pelo governo federal” (GADOTTI, 2001, p.36).
O caráter essencialmente da alfabetização da EJA foi alterado com a
Lei Federal nº 5.692/71, que previa a continuidade da escolarização, não se
restringindo apenas à fase da alfabetização, ao instituir o Ensino Supletivo de
1º e 2º Graus. Com a Constituição Federal de 1988, o Estado assume a
responsabilidade da educação para aqueles que não tiveram acesso em idade
própria, por meio do Art.208 “I – ensino fundamental, obrigatório e gratuito,
inclusive par os que a ele não tiveram acesso na idade própria” (1993, p.118).
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) nº 9.394
de 1996 nos Art. 4º e Art.37 institui a palavra jovem. Então se passa a entender
que a educação é de jovens e adultos que não estudaram na idade própria.
Art. 4º. O dever do estado com a educação escolar pública será
efetivado mediante a garantia de:
38
VI – oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do
educando;
VII – oferta de educação escolar regular para jovens e adultos, com
características e modalidades adequadas às suas necessidades e
disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as
condições de acesso e permanência na escola; (1996, p.7)
Art.37 - A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que
não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino
fundamental e médio na idade própria.
§1º. Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e
aos adultos, que não puderam efetuar os estudos na idade regular,
oportunidades
educacionais
apropriadas,
consideradas
as
características do alunado, seus interesses, condições de vida e de
trabalho, mediante cursos e exames.
§2º. O Poder Público viabilizará e estimulará o acesso e a
permanência do trabalhador na escola, mediante ações integradas e
complementares entre si. (1996, p.16)
Nesse momento, a EJA foi consolidada no que se refere a:
a) Escolarização – direito à educação básica a todos os sujeitos,
independentemente da idade, e considerando a educação como direito humano
fundamental;
b) Educação continuada – entendida pela exigência do aprender por
toda a vida, independentemente da educação formal e do nível de
escolaridade, o que inclui ações educativas de gênero, de etnia, de
profissionalização.
Neste estudo procura-se enfatizar alguns fatores que envolvem
questões sociais e questões do próprio sistema de ensino para entender as
especificidades da modalidade de educação de jovens e adultos (EJA).
Questões sociais fazem com que, todos os anos, muita gente
desista de estudar ou então deixe a sala de aula temporariamente em relação
aos jovens de 15 e 17anos. Alguns motivos levam a esta realidade:
a) vulnerabilidade – muitos estudantes enfrentam problemas como
a pobreza extrema, o uso de drogas, a exploração juvenil e a violência. (
2011, p.96) nova escola
b) trabalho – a necessidade de compor renda familiar faz com que
muitos alunos deixem o Ensino Fundamental regular antes de concluí-lo. Já
que não conseguem conciliar os estudos com o trabalho. (, 2011, p.96)
39
c) gravidez precoce – principalmente, as meninas param de
estudar para cuidar dos filhos, só retornam tempo depois para concluir os
estudos. (id, p.6)
Também
Educacional:
há
as
questões
relacionadas
ao
Sistema
a) reprovação e evasão - o estudo do MEC aponta que a
repetência de 17,45 na 7ª série e 22,6% na 8ª série só não é maior devido ao
aumento da evasão escolar.
b) desmotivação – a falta de interesse pelos alunos em relação ao
currículo e como ele é tratado ela escola. (98)
c) decisão do gestor – a direção da escola decide enviar os alunos
“indisciplinados” para o curso noturno, às vezes, para melhorar os resultados
das avaliações externas. (99)
O documento Orientações Curriculares: Expectativas de
Aprendizagem da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo (SME), o
conceito de educação de adultos
guarda estreita relação com educação supletiva, uma forma de oferta
diferenciada de educação regular de Ensino Fundamental e Médio. E
como não existem referenciais específicos para este segmento, a
prática predominante tende a reproduzir o modelo escolar tradicional,
constituído para atender crianças e púberes, dividindo o processo de
formação em series e disciplinas compactadas. Ignora-se, portanto,
que o adulto não age, nem raciocina como criança e que aprende por
mecanismos, pelo menos parcialmente, distintos dos que se verificam
entre crianças (SME, 2008, p.18).
A coleção “Trabalhando com a Educação de Jovens e Adultos”, feita
pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade
(SECADI), mostra que os estudantes veem a escola como o
[...] lugar especialmente estruturado para potencializar a
aprendizagem dos alunos. A escola pode ser o lugar no qual os
alunos e professores, juntos, vão construindo uma história que
modifica, amplia, transforma e interfere em diferentes âmbitos: o da
pessoa, o da comunidade na qual está inserida e o da sociedade,
numa perspectiva mais ampla.” (MEC, 2006, p. 8-9)
Quanto ao tempo, aponta o mesmo documento que:
Os horários e a rigidez da grade curricular são, muitas vezes,
obstáculos à entrada e permanência do aluno jovem e adulto na
escola. É preciso lembrar, sempre, que esses alunos são, em sua
imensa maioria, trabalhadores, pessoas com responsabilidades
familiares, o que imprime algumas restrições e dificuldades para
40
chegar e estar na escola. Assim, torna-se necessário que a escola
proponha uma forma de organização adequada ao público jovem e
adulto. É preciso repensar horários de entrada e saída, os tipos de
tarefas extraescolares, as exigências em torno da frequência, as
propostas feitas que não conseguem manter os alunos motivados e
atuantes, de tal modo que estar na escola a despeito do cansaço, do
adiantamento de outros compromissos e da ausência na família seja
realmente importante e indispensável (MEC, 2006, p.9).
Com relação aos conteúdos:
deve-se considerar que o sentido de aprender, nas classes de EJA,
está no encontro dos alunos com a satisfação de suas necessidades
expectativas. Estas foram se construindo ao longo da vida, a partir e
no contexto de sua cultura. É desse lugar, ou seja, de sua cultura,
que os alunos podem atribuir sentido ao conhecimento (IBIDEM,
2006, p.9)
No que diz respeito à matrícula Na, o Censo Escolar de
responsabilidade do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira) divulga que
a)
em 2010 – uma queda de 8% (374.098), totalizando
4.287.234. Desse total, 2.860.230 (67%) estão no ensino
fundamental e 1.427.004 (33%) no ensino médio. (Inep, 2011,
p.17);
b)
em 2011 – uma queda de 6% (254.753), totalizando
3.980.203. Desse total 2.657.781 (Inep, 2012, p.24);
c)
em 2012 – uma queda de 3,4% (139.292), totalizando
3.906.877. Desse total 2.5601.013 (Inep, 2013, p.27)
Pelos dados da Pnad/IBGE 2009, o Brasil tinha uma população de
57,7milhões de pessoas com mais de 18 anos que não frequentam escola e
que não tinham o ensino fundamental completo. Esse contingente poderia ser
considerado uma parcela da população a ser atendida pela EJA”( Inep, 2013,
p.27). No entanto, esses números mostram que o atendimento escolar para os
jovens e adultos é insuficiente. Isso pode sinalizar também mais uma
dificuldade, sobretudo para o trabalhador que precisa de motivação para voltar
à escola uma vez que se têm menos escolas, sobretudo nos grandes centros
urbanos em que os deslocamentos podem se tornar um impedimento para o
acesso aos locais de oferta.
41
Outra informação importante divulgada pelo Inep está relacionada a
distribuição de vagas: “A maioria da matrícula da EJA está na rede pública,
distribuída da seguinte forma: 54,8% na rede estadual, 41,7% na rede
municipal e 0,4% na rede federal, cabendo à rede privada uma participação
3,1%.” (Inep, 2013, p.27).
Outra possibilidade para as pessoas que não estudaram na idade
própria, ou querem retomar seus estudos, é o Exame Nacional para
Certificação de Competências de Jovens e Adultos (ENCCEJA), uma avaliação
voluntária e gratuita ofertada às pessoas que não tiveram a oportunidade de
concluir os estudos em idade apropriada para aferir competências, habilidades
e saberes adquiridos, tanto no processo escolar quanto no extraescolar, para
residentes no Brasil ou no exterior.
O objetivo do exame é construir uma referência nacional da educação
para jovens e adultos por meio da avaliação de competências,
habilidade e saberes formativos que se desenvolvem na vida familiar,
na convivência humana, no trabalho, nos movimentos sociais e
organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais, entre
outros (MEC, 2013).
O ENCCEJA também pode ser realizado para pleitear a certificação
no nível de conclusão do Ensino Fundamental para quem tem no mínimo 15
(quinze) anos completos na data de realização das provas. Além da
certificação no nível de conclusão doo Ensino Fundamental, os brasileiros
residentes no exterior podem pleitear a certificação no nível de conclusão do
Ensino Médio desde que tenham no mínimo 18 anos completos na da ta de
realização das provas.
No município de São Paulo, a alternativa, além da modalidade
tradicional da EJA oferecida em algumas escolas, é o Movimento de
Alfabetização de Jovens e Adultos (MOVA), voltado para a alfabetização, os
Centros Integrados de Educação de Jovens e Adultos (CIEJA) e a EJA Modular
voltados para o Ensino Fundamental Ciclo II, já mencionada no contexto de
pesquisa.
Acrescenta-se ainda, que a EJA teve origem popular, pois antes de
entrar no Sistema de Educação, ela existia nas comunidades por iniciativa dos
movimentos populares. Esse aspecto dela torna possível a reflexão sobre a
educação formal, a educação não formal e informal. Escolhemos aprofundar o
debate na perspectiva do que esses termos têm em comum, os pontos de
aproximação e de distanciamento, a partir da escola, como exemplo de
educação formal e do espaço cultural como educação não formal.
42
2.1.2 Educação formal, não formal e informal
Segundo Libâneo (2011), a escola em sua forma atual, surgiu com o
nascimento da sociedade industrial e com a constituição do estado nacional,
para complementar a educação que ocorria na família e na igreja. Ganhou
corpo com base na crença do progresso e de ser um bem para a educação dos
homens e a ampliação da cultura.
O autor considera o aspecto político da escola ao afirmar:
Numa perspectiva crítica, a escola é vista como uma organização
política, ideológica e cultual em que indivíduos e grupos de diferentes
interesses, preferências, crenças, valores e percepções da realidade
mobilizam poderes e elaboram processos de negociação, pactos e
enfrentamentos (LIBÂNEO, 2011, p.168).
O aspecto social também é contemplado pelo autor: [...] a vida social
implica a vivência da educação pelo convívio, pela interação entre as pessoas,
pela socialização das práticas, hábitos e valores que produzem a vida humana
em sociedade (LIBÂNEO, 2011, p.168).
Sobre a prática educativa, o autor afirma:
A prática educativa envolve a presença de sujeitos que ensinam e
aprendem ao mesmo tempo, de conteúdos (objetos de conhecimento
a ser apreendidos), de objetivos, de métodos e de técnicas coerentes
com os objetivos desejados (LIBÂNEO, 2011, p.168).
A educação formal é sistemática, organizada e intencional, ocorre
em instâncias de educação escolar, apresentando objetivos educativos
explicitados. Assim, a escola é o espaço de realização tanto dos objetivos do
sistema de ensino quanto dos objetivos de aprendizagem, o que a torna um
lugar influenciado pela estrutura econômica e social, pelas decisões políticas e
pelas relações de poder em vigor na sociedade, que vão interferir nas ações
educativas e também nos sujeitos, no caso, no aluno, no professor e nos
demais agentes escolares.
A educação dita formal é relativamente recente na história humana,
seu caráter decorre de um conjunto de mecanismos de certificação que
formaliza a seleção de pessoas diante de um mercado de profissões
estabelecido. Para Libâneo (2011), a educação escolar foi ajustada a esses
43
requisitos, como forma de as pessoas se ajustarem aos empregos por meio de
uma certificação, quando a chamada estrutura ocupacional se urbanizou e uma
parcela importante da economia pôde ser suprida com ocupações compatíveis,
com uso de saberes tipicamente escolares.
O sistema de educação brasileiro apresenta uma estrutura que vai
do nível municipal, passa pelo estadual e chega até o nível federal, tal como
previsto pela Constituição Federal de 1988 no Art. 211. “A União, os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus
sistemas de ensino” (1993, p.118) - e na LDB 9394/96, Arts. 16, 17 e 18, que
tratam da abrangência dos três níveis de governo. Assim, todas as políticas
econômicas e sociais, que envolvem a educação, são estabelecidas
