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N.º 233
Janeiro 2012
Mensal
2,00 euros
TempoLivre
Diáspora Marrocos Perfil Adriana Porfólio Tibete
www.inatel.pt
Fado
Orgulho
nacional
Entrevista com
José Alberto Sardinha,
etnomusicólogo
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Sumário
Na capa
Foto: José Frade
16
5
6
CARTAS E COLUNA
DO PROVEDOR
ENTREVISTA
Fado: um orgulho
português
Dias depois da consagração
pela UNESCO do Fado
como património da
humanidade, fomos ouvir o
etnomusicólogo José
Alberto Sardinha, autor de
"A Origem do Fado" - um
livro baseado numa
preciosa e bem
documentada pesquisa que
contraria a tese da origem
afro-brasileira do mais
célebre género musical do
nosso País.
24
EDITORIAL
8
14
NOTÍCIAS
CONCURSO
DE FOTOGRAFIA
41
PERFIL
MEMÓRIA
Maria Clara
50
52
54
79
30
AVENTURA
Adriana
48
Portugueses em Marrocos
Marrocos nunca foi um destino
convencional da emigração
portuguesa. Mas há, actualmente,
muitos quadros portugueses a
trabalhar na região, ainda que com
"um pé cá e outro lá", a par de gente
que investiu a longo prazo e está no
país vizinho de pedra e cal.
PORTFÓLIO
Himalaias – na rota dos
Jesuítas portugueses
46
DIÁSPORA
Geocaching
A caça ao tesouro, que parecia em
desuso, continua a existir e agora
numa versão hi-tech para miúdos e
graúdos.
JUSTIÇA E SOCIEDADE
OLHO VIVO
A CASA NA ÁRVORE
O TEMPO E AS PALAVRAS
Maria Alice Vila Fabião
80
OS CONTOS
DO ZAMBUJAL
82
PRAZERES
CRÓNICA
António Costa Santos
57
76
36
BOA VIDA
CLUBE TEMPO LIVRE
Bruges a capital da cerveja
"Terra de cerveja e chocolate, de
canais e charretes, Bruges é o sítio
ideal para fazer um périplo pela
história da cerveja. Se tiver tempo e
vontade há mais de quatro centenas
para provar."
Passatempos e Novos
livros
Revista Mensal e-mail: [email protected] | Propriedade da Fundação INATEL Presidente do Conselho de Administração: Vítor Ramalho Vice-Presidente: Carlos
Mamede Vogais: Cristina Baptista, José Moreira Marques e Rogério Fernandes Sede da Fundação: Calçada de Sant’Ana, 180, 1169-062 LISBOA, Tel. 210027000
Nº Pessoa Colectiva: 500122237 Director: Vítor Ramalho Editor: Eugénio Alves Grafismo: José Souto Fotografia: José Frade Coordenação: Glória Lambelho
Colaboradores: António Costa Santos, António Sérgio Azenha, Carlos Barbosa de Oliveira, Carlos Blanco, Gil Montalverne, Humberto Lopes, Joaquim
Diabinho, Joaquim Magalhães de Castro, José Jorge Letria, José Luís Jorge, Lurdes Féria, Manuela Garcia, Maria Augusta Drago, Maria João Duarte, Maria
Mesquita, Pedro Barrocas, Rodrigues Vaz, Sérgio Alves, Suzana Neves, Vítor Ribeiro. Cronistas: Alice Vieira, Álvaro Belo Marques, Artur Queirós, Baptista
Bastos, Fernando Dacosta, Joaquim Letria, Maria Alice Vila Fabião, Mário Zambujal. Redacção: Calçada de Sant’Ana, 180 – 1169-062 LISBOA,
Telef. 210027000 Publicidade: Direcção de Marketing (DMRI) Telef. 210027189; Impressão: Lisgráfica - Impressão e Artes Gráficas, SA - Rua
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D.G.C.S. nº 114484. Registo de Empresas Jornalísticas na D.G.C.S. nº 214483. Preço: 2,00 euros Tiragem deste número: 149.456 exemplares
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Editorial
V í t o r Ra m a l h o
Servir mais e melhor
E
ste é o primeiro número da 2012. Por esse
facto, não poderia deixar de referir a
aprovação pelo Conselho de Administração do Plano de Actividades e do
Orçamento.
Os instrumentos aprovados estão na linha do
Plano Estratégico e da Carta de Missão para o triénio 2011-2013. Com vista ao reforço do futuro da
Inatel, persistir-se-á, assim, na requalificação dos
equipamentos afectando-se em investimentos
mais de nove milhões de euros.
Este esforço é desenvolvido apesar da forte
diminuição da subsidiação pública e das consequências da crise, que afectarão o produto interno
bruto, o consumo e o emprego.
Não desfalecemos, porém, no reforço da autosustentabilidade, com orgulho na modernização e
na qualidade dos bens e serviços que a Inatel presta. No primeiro trimestre, impulsionaremos a TV
corporativa, continuaremos a dar corpo à imagem
uniforme das Agências, daremos um maior impulso à internacionalização e jamais perderemos de
vista a defesa da empregabilidade, acompanhando
esta preocupação com uma estratégia adequada de
formação profissional.
Prevemos, por isso, que o valor global do orçamento se fixará em 68,5 milhões de euros e o de
exploração de 59,5 milhões, com um resultado
final positivo de 26 mil euros.
Este orgulho está também presente no facto da
Inatel ter participado na candidatura do Fado a
património imaterial da humanidade, enquanto
membro da comissão respectiva da UNESCO.
É útil, a propósito, recordarmos que à data da
passagem do 75º aniversário da Inatel patrocinámos, entre outras, a obra " A origem do Fado", de
José Alberto Sardinha, um dos maiores investigadores da música tradicional portuguesa, obra essa que
ficará como testemunho para o conhecimento e
para a divulgação do que o povo português tem de
mais singular. Daí a oportunidade da entrevista com
o seu autor que, de forma exaustiva e documentada,
defende a origem nacional deste género musical
popular, agora consagrado internacionalmente.
Falar da música, aqui e agora é também recordar o Dr. Serra Formigal, que teve responsabilidades na direcção da FNAT e no Teatro da Trindade,
tendo dado um contributo inestimável à ópera,
através da Companhia Portuguesa de Ópera de que
foi director. É mais uma das muitas personalidades
que com invulgar mérito serviram a Inatel e a
quem é devida uma homenagem. Recordá-lo aqui
e agora é honrar com justiça a sua memória.
Memória que está também presente no Museu
do Relógio, recentemente inaugurado no Palácio
Barrocal em Évora, onde funciona a nossa agência,
dando assim também uma valorização à cidade de
Évora, ao distrito e ao país, estimando-se que, neste
ano de 2012, o museu atinja os 100 mil visitantes.
O passado não pode, porém, fazer esquecer em
nenhum momento o futuro.
Essa é a razão para a modernização que está em
curso na Inatel, nela incluindo requalificação e a
qualidade da decoração das unidades hoteleiras,
também agora reforçada com as excepcionais fotografias que passarão a enquadrar a unidade da Foz
do Arelho a que se seguirão todas as outras.
Por fim, este número, não poderia deixar de prosseguir com a referência da presença exaltante de
Portugal e dos portugueses no mundo, agora através
de uma reportagem bem ilustrativa do que somos
através do retrato da nossa diáspora em Marrocos,
país a que nos ligam importantes laços históricos.
Todas estas razões justificam a continuação da
preferência da leitura da 'Tempo Livre' pelos beneficiários a quem desejamos e às respectivas famílias um bom ano de 2012, sendo nossa obrigação
procurar continuar servi-los mais e melhor. n
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TempoLivre 5
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Cartas
A correspondência
para estas secções
deve ser enviada
para a Redacção de
“Tempo Livre”,
Calçada de Sant’Ana,
nº. 180, 1169-062
Lisboa, ou por e-mail:
[email protected]
“Sempre em Férias”
Pertencemos ao grupo que iniciou o Programa
Sempre em Férias, e gostaríamos de vos felicitar
pela excelente iniciativa e organização.
Tratando-se de uma nova experiência, foi com
alguma relutância que aderimos ao projecto. No
entanto, estamos agora a terminar os primeiros
seis meses, e é com enorme prazer e satisfação
que vos comunicamos que o Programa se revelou muito interessante e que estamos a adorar a
experiência. Seja a nível de alojamento, alimentação, actividades e animações diversas, fomos
em todos os aspectos surpreendidos pela positiva. Gostaríamos ainda de vos felicitar pelas alterações previstas para o próximo ano que, estamos certos, virão tornar o programa ainda mais
interessante e, assim o esperamos, aumentar o
número de aderentes. Expressamos os nossos
sinceros agradecimentos ao INATEL e a todos os
técnicos envolvidos, felicitamos-vos pela excelente iniciativa.
Ilda Santos Silva e Fernando Ferreira
Esteves (por e-mail)
Coluna do Provedor
Kalidás
Barreto
[email protected]
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TempoLivre
| JAN 2012
VÁRIOS ASSOCIADOS vêm manifestando as
suas preocupações sobre as eventuais consequências para a Inatel da crise que o país
atravessa, nomeadamente as alterações de
preçário, ainda que, admitam justificadas.
A Fundação é evidente que corresponde a
uma realidade sociológica, totalmente diferente da de qualquer entidade congénere existente em Portugal e possui, cada vez mais, um
grande prestígio internacional como testemunhou ainda em Dezembro último, o Seminário
sobre o Turismo Social co-organizado com a
Comissão Europeia sobre o Programa "Calipso"
e a presença de responsáveis do turismo de 18
países europeus.
Para os que usam linguagem do mercado e
da concorrência, "Inatel" é, acima de tudo,
uma marca de grande impacto comercial;
porém para os utilizadores mais antigos (e não
só os mais velhos) é, sobretudo, uma parte
importante das suas memórias que trazem a
recordação das suas primeiras férias com verdadeiro descanso (sem tarefas domésticas),
onde os filhos tiveram praia pela primeira vez.
Para os filhos são as lembranças das primeiras
brincadeiras na praia, dos primeiros ralhetes
por se molharem em sítios mais distantes da
vigilância paterna; e outras lembranças mais
vivas quando chegou a juventude, com os
namoricos de férias.
Acresce ainda as recentes memórias dos
"jovens" do turismo sénior cujas experiências de
convívio os fazem sentir, novamente, gente,
como testemunhava uma utente que afirmava
que " até as rugas se lhe haviam desaparecido do
rosto". E os programas jovens? Inolvidáveis! A
Inatel é diferente, é família! O Trindade, onde
pela primeira vez assistiram a um espectáculo de
ópera ou o Estádio 1º de Maio, palco da primeira
grande manifestação do 25 de Abril de 1974.
Daí todo o interesse e carinho, como algo de
seu estivesse a transformar-se, embora, acreditem, que para melhor. É como se de um filho
se tratasse quando atinge a maioridade; tal e
qual!
Os tecnocratas não entenderão esta linguagem usada por utópicos humanistas. Porém, a
utopia é, afinal, uma visão de um futuro que é
preciso começar a construir no presente, com
lição e aprendizagem do passado. Ou, como
dizia, Óscar Wilde, "O progresso é a realização
da utopia". Acreditamos nisso! Com todo o respeito pelos números que não podem esquecer
a autosuficiência e de equilíbrio das contas,
que os seus beneficiários/associados não serão
esquecidos. n
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Notícias
José Manuel
Serra Formigal
l Advogado
de profissão, José
Manuel Serra Formigal, falecido em
Lisboa, sua cidade natal, no passado
dia 11 de Dezembro, aos 86 anos,
teve um papel destacado na vida
cultural portuguesa, designadamente
nas áreas do teatro e da ópera.
Responsável pela criação da
Companhia Portuguesa de Ópera do
Teatro da Trindade, que dirigiu de
1962 até final de 1974, sob a égide da
FNAT, teve um papel decisivo no
desenvolvimento nacional do setor da
ópera, principalmente quanto a
cantores, maestros e encenadores e,
por outro lado, na divulgação do
espetáculo lírico, sobretudo junto dos
associados da FNAT e dos Sindicatos.
Foi também presidente do
Conselho de Administração do Teatro
São Carlos (1981-1988), num
mandato que incluiu a criação da
Orquestra Sinfónica do TNSC e a
escolha de João de Freitas Branco
como Director Artístico e de
Produção.
Incentivado pela mãe, Etelvina
Serra, actriz e cantora de mérito, que
o levou, em pequeno, ao teatro, aos
concertos, à ópera e proporcionandolhe o ensino da música, Serra
Formigal teve, então, o privilégio de
admirar grandes atores do passado
(Amélia Rey Colaço, Palmira Bastos,
Laura Alves, Alves da Cunha, João
Villaret, Vasco Santana, António
Gala Sénior
l Cerca de sete centenas de seniores
marcaram presença na Gala de Natal
do passado dia 13 de dezembro na
Salão Preto e Prata do Casino Estoril,
uma iniciativa que assinala o
encerramento dos programas Sociais
da Fundação Inatel.
No uso da palavra, o Presidente da
Fundação Inatel evocou, após o
almoço, o importante contributo
daqueles que com o seu trabalho
lutaram por uma vida melhor e que,
agora, podem usufruir de justos e
reconfortantes dias de lazer. Vítor
Ramalho assinalou, na oportunidade,
a importância das iniciativas
governamentais que o Inatel gere para
segmentos específicos da população
portuguesa - sénior, jovens ou outros afirmando que "através da vossa
participação reforçam-se as
economias locais e gera-se riqueza
para o Estado que recupera parte do
seu investimento através das receitas
de IVA".
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TempoLivre
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Aurelina Madeira, 98 anos, distinguida com o galardão "Super Sénior". À direita, Tiago Pessoa
entrega prémio a Domingos Silva do Casino da Figueira da Foz
A anteceder o espetáculo "O
melhor de La Féria", foram
distinguidos os melhores
prestadores de serviço dos
programas Conversa Amiga, Turismo
Júnior, Sempre em Férias, Abrir
Portas à Diferença, Turismo
Solidário, Turismo Sénior e Saúde e
Termalismo Sénior casos de: Hotel
Onix, Hotel Caravela, Inatel Piodão,
Inatel Albufeira, Inatel Vila Ruiva,
na categoria de melhor unidade
hoteleira e nas restantes categorias
as Termas de S. Vicente, a Agência
Avic, o Casino da Figueira, o
espetáculo "Isto só Visto" de Luis
Aleluia, "Fado, História de um Povo"
de Filipe Lá Féria e os animadores
Filipa Cardoso e Diogo Alves. No
Programa Turismo Júnior 2011 a
melhor colaboração foi para a
Direção de Negócios pessoais/Gestão
de segmentos Jovens da TMN.
Foram, ainda, entregues os prémios
do concurso de fotografia e texto dos
programas seniores a Isilda Raposo e
António Santos Martins na categoria
de fotografia, Manuel Redondo Pato e
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Silva, entre outros) e assistir a
espetáculos de ópera, nos anos 30 e
40 do século passado, com figuras
como Schipa, Volpi, Gigli, Alcaide,
Stracciari, Galeffi, Bechi, Tajo,
Caniglia. "O espectáculo lírico escreveu Serra Formigal na TL exerceu em mim o fascínio de um
teatro total pela simbiose da música
com a acção dramática em que aquela
penetra e ilumina esta, dando-lhe
insubstituível força expressiva."
Conjugando a prática do Direito
com a sua paixão pela ópera, Serra
Formigal marcou a história do
Trindade (1962-74), com uma
programação anual assente em duas
temporadas: a primeira, de teatro
Celeste Cortez Silvestre na categoria
texto e no vídeo a António Cortez
Silvestre. Os premiados receberam
estadias gratuitas em unidades
hoteleiras da Inatel.
No final da sessão Vítor Ramalho
homenageou Aurelina da Conceição
Madeira, de Tomar, com a distinção
de "Super Sénior" pelos seus 98 natais
e pela preferência e participação nas
iniciativas da Inatel.
O evento contou com a presença
de Tiago Pessoa, Chefe do Gabinete
do Ministro da Solidariedade e
Segurança Social; João Nunes
Abreu, Assessor do Ministro da
Saúde; José Madeira Serôdio, do
Instituto Nacional de Reabilitação,
I.P., Alexandre Oliveira do IEFP Instituto de Emprego e Formação
Profissional, Sérgio Azougado da
Associação dos Deficientes das
Forças Armadas, João Barbosa da
Associação das Termas de Portugal e
muitas outras individualidades que
direta ou indiretamente estiveram
ligadas aos programas geridos pela
Inatel.
declamado, com duração de cerca de
seis meses, e a segunda numa
sucessiva temporada de ópera, de
maio a julho.
Atuaram, no teatro, três
companhias dirigidas por António
Manuel Couto Viana (até 1967),
Francisco Ribeiro, (até 1969) e Amélia
Rey Colaço (de 1970 a 1974). A
grande novidade foi, porém, a
constituição da Companhia
Portuguesa de Ópera do Teatro da
Trindade e do Centro de Preparação e
Aperfeiçoamento de Artistas Líricos,
dirigido, entre outros, por Tomás
Alcaide e Gino Bechi. A ação do
Centro foi vital quer para o bom
desempenho da Companhia de Ópera
quer para o aperfeiçoamento e
revelação de novos valores do nosso
teatro lírico, casos, entre outros, de
Helena Cláudio, Zuleika Saque, Elsa
Saque, Elisette Bayan, Fernando
Serafim, José Lopes, João Pessanha,
Vasco Gil e João Veloso.
Nas treze temporadas (1963 a
1975) a CPOTT apresentou cerca de
650 récitas para 570 mil espetadores
(Lisboa, Província, Ilhas Adjacentes,
Angola e Espanha) num reportório
que incluiu os grandes compositores
de ópera, incluindo as óperas
portuguesas e autores dos séculos
XIX e XX: A Serrana de A. Keil,
Rosas de Todo o Ano e Crisfal de
Rui Coelho.
Convívio Inatel
A sala principal do Trindade foi palco, em
dezembro, de um animado de divertido convívio
natalício dos trabalhadores da Sede da
Fundação Inatel. Sob o tema a "rabanada",
grupos de trabalhadores de cada um dos
departamentos da Fundação subiram ao palco
com o respectivo número musical alusivo à
quadra festiva, com destaque para os dotes
vocais de Elsa Ramos. A festa incluiu o
visionamento do filme "Sinfonia Imaterial" de
Tiago Pereira e uma intervenção do presidente
da Inatel, encerrando com um lanche onde,
obviamente, sobressaiu a saborosa rabanada.
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TempoLivre 9
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Notícias
Natal na Caparica
l Para celebrar a quadra
natalícia, cerca de quatro
centenas de associados de
vários distritos do país
participaram na Grande
Festa de Natal, uma
iniciativa da direção de
Turismo da Fundação que
decorreu nas instalações da
Inatel na Costa de
Caparica.
O evento incluiu um
jantar tipicamente
natalício e diversos
espetáculos, com dança ao som do
grupo "Pão com Manteiga", canções
por Carlos Mendes e a participação
de vários fadistas em homenagem à
decisão da Unesco de considerar o
Fado património imaterial da
humanidade.
Comungando do espírito solidário
da quadra, a Fundação Inatel
atribuiu dois euros por cada
inscrição à Raríssimas - Associação
Nacional de Deficiências Mentais e
Raras, receita que, em conjunto com
a resultante da venda de brindes
pela mesma associação no decorrer
da Festa, irá ajudar a construir a
Casa dos Moinhos, um centro de
reabilitação em regime de internato
e semi-internato,
indispensável para apoiar
os doentes e famílias desta
doença que, infelizmente,
afecta crianças e adultos.
Durante o evento, a Inatel
sorteou doze atrativas
viagens entre os
participantes, para destinos
nacionais e internacionais,
tendo sido contemplados os
seguintes associados:
Fernando Gonçalves, Maria
S. Ferreira, Luís Vitorino e
Adriano Antunes, de Coimbra;
António M. Nogueira e Raúl S.
Teixeira, de Aveiro; Adriano L. Silva,
de Viana do Castelo; António S.
Guerreiro, de Setúbal; José P. Calha,
de Portalegre; Mª Cândida Serra, da
Covilhã; Mª Valentina Ferreira, de
Faro; Luis Manuel Pessanha, de
Lisboa.
Plano de Actividades e Orçamento 2012
lO
Conselho de Administração da
Inatel apresentou, em dezembro, ao
Ministro da Solidariedade e da
Segurança Social, para
homologação, o Plano de
Atividades e Orçamento para 2012.
Estes documentos, já aprovados
pela Administração e Conselho
Fiscal, prevêem, no essencial, a
continuação das requalificações
dos equipamentos com uma
dotação de mais 9 milhões de
euros, na linha do que ocorreu em
2011 (o investimento previsto foi
neste ano de 10,55 milhões de
euros) e um resultado positivo de
26 mil euros.
Este esforço - como sublinha a
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TempoLivre
| JAN 2012
Ordem de Serviço do Conselho de
Administração da Inatel - foi e vai
ser alcançado apesar da muito forte
diminuição da subsidiação pública
e das consequências da crise,
procurando-se reforçar a autosustentabilidade da Fundação e a
defesa do emprego, adequando-se
os recursos humanos aos desafios
do futuro.
Nenhuma casa se constrói pelo
teto. Não era possível encarar-se o
futuro da Inatel com confiança se
não se privilegiasse nesta fase a
requalificação dos equipamentos
para uma oferta de qualidade dos
bens e serviços e com um esforço
de modernização. Não havendo
qualidade não há pura e
simplesmente competitividade.
Chegou a hora de se reforçarem
outros objetivos, incluindo neles a
componente internacional e sê-loão seguramente.
Não há - conclui o documento que recear o futuro da Inatel apesar
dos sérios constrangimentos da
crise. E não há porque o essencial
da estratégia definida foi
salvaguardada, com o contributo
de todos os trabalhadores,
defendendo-se a empregabilidade,
com aumento de qualidade da
oferta e com acrescidas
preocupações em servir mais e
melhor os nossos beneficiários.
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Inaugurado Museu Relógio em Évora
l Inaugurado no passado dia 15 de
dezembro, nas instalações da Inatel
em Évora, o pólo do Museu do
Relógio de Serpa que poderá atingir,
ainda este ano, os 50 mil visitantes admitiu o seu diretor Eugénio
Tavares d'Almeida, filho de António
Tavares d'Almeida, fundador e
grande impulsionador do invulgar e
valioso espólio, sedeado, desde 1972,
na cidade de Serpa.
O novo responsável do Museu
agradeceu o importante apoio da
Fundação Inatel à concretização do
projeto, salientando a qualidade e
amplitude do espaço, integrado no
histórico Palácio do Barrocal, alvo de
profundas obras de requalificação e
que alberga, a par da Agência de
Évora, o arquivo central da
FNAT/INATEL.
