NEWSLETTER Nº 4
ABRIL 2015
Newsletter ASPF-PJ-
PJ
AÇÕES DESENVOLVIDAS
PELA ASPF-PJ
REUNIÕES COM DIRIGENTES DA PJ:
Diretor Nacional, Diretora da UPFC, Diretora da
URHRP, Diretora da EPJ, Diretor do LPC,
Diretor da Diretoria do Norte
REUNIÕES COM ASSOCIAÇÕES SINDICAIS:
Sindicato dos Magistrados do Ministério Público,
Associação Sindical de Juízes Portugueses,
ASFTAO/PJ
REUNIÕES COM GRUPOS PARLAMENTARES:
Partido Socialista, Partido Comunista
Português, Centro Democrático Social – Partido
Popular, Partido Ecologista “Os Verdes”, Partido
Social Democrata
ACÇÃO DE ESCLARECIMENTO/INFORMAÇÃO
aos colegas Peritos Forenses da Diretoria do
Norte
PROTOCOLOS COM:
ActaSeguros, RBB – Peritagens e Formação,
Lda, Multiopticas (em negociação), Neya Hotels
(em negociação)
Editorial
Se existe algo marcante na atividade, ainda curta, da
nossa Associação Socioprofissional de Peritos Forenses
(ASPF-PJ), é sem dúvida esta newsletter que agora chega
ao seu número quatro. Com edição de periodicidade
semestral, esta publicação eletrónica tem levado o nosso
nome, os nossos artigos e os artigos de convidados de
reconhecido mérito técnico e científico, a inúmeras
entidades, divulgando em grande parte a nossa realidade
forense, vista por quem a vive na primeira pessoa.
Esta realidade não é um mundo fechado em si mesmo,
mas sim um sistema aberto que toca vários agentes da
sociedade que connosco interagem. Esta newsletter
representa um elo de comunicação fundamental com
esses agentes que são muitos e diversificados. É um meio
privilegiado, moderno, rápido e eficaz de veicular
informação interessante, pertinente e específica de carater
técnico-científico, como se pretende pela ASPF-PJ.
Há ainda que dar uma nota de reconhecimento a quem
tem o trabalho de bastidores nas várias edições desta
publicação. Com empenho, espirito de sacrifício e muito
trabalho, a reduzida equipa de coordenação, revisão e
divulgação, mantém muito ativo este projeto com objetivos
bem traçados e horizontes vastos. Para eles um bem-haja.
Quanto a si, caro leitor, espero que aprecie a leitura, que
divulgue e, se achar conveniente, que nos escreva e nos
dê sugestões. O desafio está lançado.
José Carlos Antas
(Presidente da Direção ASPF-PJ)
NEWSLETTER ASPF-PJ
- n 4 Abril 2015
ASSOCIAÇÃO SÓCIO-PROFISSIONAL DOS PERITOS FORENSES DA POLÍCIA JUDICIÁRIA
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1
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Índice
2
Ações Desenvolvidas pela ASPF-PJ
1
Um livro…
2
Andreia Vieira e Marta Lacerda, Especialista Superior em Escrita Manual do LPC da Polícia Judiciária e Especilista em
Escrita Manual do LPC da Polícia Judiciária
”
Escrever ou Escrever?
3
“
Baltazar Manuel Proença Rodrigues, Inspetor e Perito Forense na Especialidade de Informática Forense da Polícia
Judiciária, Chefe do GIF(Grupo de Informática Forense)
Restrições Técnico-Forenses nos novos dispositivos de armazenamento de dados
6
José Carlos de Oliveira, Perito de Criminalística na Especialidade de Identificação Judiciária do LPC da Polícia
Judiciária
Perícias e peritos
9
Andrea Alexandre, Especialista-adjunto e Perita Forense na Especialidade de Toxicologia do Laboratório de Polícia
Científica da Polícia Judiciária
Casuística de venenos em Toxicologia Forense
11
Ficha técnica
14
Um livro…
The Global Practice of Forensic Science
Douglas H. Ubelaker (Editor)
ISBN: 978-1-118-72416-3
400 pages
January 2015, Wiley-Blackwell
The Global Practice of Forensic Science presents histories,
issues, patterns, and diversity in the applications of
international forensic science. Written by 64 experienced and
internationally recognized forensic scientists, the volume
documents the practice of forensic science in 28 countries
from Africa, the Americas, Asia, Australia and Europe. Each
country’s chapter explores factors of political history,
academic linkages, the influence of individual cases, facility
development, types of cases examined, integration within
forensic science, recruitment, training, funding, certification,
accreditation, quality control, technology, disaster
preparedness, legal issues, research and future directions.
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Andreia Vieira1 e Marta Lacerda2
1Especialista Superior em Escrita Manual do LPC da Polícia Judiciária
2Especialista em Escrita Manual do LPC da Polícia Judiciária
[email protected], [email protected]
”
“
3
Escrever ou Escrever?
Karin James (2014)
Na era digital em que atualmente vivemos pode parecer cada vez mais obsoleto escrever à mão. Contudo, esta tarefa continua a ser
uma das que mais atividade cerebral produz. Há estudos que demonstram que escrever textos manuscritos estimula o funcionamento
cognitivo e promove a capacidade de raciocínio. Esta tarefa além de facilitar o processo de leitura, é fundamental para decorar
conceitos, aprender uma língua nova e acima de tudo, para manter o cérebro ativo. O neurologista português, Castro Caldas(1) considera
que ao escrevermos à mão a palavra que manuscrevemos no papel está memorizada como um todo, como símbolos e como uma
unidade única de significação. Por outro lado, considera que ao utilizar o computador para escrever o cérebro trabalha mais lentamente,
pois tem de processar letra a letra como no ato de soletrar. Assim, é importante desenvolver o processo de escrever à mão na infância,
pois favorece a plasticidade do cérebro, e consequentemente permite desenvolver outras capacidades cognitivas, como decorar ou
exprimir pensamentos de forma mais clara.
