FUNDAÇÃO ESCOLA SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO
DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS
ANA CAROLINA DE CARVALHO LOPES GOUVÊA
A SUCESSÃO DO COMPANHEIRO
Brasília
2009
ANA CAROLINA DE CARVALHO LOPES GOUVÊA
A SUCESSÃO DO COMPANHEIRO
Trabalho de conclusão de curso de PósGraduação apresentado à Escola Superior do
Ministério
Público
do
Distrito
Federal
e
Territórios.
Orientador: Professor Walsir Edson Rodrigues
Júnior.
Brasília
2009
ANA CAROLINA DE CARVALHO LOPES GOUVÊA
A SUCESSÃO DO COMPANHEIRO
Trabalho de conclusão de curso de pós- Graduação
apresentado à Escola Superior do Ministério Público do
Distrito Federal e Territórios.
Orientador: Walsir Edson Rodrigues Junior
Brasília, 20 de maio de 2009
Nota: ______
Dedico mais essa etapa cumprida a Deus,
que me iluminou e me deu forças durante
esse tempo, aos meus pais e meu irmão que
muito me ajudaram e apoiaram na
realização desse trabalho, ao Roberto por
seu apoio incondicional e aos meus amigos,
pelos debates sobre o tema .
.
AGRADECIMENTO
Agradeço ao professor Walsir, pela inspiração
ao tema e por seu apoio como meu orientador
durante essa longa jornada, a todos os
professores da Escola pelo ensinamento, à
Roberto pelo incentivo.
.
“A diferença entre o sonho e a realidade é a
quantidade de tempo investido e a dedicação.”
Autor desconhecido
RESUMO
A pesquisa envolve assuntos referentes à sucessão do companheiro
no código civil de 2002. Aborda os seguintes temas: a união estável na
Constituição Federal de 1988; concorrência do companheiro na forma do artigo
1790 do Código Civil, concorrência do companheiro com filhos comuns,
concorrência do companheiro com descendentes só do autor da herança,
concorrência do companheiro com filiação híbrida, concorrência do companheiro
com outros parentes sucessíveis, direito à totalidade da herança quando não há
parentes sucessíveis; Direito Real de Habitação na União Estável; análise do
companheiro como herdeiro necessário; abordagem sobre a constitucionalidade de
estatuto diferenciado para a sucessão do companheiro e os aspectos processuais.
Palavras-chave: A sucessão do companheiro. Art 1790 do CC.
ABSTRACT
The research involves referring subjects to the succession of the
friend in the civil code of 2002. It approaches the following subjects: the steady
union in the Federal Constitution of 1988; competition of the friend in the form of
article 1790 of the Civil, competition of the friend with common children,
competition of the friend with descendants alone of the author of the inheritance,
competition of the friend with hybrid filiation, competition of the friend with
other successive relatives, right Code to the totality of the inheritance when it does
not have successive relatives; Right in rem of Habitation in the Steady Union;
analysis of the necessary friend as inheriting; boarding on the constitutionality of
statute differentiated for the procedural succession of the friend and aspects.
Key words: The succession of the friend. Art 1790 of the CC.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 10
2 A UNIÃO ESTÁVEL NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 .................................... 13
3 A SUCESSÃO DO COMPANHEIRO NO CÓDIGO CIVIL DE 2002: UMA ANÁLISE
DO ART. 1790 DO CC ................................................................................................................ 16
3.1 Meação..................................................................................................................................... 19
3.2 Concorrência do companheiro com filhos comuns ................................................................. 20
3.3 Concorrência do companheiro com descendentes só do autor da herança.............................. 20
3.4 Concorrencia do companheiro com filiação híbrida................................................................ 22
3.5 Concorrência do companheiro com outros parentes sucessíveis............................................. 24
3.6 Direito à totalidade da herança quando não há parenres sucessíveis ..................................... 31
4 DIREITO REAL DE HABITAÇÃO NA UNIÃO ESTÁVEL.............................................. 35
5 O COMPANHEIRO COMO HERDEIRO NECESSÁRIO- ANÁLISE ............................. 39
6 UMA ABORDAGEM SOBRE A CONSTITUCIONALIDADE DA SUCESSÃO DO
COMPANHEIRO........................................................................................................................ 41
7 OS ASPECTOS PROCESSUAIS RELACIONADOS À SUCESSÃO DO
COMPANHEIRO........................................................................................................................ 48
8 CONCLUSÃO........................................................................................................................... 54
REFERÊNCIAS .......................................................................................................................... 56
10
1 INTRODUÇÃO
A constituição de 1988 ampliou o conceito de família, reconhecendo a União Estável
entre o homem e a mulher como entidade familiar, bem como a comunidade formada por
qualquer dos pais e seus descendentes.
O artigo 1723 do Código Civil também estabeleceu que “é reconhecida como
entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência
pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.
Dessa forma, são elementos caracterizadores da união estável: continuidade, união pública,
diversidade de sexos, união duradoura (não tem prazo mínimo) e o objetivo de constituir
família.
A monografia visa analisar os direitos sucessórios do companheiro ou companheira
na união estável. Será feita um análise do artigo 1790 do CC, o qual trata da sucessão do
companheiro e prevê que: “a companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro,
quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições
seguintes: I- se concorrer com filhos comuns terá direito a uma quota equivalente á que por lei
for atribuída ao filho; II- se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a
metade do que couber a cada um daqueles; III- se concorrer com outros parentes sucessíveis,
terá direito a 1/3 (um terço) da herança; IV- não havendo parentes sucessíveis, terá direito à
totalidade da herança”.
O problema a ser levantado é: o artigo 1790 do CC, que trata da sucessão do
companheiro(a) encontra respaldo com a proteção conferida pelo Estado à família na
Constituição Federal de 1988? A hipótese a ser analisada e desenvolvida para resolver o
problema formulado é a seguinte: O artigo 1790 do Código Civil, que trata da sucessão do
companheiro na união estável, não guarda relação com os princípios constitucionais da
igualdade e dignidade da pessoa humana.
Por conseguinte, a doutrina encontra algumas controvérsias na análise da sucessão do
companheiro ou companheira.
Alguns aspectos do artigo 1790 do CC são criticados, como o fato do companheiro
concorrer com parentes sucessíveis, ou seja, o companheiro concorre com os ascendentes e
colaterais até o 4º grau (primos, tios-avós ou sobrinhos-netos). Dessa forma, o companheiro
só terá direito a totalidade da herança se não concorrer com nenhum parente sucessível.
11
Zeno Veloso1 critica veemente o fato de o legislador privilegiar vínculos biológicos
remotos em prejuízo dos vínculos de amor, de afetividade. Ensina que o novo Código Civil
Brasileiro, “resolve que o companheiro sobrevivente, que formou uma família, manteve uma
comunidade de vida com o falecido, só vai herdar, sozinho, se não existirem descendentes,
ascendentes, nem colaterais até o 4º grau do de cujus. Temos que convir: isto é demais!”
Outra crítica é a regra prevista no caput, em que o companheiro só participa da
sucessão do outro quanto aos bens adquiridos onerosamente na constância da união estável.
Aos demais herdeiros serão conferidos os bens que o falecido já possuía antes de ser iniciada
a comunhão de vida entre ambos.
Outro aspecto em que o Código Civil é omisso no seu artigo 1790, é sobre a
concorrência do companheiro com filiação híbrida, ou seja, concorrência do companheiro
com descendentes comuns e descendentes somente do autor da herança. Na doutrina há
divergência de entendimentos, mas a maioria defende a aplicação do inciso I do art. 1790 CC,
que prevê direito do companheiro a uma quota equivalente a que por lei for atribuída ao filho.
Outra questão interessante sobre a sucessão do companheiro que será analisada na
pesquisa é o fato do companheiro não ser herdeiro necessário, conforme defendido pela
maioria da doutrina. O artigo 1845 não tratou do companheiro como herdeiro necessário,
conforme preceitua: “são herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge”.
Outra divergência a ser estudada é a questão da concorrência do companheiro com o
poder público. A maioria da doutrina diz que o companheiro não concorre com o poder
público.
Questão polêmica é se sobre o direito real de habitação sobre o imóvel destinado a
moradia da família, o qual está estabelecido no art. 7º, parágrafo único da Lei nº 9278/96, que
prevê: “dissolvida união estável por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito
real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao
imóvel destinado à residência da família”. O Código civil foi omisso sobre o direito real de
habitação em relação ao companheiro, mas a maioria da doutrina entende que o companheiro
tem esse direito.
Dessa forma, tendo em vista as questões polêmicas acerca da sucessão do
companheiro, prevista no artigo 1790 do Código Civil, a pesquisa visa analisar com detalhes
tais questões, principalmente se encontram respaldo com os princípios estabelecidos na
Constituição Federal como: isonomia, dignidade da pessoa humana e solidarismo social.
1
VELOSO. Zeno. Do Direito Sucessório dos Companheiros. In Direito de família e o novo código civil: DIAS,
Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord).. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 248.
12
É evidente a necessidade de uma nova reforma referente à sucessão dos
companheiros. Somente com uma revisão da norma prevista no código civil é que se poderá
pensar em uma solução para as inúmeras divergências e lacunas da lei.
Zeno Veloso2 assinala que o artigo 1790 do Código Civil merece censura e crítica
severa, porque é deficiente e falho em substância. Veloso vê o artigo 1790 do CC como um
retrocesso na sucessão entre companheiros, se comparado com a legislação que estava até
então em vigor.