Eugénio Tavares d'Almeida
adiantou, também, que é objetivo da
família melhorar, aumentar e projetar
o novo museu eborense e citou, a
propósito, a própria placa de
identificação, escrita em Português,
espanhol, inglês e japonês, como
aposta forte no "mercado
internacional".
Acompanhado por outros
membros do Conselho de
Administração e quadros dirigentes
Fado Património
da Humanidade
lA
Fundação Inatel,
representada pela vogal da
Administração, Cristina
Baptista, esteve presente, em
novembro, na 6ª Sessão do
Comité-Intergovernamental
para a Salvaguarda do
Património Cultural Imaterial
da UNESCO, em Bali, na
da Inatel, Vítor Ramalho manifestou
a "grata satisfação" da Fundação pela
importância de uma iniciativa "muito
positiva" para as duas entidades e
para a própria cidade em termos de
aumento do número de turistas e
visitantes que poderão desfrutar de
"um grande e rico espólio cultural". O
presidente da Inatel revelou ainda
que ao ser contatado pelos
proprietários do Museu não teve
dúvidas quanto à oportunidade e
interesse do projeto, coincidente com
as obras de recuperação do palácio.
Com uma equipa de guias,
mestres-relojoeiros e um gestorconservador, o Museu- recorde-se repara, produz e comercializa
relógios de qualidade a preços
acessíveis.
O bilhete normal custa dois euros.
Para seniores ou grupos de 20
pessoas o valor é de 1,5 euros. As
crianças até 10 anos não pagam.
Indonésia, que aprovou a
candidatura do Fado como
património da humanidade.
A Fundação INATEL, recordese, tem o estatuto de
organização não
governamental acreditada para
prestar serviços de assistência
técnica à UNESCO. Composto,
por 24 países, o ComitéIntergovernamental, tem, entre
outras, competências para
apreciar e decidir sobre as
candidaturas apresentadas
pelos Estados Partes (Estados
que ratificaram a Convenção) à
inscrição do património
cultural imaterial na lista
representativa do património
cultural imaterial da
humanidade; e na lista do
património cultural imaterial a
necessitar de medidas
urgentes de salvaguarda e
protecção.
Cristina Baptista manifestou à
"TL" o alto significado que teve
para a Inatel a decisão da
Unesco, lembrando o apoio
que a Fundação deu, desde o
primeiro momento, à
candidatura do Fado.
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TempoLivre 11
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Notícias
Novos Árbitros Inatel
l Doze
dos participantes no curso
intensivo de formação de novos
agentes de arbitragem para os
torneios de Futebol de 11 da Inatel
receberam, no passado dia 20 de
VI Concurso Vídeo Inatel
lA
dezembro, os respetivos diplomas,
entregues pelo administrador da
Fundação, Moreira Marques, por
Carlos Móia (Fundação SL Benfica)
e por Rosário Farmhouse, do Alto
Comissariado para a Integração e
Diálogo Intercultural.
Para Moreira Marques, que
destacou a qualidade e importância
da formação, orientada pelo exárbitro e quadro da Inatel, António
Rola, é objetivo da Fundação
prosseguir nesta área, incluindo a
possibilidade de formação de árbitros
de outras modalidades, como o
basquetebol.
Fundação INATEL deu a conhecer ao
grande público, em dezembro, os melhores
filmes de curta-metragem candidatos ao
seu 6º Concurso de Vídeo. Constituído
fundamentalmente por jovens realizadores
oriundos de escolas ou em início de
carreira, o programa englobou filmes de
ficção (Prémio INATEL) e documentários
(Prémio Património Imaterial) e um terceiro
Prémio Jovem Realizador, até aos 25 anos.
Apostada no apoio e fomento das várias
vertentes da sua atividade cultural, caso do
sector do cinema e do audiovisual, a
Fundação, recorde-se, apoiou, em 2011, a
produção do filme de Tiago Pereira
"Sinfonia Imaterial", estreado no dia 17 de
maio no Teatro da Trindade.
Na apresentação dos filmes do 6º
concurso - realizada no Cinema City
26ª Maratona de Lisboa
Classic de Alvalade - foram exibidas 16
curtas metragens e anunciados os filmes
l Vasco
Lourenço, do Sporting de
Lamego, foi o grande vencedor da 26ª
Maratona de Lisboa, com o tempo de
2h22m e 02 segundos, seguido de
Daniel Peixoto (Adercus, 2.28.29) e
Carlos Santos (SL. Benfica, 2.28.57).
A vencedora feminina foi Anabela
Tavares (CRD Arrudense - 2.50.15),
seguida de Lídia Pereira (CP
Mangualde - 2.58.39). Na maratona
por estafetas, classificaram-se,
respectivamente, nos três primeiros
lugares o GDR Reboleira/G Fisio
Desporto, o NúcleoOeiras/SportZone
e a Odimarq Alumínios-A.
A competição, recorde-se, teve
início e final no Parque Desportivo 1º
de Maio da Inatel.
vencedores. A saber. Prémio Fundação
INATEL - "Corpos", de Frederico Ramos
Lopes; Prémio Património Imaterial - "Lugar
do Tempo", de Manuel Guerra; Prémio
Jovem Realizador - "Adeus Amor", de
Henrique Prudêncio.
Protocolo Inatel/SCIF-SEFlA
Fundação Inatel celebrou, em dezembro, um protocolo de
cooperação com o Sindicato da Carreira de Investigação e
Fiscalização do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, representado
pelo seu presidente Acácio Patrício Pereira. Acompanhado pelo
vogal da Administração, José Moreira Marques, o presidente da
Fundação, Vítor Ramalho, lembrou a importante função do SEF
num tempo de globalização e acentuado fluxo migratório. O
responsável sindical agradeceu, por sua vez, o significado do
acordo que permitirá aos associados do SCIF- SEF ter acesso aos
serviços e espaços de cultura, lazer e desporto da Inatel.
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Fotografia
XVI Concurso “Tempo Livre”
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Regulamento
1. Concurso Nacional de Fotografia da
revista Tempo Livre. Periodicidade
mensal. Podem participar todos os
associados da Fundação Inatel,
excluindo os seus funcionários e
colaboradores da revista Tempo Livre.
2. Enviar as fotos para: Revista Tempo
Livre - Concurso de Fotografia, Calçada
de Sant’Ana, 180 - 1169-062 Lisboa.
3. A data limite para a recepção dos
trabalhos é o dia 10 de cada mês.
4. O tema é livre e cada concorrente
pode enviar, mensalmente, um máximo
de 3 fotografias de formato mínimo de
10x15 cm e máximo de 18x24 cm., em
papel, cor ou preto e branco.
Menções honrosas
[ a ] Maria Silva, Cacém
Sócio n.º 493267
[ b ] Sérgio Guerra, S. João do Estoril
Sócio n.º 204212
[ c ] Fernando Ledo, Viana do Castelo
Sócio n.º 343708
[a]
5. Não são aceites diapositivos e as
fotos concorrentes não serão
devolvidas.
6. O concurso é limitado aos
associados da Inatel. Todas as fotos
devem ser assinaladas no verso com o
nome do autor, morada, telefone e
número de associado da Inatel.
[b]
7. A «TL» publicará, em cada mês, as
seis melhores fotos (três premiadas e
três menções honrosas),
seleccionadas entre as enviadas no
prazo previsto.
[ 1 ] Luis Gaspar,
Lisboa
Sócio n.º 265869
8. Não serão seleccionadas, no
mesmo ano, as fotos de um
concorrente premiado nesse ano
[ 2 ] Camillo Lopes,
Rio Maior
Sócio n.º 504366
9. Prémios: cada uma das três fotos
seleccionadas terá como prémio duas
noites para duas pessoas numa das
unidades hoteleiras da Inatel, durante
a época baixa, em regime APA
(alojamento e pequeno almoço). O
prémio tem a validade de um ano. O
premiado(a) deve contactar a redacção
da «TL».
[ 3 ] Mafalda Pereira,
Quinta do Anjo
Sócio n.º 236339
10. Grande Prémio Anual: uma
viagem a escolher na Brochura Inatel
Turismo Social até ao montante de
1750 Euros.
A este prémio, a publicar na «TL» de
Setembro de 2012, concorrem todas
as fotos premiadas e publicadas nos
meses em que decorre o concurso.
[c]
11. O júri será composto por dois
responsáveis da revista T. Livre e por
um fotógrafo de reconhecido prestígio.
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Entrevista
José Alberto Sardinha
etnomusicólogo
Fado, o orgulho português
Autor do livro "A origem do Fado", considerado pelo eminente
etnólogo Benjamim Pereira "um marco categórico e da maior
importância no panorama da bibliografia etnomusical
portuguesa", José Alberto Sardinha, advogado de profissão e
etnomusicólogo por paixão, falou à "TL" da longa e aturada
investigação que lhe permitiu concluir que o fado, ao contrário da
tese corrente nos meios académicos, não tem origem afrobrasileira, mas é, antes, um género popular bem português que a
UNESCO agora consagrou como Património da Humanidade.
O seu livro "A origem do Fado" contraria, em
absoluto, uma tese, até agora dominante, da
origem afro-brasileira do Fado…
As obras que estudam a origem do Fado são a de
José Ramos Tinhorão, que apresenta uma tese
afro-brasileira, com origem numa dança - o lundum - dos escravos e trazida para Portugal com o
regresso da Corte do Brasil. É uma tese que parte,
desde logo, de um preconceito ideológico muito
marcado que é o da luta de classes. Ou seja, o
Fado era uma dança do povo oprimido, recuperada mais tarde pela burguesia. É o que defende o
autor, num livro de cerca de oitenta páginas,
"Fado, Dança do Brasil, Cantar de Lisboa - O Fim
de um Mito".
E há Rui Vieira Nery com o livro "Para uma
História do Fado"
Vieira Nery dedica ao assunto julgo que duas
dezenas de páginas e que diz mais ou menos isto:
o Fado terá nascido no Brasil, a partir de uma síntese cultural do lundum. Não diz que nasceu do
lundum, porque é um ritmo tão contrário ao pró16
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prio ritmo do Fado. Daí a afirmar que é uma síntese cultural, uma expressão bonita…Daí nasceu
o Fado bailado, uma dança dos mestiços brasileiros que veio com a Corte para Portugal. Não sei
onde descobriu isso. É verdade que as primeiras
notícias do Fado como género musical são brasileiras, mas isso não significa que o Fado tenha
nascido no Brasil. Apenas comprova que, naquela data, existia no Brasil.
Mas com origem em Portugal?
Para mim, ao contrário destes dois autores, viajou', sim, mas de Portugal para o Brasil.
Para Vieira Nery, portanto, veio com a Corte,
não sei como, talvez no porão…e, depois, em
Lisboa, sofreu uma nova síntese cultural que
transformou a dança numa canção. Facto que ele
não explica como porque a dança era de ritmos
eróticos, sensuais, e transformou-se nesta canção
dolente e melancólica, não se percebe como, mas
a síntese cultural parece que explica isso tudo.
Diz isto em vinte páginas, não aprofunda o
assunto. Afirma que é preciso basear as coisas em
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Entrevista
documentos mas toda a teoria dele não se baseia
em qualquer documento.
Como refere no seu livro, a 'descoberta' da
origem portuguesa aconteceu, de certo modo,
por acaso…
É verdade. O Fado não fazia parte da minha pesquisa nem sequer das minhas preocupações. Sou
um investigador da música rural e nas minhas
pesquisas fui gravando alguns fados bailados e
romances tradicionais, canções narrativas que o
povo em certas ocasiões intitula de fados. Em
relação aos fados bailados tinha a ideia de serem
fados vindos de Lisboa, mas integrados na tradição
rural. Gravava, entrevistava. Sucedeu, então o
seguinte: desde sempre as canções narrativas, que
são sucedâneos dos romances, tinham para mim
um certo sabor a fado, uma toada que me lembrava o fado e que me incomodava. E interrogava-me:
mas que raio, venho eu para aqui,
para uma aldeia desconhecida de
Miranda do Douro ou da Beira
O Fado, no seu
Alta, ou do Douro Litoral ou do
estado primitivo era
Alentejo e ouço umas velhotas
uma canção que
cantar à maneira do fado. E pensacontava uma história,
va que era uma forma de cantar
era um poema
influenciada já pelos artistas na
narrativo.
rádio, que cantavam daquela
maneira e elas davam-lhe aquela
toada. Até que um dia, há sempre
um dia, estando na Beira Alta,
onde gravei, durante uma tarde inteira, uma velhota que cantou uns sete ou oito romances, todos
diferentes, com melodias também diferentes,
todas com balanço e sabor a fado, e garantindo que
já a avó e a bisavó cantavam exactamente assim.
Teve aí a primeira sensação de ter feito uma
descoberta?
Ao sair dali, ao fim do dia, tudo aquilo ressoava
na minha cabeça. E lembrava-me de um concerto de jazz de Miles Davis e Dizzy Gillespie em
Cascais, e de no dia seguinte aquela música continuar a ressoar na minha cabeça. Aconteceu o
mesmo com os romances que escutei daquela
velhota, aquele sabor a fado... e, de repente, pensei, se ela me garantisse - como outras que gravei
me garantiam - que tinha aprendido daquela
maneira, da tradição oral… porque é que isto tem
de ser de Lisboa? E porque não, antes, um prolongamento dos romances? Foi uma revolução
completa no meu espírito.
“
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A investigação assumiu, a partir daí, outro
rumo?
Decidi direccioná-la, e fi-lo durante mais de vinte
anos, para a pista dos ceguinhos e para os romances tradicionais de todo o país. E entrevistei grupos de cegos que tinham uma vida absolutamente extraordinária. Por exemplo, um grupo de
Vinhais, que é paradigmático, de dois cegos com
dois ou três não cegos, vinha numa carroça,
puxada por mulas, a partir de Março, para as feiras. Estacionavam também em Lisboa na Feira da
Luz, andavam também na Baixa, nas ruas, iam
até ao Alentejo e, em Outubro, regressavam.
E cantavam o quê?
Eram os fados de faca e alguidar, as histórias de
dramas e tragédias que conheciam ou que os seus
acompanhantes liam no jornal. O cego fazia a
letra, encaixavam nalguma música que já sabiam
ou noutras músicas da tradição oral. E a conclusão a que cheguei foi a de que o Fado, no seu
estado primitivo era uma canção que contava
uma história, era um poema narrativo. Aliás, a
primeira definição histórica de Fado dicionarizada é de 1878, no Dicionário de Moraes, que diz
"Fado - poema do vulgo de carácter narrativo em
que se narra uma história real ou imaginária de
desenlace triste, ou se descrevem males, a vida
penosa de uma certa classe, como no fado do
marujo, da freira, etc. Música popular com um
ritmo e movimento particular, que se toca ordinariamente na guitarra e que tem por letra os
poemas chamados fados ". Ou seja, de início, o
fado era a história só depois é que se tornou uma
música.
A evolução para os diferentes tipos de fado vai
acontecer, entretanto, em Lisboa…
Em Lisboa, claro, havia mais casas de esmoler e
mais público e foi, na verdade, em Lisboa que os
fidalgos descobriram os fados já na fase da taberna, porque os cegos e os músicos de rua cantavam também nas tabernas. Os taberneiros
davam-lhes a sopa e a dormida na carvoaria e
eles cantavam à noite para a clientela. Mas
durante o dia davam as suas voltas, cantavam as
suas histórias e também coisas para bailar e, às
vezes, duelos cantados ou ao desafio.
Essa evolução, da fase popular e espontânea do
Fado para a artística e literária, começa ainda
no século XIX?
Foi quando o Conde Vimioso e outros fidalgos
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descobriram o lado pitoresco do Fado e levaramno para os Salões, onde a Severa também cantou,
levada pelo Vimioso. Aquilo caía mal…Diz
Tinhorão que a burguesia se apropriou de uma
coisa popular, coisa horrível…Eu digo: ainda
bem que a nobreza gostou, porque senão acontecia ao Fado o mesmo que ocorreu com outros
géneros populares. Teria morrido, teria ido para o
caixote do lixo da História. Em suma, a nobreza
reabilitou o Fado e, depois, a classe média, como
a nobreza estava acima e gostava, começou a
imitá-la. Na verdade, se não fosse a nobreza ter
achado graça a classe média nunca teria adoptado algo que vinha do povo. Aí o Fado começou a
abrilhantar os serões familiares e seguiu, mais
tarde, para a revista, assumindo a forma artística.
Isto ainda na segunda metade do século XIX. A
Severa morre em 1846. Ele começou a cantar nos
salões no começo da década de 40 e será a partir
daí que entra em moda.
A sua tese parte, então, do princípio de que a
origem está na província?
Não, eu não digo que nasceu na província e veio
para Lisboa. Nasceu, sim, de um substrato
comum a toda a comunidade nacional, a todo o
país e que, mais tarde, cristalizou de formas diferentes em Lisboa e em Coimbra.
A tese de uma certa influência árabe também
não é aceite por si…mas os árabes estiveram
durante vários séculos entre nós e as suas raízes
permanecem quer na língua quer noutros
aspectos da sociedade portuguesa. E o canto
tradicional árabe é igualmente dolente,
melancólico e conta histórias…
Não podemos dizer que a dolência de uma
canção seja necessariamente árabe. Não é uma
característica exclusiva dos árabes. Foram expulsos de Portugal em meados do século XIII e do
resto da península em finais do século XV. Mas a
música que hoje conhecemos do Fado e, eventualmente do século XIX, através de recolhas da
tradição oral não tem nada sequer a haver com a
música dos séculos XIII, XIV ou XV. A evolução
das formas musicais vai-se adaptando ao gosto
musical de cada época. A forma musical do século XVI é completamente diferente da do século
XIX., quer a nível erudito quer a nível popular. A
nível erudito também há uma tradição que os
compositores herdam de uma geração anterior.
Mas essa tradição não radica também na
adopção e prática pelos povos de uma determinada expressão musical?
A nível popular, dentro da oralidade, o povo,
como entidade colectiva não cria nada. A criação
colectiva é um mito. A criação é necessariamente individual. O criador popular cria em função
de uma herança, de um paradigma musical que
herda e com base no qual compõe. Faz, assim,
evoluir a música popular que vai evoluindo
também ao longo dos tempos conforme os gostos
e as modas. Tal como acontece na música erudita. Beethoven compôs da forma que compôs por
que antes dele houve Mozart e Hayden e, antes
destes, houve Bach e Monteverdi. A tradição erudita também proporciona aos compositores individuais uma herança colectiva dentro da qual
eles compõem e avançam.
Da tradição popular conhecemos o que veio
da Idade Média, eventualmente
com influências árabes, mas
depois temos a Renascença, Há
A nobreza
peças eruditas da Renascença que
reabilitou o Fado e,
necessariamente ditam o gosto
depois, a classe
para a música popular. Veja-se o
média, como a
século XIX: temos as valsas de
nobreza estava acima
Strauss e de outros compositores
e gostava, começou a
eruditos anteriores que mais tarde
imitá-la.
se popularizaram e que maestros
de bandas filarmónicas também
compuseram. Ou seja, a estrutura
da valsa, da polcas, da contradança, da mazurka,
existe a nível erudito, mas, depois, e pelo fenómeno da imitação, os músicos semi-eruditos vão
adoptá-la ao nível popular. O povo capta e vai
transformando com harmónicas, com violas, etc.
Portanto, toda esta mistura, toda esta evolução é
que gera a música popular.
Como explica a diversidade no Fado - corrido,
mouraria, menor, tango, rigoroso, viana, vitória,
coimbra, canção…
O Fado recebeu, ao longo do tempo, os contributos mais variados. Como disse, há pouco, ele
virou moda e passou à Revista e, neste contexto,
a vaga do Fado é total, toda a gente gostava de
Fado. Passou-se o mesmo com a polca na Europa
central. Foi a polcamania, os chapéus e coletes à
polca. Era moda e vendia, como hoje se diria. Os
compositores semi-eruditos do final do século
XIX receberam o fado mas tinham toda a escola
das tunas, das bandas e compunham marchas,
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Entrevista
valsas, polcas, mazurkas e por aí fora, de tal
modo que nos primeiros discos punha-se o título
da canção que dizia fado-marcha, fado-valsa,
fado-polca…e a partir daí o fado recebe inúmeros
contributos.
Depois de escrever o livro sobre as Tunas do
Marão, encontrei o Benjamim Pereira, último
representante da grande escola da Etnologia portuguesa - os outros, Ernesto Veiga de Oliveira,
Jorge Dias e Fernando Galhano, já morreram num restaurante de Vila Verde. Perguntou-me o
que estava agora a fazer e respondi-lhe que andava às voltas com a origem do Fado. "O Fado? 20
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interrogou-se - Então tu, um investigador da
música rural estás agora a perder tempo com o
Fado". Ele tinha, como Lopes Graça uma visão
negativa do Fado. Confessei-lhe que nunca andara à procura das raízes do Fado, mas que elas é
que vieram ter comigo.
Benjamim Pereira declarou-se "fascinado" com
a leitura do seu livro e sublinha no prefácio que
ele "demonstra a fragilidade da base de sustentação" da tese afro-brasileira".
A minha tese é a primeira que diz: não há mistério no assunto. O Fado provém directamente de
um género poético - musical popular que é o
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romanceiro tradicional. Depois, nem a tese de
Ruy Vieira Nery nem qualquer outra consegue
explicar e que considero importantíssimo, que é
a origem da palavra. Porque é que se chamou
Fado a uma dança brasileira? Na minha investigação ouvia pessoas que diziam: fulano canta
fados de feira, fulano canta fados da Bíblia histórias da Bíblia.
Colhi no Dicionário de Bluteau (1827) um
provérbio popular que diz o seguinte: "Põe a mão
no teu seio/ não dirás do fado alheio". Trata-se de
um conceito - ao contrário do fado/destino em
Camões - mais prosaico, de episódios de vida,
desfechos, casos de vida. Um ceguinho de feiras
anunciava o seu produto deste modo: "Escutai
agora o triste fado da Isaurinha que se deixou
enganar …", etc. Depois o povo pedia, Ti Chico
cante aí o fado da Isaurinha. Os primeiros fados
tinham o nome da principal personagem, porque
eram histórias de vida, eram narrativos. Esta é a
origem da palavra.
Gostava já nessa altura do Fado?
Não, não gostava particularmente do Fado. Bebia
também essa influência do Lopes Graça. Na realidade, a minha geração desprezava o Fado. Era
para nós, do ponto de vista estritamente musical,
uma coisa menor. Lopes Graça desprezava a
pobreza musical do Fado.