A Escrita e o Cérebro
.
Tal como acontece com outras tarefas cognitivas, ao escrever à
mão não existe apenas uma única área cerebral envolvida, mas
sim, várias localizações neuroanatómicas com diferentes funções e
que operam em rede e em paralelo, como ilustrado na Figura 1.
Esta rede neuronal remete pelo menos para cinco áreas: o lobo
parietal superior, a área motora suplementar, a ínsula, o giro
supramarginal, e uma zona que envolve o giro frontal médio e
inferior(2).
Comparativamente com a digitação no teclado, escrever à mão é
uma tarefa comportamental que exige maior atividade cerebral.
Apesar de escrever poder parecer um gesto simples, o sistema
nervoso central com recurso às suas diversas redes neuronais,
tem de planear e comandar a execução de um ato motor, no qual
estão implicados mais de vinte e sete ossos, controlados por cerca
de quarenta músculos e os respetivos de tendões. O cerebelo, por
sua vez recebe respostas constantes dos músculos e dos
ligamentos de todo o corpo, o que lhe permite ajustar-se ao
movimento à medida que este começa a ser feito de forma suave e
uniforme
Figura 1 - Áreas cerebrais que maioritariamente se
encontram envolvidas no ato de escrever. Disponível
em
WWW:<URL:http://handwritinguniversity.com/membe
rs/weekly-newsletters/why-handwriting-analysis/
A Lateralização da Escrita
Na produção da fala, da escrita, no cálculo, no domínio de idiomas, etc. é o hemisfério esquerdo que
intervém com maior predominância, estando mais focado para o pormenor. Por sua vez, no hemisfério
direito regista-se uma maior atividade cerebral no reconhecimento de faces e de padrões, sendo a sua
atenção dirigida ao todo. Porém, atualmente sabe-se que apesar de existir esta lateralização, os
hemisférios não trabalham isoladamente, uma vez que existe uma cooperação e intervenção de
diferentes regiões do cérebro para uma determinada atividade. Pode contudo, haver uma preponderância
de um hemisfério ou determinadas zonas para atividades específicas(3).
Imagem 2: “Capacidades associativas à lateralização dos hemisférios”.
Disponível em WWW:<URL:http://portfoliopsi12.blogspot.pt/2012/04/cerebro.html#!/2012/04/cerebro.html
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Para tarefas relacionadas com a linguagem existe
comprovadamente uma lateralização do hemisfério esquerdo.
Sabe-se que para a produção da fala e para a compreensão da
linguagem são determinantes, respetivamente, as áreas de Broca
e de Wernicke. Atualmente há estudos que apontam no sentido de
que estas áreas também estarão envolvidas na escrita.
Imagem 3: Hemisfério esquerdo do cérebro e localização das
áreas de Broca e de Wernicke. Disponível em
WWW:<URL:http://prismacientifico.files.wordpress.com/2012/08/ch
1-1-d-img1.jpg
Escrita manual vs. Escrita digital
Ao comparar o ato de digitar num teclado com o de escrever à mão, considera-se que do ponto de vista intelectual, a segunda tarefa é
mais exigente, o que significa que contribui mais para a agilidade cognitiva. Nelson Lima (4), neuropsicólogo e presidente do Instituto da
Inteligência, considera que a escrita manual é geralmente mais lenta e exige uma maior concentração, o que permite uma maior
elaboração mental, permitindo transformar ideias e palavras em linguagem escrita.
Esta maior agilidade mental, é também defendida por, João Anacleto (5), também neuropsicólogo e especialista do Instituto do Cérebro,
que considera que através da escrita manuscrita existe uma maior tendência a uma maior concentração, e consequentemente, uma
maior facilidade de interiorização da informação. Escrever à mão, comparativamente com o ato de escrever num teclado, é mais
moroso, mais complexo e exige um maior esforço, mas tem benefícios, pois facilita a aprendizagem da escrita e da leitura, estimula o
raciocínio e promove o pensamento crítico. Mesmo na era digital, escrever à mão deve continuar a ser considerada uma atividade atual
que não deve ser descurada.
Karin James(6) neurocientista e professora associada no Departamento de Psicologia e Ciências da Universidade de Indiana, está desde
há alguns anos envolvida na problemática do papel desempenhado pela escrita cursiva no processo de aprendizagem e sobre a
questão da continuação do seu ensino nas escolas. Nos estudos que realizou constatou que os alunos que escrevem em cursiva
memorizam mais facilmente do que aqueles que o fazem em letra de imprensa ou através de um teclado. Concluiu ainda que escrever à
mão tem muitos benefícios quando comparada com a escrita digitada, dado que a primeira potencia um melhor conhecimento da
ortografia, desenvolve maior fluidez das ideias, melhora a capacidade de leitura e promove a memória. Também este estudo corrobora a
ideia de que na escrita manuscrita o cérebro ativa-se mais do que ao escrever num teclado. A representação mental das letras vai
estimular áreas visuais e motoras do cérebro, bem como as da compreensão da linguagem.