Ana Luíza Maia Nevares3 ensina que “para que a solidariedade constitucional
(CF/1988, art. 3º, I) tenha ampla realização no âmbito do Direito Sucessório, é preciso que as
regras da sucessão legal observem a pessoa do sucessor, não havendo discriminação quanto à
entidade familiar da qual o mesmo pertence. Somente assim será construído um sistema
sucessório em conformidade com o princípio da dignidade da pessoa humana”.
Assim, a pesquisa busca analisar se os aspectos sucessórios do companheiro gozam
da proteção reconhecida à família pelo Estado na Constituição Federal. A contribuição da
pesquisa é analisar se a sucessão do companheiro foi tratada pelo Código Civil, em seu artigo
1790, de forma adequada.
Diante desse mister, há de se ressaltar a relevância dos aspectos sucessórios, que
regulamenta a transmissão do patrimônio de uma pessoa aos seus herdeiros, quando se tratar
de convivente em união estável.
2
VELOSO. Zeno. Do Direito Sucessório dos Companheiros. In Direito de família e o novo Código Civil:
DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord).. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p.242.
3
NEVARES, Ana Luiza Maia. Os direitos Sucessórios do Cônjuge e do Companheiro. Revista Brasileira de
Direito de Família, nº 36. Ano VIII, Jun-julho 2006, p. 145.
13
2 A UNIÃO ESTÁVEL NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Com a promulgação da Constituição Federal em 1988, o conceito de família foi
ampliado, incluindo-se a união estável, conforme prevê o artigo 226, parágrafo 3º da
Constituição Federal: “para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre
o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em
casamento”. Assim, a partir dessa data, a união estável foi reconhecida como entidade
familiar.
Eduardo de Oliveira Leite4 ensina que “a Constituição de 1988 reconheceu as uniões
estáveis e delegou ao legislador (infraconstitucional) o poder de se manifestar sobre a
matéria”. E acrescenta:
É a fase do caos porque, sem rumo e sem princípios coerentes, a matéria foi
tratada de forma tão variável e contraditória que não se conseguia determinar
a linha, ou o perfil de uma tendência nitidamente nacional. Assim, a título de
exemplo, chegou-se mesmo a conceder alimentos aos ex-companheiros, sem
qualquer suporte jurídico a legitimar tal concessão5
Guilherme Calmon6 destaca que para propiciar efetiva tutela às situações jurídicas
existenciais, a ordem jurídica passou a valorizar aqueles que apresentam maior intensidade de
vínculos: “Daí inclusive a proteção às famílias fundadas na união estável formada entre os
companheiros (art. 1790) e a desproteção às famílias fundadas no casamento em que haja
separação de fato (1830)”. Sobre a mudança do ordenamento jurídico ensina que:
Tal mudança reflete, exatamente, o giro que o ordenamento jurídico
brasileiro apresentou em 1988 com a despatrimonialização, a
repersonalização do Direito Civil e, ao mesmo tempo, a desbiologização e a
dessacralização dos vínculos familiares. Trata-se da valorização do “ser” em
detrimento do “ter” ou, em outras palavras, o reconhecimento7.
Após o tratamento dispensado pela Constituição Federal em 1988, vieram as leis
ordinárias, quais sejam, Lei nº 8971/94 (Lei do Concubinato), Lei nº 9278/96 (Lei dos
Conviventes), seguidas pelo atual tratamento do Código Civil de 2002. Importante ressaltar
4
LEITE, Eduardo de Oliveira. Direito Civil Aplicado. Volume 5. São Paulo: RT, 2005, p. 421.
LEITE, Eduardo de Oliveira. Direito Civil Aplicado. Volume 5. São Paulo: RT, 2005, p. 421.
6
NOGUEIRA DA GAMA, Guilherme Calmon. Concorrência Sucessória à luz dos Princípios Norteadores do
Código Civil de 2002. Revista Brasileira de Direito de Família, nº 29. Ano VII, Abr-Maio 2005, p. 22.
7
NOGUEIRA DA GAMA, Guilherme Calmon. Concorrência Sucessória à luz dos Princípios Norteadores do
Código Civil de 2002. Revista Brasileira de Direito de Família, nº 29. Ano VII, Abr-Maio 2005, p. 22.
5
14
que a lei nº 9278/96 traz um conceito de união estável, dispondo em seu artigo 1º que “É
reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um
homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família”.
Maria Berenice Dias faz uma análise histórica dos direitos sucessórios dos
companheiros após a Constituição de 1988, nos seguintes termos:
Mesmo com o advento da norma constitucional, que reconheceu a união
estável como entidade familiar (CF 226§3º), a jurisprudência resistiu em
conceder direito sucessório aos companheiros. (...) Foi somente com o
advento da legislação que regulou a norma constitucional que a união estável
foi admitida como família, com direitos sucessórios iguais ao casamento (Lei
8971/1994 e 9278/1996)8.
Zeno Veloso também analisa a sucessão dos companheiros após a Constituição de
1988:
Com o advento da Constituição de 1988, entrou em vigor o art. 226, § 3º,
que enuncia: “Para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união
estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei
facilitar sua conversão em casamento”. Em nível infraconstitucional,
regulando e explicitando o estatuído na Carta Magna, vigoraram no país
duas leis: Lei nº 8971, de 29 de dezembro de 1994, e Lei nº 9278, de 10 de
maio de 1996. A primeira tratou da sucessão entre companheiros; a segunda,
em complemento, previu o direito real de habitação9.
Em consonância com essa nova construção, é importante o estudo dos direitos
sucessórios do companheiro, os quais devem ser analisados à luz da proteção conferida pelo
Estado à entidade familiar. Os preceitos da Constituição Federal dão ênfase na necessidade
de sempre buscar as garantias constitucionais da igualdade e dignidade da pessoa humana.
Ana Luiza Maia10 diz que enquanto a Constituição Federal de 1988 concebeu a
família de forma plural, prevendo outros modos de constituição da entidade familiar além do
casamento, o Código Civil de 2002 foi projetado estipulando tão somente o matrimônio como
único núcleo legitimador da comunidade familiar. Daí, ao ser incluída a união estável no
Projeto do Código Civil de 2002, não houve uma real apreensão do instituto, com todas as
suas peculiaridades e diferenciações em relação ao casamento.
8
DIAS, Maria Berenice. Manual das Sucessões. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 65.
VELOSO. Zeno. Do Direito Sucessório dos Companheiros. In Direito de família e o novo Código Civil:
DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord).. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p.236.
10
NEVARES, Ana Luiza Maia. Os direitos Sucessórios do Cônjuge e do Companheiro. Revista Brasileira de
Direito de Família, nº 36. Ano VIII, Jun-julho 2006, p. 140.
9
15
Observa-se, portanto, que enquanto a Constituição Federal de 1988 deu especial
proteção do Estado para a união estável, o Código Civil de 2002 trouxe várias diferenciações
entre a sucessão do companheiro e a sucessão do cônjuge.
16
3 A SUCESSÃO DO COMPANHEIRO NO CÓDIGO CIVIL DE 2002: UMA
ANÁLISE DO ARTIGO 1790.
Os direitos sucessórios do companheiro vêm regulados no artigo 1790 do Código
Civil que estabelece:
Art. 1790- A companheira ou o companheiro participará da sucessão do
outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência de união
estável, nas condições seguintes: (grifo nosso)
IIIIIIIV-
se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente
à que por lei for atribuída ao filho;
se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a
metade do que couber a cada um daqueles;
se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a 1/3 (um
terço) da herança;
não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da
herança.
Ao dispositivo citado, foram feitas várias críticas por parte da doutrina. O “caput” do
artigo estabelece que a sucessão do companheiro limita-se aos bens adquiridos onerosamente
durante a vigência da união estável.
O professor Sílvio Rodrigues11 faz uma análise dos bens adquiridos na Constância da
união estável, e conclui que, se durante a união estável dos companheiros, “não houve
aquisição, a título oneroso, de nenhum bem, não haverá possibilidade de o sobrevivente
herdar coisa alguma, ainda que o de cujus tenha deixado valioso patrimônio, que foi formado
antes de constituir união estável”.
Sílvio Rodrigues12 ensina que “não se pode chegar a outra conclusão senão a de que
o direito sucessório do companheiro se limita e se restringe, em qualquer caso, aos bens que
tenham sido adquiridos onerosamente na vigência da união estável”.
Importante crítica sobre o tema é a do professor Zeno Veloso
Restringir a incidência do direito sucessório do companheiro sobrevivente
aos bens adquiridos onerosamente pelo de cujus na vigência da união estável
não tem nenhuma razão, não tem lógica alguma, e quebra todo o sistema,
podendo gerar conseqüências extremamente injustas: a companheira de
11
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil: Direito das Sucessões. Atualização Zeno Veloso. 26 ed, São Paulo:
Saraiva, 2007, p. 118.
12
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil: Direito das Sucessões. Atualização Zeno Veloso. 26 ed, São Paulo:
Saraiva, 2007, p. 117.
17
muitos anos de um homem rico, que possuía vários bens à época em que
iniciou o relacionamento afetivo, não herdará coisa alguma do companheiro
se este não adquiriu outros bens durante o tempo da convivência. Ficará essa
mulher- se for pobre- literalmente desamparada, mormente quando o
falecido não cuidou de beneficiá-la em testamento. O problema se mostra
mais grave e delicado se considerarmos que o novo Código Civil nem fala
no direito real de habitação sobre o imóvel destinado à residência da família,
ao regular a sucessão entre companheiros, deixando de prever, em outro
retrocesso, o benefício já estabelecido no art. 7º, parágrafo único, da Lei nº
9278/9613.