Ficou, naturalmente, feliz pela decisão da
Unesco de considerar o Fado património da
humanidade…
Claro, é muito importante, sobretudo porque
reconhece internacionalmente um fenómeno
popular. Os fenómenos populares são pouco
reconhecidos quer a nível nacional quer a nível
internacional.
Qual foi a reacção à sua obra, nomeadamente
dos que defendem teses diferentes?
Sabe, em Portugal vive-se das capelinhas. A tese
afro-brasileira tem um grande defensor, o Ruy
Vieira Nery, que tem os seus pergaminhos académicos e, como tal, não gosta de ver as suas ideias
postas em causa. E, naturalmente, reagiu mal.
Para ele, o meu livro é péssimo. O Fado tem recebido, diz ele, os contributos mais variados e notáveis, de historiadores e investigadores, excepto
num caso, o meu. Escreveu isso no "Jornal de
Letras". Claro que o meu era o mau porque punha
em causa a sua tese. A maioria não se pronuncia
sobre a questão das origens, pois não há estudio-
sos que tenham aprofundado a matéria. Não
questionam, e como tal são recebidos pelos
académicos com toda a reverência.
E a reacção por parte do meio, dos fadistas?
Da parte dos fadistas e do meio fadista tenho
recebido os melhores elogios, até entusiásticos. É
curioso analisar isto. Os fadistas não são particularmente estudiosos. A Amália, por exemplo,
teve um grande desgosto quando lhe disseram
que o Fado não vinha do tempo de Afonso
Henriques. Para ela tratava-se de uma canção
nacional. Os fadistas não são estudiosos nem teóricos, mas têm a intuição de quem
conhece a música e o Fado por
dentro. E nunca engoliram essa
Os fadistas não
história afro-brasileira porque
são
teóricos,
mas têm
sentem que não é possível. Aliás,
a intuição de quem
a tese brasileira nunca explica
conhece a música e o
como é que uma dança se transFado por dentro. E
forma num canto dolente, não
nunca engoliram essa
explica nem pode explicar. É
história afroinexplicável. Os fadistas têm aqui
brasileira…
também uma certa dose de nacionalismo por verem que afinal o
Fado é português, é nosso. Eu
digo-lhes que não é por isso, não
Tive a felicidade
é uma questão de nacionalismo,
de ser colaborador da
mas para eles o importante o
saber-se que é português.
Inatel no tempo de
Costuma ir aos Fados?
Tomás Ribas, um
Houve um período nos anos 90
homem do folclore.
em que fui frequentemente, ao
Fizemos colóquios
Bairro Alto, à Bica, a colectividapor todo o país…
des populares. Agora tenho ido
menos, mas espero voltar.
Algum(a) fadista que aprecie
particularmente?
Dos novos, gosto da Ana Moura, da Teresa
Tapadas. Dos veteranos, ainda vivo, aprecio
muito o João Braga, o João Ferreira Rosa…o
Carlos do Carmo tem uma belíssima voz mas
acho que é sobretudo um belíssimo cantor. A
maioria das suas peças não são fados.
Há tempos, pediram-me, do "Expresso" que
escolhesse dez fados. Estive uma tarde inteira às
voltas com a tarefa e escolhi quatro narrativos do
Frutuoso França, do Linhares Barbosa, do
Britinho, outro da Lucília do Carmo, um corrido
menor do Marceneiro, o fado corrido da Maria
Teresa Noronha, um mouraria também do
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Entrevista
Marceneiro e, claro, o "Povo que Lavas no Rio" da
Amália.
Terminou com este livro a sua investigação
sobre a origem do Fado?
Tenho outros projectos em curso. Sairá em breve
um livro sobre as danças populares do Corpus
Christi de Penafiel e continuo a investigar. Tenho
um grande arquivo e tenciono editar outros trabalhos. Gostava,
claro, de investigar mais o Fado,
Pesquisei,
até para sustentar melhor algumas
durante 35 anos, por
fragilidades que este livro necestodo o país, a nossa
sariamente tem. Irei fazê-lo aos
tradição
poucos, consoante a minha vida
musical…
profissional também o permita.
Tem vasta obra publicada no
âmbito da etnologia, não será
fácil conciliar a vida profissional de jurista com
a investigação…
Os meus clientes fazem-me, muitas vezes, essa
pergunta. Publiquei um livro sobre as tradições
musicais da Estremadura que tem mais de 700
páginas. "Como é que o sr. tem tempo para isto
tudo?". A minha advocacia, não sendo centrada
em Lisboa, não deixa de ser mais absorvente que a
de Lisboa. Mas o tempo organiza-se. Tive necessi-
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dade de comprar, durante décadas, muitos livros
em alfarrabistas. Não podia dar-me ao luxo de consultas na Biblioteca Nacional. Constitui uma
biblioteca muito grande e exaustiva de etnografia
portuguesa que tenho em casa. Se não fosse isso, a
alternativa era a Biblioteca Nacional. Depois estabeleci, durante as férias e, em alguns fins-de-semana, expedições musicais a determinadas regiões
do país. Fiz isso ao longo de 35 anos.
E a família?
Cheguei a levar os meus filhos, um de cada vez.
Depois eles cresceram. Pude, assim, conhecer a
tradição musical de todo o país. Tive ainda a felicidade de ser colaborador da Inatel no tempo de
Tomás Ribas, um homem do folclore. Fizemos
colóquios por todo o país com o Pedro Ferré, a
Madalena Farrajota e também o Mesquitela Lima.
Isso deu-me um conjunto de conhecimentos de
terreno, teóricos e de ranchos folclóricos muito
interessantes. E escrevo geralmente à noite,
depois de jantar.
Gosta de Fado, mas não de Futebol…
Gosto, gosto, mas não tenho a Sport TV. Vejo
alguns jogos mais importantes em canal aberto,
mas não tenho o vício…nem posso ter, porque
não teria tempo para outras coisas.
Conheceu Amália?
Não, e tenho pena. Fiz algumas tentativas mas
não foi possível. Mas cito no livro uma entrevista muito interessante que ela deu ao "Independente", feita por Paulo Portas e ao Miguel Esteves
Cardoso. Á pergunta sobre quando começou a
cantar o Fado, ela fala de uma viagem, aos 12
anos, num cacilheiro e diz: "lembro-me do barco.
Cantei um fado que os ceguinhos cantavam (eu
aprendi o fado pelos ceguinhos), cantei aquilo
tudo. No barco toda a gente chorava…".
Amália a corroborar a sua tese
É um testemunho importante…Mesmo Vieira
Nery admite que os ceguinhos cantavam fados,
mas, no seu entender, aprendiam em Lisboa e
levavam-no para a província…Veja bem!
Sabe que a Amália e Zeca Afonso encontraramse uma única vez, em 1984, num convívio do
Clube de Jornalistas, e Zeca teve palavras de
muita admiração pela arte de Amália…
É natural. E, repare, ele começou a cantar o Fado
quando estava na universidade e cantava belissimamente fado de Coimbra. n
Eugénio Alves (texto) José Frade (fotos)
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Diáspora
Portugueses em Marrocos
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Uma comuni
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Marrocos nunca foi um destino convencional da emigração
portuguesa. Mas há, actualmente, muitos quadros portugueses a
trabalhar na região, ainda que com "um pé cá e outro lá", a par
de gente que investiu a longo prazo e está no país vizinho de
pedra e cal.
nidade volátil
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Diáspora
Vista do novo
aeroporto de
Marraquexe. Na
página da direita, de
cima para baixo,
embaixador João
Rosa Lã, Carlos Silva
e Fernando Monteiro
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O
liveira Martins referiu-se, a propósito das aventuras lusitanas no
norte de África, nos séculos XV e
XVI, ao carácter instável da presença portuguesa naquelas terras:
"Ficávamos nas praças de Marrocos como a bordo
das nossas naus; porém, as naus iam, vinham livremente pelos mares (...), ao passo que as praças
de África eram pontões imóveis, ancorados, constantemente batidos pelas vagas da mourama tempestuosa...". Os tempos e os contextos que enquadram o regresso dos portugueses a esta África próxima, cinco séculos depois, são diferentes e descrevem-se com as mesmas pinceladas com que
são descritas as mudanças globais nas últimas
décadas. Globalização económica, deslocalização
de empresas multinacionais, maior circulação de
capitais de investimento, maior mobilidade de
pessoas e tecnologias, eis as condições contemporâneas que contextualizam a presença de
empresas e quadros portugueses em Marrocos.
O contexto é, também, o de uma crise que estimula os portugueses a partir. Marrocos mantémse, por ora, a salvo das actuais turbulências,
graças em certa medida aos investimentos públicos em curso, que têm contribuído para dinamizar a economia. Muitos são os projectos desse
tipo em que se envolvem empresas lusitanas ou
multinacionais deslocalizadas de Portugal para
Marrocos, o que levou à constituição de uma
pequena comunidade de portugueses. Ao contrário do que acontecia nos tempos evocados pelo
historiador, é uma comunidade razoavelmente
enraizada, capaz de construir laços e pontes
interculturais. Mesmo se a proximidade e as
actuais vias de comunicação permitem deslocações frequentes a Portugal.
Um pé cá e outro lá
Marrocos nunca foi um destino habitual da emigração portuguesa. A actual presença lusitana é
protagonizada fundamentalmente por quadros
superiores, ao serviço de empresas portuguesas
ou de multinacionais deslocalizadas para o país
vizinho, onde os salários e custos de produção
são mais baixos. Há, também, alguns empresários, estabelecidos sobretudo em Rabat e
Casablanca.
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O embaixador de Portugal em Marrocos, João
Rosa Lã, sintetizando os factores de atracção dos
investimentos portugueses, salienta que "com a
abertura económica e a modernização começada
no reinado de Moahamed VI surgiram mais oportunidades de negócios e o país constituiu-se num
grande estaleiro de obras". Foi nestas circunstâncias que avançaram para Marrocos muitas empresas lusitanas (cerca de centena e meia), "que intervieram em vários sectores, da construção civil aos
têxteis, da indústria de componentes para automóveis às telecomunicações, fundando a segunda
rede de comunicações móveis, e realizando muitas
obras públicas". Exemplos da presença portuguesa
nesse domínio: a construção de um grande túnel e
de um sector da auto-estrada Casablanca-Agadir,
de barragens, de um troço de linha de caminho de
ferro no norte, a electrificação de vias-férreas, trechos da auto-estrada Fez-Oujda. "Em toda a parte
há grandes obras feitas por portugueses", nota o
embaixador, que crê que o ritmo deve abrandar. "A
euforia da construção está a acabar e há empresas
portuguesas estão a descobrir outros sectores",
acrescenta. Mas há, ainda, grandes obras em curso
ou a iniciar-se em breve. É o caso da construção da
linha de TGV, para a qual empresas portuguesas
ganharam alguns concursos.
A criação da zona franca de Tânger atraiu
empresas lusitanas, além de multinacionais. Foi
neste quadro que "na última década, a presença
portuguesa começou a caracterizar-se por
homens de negócios, quadros de empresas e trabalhadores", contrastando com o panorama nos
anos 60 do século passado, quando a comunidade portuguesa era constituída sobretudo por exilados políticos e pescadores. "Os primeiros
regressaram a Portugal, mas da comunidade de
pescadores restam ainda algumas pessoas, gente
modesta na maior parte". Actualmente, a comunidade portuguesa "é muito volátil" e, frequentemente, a perspectiva destes quadros, num contexto de maior mobilidade, é a de não se verem
como emigrantes. "Não se inscrevem no
Consulado e não se consideram emigrantes".
Serão à volta de 1500, segundo o embaixador, e
uma parte desloca-se frequentemente a Portugal,
para manterem contacto com a família. Se há
casos de portugueses estabelecidos em Marrocos
há muitos anos, as actuais experiências de expatriados portugueses no país vizinho são mais
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Diáspora
Metro de Rabat e, à
direita, estação
ferroviária
de El-Jadida
caracterizadas por uma situação do género "um
pé lá e outro cá".
Portugal mora ao lado
Um caso típico da presença portuguesa em
Marrocos é a de Fernando Monteiro, engenheiro
dos quadros de uma multinacional que deslocalizou uma fábrica para Marrocos e lá foi abrindo,
entretanto, outras. Está a trabalhar no país há
cerca de oito anos, entre Kenitra e Tânger, onde
estão localizadas as unidades fabris Dá apoio na
formação técnica para novos projectos de produção, entre outras actividades.
A experiência de trabalho no Maghreb cedo
mudou a perspectiva que tinha do país: "A primeira vez que vim a Marrocos disse que não regressaria. Um ano depois convidaram-me para vir trabalhar cá e não estou arrependido". O ambiente social
e cultural causou alguma estranheza inicial, mas
foram nuvens de pouca dura. "Sinto-me bem,
tenho muito bons relacionamentos com as pessoas
daqui". A desempenhar funções semelhantes,
Fernando Monteiro já passou pela Ucrânia,
Roménia, Eslováquia e Tunísia. Mas não hesita na
comparação com essas experiências europeias: "Eu
dou-me melhor aqui". Trabalha actualmente com
uma equipa plurinacional que integra trabalhadores marroquinos, lituanos e romenos.
Fernando Monteiro tem residência em
Marrocos, mas desloca-se, em média, uma vez por
mês a Portugal. Sempre de automóvel, graças à
mobilidade facultada pelas auto-estradas, que
permitem uma ligação "rápida" entre Algeciras e o
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norte de Portugal, a sua região de origem. "Em
todos estes anos só fiz uma viagem de avião". O
desenvolvimento das comunicações atenua claramente o "exílio" e não é a distância que o impede
de se sentir próximo da família: "Todos os dias
ligo para casa e contacto com colegas de Portugal".
Portugal: mais dificuldades
do que compensações
Um dos casos mais exemplares de longa permanência em Marrocos é o do empresário Carlos
Silva, que reside há cerca de dezassete anos em
Rabat. Está à frente de uma empresa de captação
de água que utiliza tecnologias de ponta e tem
como principal cliente o Estado marroquino. É
uma empresa líder de mercado, que emprega
cerca de 70 trabalhadores.
"Marrocos é um país onde há ainda muito por
fazer", diz, recordando ao mesmo tempo que em
Portugal há "excesso de oferta e pouca procura".
O volume de obras públicas em Marrocos representa um factor de atracção de empresas estrangeiras e as condições são actualmente melhores
do que eram antes para o investimento estrangeiro. "Antigamente, havia barreiras que impediam
as empresas estrangeiras de investirem livremente. Hoje há redução de impostos, há menos
barreiras, mas não quer dizer que seja fácil. O
mercado parece estar aberto, mas existem barreiras invisíveis". Se, por um lado, a nível burocrático, as condições são as mesmas das empresas
marroquinas, há outros contratempos, que decorrem de "choques culturais".
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“Vim por dois ou três anos e acabei por ficar…”
O envolvimento de empresas e quadros
anos em Marrocos, em Casablanca.
portugueses em Marrocos teve um
"Vim por dois ou três anos e acabei por
incremento significativo nos últimos
ficar". Quanto à forma como os
anos. Daí a necessidade de fundar a
portugueses vivem a experiência de
Associação de Negócios Portugal-
trabalho no país, fala de uma prática de
Marrocos, em finais de 2007. O objectivo
ligação ininterrupta com Portugal. "Há
genérico da associação é, nas palavras
muitos portugueses que encaram isto
do seu presidente, José Maria Teixeira,
como se fossem do Porto e
"apoiar as empresas portuguesas que
trabalhassem em Lisboa". Di-lo a
estão a apostar no país, as empresas
propósito da integração social e cultural
marroquinas que estão interessadas em
no país de acolhimento e de trabalho, e
investir em Portugal e, também, os
do efeito desse modo de estar: "O tempo
quadros portugueses que estão em
livre que teriam para desenvolver
funções na direcção de multinacionais
relacionamentos fora do trabalho vai
instaladas em Marrocos". Entre as
para a família e para as viagens". A sua
acções levadas a cabo pela associação
atitude foi sempre outra, contrariando
contam-se conferências, uma semana
que o mercado aqui é mais complexo, é
um fechamento cultural e social. "A
gastronómica e a apresentação do filme
preciso perceber como funciona". O país
minha experiência de vida de expatriado
"Fados", de Carlos Saura. "Tentamos dar
exige uma outra abordagem dos
mostra que o expatriado clássico tende
a conhecer Portugal e proporcionar
investidores: "Percebeu-se que é preciso
a ligar-se apenas ao meio dos
contactos profissionais".
ter uma visão de futuro. Houve apostas
expatriados. Mas eu procurei sempre
As informações disponibilizadas pela
mal feitas, para ganhar posições de
ligar-me às pessoas do local, e isto
associação podem ser de grande valor
mercado a curto prazo".
facilita o sentimento de se estar bem no
para os investidores lusitanos: "Durante
José Maria Teixeira esteve até algum
país". Para além das relações de
algum tempo, a internacionalização das
tempo atrás na situação de expatriado
trabalho, esse é um domínio
empresas portuguesas foi mais para os
temporário, como responsável por uma
fundamental de integração: "Todos os
PALOP e para Espanha. Quando se
multinacional na zona do Maghreb. Nas
países são bons a partir do momento
pensou em Marrocos, pensou-se na
mesmas funções passou por
em que temos uma rede de amigos e de
facilidade. Mas começou-se a descobrir
Moçambique e pelo Egipto. Está há treze
contactos sociais". n
Carlos Santos acrescenta que só com determinação é possível ultrapassar esse tipo de
obstáculos, o que nem sempre acontece com
algumas empresas portuguesas, que desistem
ao fim de algum tempo. "A minha empresa tem
sucesso porque não nos acomodamos à maneira mais fácil de fazer as coisas. Por vezes não é
o caminho mais curto, mas é o que leva mais
longe". A prudência e a descrença em vitórias
fáceis acompanham o percurso deste empresário português em terras onde outrora Portugal
teve a sua maior derrota militar: "No meu caso,
a estratégia foi crescer devagar e ir aprendendo;
agora, a estratégia é não crescer mais, para não
acontecer o mesmo que vi acontecer com outras
empresas".
Não obstante as dificuldades, Carlos Silva
afirma-se satisfeito com a vida que tem em Rabat,
"muito mais tranquila do que em Portugal", que
visita ocasionalmente, em negócios ou para rever
a família. É em Marrocos que tem a sua residência, e é aí - e em França - que os filhos fazem os
seus percursos escolares. "Sinto-me bem aqui,
sou feliz em Marrocos, faço o que gosto de fazer.
Há dificuldades aqui, mas tenho compensações.
Em Portugal há outras dificuldades, mas neste
momento não há compensações". n
Humberto Lopes (texto e fotos)
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Aventura
Caça ao tesouro
do Geocaching
Um Indiana Jones dos tempos modernos à procura de pequenos
tesouros escondidos pelo mundo fora.
É
mais ou menos isto que é um geocacher, ou seja, alguém que pratica
a atividade de lazer conhecida por
geocaching, um jogo criado em
Maio de 2000 pelo norte-americano Dave Ulmer e que tem conquistado milhares
de fãs em todo o mundo. Portugal não é exceção.
O geocaching não é nada mais do que um upgra-
de dos jogos de caça ao tesouro da nossa infância,
em que com uma bússola e um mapa partíamos
com os amigos à descoberta de um tesouro que os
nossos pais tinham escondido, normalmente
uma caixa com brinquedos ou doces. A caça ao
tesouro, que parecia em desuso, continua a existir e agora numa versão hi-tech para miúdos e
graúdos.
Descobertas
É com a ajuda de um GPS que se joga ao geocaching. No site da Groundspeak - www.geocaching.com - onde qualquer pessoa se pode registar, estão registadas mais de um milhão e quinhentas mil caches e em Portugal existem mais
de oito mil. No mundo inteiro existem cinco
milhões de geocachers, doze mil só no nosso
país. O site fornece uma lista de caches, que basicamente são caixinhas ou tupperwares, com as
respetivas coordenadas para introduzir no GPS e
tentar a sua sorte à procura desse pequeno tesouro. O que encontra lá dentro? Um logbook para
efetuar o registo e, se a cache tiver uma boa
dimensão, alguns brindes ou souvenirs para
troca. Ao mesmo tempo que procura esses tesouros, descobrem-se novos monumentos, locais e
um pouco da história. "Nasci e cresci em Lisboa,
mas quando comecei a fazer geocaching, há quatro anos, descobri algumas esplanadas, praças e
pormenores da cidade que nunca tinha visto",
recorda António Valente, de 58 anos, conhecido
no mundo do geocaching por Wolfraider.
Hermínio Veiga, de 51 anos, tem uma opinião
semelhante. Este oficial da Marinha, conhecido
por SawCastro, sempre foi um apaixonado pela
Serra da Arrábida, mas após o geocaching redescobriu os encantos escondidos deste património
natural. "Desde pequeno convivi de perto com
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Aventura
esta Serra, mas nunca como desde que iniciei a
prática do Geocaching a conheci tanto e tão intimamente. Vistas maravilhosas, grutas esquecidas, caminhos quase impenetráveis, rochedos
majestosos, escarpas desafiadoras, praias fantásticas e muito mais", conta à Tempo Livre. Há
tesouros escondidos que põem a resistência física do geocacher à prova, fazendo-os sentir estarem a viver as aventuras do filme "Os Salteadores
da Arca Perdida", como a cache "SaltaDouro", no
Gerês, que exige descidas de rappel, canyoning e
escalada perto de cascatas, num percurso que
pode durar mais de cinco horas. António Valente
passou pela experiência e considera-a a cache
"mais difícil" que já fez.
Arte e engenho
Porém, nem todas as caches obrigam a este
esforço. As citadinas, por exemplo, exigem arte,
engenho e, sobretudo, discrição ao estilo do
"Inspetor Gadget". O importante é evitar chamar
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a atenção dos muggles, as pessoas não praticantes desta atividade. Na zona da Grande Lisboa
existem centenas de caches escondidas, algumas
em locais onde todos os dias passam milhares de
pessoas que nem desconfiam que ali se esconde
um pequeno tesouro, como no Miradouro de São
Pedro de Alcântara, na Praça Luís de Camões ou
no Panteão Nacional. Matthias e Simone Lange,
que usam o nickname Rote Teufel, estiveram
recentemente em Lisboa de férias e durante quatro dias aproveitaram para descobrir 30 caches.
Este casal alemão pensa que foi uma boa forma
de conhecer a capital portuguesa. "Essa é a razão
pela qual fazemos geocaching. Conhecermos
locais novos, mas não da maneira como faria um
turista. Vemos com os mesmos olhos de um nativo e, graças a isso, conseguimos ver muito mais
do que um simples turista".