respeitando os níveis de governo mencionados.
O sistema está dividido em educação básica e educação superior.
Na prática trata-se de um conjunto de sistemas escolares, vinculados a
órgãos administrativos e estabelecimentos de prestação direta de educação
pública, mas ligados entre si por leis “maiores”. Segundo a Lei de Diretrizes
de Base da Educação Nacional (LDBEN) de 1996, no Art. 21, “a educação
escolar brasileira apresenta dois níveis: a educação básica, formada pela
educação infantil, pelo ensino fundamental (ciclos I e II) e pelo ensino médio e
a educação superior” (LDBEN, 1996, p.11).
A educação básica se divide em estabelecimentos de educação
infantil (centros para crianças de até 3 anos e escolas para crianças pequenas
de 4 a 5 anos), escolas de ensino fundamental – de 9 anos - (para crianças e
jovens de 6 a 14 anos de idade) e de ensino médio. Destaca-se essa educação
básica porque ela está relacionada à modalidade de educação de jovens e
adultos.
A educação de jovens e adultos destina-se aos que não tiveram, na
idade própria, acesso ao ensino fundamental e médio ou continuidade de
estudos nesses níveis de ensino. Essa educação “prevê cursos e exames
supletivos a ser realizados no nível de conclusão do ensino fundamental, para
maiores de 15 anos, e no nível de conclusão do ensino médio, para maiores de
18 anos” (LIBÂNEO, 2011, p.262).
A educação profissional, outra modalidade presente na LDB/¨96,
deve estar integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e
à tecnologia e visa ao permanente desenvolvimento de aptidões para a vida
produtiva. “No nível básico é a modalidade de educação não formal, de
duração variável, uma vez que está sujeita à regulamentação curricular.”
(IBIDEM, 2011, p. 263)
44
A educação especial é entendida “na LDBEN/96 (Art.58) como a
modalidade oferecida para educandos portadores de necessidades especiais,
preferencialmente na rede regular de ensino.” (IBIDEM, 2011, p.264)
Embora, a educação formal apresente e tenha todo este sistema
organizado, não é possível para ela atender todas as demandas de uma
sociedade plural e diversa, que respira e transpira mudanças constantes.
Para Trilla (2008), ao se tratar da educação, é preciso não limitá-la à
escolar, pois alguns fatos questionam, relativizam e complementam a
perspectiva pedagógica polarizada em torno da escola como:
1. A escola é uma instituição histórica, nem sempre existiu; é
funcional a certas sociedades, mas o que é essencial a
qualquer sociedade é a educação (p. 17);
2. O processo educativo global do indivíduo e os efeitos
produzidos pela escola não podem ser entendidos
independentemente dos fatores e intervenções educacionais
não escolares, uma vez que ambos interferem continuamente
na ação escolar (p.18:):
3. O marco institucional e metodológico da escola nem sempre
é o mais idôneo para atender a todas as necessidades e
demandas educacionais. A estrutura escolar impõe limites que
devem ser reconhecidos. E mais: além de não ser apta para
todo tipo de objetivo educacional, a escola mostra-se
particularmente imprópria para alguns deles (p. 18);
4. O crescente aumento da demanda por educação em face da
incorporação de setores sociais, tradicionalmente excluídos
dos sistemas educacionais convencionais (adultos, idosos,
mulheres, minorias étnicas etc.), (p.19);
5. As transformações no mundo do trabalho que obriga a
operacionalizar novas formas de capacitação profissional
(formação continuada, recolocação profissional etc.), (p.19);
6. Ampliação do tempo livre, o que gera a necessidade de
desenvolver ações educativas que se transformem em marcos
de atuação e/ou em objetivos (p.20);
7. Mudança na instituição familiar e outros aspectos da vida
cotidiana, como a urbanização, que tornam necessárias novas
instituições e meios educacionais capazes de assumir algumas
tarefas que antes eram exercidas pelas famílias de maneira
informal (p.20);
8. A presença dos meios de comunicação de massa na vida
social e o desenvolvimento de novas tecnologias promovendo
45
outros modos de realizar a educação superando os sistemas
presenciais da escolaridade convencional. (p.20)
Para Trilla (2008), a educação formal desenvolvida na escola,
começou a ser criticada pelos fatores elencados acima, o que contribuiu para a
ampliação da educação não formal. Isso fez com que a educação formal fosse
revista como única opção para se adquirir alguns conhecimentos que
favorecessem a ação das pessoas ao trabalho, por exemplo.
Verifica-se, pelas considerações feitas por Trilla (2008) no que diz
respeito à superação de ambientes escolares presenciais, que outras
possibilidades de realização da educação formal existem sem ser na escola,
como é o caso da educação a distância. Isso permitiu o deslocamento da
vivência estritamente escolar, fazendo com que o discurso pedagógico integre
e legitime tais possibilidades, como uma alternativa para alguns estudantes.
Tal reflexão possibilita que haja uma análise do conhecimento
escolar em relação a outros conhecimentos que não escolares, pois a escola
não deveria responsabilizar-se, sozinha, pelo conhecimento que responde às
demandas sociais.
Segundo Gohn (2008, p. 91), no Brasil até os anos 1980, tanto os
educadores como as políticas públicas não valorizavam a educação não
formal. Quando a ela se referiam, reduziam-na a uma educação desenvolvida
em espaços exteriores às unidades escolares como programas ou campanhas
de alfabetização de adultos, cujos objetivos giravam em torno da aquisição da
compreensão da leitura e da escrita e da participação sociopolítica das
camadas populares para integrá-las no contexto urbano industrial. A educação
não formal era vista naquele momento como um conjunto de ações para
[...] alcançar a participação de indivíduos e de grupos em áreas
denominadas extensão rural, animação comunitária, treinamento
vocacional ou técnico, educação básica, planejamento familiar etc. Os
conteúdos a serem adquiridos na aprendizagem em ambiente não
formal se referiam à cooperação na família, no trabalho, na
comunidade; à colaboração para o crescimento nacional, o
progresso; à alfabetização funcional; ao conhecimento de habilidades
funcionais para o planejamento familiar, a sustentação econômica e a
participação cívica, além de uma visão científica para a compreensão
elementar de determinadas áreas específicas. (GOHN, 2008, p.92).
Nos anos 1990, ainda segundo Gohn (2008), a educação não formal
se ampliou em decorrência das mudanças na economia, na sociedade e no
mundo do trabalho. Passou-se a considerar “os processos de aprendizagem
em grupos e a valorizar a cultura que articula as ações dos indivíduos em uma
nova cultura organizacional que exigia a aprendizagem de habilidades extra46
escolares” (p.92). Entende-se por cultura organizacional “o conjunto de fatores
sociais, culturais e psicológicos que influenciam os modos de agir da
organização como um todo e o comportamento das pessoas em particular”
(LIBÂNEO, 2011, p.320).
Outros elementos contribuíram para expansão da educação não
formal, como a mídia e as agências internacionais como a ONU e a UNESCO.
A UNESCO divulgou dois documentos elaborados na Conferência realizada em
1990, na Tailândia: “Declaração mundial sobre educação para todos” e “Plano
de ação para satisfazer necessidades básicas da aprendizagem” que tinham a
preocupação de uma educação que pensasse o local e o global.
Segundo Gohn (2008), a definição de necessidades básicas da
aprendizagem envolvia “conteúdos teóricos e práticos, valores e atitudes para
viver e sobreviver, e a desenvolver a capacidade humana, os documentos da
conferência ampliam o campo da educação para outras dimensões além da
escola” (p.93).
As realidades educacionais como as apontadas pela expressão
“educação não formal” existem desde muito antes do século XX. Para Trilla
(2008), o que muda, a partir daí, é que esse termo passa a integrar a
linguagem pedagógica. É a partir de estudos realizados por Coombs, em 1968,
que se começa a distinguir a educação realizada fora da escola como informal
(que será apresentada mais adiante) e não formal. Assim, educação não formal
“[...] é toda atividade organizada, sistemática, educativa, realizada
fora do marco do sistema oficial, para facilitar determinados tipos de
aprendizagem a subgrupos específicos da população, tanto adultos
como infantis “ (COOMBS, apud TRILLA, 2008, p. 33)
A educação não formal deve ser vista pelo seu caráter universal, no
sentido de abranger e abarcar todos os seres humanos, independentemente de
classe social, idade, sexo, etnia, religião etc. Assim, educação não formal, para
Gonh (2010) é:
Um processo sociopolítico, cultural e pedagógico de formação do
indivíduo para interagir com o outro em sociedade. Ela designa um
conjunto de práticas socioculturais de aprendizagem e produção de
saberes, que envolve organizações/instituições, atividades, meios e
formas variadas, assim como uma multiplicidade de programas e
projetos sociais (p.33).
Para a autora, a educação não formal tem diferenças da educação
formal e informal, pois atua sobre aspectos subjetivos do grupo, trabalhando e
formando sua cultura política. Além de desenvolver laços de pertencimento, a
educação não formal ajuda na construção da identidade coletiva do grupo;
47
pode colaborar para o seu desenvolvimento e fortalecimento, criando o que
alguns analistas denominam o capital social de um grupo.
A autora critica o uso instrumental e estratégico da educação não
formal por ONGs (Organizações Não Governamentais) e instituições
interessadas somente em processos de “capacitação” dos indivíduos para o
mercado de trabalho informal, para geração de renda em atividades do terceiro
setor. Prefere fundamentar a educação não formal em critérios de
solidariedade e identificação de interesses comuns, como parte do processo de
construção da cidadania coletiva e pública do grupo.
A mesma autora afirma que a educação não formal se tornou uma
disciplina nos cursos de Pedagogia e Educação e Pós-graduação em várias
universidades brasileiras, a partir de 1990.
Para aprofundar a ideia de que a educação informal é aquela
adquirida pelo indivíduo através da família, dos amigos, do trabalho, enfim, é
aquela que se dá de forma “espontânea” em qualquer lugar, recorremos a
seguinte afirmação de Gonh (2010):
[...] não é organizada, os conhecimentos não são
sistematizados e são repassados a partir das práticas e
experiências anteriores, usualmente é o passado
orientando o presente. Ela atua no campo das emoções e
sentimentos. É um processo permanente e estabelecido
pelo cotidiano (p. 20).
Já para Coombs (1985), [...] educação informal é um
processo, que dura a vida inteira, em que as pessoas
adquirem e acumulam conhecimentos, habilidades, atitudes
e modos de discernimento por meio das experiências
diárias e de sua relação com o meio. (apud TRILLA, 2008,
p.33)
Tanto Gohn quanto Combs têm ideias complementares ao se tratar
da educação informal, já que a primeira enfatiza a questão dos sentimentos
das emoções, e a segunda foca nas experiências vividas pelos indivíduos.
Uma vez apresentadas as especificidades das modalidades da
educação, ou seja, formal, não formal e informal, passamos a discutir os pontos
de aproximação, distanciamento e inter-relações possíveis entre essas
modalidades que são relevantes para a formação do indivíduo.
A definição dos conceitos serve para mostrar especificidades, no
entanto, existe a compreensão de que tanto a educação não formal quanto a
educação informal são produtoras de saber, por isso não devem estar
48
antagônicas à educação formal. Para a reflexão sobre as modalidades de
educação considera-se, neste item, a aproximação e o distanciamento que
existem entre o que se aprende dentro de casa com a família, aquilo que se
aprende fora, em instituições nos vários momentos de lazer, de formação
profissional e o que se aprende na escola.
Segue-se, inicialmente, a reflexão proposta por Gohn (2010) sobre
as modalidades de educação a partir de: a) quem educa; b) espaço/tempo; c)
objetivo; d) resultados esperados; e) contexto: f) intencionalidade e g) o que se
ensina.
Na educação formal, quem educa, no geral, é o professor que, junto
com os outros profissionais de educação (o porteiro, a merendeira, o agente de
serviço, a secretária, a equipe de gestão escolar), fazem com que a ação
educativa se realize no interior da escola.
Na educação não formal existe a presença do educador social,
chamado de agente cultural, aquele que anima, incentiva as ações, mas quem
educa na prática é o “outro”, ou seja, aquele com quem o sujeito interage ou
integra. (GOHN, 2010, p.17)
Na educação informal, a educação é orientada pelos pais, amigos,