Dessa forma, renomados autores criticam o “caput” do art. 1790 do CC, pois o
mesmo pode causar graves injustiças. Certos autores, como Guilherme Calmon14, defendem a
inconstitucionalidade do “caput” do artigo 1790 do CC, pois o mesmo retirou direitos e
vantagens antes existentes em favor dos companheiros, quando deveria dar proteção especial
para essas famílias.
Guilherme Calmon também critica a posição que o art. 1790 ocupou no Novo
Código Civil, uma vez que o assunto foi tratado no Capítulo I, Disposições Gerais, do Título
referente “A Sucessão em Geral”. A crítica é relevante, pois a sucessão do cônjuge está
inserida no Capítulo referente “Da ordem da Vocação Hereditária”. Calmon comenta:
A maior crítica que deve ser feita ao referido art. 1829 é a de não ter incluído
o companheiro na ordem da vocação hereditária, deixando que a matéria
fosse disciplinada no art. 1790 do texto codificado, ou seja, em parte
completamente distinta daquela que envolve a ordem de chamamento dos
herdeiros legítimos; desse modo, revela a permanência (sub-reptícia) de
tratamento discriminatório relativamente ao companheirismo. Como já
comentou ZENO VELOSO, “numa conclusão que poderia ter sido do
Conselheiro Acácio, personagem de Machado de Assis, não devia o art.
1790 estar nas Disposições Gerais porque de disposições gerais não trata. O
art. 1790 tinha de ficar no capítulo que regula a ordem de vocação
hereditária15.
Portanto, o primeiro passo frente a morte de um dos companheiros será a constatação
de quais bens farão parte da sucessão do companheiro sobrevivente. Sobre os bens adquiridos
a título oneroso durante a união estável, incidirá as regras do art. 1790 do CC e sobre os
demais bens (adquiridos por herança, doação, etc.) recairá a norma prevista no art. 1829 e
seguintes do Código.
13
Ob cit., p. 243
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito civil: sucessões. São Paulo: Atlas, 2007. p. 27.
15
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Concorrência Sucessória à luz dos Princípios Norteadores do Código
Civil de 2002. Revista Brasileira de Direito de Família, nº 29. Ano VII, Abr-Maio 2005, p. 22
14
18
Para Maria Berenice Dias, o código civil trouxe prejuízo para o companheiro
sobrevivente nos termos seguintes:
O Código Civil, ao tratar do direito sucessório na união estável, ao menos
em cinco aspectos, trouxe inegável prejuízo ao companheiro sobrevivente:
(a) não o reconheceu como herdeiro necessário; (b) não lhe assegurou quota
mínima; (c) o inseriu no quarto lugar na ordem de vocação hereditária,
depois dos colaterais; (d) limitou o direito concorrente aos bens adquiridos
onerosamente durante a união; e (e) não lhe conferiu direito real de
habitação16.
Giselda Hironaka também ensina sobre a sucessão de pessoa que era unida
estavelmente:
A sucessão de pessoas que vivam em união estável no momento de sua
morte não dependerá, para a concorrência do companheiro com os demais
herdeiros, da verificação do regime de bens adotado por contrato de
convivência ou mesmo por forma tácita, acatando as regras do regime legal
por força de disposição legal supletiva – ainda que esta opção legislativa
pareça extremamente injusta, por desconsiderar a equalização entre cônjuge
e companheiro, determinada pela Constituição Federal brasileira -, mas
dependerá, sim, da origem dos bens que componham o acervo hereditário
deixado pelo de cujus17.
O estudo dos direitos sucessórios do companheiro é de extrema relevância, visto que
devem ser analisados à luz dos princípios constitucionais. As críticas sobre o art. 1790 do CC
brevemente terão repercussões, haja vista que há um projeto de Lei – Projeto nº 6960/02 propondo alterações para o referido artigo.
Sobre os princípios e da importância do estudo dos direitos sucessórios, destaca
Calmon:
O direito das Sucessões deve especialmente servir para a proteção da família
constituída pelo falecido, nos termos do art. 226, caput, da Constituição
Federal e, assim, cumprir importante função imposta pelo legislador
constituinte de viabilizar a maior segurança e justiça no âmbito das relações
civis. A concorrência sucessória se afigura como importante instituto que
propicia a concretização dos princípios da eticidade (sob o prisma da
dignidade da pessoa humana daqueles que, autenticamente, mantiveram
relações familiares com o falecido até o fim da existência deste); da
socialidade (levando em conta o solidarismo social que enfeixa todas as
relações jurídicas do sistema jurídico) e da operabilidade (diante da
16
DIAS, Maria Berenice. Manual das Sucessões. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 65
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes. O Sistema de Vocação Concorrente do Cônjuge e/ou do Companheiro
com os Herdeiros do Autor da Herança, nos Direitos Brasileiro e Italiano. Revista Brasileira de Direito de
Família, nº 29. Ano VII, Abr-Maio 2005, p. 61.
17
19
indispensabilidade de as normas jurídicas se tornarem mais próximas da
realidade social, sem o distanciamento que tradicionalmente se verificou,
especialmente sob a égide do Código Civil de 1916)18.
3.1 Meação
O art. 1725 do CC diz que “Na união estável, salvo contrato escrito entre os
companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão
parcial de bens”.
Maria Berenice Dias19 explica “O fato é que surge um estado de propriedade
condominial. O acervo construído durante a vida em comum é de ambos os companheiros. Já
os bens particulares que cada um tinha antes do início da união e os recebidos por doação ou
herança pertencem ao seu titular”.
Sobre a meação, Maria Berenice Dias ensina que o companheiro sobrevivente tem
direito a metade dos bens adquiridos onerosamente durante a união estável. Dessa forma, a
outra metade, juntamente com os bens particulares do falecido e os recebidos por doação ou
herança, tudo isso é chamado por ela de acervo hereditário:
Quando do falecimento de um deles, o outro tem direito à meação dos bens
comuns, chamados de aquestos. Ainda que a meação não integre o acervo
hereditário, necessariamente acaba arrolada no inventário, pois a separação
dos bens do parceiro sobrevivente ocorre quando da partilha (CPC 1023 II).
Quando se pensa na divisão da herança, é necessário antes excluir a
meação do companheiro sobrevivente, que se constitui da metade dos
bens adquiridos onerosamente no período de convivência. A outra
metade é o acervo hereditário, integrado pela meação do falecido, seus bens
particulares e os recebidos por doação ou herança. Aos herdeiros necessários
é reservada a legítima, que corresponde à metade deste patrimônio. A outra
metade é a parte disponível que seu titular pode dispor por meio de
testamento. Como o companheiro não é herdeiro necessário – por
injustificadamente não ter sido inserido na ordem de vocação hereditária-,
não tem direito à legítima20.
Assim, se durante a vigência da união estável houve a aquisição onerosa de bens, é
preciso assegurar ao ex-companheiro o direito à metade do patrimônio adquirido durante a
sua vigência.
18
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Concorrência Sucessória à luz dos Princípios Norteadores do Código
Civil de 2002. Revista Brasileira de Direito de Família, nº 29. Ano VII, Abr-Maio 2005, p. 24
19
DIAS, Maria Berenice. Manual das Sucessões. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 68
20
DIAS, Maria Berenice. Manual das Sucessões. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 68
20
3.2 Concorrência do companheiro com filhos comuns
O inciso I do artigo 1790 do CC prevê que, concorrendo com filhos comuns, o
companheiro terá direito a uma quota equivalente (mesma quota) atribuída aos filhos.
Maria Berenice Dias ensina que:
Desse modo, se todos os herdeiros forem filhos do casal, a fração que recebe
o companheiro é igual a de seus filhos, uma vez que a herança é dividida por
cabeça entre todos: conta-se como se fosse mais um filho. Portanto, se há um
só filho, a herança é dividida por dois. Sendo dois filhos, eles recebem dois
terços da herança, e o companheiro um terço. O mesmo ocorre se forem três
os filhos: cada um recebe uma quarta parte, e assim por diante. A divisão é
sempre igual entre os filhos e o seu genitor.21
Para exemplificar: um casal, João e Maria, adquiriu onerosamente na vigência da
união estável um patrimônio de R$480.000.00. O casal tinha 2(dois) filhos, Pedro e Paulo.
João morreu. Maria irá concorrer com os filhos comuns. Maria receberá como meeira
R$240.000,00. Os outros R$240.000,00 será dividido em 3 (três) partes iguais (Maria, Pedro e
Paulo). Então cada filho herdará a importância de R$80.000,00 e Maria ficará com um total
de R$320.000,00 (sendo R$240.000,00 como meeira + R$80.000,00 como herdeira).
3.3 Concorrência do companheiro com descendentes só do autor da herança
O inciso II do artigo 1790 do CC estabelece que, concorrendo o companheiro
sobrevivente com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a
cada um daqueles.
Maria Berenice Dias explica:
Quando os herdeiros são filhos somente do autor da herança, eles recebem
o dobro do companheiro sobrevivente. Ou seja, ele faz jus à metade do que
recebe cada um dos enteados. Para proceder à partilha, o jeito é multiplicar
por dois o número de filhos e somar mais um, que é a fração do parceiro.
21
DIAS, Maria Berenice. Manual das Sucessões. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 175.