O casal elege "Passeio à beira Tejo", no Parque
das Nações, a sua cache preferida. Matthias e
Simone revelam à Tempo Livre que já visitaram
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"27 países por causa do geocaching" e que têm
feito imensas amizades. Também António
Valente, que esteve de férias este verão na
Dinamarca, não resistiu a alimentar o "vício" com
um grupo de amigos. "Fizemos 24 horas de geocaching sem parar e descobrimos 255 caches, um
recorde nacional", conta este professor de educação física, que soma 5908 caches, algumas
delas feitas com os seus alunos, valendo-lhe o
quarto lugar do ranking. "É um passatempo, mas
às tantas começamos a trabalhar para os números
e dá gosto ser o primeiro a abrir o logbook e escrever FTF (First to Find)". O geocacher Prodrive é o
líder nacional, com cerca de 7000 caches encontradas. Por outro lado, quem detém mais caches
escondidas, conhecidos como Owners (proprietários), é o Eterlusitano, com 268.
Hermínio Veiga está na oitava posição do ranking e diz que não sofre da "febre" de ser o primeiro a fazer FTF, mas que já cometeu algumas
loucuras nesse sentido, como "sair às duas da
manhã de casa porque foram publicadas duas
caches na Mata da Machada e ir para o meio do
mato de lanterna à procura delas ou acordar às
cinco da manhã para ser o primeiro a chegar a
uma cache publicada na Arrábida na noite anterior". A corrida para ser o primeiro é incentivada
pelo próprio filho, mas o resto da família partilha
o gosto pelo geocaching. SawCastro é muitas
vezes acompanhado pela mulher quando vai à
"caça", mas não é o único que gosta de fazer em
família. Nuno_Ka,
Todas as idades…
Tigre_das_Arábias e Lufi69 são outros exemplos e
partilham a visão que esta é uma atividade para
qualquer idade. Dependendo do grau de exigência,
Luís Semião (Lufi69) gosta de contar com o filho de
10 anos, considerando-o "um excelente compincha
para encontrar tupperwares". O geocaching
também serve de desculpa para ir passar alguns
dias fora. "Já aproveitei as instalações da Inatel do
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Aventura
Glossário
l
Cache - Caixa ou tupperware escondido
l
DNF - Did Not Find. Acrónimo usado quando um geocacher não encon-
tra a cache escondida
l
FTF - First to Find. Acrónimo utilizado pelo geocacher no logbook físico e
virtual de uma cache, para assinalar o facto de ser o primeiro a descobrir
l
Geocoins / Travel Bugs (Trackables) - Items colecionáveis adquiridos no
site www.geocaching.com que se deixam nas caches para troca; o seu
percurso pode ser registado e acompanhado online
l
Ground Zero (GZ) - O ponto onde o nosso GPS indica que chegámos às
coordenadas da cache
l
Logbook - Bloco de papel obrigatório na cache para o geocacher regis-
tar fisicamente a sua visita
l
Muggle - Não geocacher. Baseado na expressão "Muggle" dos filmes de
Harry Potter que designa um não mágico
l
Spoiler - Informação em texto ou fotografia que pode revelar a localiza-
ção exacta de uma cache, "estragando" assim o prazer de a descobrir
l
TFTC - Thanks For The Cache. Acrónimo usado pelos geocachers no log-
book físico e online para agradecerem mais uma cache descoberta com
sucesso
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TempoLivre
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Luso e de Cerveira para passar miniférias, incluindo
no roteiro o geocaching", acrescenta. Já Ricardo
Manuelito (Tigre_das_Arábias) parte à aventura
com a mulher, os três filhos e até "um batedor de
quatro patas" que chama amigavelmente de Geocão.
"O geocaching tem o cuidado de identificar as
caches aconselhadas a crianças e as que não são,
logo podemos planear sempre as nossas viagens a
pensar em todos". Este vigilante, de 32 anos, sente
que as relações familiares se fortalecem com esta atividade, por aliviar o stress dos adultos e retirar os
mais pequenos do mundo "virtual" das consolas.
Nem um bebé recém-nascido está impedido de
fazer geocaching. Nuno Almeida, conhecido por
Nuno Ka, foi pai de Lourenço há cerca de ano e
meio e com apenas três dias de vida o pequeno
KAzito, como "batizou" o pai, já estava a registar a
primeira cache à porta do Hospital São Francisco
Xavier. Na verdade, o geocaching começou ainda
na barriga da mãe, que na véspera do parto andava com o marido à procura de caches. "Estava em
Belas quando senti contrações. No dia seguinte
entrei no hospital e o bebé nasceu", recorda Ana
Almeida, de 32 anos, que até já teve a ideia de
criar o evento GeoBaby para juntar "os muitos geocachers que levam os filhos". Desde então KAzito
já acompanhou os pais em mais de duas mil
caches. "Há quem faça isto pelos números, eu faço
pelo convívio da família. Antes de conhecermos o
geocaching ficávamos em casa a ver filmes, a partir do momento em que começámos a fazer nunca
mais ficámos em casa", diz Nuno Almeida, de 34
anos, que mesmo assim ocupa o 16º lugar na hierarquia nacional com cerca de 4200 caches. Como
resume Hermínio Veiga, há "geocachers desde o
colo da mãe até ao avô com o neto às cavalitas e
todos se divertem". n
HMC (texto) HMC e D.R. (fotos)
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Prazeres
A “Veneza do Norte”
Bruges é considerada uma das cidades mais bonitas da Europa
e desde 2000 que o seu centro histórico é Património Mundial
da Unesco.
C
om inúmeros canais, é alcunhada
de "Veneza do Norte" e atrai todos
os anos milhares de visitantes.
Jóia da coroa da Flandres, é perfeita para descobrir a pé ou de
barco. Tem como uma das principais atracções
turísticas a bonita praça central onde fica o
campanário, Belfry, símbolo da cidade. Foi
construído no século XIII, tem 88 metros de
altura e no seu topo tem um carrilhão com 47
sinos. Vale a pena subir os 366 degraus e desfrutar de uma vista completa sobre a cidade É
nesta praça que desde o ano 958 se realiza
todos os Domingos uma grande feira. Ao redor
da praça, bonitas casinhas alinhadas, de fachadas coloridas, albergam restaurantes e cafés.
Muito perto, na Praça Burg, a Câmara
Municipal e a Igreja do Santo Sangue, são
outros dos ex-libris da cidade. A câmara foi
construída entre 1376 e 1420 e o prédio mais
antigo de Bruges.
Vale a pena visitar
também a Catedral de São
Salvador. A sua torre
mantém-se intacta desde a
Idade Média. Se gosta de
pintura, não perca o
Groeningemuseum, onde
pode apreciar uma magnifica colecção de arte flamenga.
Para os apreciadores de
chocolate, Bruges é também
o destino perfeito. Para além
de ter um Museu do
Chocolate, onde pode ficar a
saber a história desta guloseima e provar algumas das
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TempoLivre
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suas variedades, tem ainda diversas lojas com
chocolates de todas as cores e feitios A
Chocolate Line é considerada das melhores.
Capital da Cerveja
"Terra de cerveja e chocolate, de canais e charretes, Bruges é o sítio ideal para fazer um périplo
pela história da cerveja. Se tiver tempo e vontade há mais de quatro centenas para provar."
País da cerveja, por excelência, na Bélgica
existem mais de 450 variedades desta bebida.
Só em Bruges, pequena cidade medieval alcunhada de "Veneza do Norte", há mais de 80 cervejarias. Umas intimistas, outras mais barulhentas, umas modernaças, outras do mais tradicional possível. Mas (quase) todas com uma
mística especial. Algumas apresentam listas
com 400 rótulos disponíveis. Das pretas à loiras, às assim-assim, atenção à graduação, várias
cervejas belgas chegam aos 11 graus. Nada que
atrapalhe os belgas que dizem ter como lema: "
beber uma cerveja quando a equipa ganha e
também quando a equipa perde".
Seja lá o lema ou a equipa que for, o que não
se deve perder é uma visita às cervejarias de
Bruges. Entre 80, seguem-se as cinco melhores.
2Be
É uma três em um: esplanada, bar e loja. Fica
mesmo à beira do canal e tem uma vista fabulosa,
cenário ideal para meia dúzia de fotos. Logo à
entrada, um grande painel expõe centenas de
garrafas e copos de várias marcas de cerveja. À
direita fica a entrada da loja, onde é possível comprar não só bebidas como também produtos belga
gourmet, de bolachas a compotas, pickles ou chocolates. Ao fundo o bar dá acesso directo à esplanada. Há cerveja de garrafa, mas também de
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Prazeres
Vlissinghe
GUIA
histórico da cidade, à beira do canal e tem apenas 16 quartos, cada um
Datada de 1515, reza a história que esta é a cervejaria mais antiga de Bruges. Ideal para os dias
quentes, tem um agradável jardim nas traseiras,
onde é possível relaxar ao sabor de uma
Poeperings Hommelbier, considerada uma das
melhores entre as novas cervejas que surgiram
nos últimos anos. Se a visita for de Inverno, na
sala interior vale a pena admirar outro dos exlibris locais: a maior e também mais antiga
lareira de Bruges. Se tiver fome, não deixe de
provar as panquecas com gelado.
decorado à sua maneira. É considerado um dos hotéis mais
Encerra às Segundas e Terças. Ao Domingo está
românticos da Europa. Nas zonas comuns bem como em alguns dos
aberto das 10h00 às 19h00 e nos restantes dias das
quartos estão expostas valiosas obras de arte.
11h00 até sair o último cliente. Blekersstraat, nº 2
COMO IR
A TAP voa três vezes por dia de Lisboa para Bruxelas. Tarifas à volta dos
100 euros por pessoa, já com taxas incluídas.
No próprio aeroporto de Bruxelas pode apanhar o comboio para
Bruges. A viagem dura cerca de uma hora e o bilhete custa 15 euros
por pessoa.
DORMIR
No Boutique Hotel Relais Bourgondisch Cruyce. Fica mesmo no centro
Quarto duplo a partir de 210 euros.
COMER
Breydel De Coninck, considerado o melhor restaurante da cidade para
comer a especialidade local, as Moules frites - mexilhões
acompanhados de batatas fritas. Peça as à Provençal, em molho de
vinho branco com pimento e cebola. Para sobremesa o gelado caseiro
de caramelo é a cereja no topo do bolo. Preço médio por pessoa: 35
euros.
pressão, esta última servida em copos originais,
em formato de cone. Para pousá-los é preciso
recorrer a uma tábua de madeira com uns buracos.
Aberto todos os dias das 11h00 às 19h00.
Wollestraat, nº 53
Halve Maan
Mais do que uma cervejaria, a Halve Maan é
hoje em dia a única fábrica de cerveja que se
mantém na cidade de Bruges. Em 1918 havia
mais de 30 em actividade, mas aos poucos
todas foram mudando para os subúrbios. Hoje,
a Halve Maan é o sítio ideal para ficar a saber
mais sobre a história desta bebida. Todos os
dias, entre as 11h00 e as 15h00, há visitas guiadas de 45 minutos de duração, com direito a
prova. Brugse Zot Blond é a cerveja mais recente da casa e para acompanhá-la há um menu
composto de vários pratos cozinhados, também
eles, à base de cerveja. O jardim é outro dos
bons "spots" para aproveitar uma tarde de sol.
Aberto todos os dias das 10h00 às 18h00.
Walplein, nº 26
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Brugs Beertje
Com uma lista de 250 cervejas e um ambiente
muito especial, esta pequena cervejaria, de
mesas de madeira e paredes forradas a anúncios antigos, é já um ícone da cidade. Mistura
gente local com turistas e tanto avós como pais
ou filhos. A média luz e a música em volume
baixo compõem o ambiente, mais intimista do
que boémio.
Na Bruges Beertje aproveite para experimentar uma das cervejas da cervejeira Regenboog,
uma jóia local muito difícil de encontrar. A
maioria da produção é exportada, principalmente para os Estados Unidos. Acompanhe
com um prato de queijos e enchidos da região.
É servido com pão e salada.
Encerra à Quarta-feira. Nos restantes está aberto
das 16h00 à 1h00. Kemelstraat, nº 5
Cambrinus
Entre todas as cervejarias existentes em Bruges,
esta é a que tem a maior variedade de cervejas,
cerca de 400 no total. Entre muitas especiais,
destaca-se a La Rulles Estivale, considerada
uma das melhores cervejas da província do
Luxemburgo.
Para acompanhar peça a entrada especial da
casa - saladinha de camarão, melão com presunto, bacon com pinhões e arenque de marinada.
Está aberto todos os dias a partir das 11h00. Não
tem hora de fecho. Philipstockstraat, nº 19
Catarina Serra Lopes (texto e fotos)
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Himalaias
Na rota dos jesuítas
portugueses
TERRA DE MOSTEIROS, alta montanha, lagos e
rotas de peregrinação lendárias, o Tibete continua
a ser uma das mais belas regiões do planeta.
O Tibete era desconhecido no Ocidente até ao
início do século XVII, quando jesuítas portugueses
instalados em Goa, entusiasmados pelos rumores
de que ali existiriam comunidades cristãs, abrem
caminho a uma série de aventureiros, que apenas
três séculos depois ousam partir em busca das
riquezas dessa nação.
Em 1624, após uma dura travessia dos "desertos
de neve" que separam a Índia do Tibete, o padre
António de Andrade, acompanhado pelo leigo
Manuel Marques, chega a Tsaparang, a capital do
reino tibetano de Guge, na actual região de Ngari.
Eles são os primeiros ocidentais a visitar o Tecto do
Portfólio
Mundo, na altura associado ao mítico reino do
Cataio. Em 1626, os padres Estêvão Cacela e João
Cabral partem de Bengala, rumo ao planalto tibetano. Também eles esperam encontrar o Cataio,
identificado desta vez com o Shambala dos relatos
dos lamas. Eles são os primeiros europeus a chegar
ao Butão, ao Sikkim, ao Nepal e ao Tibete Central.
Em 1631, o padre Francisco de Azevedo visita
Tsaparang, utilizando no regresso um trajecto diferente que o conduz a Leh, capital do reino tibetano
do Ladakh. Azevedo é o primeiro europeu a
percorrer essas paragens, actual território da União
Indiana. Outros jesuítas se seguiriam. Gonçalo de
Sousa, Francisco Godinho, João de Oliveira, Alano
dos Anjos, António Pereira, Manuel Dias, António
da Fonseca, Nuno Quaresma e Ambrósio Correia.
Se para o viajante atento, uma visita ao Tibete é
uma experiência única, para um português pode
ser mais especial ainda. O Tibete é um dos últimos
destinos dos Descobrimentos, apesar de obras
como 'Os Lusíadas' valorizarem uma nação de
marinheiros ligada ao mar e ignorar os que se aventuravam pelo interior dos continentes, como foi o
caso destes jesuítas que desafiaram os Himalaias. n
Joaquim Magalhães de Castro (texto e fotos)
Portfólio
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Portfólio
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“
Em 1624, após uma
dura travessia dos
"desertos de neve" que
separam a Índia do Tibete,
o padre António de
Andrade, chega a
Tsaparang
”
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Paixões
O que é que Adriana tem
Em 2009 pôs muita gente a trautear "Cara ou coroa", tema que passou muito bem nas rádios
e acabou por ser o empurrão que necessitava para começar a trilhar uma carreira a solo.
Depois dos festivais de Verão, de pisar palcos de norte a sul, aí está Adriana a apresentar "O
que tinha de ser", o mais recente trabalho.
H
á dez anos trocou Lisboa por Boston com o
sonho de se tornar musicoterapeuta. Uma
aventura que começou com uma audição
internacional em Paris e através da qual ganhou uma bolsa de estudo para a Berklee
College of Music, aquela que é considerada a maior faculdade independente de música do mundo.
Ainda completou o primeiro ano de estudos em
Musicoterapia, mas o ambiente hospitalar, o ver crianças e
adultos doentes, "foi muito duro " e fê-la mudar de um curso
mais medicinal para outro mais musical onde, revela,
"aprendi um pouco de tudo: produção, escrita de canções,
harmonia e tantas outras áreas da música; mas também teve
outras áreas, como a história da arte, o que foi muito bom e
muito completo para mim".
Mas o curso de Berklee havia de lhe proporcionar vantagens que dificilmente encontraria na Europa: "Boston tem a
maior concentração de universidades, desde Harvard ao
MIT, passando pela Universidade de Berklee; é um ambiente único a nível de vivência e de convivência com pessoas
de outras nacionalidades". E a música começou a fazer mais
sentido.
E a Adriana que aos 18 anos deixou Lisboa com o curso
superior de flauta transversal debaixo do braço começava
agora, suavemente, a construir a carreira musical.
Terminados os estudos, fez uma panóplia de trabalhos na
área da música: em bares, em concertos, em estúdios, em
orquestras, todo o tipo de situações, como instrumentista e
a cantar e isso, afirma, "Deu-me muita bagagem para o que
sou hoje como artista e como músico".
E o primeiro álbum intitulado "Adriana" (2009) surge de
músicas que foi escrevendo nos intervalos dessas diferentes
experiências. É gravado ainda nos Estados Unidos, pela
Universal, mas Adriana, por essa altura, volta a preferir
viver deste lado do Atlântico, onde actualmente se encontra
- mas viaja com alguma regularidade ao país que a acolheu
durante sete anos.
O tema "Cara ou coroa" passa nas rádios e fica no ouvi46
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do. Daí vai um passo até ao fim do anonimato. Começa a
subir aos palcos. A cantar e a tocar flauta transversal - o instrumento que já um dia disse ser a sua segunda voz. Mas
também sabe tocar piano e viola.
Música talismã, "Cara ou coroa" havia ainda de ser
nomeada nesse ano para os Globos de Ouro como melhor
canção. Do primeiro trabalho saem temas para a banda
sonora da novela "Meu Amor", vencedora de um Emmy, o
que lhe permite alargar a audiência.
Sobe a parada e para o agora editado "O que tinha de
ser" a cantora e compositora trabalhou afincadamente.
"Foquei-me e todos os dias de manhã acordava e ficava ali
horas na escrita, como se fosse um emprego, foi tudo
muito pensado".
Os críticos têm dificuldade em catalogar a música de
Adriana. Há ali uma mistura feliz de jazz, bossa nova, uns
laivos de música pop. Com ela cai por terra o argumento de
muitos músicos de que é difícil cantar na língua lusa. Dos
onze temas que compõem este segundo trabalho, apenas
num deles cedeu a escrevê-lo em inglês: "Vivi muitos anos
nos EUA mas pensava sempre em português e é muito mais
confortável falar na língua portuguesa; é mais fácil escrever
em inglês mas quando se consegue uma boa canção em português - o que um dia irei conseguir (risos) - acho que sabe
bem".
Nos seus temas, não em todos, perpassa uma subtil crítica social - basta ir além do refrão de "Cara ou coroa". "Estou
muito grata pelo que tenho, mas não deixo de observar e
querer saber o que se passa à minha volta; como músico é
importante o entretenimento, mas também o relacionar a
arte à vida, e representar a nossa geração".
"Agora queres…?"
Em modo de balanço do que já foi feito, Adriana está grata
ao sucesso obtido mas confessa que "foi tudo feito com
muita calma; porque tenho a noção de que o meu público
não é o das grandes massas, é uma coisa que tem de ser
construída, o que também de certa forma é o caminho das
pedras, mais sólido, mais seguro".
E o caminho deste sucesso "é uma construção, é raro ser
de um dia para o outro". E continua: "Implica persistência,
impaciência e trabalho, muito trabalho; a pessoa pode ter
talento, mas se não fizer nada é pouco provável que as coisas andem para a frente"
Tem como objectivo último cada vez fazer melhor música e fazê-la chegar o mais longe possível. E a internacionalização é o próximo passo. Sem querer especificar, afirma
que gostaria de começar pela Europa. "Há interesse de algumas pessoas lá fora mas ainda não estão marcadas datas de
concertos, tudo tem o seu timming e é algo que tem de ser
bem feito". Ou não fosse ela uma assumida perfeccionista.
"Intensa e um pouco impaciente, simpática apesar de tudo",
afirma por entre risos.
Na juventude estudou música clássica, ouvia música
pop-rock pela rádio. Mas, apesar de ser filha de um dos
maiores divulgadores e críticos de jazz, José Duarte, este
género musical só o veio a aprofundar quando chegou a
Berklee. Depois de terminado o curso, nos espectáculos
cantava covers e era sempre jazz e bossa nova, o que lhe
deu um grande conhecimento nessas áreas. "Agora nestes
últimos anos é que estou a aprofundar mais o estudo do
jazz e quando peço discos ao meu pai ele diz: Agora queres?" (risos). n
Manuela Garcia (texto), José Frade (fotos)
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Memória
Maria Clara
A “linda costureirinha”
Não era costureirinha mas cantou as costureirinhas com a sua
voz doce e bem timbrada.
E
ra o tempo da opereta "A Costureirinha da Sé" (8 de Janeiro de
1943) que foi um êxito enorme e
tinha no elenco, além de Maria
Clara, o António Silva, Costinha,
Josefina Silva e António Vilar, que também se
estreou na mesma opereta. Atentos os produtores
da Valentim de Carvalho convidaram Maria Clara
para gravar a cantiga. E, claro, o disco foi um
êxito.
Rainha da Rádio
Em 1960, Maria Clara foi eleita Rainha da Rádio
pelos leitores da revista Flama mas já antes, em
1946, tinha ganho o primeiro prémio do
Concurso de Cantadeiras da Emissora Nacional.
Nascida em Lisboa no dia 5 de Outubro de 1923,
foi no Grupo Dramático da Escola dos
Combatentes que Maria Clara começou a interessar-se pela vida artística. Aos vinte anos, um
empresário de visão decidiu lançá-la como primeira figura na opereta "A Costureirinha da Sé".
Estreia no Porto com grande êxito e igual alvoroço
em Lisboa, no Parque Mayer. Nessa altura, a crítica do Diário de Notícias, Manuela de Azevedo
escreveu: "A Costureirinha da Sé" é uma opereta
muito bairrista dos portuenses e tem linda música. E muito especialmente tem a protagonizá-la
Maria Clara, que o público, sempre fiel à juventude e a uns olhos bonitos, aplaudiu de pé."