Benefícios da Escrita Manual e sua complementaridade com a Escrita Digital
Virgínia Berninger(7) psicóloga educacional na Universidade de Washington, demonstrou que às tarefas de escrever em letra de
imprensa, em cursiva e num teclado estão associadas a diferentes zonas do cérebro e que, quando uma criança compõe um texto à
mão, não só produz mais palavras de uma forma mais rápida, como também expressa mais ideias, relacionando esta realidade com o
facto de as mãos serem os órgãos executores do cérebro, que recebem feedback sensorial sob a forma de gesto e cinestesia (sensação
de movimento).
A escrita manual pode ser uma importante ferramenta para combater a dislexia nas crianças, uma vez que, ao contrário do que é
maioritariamente defendido, a escrita não deve ser encarada apenas como um processo motor mas, sobretudo, como um verdadeiro
processo linguístico.
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Esta psicóloga vai mesmo mais longe, sugerindo que a escrita cursiva pode ser uma importante ferramenta para combater a dislexia.
Habitualmente para o tratamento da dislexia propõe-se o treino fonológico das palavras, porém Virgínia Berninger salienta que esse
treino deve ser complementado com a escrita, pois assim também haverá uma consciencialização da morfologia e da ortografia das
palavras. Deste modo, a psicóloga defende que se conseguirá a normalização das funções cerebrais com os consequentes ganhos
comportamentais.
Sendo a atualidade a era das tecnologias digitais, estas poderão servir de complemento à escrita. Adelina Moura (8), uma professora
portuguesa e doutorada em Ciências da Educação, tem defendido a criação de um modelo de aprendizagem (e não de ensino) informal,
seguindo uma filosofia de anytime e anywhere. No centro da sua abordagem inovadora estão os dispositivos móveis para acesso à
Internet como ferramentas de aprendizagem. Sobre os benefícios desta opção de ensino, esta professora refere:

a potenciação dos tempos livres e acesso a maior quantidade de informação;

a responsabilização dos alunos pela sua própria aprendizagem;
 a colaboração, ao permitir que vários alunos possam trabalhar em conjunto numa tarefa mesmo estando em locais distantes;
 o aumento da motivação, na medida em que o sentido de propriedade dos dispositivos móveis parece aumentar o
compromisso de o usar e aprender através dele, e
 a promoção da autonomia, ao favorecer aos alunos mais autonomia e flexibilidade especialmente na aprendizagem a
distância.
Perante a atual valorização da tecnologia, constata-se que o ensino da
escrita cursiva está a começar a ser colocado de lado, para se dar
preferência ao keyboarding. Apesar de existirem estudos que indicam
que escrever à mão estimula a atividade cerebral e beneficia as
capacidades de leitura, escrita, linguagem e pensamento crítico, as
estatísticas demonstram que nem todos os estudantes estão a ser
adequadamente orientados para desenvolverem esta habilidade
fundamental, nem alertados para os benefícios que dela advêm.
Da mesma forma que a introdução da utilização de calculadoras no
ensino não significou que os alunos deixassem de saber fazer contas,
não se deve encarar a escrita cursiva como algo obsoleto.
Referências bibliográficas
CRISTÃO, C. - Escrever à mão mantém o cérebro mais ativo. Diário de Notícias. 21 de Nov. 2010. Disponível em WWW:<URL:
http://www.dn.pt/inicio/ciencia/interior.aspx?content_id=1716312&seccao=Sa%FAde.
(2)
CALIGIURI, M. P. and MOHAMMED, L. A. - The neuroscience of handwriting: Applications for forensic document examination. USA:
CRC Press. 2012. ISBN 978-1-4398-7140-9.
(3) FROMKIN, V.; RODMAN, R. and HYAMS, N. - Brain and language. Chapter 2 in “An Introduction to Language”. 7th ed. USA:
Thomson Wadsworth. 2003. ISBN 0-15-508481.
(4) ABREU, B. - Porque é que a maioria das pessoas usa a mão direita? Diário de Notícias. 20 de Dez. 2014. Disponível em
WWW:<URL: http://www.dn.pt/inicio/portugal/interior.aspx?content_id=4306720.
(5) CRISTÃO, B. - Escrever no computador pode tornar-se atividade dominante nas escolas em 15 anos. Diário de Notícias. 21 de Nov.
2014. Disponível em WWW:<URL:http://www.dn.pt/inicio/ciencia/interior.aspx?content_id= 1716307&seccao=Sa%FAde&page=-1
(6) JAMES, K.H. and ENGELHARDT, L. -The effects of handwriting experience on functional brain development in pre-literate children.
Trends in Neuroscience and Education. Vol. 1 (1), p. 32-42. 2012
(7) BERNINGER, V. (Ed.) - Past, Present, and Future Contributions of Cognitive Writing Research to Cognitive Psychology. New
York:Psychology Press/Taylor Francis Group, 2012.
(8) MOURA, A. - Apropriação do Telemóvel como Ferramenta de Mediação em Mobile Learning: Estudos de Caso em Contexto
Educativo. Tese de Doutoramento em Ciências da Educação na Especialidade de Tecnologia Educativa. 2010. Disponível em
WWW:<URL:http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/13183/1/Tese% 20Integral.pdf
(1)
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Baltazar Manuel Proença Rodrigues, Inspetor e Perito Forense na Especialidade de Informática Forense da Polícia Judiciária
Chefe do GIF (Grupo de Informática Forense)
[email protected]
Restrições Técnico-Forenses nos novos dispositivos de armazenamento de dados
Introdução
Ao constatar que não existe qualquer registo que possa auxiliar os peritos de informática forense, aquando da descoberta de um
problema de índole constante, na certificação de dados (prova digital) nos novos dispositivos de armazenamento não volátil do tipo SSD,
com tecnologia Flah decidiu o autor criar este artigo.