21
Assim, se dois forem os filhos, a herança precisa ser dividida por cinco,
recebendo cada filho duas partes e o companheiro uma parte22.
Para exemplificar: Maria e João adquiriram onerosamente na vigência da união
estável um patrimônio de R$480.000.00. João tem dois filhos de outra união, Ana e Amélia.
Maria e João não têm filhos juntos. João morreu. Maria irá receber como meeira o valor de
R$240.000.00. Os outros R$240.000,00 vão para o inventário de João. Como Maria concorre
com descendentes só do autor da herança, ela terá metade do que couber a cada um deles.
Então Maria tem X. Ana tem 2X. Amélia tem 2X. Fazendo a soma ficará X + 2X + 2X =
240.000. Então 5 X = 240.000. X = 48.000.
Assim, Ana ficará com um patrimônio de R$96.000,00 ( 2 X, ou seja, 2 x 48.000).
Amélia também ficará com R$96.000,00. Já a companheira Maria ficará com um total de R$
288.000,00 ( R$ 240.000,00 como meeira + R$ 48.000,00 como herdeira).
De outro giro, observando os incisos I e II, percebe-se que o legislador referiu-se no
inciso I a filhos e no inciso II a descendentes. A professora Ana Luiza Maia faz uma crítica
nos seguintes termos:
Observe a má redação da lei, que se refere a filhos no inciso I e a
descendentes no inciso II. Interpretando extensivamente o art 1790, inciso I,
do Código Civil de 2002, entende-se que a intenção do legislador foi referirse de modo amplo aos descendentes do autor da herança. Outra exegese
não seria possível, uma vez que a interpretação restritiva do dispositivo em
exame levaria à ausência de previsão legal para a hipótese da concorrência
do companheiro com os demais descendentes comuns do de cujus, como os
netos. (...) Não há razão para que os netos recebam quotas diferenciadas em
relação aos filhos quando ambos sucedem por direito próprio. Nesta
hipótese, os descendentes devem suceder da mesma forma, quer sejam
filhos, netos, bisnetos, etc23 .
Observa-se, portanto, que houve uma má redação da lei, pois o inciso I se refere a
filhos e o inciso II refere-se a descendentes. Conclui-se então que o inciso I deve ser
interpretado de forma ampliativa, abrangendo os descendentes comuns, a fim de evitar
injustiças, como na hipótese de não haver filhos comuns, mas sim netos comuns.
Nesse sentido, há um enunciado de Francisco Cahali, aprovado durante a III jornada
de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal:
22
DIAS, Maria Berenice. Manual das Sucessões. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 175.
NEVARES, Ana Luiza Maia. Os direitos Sucessórios do Cônjuge e do Companheiro. Revista Brasileira de
Direito de Família, nº 36. Ano VIII, Jun-julho 2006, p. 151.
23
22
Aplica-se o inciso I do art, 1790 também na hipótese de concorrência do
companheiro sobrevivente com outros descendentes comuns e não apenas
na concorrência com filhos comuns.
Assim, se o companheiro concorrer com descendentes comuns (expressão mais
ampla que filhos), a herança será dividida em quotas iguais, na forma como prevê o inciso I
do art. 1790.
3.4 Concorrência do companheiro com filiação híbrida
O código civil é omisso quanto à concorrência do companheiro com filiação híbrida,
ou seja, quando o companheiro concorre ao mesmo tempo com descendentes comuns e com
descendentes somente do de cujus.
Na doutrina há divergências de opiniões, porém grande parte dos autores entende que
se deve aplicar a regra do inciso I do art. 1790 do CC. A professora Ana Luiza Maia entende
que este entendimento deve prevalecer e traz a opinião de dois grandes doutrinadores:
Verifica-se um problema quando o companheiro sobrevivente concorre com
descendentes comuns e descendentes somente do de cujus, hipótese em que
a lei é omissa. De acordo com Guilherme Calmon Nogueira da Gama24, é
perfeitamente possível interpretar o dispositivo e solucionar a questão, diante
da inserção do advérbio só no inciso II. Desse modo, o companheiro tem
direito à quota equivalente à que por lei for atribuída a cada filho do falecido
ainda que alguns deles sejam apenas do ex-companheiro, havendo a redução
a quota do companheiro à metade da quota de cada filho somente se o
falecido deixou apenas filhos próprios dele. Corroborando a solução acima,
Silvio de Salvo Venosa25 assinala que esta conclusão deflui a junção dos
dois incisos, não podendo ser admitida outra posição em virtude da
igualdade dos direitos sucessórios entre os filhos26. (grifo nosso).
Para Francisco José Cahali27, ocorrendo esta situação híbrida, ela não cabe no inciso
II, pois este expressamente se refere à disputa com descendentes só do autor da herança; mas
se encaixa no inciso I, em razão desta regra não restringir a concorrência só com filhos
24
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito civil: sucessões. São Paulo: Atlas, 2007. p. 47-48.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito das Sucessões. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 121.
26
Ob cit., p. 152.
27
CAHALI, Francisco José; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil:
direito das sucessões, v. 6. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 184.
25
23
comuns. Ocorrendo essa situação, enquadra-se a vocação na concorrência com filhos comuns,
pela razão acima exposta.
Francisco José Cahali e Fabiana Domingues Cardoso defendem a aplicação do inc. I
a fim de proporcionar igualdade entre os filhos, nos seguintes termos:
Em nosso entender a exegese do art. 1790, concorrendo o sobrevivente com
filhos comuns e com outros exclusivos do autor da herança, o critério de
divisão deverá ser aquele do inciso I, visto que a situação não se enquadra na
hipótese do inciso II, pois expressamente se refere à disputa com
descendentes únicos do companheiro falecido. Assim, temos simpatia por
esta posição, como outros autores (...), em que pese não se afastar com isso a
crítica a atécnica da norma, mas com isso intenta-se uma solução ao
problema enfrentado. Proporciona-se com essa aplicabilidade a igualdade
entre filhos e equilíbrio em relação ao companheiro sobrevivente, de forma a
evitar-se um prejuízo ou uma sanção, se reduzido seu quinhão, pelo fato de
não ser o genitor dos outros filhos (exclusivos) do falecido proveniente de
outro relacionamento.28
Para exemplificar: Maria e João adquiriram onerosamente na vigência da união
estável um patrimônio de R$120.000.00. João tem dois filhos de outra união, Ana e Amélia.
Maria e João têm 2 filhos juntos, Pedro e Paulo. João morreu. Maria irá receber como meeira
o valor de R$60.000.00. Os outros R$60.000,00 vão para o inventário de João. Como Maria
concorre com filiação híbrida (filhos somente do de cujus + filhos em comum), ela terá direito
à cota igual ou cota equivalente, segundo o entendimento majoritário (o qual manda aplicar a
regra do art 1790, inciso I). Então os R$ 60.000,00 do inventário serão divididos por 5 (
Maria, Ana, Amélia, Pedro e Paulo). Assim, cada um receberá a importância de R$12.000,00.
Maria, a companheira sobrevivente, terá direito a um total de R$ 72.000,00 ( sendo
R$60.000,00 como meeira + R$ 12.000,00 como herdeira).
Em sentido contrário, sendo uma posição minoritária, entendem alguns doutrinadores
que se aplicaria o disposto no inciso II do art. 1790. Defende essa opinião o professor Zeno
Veloso29, explicando que “penso que, ocorrendo o caso acima apontado, o inciso II deve ser
aplicado, cabendo ao companheiro sobrevivente a metade do que couber a cada descendente
do autor da herança”.
Maria Berenice Dias ensina que:
28
CARDOSO, Fabiana Domingues e CAHALI, Francisco José. A Sucessão na União Estável. In Direito das
Sucessões: HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Coordenação: Christiano Cassettari e Márcia Maria
Menin. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p 137.
29
VELOSO. Zeno. Do Direito Sucessório dos Companheiros. In Direito de família e o novo Código Civil:
DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord).. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p.245.
24
Parcela outra da doutrina afirma que o convivente só tem direito de
participar como se fosse mais um filho, caso todos os descendentes sejam
comuns. Havendo filiação híbrida, é como se todos fossem filhos exclusivos
do autor da herança; aplica-se apenas o CC 1790 II. Assim, cada filho recebe
o dobro do parceiro sobrevivente. Esta solução prestigia os filhos, visto que
sua participação cresce quando o convivente passa a concorrer como se fosse
meio filho. No entanto, Gustavo Rene Nicolau alerta sobre a possibilidade de
tal solução ensejar situações injustas. Segundo ele, no caso de o
companheiro ter um filho por conta de uma traição, estaria configurada
situação híbrida em desfavor da companheira, vítima do ato de
infidelidade30.
Há uma terceira solução, a qual propõe uma composição entre as duas hipóteses
legais. Trata-se da aplicação de uma equação chamada, conforme ensina Maria Berenice
Dias31, de “Fórmula Tusa”: que é a média ponderada que aumenta a participação do
convivente quanto maior for o número de filhos comuns. No caminho inverso, diminui a
participação do convivente na medida em que é maior o número de filhos exclusivos do de
cujus.
3.5 Concorrência do companheiro com outros parentes sucessíveis
Quando o companheiro concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a 1/3
(um terço) da herança. Por outros parentes sucessíveis, entendem-se os ascendentes e os
colaterais até o 4º grau.
Dessa forma, a herança será dividida por três quando há outros parentes sucessíveis,
cabendo ao companheiro sobrevivente apenas 1/3, sendo os 2/3 restantes divididos entre
aqueles parentes segundo a ordem de vocação hereditária.