Uma pose da artista
no auge da sua
popularidade
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E o Porto aqui tão perto…
Lisboeta assumida, nascida na Travessa das
Almas a Campo de Ourique, como é que Maria
Clara troca Lisboa pelo Porto? Ora por amor, naturalmente… Cantava ela na "Costureirinha da Sé"
quando um jovem universitário se apaixonou por
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aqueles olhos bonitos e nunca mais arredou pé
da "linda costureirinha". Demorou tempo até que
Maria Clara aceitasse o namoro daquele que viria
a ser o seu marido, Júlio Machado de Sousa Vaz,
neto do ex-presidente da República, Bernardino
Machado. A cantora e actriz casou, nesse ano de
1943, e passou a viver no Porto vindo de vez em
quando a Lisboa para participar em espectáculos,
no teatro de revista, em programas de Rádio.
Maria Clara, que na realidade se chamava Maria
da Conceição Ferreira, juntou ao seu nome os
apelidos Machado Vaz.
Menino sensível e terno
Seis anos depois do casamento, Maria Clara foi
mãe de, como alguém disse, "um menino sensível
e terno" que herdou o nome do pai, Júlio. Esse
menino, nascido a 16 de Outubro de 1949, é o
nosso conhecido psiquiatra e sexólogo Júlio
Machado Vaz, que, em entrevistas várias, confessou que, em pequeno, ia muitas vezes com a mãe
para os espectáculos e a escutava deliciado.
Considerada a força motriz da
família, Maria Clara tinha apenas
a quarta classe mas decidiu inscrever-se num instituto para
aprender línguas, e o filho Júlio
habituou-se a vê-la a coser e a
ouvir a "Emissora Dois" tardes
inteiras. O marido, professor
catedrático, gostava muito de a
ouvir cantar e ficava orgulhoso
quando o público a aplaudia delirantemente. Pelo que contou o
filho, a mãe cultivava fortemente
a sua privacidade mas não se
encolhia quando era a hora de
cantar e os aplausos choviam de
todos os lados. Ainda é o filho que fala de Maria
Clara quando, depois dos programas de TV, ela o
avisava: "Cuidado, eu sei como são as coisas…"
ou quando lhe telefonava para criticar uma frase
menos correcta.
A cantora benfiquista
Já vimos que Maria Clara era alfacinha de gema,
nada e criada na zona de Campo de Ourique,
com passagem por uma das Sociedades
Dramáticas mais emblemáticas de Lisboa, (Os
Combatentes). E era também benfiquista assumida, benfiquismo que contagiou o pequeno Júlio e
o tornou fanático do chamado
Glorioso.
Na vida de Maria Clara há
um episódio que merece ser
contado: quando decidiu concorrer à Emissora Nacional de
nada lhe serviram os elogios de
toda a Imprensa (voz clara, cristalina, bem timbrada) porque a
estação nem sequer a admitiu.
O marido, homem de esquerda,
que pertencia à oposição, teria
sido, diziam, o obstáculo…
Mas Maria Clara não se
importou muito com o facto
porque, dizia, o que lhe interessava era ter ouvido da boca de Alfredo Marceneiro o maior elogio:
"a menina canta muito bem, canta mesmo muito
bem." E o que o Ti Alfredo dizia era sagrado.
Falei atrás da cantiga que mais a celebrizou, "A
Costureirinha da Sé", mas também não havia
outra que cantasse tão bem "Figueira da Foz",
"Marcha do Centenário" ou "Zé aperta o laço".
Maria Clara morreu há dois anos (1 de
Setembro de 2009). Tinha 85 anos e deixou saudades. n
Maria João Duarte
Capa de um dos
discos que a artista
gravou para a
“Alvorada”.
Ao lado, Maria Clara
fotografada pelo
fotógrafo dos artistas,
Silva Nogueira
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Justiça e Sociedade
António Bernardo Colaço
Por uma segurança sustentável
Segurança que se pede; insegurança
que se sente; segurança que se
promete; insegurança que vitima.
Até onde irá isto parar numa altura
de crise e instabilidade social?
N
otícias do tipo, "agrediu o avô";
"explode caixa ATM e rouba"; " negoceia ouro roubado"; "casal burla idosos no monte"; "incendiário em flagrante"; "fez justiça por suas mãos"; "esfaqueada
em rixa no café", "pai viola filha", "político condenado por corrupção", "furtada por esticão e
arrastada"; "a maior apreensão de droga", cobrem
os jornais e a TV. E aí está o quadro - modelo de
factos geradores de insegurança.
Apesar de promessas, as autoridades responsáveis não alcançam melhorar os modelos de
segurança do cidadão. Esta ineficácia tem no
entanto servido ao vulgo para advogar soluções
como, a justiça privada ou confiar a segurança
interna aos militares ou ainda a reposição de
pena de morte, sem se medirem as consequências nefastas que daqui podem decorrer. Não se
acredita nem na justiça nem na polícia.
A segurança não tem nem pode ter um alcance absoluto. Tê-lo-ia sim, se o homem tivesse um
completo domínio sobre as forças da natureza e
sobre as acções do homem malfeitor. Daí, a gestação do sentimento de insegurança com níveis
variáveis consoante a fonte donde dimanam. São
os vulcões; o arsenal de armas nucleares dos
diversos países; o ódio religioso e fundamentalismo; a guerra; a fome e a pobreza; o despedimento descontrolado e trabalhadores com salário em
atraso.
É a crise com o ror das medidas restritivas do
OE/2012, que ninguém sabe até quando ou até
onde. Há finalmente, a criminalidade, violadora
directa dos valores sociais, valores do Estado e
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que o Código Penal prevê. E é esta última a mais
preocupante por afectar no imediato o nosso quotidiano, a tranquilidade na casa e na rua e uma
vivência social calma.
É o caso da insegurança objectiva quando a
pessoa é vítima directa do facto e nada há a fazer.
O problema fulcral é todavia o lado subjectivo
que o sentimento de insegurança comporta, o
"estado de espírito" constante, relativo à criminalidade, que nos vai corroendo intimamente, algo
potenciado pelos órgãos noticiosos e a forma
como o fazem; daí surgindo a expectativa - quando serei a próxima vítima?
Esta indagação ocorre, não quanto aos factos
criminosos em si, mas fundamentalmente quando se sente o alheamento, a ineficácia e a improdutividade das instituições responsáveis - o
Estado, o legislador, a justiça e a polícia - em assegurar o mínimo sustentável de segurança para
gerar a medida de confiança necessária em como
a tranquilidade está salvaguardada.
Ficam aqui alguns correctores para que o
cidadão entenda melhor a sua protecção em
sociedade:
- se "o polícia prende e o juiz solta" é porque o
juiz de instrução não dispõe de uma lei que permita a prisão preventiva ou internamento em
estabelecimento educacional adequado (tratando-se de menor). Ora, cabe ao Governo ou
Parlamento alterar a lei processual penal que permitam a não - soltura;
- imediata implementação do modelo correcto
de policiamento de proximidade, como medida
institucional de defesa social preventiva, por Lei
da Assembleia da República, prevendo a efectiva
participação dos organismos representativos da
sociedade civil com a participação da estrutura
policial.
- executoriedade às resoluções dos Conselhos
Municipais de Segurança.
- implementação de policiamento de giro ou
presencial também nocturno e abertura de postos
de atendimento permanentes.
Voltaremos ao assunto.n
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Olho Vivo
O homem não pensa só em sexo
A velha Soja
Os homens pensam mais em sexo do que as
mulheres, mas um novo estudo sugere que também
pensam mais que a mulher noutras necessidades
biológicas, como a comida e o sono. O estudo da
Universidade do Ohio também desmente o mito de
que o homem pensa em sexo de 7 em 7 segundos:
tais pensamentos ocorrem em média 19 vezes por
dia, contra 10 da mulher. O homem também pensa
18 vezes em comer e 11 vezes em dormir, contra 15
vezes e 9, respectivamente, por parte delas.
O homem domesticou
definitivamente a soja há 3
mil anos, na China, mas
uma equipa de
arqueólogos da
Universidade de Oregon
descobriu provas de que o
alimento foi adoptado
muito antes por outras
culturas. Uma versão da
soja com 9500 anos, já
diferente da espécie
selvagem, foi desenterrada
numa ilha japonesa. Não é
tão grande como a que
comemos actualmente,
mas denota alguma
selecção das sementes.
Mar Ressuscitado
O Mar Morto, além de estar 425 metros abaixo do nível... do mar, tem
uma taxa de sal da ordem dos 34 por cento. A extrema salinidade fez os
cientistas pensar que seria impossível a completa evaporação das suas
águas. Ainda assim, escavações no leito, realizadas nos últimos dez anos
por uma equipa israelita, provam que há 120 mil anos o Mar Morto se
esvaziou completamente. Depois, com o tempo, terá ressuscitado.
Para onde fugir
Chama-se Kepler 22B o novo planeta
descoberto pelo observatório espacial Kepler,
a 600 anos-luz do sistema solar da Terra. É
maior que o nosso, gira em torno de uma
estrela um pouco menor que o Sol,
mas está numa zona de conforto
em órbita que leva os
astrónomos a calcular que
tem condições para
albergar vida. Este não é o
primeiro planeta
considerado habitável há pelo menos mais dois
- mas é o primeiro a ser
apontado pela NASA
como reunindo condições
para a existência de vida. A
viagem é um pouco demorada,
mas se ficarmos sem sítio onde
viver, dá jeito ter sítio para onde fugir.
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Desculpas
criativas
As pessoas mais criativas
têm tendência a esticar os
limites éticos, inventando
justificações mais
plausíveis para os seus
maus comportamentos.
Uma maior criatividade
ajuda os indivíduos a
resolver tarefas difíceis em
vários domínios, mas
também contribui para
encontrar desculpas para
os actos indevidos. Esta
conclusão foi publicada na
revista da Associação de
Psicólogos Americanos e é
fruto de um estudo de
cientistas sociais da
Universidade de Harvard.
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A n t ó n i o C o s t a S a n t o s ( t ex t o s ) A n d r é L e t r i a ( i l u s t r a ç õ e s )
Olhos
invernosos
Primeiro cão viveu na Ásia
Cientistas suecos estudaram o ADN dos cães de todo o mundo e concluíram
que os primeiros lobos domesticados viveram a sul do rio Iang-tsé, no sul da
China ou no sudeste asiático, e não no Médio Oriente, como até agora se
acreditava. Os estudos anteriores que apontavam para a origem do melhor
amigo do homem nas terras da Palestina não incluíam dados do sul da Ásia.
Bastou estudar os genes dos actuais cães chineses para corrigir a história.
Foi você que pediu um mamute?
Cientistas russos e japoneses preparam-se para clonar um mamute lanudo,
espécie extinta há 10 mil anos, a partir das células de um pedaço de animal
encontrado em bom estado de conservação no
permafrost (solo congelado) da Sibéria. O
aquecimento global está a fazer derreter
algumas camadas do solo siberiano e estão a
aparecer ossos de mamute ainda
com medula, de onde são extraídas
células que os cientistas vão
implantar em óvulos de elefantesfêmeas. Dentro de cinco anos, teremos
mamutes, dizem os especialistas. Para quê,
não se sabe.
Spinops sternbergorum
Chama-se Spinops sternbergorum o
novo dinossauro portador de três pares
de cornos no crânio, além de um, à
rinoceronte, no nariz, descoberto por
estudiosos londrinos. Os fósseis de uma
espécie desconhecida até hoje,
aparentada com o triceratops, foram
desenterrados há 90 anos, em Alberta,
Canadá, mas os ossos foram parar aos
armazéns do Museu Nacional de História
Natural britânico e aí ficaram esquecidos quase cem anos. O animal, apesar da
sua feia aparência de grande predador, era herbívoro, coitado.
Uma equipa de
especialistas em beleza
observou os olhos de
cinco mil mulheres nas
diferentes estações do ano
e concluiu que as olheiras
são mais frequentes no
Inverno. A mudança é
uma ilusão de óptica. A
falta de luz solar torna a
pele mais pálida e
enfatiza os papos sob os
olhos. A falta de vitamina
D, gerada pelo sol, e
consequente diminuição
da serotonina, que dá um
ar "saudável" aos rostos,
aumenta a fadiga e faz
descair a pele.
A culpa
é do marido
As "bocas" dos homens
relativamente à
capacidade das mulheres
para conduzirem um
automóvel como deve ser
são as culpadas dos
defeitos de condução de
quem as ouve. Um estudo
das autoridades de
trânsito britânicas revela
que o aumento da
autoconfiança feminina
ao volante faz crescer a
habilidade das mulheres
para guiar, estacionar e
orientar-se na condução
de um carro. Tudo o que
diminua esse
convencimento de que
são capazes contribui
para que façam
disparates.
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A Casa na árvore
Susana Neves
A serpente ao colo
"Ser cabeça de avelã" significa não
ter juízo, estranha afirmação
associada à árvore da sabedoria.
S
e as flores masculinas e femininas da
aveleira ("Corylus Avellana L.") abrissem todas ao mesmo tempo haveria
uma tal produção de avelãs que seria
preciso exportá-las para outros planetas. É que
uma só inflorescência masculina (amentilho)
pode libertar 4 milhões de grãos de pólen! O
desencontro com a discreta floração feminina
(glomérulos) que se lhe pode antecipar no tempo
(espécie protogínica) ou atrasar (protândrica) é
pois mais uma astúcia da natureza para moderar
as ambições expansionistas desta "Betulaceae",
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ou quem sabe, resolver os seus problemas "conjugais".
Existente no planeta desde o Terciário, integrada na alimentação dos povos do Mesolítico
(na Escócia foram encontrados vestígios de
avelãs torradas que datam de cerca de 7720 a.c.),
a aveleira, avelaneira ou avelanzeira ensinou a
quem a quer "produzir" a arte de combinar diferentes espécies acasaláveis. Além disso, conforme nos explicou António Costa, 72 anos, residente no concelho de Santa Comba Dão, em
Viseu (distrito onde se produz a maior quantidade de avelãs do país), no aveleiral, avelal ou avelanal é preciso conhecer as direcções do vento
que há de sacudir os amentilhos pendentes em
"cachos", transportando na rota certa as nuvens
de pólen fertilizante.
Apreciadora de solos húmidos, susceptível ao
ataque de ácaros e "tortulhos" (cogumelos), a aveleira de pomar - podemos observá-la na Casa da
Fonte, em Santa Comba Dão - reclama, em todos
os momentos do seu ciclo de crescimento e produção, o saber e a paciência de quem a trata. Até
na apanha do fruto, a avelaneira despista o apressado e o curioso. "Um curioso não sabe apanhar
avelãs, porque não distingue as duvidosas das de
boa qualidade. E o comprador quer qualidade",
explica António Costa, atribuindo ao processo
moroso da apanha, feita a partir do chão ("a árvore não pode ser varejada") e ao baixo preço do
quilo de avelãs os motivos para que em Portugal
este fruto seco, de sabor agradável e altamente
calórico ("é o mais rico dos frutos oleaginosos",
defende Michel Roussillat, "Le Noisetier", Actes
Sud)) não supere a produção da castanha.
Quanto ao não aproveitamento da acção adstringente e venotónica do óleo das folhas de aveleira os motivos parecem resultar da ignorância dos
seus efeitos terapêuticos.
Debaixo dos nossos pés, as folhas caídas da
aveleira, "estrume biológico", fazem um tapete de
diferentes tons de castanho onde ainda é possível
localizar um amentilho, uma avelã, solta ou
ainda no invólucro foliáceo recortado, onde se
desenvolveu. Em Dezembro, altura da nossa visita a Viseu, as árvores despidas já apresentavam
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Fotos: Susana Neves
os primeiros amentilhos mas a grande eclosão do
pólen só acontece em Março e a apanha faz-se "a
partir da segunda semana de Agosto". "É preciso
lavá-las, porque o rato camponês também lhes
toca, e junto ao tronco é possível muitas vezes
encontrar apenas um monte de cascas", explica
António Costa, cujo ar saudável é uma boa garantia de conhecimento: "Um punhado de avelãs em
jejum ajuda a descarregar os rins, mas não se
pode ultrapassar essa quantidade". E a senhora
Idalécia que nos acompanhou ao Avelal da Casa
da Fonte, recorda a utilização da avelã "no doce
de abóbora e no bolo rei"; mais tarde ficaremos a
saber que a avelã congelada, com casca, dura
mais do que um ano, sem azedar. Mas nenhum
dos nossos simpáticos interlocutores nos fala do
ritual de deitar avelãs sobre a cabeça do noivo
durante a boda (Ucrânia) ou de as espalhar junto
à cama de núpcias promovendo a fertilidade do
casal, um costume frequente em vários países
europeus.
E no entanto, entre nós, cantou-se e dançou-se
a "Bailia" ou "Bailada das Avelaneiras", da autoria
do clérigo e trovador espanhol medieval Aires
Nunes, maravilhosamente interpretada por
Zeca Afonso, onde se associa a floração da
árvore à consumação do desejo amoroso.
Diz a pícara cantiga: "Por Deus, ai amigas,
mentr'al non fazemos,/so aqueste ramo frolido bailemos;/e quen ben parecer, como
nós parecemos,/se amigo amar,/so aqueste
ramo sol que nós bailemos, verrá bailar".
Símbolo do fecundo e erótico entendimento entre homem e mulher, algumas lendas sobre a aveleira, associam-na à reconciliação de forças desavindas ou ameaçadoras, como as serpentes pacificadas por
Mercúrio (o mensageiro dos deuses), ou no caso
da cultura celta identificam-na à sabedoria interior e à inspiração artística.
Entre nós, da aveleira não se tira a pequena
vara bifurcada que em França permitia descobrir
linhas de água subterrâneas, minas, objectos perdidos ou vítimas de assassínio. Com ela não se
faz nem magia branca nem feitiçaria e, talvez por
preconceito contra a fertilidade descuidada, dizse que "ser cabeça de avelã" é sinónimo de não ter
juízo. n
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CONSUMO Que fazer quando nos for proposto um serviço sem emissão
de factura, acenado com um preço mais baixo? Pág. 58 l LIVRO ABERTO
Em destaque "As Grandes Batalhas da História" (Clube do Autor), que
percorre um largo tempo histórico que vai de Kadesh e Maratona aos
nossos dias. Pág. 60 l ARTES O Museu de Arte Antiga apresenta os séculos
áureos da escultura espanhola com a exposição "Cuerpos de Dolor". Pág.
62l MÚSICAS Luís Represas e João Gil celebram 35 anos de carreira com
um album comum. Registo ainda dos novos álbuns dos "Lady
Antebellum" e "The Kooks". Pág. 64 l NO PALCO Atenção às peças em
cena, em Lisboa, no TNDMII e na Barraca e no Teatro da Cerca de São
Bernardo, em Coimbra. Pág. 66 l CINEMA EM CASA "Super 8" e "Planeta
dos Macacos: a Origem", duas sugestões de ficção
para abertura de um ano de real e rigorosa
austeridade. Pág. 68 l GRANDE ECRÃ Em Janeiro, há
um punhado de importantes estreias com um
denominador comum: os comportamentos e
motivações do espírito humano. Pág. 69 l TEMPO INFORMÁTICO
Cuidado: muitas das boxes descodificadoras da TV digital que invadiram
o mercado são de linha branca ou marca desconhecida. Pág. 70 l AO
VOLANTE Quase meio século depois, a Renault faz reviver o mítico
Gordini, lançando três modelos da brilhante série: o Clio, o Twingo e o
Wind. Pág. 71 l SAÚDE A flatulência, em si, não constitui uma doença, mas
diminui a qualidade de vida. Regras a ter em conta. Pág. 72 l PALAVRAS
DA LEI As árvores do nosso quintal podem incomodar os vizinhos…
Uma situação prevista no Código Civil português. Pág. 73
l
BOAVIDA
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Boavida|Consumo
Com ou sem factura?
Quando lhe propuserem a prestação de um serviço sem emissão de factura, acenando-lhe com um
preço mais baixo, recuse. Se aceitar, não só está a pactuar com uma fraude, como a correr riscos que
lhe podem provocar, mais tarde, alguns dissabores. Como no caso que aqui se relata.
Carlos Barbosa de Oliveira
ão sobejamente conhecidos casos de prestadores
de serviços que propõem aos seus clientes dois
preços para prestar determinado serviço. A
diferença reside na emissão da factura.
Muitos consumidores, pensando apenas na possibilidade de poupar os 21% do IVA, aceitam de imediato a
proposta e dispensam a factura. Acontece, porém, que
ao fazê-lo não só estão a contribuir para ludibriar o
Estado (não pagam a sua quota parte do IVA e permitem
ao prestador de serviços fugir ao pagamento do imposto
correspondente ao serviço prestado) como também estão
a ludibriar-se a eles próprios, pois se alguma coisa correr
mal, ficam impossibilitados de accionar a garantia.
O caso que a seguir se descreve (verídico...) é um
bom exemplo. A consumidora foi na "canção de
embalar" e agora vê-se fortemente penalizada.
Em Setembro de 2010, Vera (nome fictício) vendeu a
sua casa e contratou uma empresa de mudanças para
embalar e guardar nos seus armazéns um conjunto de
móveis e utensílios, até ter pronta a casa que entretanto
adquirira. Pelo transporte pagou 800€ e pelo armazenamento acordou pagar uma verba mensal de 200€.
Em Abril de 2011, pronta a nova casa, Vera telefonou
para a empresa, solicitando que lhe entregassem os seus
haveres na nova morada. A empresa fez a entrega na
data aprazada, mas nesse mesmo dia começaram as surpresas: ao montar os móveis, Vera repara no seu mau
estado de conservação (pretos de humidade, madeiras
inchadas de água, o que por exemplo a impediu de montar a cama, pois as peças não encaixavam).
Na manhã do dia seguinte telefona para a empresa a
reclamar, tendo obtido uma resposta que considerou surrealista: " Lamentamos o sucedido, mas não fizemos de
propósito!".
Vera insistiu que tinham de resolver o problema e
indemnizá-la, mas do lado de lá do fio apenas recebeu a
vaga promessa de que iriam tentar solucionar o problema no prazo de três dias. Entretanto, começa a abrir
alguns caixotes e constata que os prejuízos são ainda
maiores. Livros, fotografias, documentos pessoais, etc.,
S
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TempoLivre
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estavam irreconhecíveis, por força da água que entrara
para os caixotes. No quarto, formara-se uma poça de
água entretanto derramada do interior do colchão. Aos
prejuízos materiais - avaliados em mais de cinco mil
euros - juntavam-se agora danos morais irreparáveis,
fruto dos danos causados em alguns bens cujo valor
afectivo não tem preço. Havia ainda algumas peças em
falta, cujo paradeiro a empresa desconhece.
ANDRÉ LETRIA
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Ao fim de três dias, a funcionária da empresa (o gerente recusou-se sempre a falar com a consumidora) apresenta uma solução. Como prova de boa vontade, a empresa manifestava-se disponível para fazer a participação dos
danos à seguradora (embora a lei não exija que estas
empresas tenham seguro!), desde que Vera procedesse ao
pagamento do IVA, retribuindo a empresa com o seu
dever de emitir as facturas. A consumidora não gostou da
proposta e decidiu recorrer aos serviços de um advogado.