É cada vez mais frequente, os computadores portáteis, de secretária, “Tablets” ou mesmo “SmartPhones”, serem equipados com os
novos dispositivos de armazenamento digital em massa, vulgo discos SSD 1, ao invés dos tradicionais discos rígidos.
As vantagens em relação aos discos tradicionais são evidentes, maior velocidade de acesso (cerca de 250MB/s na escrita e 700MB/s na
leitura, ou seja 5 a 6 vezes mais rápido), reduzido consumo de energia, peso diminuto, sem emissão de ruído, suporta operar a
temperatura elevadas (perto de 70° C) e, não são sensíveis ao choque, altitude, vibração ou campos magnéticos. As desvantagens
imediatas são o preço elevado, a inferior capacidade total de armazenamento e, a mais preocupante no ponto de vista da informática
forense, a deterioração das “portas lógicas” 2 com limitação de ciclos de escrita 3.
Desenvolvimento
Estes dispositivos de armazenamento não volátil de dados, SSDs, são compostos por um circuito integrado semicondutor 4 com vários
milhares de “portas lógicas” e capacidade de gestão destas, não possuindo qualquer peça móvel ao contrário dos sistemas magnéticos 5
ou mesmo dos sistemas óticos 6, na sua essência são uma réplica aumentada dos já vulgares blocos de memória USB 7, mais
conhecidos por “PEN USB”.
Pelo que as duas técnicas físico-lógicas embutidas, mais habituais de gestão e utilização das referidas “portas lógicas” utilizadas pelos
construtores de SSDs são semelhantes às das memórias RAM 8ou semelhantes às das memórias Flash 9, esta última é efetivamente a
mais utilizada pelos fabricantes de SSDs uma vez que os dispositivos são mais robustos, mais compactos e mais rápidos que os
construídos em RAM ou DRAM 10.
É precisamente nos dispositivos SSD construídos com base em memória Flash, mais fiáveis e mais comuns no mercado, que, quer os
seus fabricantes quer os produtores de software têm apostado nomeadamente na proteção dos dados armazenados com a criação da
1
Do inglês solid-state drive
Evolução dos transístores, nano transístores com capacidade de guardar um ou dois valores (de 0 ou 1) dependendo da tecnologia
empregue, MLC (Multi Level Cell) em que uma única “célula” pode armazenar dois bits através da variação dos níveis de corrente que
conduz em quatro intensidades identificáveis, mas duas vezes menor que o das memórias SLC e impõem um limite de 10.000 (dez mil)
operações de escrita por célula, ou SLC (Single Level Cell) mais caras, cada célula armazena apenas um bit, admitem até 100.000 (cem
mil) operações de escrita por célula e apresentam um desempenho muito superior (tempo de leitura de 25 microssegundos, de escrita de
200 microssegundos e necessitam de apenas 1,5 microssegundo para apagar o dado armazenado)
3
Os SSDs atuais possuem limitação de escrita, em geral de 1 a 5 milhões de ciclos dependendo da tecnologia.
4
Circuito eletrónico miniaturizado produzido na superfície de um substrato fino de material semicondutor.
5
“Hard Disk Drive, HDD”, “Floppy Drive, disquete”, “Tape”, etc.
6
“Compact Disk, CD”, “Digital Versatile Disc, DVD”
7
Universal Serial Bus
8
Random Access Memory
9
Muito utilizado em cartões de memória para câmaras digitais tipo SD (Secure Digital)
10
Dynamic Random Access Memory
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7
capacidade de “recolha de lixo” automatizada (Garbage Collection) 11 também conhecida por capacidade “TRIM”, uma vez que é este o
comando que o sistema operativo usa para informar o dispositivo SSD do que é “lixo”.
Com sentido na durabilidade do equipamento e na resiliência dos dados armazenados, os fabricantes implementaram para além da
capacidade “TRIM” outras facilidades internas transparentes quer aos sistemas operativos quer aos utilizadores, nomeadamente
algoritmos de nivelamento de desgaste dinâmicos (wear-leveling). A função base destes algoritmos é fazer “circular” a informação
armazenada por todas as “portas lógicas”, ao estilo da desfragmentação de disco implementada em sistemas MS Windows, criando
assim uma distribuição homogénea dos ciclos de escrita e leitura.
Se pelo ponto de vista técnico a implementação destes algoritmos de nivelamento é a diferença positiva entre um e cinco milhões de
ciclos de escrita ou leitura (aumento efetivo da longevidade para quatro vezes) pelo ponto de vista forense é uma dificuldade acrescida
nomeadamente quanto à certificação dos dados originais constantes nos dipositivos SSD (prova original) e a verificação da cópia
forense 12 ou cópia de análise.
Na verdade, de todos os dispositivos com capacidade de armazenamento de dados, volátil ou constante, destinados a serem sujeitos a
perícia informática forense é feita uma ou mais cópias binárias, fidedignas, integrais e certificadas, conhecidas como cópias forenses e
destinadas à análise efetiva para recolha probatória. O método para criação de cópia forense, tal como estatuído internacionalmente,
requer a utilização de uma estação de trabalho forense devidamente esterilizada, com capacidade de armazenamento (mesmo que
temporário) superior em pelo menos 1,5 vezes à origem, um bloqueador físico de escrita compatível com a interface da origem, como
proteção redundante um bloqueador lógico de escrita à ligação (ex. bloqueio de escrita às portas USB por alteração de chave da
Registry) e uma peça de software forense validado que tenha a capacidade de ler todos os sectores físicos do dispositivo alvo e copiar
bit a bit da origem para um ficheiro (“imagem”) de destino, em formato dd 13, E0114, ou outro devidamente certificado por cálculo do
resumo digital da origem e da cópia ou cópias resultantes, vertido em relatório integral de cópia também produzido pela peça de
software forense.