Para exemplificar: Renata e Sandro adquiriram onerosamente na vigência da união
estável um patrimônio de R$240.000.00. Renata e Sandro não têm filhos. Sandro tem um
único primo em Minas Gerais chamado Antonio. Sandro morreu. Renata irá receber como
meeira o valor de R$120.000.00. Os outros R$120.000,00 vão para o inventário de Sandro.
Como Renata concorre com parentes sucessíveis (neste caso o primo), ela terá direito a 1/3
(um terço) da herança. Então o primo, Antônio, terá direito ao valor de R$ 80.000,00. Renata,
30
31
DIAS, Maria Berenice. Manual das Sucessões. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 176
DIAS, Maria Berenice. Manual das Sucessões. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 176
25
a companheira, terá direito a R$ 40.000,00 ( 1/3 de R$ 120.000,00). Renata ficará com um
total de R$ 160.000,00 (sendo R$ 120.000,00 como meeira + R$ 40.000,00 como herdeira).
Sobre a concorrência com os ascendentes, Maria Berenice Dias ensina que:
Quando a concorrência se dá com ambos os genitores do falecido, cada um
deles recebe 1/3 e mais a integralidade dos bens particulares do filho
falecido. Na concorrência com só um dos pais, este fica com 2/3, e o
companheiro permanece somente com a terça parte dos aquestos. Mesmo
quando os ascendentes forem de graus mais distantes (avós ou bisavós do
falecido), permanece igual o direito do companheiro, independente do
número de ascendentes.32
Caso não haja ascendentes, ainda assim o companheiro sobrevivente continuará a
concorrer, desta vez com os colaterais, que são considerados até o 4º grau de parentesco,
como irmãos, tios, ou até primos, sendo que há a exclusão dos mais remotos pelos mais
próximos. Francisco Jose Cahali e Fabiana Domingues Cardoso ensinam que:
Caso constatado não haver descendentes e ascendentes, seja por inexistência,
morte, renúncia ou até exclusão por indignidade e deserdação, ainda assim, o
companheiro continuará a concorrer em sua limitada herança com os
colaterais, estes considerados até o 4º grau de parentesco (irmãos, tios ou até
primos do falecido), com a exclusão dos mais remotos pelos mais próximos.
E é aqui que as diferenças em relação à sucessão começam a se evidenciar.33
Giselda Hironaka34, em seu artigo “Sobre a Ordem de vocação hereditária: condições
para a concorrência do cônjuge e do convivente no chamamento dos herdeiros antecedentes”,
publicado no IBDFAM em 22/04/2007 ensina que os parentes sucessíveis são pela ordem, os
descendentes, os ascendentes e os colaterais até o 4º grau, nos seguintes termos:
Depois, porque o inciso III do artigo 1.790 do CC afirma, genericamente,
que o convivente sobrevivo terá direito à terça parte do acervo hereditário
sempre que concorrer com outros parentes sucessíveis, sem fazer distinção
de quem se trata. O inciso é complementado, porém, valendo-se do auxílio
prestado pelo artigo 1.829 do CC, que traça a ordem de vocação hereditária.
Neste artigo, os parentes sucessíveis são, pela ordem, os descendentes, os
ascendentes e os colaterais até o quarto grau.
Ora, entre os ascendentes e os colaterais há uma verdadeira hierarquia
traçada pela lei, segundo a qual a existência daqueles afasta da sucessão
32
Ob. Cit., p. 181
CARDOSO, Fabiana Domingues e CAHALI, Francisco José. A Sucessão na União Estável. In Direito das
Sucessões: HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Coordenação: Christiano Cassettari e Márcia Maria
Menin. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p 135.
34
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Sobre a Ordem de vocação hereditária: condições para a
concorrência do cônjuge e do convivente no chamamento dos herdeiros antecedentes. Disponível em WWW.
Ibdfam.org.br, artigos. Acesso em: 4/05/2009
33
26
qualquer destes. Por isso, o inciso III do artigo 1.790 do CC aborda duas
classes de vocação hereditária: a segunda, composta pelos ascendentes em
concorrência com o convivente sobrevivo e a terceira, composta pelos
colaterais até o quarto grau e o convivente sobrevivo.
Se esta foi a escolha do legislador – e por menos que se concorde com ela –,
quando o convivente concorrer com o pai e a mãe do falecido, amealhará a
terça parte do acervo sobre o qual incidir a sua concorrência. Mas, por outro
lado, se concorrer apenas com um dos genitores ou com os ascendentes de
parentesco mais distante, como avós ou bisavós, continuará herdando
simplesmente um terço do monte partível, ao passo que ao cônjuge, em igual
posição, seria deferida a metade do acervo hereditário. Os outros dois terços
seriam, então, percebidos pelo pai ou pela mãe que participassem da
chamada sucessória, ou seriam repartidos entre os avós ou bisavós do
falecido, segundo a linha e o grau de parentesco.
Sobre a hipótese do companheiro sobrevivente concorrer até com outros parentes
sucessíveis, quais sejam ascendentes e colaterais até o 4º grau, a professora Ana Luiza Maia
faz uma crítica nos seguintes termos:
Se a inclusão do cônjuge no rol dos herdeiros necessários foi uma medida
positiva operada pelo Código Civil de 2002, o mesmo não se pode ser dito
em relação ao companheiro neste diploma legal, que só recebe por herança
os bens adquiridos a título oneroso na constância da união estável,
concorrendo na sucessão, inclusive com os colaterais35. (grifo nosso).
Sílvio Rodrigues36 também não ver razão para que o companheiro sobrevivente
concorra com os colaterais do de cujus e defende que “nada justifica colocar-se o
companheiro sobrevivente numa posição tão acanhada e bisonha na sucessão da pessoa com
quem viveu pública, contínua e duradouramente, constituindo uma família, que merece tanto
reconhecimento e apreço, e que é tão digna quanto a família fundada no casamento”.
Zeno Veloso também não considera essa solução boa e justa e questiona porque
privilegiar ao extremo vínculos biológicos, ainda que remotos, em prejuízo dos vínculos de
amor e afetividade:
Sem dúvida, nesse ponto, o Código Civil não foi feliz. A lei não está
imitando a vida, nem está em consonância com a realidade social, quando
decide que uma pessoa que manteve a mais íntima e completa relação com o
falecido, que sustentou com ele uma convivência séria, sólida, qualificada
pelo animus de constituição de família, que com o autor da herança
protagonizou, até a morte deste, um grande projeto de vida, fique atrás de
parentes colaterais dele, na vocação hereditária. O próprio tempo se incumbe
35
NEVARES, Ana Luiza Maia. Os direitos Sucessórios do Cônjuge e do Companheiro. Revista Brasileira de
Direito de Família, nº 36. Ano VIII, Jun-julho 2006, p. 145.
36
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil: Direito das Sucessões. Atualização Zeno Veloso. 26 ed, São Paulo:
Saraiva, 2007, p. 119.
27
de destruir a obra legislativa que não segue os ditames do seu tempo, que
não obedece às indicações da história e da civilização37.
Maria Berenice Dias também faz uma crítica e considera absurda essa regra, pois
gera um enriquecimento injustificado dos parentes em detrimento do companheiro:
O companheiro só faz jus à integralidade da herança quando não há nenhum
outro herdeiro legítimo (CC 1790 IV). Basta a existência, por exemplo, de
um único primo para a herança se transferida a ele. A sorte é que o primo
não fica com tudo. Em face do direito de concorrência, o companheiro
recebe um terço da herança e dois terços ficam com o parente colateral de
quarto grau (CC 1790 III). O resultado da aplicação desta regra é totalmente
absurda, pois gera o enriquecimento injustificado dos parentes em
detrimento do companheiro. (grifo nosso)38.
A doutrinadora continua a crítica dizendo que “Ainda bem que a jurisprudência vem
deferindo a integralidade da herança ao companheiro sobrevivente e afastando os colaterais da
sucessão”, e cita um julgado recente do TJRS de 08/03/2007, AC 70017169335, rel Des. José
Ataídes Siqueira Trindade, 8ª C. Cível :
EMENTA:
AGRAVO
DE
INSTRUMENTO.
INVENTÁRIO.
COMPANHEIRO SOBREVIVENTE. DIREITO À TOTALIDADE DA
HERANÇA. PARENTES COLATERAIS. EXCLUSÃO DOS IRMÃOS DA
SUCESSÃO. INAPLICABILIDADE DO ART. 1790, INC. III, DO CC/02.
INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 480 DO CPC. Não
se aplica a regra contida no art. 1790, inc. III, do CC/02, por afronta aos
princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e de
igualdade, já que o art. 226, § 3º, da CF, deu tratamento paritário ao
instituto da união estável em relação ao casamento. Assim, devem ser
excluídos da sucessão os parentes colaterais, tendo o companheiro o direito à
totalidade da herança. Incidente de inconstitucionalidade argüido, de ofício,
na forma do art. 480 do CPC. Incidente rejeitado, por maioria. Recurso
desprovido, por maioria. (Agravo de Instrumento Nº 70017169335, Oitava
Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Ataídes Siqueira
Trindade, Julgado em 08/03/2007)
O julgado acima se trata de um Agravo de Instrumento, o qual foi desprovido por
maioria. Também foi suscitado um incidente de inconstitucionalidade, porém o mesmo foi
rejeitado por maioria. Dessa decisão que afastou os colaterais da sucessão, foi interposto
Recurso Especial nº 980.569- RS (Registro nº 2007/0191854-5), autuado em 27/08/2007. O
37
VELOSO. Zeno. Do Direito Sucessório dos Companheiros. In Direito de família e o novo Código Civil:
DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord).. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p.249
38
DIAS, Maria Berenice. Manual das Sucessões. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 70.