Independentemente do desfecho que esta situação
venha a conhecer, vale a pena reter o seguinte:
- A consumidora, lesada pelo mau serviço prestado
pela empresa, foi parcialmente culpada por esta situação
pois, ao aceitar não pagar o IVA, sabia que punha em
risco os seus direitos, em caso de reclamação. Por outro
lado lesou o Estado, ao eximir-se da sua obrigação de
pagar IVA e exigir factura dos serviços prestados, passando assim de vítima a ré;
- O dinheiro que poupou no IVA vai certamente
gastá-lo com o advogado que contratou e, mesmo assim,
sem a certeza de ser ressarcida integralmente dos seus
prejuízos;
- A empresa também subtraiu ao Estado o pagamento
do IRC que era obrigada a efectuar. Mas como as coisas
correram mal, deve ter concluído que mais lhe valia exigir à consumidora o pagamento do IVA, e pagar o IRC,
remetendo a obrigação de indemnizar para a seguradora;
- No meio de todo este imbróglio, pergunta-se: o
incumprimento das obrigações fiscais de ambas as
partes (no caso de tudo ter corrido bem...) beneficia
quem?
Parece-me inequívoco que as empresas são as principais beneficiadas e os prejudicados serão sempre os consumidores que, fruto da fuga ao fisco daquelas entidades, vão ver os impostos agravados pelo Estado, que
precisa de obter receitas.
Para o consumidor pode parecer benéfica a solução
de não pagar IVA mas, se antes de aceitar estas propostas pensasse que haverá sempre outros consumidores
a fazer o mesmo e que as empresas, com esta atitude,
estão a auferir lucros vultosos e indevidos, chegaria rapidamente à conclusão de que irá pagar, por via do
agravamento de impostos sobre os rendimentos do trabalho (ou outros...), quantias ainda mais avultadas do
que aquelas que ufanamente se eximiu a pagar em determinado momento.
Exigir factura é não só um dever cívico, mas também
uma questão de bom senso. Por isso, quando lhe propuserem situações destas, saiba sempre dizer não. E se
num estabelecimento comercial (nos restaurantes a
prática é vulgar) lhe perguntarem "deseja factura?",
aproveite para lhes dar uma reprimenda, dizendo que a
entrega da factura não é algo que dependa da vontade
do consumidor, mas sim uma obrigação de quem presta
um serviço. Logo, não é preciso perguntar! n
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Boavida|Livro Aberto
Da história das batalhas
e dos homens à perenidade
dos temas clássicos
Não é possível compreender a história dos povos sem se compreender o modo como foram afectados,
condicionados ou favorecidos pelas guerras em que estiveram envolvidos.
José Jorge Letria
oje, um país como a Alemanha nem sequer
precisa do horror destrutivo de uma guerra
para impor a sua vontade e os seus interesses
ao resto da Europa, coisa que Hitler e o nazismo quiseram fazer e temporariamente conseguiram
através de invasões, destruições massivas e genocídios.
Hoje, quem comanda as verdadeiras guerras não são os
generais ou o medo do nuclear, mas sim o quartel-general dos mercados e das sinistras agências de "rating", que
já conseguiram transformar o projecto da União
Europeia numa caricatura débil do sonho que esteve na
sua origem.
Até por isso, é importante conhecer a história das
grandes batalhas que moldaram a história da
humanidade. Daí que o destaque de abertura vá para "As
Grandes Batalhas da História" (Clube do Autor), que percorre um largo tempo histórico que vai de Kadesh e
Maratona até à Tempestade no Deserto. Um livro oportuno e muito bem documentado que nos faz encarar esta
evidência: as duas guerras mundiais do século XX tiveram origem na Europa e nada nem ninguém nos garante
que, com distintas configurações militares e sociais, o
pesadelo não possa renascer um dia destes.
H
TENDO A II GUERRA MUNDIAL como pano de fundo, "Vida
e Destino" (D. Quixote), de Vassili Grossman é uma das
grandes narrativas mundiais do século, por alguns comparada, no fôlego, na intensidade dramática e na
pujança narrativa, ao mais do que clássico "Guerra e
Paz", de Leon Toltoi. Estamos em presença de uma obra
fundamental em que se misturam o conhecimento da
natureza e da condição humana com a vivência do horror que sempre caracteriza tempos de excepção e ruptura. Um livro que, falando dos homens e da guerra,
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marca para sempre quem se aventura a lê-lo. E essa é
uma aventura do espírito e do conhecimento humanos
ao seu nível mais profundo.
SOBRE UM OUTRO TEMPO também marcado por guerras e
outros conflitos que moldaram a história do Ocidente, é
o excelente ensaio histórico "1494 – o Papa, os Reis e o
Mercenário"(Casa das Letras), de Stephen R. Brown, que
explica em que condições e com que objectivos foi assinado o Tratado de Tordesilhas, numa época em que
Portugal e Espanha, com os oceanos por diante, repartiam entre si o controlo do mundo conhecido e do prestes
a descobrir, com todos os interesses de ordem política,
material e geoestratégica que se encontravam em jogo
no final do século XV. Um livro fascinante sobre um
tempo há muito ultrapassado na História da Europa e
do mundo.
EM MATÉRIA DE FICÇÃO narrativa recente e de qualidade,
os destaques são vários, começando pelo excelente
"1Q84" (Casa das Letras), do consagrado escritor japonês
Haruki Murakami, autor de culto para muitos leitores
portugueses. Destaque, como sempre, para o novo
romance de Mário de Carvalho "Quando o Diabo Reza"-,
agora com a chancela da Tinta da China, e invariavelmente com o brilho de uma escrita única no panorama
da literatura portuguesa contemporânea, para
"Anatomia dos Mártires"(D. Quixote), o novo romance
de João Tordo, que tem como tema o assassinato de
Catarina Eufémia, figura icónica da resistência à ditadura e sobretudo da história do PCP, e para as reedições de
"Voo Nocturno e Correio do Sul" (Casa das Letras), textos poderosos de Antoine de Saint-Exupéry, juntos num
só volume, enquanto se aguarda a reedição da obraprima "Cidadela", do mesmo autor, de "Os Três
Mosqueteiros" (Publicações Europa-América), de
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Alexandre Dumas, para o romance "Ave de Mau Agoiro"
(D. Quixote), de Camilla Lackberg, e ainda, com a
mesma chancela, para a reedição do clássico de Michel
Tounier "Gaspar, Belchior & Baltasar".
DESTAQUE AINDA para "Os Últimos Dias de Pôncio
Pilatos" (Casa das Letras), narrativa histórica de Paula
de Sousa Lima, e para o lançamento, com a chancela da
Ática, do inédito do sempre surpreendente e inesgotável
Fernando Pessoa, com o título "A Demonstração do
Indemonstrável".
Muitas e diversificadas leituras, mesmo com a crise
em fundo e a incerteza do futuro teimosamente presente. n
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Boavida|Artes
Da Arte Sacra
às últimas vanguardas
Abarcando os séculos áureos da escultura espanhola, a exposição "Cuerpos de Dolor. A imagem do
sagrado na escultura espanhola (1500-1750)" constitui uma importante amostra, a vários títulos, das
importantes colecções do Museu Nacional de Escultura (Valhadolid, Espanha), conhecido como o
"Prado da Escultura".
Rodrigues Vaz
ela primeira vez, Portugal tem o privilégio de
acolher mais de três dezenas de esculturas de
grandes mestres espanhóis - desde o declinar
da Idade Média ao ocaso do Período Barroco -,
como Berruguete, Juan de Juni, Pompeo Leoni, Gregorio
Fernández, Alonso Cano, Pedro de Mena, Pedro de Sierra
ou Salzillo.
Sem dúvida que se trata de uma exposição inquietante ascetas, mártires, virgens, Cristos crucificados - capaz de
provocar no visitante uma impressão que ultrapassa as
fronteiras da estética, todavia inquestionável, numa importante chamada de atenção para a relevância do acervo deste
museu espanhol.
P
A MULHER AFRICANA DE LÍVIO DE MORAIS
De certo modo dentro do sagrado, se bem que dedicada
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especificamente à mulher africana como mãe e como lutadora, pode ser considerada igualmente a exposição que o
artista plástico moçambicano Lívio de Morais apresenta até
fins de Janeiro na novel Galeria Apolo 70, em Lisboa.
Na linha de Malangatana, que soube aliar com grande
eficácia e expressividade o vigor dos muralistas mexicanos
às principais linhas de força da iconografia africana, Lívio
de Morais realça com invulgar criatividade a imagem da
mulher africana como protagonista da nova África que está
a despontar para um futuro cheio ainda de nuvens mas
com muitas esperanças.
A VANGUARDA VEM DE ESPANHA
Neste começo de ano em tempo inevitável de crise, é, talvez por isto mesmo, a altura de olhar (e encarar) o futuro.
Tal como a exposição "Cuerpos de Dolor" é igualmente
de Espanha que vêm os sinais das vanguardas actuais. A
instalação artística que a artista espanhola Mercedes Lara
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Javier León apresenta na Paços Galeria
Municipal, em Torres Vedras, a exposição
"Urdidura e Silêncio"
Em baixo, desenho de Lívio de Morais em
exposição até fins de Janeiro na novel Galeria
Apolo 70, em Lisboa
Na página da esquerda, “Virgem das Dores”.
Mais de três dezenas de esculturas de grandes
mestres espanhóis – desde o declinar da Idade
Média ao ocaso do Período Barroco – expostas
pela primeira vez em Portugal
apresenta, até 5 de Fevereiro próximo, no Centro Cultural
de Cascais, a primeira exposição desta artista espanhola em
Portugal, vale bem uma deslocação pelo que significa como
detecção dos últimos sinais da modernidade artística a
nível mundial.
Partindo de uma afirmação de Einstein, de que "O
espaço está a ser retorcido e curvado continuamente pela
matéria e pela energia que se movem dentro dele, e o tempo
flui a diferentes velocidades para diferentes observadores",
Mercedes Lara confronta-nos com uma mostra que
intervém sobre a sala de exposição não só provocando alterações de luz, tornando assim diferente tanto o tempo
como o espaço, mas também o conceito de abordagem à
obra, onde cada uma das peças está dentro de uma caixa,
como se de uma caverna se tratasse, na qual foi feito um
orifício através do qual se vê o que lá se passa.
O outro artista espanhol que agora nos visita é Javier
León, que apresenta na Paços Galeria Municipal, em Torres
Vedras, a exposição "Urdidura e Silêncio", dando especialmente corpo a processos de concentração físico-mental,
que resultam em representações de grande valor decorativo e de acutilante intervenção. Recorrendo especialmente a
exercícios de concentração próximos da meditação, o artista utiliza com eficácia a repetição de elementos plásticos
básicos, numa tentativa de fugir de si mesmo, uma maneira de transcender o seu "eu", n
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Boavida|Músicas
“Luís Represas e João Gil”: 35
anos de carreira e cumplicidade
"Luís Represas e João Gil" é o título genérico do trabalho discográfico com o qual os dois músicos e
intérpretes estão a celebrar 35 anos de carreira. Novidade são também os novos álbuns dos "Lady
Antebellum" e dos "The Kooks".
Standard", com 13 temas; "Edição Especial Limitada"
(digipack) na qual, ao alinhamento da edição standard,
junta-se um DVD-extra com um documentário homónimo,
realizado por Aurélio Vasques, que inclui um "making-of"
da gravação do disco, entrevista e cinco videoclips; e
"Edição Digital".
“LADY ANTEBELLUM”
Vítor Ribeiro
embros fundadores dos "Trovante", nos idos
de 1976, Represas e Gil juntaram-se agora,
pela primeira vez em duo desde a extinção
do grupo no início da década de 90, para
nos apresentarem treze temas originais, com a marca
indelével de uma cumplicidade construída no passado, ao
longo de muitos anos de trabalho conjunto.
Papel de relevo no álbum em questão tem ainda o
letrista e compositor João Monge (ex-"Ala dos Namorados"),
que com João Gil subscreve cinco dos treze temas.
O bom gosto e a simplicidade caracterizam este trabalho discográfico de dois autores incontornáveis da música
portuguesa produzida nas últimas décadas e em fase de
grande maturidade criativa. Represas e Gil fazem parte do
que resta do núcleo duro de compositores e intérpretes
portugueses que melhor cantam o nosso quotidiano.
"Luís Represas e João Gil" merecem a nossa melhor
atenção. E, já agora, parabéns pelos 35 anos de carreira. O
album está disponível nas seguintes edições: "Edição
M
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Os "Lady Antebellum" lançaram um novo álbum, com o
título genérico "Own
The Night", na sequência da recente
atribuição de mais um
Gramy Award.
Este trabalho
discográfico integra 13
canções, a última das
quais na modalidade de
um "bonus track", com
uma versão acústica do mais celebrado tema do grupo,
"Need You Now". Os "Lady Antebellum" constiuiram-se
em 2006, em Nashville, EUA, e integram Charles Kelley,
Dave Haywood e Hillary Scott.
Influenciados, no início, pela música country, os "Lady
Antebellum" acabaram por criar um estilo próprio, bem
personalizado, no concorrido mundo da pop.
“THE KOOKS”
A banda britânica "The Kooks" lançou o seu terceiro
álbum, com o título
"Junk of The Heart". No
novo CD são-nos apresentados 12 temas deste
grupo surgido em
Brighton, em 2004, no
âmbito do chamado
"indie rock", rock independente, cujos autores
tentam evitar os circuitos dominantes de edição e distribuição discográfica. n
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Boavida|No Palco
Do amor e da morte
Cristina Carvalhal pegou num dos textos mais emblemáticos de Alexandre Herculano, "Eurico, O
presbítero", e transformou-o, com nova abordagem e encenação própria. Até 29 de Janeiro, na Sala
Estúdio do Teatro Nacional D. Maria II, está em cena a "Paixão segundo Eurico".
sacrílego, optou pela exaltação patriótica que, resultará no
futuro Reino de Portugal. Uma história, narrada, porém,
só por mulheres.
FICHA TÉCNICA: A partir do romance de: Alexandre
Herculano; Dramaturgia e versão cénica: Ana Vaz, Cristina
Carvalhal, Graça P. Corrêa, Inês Rosado, Pedro Filipe Marques
e Sara Carinhas. Desenho de luz: José Álvaro Correia;
Coordenação de projecto: Cristina Carvalhal.Com: Cristina
Carvalhal, Inês Rosado, Sara Carinhas; Co-produção: TNDM II
e Causas Comuns
RUMOR
Maria Mesquita
screveu Jorge Luis Borges: "Uma lenda não é uma
invenção arbitrária mas sim uma deformação ou
uma ampliação da realidade". Para Alexandre
Herculano, este seu texto, agora transformado
para os palcos do Teatro Dona Maria II, poderia ser considerado "uma crónica-poema, lenda, ou que quer que seja"
e, na realidade, tudo tem de místico para se deixar enrolar
nas lendas que povoam o imaginário Lusitano.
Ano de 749 D.C., na Península Ibérica. Os Visigodos,
após um período de adaptação aos costumes romanos, tornam-se "bárbaros" refinados. Detêm o Poder político e
(a)Moral da Península. Mas tudo tem um fim. A Sul, forças
do Norte de África começam a sua conquista, no que vai
culminar no califado do Al-Andaluz. Mais a norte da península, as gentes da Galiza e Astúrias não se deixam intimidar.
Eurico torna-se monge por obrigação, mas a sua
devoção é para Hermengarda, amor impossível. Contudo,
após a queda do reinado Godo, Eurico retorna às armas, a
sua sede de matança é mais poderosa que ele e, à sua
volta, apenas encontra destruição. Uma nova ordem
impôs-se. Julga, então, poder voltar a ser feliz com a
amada. Surge novo entrave e, ao desistir de Hermengarda,
abraça a Morte em mais batalhas travadas contra o povo
dito invasor. Hermengarda enlouquece.
A personagem de Eurico pode ser apelidada de pessimista, mas também de um profundo sentido patriótico.
Não se tendo deixado abalar por um Amor que seria
E
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"Rumor", peça escrita por Mário de Carvalho, está já em
cena no palco d'A Barraca até fins de Fevereiro. Para rir,
mas acima de tudo, para reflectir sobre a nossa própria
condição enquanto membros de uma sociedade.
Embora situada durante a queda do Império Romano,
"Rumor" tem muito a ver com o nosso próprio quotidiano,
com as nossas atitudes, com a nossa forma de ser. É a
segunda vez que Mário de Carvalho trabalha com a companhia de Hélder Costa e Maria do Céu Guerra e, uma vez
mais, com um texto irónico e incomodativo. Toda a trama
gira em torno de um grupo de personagens que vão
mudando de atitude e pensamento à medida que vão
ouvindo rumores sobre o que se passa politicamente em
seu redor. Não há melhor arma do que o Medo que se
possa soltar sobre uma comunidade, seja grande ou pequena e é assim que a política muitas vezes funciona ou vai
ganhando terreno pelo declínio da moralidade. A corrupção é então explorada até à exaustão, pois neste caso,
não se baseia só em favores financeiros ou de cargos políticos. A corrupção é a humana, em que pessoas adultas,
supostamente confiantes no que são e sabem, acabam por
sucumbir a outros ideais que não os seus… Muito actual!
FICHA TÉCNICA: Texto: Mário de Carvalho; Encenação: Maria
do Céu Guerra; Direcção Plástica: José Costa Reis; Elenco:
João D'Avila, Jorge Gomes Ribeiro, Paula Guedes, Rita
Fernandes, Ruben Garcia, Sérgio Moras e Vânia Naia;
Assistência de Encenação: Sérgio Moras; Fotografias: MEF Movimento de Expressão Fotográfica
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“ANIMAIS NOCTURNOS”
Até 29 do corrente, a Escola da Noite tem em cena
"Animais Nocturnos", de Juan Mayorga, uma peça que se
desenvolve a partir da chantagem exercida sobre um imigrante sem-papéis numa cidade dos nossos dias. O autoritarismo, a discriminação, a solidão e uma "incomunicação
generalizada" são alguns dos temas fortes do texto, sem
maniqueísmos nem respostas fáceis.
Mayorga é um dos mais importantes dramaturgos
espanhóis contemporâneos. Na sua recente vinda a
Coimbra, no âmbito das Jornadas organizadas pel'A Escola
da Noite, relembrou o contexto em que nasceu esta peça.
Em 2002, o Royal Court Theatre, de Londres, pediu a
vários dramaturgos europeus que escrevessem peças curtas sobre políticas dos seus países. Juan Mayorga escolheu
a lei de imigração, pela forma como ela "divide a
sociedade em duas: há homens com documentos e homens sem documentos". Explorando a forma como estas leis
estabelecem uma diferença "entre uns e outros" e como
"tornam tentadora, para cada homem com papéis, a possibilidade de dominar o outro", escreveu a peça "O bom vi-
zinho". Posteriormente, desenvolveu o texto e compôs
"Animais Nocturnos" - acrescentando à intolerância e ao
abuso sobre os fracos por parte dos que se sentem superiores os temas da solidão, da incomunicação e da procura
de liberdade nas sociedades contemporâneas.
Com encenação de António Augusto Barros, o novo
espectáculo d'A Escola da Noite mantém a ambiguidade e
os pontos "em aberto" do próprio texto, numa cadeia de
liberdade e imaginação que se completa apenas na leitura
e na reflexão que for capaz de suscitar no espectador.
FICHA TÉCNICA: Animais Nocturnos: texto Juan Mayorga;
tradução António Gonçalves; encenação António Augusto
Barros; interpretação Maria João Robalo, Miguel Lança,
Miguel Magalhães, Sofia Lobo; cenografia António Augusto
Barros, João Mendes Ribeiro; figurinos Ana Rosa Assunção;
desenho de luz Danilo Pinto sonoplastia Eduardo Gama
Coimbra, Teatro da Cerca de São Bernardo: 5 a 29 de Janeiro
de 2012; quinta a sábado, 21h30; domingos, 16h00. Os preços
variam entre os 6 e os 10 Euros e é aconselhável a reserva
prévia de lugares.
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Boavida|Cinema em Casa
Realidade e ficção
A desafiar este o novo ano, que se antevê dolorosamente real e 'austero', seleccionamos dois recentes filmes
de ficção científica: "Super 8", homenagem, com traços realistas, à geração de 1980, e "Planeta dos Macacos:
a Origem" que questiona o papel da ciência e a relação dos homens com os primatas. Completam a escolha
duas sugestões bem mais "realistas": "Larry Crowne", e "Pequenas Mentiras entre amigos". Sérgio Alves
SUPER 8
LARRY CROWNE
98m, Cor, 2011; EDIÇÃO: Zon
PEQUENAS MENTIRAS
Verão de 1979: numa cidade
Larry Crowne, veterano da
Lusomundo
ENTRE AMIGOS
industrial do Ohio, um grupo
Marinha, trabalha num
de seis adolescentes procura
armazém e leva uma vida
PLANETA DOS MACACOS:
sucedido empresário da
ocupar o tempo de férias
tranquila até ao dia em que é
A ORIGEM
restauração, e Véro, a esposa
preparando as filmagens de
despedido. Falta-lhe, apesar da
Will Rodman é um jovem
ecologista, convidam um
um filme de ter-
experiência, um grau académi-
cientista que procura desco-
grupo de amigos para a sua
ror caseiro. Uma
co superior para progredir na
brir a cura para a doença de
bela casa de praia a fim de fes-
noite, enquanto
carreira. Tem dificuldade em
Alzheimer e cria uma subs-
tejar o aniversário de Antoine
filmavam na
encontrar trabalho e quase
tância chamada ALZ-112 para
e o início ao Verão. Um dos
estação fer-
perde a casa, até que, um dia,
tentar combatê-la. Todavia,
amigos, Ludo, é vítima, porém,
roviária da
que um vizinho aconselha-o a
esta possui um efeito curto, e
de um grave acidente, antes da
cidade assistem
inscrever-se numa universi-
passado algum tempo, o
sua partida de casa, em Paris.
a uma colisão assustadora de
dade local…A sua vida
corpo consegue produzir anti-
Apesar disso, o grupo mantém
uma carrinha com um vagão
começa a mudar: faz novos
corpos que acabam com o
a viagem e todos eles carregam
de carga. Fica tudo registado
amigos, compra uma pequena
efeito da substância. Os
os seus próprios problemas e a
na pequena câmara de Super
lambreta, estuda economia,
macacos, que são usados
forma de os enfrentar nas
8, o grupo começa a desconfi-
começa a trabalhar num
como cobaias de
férias anuais. Sucesso maior
ar que a colisão não foi ape-
restaurante… e apaixona-se
laboratório,
em terras gaulesas, o filme
Todos os anos, Max, um bem
nas um acidente e que o
pela sua pro-
reagem de forma
aborda com
exército esconde algo impor-
fessora
diferente à subs-
inteligência e sen-
tante e terrível…Com um
Mercedes! "O
tância pois esta
sibilidade as
elenco jovem e um argumento
regresso de
aumenta a sua
relações de
original, J. J.Abrams conta-nos
Tom Hanks à
inteligência e a sua relação
amizade e amor,
uma história com traços de
realização é
com os homens começa a
com situações
uma aposta
mudar …Baseado no livro "La
quer de dor quer de alegria,
que, aliada à qualidade dos
feliz. Na melhor tradição do
Planète des Singes", de Pierre
marcadas pela ausência de um
efeitos especiais, agradou à
cinema norte-americano de
Boulle, o filme é uma metáfo-
deles. Escrito e realizado pelo
crítica e ao público. Produzido
narrar histórias de vida inspi-
ra poderosa sobre os perigos
actor Guillame Canet, o filme
por Spielberg, "Super 8" é
radoras, o filme tem dois pesos
que a Ciência e a investigação
é uma oportunidade única de
uma viagem aos melhores
pesados do cinema actual - o
científica enfrentam quando
ver alguns dos melhores talen-
tempos de juventude de um
próprio Tom Hanks e Julia
procuram lidar com algumas
tos do cinema francês actual e
grupo de adolescentes e lem-
Roberts - combina drama e
das doenças e problemas
recorda um clássico norte-
bra os filmes de aventuras dos
boa-disposição com uma
mais delicados da
americano do género: "Os
anos 80 como E.T. (1982) ou
estrutura simples, narrativa
humanidade.