vizinhos, colegas de escola, a igreja, os meios de comunicação de massa e,
muitas vezes, a partir de exemplos dados por todos (p.17).
Quanto ao tempo e ao espaço, esclarece Gohn (2010) que a
educação formal ocorre nas escolas que, regulamentadas por lei, certificam e
se organizam segundo diretrizes nacionais. Portanto essa modalidade de
ensino exige tempo, local específico, pessoal especializado; normatização das
formas de organização de um currículo por meio da sistematização sequencial
das atividades, tempos de progressão, disciplinamento, regulamentos e leis,
órgãos superiores etc.; caráter metódico e, usualmente, dividido por
idade/classe de conhecimento.
A educação não formal ocorre em espaços múltiplos, a saber: no
bairro-associação, nas organizações que estruturam e coordenam os
movimentos sociais, nas igrejas, nos sindicatos e nos partidos políticos, nas
Organizações Não-Governamentais, nos espaços culturais, nas escolas, e nos
espaços interativos que acompanham as trajetórias de vida dos grupos e
indivíduos. O tempo da aprendizagem de cada indivíduo respeita as diferenças
existentes para a absorção e reelaboração dos conteúdos, implícitos ou
explícitos no processo de aprendizagem (IBIDEM, 2008, p. 101). Em relação ao
espaço, muitas escolas são utilizadas como local para a realização de cursos
promovidos pela própria comunidade.
49
Já a educação informal tem seus espaços educativos demarcados
por referências de nacionalidade, localidade de nascimento ou moradia, idade,
sexo, religião, etnia etc. Para a autora, existe uma “naturalização desses
espaços porque não são escolhidos pelos indivíduos, ou seja, os espaços são
dados pelos seus pertencimentos culturais” (GOHN, 2010, p.17)
Os objetivos propostos pela educação formal têm ênfase naqueles
relativos aos processos de ensino e à aprendizagem de conteúdos
historicamente sistematizados, regulamentados e normatizados por leis, dentre
os quais se destaca a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDBEN) de 1996. Segundo a LDBEN/96, a escola tem como objetivo formar o
indivíduo como um cidadão participante, desenvolver, em cada um, habilidades
e competências várias, desenvolver a criatividade, a percepção e a
motricidade, entre outras. (GOHN, 2010).
Os objetivos da educação informal é socializar os indivíduos,
desenvolver hábitos, atitudes, comportamentos, modos de pensar e de se
expressar no uso da linguagem, segundo valores e crenças de grupos que se
frequenta ou a que se pertence por herança, desde o nascimento. Trata-se do
processo de socialização dos indivíduos em que os componentes como
herança e naturalização estão presentes. (GOHN, 2010, p.18)
São objetivos da educação não formal:
[...]a orientação para a cidadania, que incorpora: educação para
justiça social; educação para direitos (humanos, sociais, políticos,
culturais etc.); educação para liberdade; educação para igualdade e
diversidade cultural; educação para democracia; educação contra
toda e qualquer forma de discriminação; educação pelo exercício da
cultura e para a compreensão das diferenças culturais. (GOHN, 2010,
p.19)
Para a autora, “os objetivos não são dados a priori, eles se
constroem no decorrer do processo, gerando o processo educativo” (GOHN,
2010, p.19), visto que a educação não formal capacita os indivíduos a se
tornarem cidadãos do mundo, no mundo. O modo de educar é construído como
resultado do processo voltado para os interesses e as necessidades dos que
participam. A construção de relações sociais baseadas em princípios de
igualdade e justiça, quando presentes num dado grupo social, fortalece o
exercício da cidadania; é o caso de um projeto desenvolvido com a finalidade
de aumentar a renda de um determinado grupo, como é o caso, por exemplo,
da economia solidária. Nesse contexto, a transmissão de informação política e
sociocultural é uma meta na educação não formal. Ela prepara formando e
propiciando que os indivíduos, por meio de ações, debatam sobre o egoísmo, o
individualismo, a competição desprovida de valores éticos.
50
Quanto aos resultados, na educação formal espera-se, além “da
aprendizagem efetiva, que haja uma certificação com a devida titulação que
capacita os indivíduos a seguir para graus mais elevados, mais avançados do
sistema educacional” (GOHN, 2010, p.21). Na educação informal os resultados
“não são esperados, eles simplesmente acontecem a partir do desenvolvimento
do senso comum nos indivíduos, senso esse que orienta suas formas de
pensar e agir espontaneamente” (GOHN, 2010, p.21). A educação não formal
poderá desenvolver “uma série de processos que envolvam a conscientização
e organização de grupos com a finalidade de resgate da identidade, da cultura,
a valorização individual e coletiva como resultado” (GOHN, 2010, p.21).
Com relação ao contexto, ou seja, situação e maneira de se educar,
a educação formal pressupõe ambientes normatizados, com regras, legislações
e padrões comportamentais definidos previamente; o perfil do docente e as
metodologias de trabalho são normatizados. A educação não formal ocorre em
situações interativas e em ambientes construídos coletivamente, segundo
diretrizes dos grupos, e usualmente a participação dos indivíduos é optativa.
Mas ela poderá também ocorrer por força de certas circunstâncias da vivência
histórica de cada um, em seu processo de experiência e de socialização,
“pertencimentos adquiridos” pelo ato da escolha em dados processos ou ações
coletivas. Já a educação informal opera em ambientes espontâneos, onde as
relações sociais se desenvolvem segundo gostos, “preferências ou
pertencimentos herdados” (GOHN, 2010, p.18).
Quanto à intencionalidade das ações educativas, este estudo
buscou as ideias desenvolvidas por Gohn (2010), Libâneo (2011), Trilla (2006),
Cortella (2003) e Guará (2003).
A intencionalidade educacional, para Gohn (2010), está presente
tanto na educação formal quanto na educação não formal, sendo que na
informal não fica muito clara, pois neste caso, vai depender das ações
espontâneas realizadas pelas pessoas envolvidas. Por isso, a autora mostra a
dificuldade de delimitar a intenção nas relações familiares e entre amigos dos
indivíduos.
Para Libâneo (2011), há uma educação não intencional - a informal e outra intencional - formal e não formal. A educação não intencional, informal,
refere-se às influências do meio natural e social sobre o homem e interfere em
sua relação com o meio sócia. “Os costumes, a religião, as leis, os fatos físicos,
as ideias vigentes na sociedade, o tipo de governo, as práticas das famílias são
exemplos dessa modalidade” (169).
A educação intencional se divide em formal e não formal. O autor
afirma que a prática educativa não formal diz
51
[...] respeito às atividades intencionais em que há relações
pedagógicas com pouca sistematização ou estruturação, como ocorre
nos movimentos sociais, nos meios de comunicação de massa, nos
locais de lazer como clubes, cinemas, museus. Apesar da
caracterização de baixa sistematização das intenções, a educação
não formal intercambia frequentemente com a educação formal
(LIBÂNEO, 2011, p. 169)
Segundo o autor, a intencionalidade das ações aproxima a educação
não formal da formal, pois ambas planejam suas ações antes de executá-las. A
educação formal se caracteriza pela institucionalidade, por ter objetivos
explícitos, conteúdos, métodos de ensino e procedimentos didáticos
organizados para antecipar resultados”(LIBÂNEO, 2011, p.169). Acrescenta
ainda que a educação formal não ocorre apenas na escola, mas também nos
locais em que a educação ministrada possui as mesmas características, como
é o caso da educação sindical e da profissional. Para Libâneo, são as ações
educativas intencionais que trarão um “diferencial” à formação do indivíduo.
Trilla (2008) se posiciona da seguinte maneira: não é a
intencionalidade o aspecto capaz de delimitar a ação das modalidades de
educação. Por isso, lança as perguntas: quem pode garantir que todas as
ações na escola têm a intenção de ensinar? Na família, as ações não têm
intenção de ensinar algo? Assim, o autor questiona a ideia de que a educação
pode ser uma atividade o tempo todo intencional, abre espaço para ações que
educam mesmo sem que exista uma programação, um planejamento anterior.
Para Cortella (2003), é a intencionalidade que determina o tipo de
educação, ou seja, o autor considera que a educação tem duas dimensões:
ocasional e intencional. A ocasional “é a educação vivencial, espontânea e está
na vida, é aprendida em todos os lugares e por todo o tempo” (p.98). Na
educação intencional sua ação é deliberada, proposital e ocorre na escola, nos
meios de comunicação, na família, nas ONGs.
Essa posição do autor traz mais uma possibilidade de divisão da
educação: em ocasional e intencional. Acrescenta que nessas duas
possibilidades de educação é possível observar vantagem e desvantagem.
Assim, a educação ocasional tem a vantagem de apresentar uma
aprendizagem concreta, útil, significativa: permanente. Sendo que
desvantagem estaria na sua lentidão, “às vezes simplória, às vezes
experiente”. Já a educação intencional apresenta como desvantagem o fato de
ela “ser pouco estimulante, metódica, programada, organizada, sistematizada e
veloz” (p.98).
Outro fator tão importante quanto os outros mencionados até aqui
está relacionado ao que ensinar tanto na educação escolar quanto nas outras
modalidades de educação.
52
Quando se trata do que ensinar para a modalidade não formal,
Guará (2003) afirma que
[..].os conteúdos podem ser flexíveis, e são, via de regra, ancorados
em demandas emergenciais dos sujeitos e das comunidades,
abordando assuntos sinalizados nos temas transversais, como ética,
meio ambiente, saúde, consumo, trabalho, entre outros (GUARÁ,
2003, p.41)
Essa afirmação de Guará (2003) aponta para a preocupação que a
educação não formal tem em buscar temas relevantes que respeitam o
contexto, aproxima o conhecimento da ação e responde de modo direto e
rápido às demandas da vida prática.
A educação formal existe um sistema de ensino regido por leis
que determinam a ação pedagógica. No caso, a LDBEN/96, em seu Artigo 12,
afirma que “os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e
as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de: “elaborar e executar sua
proposta pedagógica” (1996, p.9), e o currículo a ser desenvolvido pela escola
a partir da orientação dos PCNs15 e de documentos expedidos por órgãos do
Ministério de Educação e da Secretaria Estadual e Municipal de Educação que
orientam as ações educativas escolares, sendo que o currículo tem uma base
nacional como os artigos da LDBEN de 1996 definem:.
Art. 26. Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma
base nacional comum, a se complementada, em cada sistema de
ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada,
exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da
cultura, da economia e da clientela. (p.11-12)
Art. 27. Os conteúdos curriculares da educação básica observarão,
ainda, as seguintes diretrizes:
I – a difusão de valores fundamentais ao interesse social, aos direitos
e deveres dos cidadãos, de respeito ao bem comum e à ordem
democrática;
III – orientação para o trabalho;
IV – promoção do desporto educacional e apoio às práticas
desportivas não-formais (p.12)
Na escola, apesar de todo o respaldo oferecido pela lei, pelas
diretrizes que orientam o currículo para que a educação formal flua, é possível
perceber uma ação educativa marcada pelo que afirma Rocha (2007)16
15
16
PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais.
Caderno A16 - Entrevista da 2ª – Jornal Folha de São Paulo de 26/11/2007.
53
A escola não permite inovação. Ela é reprodutora da mesmice. A
escola formal não está só na forma. Ela está dentro da fôrma. O pior
é quando ela está dentro do formol. É um cadáver. O conteúdo da
escola está pronto. Os meninos que vão entrar na escola no ano que
vem, independentemente, de quem sejam e de suas histórias,
aprenderão as mesmas coisas (ROCHA, 2007)
O autor propõe que se reflita sobre o currículo que é estabelecido
nas várias escolas brasileiras que, no geral, possuem uma parte comum e
outra diversificada. Apesar dessa possibilidade, os currículos são os mesmos
nas diferentes regiões brasileiras e isso não garante a aprendizagem dos
estudantes. Na opinião de Rocha (2007), faltaria pensar continuamente em
criar e inovar em cada lugar do Brasil a partir de uma situação local e dos
interesses dos indivíduos. Porque esta maneira de construir a educação
permitiria a criação de “uma sociedade polivalente e diversificada”, em que
houvesse lugar para que fossem manifestadas as expressões humanas, já que
“somos movidos pela curiosidade que vira uma encrenca. As respostas à