28
Ministro Relator, Aldir Passarinho Júnior negou seguimento ao Recurso Especial, tendo a
decisão sido publicada no DJE em 05/11/2008 nos seguintes termos:
Vistos. Trata-se de recurso especial contra acórdão prolatado pelo
Colendo tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Preliminarmente, o
recurso é inadmissível. A petição recursal foi subscrita por advogado
sem procuração nos autos. Dessa forma, incidente o óbice do verbete
nº 115 da Súmula do STJ. Ante o exposto, nego seguimento ao
especial (art. 557, caput, do CPC). Publique-se.
Essa decisão transitou em julgado em 24/11/2008 e o processo foi encaminhado para
baixa definitiva no tribunal de origem.
Outro julgado citado por Maria Berenice Dias é do TJRS de 12/09/2007, AI
70020389284, relator Ricardo Raupp nesse mesmo sentido, afastando a concorrência do
companheiro sobrevivente com o colateral (irmão):
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. SUCESSÃO
DA COMPANHEIRA. ABERTURA DA SUCESSÃO OCORRIDA SOB A
ÉGIDE DO NOVO CÓDIGO CIVIL. APLICABILIDADE DA NOVA LEI,
NOS TERMOS DO ARTIGO 1.787. HABILITAÇÃO EM AUTOS DE
IRMÃO DA FALECIDA. Caso concreto, em que merece afastada a
sucessão do irmão, não incidindo a regra prevista no 1.790, III, do CC,
que confere tratamento diferenciado entre companheiro e cônjuge.
Observância do princípio da equidade. Não se pode negar que tanto à família
de direito, ou formalmente constituída, como também àquela que se
constituiu por simples fato, há que se outorgar a mesma proteção legal, em
observância ao princípio da eqüidade, assegurando-se igualdade de
tratamento entre cônjuge e companheiro, inclusive no plano sucessório.
Ademais, a própria Constituição Federal não confere tratamento iníquo aos
cônjuges e companheiros, tampouco o faziam as Leis que regulamentavam a
união estável antes do advento do novo Código Civil, não podendo, assim,
prevalecer a interpretação literal do artigo em questão, sob pena de se
incorrer na odiosa diferenciação, deixando ao desamparo a família
constituída pela união estável, e conferindo proteção legal privilegiada à
família constituída de acordo com as formalidades da lei. Preliminar não
conhecida e recurso provido. (Agravo de Instrumento Nº 70020389284,
Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Raupp
Ruschel, Julgado em 12/09/2007)
Importante lição é o voto do Relator desse processo, o Desembargador Ricardo
Raupp Ruschel, o qual trouxe relevante argumento, inclusive citando o projeto de Lei nº
4944/2005, que propõe a revogação do art. 1790 e alteração do art. 1829 do CC de 2002, nos
seguintes termos:
29
A matéria em discussão ganhou relevância a ponto de haver Projeto de Lei
em tramitação no Congresso Nacional, propondo a revogação do artigo
1.790 e a alteração do artigo 1.829 do CC 2002 (Projeto de Lei n.º
4.944/2005 – de autoria do deputado Antônio Carlos Biscaia), fruto de
estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM),
afigurando-se oportuna a transcrição da justificativa apresentada pelo autor
do Projeto (In O Cônjuge e o Convivente no Direito das Sucessões, de
Carlos Eduardo de Castro Palermo, Editora Juarez de Oliveira, 2007,
páginas. 90 e 91), que vem a reforçar os argumentos antes expostos:
Deve-se abolir qualquer regra que corra em sentido contrário à equalização
do cônjuge e do companheiro, conforme revolucionário comando
constitucional que prescreve a ampliação do conceito de família,
protegendo de forma igualitária todos os seus membros, sejam eles os
próprios partícipes do casamento ou da união estável, como também os seus
descendentes. A equalização preconizada produzirá a harmonização do
Código Civil com os avanços doutrinários e com as conquistas
jurisprudenciais correspondentes, abonando quase um século de vigoroso
acesso à justiça, e de garantia da paz familiar.
Assim sendo, propugna-se pela alteração dos dispositivos nos quais a
referida equalização não esteja presente. O caminho da alteração
legislativa, nesses casos, se mostra certamente imprescindível, por restar
indene de dúvida que a eventual solução hermenêutica não se mostraria
suficiente para a produção de uma justiça harmoniosa e coerente, senão
depois de muito tempo, com a consolidação de futuro entendimento
sumulado, o que deixaria o indesejável rastro, por décadas quiçá, de se
multiplicarem decisões desiguais para circunstâncias jurídicas iguais, no
seio da família brasileira.
Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo companheiro sobrevivente contra a
decisão que, nos autos do inventário dos bens deixados pela de cujus, deferiu a habilitação do
irmão da falecida. O relator decidiu dar provimento ao recurso para o fim de afastar o
agravado (irmão da falecida) da sucessão dos bens deixados pela de cujus. A Presidente,
Desembargadora Maria Berenice Dias e o Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos
concordaram com o relator e deram provimento unânime ao recurso.
Em outro julgado do TJRS, de 18/11/2004, AI 70009524612, 8ª C Cível, Relator Rui
Portanova), os parentes colaterais do falecido, as irmãs, foram afastadas da sucessão. Nesse
caso específico, a união estável tinha se constituído antes da entrada em vigor do novo Código
Civil, porém fala-se sobre a inconstitucionalidade das regras sucessórias previstas para a
sucessão do companheiro no Código Civil:
EMENTA:
AGRAVO
DE
INSTRUMENTO.
INVENTÁRIO.
COMPANHEIRO SOBREVIVENTE. DIREITO À TOTALIDADE DA
HERANÇA.
COLATERAIS.
EXCLUSÃO
DO
PROCESSO.
CABIMENTO. A decisão agravada está correta. Apenas o companheiro
30
sobrevivente tem direito sucessório no caso, não havendo razão para
permanecer no processo as irmãs da falecida, parentes colaterais. A união
estável se constituiu em 1986, antes da entrada em vigor do Novo Código
Civil. Logo, não é aplicável ao caso a disciplina sucessória prevista nesse
diploma legal, mesmo que fosse essa a legislação material em vigor na data
do óbito. Aplicável ao caso é a orientação legal, jurisprudencial e doutrinária
anterior, pela qual o companheiro sobrevivente tinha o mesmo status
hereditário que o cônjuge supérstite. Por essa perspectiva, na falta de
descendentes e ascendentes, o companheiro sobrevivente tem direito à
totalidade da herança, afastando da sucessão os colaterais e o Estado. Além
disso, as regras sucessórias previstas para a sucessão entre
companheiros no Novo Código Civil são inconstitucionais. Na medida em
que a nova lei substantiva rebaixou o status hereditário do companheiro
sobrevivente em relação ao cônjuge supérstite, violou os princípios
fundamentais da igualdade e da dignidade. NEGARAM PROVIMENTO.
(Agravo de Instrumento Nº 70009524612, Oitava Câmara Cível, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 18/11/2004)
Trata-se de Agravo de Instrumento interposto pelas irmãs da falecida contra o
companheiro sobrevivente, nos autos do inventário de bens deixados pela de cujus. A decisão
agravada excluiu as agravantes da lide e nomeou o agravado (companheiro) como
inventariante. Conclui o relator que a decisão agravada está correta, estabelecendo que apenas
o companheiro tenha direito sucessório no caso, não havendo razão para permanecer no
processo as irmãs da falecida, parentes colaterais. Dessa forma, negaram provimento ao
Agravo.
Dessa decisão, foi interposto Recurso Especial, o qual foi inadmitido.
Inconformadas, as irmãs da falecida interpuseram o Agravo de Instrumento 724.969 RS, o
qual não foi conhecido, tendo sido a decisão da Relatora publicada no DJ de 13/12/2005.
Há decisões, do próprio TJRS, com julgamento em 05/10/2005, sem sentido
contrário, alegando inexistir inconstitucionalidade no tratamento sucessório diferenciado com
que são contemplados os cônjuges e os companheiros:
EMENTA: SUCESSÕES. UNIÃO ESTÁVEL. ESCRITURA PÚBLICA
PACTUANDO O REGIME DA COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS.
DIREITO SUCESSÓRIO. CONCOMITÂNICIA. PREVISÃO LEGAL.
AQUISIÇÃO ONEROSA DE BEM IMÔVEL EM PERÍODO ANTERIOR
À CONVIVÊNCIA. 1.O direito à meação não obsta o reconhecimento
concomitante do direito sucessório da companheira sobrevivente, em relação
ao patrimônio adquirido onerosamente na constância da união estável, por
força do art. 1790, I, do Código Civil. Diferentemente do que ocorre com o
cônjuge, o direito sucessório do companheiro não está vinculado ao regime
de bens vigorante. 2. A analogia é recurso hermenêutico que se destina a
colmatar lacunas legislativas. Inaplicável, porém, aqui, diante de regra
expressa que regulamenta a matéria em exame. Incabível, assim, aplicar ao
caso, por analogia, o art. 1.829, I, do Código Civil. Inexiste, ademais,
31
qualquer inconstitucionalidade no tratamento sucessório diferenciado
com que são contemplados os cônjuges e os companheiros. (SEGREDO
DE JUSTIÇA) 3. O direito sucessório da companheira, na concorrência com
descendentes, restringe-se aos bens adquiridos onerosamente na constância
da união, o que não é o caso aqui. NEGARAM PROVIMENTO.