Amigos de Alex" (1983).
Os Goonies (1985).
fluída e um final feliz. Coisa
TÍTULO ORIGINAL: Rise of the
TÍTULO ORIGINAL: Les Petits
TÍTULO ORIGINAL: Super 8;
rara no cinema actual.
Planet of the Apes;
Mouchoirs; REALIZAÇÃO:
REALIZAÇÃO: J.J. Abrams; COM:
TÍTULO ORIGINAL: Larry Crowne;
REALIZAÇÃO: Rupert Wyatt;
Guillame Canet; COM: François
Elle Fanning, Joel Courtney,
REALIZADOR: Tom Hanks; COM:
COM: James Franco, Freida
Cluzet, Marion Cotillard, Benoit
Kyle Chandler, Bruce
Tom Hanks, Julia Roberts,
Pinto, Andy Serkis, John
Magimel, Jean Dujardin;
Greenwood; EUA, 112m, Cor,
Bryan Cranston, Cedric The
Lithgow, Brian Cox; EUA, 105m,
França, 154m, cor, 2010;
2011; EDIÇÃO: Zon Lusomundo
Entertainer, Pam Grier; EUA,
cor, 2011; EDIÇÃO: Pris
EDIÇÃO: Zon Lusomundo
ficção científica e mistério
68
TempoLivre
| JAN 2012
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Boavida|Grande Ecrã
Em torno da humanidade
A última semana do ano (mais exactamente no antepenúltimo dia, chegou às salas "O Deus da
Carnificina", o último Polansky sobre o "bullying") já terá dado o tom: em Janeiro há um punhado de
importantes estreias cujo denominador comum é testemunharem sobre os comportamentos e
motivações do espírito humano ou, - como no portentoso documentário de Herzog -, "decifrar" os
mistérios da origem da Humanidade.
um pai e suas duas filhas adolescentes na sequência de
um acidente de barco que coloca a sua mulher em estado
crítico. Payne, que não brinca em serviço, não deixa de
impregnar o filme de um tom humorístico por vezes irónico nem se retrai a convocar (pelo gozo, certamente) dois
grandes mestres do cinema clássico como Billy Wilder e
Jean Renoir. Talvez que por essa e "outras" ousadias habituais a Associação de Críticos de Cinema de Los Angeles
se tenham convencido da justeza em nomeá-lo "the best
film of the year".À frente do "cast", o brilhante George
Clooney.
Joaquim Diabinho
a luta política da activista pró-democracia e
prémio Nobel da paz., Aung San Suu Kyi
contra o governo militar autoritário birmanês
fala "Um Coração Dividido" ("The Lady", no
original, em cartaz dia 12). O que visívelmente interessa
a Luc Besson é, no entanto, focalizar-se na história de
amor passional e infinito - que nada fará vacilar: nem a
separação forçada, nem o isolamento, nem a morte entre a militante pacifista e o seu marido, Michael Aris.
Apesar de Besson ter sido criticado por excesso de simplismo (p.e., como retrata a luta de Aung
San Suu Kyi contra o poder militar), o
filme resulta numa interessante reflexão
sobre a coragem feminina (tal como a
Jeanne D'Arc...de Besson) de um dos
símbolos maiores da luta determinada de
uma mulher que sacrificou a sua felicidade em nome de um nobre ideário.
D
DO NORTE-AMERICANO ALEXANDER PAYNE
(autor do fabuloso"Sideways") chega a 19 às
salas "The Descendants", uma comédia
dramática centrada na vida familiar e, em
especial, na relação que se restabelece entre
EM "PAIXÃO", MARGARIDA GIL propõe-nos (a partir de 19)
uma viagem "aos abismos do desejo e da relação humana".
Apreciada pelo rigor e economia do seu "cinema testemunho" de questões existenciais e sociais, a cineasta de
"Relação Fiel e Verdadeira" prossegue segura na observação dos comportamentos. João Lucas, Ana Brandão,
Sandra Faleiro e Gonçalo Amorim, entre outros, entranham-se bem nos personagens. O argumento (co-assinado
por Gil) e os diálogos são da autoria da escritora Maria
Velho da Costa. A ver vamos.
QUANTO A "THE CAVE OF FORGOTTEN DREAMS" ("Sonhos
Esquecidos", título em português. Será?) o maior do elogios que se poderá fazer a Werner Herzog é a de que o seu
estatuto de visionário está de boa saúde e
recomenda-se. Senão vejamos: realizar um
documentário com cameras 3D na célebre
gruta de Chauvet (sul de França) que conserva centenas de pinturas rupestres
espectaculares criadas à mais de 30.000
anos, à época do homem de Neandertal só
pode significar, primeiro que tudo o resto,
uma viagem visual, fabulosa, fantástica e
memorável. Para mais, Herzog traduziu
em imagens documentais inesquecíveis
uma autêntica aventura pedagógica e cultural. De visão obrigatória também para
crianças e jovens. n
JAN 2012 |
TempoLivre 69
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Boavida|Tempo Informático
Ano novo e novidades
O ano que agora principia tem sido apresentado como algo de muito difícil onde imperam a austeridade
e os sacrifícios. Portanto cumprirá a cada um conhecer exactamente até onde podem ir as prioridades
nesta tecnologia. Mas ela não pára e há coisas que são de facto necessárias e outras que podem trazernos algum proveito ou prazer de que necessitamos para que também a vida não pare.
tância com controlo remoto para gravação. Ao
contrário de muitas boxes disponíveis no mercado, cujo argumento de venda é o preço, a Triax
TR-41 é actualmente a melhor aposta na relação
preço-qualidade. PVP 59,90 €. Claro que encontra
mais baratas mas o barato às vezes - e é o caso sai caro.
Gil Montalverne
[email protected]
inguém dispensa hoje em dia a Televisão. A
passagem para a Televisão Digital Terrestre ou
TDT torna impossível a ligação directa ao sinal
por satélite. Os anúncios e avisos multiplicaram-se chamando a atenção para a compra de uma
box ou caixa descodificadora que transforma esse sinal
num sinal digital, com muito melhor qualidade. Mas
talvez não saibam que entre as múltiplas boxes que
invadiram o mercado e anunciadas como baratíssimas,
grande parte delas são de linha branca ou marca desconhecida, sem garantia assegurada por fabricante idóneo.
Sugerimos portanto a TRIAX TR-41, uma box para a TDT,
de grande fiabilidade, rapidez e funcionalidades
avançadas com gravação de vídeo HD, apresentada pela
SatCab numa excelente relação qualidade-preço. A longa
experiência da Triax na criação de soluções para a TDT na
Europa é já uma garantia. Esta box não só confere novas
funções a televisores mais antigos e prolonga a sua utilidade, como apresenta características fundamentais: grande
sensibilidade na captação de canais mesmo em zonas
onde a potência do sinal não seja a mais correcta; rapidez
no zapping; gravação e sua memorização graças à memória
interna (4 MB flash e 64 DDR); porta USB para gravação
em disco externo ou numa pen, com funções de avanço,
recuo, pausa e retoma de TV em directo; leitura de
ficheiros Mpeg2, Mpeg4 e DivX; baixo consumo com temporizador e stand-by automáticos; suporte para televisores
com entradas analógicas (SCART ou A/V); comando à dis-
N
70
TempoLivre
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JÁ OUVIRAM FALAR DOS EBOOKS. Uma espécie de
tablet onde pode arquivar vários livros num só
lugar. É útil para levar para férias, viagens, etc.
Evita o peso dos vários volumes de papel que teria de
transportar. E vai escolhendo a seu gosto. A TREKSTOR
apresenta o mais completo leitor de livros digitais na sua
categoria de preços, o eBook Reader 3.0 com PVP aconselhado de 69,90 €. Com ecrã a cores de 7'' (17,8 cm) na
diagonal, pode ser usado ao alto ou na horizontal, possui
gestão de marcadores, ampliação (zoom) e ajuste do tipo e
tamanho da letra. Além disso, pode ser também usado
como leitor de MP3 e visualizador de fotografias. O
armazenamento de 2 GB admitindo ainda cartões
microSD até 32 GB significa uma capacidade para milhares de livros eBook em 275 gr de peso. A bateria de
polímeros de lítio dá uma autonomia de leitura de 8 horas
ou até 30 horas na reprodução de música. Os eBooks
serão, ou já são, o futuro. n
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Boavida|Ao volante
Os novos Gordini de “avant-garde”
Nas décadas de 60 e 70 a Renault dominava os vários campeonatos de Ralis com o seu modelo Gordini,
tendo, em Portugal, o saudoso José Carpinteiro Albino, vencido, em 1967, o primeiro Rali de Portugal.
Carlos Blanco
gora, volvido quase meio
século, a marca francesa faz
reviver o mítico Gordini,
lançando três modelos da
brilhante série: o Clio, o Twingo e o
Wind. Deste trio, somente o desportivo Wind não é vendido em Portugal.
As suas marcantes listas brancas
sobre uma carroçaria azul, regressam
a Portugal associadas aos pequenos
modelos Twingo e Clio RS, que
vestem, nesta versão ainda mais
desportiva, motores a condizer: 1.6 a
gasolina com 133 cavalos (21.500
euros) e 2.0, também a gasolina, com
203 cavalos (29.950 euros).
No interior merece destaque o volante em couro, preto
e azul com duas bandas brancas e a alavanca da caixa de
velocidades com punho azul e assinatura Gordini.
Dos dois modelos ensaiados, destaque para o desportivo e elegante Clio Gordini RS, com o pormenor da letra
"G" associada à lâmina aerodinâmica do tipo F1 em branco no pára-choques dianteiro e os retrovisores brancos.
No habitáculo, uma harmonia preta, azul e branca
veste o espaço, dos estofos ao volante. Cada detalhe foi
objecto de uma atenção extrema. Os bancos desportivos do
tipo bacquet ostentam a marcação Gordini e recebem uma
confecção inédita em couro, homenagem aos míticos
Gordini do passado. A excluvisidade Gordini é
garantida pelas chapas numeradas de série
limitada, que identificam o número de
produção de cada carro.
No que toca ao Twingo, mostrase um carro que integra o estilo
único da marca Gordini e o
desempenho RS. Cada detalhe foi objecto de uma
atenção extrema a pensar
nos adeptos de emoções
fortes que se revêem na
expressão "o direito à diferença".
A
Mas, a cereja no topo do bolo dos novos Gordini é sem
dúvida o roadster Wind que, infelizmente, não será comercializado em Portugal, mas que tivemos a oportunidade de apreciar em Paris.
Trata-se de um conversível que vem com um acabamento diferenciado. O modelo ganha também um tecto
retráctil em preto brilhante aerófilo (que abre em escassos
12 segundos) e rodas com jantes de liga leve de 17 polegadas, que o tornam ainda mais desportivo.
O Wind é comercializado com
duas motorizações a gasolina:
1.2 com 100 cavalos de potência (17.769 euros) e uma
versão mais potente, com
propulsor 1.6 com 133
cavalos (18.816 euros).
Deste novo modelo da
marca do losango foi feita
uma edição limitada de
200 veículos.
Em nota de rodapé final, e
embora saibamos a crise com que nos
debatemos, não deixamos de aqui deixar
um desafio à Renault Portugal: porque não que
organizar um troféu Gordini? n
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Boavida|Saúde
Alguns conselhos
para combater a flatulência
A flatulência é uma queixa que, só por si, não leva o doente a procurar o médico, mas quando inquirido,
revela em geral um grande alívio por poder partilhar uma situação que lhe provoca constantemente
desconforto e embaraço.
M. Augusta Drago
medicofamí[email protected]
flatulência, em si, não constitui uma doença,
mas diminui a qualidade de vida. As pessoas
referem incómodo com o seu próprio corpo distensão do abdómen pela excessiva produção
de gases, dores abdominais do tipo cólica, que podem ser
fortes, com ruídos hidro-aéreos e que ocorrem nas alturas
mais inoportunas. Junta-se a isto a sensação desagradável
de se sentirem apertadas dentro das suas roupas.
Acontece muitas vezes recusarem convites para sair e
fugirem a eventos sociais, porque receiam não conseguir
controlar a saída intempestiva dos gases que habitam nos
seus intestinos e perguntam desanimados - o que é que eu
posso fazer?
Os gases que habitam o nosso tubo digestivo têm
duas origens: uns, em menor quantidade, são
resultado da deglutição do ar. Esta situação, a
que chamamos aerofagia, agrava-se com a
ansiedade; outros, em maior volume, são
produzidos nos intestinos. São o resultado das reacções químicas que acompanham a digestão de alimentos que
contêm fibras, como os cereais, as
leguminosas e as frutas. As bactérias intestinais também contribuem para a produção de gases,
quando da fermentação de fibras
mais resistentes, como o grão, as
sementes, a batata mal cozida, etc.
Quanto mais tempo os alimentos
demorarem nos intestinos, mais
probabilidades existem de se produzirem gases. É esta a razão porque
as pessoas que sofrem de obstipação
também se queixam de flatulência. O
odor destes gases torna-se mais intenso e desagradável quando se consomem alimentos proteicos, tais como
A
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carne, ovos, peixe, leite ou queijo. Existem mais alimentos
que originam gases fétidos. São, entre outros, os brócolos,
a cebola, o alho e a cerveja
Não há regras alimentares que se apliquem uniformemente a todas as pessoas, pois existem alimentos que
causam flatulência a umas pessoas e não causam a outras.
Em geral, os alimentos que provocam mais gases são o
leite nas pessoas que têm deficiência em lactase (enzima
que decompõe a lactose), o pão saloio, as leguminosas,
tais como ervilhas, favas, grão-de-bico, etc.
Tanto o leite como as leguminosas e os cereais contêm
nutrientes muito importantes para a nossa saúde, pelo
que não podemos eliminá-los totalmente. O mais sensato
é tentar investigar, por grupos de alimentos, aqueles que
causam mais perturbação. É frequente aconselhar as
pessoas a fazerem um registo dos alimentos consumidos e dos sintomas durante algum tempo,
até encontrar um padrão
de comportamento
intestinal. No caso de suspeitar de alguns alimentos,
elimine-os da sua dieta, um de
cada vez, até identificar o/os causador/es das suas queixas.
Em regra, é sempre benéfico
comer devagar, num ambiente tranquilo, mastigando bem e em pequenas porções. Beba pausadamente e
evite bebidas gaseificadas.
Confeccione os pratos com pouca gordura, use ervas aromáticas e condimentos como o gengibre. Coza bem as
massas e torre o pão para reduzir as
fermentações. Demolhe o feijão e o grão
e, se possível, retire-lhes a pele.
Consuma o iogurte o mais próximo da
data de fabrico e, depois das refeições,
experimente tomar um chá de hortelã. n
ANDRÉ LETRIA
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Boavida|Palavras da Lei
Árvores que
se prolongam.
Tapagens
?
Possuo uma casa numa aldeia do Alentejo
(prédio urbano com terreno 900m2).
O vizinho de um dos lados tem algumas árvores,
nomeadamente pinheiros e sobreiros no seu terreno;
o sobreiro mais próximo encontra-se a 2,60 metros
da extrema, prolongando-se a copa para cima da
minha propriedade, com a consequente sombra e
queda de folhagem para cima dos meus citrinos.
Gostaria de falar cordialmente com o proprietário
mas sabendo, previamente, o que a Lei prevê para
estes casos.
Sócio devidamente
identificado - Évora
Pedro Baptista-Bastos
stas questões, por mais simples que possam parecer, foram previstas no nosso Código Civil. Um
Código Civil é um livro muito interessante dado
que, sob as normas jurídicas, terminologia e conceitos legais, estão contidas quase todas as situações da vida
de todos nós, desde o momento da concepção até à morte,
passando por sociedades, casamentos consumados ou não,
enfim, uma fascinante combinação da vida humana.
Assim, estamos diante de uma situação de "Plantação
de árvores e arbustos", prevista nos artigos 1366º a 1369º
do Código Civil, uma desses casos da vida que podem
ocorrer a qualquer um de nós.
E a nossa lei civil, no nº 1 do seu artigo 1366º, afirma
que é lícito ao "dono do prédio vizinho…arrancar e cortar
as raízes que se introduzirem no seu terreno e o tronco ou
ramos que sobre ele propenderem, se o dono da árvore,
sendo rogado judicial ou extrajudicialmente, o não fizer
dentro de três dias". O nosso leitor e sócio vai ter uma
amável conversa com o seu vizinho, e pede-lhe para cortar
os ramos, o que ele certamente fará.
E
E, para evitar este género de pequenos inconvenientes,
pode ainda, nos termos do artigo 1356º do Código Civil,
murar, valar, ou tapar a sua propriedade de qualquer
modo, de maneira a que os ramos não o incomodem mais.
Com boa vontade tudo se resolve. Aproveito para desejar a todos os sócios, colaboradores e leitores da "Tempo
Livre" um Feliz Natal e um excelente Ano Novo de 2012.
Tudo se resolverá pelo melhor! n
ERRO: Errei na apresentação da solução jurídica da minha
crónica na revista de Dezembro 2011. Com efeito, quer eu,
quer outros advogados, receberam, nos conjuntos de normas
publicados na nossa ordem jurídica e que lhes são enviados
via mail, um diploma, sob a forma de norma nacional. Essa
norma é brasileira. Recebi o aviso dias após do envio da
crónica, e quando já não era possível substituir o que escrevi.
Pelo meu erro, e pela indução em erro que possa ter
causado aos leitores da revista "Tempo Livre", apresento as
minhas desculpas.
Aos leitores, os meus votos de Feliz Natal e Próspero
Ano Novo. PBB
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ClubeTempoLivre > Passatempos
Palavras Cruzadas | por José Lattas
HORIZONTAIS: 1-Multidão; Irra; Prezar; Grito de dor. 2-
Indivíduo atacado de reumatismo. 3-Bebida alcoólica destilada
do melaço de cana-de-açúcar; Serviços secretos americanos
(sigla). 4-Amofinar; Alcácer. 5-Chaminé; Acalmar; Aconselha.
6-Aplicar; Amasse. 7-Estudo. 8-Compreende; Abonado. 9Renque; Dera as cores do arco-íris a; Mealheiro. 10-Mamífero
carnívoro, que vive na África e na Ásia; Andamento. 11-Rio de
Portugal, afluente da margem esquerda do Douro; Abundância.
12-Patriarca antediluviano, que viveu muitos anos. 13-Ródio
(s.q.); Pronome demonstrativo (fem.); Planalto; Símbolo da
razão da circunferência pelo diâmetro (mat.).
1
2
3
4
5
6
7
8
9 10 11 12 13 14 15
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
Larvas que se criam nas feridas dos animais; Planta da família
das Liliáceas, muito usada como condimento. 3-Maritimo que
não tem amor à profissão (Bras.). 4-Atitude; Pronome pessoal.
5-Descascam; Povos que habitavam a região do actual Peru. 6Ruténio (s.q.); Riacho; Todo o terreno (sigla). 7-Ave de grande
porte, que habita nas planícies da Austrália; Rio que nasce em
Espanha e banha Mirandela. 8-Que tem mirto. 9-Junto; Tio da
América. 10-Nota musical; Adejara; Disparata. 11-Topar;
Sistema montanhoso, que atravessa longitudinalmente, toda a
América do Sul. 12-Letra grega; Nome por que também se
designa o cânhamo-de-manila. 13-Coligir. 14-Divindade egípcia, esposa de Osíris e mãe de Horus; Tinjo. 15-Imposto sobre
o valor acrescentado; Signos sem valor próprio (arit.); Nome de
homem.
12
13
SOLUÇÕES
(horizontais): 1-MO; APRE; AMAR; AI. 2-A; REUMATICO; V. 3-RUM;
L; A; O; H; CIA. 4-RALAR; M; PAÇOS. 5-LAR; MITIGAR; DIZ. 6-USAR;
B; R; I; PISE. 7-I; M; LEITURA; F; R. 8-SABE; I; O; A; RICO. 9-ALA;
IRISARA; COS. 10-HIENA; O; ANDAR. 11-COA; C; T; S; D; ROR. 12O; MATUSALEM; U. 13-RH; ESTA; MESA; PI.
VERTICAIS: Verticais:1-Abismo; Nome feminino; Aparência. 2-
Ginástica mental| por Jorge Barata dos Santos
N.º 33
Preencha a grelha com os
algarismos de 1 a 9 sem
que nenhum deles se
repita em cada linha,
coluna ou quadrado
N.º 33
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SOLUÇÕES
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ClubeTempoLivre > Novos livros
narrativas
EUROPA FEDERAL E A
históricas e
QUARTA REPÚBLICA
IMPÉRIO
curiosidades
O FUTURO DAS RELAÇÕES
Steven Saylor
Continuando a saga épica
de vários
ENTRE PORTUGAL E A
países
UNIÃO EUROPEIA
africanos e
António Covas
BERTRAND EDITORA
programar o seu dia a dia.
sobre Roma e o seu povo, a
obra traça o destino da
de vários povos que
Portugal
aristocrática família Pinário
representam as culturas
precisa de
durante
deste imenso e misterioso
uma Europa
gerações: das
continente. Inclui mapas e
Federal e de
maquinações
informações sobre usos,
uma 4ª
de Tibério à
costumes e natureza, sem
loucura de
esquecer uma referência ao
que não se esgote na mera
O GATO DAS BOTAS
Vale de Rift, berço da
revisão Constitucional do
país. A obra analisa as
de Ouro de Trajano e
Stella Gurney
O Gato das Botas é um
humanidade.