perguntas são testadas e viram novas metodologias, novas pedagogias.”
(2007).
Morin (2003)17 é outro pensador que também defende uma
mudança do quê ensinar nas escolas a partir da revisão das disciplinas. Assim,
o autor se coloca:
As disciplinas como estão estruturadas só servem para isolar os
objetos do seu meio e isolar partes de um todo. Eliminam a desordem
e as contradições existentes, para dar uma falsa sensação de
arrumação. A educação deveria romper com isso mostrando as
correlações ente os saberes, a complexidade da vida e dos
problemas que hoje existem (p.21).
Esse posicionamento poderia instigar a curiosidade, o que seria um
caminho para construir um currículo vivo. O autor acrescenta ainda que “os
saberes não devem assassinar a curiosidade. A educação deve ser um
despertar para a filosofia, para a literatura, para a música, para as artes. É isso
que preenche a vida. Esse é o seu verdadeiro papel” (MORIN, 2003, p.21).
Pelo posicionamento dos autores, percebe-se que uma modalidade
não é mais importante do que a outra para a formação do estudante, uma vez
que elas se interpenetram. Porque tanto as práticas informais como as formais
e não formais ocorrem na vida dos indivíduos, sua importância pode ser
determinada pelo acesso que estes têm no processo de aprender, que ocorre a
todo o momento, nas aplicações cotidianas e nas relações sociais.
17
Entrevista – Nova Escola de /2003.
54
CAPÍTULO 3
APROXIMAÇÃO ENTRE CULTURA E EDUCAÇÃO
...existe, entre educação e cultura, uma relação íntima, orgânica.
Quer se tome a palavra ‘educação’ no sentido amplo, de formação e
socialização do indivíduo, quer se a restrinja unicamente ao domínio
escolar, é necessário reconhecer que, se toda educação é sempre
educação de alguém por alguém, ela supõe sempre também,
necessariamente, a comunicação, a transmissão, a aquisição de
alguma coisa.
FOURQUIN,1993, p. 10
O objetivo, neste capítulo, é apresentar alguns conceitos sobre a
palavra cultura, entender o que cultura e educação podem fazer juntas.
3.1 CULTURA
Ao se falar de Cultura, é comum ouvirmos uma expressão
bastante ambígua, vaga, imprecisa, mas bem intencionada que
é a de se “levar a Cultura ao povo”. Contra isso, a priori, nada
se pode dizer. Temos que levar sim, não só a Cultura, mas
também a Erudição, que é o conhecimento da cultura dos
outros: a ninguém fará nenhum mal o contato com as peças de
Shakespereare e Moliére que infelizmente não eram
brasileiros, os quadros de Velásquez e Van Goh, as
sonoridades de Mozart e Beethoven.
Nós não devemos, porém – jamais! – esquecer que o povo tem
sua própria Cultura. O povo também é artista, porque essa é a
condição humana: somos os únicos habitantes da Terra
capazes de criarmos Metáforas, e a arte é sempre uma
Metáfora. (BOAL, 2005)18
O termo cultura tem dois sentidos iniciais. Segundo Chauí (2010), o
primeiro vem do verbo latino colere (“cultivar”, “criar”, “tomar conta”, “cuidar”),
que significava o aprimoramento da natureza humana pela educação em
18
Discurso de agradecimento de Augusto Boal proferido em relação aos pontos de cultura
55
sentido amplo, isto é, como formação das crianças não só pela alfabetização,
mas também pela iniciação à vida na coletividade por meio do aprendizado da
dança, da ginástica e de exercícios mentais; com o aprendizado de gramática,
poesia, oratória ou eloquência, história, ciências e filosofia. Portanto, culta era a
pessoa fisicamente bem preparada, moralmente virtuosa, politicamente
consciente e participante, intelectualmente desenvolvida pelo conhecimento
das ciências, das artes e da filosofia.
O segundo sentido está relacionado à civilização, ou seja, como
resultados e consequências da formação ou da educação dos seres humanos,
expressos em obras, feitos, ações e instituições que se manifestam nas formas
de organização da vida social e política ou na vida civil, de cidadão. Nesse
momento se dá a separação entre natureza e cultura, ou seja, entre homem e a
natureza há uma diferença essencial: o homem age por escolha de acordo com
valores e fins estabelecidos por ele próprio. A natureza seria o campo da
necessidade causal e de efeitos que operam por si mesmos, sem depender da
vontade de algum agente. Assim, a cultura é
o campo instituído pela ação dos homens, que agem
escolhendo livremente seus atos, dando a eles sentido,
finalidade e valor porque instituem as distinções entre bom e
mau, verdadeiro e falso, legítimo e ilegítimo, possível e
impossível, sagrado e profano. (CHAUÍ, 2010, p. 227).
A autora apresenta outros sentidos para o termo cultura:
a)
a palavra cultura como sinônimo de história, que passa a
ter esse sentido quando “a relação que os seres humanos
socialmente organizados estabelecem com o tempo e com o
espaço, com os outros seres humanos e com a natureza,
relações que se transformam no tempo e variam conforme as
condições do meio ambiente” ( p. 227);
b)
a transformação da natureza pela ação do trabalho
humano, ou seja, “os seres humanos produzem objetos
inexistentes na natureza, organizam-se socialmente para
realizá-lo, dividindo as tarefas, daí surgem a invenção do
comércio e a classes sociais e, consequentemente, os conflitos
gerados pelo poder.”(p. 228);
56
c)
como ordem simbólica, ou seja, “a capacidade de dar às
coisas um sentido que está além de sua presença material, isto
é, a capacidade de atribuir significações e valores às coisas e
aos homens, distinguindo entre bem e mal, verdade ou
falsidade, beleza e feiura; determinando se uma coisa ou uma
ação é justa ou injusta, legítima ou ilegítima, possível ou
impossível.”(p. 229).
Outro aspecto que se torna pertinente quando se trata dos sentidos
da palavra cultura é a de ter menos ou mais cultura, relacionada à posse de
conhecimentos. Por isso é um fator positivo ser culto. Outro sentido está
relacionado ao fato de se estar habilitado para exercer certa função ou posição.
Portanto, nesses dois sentidos, cultura sugere prestígio e respeito, como
destaca Chauí (2010, p. 224).
Gruman (2010) manifesta concordância com Chauí no que diz
respeito à palavra cultura significar prestígio, quando cita Da Matta:
[...] quando alguém não tem cultura, a referência é à
sofisticação, sabedoria, de educação no sentido restrito do
termo. Ou seja, pressupõe-se que o volume de leituras,
controle de informações e títulos universitários equivalem à
„inteligência‟. A cultura em seu sentido antropológico, por outro
lado, transcende a noção de refinamento intelectual (cujo
adjetivo é „culto‟, e não „cultural‟). A cultura permite traduzir
melhor a diferença entre nós e os outros e, assim fazendo,
resgatar a nossa humanidade no outro e a do outro em nós
mesmos. (DA MATTA, 1981, apud GRUMAN, 2010).
Afirma Gruman que, “ao seguirmos esta perspectiva, tornamo-nos
mais respeitosos com relação ao outro porque este outro nada é do que nosso
espelho, refletindo a unidade na diversidade. Para além da tolerância,
perseguimos a convivência e a harmonia.” (GRUMAN, 2010)19.
Libâneo (2011) propõe a ideia de cultura a partir da visão
psicológica, voltada para a escola. Para o autor, existe uma cultura
organizacional na escola: os indivíduos e sua subjetividade interferem nas
19
Discurso proferido como representante ministerial no Encontro Ibero-Americano de
Educação Artística e Cultura, México/2010
57
formas de organização e de gestão escolar, pois têm como uma das
características básicas a relação interpessoal, tendo em vista a realização de
objetivos comuns. Portanto, a bagagem cultural dos indivíduos contribui para
definir a cultura organizacional da instituição da qual fazem parte. Isso significa
que as organizações – a escola, a família, a empresa, o hospital, a prisão, etc.
– vão formando uma cultura própria, de modo que os valores, as crenças, os
modos de agir dos indivíduos e sua subjetividade são elementos essenciais
para compreender a dinâmica interna delas. (IBIDEM, p. 319)
Na escola é a cultura organizacional que explica o comportamento
de cada indivíduo diante da aceitação ou não aceitação de mudanças, nas
palavras de Fourquin (1993):
A escola é, também, um mundo social, que tem suas
características de vida próprias, seus ritmos e seus ritos, sua
linguagem, seu imaginário, seus modos próprios de regulação
e de transgressão, seu regime próprio de produção e de gestão
de símbolos. (apud LIBÂNEO, 2011, p.320)
Cultura organizacional pode, então,
[...] ser definida como o conjunto de fatores sociais, culturais e
psicológicos que influenciam os modos de agir da organização
como um todo e o comportamento das pessoas em particular.
Isso significa que, além daquelas diretrizes, normas,
procedimentos operacionais e rotinas administrativas que
identificam as escolas, há aspectos de natureza cultural que as
diferenciam umas das outras, não sendo a maior parte deles
nem claramente perceptíveis nem explícitos. Esses aspectos
têm sido denominados frequentemente de „currículo oculto‟, o
qual, embora recôndito, atua de forma poderosa nos modos de
funcionar das escolas e na prática dos professores. Tanto é
verdade, que os mesmos professores tendem a agir de forma
diferente em cada escola em que trabalham. (LIBÂNEO,
2011, p.320)
A palavra cultura se transforma em ações com outras significações
quando se relaciona a espaços culturais, como:
58
[...] a) fazer da cultura um espetáculo, pago ou gratuito; b)
através da cultura tirar os jovens das ruas e da violência e
oferecer-lhes uma alternativa para a TV; c) confusão entre
“cultura e educação ao tornar o teatro, o cinema, a biblioteca
ou centro de cultura em substitutivos para um sistema
educacional falido (COELHO, 2006, p.10).
No entanto, a cultura prolifera. Mas que cultura está sendo
multiplicada?
Aquela cultura que expressa o senso comum que estaria ligado
ao campo artístico e às atividades do lazer. Então, a cultura
seria uma espécie de entretenimento, algo a que as pessoas
se dedicam no seu tempo livre, fora de seus trabalhos
cotidianos, no tempo em que podem relaxar. Nesse ponto vista,
a vida cultural estaria ligada ao complexo de produtos e
atividades, acessórios, secundários, com algum valor de
mercado.(FERREIRA, 2010)
Também Coelho (2006, p.10) menciona que a abertura de teatros e
museus “ao povo” quase nunca é pensada para proporcionar uma situação
para o povo chegar à criação, mas apenas para aumentar o número de novos
espectadores e admiradores, quer dizer, novos consumidores. Isso ocorre, na
opinião do autor, pelo fato de que os centros, os espaços culturais, utilizam, no
geral, em seu programa de ação, a fabricação cultural como meio de realizá-lo.
A fabricação cultural “é um processo com um início determinado,
um fim previsto e etapas estipuladas que devem levar ao fim preestabelecido”
(IBIDEM, p.12).
Já a ação cultural ou arte-ação é o “processo com início claro e
armado, mas sem fim especificado e, portanto, sem etapas ou estações
intermediárias pelas quais se deva necessariamente passar – já que não há um
ponto terminal ao qual se pretenda ou espere chegar”. (IBIDEM, p.12)
Há dois propósitos diferentes entre a fabricação e a ação cultural,
ou seja, na fabricação, “o sujeito produz um objeto, como um marceneiro faz
um pé torneado e, na ação, o agente gera o processo, não um objeto. Por isso,
59
o objeto na ação cultural não seria algo programado ou previsto, não existe o
controle quando se desencadeia o processo” (IBIDEM, p.12).
Nas palavras do autor, “a cultura é o que move o indivíduo, o grupo,
para longe da indiferença, da indistinção; é uma construção que só pode
proceder pela diferenciação. Seu oposto é a diluição” (IBIDEM, p.21). Daí a
necessidade de que, nos espaços onde ocorra a expressão das várias
manifestações artísticas, haja e seja desenvolvida em seu programa de ação a
prática da “arte-ação”, para se diferenciar e se destacar em relação a outras
existentes, visando a transformação da sociedade.
Nessa perspectiva, espaço de cultura poderá contribuir com a
escola na formação do estudante para que este deixe de ser apenas
consumidor da produção cultural.
3.2 ESCOLA E ESPAÇO DE CULTURA PARA QUÊ?
A educação pode ser uma modalidade da cultura, mas o
universo desta será sempre mais amplo que o campo daquela, de
modo que aceitar fazer da ação cultural uma ação educativa é
conformar-se em ficar aquém do possível. A ação cultural não se
contenta com limitações.
COELHO, 2006, p.32
Os acontecimentos do mundo atual afetam a educação escolar de
várias maneiras, como destaca Libâneo (2011):
a) exigem um novo tipo de trabalhador, ou seja, mais flexível e
polivalente, o que provoca certa valorização da educação
formadora de novas habilidades cognitivas e de
competências sociais e pessoais; b) levam o capitalismo a
