OSCILAÇÃO DECADAL DO PACÍFICO E EVENTOS EXTREMOS DE ENOS DURANTE
AS ESTAÇÕES DE PRIMAVERA E VERÃO AUSTRAL
Gyrlene Aparecida Mendes da Silva * e Tércio Ambrizzi
*
RESUMO
O impacto da variabilidade inter El Niño/Oscilação Sul (ENOS) na circulação atmosférica e
conseqüente distribuição de umidade sobre a América do Sul durante a primavera e verão é
investigado. A análise inicialmente é baseada nos eventos ENOS ocorridos durante a fase quente da
Oscilação Decadal do Pacífico (ODP). As composições de anomalias de circulação atmosférica
mostram substanciais diferenças entre as estações austrais. Entretanto tais diferenças são mais
pronunciadas quando a atmosfera está sob a influência de El Niños fortes e fracos.
ABSTRACT
The impact of the inter El Niño/Southern Oscillation (ENSO) variability on the atmospheric
circulation and consequent moisture distribution over the South America during the spring and
summer is investigated. The analysis is primarily based on the ENSO events that occur during the
warm phase Pacific Decadal Oscillation (PDO). The composites of the circulation anomalies show
substantial differences between the austral seasons. However these differences are more
conspicuous when the atmosphere is influenced by strong and weak El Niños.
Palavras-chave: extremos de ENOS; distribuição de umidade; América do Sul
INTRODUÇÃO
Em escala de tempo interanual, alguns autores tem verificado que o fenômeno ENOS equivale
ao primeiro modo dominante da variabilidade da precipitação durante o verão austral na América do
Sul (Zhou and Lau, 2001 e referências). Atualmente vários trabalhos tem sido focados na
importância da variabilidade inter eventos do sinal do ENOS. Sobre a América do Sul, as
teleconexões da fase quente do fenômeno (El Niño- EN) indicam déficit de precipitação sobre a
região Amazônica e Nordeste do Brasil (Souza e Ambrizzi, 2002 e referências) e chuvas acima do
normal sobre o Sul do Brasil, Norte da Argentina, Uruguai e Chile (Aceituno, 1988; Grimm et al,
1998). A fase fria (La Niña -LN), tem de forma geral mostrado padrão de anomalias de chuvas com
*
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SP - Brasil - 05508-900.Tel. 11-30912835.E-mail: [email protected]; [email protected]
sinais opostos com seca sobre o Sul do Brasil e Sudeste da América do Sul (Ropelweski and
Halpert, 1989). Drumond e Ambrizzi (2003) através de estudo numérico e observacional dos
eventos EN 1982/83, 86/87, 91/92 e 97/98, verificaram a existência da variabilidade inter episódios
da forçante de TSM, da circulação atmosférica e conseqüentemente impacto na precipitação sobre
as Américas, sendo que para a América do Sul a maior influencia está sobre Uruguai, Sul do Brasil
e Norte da Argentina.
As anomalias de precipitação relacionadas ao ENOS e circulações associadas em muitas
partes do globo parecem ser moduladas pelo modo de variabilidade inter-decadal do Pacífico
(Mestas-Nuñez and Enfield, 2001 e referências). Vários autores têm atribuído recentes mudanças no
clima global à variabilidade interdecadal das anomalias mensais de TSM do Pacífico Tropical
observadas na década de 70 e que tem ocorrido simultaneamente com mudanças na resposta não linear do sinal do ENOS (Wu and Hsieh, 2003 e referências). De acordo com Mantua et al. (1997)
esta mudança entre fases quente e fria em aproximadamente 10 anos é definida como Oscilação
Decadal do Pacífico (ODP) sendo caracterizada pela fase fria de 1890-1924 e novamente 19471976, e quente dominando de 1925-1946 e de 1977 até fins da década de 1990. Para a América do
Sul, Andreoli and Kayano (2005) sugerem que o sinal do EN na precipitação do continente durante
a estação de verão é mais pronunciado durante a fase quente da ODP do que na fase fria. Diferenças
nas composições de função de corrente em 200 hPa parecem ser cruciais na determinação das
diferenças entre as composições de precipitação durante os dois regimes da ODP. De acordo com
Garcia and Kayano (2006) o primeiro modo de EOF para os períodos de 1948-1976 e 1977-1999
mostraram padrões similares e descreve a variabilidade interanual superposta a variabilidade
decadal no regime de monção da América do Sul. Vale ressaltar que os estudos referenciados
anteriormente para a América do Sul analisam basicamente a estação de verão e não levam em
consideração os extremos das fases fria e quente do ENOS (eventos fortes e fracos) e também como
as mudanças na circulação atmosférica de grande escala afetam as anomalias de umidade sobre o
continente. O objetivo da presente análise é investigar as mudanças na circulação atmosférica e
distribuição de umidade sobre a América do Sul durante a primavera e verão em decorrência da
variabilidade inter extremos do ENOS ocorridos durante a fase quente da ODP.