A obra revela a extraordinária
relações com a europa e as
Adriano, são muitos os
simpático bichano com
riqueza cultural africana.
influências nos Estados
momentos dramáticos que
imensos truques na manga.
definiram toda uma era.
Tem um plano para
Calígula, da
decadência de Nero à Idade
República
Membros.
EDIÇÕES COLIBRI
transformar o seu amo
D. DINIS - ACTAS DOS
ANDAM FAUNOS PELOS
mandrião num abastado
AS BIBLIOTECAS DE
ENCONTROS SOBRE D.
BOSQUES
nobre. Uma história divertida
CASTELO DE VIDE E A
DINIS EM ODIVELAS
Aquilino Ribeiro
Este romance lançado em
com janelas pop-ups.
EDUCAÇÃO POPULAR
A notável tradição histórica
1926 reaviva lendas e
crenças beirãs, através da
EDITORIAL CAMINHO
(1863-1899)
de Odivelas,
Filomena Sousa Bruno
Em finais do séc. XIX surge
deve-se, em
parte, ao
imagem do
legado de El-
fauno que
DICIONÁRIO DE LUÍS DE
Rei D. Dinis.
vagueia
CAMÕES
Reconhecido
pelos
Vítor Aguiar e Silva
Elaborado por especialistas
pelo desenvolvimento da
bosques
em busca
nacionais e estrangeiros,
impulso que deu à educação
atividade agrícola e pelo
este é o
e ensino, acreditando serem
donzelas desprevenidas.
primeiro
alicerces da nação, o Rei-
Fala-nos do belo e divino, da
dicionário
Agricultor ou O Lavrador, foi,
relação com o desconhecido
dedicado à
ainda, poeta/trovador e autor
e retrata um conjunto de
vida e obra de
de Cantigas de Amigo e de
sacerdotes, analisando-lhes
Camões.
Amor.
de
Constitui um vasto e rico
em Castelo de Vide, por
"Thesaurus da camonística
iniciativa associativa, a
AGENDA 2012 - PRAÇA
contemporânea" com
primeira biblioteca do
DA ALEGRIA
informações sobre toda a
distrito de Portalegre.
sua obra.
Oferecia um acervo
A MULHER DO TIGRE
documental diversificado
a fé e a vida.
Com dicas e
conselhos
EDITORIAL PRESENÇA
sobre saúde,
HISTÓRIAS E LENDAS DE
que disponibilizava
Téa Obreht
Destacada em missão de
culinária,
ÁFRICA
gratuitamente à
solidariedade, Natalia, uma
Ana Maria Magalhães e
comunidade local. Uma obra
jovem médica recebe a
notícia da morte do avô,
decoração, esta agenda irá
Isabel Alçada
Um livro de contos
que pretende preservar a
memória e origem da atual
ocorrida em circunstâncias
ajudá-lo a organizar e
tradicionais, lendas,
Biblioteca Laranjo Coelho.
pouco claras. Ao recorda-se
jardinagem,
beleza e
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dele e das
montanha encantada para
SUBMUNDO
suas
conquistar um castelo
histórias,
abandonado. Enquanto se
Robert Finn
Quando se é ladrão é difícil
convence-se
divertiam, um grupo rival e
conhecer a rapariga certa. E,
que ele
temível lançou-lhes um
quando
de vários pontos do país,
passou os
desafio...
isso
incluindo a Inatel na ilha das
acontece,
Flores e Linhares da Beira.
últimos dias em busca de
uma das suas personagens.
MIL E UMA IDEIAS PARA
há sempre
Sem descuidar a sua missão
LIDARES COM O TEU
alguma
e para desvendar o mistério
MUNDO
coisa a
segue uma pista que a
Theresa Cheung
Para ajudar as
conduz à mulher do tigre.
integra em 20 Unidades
Hoteleiras de luxo e charme
atrapalhar.
Ficar preso no metro, ser
Uma evocação sublime dos
adolescentes
apanhado um tiroteio…
Balcãs.
a integrar-se
enfim…se conseguir
de forma
sobreviver tem de convencê-
O PRIMEIRO ANO DE UMA
equilibrada
la a dar o seu número de
ESCOLA FANTÁSTICA
num grupo de
telefone.
Margarida Fonseca Santos
O Colégio das Artes vai
Gabriela Botelho
Uma magnífica edição que
amigas é fundamental
Um policial que se desenrola
manter e reforçar a
ao ritmo de um comboio em
confiança em si própria. Um
alta velocidade.
livro com segredos que
PAULUS EDITORA
orienta as jovens a trilhar um
CURA
caminho equilibrado e de
Robin Cook
Laurie Montgomery aproveita
AS MINHAS PRIMEIRAS
a remissão do
Thereza Ameal
sucesso.
ORAÇÕES
Para
neuroblastoma do seu filho
para
ensinar e
regressar ao
incentivar
OS APÓSTOLOS DA FÉNIX
Gabinete de
as crianças
Lynn Sholes e Joe Moore
Durante a
Medicina
a rezar, este
EUROPA-AMERICA
livro
Legal de
receber, pela primeira vez,
abertura do
Nova Iorque.
apresenta um conjunto de
alunos cheios de
túmulo de
E, pela
orações para diversas
expectativas em relação ao
Montezuma
frente, tem de resolver a
novo projeto de ensino. E, foi
na Cidade
estranha morte de um ex-
ali que Tiago descobriu que
do México a
investigador detentor de uma
OS PIRATAS QUE
gostava de Teatro, enquanto
equipa de
patente extremamente
ROUBAVAM VERDADES
situações e ocasiões.
Teresa percebeu que o jazz
escavação descobre que os
valiosa sobre células
Rita Vilela e Ana Sofia
era mais divertido que a
restos mortais do
estaminais e, um puzzle
Caetano
música clássica.
imperador desapareceram.
altamente perigoso, que
De forma
Nesse momento, com
pode pôr em causa a vida do
divertida o
OS CAVALEIROS DA
exceção da jornalista
seu filho. Conseguirá a
livro ajuda a
MONTANHA
Seneca que escapa por um
médica legista ter êxito e
criança a
Maria Teresa Maia Gonzalez
Um grupo de
triz, todos os presentes são
resolver o caso?
refletir sobre
assassinados.
os problemas do universo e a
amigos
Empenhada em desmistificar
sua relação com os outros.
montados nos
os motivos da tragédia,
seus cavalos
Seneca persegue um trilho
subiram a
letal que a leva ao tempo de
LUXO E CHARME NA
uma
Cristo.
HOTELARIA EM PORTUGAL
GB COLLECTION
Inclui ficha com questões
para promover a
comunicação.
Glória Lambelho
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O Tempo e as palavras
M a r i a A l i c e Vi l a Fa b i ã o
Era uma vez...
na ilha dos monges pardos
Hoje são as mãos a memória. / A alma não se lembra, está dorida / de tanto recordar. Nas mãos, porém, / resta a lembrança
do que tiveram.[…] Pedro Salinas, "La memoria en las manos", in : Largo Lamento (1975) Trad. MAVF
H
á muito que vivemos juntos, partilhando, de
forma mais ou menos equitativa, mais ou
menos pacífica, um T3 junto ao mar: eu, que
tenho de manter as finanças do nosso estranho agregado quase familiar sem intervenções do FMI e
sem, mesmo assim, faltar com o necessário ao sustento
comum, e tendo ainda em conta a minha humana configuração vertical, ocupo, por direito próprio, todo o
espaço acima do pavimento de todos os compartimentos;
eles, brevilíneos, milimétricos, em quem pressinto um
carácter dissimulado, matreiro, com uma inequívoca
tendência para a clandestinidade, habitam, por interesse
próprio, o espaço sob o tão injustamente celebrado "soalho flutuante" do meu quarto e da biblioteca, onde
podem dar largas ao seu indiscutível interesse pelas
"belles lettres".
A Leitora, ou o Leitor, que tenha lido a crónica de
Dezembro de 2009 já terá compreendido que me refiro aos
Lepismas (traça-dos-livros), cuja sobrevivência sob o meu
tecto se deve apenas à minha mais profunda rejeição da
pena de morte.
A sua presença nesta crónica explica-se, porém, pelo
facto de um dos elementos da sociedade, esquecendo a
habitual manha, me ter conduzido ao livrinho que para
mim é um pequeno diário de viagens há muito esquecido
num mundo de papel e palavras, e para ele uma grande dispensa bem fornida.
Com ele nas mãos, tudo é, subitamente, silêncio e ausência à minha volta. Como Unamuno, "desterro-me na memória", uma memória metodicamente devorada pelo lepisma
na superfície de uma dezena de fotografias.
Maio de 1959. Na Ilha dos Monges Pardos =
Schiermonnikoog - uma ilha de 18x4 km, nascida das tempestades no Mar do Norte, no extremo setentrional da costa
frísia dos Países Baixos, que ficou a dever o seu nome, e o
da sua actual liliputiana capital, aos seus primeiros habitantes, Monges de Cister, que vestiam hábito cinzento e, até
1580, ali possuíam uma pequena exploração agrícola, des-
truída por uma das grandes tempestades que periodicamente varrem a ilha.
De olhos fechados, refaço de memória o percurso de
então - visita breve, precedida pela travessia em barco a
vapor, demasiado frágil, evidentemente, quanto a mim, que
vivo fascinada pelo mar, mas visto de terra firme.
Cerca de uma hora de paf, paf, paf, por entre névoas
espessas, sacudidos pelas tradicionalmente agitadas águas
do Mar do Norte, o acolhimento recebido faz-nos sentir reis
da ilha. Deslocamo-nos a pé ou de bicicleta, que não são permitidos carros, através de uma curta estrada primitiva e de
extensos areais, povoados por centenas de espécies de aves,
que ali nidificam, e por uma que outra foca, aparentemente
demasiado cansadas para prestarem atenção a forasteiros.
A nossa nacionalidade portuguesa vale-nos os serviços
voluntários de guia de um dos habitantes, pescador de profissão. Trineto de um polaco naufragado, aproveita para,
numa algaraviada, que o nosso colega neerlandês nos traduz
para espanhol, nos revelar alguns segredos da ilha. Nos velhos tempos da pirataria, por exemplo, o grande negócio dos
habitantes, que viviam preponderantemente da pesca, tinha
sido a recolha de salvados de naufrágios, frequentes na zona,
sobretudo graças à ajuda que os ilhéus davam às ondas e aos
ventos, acendendo ardilosamente fogueiras nos pontos mais
propícios ao desastre. Não obstante - diz pesaroso - só conseguiram um navio inglês carregado de pipas de vinho do
Porto, de que - segredo de polichinelo - ainda alguns privilegiados bebiam, vez por outra, um copinho muito pequenino.
Ainda na memória, abro os olhos no presente. Nos lábios
ainda o sorriso com que acabo de ouvir a história; no
coração o temor da viagem de regresso.
Para Octávio Paz, "a memória é um presente que nunca
acaba de passar"; para o Petit Robert, é, desde 1050, "a faculdade de conservar estados de consciência passados, e tudo
quanto a eles se encontra associado"; para mim, é algo de
terrível quando o temos e de igualmente terrível quando o
perdemos.
Feliz 2012, Senhoras e Senhores Leitores! n
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Os contos do
Jogo perigoso
E
ram quarto à conversa na mesa de canto do Café
Violeta. Falou-se da crise com críticas repartidas
por governantes de cá e de fora; discutiram futebol com queixas desencontradas de erros dos
árbitros; por fim, e como em regra acontecia, o debate centrou-se nas mulheres, mais em concreto na fina arte do
engate. Foi aí que Jota Lourenço afirmou:
- Nesse aspecto, não há ninguém que supere o Lídio
Barbosa. Nenhuma mulher lhe resiste. Nem uma.
Reclinado e trocista, Jaime Dinis disse:
- Não vamos exagerar. Provavelmente, o tipo só avança
para as que se mostram interessadas.
Todavia, as palavras do amigo deixaram-no a cismar: e se
um tipo assim, considerado irresistível, tentasse seduzir sua
frágil mulher, Vera Helena? Nada a recear, conclui. Não
poucos o teriam tentado nos tempos em que era considerada a beleza suprema da faculdade. Mas só a ele, Jaime Dinis,
concedera todos os sins.
Nessa tarde, chegado a casa, observou com mais atenção
os modos e expressões da mulher. Continuava linda, talvez
mais que nunca, na maturidade dos seus trinta e oito.
Decerto despertaria cobiças, bem vira já olhares gulosos,
alguns de visitantes de sua casa. Ela, no entanto, nem dava
sinais de se aperceber. Indiferente, superior, vogava como
uma deusa sobre os desacertos às regras.
Zangou-se com ele próprio por lhe ter ocorrido tal disparate mas não conseguiu evadir-se da questão. "Nenhuma
mulher lhe resiste. Nem uma" - afirmou o arguto Jota
Lourenço, apontando a um tal Lídio, Barbosa de apelido.
Quem era? Que poder de sedução teria o macaco para
ganhar fama de infalível conquistador?
Os pensamentos rodopiavam-lhe na mente e crescia a
atracão para um jogo perigoso. Por instantes, envergonhavase do impulso de sujeitar a mulher a um teste mas já não
conseguia evitar que o contra-senso passasse a propósito.
Procurou então saber onde poderia encontrar o afamado
marmanjo que embeiçava as mulheres. E soube: Lídio
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Barbosa era proprietário de um pequeno bar - justamente o
Bar Bosa - e pouco tempo decorreu até Jaime Dinis se sentar num banco ao balcão.
Ali estava, então, alto, seco, cabeleira farta, o famoso
Lídio. A primeira observação levou-o a considerar que, com
efeito, ele bem podia ser modelo ou galã de telenovelas. Mas
daí a sacar as mulheres todas - em particular a dele - existia
invencível distância.
Lídio aproximou-se com um sorriso profissional e o novo
cliente julgou ver um teclado de piano só com teclas brancas.
- Vodka com água tónica - pediu.
Reforçando o sorriso, Lídio disse:
- Gostamos do mesmo.
- Mas não das mesmas - gracejou Jaime a puxar a conversa para o que lhe interessava.
- Quem sabe? - retrucou o outro.
- Espero que não, dizem que você é perito a seduzir mulheres.
- Não me queixo.
O diálogo atingira o ponto exacto para Jaime Dinis descarregar o seu estranho plano. Mas confiante. Previa a
derrota daquele presunçoso na tentativa de encantar Vera
Helena.
- Quer mesmo? - acautelou Lídio. - Olhe que já uma vez
me fizeram um repto semelhante e foi tiro e queda. Bem se
arrependeu o tonto de me ter desafiado.
A gargalhada de Jaime Dinis foi um pouco forçada. Mas
disse:
- Com a pessoa em causa, você não tem o mínimo de
hipóteses.
- Veremos.
N
o sábado à tarde, Vera Helena retocava-se para
sair e o temerário ligou para Lídio:
- Venha ter aqui. Seguimo-la no meu carro,
depois você faz o seu número. Prepare-se para
o fracasso.
Reconheceu que um incómodo nervosismo o assaltava
quando o homem do bar disse:
- Prepare-se o meu caro amigo. Vai ter uma surpresa.
Vera Helena instalou-se na esplanada fronteira ao rio e o
imprudente parou o carro em lugar adequado para a observar sem ser observado.
- Vá lá, então.
Viu Lídio palmilhar a distância como se caminhasse
numa passarela. "Que estou eu a fazer?" - interrogou-se e,
pela primeira vez, temeu as consequências da sua obtusa
decisão.
Por uns minutos, Lídio Barbosa acomodou-se a mesa
ANDRÉ LETRIA
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próxima da mulher, sem desviar os olhos dela. Depois aproximou-se e dirigiu-lhe algumas palavras.
O coração do vigilante bateu mais forte. Em pé, o sedutor consagrado continuava a falar, lançando a rede. O passo
seguinte e óbvio seria arrancar convite para se sentar ao
lado dela.
Assustado, o requisitante da diligência chupava o fumo
de mais um cigarro. E, de súbito, aquilo. A mulher desenha
com um braço o gesto irritado de afastar o atrevido. Assim
pareceu. Assim foi. Vencido, o campeão dos engates afastase em passadas céleres pelo lado oposto da esplanada.
- "Yess!" - grita o jubiloso consorte no interior do carro.
Debate-se ainda na dúvida se deve culpar-se pela canalhice
ou regozijar-se pela experiência. Sacode os ombros, nada
interessa agora a não ser saborear o resultado.
Prepara a retirada. Cuidado, a mulher não pode avistar o
carro que, na manobra, passará rente à esplanada. Admiraa, tranquila como sempre, agora folheando uma revista.
Apetece-lhe ficar mais um pouco nessa contemplação
embevecida.
"Que se passa?" - Agita-se quando, inesperadamente, a vê
sorrir para alguém que chega. Um homem. "Quem é este
gajo?" Não o conhece mas, pelo que nota, ela conhece-o
bem. Beijam-se e o observador atinge o nível mais alto da
perturbação. Deixa tombar a cabeça sobre o volante quando
o olhar alcança que as mãos dele tomam posse das mãos da
mulher.
Arranca e acelera, exasperado.
C
aminha de um ao outro lado da sala em passos
sem destino. Pensa na atitude a tomar quando
ela reentrar em casa. Não, não lhe dirá que a viu
com o amante ao sol da esplanada. Vai apenas
esperar a mentira que há-de trazer quanto ao modo como
passou a tarde. E com quem.
O ruído da chave na fechadura informa que ela está de
volta.
- Olá! - saúda, com o sorriso largo que, aparentemente,
não difere do que é costume.
- Olá sussurra ele, impaciente pelas palavras reveladoras
da falsidade.
Observa-a a despir o casaco e escuta-lhe as palavras que
solta no mais alegre dos tons:
- Nem imaginas o que aconteceu!
- Onde? - interroga ele, certo de que vai apanha-la no primeiro engano.
Mas ouve:
- Na esplanada do rio. Fui para ali sossegar com um café
e uma revista, chato foi saltar-me um parvo que queria conversa. Lá o mandei à vida dele. E depois, que surpresa, querido, que surpresa!
- Surpresa?
- Sim, apareceu-me o Augusto, meu antigo colega da
faculdade e grande amigo. Não o via haverá uns quinze
anos, andou por esse mundo. Recordámos os velhos tempos, foi bom, mesmo bom!
Ela ri como uma criança contente. Jaime Dinis sente o
dever de confessar que espiou toda esta cena e pedir perdão
por tão vil atitude. Não o fará pelo receio de que a inocente
lhe dê por castigo o desprezo.
Irá, sim, abraça-la com redobrada ternura. Logo que ela
finde a conversa pelo telemóvel que iniciou, passando-se
para o terraço.
No terraço, a voz de Vera Helena é pouco mais que um
murmúrio.
- Ricardo? Olha, agora chamas-te Augusto. O maroto
espreitou-me, viu tudo. Percebi quando deu a volta no
carro. Não há problema. Um beijo.
Reentra na sala.
- E se fossemos ao teatro, querido? n
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Crónica
António
Costa Santos
Ano Velho, Palavras Novas
J
ornais, rádios, blogues e televisões publicaram no mês passado os habituais "balanços
do ano", económicos, políticos e sociais.
Houve balanços de tudo, como é costume;
só não vimos feito o balanço da língua que
falamos e é, cada vez mais, o último reduto da
nossa soberania (a menos que as profecias da
desgraça se confirmem e o euro acabe e o escudo volte, mas adiante). Quando 2011 foi um
ano especialmente importante para o Português, este silêncio quanto às palavras é muito
estranho.
Para já, o ano que acabou foi o ano de todos os
acordos. Lembremos apenas dois: o Acordo
Ortográfico e o Acordo com a Troika. O primeiro
cortou nas consoantes mudas e o segundo nos
ordenados e subsídios de quem tem menos voz.
O Ortográfico tem como objectivo o crescimento
da importância da nossa língua a nível mundial;
o da Troika, o decréscimo das despesas do Estado
e o recuo da economia nacional, com aumentos
apenas na taxa de desemprego e no horário de
trabalho.
Em 2011, as conversas de rua, de rádio, de
café e autocarro ganharam um novo vocabulário.
Se no princípio do ano aprendemos a falar em
charters e se durante o Verão passámos a utilizar
a expressão "isso é coisa que a mim não me assiste", já o último semestre foi dominado pela gíria
económico-financeira. Em vez de bola, como era
costume, falamos de bolsa.
De súbito, a Dona Maria e o Senhor Manel
começaram a discutir o rating do bacalhau, ao
balcão da mercearia, e a ponderar a hipótese de
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recorrer a ajuda externa para pagar as batatas e a
couve. Desemprego, infelizmente, já usávamos,
mas tivemos de desenrolar a língua para dizer
Competitividade e desenterrar das brumas dos
anos 80 o substantivo Austeridade.
O termo imigrante, que andou na moda nos
anos de crescimento económico, quando moldavos e ucranianos cá chegavam para ganhar a
vida, foi quase apagado da linguagem da rua e
substituído por emigrante, que é o que a geração
à rasca, a que descobriu o sushi em 2011, se prepara para ser, desta vez com malas de cartão-multibanco, claro. Os Censos 2011 mostraram que a
população estava em défice e só se mantinha um
saldo positivo graças à entrada no país de trabalhadores estrangeiros. Se estes deixam de vir e
ainda por cima começamos a sair... Talvez seja o
nosso Fado, o nosso património imaterial, mas é
triste se assim definharmos.
P
ara não se falar só em tristezas, outros
dois termos entraram também para a
linguagem do dia-a-dia em 2011: solidariedade e voluntariado, valha-nos isso.
Como dizia Vaclav Havel, o símbolo da
Revolução de Veludo checoslovaca, que morreu
nos últimos dias de 2011, "a esperança não é a
convicção de que algo vai necessariamente
correr bem, mas a certeza de que algo faz
mesmo sentido, independentemente do resultado que venha a ter". Por isso, talvez seja de
incluir Esperança na lista das palavras mais
usadas no ano da grande crise e esperar que
todos os sacrifícios façam sentido. n
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José Alberto Sardinha