estabelecer, para a escola, finalidades mais compatíveis
com os interesses do mercado; c) modificam os objetivos e
as prioridades da escola; d) produzem modificação nos
interesses, nas necessidades e nos valores escolares; e)
forçam a escola mudar suas práticas por causa do avanço
tecnológico dos meios de comunicação e da introdução à
informática; f) induzem alteração na atitude do professor e
no trabalho docente, uma vez que os meios de
60
comunicação e os demais recursos tecnológicos são muito
motivadores (p.52).
A sociedade atual é denominada por estudiosos como sociedade do
conhecimento, sociedade técnico-informacional, cuja ênfase está no saber e na
ciência. A consequência disso é as pessoas aprenderem na fábrica, com a
televisão, na rua, nos centros de informação, nos vídeos e no computador,
ampliando-se, assim, os espaços de aprendizagem (IDEM).
Dessa forma, como já foi mencionado neste estudo, a escola deixa
de ser o único lugar que ensina, ou seja,
a instituição escolar (...) já não é considerada o único meio ou o
meio mais eficiente e ágil de socialização dos conhecimentos
técnico-científicos e de desenvolvimento de habilidades
cognitivas e de competências sociais requeridas para a vida
prática (IDEM).
O autor, ao falar da importância da escola, relata que “a tensão em
que a escola se encontra” não significa seu fim enquanto instituição social e
educativa, mas indica um processo de reestruturação dos sistemas educativos
e da instituição tal como é conhecida. A escola de hoje terá que conviver com
outras modalidades de educação (não formal, informal e profissional) e
articular-se e integrar-se a elas, a fim de formar cidadãos preparados para
atuar no mundo. Por isso, o ensino escolar deve contribuir para:
a) formar indivíduos capazes de pensar e de aprender
permanentemente (capacitação permanente) em um contexto
de avanço das tecnologias de produção, de modificação da
organização do trabalho, das relações contratuais capitaltrabalho e dos tipos de emprego; b) desenvolver
conhecimentos, capacidades e qualidades para o exercício
autônomo, consciente e crítico da cidadania; c) formar
cidadãos éticos e solidários (IBIDEM, p.52-53).
Percebe-se também, nas ações desenvolvidas pelo espaço cultural,
a interferência da sociedade do conhecimento. Para Coelho (2006), existe a
61
tensão entre produzir arte-ação e fabricação cultural no espaço cultural, sendo
que a arte-ação se utiliza da ação cultural, que se baseia na cultura, e a
fabricação cultural se apoia na ação educativa. Nas palavras do autor,
a falta de perceber a diferença entre o processo educativo do
processo cultural é a principal responsável pelo aparecimento
de centros culturais, ou de ação “cultural”, em geral, que são na
verdade meros substitutos ou complementos de sistemas
educacionais formais falidos (p.29) .
Ao optar pela educação, o centro de cultura busca o mais fácil,
trazendo palestras, promovendo debates e cursos (de teatro, de cinema, de
desenho, etc.), distanciando-se da arte-ação e da cultura.
Para o autor, existe diferença entre educação e cultura. Ele as
coloca em situações distintas: “a educação é o estar, quer dizer, partir daqui
para voltar aqui mesmo, permanecer, metaforicamente, preparar-se para o que
está, para o que existe, integrar-se ao que existe” (p.29), enquanto “a cultura
(como a arte) procura viabilizar o êxtase, o sair para fora de si, sair do contexto
em que se está para ver outra coisa, para ver melhor, para ver além, para
enxergar sobre, acima, por cima, para ver por dentro”(p.28-29). São projetos
excludentes, no entender do autor: ou se desenvolve cultura ou se desenvolve
educação nos espaços culturais.
Ao defender a ideia de arte-ação, que se apoia na definição de
cultura, Coelho (2006) enfatiza que esta não deve focar no lazer alienante ou
na recuperação social de pessoas, pois isso reforçaria a “ação dos aparelhos
ideológicos do Estado criados para gerir a crise da cultura e produzir práticas
novas em conformidade com essa lógica” (p.50). Existem os programas de TV,
espaços culturais, produções de teatro, de dança, de música que não
apresentam nada de inovador, por isso não leva a comunidade a pensar, a
criticar
sua
realidade.
espontaneamente,
Não
financiará
é
possível
práticas
que
esperar
que
contestem
a
e
sociedade,
proponham
transformações dela mesma, mas existe um movimento antagônico no seu
62
interior capaz de provocar alterações de tempo em tempo, por meio da arteação.
Outro aspecto que preocupa o autor é a facilidade que o agente
cultural pode ter em conseguir financiamentos para sua produção, e isso fazer
com que ele se submeta aos procedimentos de reprodução cultural defendida
em escolas, universidades, meios de comunicação de massa, publicidade, bem
como “às tentativas constantes de fazer com que tudo se transforme,
imediatamente, em dinheiro e lucro” (COELHO, 2006, p.51)
Embora a posição de Coelho traga uma crítica que parece
desmerecer o trabalho de grupos que envolvam a cultura, há inúmeros grupos
que, com muita dificuldade, conseguem se manter e ter um espaço para a
apresentação e a divulgação de seu trabalho junto à comunidade.
Para relacionar-se com essa comunidade, o grupo tem de ser
criativo, o que nem sempre é fácil, pois, no geral, a comunidade não se sente
nem consumidora nem produtora de cultura. Para ela, o lazer está relacionado
a não ir trabalhar, portanto o significado de diversão está em colocar uma
música alta, reunir os amigos, umas bebidas e muita dança e muita conversa,
dormir muito, ou assistir à TV. Ora, um ponto de cultura precisa inovar para ser
mais atraente do que a televisão e a reunião a que as pessoas daquele local
estão acostumadas, e, nesse movimento, trazer a arte-ação e cultura, e ao
mesmo tempo atrair essas pessoas em torno desta proposta.
Na Bela vista há vários exemplos de grupos que atuam tendo em
vista o princípio de arte-ação e cultura defendido por Coelho, como é o caso do
grupo da Cia Espaço da Gioconda, do Literatura Suburbana, do Grupo do
Teatro Oficina, comandado por José Celso, para citar alguns existentes no
bairro.
Segundo Coelho (2006), promover lazer ao homem, que já é
massificado por meio da TV, da música, de livros de jornais especializados em
cultura; ou promover sua recuperação social, tanto em uma ação quanto e na
outra não ocorre ação cultural ou arte-ação.
63
É possível dizer que o espaço cultural não vai deixar de atuar nos
vários bairros, até porque se espera que ele comece a agir nas comunidades
com a intenção de promover a arte-ação, pois é nesse estágio que ele contribui
verdadeiramente para que a escola supere a sua mesmice e supere a ação
cultural no sentido defendido por Coelho (2006), transformando-se em uma
comunidade de aprendizagem, como defende Torres (2003).
Em relação à contribuição que o ponto de cultura pode trazer para a
formação do indivíduo, questão levantada inicialmente nesta pesquisa,
Ferreira (2010) nos ajuda a refletir, quando afirma que a cultura deve ser
uma necessidade básica, como dormir, vestir e morar. Temos
que entender que, sem uma radical mudança de valores, não
há salvação para a vida do homem no planeta. Sem o que não
haverá desenvolvimento sustentável. Carecemos de outra
visão do que seja desenvolvimento da cultura. Os números e
os fatos nos mostram que o atual modelo de desenvolvimento
desta civilização exauriu-se (2010)
O mesmo poderia ser dito em relação à educação. O ideal é que ela
seja uma ação cotidiana, como respirar, para que, a todo o momento,
independentemente
das
modalidades
e
especificidades,
os indivíduos
pudessem produzir e ter acesso à produção artística e cultural da sociedade. A
ideia de comunidade de aprendizagem pode ser uma alternativa para promover
ações compartilhadas entre espaço de cultura e escola, como propõe Torres
(2003), para quem a comunidade de aprendizagem é
uma comunidade humana organizada que constrói um projeto
educativo e cultural próprio para educar a si própria, suas
crianças, seus jovens e adultos, graças a um esforço
endógeno, cooperativo e solidário, baseado em um diagnóstico
não apenas de suas carências, mas, sobretudo, de suas forças
para superar essas carências. (p.83).
Para ela,
assegurar educação e aprendizagem permanente, relevante e
de qualidade para todos é fazer da educação uma necessidade
e uma tarefa de todos, desenvolvendo e sincronizando os
64
recursos e os esforços das comunidades local e nacional, com
um forte apoio dos níveis intermediários e do nível central, a
fim de assegurar condições de viabilidade, qualidade e
equidade (p.83).
Afirma ainda que a comunidade de aprendizagem, não é
um modelo fechado, limitado ao âmbito local, mas uma
proposta de política educativa, centrada em uma estratégia de
desenvolvimento e transformação educativa e cultural em nível
local e nacional, considerando como protagonista e tendo em
vista o desenvolvimento humano. Estabelece alianças
operacionais e estratégicas em nível micro (comunidade de
aprendizagem) e macro (política educativa, social e
econômica). Adota uma visão sistêmica do educativo,
colocando no centro a necessidade e a cultura em sentido
amplo e articulando educação formal/ não formal /informal,
escola/comunidade,
política
educativa/social/econômica,
educação e cultura, saber científico/saber comum, educação
de crianças/educação de adultos, reforma/inovação, gestão
administrativa/gestão pedagógica, os pobres, os grupos
„desfavorecidos‟ ou „em situação de risco‟, o global/o local.
(p.86)
Portanto, Torres nos traz a preocupação não só da educação
permanente, mas também da aprendizagem permanente, que ocorreria na
relação entre os vários polos culturais existentes no bairro. Daí a importância
desses espaços manterem suas diferenças e especificidades para servirem
como polos que participam de uma aprendizagem efetiva.
65
CAPÍTULO 4
APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS
Neste capítulo apresentamos os dados da pesquisa que buscou
conhecer a relação de alunos da Educação de Jovens e Adultos com a Escola
e a Cultura, aspectos desenvolvidos anteriormente. A relevância desse
conhecimento está no fato de que, nos dias atuais, importa que ambos os
ambientes educacionais, escola e comunidade, participem da educação da
população, em especial daqueles indivíduos que não tiveram oportunidade, na
idade própria, de se sentir cidadãos do mundo e dele participarem ativa e
criticamente.
4.1 CONHECENDO OS PARTICIPANTES DA PESQUISA
Como primeiro passo para compreender as opiniões dos alunos
sobre os temas em estudo, está sua caracterização, obtida por meio das três
primeiras perguntas do questionário a que responderam, no total, 90
estudantes, sendo 51 mulheres e 39 homens.
Tem- se, nos Gráficos 1 e 2, um panorama das idades e da situação
de moradia, considerando o número de pessoas que habitam sob o mesmo
teto.
66
Gráfico 1 - Faixa etária dos participantes
1%
1% 0%
1%
0%
3%
15 - 20
6%
21 - 25
26 - 30
7%
31 - 35
36 - 40
41 - 45
13%
52%
46 - 50
51 - 55
56 - 60
61 - 65
7%
66 - 70
9%
71 - 75
Observa-se que a faixa etária varia de 15 a 75 anos e a
predominância é de jovens 15 a 20 anos, o que revela que esses buscam a
continuidade dos estudos na modalidade. Isso, possivelmente, aponta uma das
seguintes realidades: a) os jovens saem do curso regular e procuram a
modalidade EJA a fim de concluir os estudos; b) os adolescentes/jovens foram
“colocados” na modalidade para corrigir fluxo, ou por outros motivos
encaminhados pela gestão da escola; c) a modalidade é oferecida no período
noturno, geralmente, o que implica que o adolescente/jovem só tenha uma
opção de horário para continuar seus estudos; d) no noturno é possível
conciliar estudo e trabalho.
Observa-se que o jovem aluno da EJA não é aquele com uma
história de escolaridade regular. Ele é um excluído da escola e, por isso,
incorporado aos cursos supletivos em fases mais adiantadas da escolaridade,
com maiores chances, portanto, de concluir o ensino fundamental, ou mesmo o
ensino médio. Esse jovem é bem mais ligado ao mundo urbano, envolvido em
67
atividades de trabalho e lazer mais relacionadas com a sociedade letrada,
escolarizada e urbana (OLIVEIRA, 1999).
Por outro lado, esse resultado mostra um número menor de pessoas
mais velhas na modalidade, o que pode gerar hipóteses sobre o que aconteceu
com elas. Uma possibilidade é que querem e precisam concluir sua
escolaridade por algum motivo.
De qualquer forma, o adulto está inserido no mundo do trabalho – ou
querendo nele se inserir – e no das relações interpessoais de um modo
diferente daquele da criança e do adolescente. Traz uma história mais longa de
experiências, conhecimentos acumulados e reflexões sobre o mundo externo,
sobre si mesmo e sobre as outras pessoas, portanto tem sua particularidade.