DADOS E METODOLOGIA
Médias mensais de reanálises do NCEP (Kalnay et al., 1996) foram selecionadas para os
meses de Set - Fev entre 1950 a 2000: velocidade vertical (ω) em 500 hPa, ventos zonal (u) e
meridional (v) e umidade específica (q) de 1000 - 300 hPa distribuídos a cada de 2.5º de grade;
função de corrente (ψ) no nível sigma de 0.21 em uma grade gaussiana. Os eventos de ENOS foram
analisados com base no critério de classificação de Zhou et al.(2001). Anomalias mensais das
reanálises foram computadas para cada ponto de grade e extraídas com base na média climatológica
de anos Neutros. Calculou-se a componente zonalmente assimétrica da variável ψ e através dos
campos de u,v e q foi calculado o fluxo de vapor d'água atmosférico integrado verticalmente e
divergente associado. Este campo é representativo da configuração do escoamento do ar em níveis
inferiores da atmosfera, devido às características da distribuição vertical de umidade e foi calculado
de forma discretizada assim como no trabalho de Fernandes (2003). Composições das anomalias
foram aplicadas separadamente para os trimestres SON e DJF de acordo com a variabilidade interENOS obtidos durante a fase quente da ODP. A significância estatística das anomalias foram
obtidas através do teste t-Student (Harrison and Larkin, 1998) ao nível de confiabilidade de 90%.
RESULTADOS
A Fig. 1 ilustra as composições de anomalias relativas à primavera dos anos de EN fortes
selecionados. Podemos observar um par de anticiclones na região central do Pacífico Equatorial em
ambos hemisférios. Os sistemas integram um padrão intenso e bem configurado de ondas de Rossby
que se propaga em direção sudeste e atinge a América do Sul, configurando um centro anticiclônico
em torno da latitude de 25ºS (Fig. 1a). Um centro ciclônico sobre o Nordeste do Brasil parece estar
relacionado a anomalia na célula de circulação de Walker, com o ramo ascendente no centro-leste
do Pacífico Tropical e descendente no lado oeste (Fig. 1b). Entre 30ºS e 40ºS sobre o continente
observa-se um dipolo com movimento subsidente e divergência anômala de umidade em torno do
extremo sul do Brasil e movimento ascendente e convergência anômala ao oeste desta região (Figs.
1b e 1c). Um fluxo divergente anômalo a oeste da Amazônia parece transportar umidade em direção
ao Uruguai e Norte da Argentina. A Fig. 2 reflete as diferenças significativas entre verão e
primavera de EN fortes. Na anomalia de ψ (200 hPa) observamos um deslocamento de fase no
padrão de ondas de Rossby caracterizando uma intensificação da circulação ciclônica sobre o
extremo leste do Brasil e sobre latitudes subtropicais no continente (Fig. 2a). Valores negativos de ω
(500 hPa) sobre a Bacia do Prata indicam que no verão o movimento ascendente é maior que na
primavera (Fig. 2b). A anomalia de fluxo de vapor d'água atmosférico integrado verticalmente e
divergente associado mostra diferenças significativas positivas (negativas) sobre o Nordeste (Sul)
do Brasil indicando uma redução (aumento) no transporte de umidade para essa região durante o
verão (Fig. 2c). A Fig.3 mostra as composições de anomalias durante a primavera dos anos de EN
fracos. Na anomalia de ψ (200 hPa) há inversão dos ventos de oeste sobre latitudes subtropicais (Fig.
3a) o que parece favorecer movimentos subsidentes e divergência de umidade sobre os subtrópicos
da América do Sul (Figs. 3b e 3c). Através da Fig. 3c observa-se um fluxo divergente sobre o oeste
da Amazônia e transporte de umidade em direção ao centro-leste do Brasil formando uma região de
convergência com núcleo centrado em 52°W; 10ºS. Fazendo a diferença entre verão e primavera
(Fig. 4) observamos a intensificação dos ventos de oeste sobre latitudes subtropicais que está
relacionado a diferenças significantes e negativas de ω (500 hPa) sobre a região da Bacia do Prata
(Figs.4a e 4b). Essa estrutura é refletida na Fig. 4c onde as diferenças mais significativas são
relacionadas a um fluxo anticiclônico centrado em 45ºW e 25ºS e transporte associado de umidade
do sudeste da América do Sul em direção a Bacia do Prata. Sobre a Amazônia central e extremo
norte do País a convergência de umidade indica que ocorrem padrões opostos entre as estações.
As composições de anomalias para a primavera de LN fortes são mostradas na Fig. 5.