Uma das etapas basilares da recolha probatória e da preparação para perícia da prova digital é a certificação da prova antes e depois
da sua recolha, ou seja como já referido é necessário calcular a soma binária (resumo digital) da base física do suporte de dados que é
prova e que se pretende examinar, antes da cópia forense, procedendo depois a uma comparação com o resumo digital da cópia
resultante após de terminado o processo de replicação.
Legalmente o processo de certificação é conhecido por “Assinatura Digital”, conforme disposto no n.º 8 do Art.º 16.º (Apreensão de
dados informáticos) da Lei 109/2009 de 15 de Setembro (Lei do Ciber-Crime) e serve precisamente para garantir a integridade da
imagem ou cópia forense gerada para análise, devendo-se aplicar os algoritmos de resumo digital (HASH) MD5 e SHA-1 quer no
dispositivo original quer na “imagem”, comparar e guardar as “assinaturas digitais” geradas como testemunho da sua incorruptibilidade,
juntamente com o relatório detalhado do processo de cópia.
Caso a aludida assinatura digital não seja executada na prova em causa pode ser invalidada logo a partir da sua recolha (apreensão)
por incumprimento de regra, pelo Ministério Público ou pelo Juiz de Instrução Criminal ainda em fase de investigação, ou mesmo em
sede de julgamento se tal incidente for levantado pela defesa.
No entanto, este incumprimento não é per si motivo de nulidade da prova, quando em face de incapacidade técnica na realização da
assinatura digital, havendo neste caso necessidade de justificação técnico-operacional completa vertida em relatório próprio e
subsequente validação probatória por parte do Ministério Público, garantindo a integridade da cadeia probatória do caso.
11
Alguns modelos de SSDs encontram-se otimizados para aumentar sua performance através da redução de lixo criado na utilização.
Baseia-se na facilidade do sistema operativo poder informar o dispositivo SSD que determinado bloco de informação não está a ser usado
e portanto não precisa ser recuperado durante leituras no setor ao qual ele pertence.
12
A técnica conhecida como análise “post-mortem” determina que deva ser feita uma imagem binária (cópia) autêntica e integra de todo
disco rígido suspeito e qualquer perícia deve ser feita nessa cópia de forma a manter a prova original integra.
13
dd é um comando originalmente em Unix, cujo objetivo principal é converter e copiar dados, resulta num ficheiro raw (dd).
14
Expert Witness Format (E01), mesmo que o raw (dd) mas com capacidade de compressão.
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Conforme explicitado em fontes abertas na Internet, um resumo digital ou função HASH é criado através de um algoritmo que mapeia
dados de comprimento variável em dados de comprimento fixo. Os valores retornados por uma função HASH são conhecidos por
valores HASH, códigos HASH, somas HASH (do inglês hash sums), checksums ou simplesmente hashes. Ou seja um HASH (ou
escrutínio) é uma sequência de bits gerada por um algoritmo de dispersão, em geral representada em base hexadecimal 15,
representando um nibble16 cada algarismo. O conceito teórico diz que " HASH é a transformação de uma grande quantidade de dados
numa pequena quantidade de informações".
Essa sequência tem o objetivo de identificar um arquivo ou conjunto de informação de forma única, no caso da informática forense
compara-se a sequência do conjunto dos dados originais com o conjunto dos dados copiados para elaboração da perícia, sendo estas
sequencias necessariamente coincidentes, não sendo no entanto possível a partir de um valor de HASH retornar à informação original.
Os algoritmos de HASH mais usados em informática forense são o MD5 (Message-Digest algorithm 5) de 16 bytes e o SHA-1 (Secure
Hash Algorithm) de 20 bytes.
Conclusão
Nos casos de preparação para análise forense de dispositivos SSD construídos com base em memória Flash, com algoritmos de
nivelamento de desgaste dinâmicos implementados, a assinatura digital (HASH) da capacidade física total de armazenamento do
dispositivo e a assinatura digital (HASH) da sua cópia forense são sempre discordantes.
Esta situação é motivada pela constante alternação de setores de armazenamento decorrente precisamente dos algoritmos de
nivelamento, já que foi confirmada a consistência operacional dos dispositivos assim como a integridade da coleção de dados e a
fiabilidade do processo de cópia e Hashing.
Logo não existe por este motivo a capacidade de certificar a integridade da prova recolhida face à prova original através de assinatura
digital, havendo então como solução a necessidade de criar uma cópia forense certificada do volume lógico 17 do dispositivo, assim
como é imperativo documentar da incapacidade o relatório de perícia. Não obstante a falta de certificação das cópias forenses integrais
aludidas, estas são funcionais não apresentando problemas decorrentes da sua análise, devendo os elementos probatórios recolhidos
ser comprovados na cópia do volume lógico.
Como referido o presente artigo trata apenas o problema para a certificação na recolha de prova digital em dispositivos SSD (Memória
Flash) causado pela tecnologia wear-leveling implementada nesses dispositivos e não os algoritmos de certificação (Hashing) que
deverão ser tratados em artigos futuros de forma autónoma, mas complementar a este.