O adulto da EJA, segundo Oliveira (1999), não é um estudante
universitário, nem o profissional qualificado que frequenta cursos de formação
continuada ou de especialização, ou a pessoa adulta interessada em
aperfeiçoar seus conhecimentos em áreas como artes, línguas estrangeiras ou
música, por exemplo.
Na conversa informal com os alunos em sala de aula, pudemos perceber
que os dados de Kohl (1990) continuam atuais, quando menciona que eles são,
geralmente, migrantes que chegam às grandes metrópoles provenientes de
áreas rurais empobrecidas, filhos de trabalhadores rurais que não saíram da
zona rural e que apresentam baixo nível de instrução escolar, e que têm, eles
próprios, uma passagem curta e não sistemática pela escola, trabalhando em
ocupações urbanas não qualificadas, após experiência no trabalho rural na
infância e na adolescência. Eles buscam, tardiamente, a escola para
alfabetizar-se ou cursar algumas séries do ensino supletivo. Pode-se
acrescentar que esse adulto é mais consciente da importância do estudo formal
na sua vida social, desde a relação com os filhos e netos até nos possíveis
empregos, já que hoje o adulto de mais de 60 anos, embora aposentado, tem
necessidade de continuar trabalhando para manter os seus próprios gastos e
os da família.
68
A EJA tornou-se uma oportunidade educativa para um largo
segmento da população, com três características escolares básicas: a)
iniciaram a escolaridade já na condição de adultos trabalhadores; b) são
adolescentes/jovens e adultos que ingressaram na escola regular e a
abandonaram há algum tempo, frequentemente motivados pelo ingresso no
trabalho e em razão de movimentos migratórios, entre outros; e c) são
adolescentes que ingressaram e cursaram recentemente a escola regular, mas
acumularam aí grande defasagem entre a idade e a série cursada.
Pode-se considerar, ainda, que a clientela da EJA tornou-se mais
jovem e urbana em função da dinâmica escolar e da pressão do mundo do
trabalho. As deficiências do sistema escolar regular público são responsáveis
por parte da demanda do público jovem em relação os programas da EJA, a
qual ficou com mais algumas funções, como a de “acelerar os estudos” desses
estudantes.
Essas pessoas têm em comum o fato de estar diante de um curso
oferecido pelo Estado, destinado àqueles que não puderam seguir o caminho
da escolaridade regular e que constitui objeto da área da EJA.
69
Gráfico 2 - Número de pessoas que moram com os participantes da pesquisa
1%
0%
1%
6%
0-1
30%
2a3
4a6
7a8
62%
mais de 8
O Gráfico 2 apresenta, em termos percentuais, o número de pessoas
com quem cada participante da pesquisa mora: 1 pessoa mora sozinha; 53
moram com 2 a 3 pessoas; 26 moram com 4, 5 ou 6 pessoas; 5 moram com 7
ou 8 pessoas e apenas 1 mora com mais de 8 pessoas, totalizando 86, pois 4
deixaram a questão em branco.
A predominância é morar duas a três pessoas (62%), o que causa
surpresa, pois a ideia inicial era a de que os estudantes pertencessem a
famílias numerosas. Na verdade, o resultado revelou que o núcleo familiar
diminuiu – alguns desses alunos não moram com a família.
As questões de 3 a 7 mostram características do percurso escolar
dos estudantes.
No Gráfico 3 estão expostos, em termos percentuais, os motivos que
levaram os respondentes a abandonar os estudos em alguma época da vida.
70
Gráfico 3-Motivos que levaram os participantes da pesquisa a abandonar a escola
casamento
opção entre trabalhar e estudar
gravidez
escola distante
medidas sócio-educativas
abuso de drogas
arrimo de família
violência infantil
zona rural
problemas de saúde
0%
5%
0%
0%
6%
15%
6%
0%
8%
11%
49%
Os dados brutos que deram origem ao gráfico foram: 12 alunos
deixaram a escola por causa do casamento; 40 porque tiveram que optar entre
estudo e trabalho; 9 mulheres por gravidez; 6 porque a escola era distante; 5
por serem arrimo de família; 5 porque na zona rural não havia ensino
fundamental ou médio e 4 por problemas de saúde, totalizando 80 respostas.
71
Quatro respostas apareceram por escrito, por iniciativa dos
participantes, como: “Parei porque não encontrei vaga nas escolas”; “Repeti de
ano”; “Mudei de cidade e na escola não tinha vaga”; “Nunca deixei a escola”,
totalizando 84 respostas.
Acrescente-se ainda que, nesta questão, o
participante podia escolher mais de um item e que 24 estudantes deixaram a
questão em branco.
Os itens medidas socioeducativas e abuso de drogas não foram
assinalados, embora exista um número considerável de alunos em liberdade
assistida recebidos pela escola, e há casos de uso de drogas por parte dos
alunos – o que ocorre tanto na EJA quanto no ensino regular.
Verifica-se que os itens mais escolhidos pelos respondentes foram a
opção pelo trabalho e pelo estudo (40) e pelo casamento (12).
Gráfico 4 -Tempo (em anos) que os participantes ficaram fora da escola
0%
29%
33%
mais de 1 ano
mais de 2 anos
de 5 a 10 anos
mais de 15 anos
27%
11%
O Gráfico 4 se refere ao tempo que os respondentes ficaram fora da
escola: 23 ficaram mais de 1 ano; 8 mais de 2 anos; 19 de 5 a 10 anos e 20
72
mais de 15 anos. Embora a questão fosse fechada, surgiram dois
esclarecimentos adicionais: um aluno ficou afastado por um dia e o outro
afirmou que nunca havia parado de estudar, totalizando 72 respostas. Dezoito
dos participantes deixaram a questão em branco.
Verifica-se a variação de 1 a mais de 15 anos. A predominância é de
um ano fora da escola (23) e mais de 15 anos (20). Os que não responderam
à questão provavelmente nunca se afastaram da escola.
Entre os alunos que voltaram para a escola, nem todos
permanecem, muitos desistem e vários são reprovados, principalmente pelo
excesso de faltas, discussão que será feita mais à frente.
Gráfico 5 - Motivos apontados pelos participantes para o retorno à escola
0%
20%
continuidade dos estudos
exigência do serviço
15%
desejo de ampliar os estudos
65%
O Gráfico 5, que trata do motivo de retorno à escola pelos
participantes, aponta o seguinte resultado: 18 dos estudantes retornaram à
escola para continuar os estudos; 13 por exigência do serviço e 57 pelo desejo
de ampliar os conhecimentos; 1 respondeu que sempre estudou na escola,
73
totalizando 89 respostas. Alguns dos respondentes escolheram mais de um
item e 15 dos entrevistados deixaram a questão em branco.
Verifica-se que a maioria, ou seja, 65% dos respondentes
retornaram à escola pelo desejo de ampliar os estudos, apontando para a
importância da escola na vida deles, independentemente de se fazer uma
associação entre o que se aprende na escola e o resultado da aprendizagem
lhes servir para vida profissional.
Isso aponta para uma limitação da escola, pois ela poderia auxiliar
claramente seus estudantes na escolha das profissões, ou seja, dar um
direcionamento para outros cursos técnicos e/ou universitários e de como
atingir esse objetivo. Essa posição da escola poderia enriquecer sua relação
com o aluno e aumentar os vínculos entre ambos.
Gráfico 6 - Tempo que os respondentes estudam na escola São José
0%
5%
49%
menos de 1 ano
mais de 2 anos
sempre estudei aqui
46%
O Gráfico 6 aponta os seguintes resultados: 44 estudam há menos de
1 ano; 41 há mais de 2 anos e 4 sempre estudaram na escola, totalizando 89
respostas. Apenas 1 dos estudantes não respondeu à questão.
74
Verifica-se a predominância de menos de um ano (49%) e mais de
dois anos (46%). A maioria dos respondentes está na escola há pouco tempo,
e voltou à escola para concluir o Ensino Fundamental Ciclo II, Etapa Final.
Percebe-se aí o interesse dos alunos pela certificação do Ensino Fundamental
Ciclo II e a possível continuidade para o Ensino Médio.
Quanto aos cursos realizados pelos alunos fora da escola, as
respostas revelaram que 57 alunos fizeram cursos (66%) e 29 não (34%),
totalizando 86 respostas. Do total, 4 deixaram a questão em branco.
Gráfico 7 - Cursos realizados fora da escola
0% 0%
28%
informática
46%
idiomas
artes
instrumentos musicais
outros
8%
6%
12%
Os cursos compreendem informática (33); idiomas (9); artes (4);
instrumentos musicais (6) e outros (20). Em outros cursos (20), obteve-se o
seguinte resultado: os ligados à profissão como: depilação (1), manicure (1),
RH (2), secretariado (1), recepção e atendimento (1), modelista (1),
administração e gerenciamento (3), panificação e confeitaria (1), gestão e
negócio (1), curso de barista (1), artesanato (1), preparação para o mercado de
trabalho (1), desenho (1); arte: dança (1), teatro (2); e novos idiomas: morou
fora do país (1).
75
Observa-se a predominância de alunos que buscam ou buscaram
outros cursos fora da escola para ampliar seus conhecimentos, mostrando que
há uma preocupação com a formação profissional e geral.
4.2 OS ALUNOS E A CULTURA
Os gráficos 8 e 9 tratam das atividades culturais que os estudantes
apreciam e se elas interferem em seus conhecimentos sobre o mundo.
Gráfico 8 - Atividades culturais apreciadas pelos alunos
teatro
exposição de fotografia
cinema
recital
escultura
espetáculos de dança
artes plásticas
ópera
show de música
0%
19%
23%
3%
6%
7%
13%
3%
25%
1%
76
O Gráfico 8 aponta que os estudantes apreciam: cinema (50); teatro
(46); show de música (37); dança (26); exposição de fotografia (15); artes
plásticas (11); escultura (6); ópera (6); recital (3), totalizando 200 respostas.
Cinco dos estudantes deixaram a questão em branco. Os alunos podiam
escolher várias alternativas. Acrescenta-se ainda que as respostas foram
induzidas pelo questionário, não sendo possível afirmar se os respondentes
frequentam ou apenas gostam dessas atividades culturais.
Verifica-se que a preferência dos alunos por cinema, teatro e show
de música. De certa forma, a interferência da escola ao promover atividades
que os coloquem em contato com as várias expressões artísticas traz um
retorno considerável, já que, espontaneamente, esses alunos não escolheriam
recital ou ópera, por exemplo.
Gráfico 9 - As atividades culturais aumentam o conhecimento dos alunos.
0%
1%
6%
totalmente de acordo
17%
nem concordo nem
discordo
discordo
não sei
76%
77
O Gráfico 9 revela que os alunos: estão de acordo (68); nem
concordam nem discordam (15); discordam (1); não sabem (1), totalizando 85
respostas. Cinco deixaram a questão em branco.
Observa-se que, para essa questão, 76% concordam. Constata-se
que a escola acerta ao proporcionar aos alunos atividades fora do espaço
escolar. Essas atividades desenvolvem a capacidade poética nos alunos, pois
eles são convidados a acessar todos os sentidos, aguçando sua sensibilidade.
Esse resultado é positivo, pois parte dos alunos, em atitudes
informais, se posiciona contrária às atividades que fogem à “lição na lousa”, ou
que sejam realizadas fora da sala de aula. Para esses alunos é como se não
houvesse aula, portanto seria uma perda de tempo.
O Gráfico 10 mostra a percepção dos alunos em relação ao espaço
onde ocorre a aprendizagem.
Gráfico 10 - Locais onde a aprendizagem ocorre
0%
8%
5%
3%
0%
em casa
no trabalho
nos centros de cultura
57%
27%
na rua
na escola
todas as alternativas
O Gráfico 10 mostra que a aprendizagem ocorre: em casa (8); no
trabalho (5); nos centros de cultura (3); na escola (26); em todas as alternativas
(56), totalizando 98 respostas. Dois alunos deixaram a questão em branco e
ninguém escolheu que a aprendizagem ocorre na rua.
78
Observa-se a percepção por parte dos respondentes que em todos
os lugares se aprende algo. Provavelmente, quem assinalou apenas na escola
(26%), entende que o que se ensina nas escolas é diferente, ou seja, é
específico em relação aos outros lugares.
Os gráficos 11 e 12 tratam de como a escola se relaciona com os
conhecimentos trazidos pelos estudantes.
Gráfico 11 - O aproveitamento dos conhecimentos dos alunos pela escola
0%
concordo plenamente, pois
vi muito da minha cultura
nas ações educativas
14%
4%
concordo em parte
algumas coisas foram
superficiais
54%
28%
discordo, porque foi
passada uma cultura que
não assimilo
não sei
O Gráfico 11 mostra que os alunos: concordam plenamente (45);
concordam em parte (23); discordam (3); não sabem (12), totalizando 83
respostas. Sete dos respondentes deixaram a questão em branco. Observa-se
que a maioria (54%) acredita que a escola aproveita os conhecimentos trazidos
pelos alunos para acrescentar novos.
79
Gráfico 12 - Projetos da escola de que os alunos participaram
Olhos de Nebul (teatro) Casa da Gioconda
Poeira de estrela
2% 0%
Identidade Jovem (filme) Câmara Municipal
12%
23%
Wilson Simonal
(documentário) - Unibanco
24%
17%
Mulher Invisível _ (filme) Unibanco
As eruditas (teatro) Teatro Brigadeiro
2%
4%
16%
Vésper (música) - Casa da
Gioconda
outras
O Gráfico 12 mostra a participação dos alunos nas atividades
culturais, ou seja, aponta o seguinte resultado:

48 frequentaram a Casa da Gioconda e assistiram a Olhos de
Nebul, peça teatral; 26 assistiram a Vésper, show de música;

36 foram ao CEU Bristol para ver Poeira de estrela (peça
teatral);
80

34 foram à Câmara Municipal de São Paulo para assistir ao
filme “Identidade Jovem”;

8 foram ao Espaço Unibanco assistir a “Wilson Simonal” e 5
assistiram a “Mulher Invisível”;

outras : “Tapa” (1); “O Doido” (2); Umes (1).
Observa-se que os respondentes participam das atividades culturais
fora do ambiente escolar, como passeios, audição de música, teatro, filmes,
totalizando 161 respostas; 11 deixaram a questão em branco.
A escola tenta se relacionar com os equipamentos culturais que
tenham algum vínculo com a formação de público. É o caso do Centro
Educacional Unificado (CEU), um complexo educacional, esportivo e cultural
caracterizado como espaço público múltiplo. Oferece 1 Centro de Educação
Infantil (CEI) para criança de zero a três anos; 1 escola Municipal de educação
Infantil (EMEI) para criança de quatro e cinco anos; 1 Escola Municipal de
Ensino Fundamental (EMEF), que possui Ensino de Jovens e Adultos (EJA). A
cidade de São Paulo conta com 45 CEUs e o Centro de Convivência Educativo
e Cultural de Heliópolis. Todas as unidades do CEU são equipadas com quadra
poliesportiva, teatro, playground, piscinas, biblioteca, telecentro e espaços para
oficinas, ateliês e reuniões.
O Espaço Unibanco, localizado no bairro, abriu as portas em 1995
com o objetivo de levar ao público filmes de qualidade artística e cultural que
não são facilmente encontrados nas salas comerciais. Com a fusão dos bancos
Itaú e Unibanco, em 2008, o local passou a ser conhecido como Espaço Itaú de
Cinema.
A Câmara Municipal de São Paulo, órgão legislativo da cidade, foi
criada em 1560 por um ato do terceiro governador-geral do Brasil, Mem de Sá,
e fica localizada, atualmente, no local conhecido como Palácio Anchieta. O
prédio, que fica no centro da cidade, além de ser o espaço em que funciona o
poder legislativo da cidade, fica aberto para outras manifestações e atividades
democráticas – a sessão do filme “Identidade Jovem” foi um exemplo.
81
Casa da Gioconda é um espaço cultural que mantém um diálogo
com a escola, como foi apresentado no contexto de pesquisa.
Percebe-se que, mesmo quando a escola não organiza diretamente
um evento, por alguma razão, os espaços culturais acabam convidando a
escola mais próxima para assistir a uma peça teatral ou para ver uma
exposição – é o que acontece no bairro da Bela Vista.
Os convites chegam à escola de centros culturais, teatros e outros
espaços culturais do bairro, como também da própria Secretaria de Educação
Municipal de São Paulo, através dos CEUs.
É possível verificar que o
calendário dessas atividades nem sempre é proposto ou direcionado pela
própria escola. A escola se organiza quando leva os alunos ao cinema, pois
precisa verificar o filme que está em cartaz, se ele é, de fato, de interesse dos
alunos e dos professores. Assim, constata-se que a escola é convidada a
interagir com o que está fora dela, quer pelos convites oriundos da SME, quer
pelos convites feitos dos centros de cultura. Essa ação da escola faz com que
os alunos criem alguns hábitos. Não é difícil, em uma conversa informal, ouvir o
aluno confidenciar que é a primeira vez que entra em um teatro, que até aquele
momento não sabia que era bom. Mostra também que esses espaços não
propiciam o acesso de todos, pois os alunos vivem no bairro e não percebem
esses espaços como públicos, portanto um local onde eles podem entrar e
participar do que é realizado lá.
Sobre as atividades desenvolvidas fora da escola, obteve-se o
seguinte resultado: 62 alunos concordam plenamente que essas ações podem
ser consideradas educativas; 24 concordam em parte e 2 discordam,
totalizando 88 respostas. Dois dos respondentes deixaram a questão em
branco.
Observa-se que, embora não fosse explicado o significado do que
seja uma atividade educativa, os alunos responderam à questão.
82
Gráfico 13 - Relação entre o que se aprende na escola e nos centros de cultura
nenhuma relação, pois se trata de conhecimentos diferentes
percebo que há relação, embora os conhecimentos sejam diferentes
não há nenhuma relação
sim, os conhecimentos da escola podem ser utilizados nos centros
culturais
parcialmente, pois os centros culturais são mais centros de lazer do que
de conhecimento
não frequento centros culturais
os centros culturais completam os conhecimentos adquiridos na escola
ampliando a aprendizagem
não sei
0%
7%
10%
22%
25%
7%
3%
1%
25%
O Gráfico 13 mostra, ainda que não tenha sido explicado, o que é
um centro de cultura para os alunos:
83

10 não percebem relação entre o que se aprende na escola e
nos centros culturais, pois se trata de conhecimentos diferentes;

26 percebem que há relação, embora os conhecimentos sejam
diferentes;

1 dos alunos não percebe relação entre o que se aprende na
escola e nos centros de cultura;

25 percebem que os conhecimentos da escola podem ser
utilizados nos centros culturais;

3 percebem que a relação é parcial, pois os centros culturais são
mais centros de lazer do que de conhecimento;

22
entendem
conhecimentos
que
os
centros
adquiridos
na
culturais
completam
os
escola,
ampliando
a
aprendizagem;