Observamos um trem de ondas de Rossby com fase oposta aos dos eventos de EN com predomínio
de uma circulação anticlônica sobre latitudes tropicais e ciclônica ao sul. Esta configuração parece
intensificar os ventos de oeste em torno de 30ºS sobre o continente, entretanto não dá suporte a
movimentos ascendentes em torno da mesma latitude (Figs. 5a e 5b). Na Fig. 5c observamos
convergência de umidade sobre a região da Bacia do Prata e centro-leste do Brasil. A Fig. 6 mostra
as diferenças significativas entre verão e primavera de LN fortes. Em grande escala há um
deslocamento de fase na estrutura ondulatória em altos níveis entre as estações, que está relacionada
à intensificação de uma circulação ciclônica sobre o leste do Brasil (Fig. 6a). Em níveis médios a
principal diferença está na intensificação dos movimentos ascendentes sobre a região Amazônica
Equatorial durante o verão (Fig. 6b) que é consistente com convergência de umidade sobre a mesma
região (Fig. 6c). Adicionalmente observamos divergência de umidade sobre o centro-leste do Brasil
indicando que na primavera este padrão é mais intenso, e convergência de umidade sobre região Sul
e Norte da Argentina associado a um fluxo de norte indicando que há inversão de padrões entre as
estações sobre as mesmas regiões. A Fig. 7 ilustra as composições de anomalias durante a
primavera dos anos de LN fracas. A anomalia de ψ (200 hPa) mostra uma estrutura de fase similar
ao padrão observado em LN fortes, porém com menor amplitude (Fig. 7a). Na Fig. 7b notamos
valores mais significativos relativos a movimento ascendente sobre o centro-norte da América do
Sul. Consistentemente observamos convergência anômala de umidade sobre a mesma região que
está associada a um fluxo divergente de sul vindo do Atlântico Sudoeste em direção ao continente
(Fig. 7c). Na Fig. 8 podemos observar as diferenças mais significativas entre verão e primavera de
LN fracas. As diferenças entre as anomalias de ψ (200 hPa) mostram a configuração de uma
circulação anticiclônica sobre o sudoeste do continente, indicando a atuação de circulações opostas
entre as estações sobre a mesma região (Fig. 8a). Na Fig. 8b o padrão de movimento ascendente
sobre o sul do Brasil também sugere que ocorre inversão de padrões de velocidade vertical sobre a
região durante as estações, entretanto valores positivos no centro-norte do Brasil entre 50ºW e 60ºW
indicam a intensificação de movimentos ascendentes durante a primavera. Coerentemente
observamos convergência de umidade sobre o Sul da Brasil e divergência de umidade nos trópicos
entre 50ºW e 60ºW.
(a)
(b)
(c)
Figura 1: Anomalias de (a) ψ (200 hPa); (b) ω (500 hPa) e (c) fluxo de vapor d’água atmosférico integrado
verticalmente e divergente associado para a primavera de EN fortes durante a fase quente da ODP. Isolinhas a
cada 2 m2/s; 0.02 Pa/s e 2 mm/dia e anomalias estatisticamente significantes ao nível de 90% estão sombreadas.
(a)
(b)
(c)
Figura 2: Diferença das anomalias de ψ (200 hPa); (b) ω (500 hPa) e (c) fluxo de vapor d’água atmosférico
integrado verticalmente e divergente associado, entre a primavera e o verão austral de EN fortes. Isolinhas a
cada 2 m2/s; 0.02 Pa/s e 2 mm/dia e anomalias estatisticamente significantes ao nível de 90% estão sombreadas.
(a)
(b)
(c)
Figura 3: Idem a Figura 1, mas para os EN fracos.
(a)
(b)
(c)
Figura 4: Idem a Figura 2, mas para os EN fracos.
(a)
(b)
(c)
Figura 5: Idem a Figura 1, mas para as LN fortes.
(a)
(b)
(c)
Figura 6: Idem a Figura 2, mas para as LN fortes.
(a)
(b)
(c)
Figura 7: Idem a Figura 1, mas para as LN fracas.
(a)
(b)
(c)
Figura 8: Idem a Figura 2, mas para as LN fracas.
CONCLUSÕES
As composições de anomalias de circulação atmosférica sobre a América do Sul mostram
substanciais diferenças entre verão e primavera austral, sendo estas diferenças mais significativas
quando a atmosfera está sob a influência de EN fortes e fracos. Neste caso, diferenças no padrão
ondulatório em altos níveis parecem ser cruciais na determinação das anomalias de distribuição
vertical de umidade sobre o continente. Exceto para os eventos de EN fortes, os demais extremos de
ENOS parecem contribuir com padrões de anomalias de circulação de sinais opostos entre as
estações nas regiões de latitudes subtropicais como a Bacia do Prata, por exemplo . Os resultados
aqui apresentados complementam o atual conhecimento relativo às anomalias de circulação
atmosférica sobre a América do Sul associado ao fenômeno ENOS. Entretanto uma análise
semelhante merece atenção levando em conta não somente a evolução sazonal das anomalias
atmosféricas, mas também o impacto das distintas fases da ODP na variabilidade inter-ENOS.
AGRADECIMENTOS: a FAPESP (05/01804-0) pelo apoio financeiro e CNPq por auxílios recebidos.
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