Referências bibliográficas / bibliografia
1) - Decreto Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro (CÓDIGO DE PROCESSO PENAL) - 25ª versão - a mais recente (Retificação n.º 21/2013,
de 19/04)
2) - Lei 109/2009 de 15 Setembro (Lei do Cibercrime) - Diário da República, 1.ª série — N.º 179 — 15 de Setembro de 2009
3) - BRAZ, Coord. José; 2011, Criminalidade informática: manual de procedimentos /PJ Lisboa, Diretoria de Lisboa e Vale do Tejo. ISBN
978-989-96126-1-7 (o autor do presente artigo é coautor).
15
Base hexadecimal representa até dezasseis valores e permite a sua visualização em letras e números (0 a 9 e A a F).
Nibble é uma sucessão de quatro bits.
17
Um volume ou unidade lógica é uma área única de armazenamento acessível por um único sistema de arquivo, tipicamente (mas não
necessariamente), residente numa única partição de um disco rígido, um volume pode ser diferente da totalidade de armazenamento físico
da unidade de disco.
16
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José Carlos de Oliveira
Perito de Criminalística na Especialidade de Identificação
Judiciária do LPC
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do julgador] o auxílio de terceiros [os peritos] no esclarecimento
dos pressupostos da apreciação da prova. É este auxílio que
constitui a perícia».
Perícias e peritos
A perícia, ou seja, a atividade emitente de especial juízo
percetivo ou valorativo, sob o manto de presunção legal, fica,
nessa condição, afastada da livre apreciação do julgador, à luz
Muito se tem dissertado, ultimamente, sobre peritos e perícias
mas, na maioria das vezes, sem o conhecimento essencial e a
necessária profundidade.Cabe-nos, por isso, interrogar: afinal…
O que é uma perícia? E um perito?
Comecemos pela perícia. Com o advento da prova científica,
nos primórdios do séc. XX, impunham-se conhecimentos de
cariz segmentado na área mais sensível da Justiça: a criminal.
Os primeiros
Criminalística,
aplicadas que
punição dos
passos começaram a dar-se através da
entendida esta como o conjunto de ciências
contribuíam para a perseguição, identificação e
agentes criminógenos, através da aquisição,
análise e valoração material.
Mais tarde, surge uma querela, ainda hoje persistente (embora
acolhida por uma corrente doutrinal minoritária), que respeita à
qualificação entre perícias e exames e, mesmo, um tertium
genus. Embora não relevando para o tema a tratar, refira-se que
exames são, normalmente, uma preocupação cautelar com
incidência sobre pessoas, lugares e coisas, bastando, para a
sua execução, um conhecimento do senso comum no tocante a
vestígios e indícios, em ordem à deteção, recolha e conservação
destes.
Adiante, dentre os vários (e próximos) conceitos de perícia,
existe consensualidade quanto à competência específica de
quem exerce esse múnus, isto é, quem é dotado de especiais
conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos, nos termos do
art. 151.º do Código de Processo Penal (CPP). Ora, perícia é,
assim, em sentido objetivo e mais estrito, uma perceção e/ou
apreciação de factos específicos, assistindo na descoberta da
verdade material, tarefa última do juiz. Nas palavras do saudoso
Professor Cavaleiro de Ferreira, dir-se-ia que «permite a lei
do art. 163.º, n.º 1, in fine, do CPP.
Através da perícia, o juiz fica com uma segurança e credibilidade
acrescidas aquando da prolação da decisão, podendo, porém,
divergir da prova pericial, desde que fundamente com factos
assentes em critérios de igual valor, sejam estes técnicos,
científicos ou artísticos.
Como meio de prova, leva a uma clara compreensão dos factos,
devendo, obrigatoriamente, ser precedida do maior rigor,
carreando os vestígios e indícios pertinentes e apurando novos,
sintetizando-os, através de observações científicas devidamente
comprovadas, com a subsequente legitimação técnica em peer
review – a revisão metodológico-científica (análise, comparação,
avaliação e validação) por um outro perito.
Estas técnicas e resultados são, depois, sustentados pelo
competente relatório pericial, este sim o culminar do meio de
prova, tendo este predominância valoratória quanto a quaisquer
outros relatórios ou pareceres.
Num outro aspeto, as perícias devem ser ordenadas de forma
parcimoniosa, pelas autoridades judiciárias ou órgãos de polícia
criminal no âmbito de delegação genérica de competência, ao
abrigo de princípios de adequação, necessidade e
exequibilidade, atenta a casuística pericial, sob pena de
onerarem a administração da Justiça, nomeadamente perante
perícias colegiais ou interdisciplinares, em função da especial
complexidade ou diversidade da matéria destas.
Vista, em traços largos, a perícia, entremos no profissional que a
executa, o perito.
O conceito de perito extrai-se do artigo 151.º do CPP, numa
interpretação extensiva, ou seja, é todo aquele que,
independentemente da jurisdição – criminal, cível, laboral entre
outras –, intervém com os seus especiais conhecimentos de
[quando os especiais conhecimentos estão para além da cultura
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matriz técnica, científica ou artística, auxiliando e colaborando
com o tribunal.
com grande abnegação e maior empenho, contribuem
largamente para a sã realização da Justiça.
A lei cuidou de determinar balizas à atividade pericial, conferindo
aos peritos uma imparcialidade equiparada à dos
juízes, aplicando-lhe o regime de impedimentos, recusas e
escusas dos magistrados judiciais (art. 47.º do CPP), fixando
mecanismos específicos de celeridade, deferindo à autoridade
judiciária o ónus de, ante alguma impossibilidade, designar
tempestivamente novos peritos (art. 160.º-A, n.º 2, do CPP).
É notório que, para o desempenho da função de perito, se
requerem exigências muito apertadas, não só de ordem técnicocientífica ou artística, como, também, no domínio de imperativos
ético-legais.