7 não sabem se existe relação entre o que se aprende na escola
e o que se aprende no centro cultural;

Apenas 7 não frequentam centros culturais.
No total, foram 107 respostas, pois os alunos escolheram mais de
um item e 6 deixaram a questão em branco.
Apesar de 7 alunos não frequentarem os centros de cultura na sua
vida cotidiana, os estudantes percebem esses espaços como lugar de lazer
e/ou de aquisição de conhecimentos que poderão ser levados para a sua vida
como um todo. Isso nos permite levantar a hipótese de que os alunos não se
percebem como sujeitos/participantes da cultura produzida pela sociedade. Ir
ao teatro, assistir a um filme no cinema, visitar uma exposição de fotografias, ir
à bienal de arte e a outros espaços culturais não faz parte de sua vida, de seu
cotidiano.
Por outro lado, os alunos não consideram que a escola, ao promover
momentos em que eles frequentem os espaços de cultura, faz uma
aproximação entre ela e a comunidade e favorece o acesso deles à produção
cultural lá veiculada.
84
4.3 VOLTANDO À ESCOLA
Os gráficos 14 e 15 mostram as expectativas dos alunos em relação
à escola e a relação entre os estudos desenvolvidos e o desempenho
profissional.
Gráfico 14 - A escola corresponde às expectativas dos alunos
0% 2%
5%
não, eu não adquiri
conhecimentos necessários
para prosseguir os estudos
sim, adquiri conhecimentos
necessários para prosseguir
os estudos
27%
parcialmente, percebo que
terei que continuar os
estudos
66%
não sei
O Gráfico 14 revela o resultado:

2 responderam que não adquiriram;

55 responderam que sim, que adquiriram;

23 responderam parcialmente, pois terão de continuar seus
estudos;

4 não sabem se a relação existe.
85
O resultado consta de 84 respostas. Seis alunos deixaram a questão
em branco. Observa-se que 66% dos respondentes afirmam que suas
expectativas de aprendizagem foram garantidas pela escola tendo em vista a
continuidade dos estudos. Percebe-se a confiança muito grande depositada na
escola pelos alunos, bem como a confiança no conhecimento ensinado pela
escola tendo em vista a continuidade dos estudos.
Gráfico 15 - Contribuição dos estudos escolares para o desempenho profissional
segundo a visão dos alunos
0% 0%
concordo plenamente,
consigo relacionar o que
aprendo na escola com o
trabalho
36%
concordo parcilamente,
nem tudo que aprendo na
escola pode ser colocado
em prática
64%
discordo, não é possível
relacionar os
conhecimentos
O Gráfico 15 mostra que 56 alunos concordam plenamente com a
afirmação de que há relação com o conteúdo aprendido na escola; 31
concordam parcialmente. Dos 87 que responderam, no total, ninguém disse
que discordava; 3 alunos deixaram a questão em branco.
As questões de 17 a 19 tratam da continuidade dos estudos formais
pelos alunos. Sobre o interesse em darem continuidade aos estudos, dos 90
86
respondentes, 85 disseram sim e 5, não. Nessa direção, 83 alunos têm
intenção de cursar o ensino médio e sete deixaram a questão em branco.
Considerando a mais longo prazo: 65 pretendem cursar o ensino
superior, 8 não pretendem e 17 deixaram a questão em branco. Verifica-se,
assim, o interesse na continuidade dos estudos pelos alunos.
A única questão em aberto traz os assuntos que não foram
contemplados no questionário. São eles:

Em relação à gestão da escola, os alunos dizem que é preciso:
“mais atitude da direção da escola”; “menos bagunça na escola”;
“profissionalismo da secretaria”; “falar sobre a direção”;

Em relação aos professores, alunos afirmam que “todos os
professores explicam bem”;

Em relação aos alunos, as afirmações são sobre a necessidade
de “respeito ao professor por parte dos alunos”, bem como
sugerem a “avaliação dos professores pelos alunos”;

Com relação à aprendizagem na escola, sugerem escrever
sobre “Que matéria você mais gostou”; “Escrever uma redação
livre falando sobre sua aprendizagem durante as aulas”; “Ter
aula de Educação Física” e “aula de filosofia e espanhol”; “Falar
sobre musicais, apesar de que quero cursar nutrição dietética”;
“Mencionar sobre os verbos”; “Palestras sobre relações sexuais,
mundo das drogas e do crime”. “Os conhecimentos adquiridos
na escola e nos centros culturais”; “O que o aluno aprendeu na
escola e nos centros culturais”;

Outros assuntos também foram abordados: “faltam atividades
envolvendo todas as turmas junto”; “a estrutura da escola é
boa”; “todos os conhecimentos são bons”.
Poucos alunos expressaram sua opinião sobre outros assuntos.
Houve uma participação maior deles nas questões fechadas.
87
CONSIDERAÇÔES FINAIS
[...] a educação não é a alavanca da transformação da
sociedade, mas tem seu papel no processo, pode alguma
coisa. (FREIRE, 2001, p.30).
O referencial teórico adotado para o desenvolvimento da pesquisa
aponta a importância e a necessidade de aproximações entre a escola e a
comunidade em que se esta se insere, em especial com os espaços culturais
nela localizados. Estabelecer relações próximas entre espaço cultural e escola
pode favorecer a ampliação do universo cultural dos estudantes, sua
participação mais efetiva e crítica na comunidade e o enriquecimento dos
conhecimentos escolares que precisam adquirir. Além de poder integrar os
sentidos e os sentimentos vivenciados no espaço cultural à maneira mais
racional e lógica praticada na escola.
O percurso realizado para o desenvolvimento da dissertação e os
resultados obtidos mostraram que é possível esse diálogo entre escola e
espaço de cultura, que começa no papel específico que cada um desempenha
num determinado contexto, no caso o próprio bairro em que esses espaços se
encontram, na aproximação estabelecida por eles com a comunidade e como a
comunidade considera isso.
Embora as questões de pesquisa não tenham sido respondidas
diretamente pelos estudantes no questionário usado para conhecer seus
posicionamentos sobre o tema, foi possível perceber que ambas as instituições
têm seu papel na ampliação do universo de conhecimento dos estudantes da
EJA. A escola tem um importante papel, o de ser um disparador dessas
relações, sem o qual as oportunidades de frequentar os espaços culturais por
esse alunos seriam diminuídas.
Entre os diferentes resultados obtidos destaca-se o caráter
educativo da escola, percebido como importante pelos alunos. Em específico
pode-se afirmar que para eles:
a) as atividades culturais aumentam seu conhecimento sobre o mundo;
88
b) embora os conhecimentos adquiridos na escola e no espaço cultural
sejam diferentes, ambos os espaços educam e são considerados
complementares;
c) a escola é importante, pois além de ampliar os conhecimentos, saber
mais pode alterar a situação dos alunos, uma vez que os estudos
ajudam na manutenção no emprego ou no alcance de outro.
Em outras palavras: os alunos sabem que o conhecimento
desenvolvido pela escola é necessário, é reconhecido pela sociedade e não é
possível ser indiferente a isto; sabem que de posse desse conhecimento,
poderá obter um resultado melhor no campo profissional e social.
Embora haja o reconhecimento da importância da educação formal
(escolar), os resultados mostram que os alunos pretendiam concluir até o
ensino médio e não pensavam na continuidade no ensino superior.
Em relação ao acesso dos alunos à escola e ao espaço cultural
estudados foi possível observar que a divulgação dos programas dos espaços
culturais feita pela escola e a distribuição gratuita de ingressos possibilita à
escola promover o acesso dos alunos a esses locais, com o acompanhamento
de professores. Constatou-se que se esses alunos não estivessem na escola e
esta não promovessem visitas e idas aos espaços culturais e similares, os
estudantes, por si só, não teriam essa iniciativa. Não perceberiam a
importância da participação de cada indivíduo nos vários espaços do bairro que
promovem a cultura, bem como não teriam acesso a esses bens culturais.
O acesso aos bens culturais é de responsabilidade tanto da escola,
dos espaços culturais como do Estado, já que este último é responsável pelas
políticas públicas. Cabe à escola mostrar que os espaços de cultura existem e
incentivar os alunos a frequentá-los, até que eles o façam de maneira
autônoma. Por seu lado, cabe aos espaços culturais fazer com que a
comunidade de seu entorno participe das atividades culturais organizadas e
produzidas como forma de mostrar a ela que a arte e as expressões artísticas
pertencem aos humanos, portanto a todos independente de classe social e de
formação.
Uma escola justa e séria pode ter origem no que pensa Freire (2001)
quando estava à frente da Secretaria de Educação Municipal da Cidade: [...] a
criação de uma escola que reformule seu currículo para que ocorra um espaço
onde a alegria, a curiosidade, a competência, a justiça sejam princípios para a
aprendizagem, a criação, a pergunta e o correr riscos (p.30). Parafraseando
Freire, correr riscos faz parte do questionamento da realidade e a prática
educativa competente procura, ao ensinar os conteúdos, desocultar a razão de
89
ser dos problemas d os conflitos presentes num determinado contexto, dando a
entender que este pode ser modificado e reinventado.
Uma alternativa para superar a escola que está aí, por uma questão
de coerência pedagógica, é não buscar uma „receita‟ para ser aplicada em
todas as escolas, receita que alunos e professores deem seguir ao pé da letra,
é pensar e agir para que tanto a escola como o espaço de cultura cumpram
seus respectivos papéis, atendendo a contento a comunidade e contribuindo
para a formação dos estudantes, especial aos da EJA.
Ao cumprir esses papéis distintos, tanto escolas quanto espaços
culturais contribuirão para a construção de uma comunidade coesa e
participativa. Assim, suas ações complementares poderão ampliar a formação
dos estudantes da EJA e de outros níveis e modalidades de ensino.
Destaca-se nesse final, a importância de desenvolver estudos que
ajudem a entender dois aspetos nitidamente indicados na pesquisa: a evasão
escolar ainda presente na EJA, buscando entender o porquê de os alunos
desistirem dos estudos, mesmo quando tendo voltado à escola depois de
vários anos; a maneira como as escolas e os espaços de cultura de um bairro
podem estabelecer e estreitar seu intercâmbio cultural de modo que os
estudantes possam de fato se sentir cidadãos do mundo, participantes de
maneira criativa, inovadora da sociedade, onde os diferentes se encontram
para manter o todo.
90
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93
Apêndice A – Questionário
Caro aluno e cara aluna da EJA, este questionário tem por objetivo saber sua
opinião sobre o ensino oferecido pela escola. Agradeço sua colaboração.
1 - Idade ______________Sexo: ( ) feminino ( ) masculino
2 - Mora com quantas pessoas?
( )2–3
( )4–6
( )7–8
( ) mais de 8
3 - Escolha as alternativas que fizeram você deixar de frequentar a escola:
( ) O casamento
( ) Tive que optar entre estudar e trabalhar
( ) Gravidez não planejada
( ) Escola distante, faltava dinheiro para a condução
( ) Estive cumprindo medidas socioeducativas
( ) Abuso de drogas, álcool, não ficava acordado
( ) Arrimo de família devido à perda dos pais
( ) Violência Infantil
( ) Zona rural sem presença de ensino fundamental e/ou médio
( ) Problemas graves de saúde
4 - Há quanto tempo estava afastado da escola?
( ) + 1 ano ( ) + 2 anos ( ) 5 a 10 anos ( ) + de 15
5 - Seu retorno à escola se deve:
( ) Não pode continuar os estudos antes
( ) Solicitação do emprego/ exigência do serviço
( ) Desejo de ampliar seus conhecimentos
6 - Há quanto tempo você estuda nesta escola?
( ) – de 1ano ( ) + de 2 anos ( ) sempre
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Angela Maria Mendes - início