UNÂNIME. (Agravo de Instrumento Nº 70012430351, Sétima Câmara
Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado
em 05/10/2005)
Neste Agravo de Instrumento, o relator analisou que o art. 1790 do Código Civil
prevê direito sucessório para o companheiro sobrevivente, sobre os bens adquiridos
onerosamente na constância da união, independentemente da meação, que decorre do regime
de bens pactuado.
O Desembargador Luiz Felipe Brasil conclui que a agravante não preenche o suporte
fático necessário ao implemento do direito sucessório, “não pela aplicação analógica do art.
1829, I, do CC, à união estável, pelas razões já expendidas – mas pelo fato de o bem ter sido
adquirido em período anterior à convivência”.
No mesmo sentido, outro julgado do TJRJ, o Agravo de Instumento nº
2003.002.14421, de 07/04/2004, Relator Marcus Faver, considerou constitucional a previsão
do art. 1790, III do Código Civil. Para o relator, há compatibilidade do art. 226, § 3º, da
Constituição Federal com o direito sucessório do convivente previsto no novo Código.
Alegou-se no referido agravo que a norma do art. 226 § 3º, da Constituição Federal
não equiparou a união estável ao casamento nem tampouco dispôs sobre regras sucessórias e
que as disposições podem ser consideradas injustas, mas não contêm eiva de
inconstitucionalidade.
3.6 Direito do companheiro à totalidade da herança quando não há parentes sucessíveis.
O artigo 1790, inciso IV, traz que não havendo parentes sucessíveis, o companheiro
terá direito à totalidade da herança. Discute-se, porém, se o inciso IV está relacionado ao
“caput”, ou seja, se essa totalidade da herança está relacionada apenas aos bens adquiridos
onerosamente na vigência da união estável.
32
Zeno Veloso39 pondera que a totalidade da herança mencionada no inciso IV do art.
1790 do CC é aquela que o consorte supérstite está autorizado a receber, ou seja, tão somente
quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável.
Importante ressaltar que grande parte dos autores como Maria Helena Diniz40 e Caio
Mário41 defendem que não há concorrência do companheiro com o poder público.
Maria Helena Diniz defende que se houver herdeiro ou sucessor regular, o Poder
Público, como sucessor irregular, será afastado da condição de beneficiário dos bens do de
cujus:
Daí o nosso entendimento de que, não havendo parentes sucessíveis ou tendo
havido renúncia destes, o companheiro receberá a totalidade da herança, no
que atina aos adquiridos onerosa e gratuitamente ates ou durante a união
estável, recebendo, portanto todos os bens do de cujus, que não irão ao
Município, Distrito Federal ou à União, por força do disposto no art. 1844, 1ª
parte, do Código Civil, que é uma norma especial (relativa à herança
vacante), sobrepondo-se ao art. 1790, IV (norma geral sobre sucessão do
companheiro)42
Ana Luiza Maia43 ensina que “no entanto, como já afirmado, pode-se aplicar nesse
caso, o art. 1844 do Código Civil, evitando a vacância dos bens em relação aos quais o
companheiro não estaria autorizado a suceder, consoante o caput do art. 1790”.
Assim, não havendo bens comuns, mas apenas bens particulares, aplica-se, na
ausência de outros parentes sucessíveis, o disposto no art. 1844. do CC.
O artigo 1844 do CC estabelece:
Não sobrevivendo cônjuge, ou companheiro, nem parente algum sucessível,
ou tendo eles renunciado a herança, esta se devolve ao Município ou ao
Distrito Federal, se localizada nas respectivas circunscrições, ou à União
quando situada em território Federal. (grifamos)
39
VELOSO, Zeno. Do direito sucessório dos companheiros. In Direito de família e o novo código civil. Coord.
Maria Berenice Dias e Rodrigo da Cunha Pereira. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 245.
40
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: direito das sucessões. Volume 6. São Paulo:
Saraiva, 2007, p. 144.
41
SILVA PEREIRA, Caio Mário. Instituições de direito civil: direito das sucessões. Volume 6. Rio de Janeiro:
Forense, 2006, p.167 .
42
Ob. Cit., p. 144.
43
NEVARES, Ana Luiza Maia. Os direitos Sucessórios do Cônjuge e do Companheiro. Revista Brasileira de
Direito de Família, nº 36. Ano VIII, Jun-julho 2006, p. 153
33
E acrescenta “é bem verdade que, na ausência de bens adquiridos a título oneroso na
vigência da união estável, a vacância da herança poderá ser afastada a partir da disposição do
art. 1844 do Código Civil.
Alguns autores, porém, discordam dessa opinião, defendendo a concorrência do
companheiro sobrevivente com o poder público. É o pensamento de Giselda Hironaka, a qual
se posiciona nos seguintes termos:
Por fim, na ausência de quaisquer parentes sucessíveis, o companheiro
sobrevivente poderá amealhar a totalidade dos bens adquiridos onerosamente
durante a vigência da união estável, segundo o que determinam o inciso IV e
o caput do art. 1790 do CCB/2002. Assim, quanto aos bens particulares do
falecido, inexistindo parentes sucessíveis, serão os mesmos entregues ao
Poder Público, em detrimento do companheiro supérstite. (grifamos)44
Francisco José Cahali também defende a concorrência do companheiro até mesmo
com o poder público:
Não havendo parentes sucessíveis, agora sim, o companheiro sobrevivente
recebe a integralidade da herança (art. 1790, IV). Porém, mesmo nesta
situação poderá haver concorrência na sucessão do falecido. É que a
totalidade da herança a que se refere o inciso é aquela prevista no caput, ou
seja, limitada aos bens adquiridos onerosamente na constância da união.
Assim, sendo maior o patrimônio do falecido, aqueles bens não
contemplados no caput serão tidos como herança jacente. Daí falar-se em
“concorrência” do companheiro sobrevivente até mesmo com o Poder
público, e neste particular a procedência das duras críticas da comunidade
jurídica à inovação legislativa45.
Zeno Veloso46 também defende que se o de cujus possuía outros bens, adquiridos
antes de iniciar a convivência, ou depois, se a título gratuito, e não podendo esses bens
integrar a herança do companheiro sobrevivente, passarão para o Município ou para o Distrito
Federal, se localizados nas respectivas circunscrições, ou à União, quando situados no
Território Federal (art. 1844).
De outro giro, Maria Berenice Dias critica a posição do companheiro, o qual só
receberá a totalidade da herança se não houver parente sucessível. A ilustre doutrinadora
44
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes. O Sistema de Vocação Concorrente do Cônjuge e/ou do Companheiro
com os Herdeiros do Autor da Herança, nos Direitos Brasileiro e Italiano. Revista Brasileira de Direito de
Família, nº 29. Ano VII, Abr-Maio 2005, p. 71.
45
CAHALI, Francisco José; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil:
direito das sucessões, v. 6. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p.182-183.
46
VELOSO, Zeno. Do direito sucessório dos companheiros. In Direito de família e o novo código civil. Coord.
Maria Berenice Dias e Rodrigo da Cunha Pereira. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 245.
34
salienta afronta ao princípio da igualdade, diante do tratamento dado pelo Código Civil ao
cônjuge:
A mais saliente afronta cometida pela lei é ao princípio da igualdade, ao
promover o cônjuge à condição de herdeiro necessário, enquanto o
companheiro não passa de herdeiro legítimo. O cônjuge ocupa a terceira
posição na ordem de vocação hereditária, depois dos descendentes e dos
ascendentes, enquanto o companheiro encontra-se no último lugar, só
recebendo a integralidade da herança se o falecido não tiver nenhum parente:
nenhum irmão, tio, sobrinho, tio-avô, sobrinho-neto ou primo sequer47.
Dessa forma, fazendo uma análise da sucessão do companheiro no código civil de
2002, tratada no artigo 1790 do CC, percebe-se que a jurisprudência vem modificando
algumas regras, principalmente a da aplicação do inciso III do referido artigo, em face dos
princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da igualdade. Portanto, acredito
que em breve a legislação será modificada.
47
DIAS, Maria Berenice. Manual das Sucessões. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 66
35
4 O DIREITO REAL DE HABITAÇÃO NA UNIÃO ESTÁVEL
A Lei nº 9278/1996, que regula o parágrafo 3º do art. 226 da Constituição Federal,
estabelece no seu art. 7º, parágrafo único que “dissolvida a união estável por morte de um dos
conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir
nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família”. Já o
código Civil de 2002 foi omisso quanto ao direito real de habitação dos companheiros.
Sílvio Venosa48 defende a sobrevivência do parágrafo único do art. 7º da Lei nº
9278/96 à luz do Código Civil de 2002, nos seguintes termos: “somos da opinião de que é
perfeitamente defensável a manutenção desse direito no sistema do Código de 2002”.
Outros autores também defendem o direito real de habitação para o companheiro
sendo essa a posição majoritária. Maria Helena Diniz ensina que:
Além disso, urge lembrar que o companheiro sobrevivente, por força da Lei
nº 9278/96, art. 7º, parágrafo único, e, analogicamente, pelo disposto nos
arts. 1831 do CC e 6º da CF (...), também terá direito real de habitação,
enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao
imóvel destinado à residência da família; mas pelo Código Civil tal direito
só é deferido ao cônjuge sobrevivente. Diante da omissão do Código Civil
(norma geral), o art. 7º, parágrafo único daquela Lei estaria vigente, no nosso
entender, por ser norma especial49.