Refira-se, outrossim, que ao exercício da atividade pericial cabe
uma remuneração diferenciada, tabelada por lei, a coberto do
art. 162.º do CPP e do art. 17.º e tabela IV do Regulamento das
Custas Processuais.
Eis-nos chegados ao tempo presente mas, necessariamente,
com olhos no futuro, antevendo-se algumas dificuldades,
superáveis, é certo.
Uma delas, quod erat demonstrandum, é o facto do perito,
enquanto funcionário público, não ter uma remuneração
condigna com as exigências da sua atividade, estando
equiparado comummente a qualquer outro funcionário que, a
título de exemplo, pode deter formalmente a mesma categoria,
inclusive na mesma carreira, mas, na substância, o conteúdo
funcional ser muitíssimo menos exigente.
Outra, a pouca ou inexistente formação contínua em muitas
áreas periciais.
Por fim, embora não esgotando, a última mas não menos
importante preocupação prende-se com o facto de inexistir uma
carreira própria para uma atividade que, pelo menos no que
tange ao labor criminal, é monopólio do Estado, não podendo,
por isso, em momento algum, deixar de reclamar para os seus
laboriosos cultores altíssimos níveis de formação, não só na
execução de perícias como, também, nas relações com sujeitos
e outros intervenientes processuais.
Concluindo, cabe aos decisores institucionais e políticos
pugnarem pelo devido reconhecimento dos peritos e peritas que,
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Andrea Alexandre
Especialista-adjunto e Perita Forense
na Especialidade de Toxicologia do
Laboratório de Polícia Científica da
Polícia Judiciária
[email protected]
Casuística de venenos em
Toxicologia Forense
A definição de tóxico (1) como toda a
substância que por contato, inalação ou
penetração provoca no organismo
alterações
passageiras
ou
permanentes, podendo mesmo conduzir
à sua paralisação, está longe de ser
uma definição rigorosa, uma vez que
qualquer substância, em determinadas
circunstâncias e em determinadas
doses pode ser considerada como
tóxica.
Na prática, este universo de
possibilidades abrange os inúmeros
produtos que a atual sociedade de
consumo coloca à disposição de
qualquer um, de detergentes a
medicamentos, artigos de higiene
pessoal, bem como pesticidas, cuja
utilização continua a estar muito
enraizada na cultura mediterrânica para
a resolução de problemas no meio rural,
mas não só. O conhecimento das
capacidades mortíferas dos pesticidas
torna-os, sob o ponto de vista policial,
uma “arma” capaz de provocar um ato
criminoso com a intenção deliberada de
prejudicar alguém. Apesar de diversas
campanhas de sensibilização (2), a
ignorância sobre as regras de
segurança da sua aplicação, bem como
da falta de respeito sobre as
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concentrações sugeridas pelo fabricante
ou inclusive o desprezo sobre a
metodologia correta para a destruição
das embalagem usadas, tornam estes
produtos numa ameaça permanente
para a Biodiversidade e, devido à sua
entrada nas cadeias alimentares,
estamos perante um problema de saúde
pública humana. Este grande grupo de
produtos descrito como pesticidas pode
ser agrupado em quatro subgrupos:
Inseticidas, Herbicidas, Fungicidas e
Rodenticidas.
De presença discreta mas constante, as
solicitações sobre a eventual presença
de “substâncias tóxicas” nos mais
variados tipos de materiais fazem parte
da seção de Toxicologia desde que o
Laboratório de Polícia Científica (LPC)
foi criado. Com um número médio de
solicitações anuais entre os anos de
2006 a 2013 da ordem dos 5500
exames, valor que engloba todas as
perícias
relacionadas
com
estupefacientes, substâncias de corte,
novas substâncias psicoativas e
substâncias medicamentosas, este tipo
específico de exames representa
menos de 1% do total anual de
solicitações da seção.
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O gráfico 1 traduz o número reduzido
destas solicitações e também o seu
decréscimo progressivo neste intervalo
temporal, que poderão dever-se a
várias
causas
interligadas.
A
morosidade
na
resposta
(comparativamente aos outros exames
recebidos na seção) será a causa de
maior peso. Esta demora está
implicitamente ligada não só ao tipo de
amostras recebidas para análise e à
especificidade de cada caso particular,
como também à ausência frequente de
quesitos específicos que possam
orientar a análise. Como tal, a deteção
e identificação de uma determinada
substância numa amostra só é obtida,
na maioria das vezes, por recurso a
todas
as
diferentes
técnicas
instrumentais
disponíveis
na
Especialidade de Toxicologia, incluindo,
em alguns casos, a articulação com
outras do LPC.
Gráfico 1: Comparação entre o número
de lotes recebidos para exame com
resultado positivo e com resultado
negativo/não conclusivo
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número de lotes
As substâncias tóxicas detetadas nas
amostras recebidas na Toxicologia
raramente se apresentam na sua forma
pura mas sim “disfarçadas” em
alimentos, bebidas e outros líquidos,
roupas ou outros tecidos, plantas e
terra. Vísceras de animais e outros
vestígios biológicos são também
analisados. Cada caso é sempre único,
e quando o quesito consiste apenas em
“eventual presença de substância
tóxica”, como ocorre na maioria dos
casos, cabe ao Perito colocar hipóteses
sucessivas,
trabalhando
frequentemente
com
amostras
degradadas e/ou em quantidade
reduzida e sem recurso a padrões de
referência, para obter um resultado
significativo (3).
O gráfico 2 é uma ilustração genérica
dos resultados obtidos nos exames
recebidos no intervalo compreendido
entre 2006 e 2013. Para facilitar a
visualização,
os
dados
foram
agrupados: ácidos/bases, detergentes,
diluentes,
fármacos,
metais
e
pesticidas.
A análise dos dados deste gráfico
mostra alguns dados preocupantes,
nomeadamente ao nível de pesticidas
não permitidos (4)(5)(6). A existência de
resultados como Estricnina num exame
de 2008, pesticida usado principalmente
como raticida, revela a continuidade do
seu uso apesar de a sua
comercialização estar proibida em
Portugal desde 2004. O Clorfenvinfos,
inseticida de uso veterinário para
combater carraças, pulgas, piolhos,
ácaros e sarna em ovinos, caprinos,
porcos e cães, proibido na União
Europeia (UE) desde a década de 90,
mas com autorização de utilização até
2004, foi detetado num exame de 2007.
Aldicarbe, substância de uso proibido
desde
2007,
cuja
quantidade
equivalente a uma aspirina® (500 mg
ácido acetilsalícílico) tem a capacidade
de matar 21 pessoas, tem utilização
apenas autorizada nos Estados Unidos
por alguns produtores de culturas de
algodão, feijões e outras, foi identificado
num exame de 2013. Outra substância
utilizada como inseticida e cuja
utilização é proibida na UE desde 2001,
é o Paratião, conhecido sob o nome
comercial E-605 Forte®, foi
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ácidos/bases
15
diluentes
10
detergentes
5
pesticidas
0
fármacos
2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
ano
metais
Gráfico 2: Variação no tipo de resultados no intervalo temporal de 2006 a 2013
detetada em exames de 2007, 2008,
2009, 2011 e 2013. O Paraquato, um
dos herbicidas mais utilizados,
comercializado
sob
o
nome
Gramoxone®, pode causar intoxicações
fatais quando ingerido sendo comum
em contextos de suicídio ou homicídio,
foi detetado em exames de 2006, 2007
e 2012.
Maus tratos a animais de companhia,
crimes de poluição, danos contra a
natureza, incêndios, crimes contra a
propriedade e crimes contra a
integridade física são, de modo geral,
alguns dos crimes a que este tipo de
substâncias estão frequentemente
relacionados.
Figura 1: 500 mg de aspirina® e 500 mg de aldicarbe.
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Em 2008 deu entrada na Toxicologia um exame cujo material constava de um pano, um pequeno frasco de vidro castanho com o rótulo
degradado com líquido no seu interior e outro pequeno frasco tipo conta-gotas, também contendo líquido (figura 2).
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Figura 2: Material recebido para análise.
As análises revelaram a existência de resíduos de clorofórmio no pano e num dos frascos, e no outro foi identificada a presença de
álcool etílico. Este caso, de conhecimento do público, levou à sentença de 18 anos em Cascais de um jovem advogado, por abusos
sexuais de crianças na colónia de férias “O Século”, que usava o clorofórmio para drogar as suas vítimas antes dos abusos.
Outro exemplo bastante mediático foi o caso do “rei Ghob”,em que um homem com 43 anos, acusado de abusos sexuais de jovens e
quatro homicídios, foi condenado a 25 anos de prisão pelo coletivo de juízes do Tribunal de Torres Vedras. Nas amostras recebidas para
exame toxicológico, que consistiam em diversas especialidades farmacêuticas apreendidas ao arguido, foram detetadas substâncias
com efeitos sedativos, que provocam sonolência, fraqueza muscular e reação diminuída, utilizadas pelo mesmo para facilmente
manobrar as suas vítimas.
Exemplos como estes em que a resposta analítica da Especialidade Forense de Toxicologia do LPC foi determinante quer em sede de
investigação criminal, quer em sede de julgamento, mostram-nos que trabalhamos na direção certa. Aumentar a capacidade de resposta
também a nível de crimes ambientais e atingir um tempo de resposta cada vez mais reduzido são alguns dos objetivos para o futuro, e o
futuro começa hoje.
_____________________________________________________________________________
Bibliografia:
1. Santos, A. S. “Tóxicos”, Conjunto de Separatas da Revista Polícia Portuguesa
2. Programa Antídoto Portugal [em linha]. [Consulta a 30-03-2015]. Disponível em http://www.antidoto-portugal.org
3. Jackson, J. V. “Forensic Toxicology”, em Clarke’s Isolation and Identification of drugs in Pharmaceuticals, Body Fluids and PostMortem Material, 2ºª edição, Moffatt, A.C., ed., Pharmaceutical Press, londres, 1986, 35
4. Fysh R.R., Whitehouse M.J. Pesticides.Analytical Techniques : 70-86
5. Pesticide Information Profiles [em linha]. [Consulta a 30-03-2015]. Disponível em http://extoxnet.orst.edu/
6. Ministério da Agricultura. [Em linha]. [Consulta a 30-03-2015]. Disponível em http://www.dgv.min-agricultura.pt/
7. Pinheiro, I “Intoxicação por paraquat” Sociedade Portuguesa de Medicina Interna, vol 9 nº4
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Ficha Técnica
Edição| Associação Sócio-Profissional dos Peritos Forenses da Polícia Judiciária
Organização| Ana Cristina de Almeida Assis e Maria João Caldeira
Colaboração| Andreia Vieira, Marta Lacerda, Baltazar Manuel Proença Rodrigues, José Carlos de Oliveira e Andrea Alexandre
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Contatos| [email protected] [email protected]
Os textos assinados são da exclusiva responsabilidade dos seus autores.
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