Corroborando esse pensamento, há ainda o enunciado nº 117 aprovado na jornada de
direito civil promovido pelo Conselho da Justiça Federal com a seguinte redação:
Art. 1831: o direito real de habitação deve ser estendido ao companheiro ,
seja por não ter sido revogada precisão da lei nº 9278/1996, seja em razão da
interpretação analógica do art. 1831, informado pelo art. 6º, caput, da
CF/1988.
De acordo com os ensinamentos de Luiz Edson Fachin e Carlos Eduardo
Pianovsky50, a supressão do direito real de habitação para os companheiros se torna ainda
mais grave quando se percebe que no casamento tal direito está previsto independentemente
48
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. Volume 7. São Paulo: Atlas, 2007, p. 135.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: direito das sucessões. Volume 6. São Paulo:
Saraiva, 2007, p. 148.
50
FACHIN, Luis Edson e RUZYK, Carlos Eduardo Pianovsky. Um projeto de Código Civil na contramão da
Constituição. In NEVARES, Ana Luiza Maia. Os direitos Sucessórios do Cônjuge e do Companheiro. Revista
Brasileira de Direito de Família, nº 36. Ano VIII, Jun-julho 2006, p. 155.
49
36
do regime de bens (art. 1831 do CC), havendo, portanto, discriminação injustificável
quanto aos membros da união estável, ferindo o princípio constitucional da igualdade, bem
como as disposições do art. 226 da Constituição, nos seguintes termos:
[...] não é possível, in casu, argumentar-se que a união estável apresenta
peculiaridades em relação ao casamento: o direito real de habitação é
instrumento de proteção aos membros da família – que existe, nos termos
da Constituição, tanto no casamento quanto na união estável -, assegurandolhe a moradia, em nada se justificando sua supressão51. (grifamos)
Importante ressaltar que a doutrina faz uma crítica com relação ao direito real de
habitação previsto para os cônjuges. Conforme determina o art. 1831 do Código Civil, o
cônjuge sobrevivente tem esse direito nos seguintes termos:
Art. 1831 – ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens,
será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o
direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da
família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar. (grifamos)
Dessa forma, percebe-se que para o cônjuge não há limitação para o direito real de
habitação, enquanto que para o companheiro, nos termos do art. 7º, parágrafo único, o mesmo
terá esse direito enquanto não constituir nova união, ou seja, há uma limitação desse direito.
Citando mais uma vez o dispositivo:
Lei 9278/96, art. 7º, parágrafo único: dissolvida a união estável por morte de
um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto
viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel
destinado à residência da família. (grifamos).
Porém, para alguns doutrinadores, esse direito não foi mantido, como para Francisco
José Cahali. Cahali sustenta que a Lei nº 8971/94 e a Lei nº 9278/96 foram revogadas diante
da incompatibilidade com a recente Lei, o novo Código Civil.
Em nosso entender, houve a revogação dos artigos referidos por
incompatibilidade com a nova lei. Com efeito, o art. 1790 estabelece que o
companheiro ou companheira “participará da sucessão do outro(...) nas
condições seguintes . Fora das condições previstas na norma, o sobrevivente
não participa da sucessão de seu falecido companheiro52.
51
Ob cit., p. 155.
CAHALI, Francisco José; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil:
direito das sucessões, v. 6. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p 185.
52
37
Cahali53 diz que alguns doutrinadores sustentarão que o Código Civil (por ser Lei
Ordinária) não revogou a lei especial, como são as relativas a união estável ( Lei nº 8971/94 e
Lei 9278/96). E continua dizendo que esses estudiosos utilizam essa fundamentação, porém,
apenas para sustentar a subsistência do direito real de habitação, e quanto ao usufruto vidual,
estes silenciam.
A decisão do TJRS- AC 70012930913, da 7ª C. Cível, Rel. Sérgio Fernando de
Vasconcelos Chaves, de 09/11/2005, conferiu o direito real de habitação ao companheiro
sobrevivente:
EMENTA:
AÇÃO
REIVINDICATÓRIA.
UNIÃO
ESTÁVEL.
COMPANHEIRO FALECIDO. IMÓVEL QUE SERVIU DE MORADIA
PARA OS CONVIVENTES. SENTENÇA QUE RECONHECE DIREITO
REAL DE HABITAÇÂO À COMPANHEIRA SOBREVIVENTE.
DECISÃO EXTRA PETITA. JUNTADA DE DOCUMENTOS NA
APELAÇÃO. 1. Descabe juntar com a apelação documentos que não sejam
novos ou relativos a fatos novos supervenientes. Inteligência do art. 397 do
CPC. 2. Não é extra petita a sentença que aborda questão trazida pelas
partes, focalizando as teses deduzidas, sem reconhecer o direito à meação da
ré, nem deferir a reivindicatória pleiteada pela Sucessão, encontrando
solução intermediária não discrepante do debate travado entre as partes. 3.
Inexiste razão para alijar a recorrida do direito que lhe fora reconhecido,
mesmo que possua outros imóveis, quando é certo que conviveu com o
falecido naquele prédio, destinado por ambos como sede do núcleo familiar.
4. Conforme estabelece o art. 7º, parágrafo único, da Lei nº 9.278/96, o
direito real de habitação é deferido ao companheiro sobrevivente
independentemente de qualquer condição pessoal, social ou econômica,
mas limitado esse exercício apenas e tão-somente enquanto durar a
viuvez. 5. Constitui regra elementar de hermenêutica que, se a lei não impõe
quaisquer outras restrições, não é dado ao intérprete fazê-lo. Preliminar de
nulidade afastada. Recurso desprovido. (Apelação Cível Nº 70012930913,
Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando
de Vasconcellos Chaves, Julgado em 09/11/2005)
Outra decisão de 29/05/2007, do TJRS, também conferiu o direito real de habitação
ao companheiro sobrevivente:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO REAL DE
HABITAÇÃO
À
COMPANHEIRA
SOBREVIVENTE.
RECONHECIMENTO. Apesar de o Código Civil não ter conferido
expressamente o direito real de habitação àqueles que viveram em união
estável, tal direito subsiste no ordenamento jurídico em razão do parágrafo
único do art. 7º da Lei 9.278/96. Inexiste incompatibilidade entre essa Lei e
o Código Civil em vigor. A equiparação entre união estável e casamento
foi levada a efeito pela Constituição Federal. Caso em que se reconhece o
direito real de habitação à companheira, considerando a verossimilhança na
53
Ob cit., p. 233.
38
alegação de que ela conviveu com o de cujus por mais de 20 anos, pelo fato
dela atualmente estar morando de favor e por ser o imóvel que serviu de
morada ao casal o único dessa espécie a inventariar. AGRAVO PROVIDO.
EM MONOCRÁTICA. (Agravo de Instrumento Nº 70019892595, Oitava
Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado
em 29/05/2007)
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA. DIREITO REAL
DE HABITAÇÃO À COMPANHEIRA SOBREVIVENTE. O direito real de
habitação está calcado nos princípios da solidariedade e da mútua
assistência, característicos da união estável. Apesar de o Código Civil não ter
conferido expressamente o direito real de habitação àqueles que viveram em
união estável, tal direito subsiste no ordenamento jurídico em razão do
parágrafo único do art. 7º da Lei 9.278/96. Inexiste incompatibilidade entre
as duas legislações. Equiparação entre união estável e casamento levada
a efeito pela Constituição Federal. NEGARAM PROVIMENTO.
(Apelação Cível Nº 70018291468, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça
do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 01/03/2007)
Maria Berenice Dias defende o Direito real de habitação para o companheiro
sobrevivente. Para ela, em que pese a omissão do Código Civil, não significa que foi
revogado o dispositivo que estendeu ao companheiro o mesmo direito concedido ao cônjuge:
O código civil garante ao cônjuge sobrevivente direito real de habitação
independente do regime de bens do casamento (CC 1831). Porém, olvidouse de reconhecer o mesmo benefício ao companheiro sobrevivente. O
cochilo da lei, no entanto, não permite que se afaste o direito do
companheiro de continuar na posse do bem que servia de residência à
família54.
A autora alega dois fundamentos que autorizam a concessão do direito real de
habitação ao companheiro:
Dois fundamentos autorizam a sua concessão. O primeiro é de ordem
constitucional. Reconhecidos o casamento e a união estável como entidades
familiares merecedoras da especial proteção do Estado, não se justifica
tratamento diferenciado em sede infraconstitucional (CF 226§ 3º ). Descabe
distinguir ou limitar direito quando a Constituição não o faz. Fora isso, a lei
que regulou a união estável expressamente assegurou o direito real de
habitação ao companheiro sobrevivente ( Lei 9278/1996, art 7º)55.
Diante do exposto, concordo com a posição que defende o direito real de habitação
para o companheiro, devendo prevalecer o disposto na Lei nº 9278/96, art. 7º, parágrafo
único, por ser Lei especial, em face da omissão do Código de 2002 sobre o assunto.
54
55
DIAS, Maria Berenice. Manual das Sucessões. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 72
Ob cit., p. 72.
39
5. O COMPANHEIRO COMO HERDEIRO NECESSÁRIO
O artigo 1845 do Código Civil elenca os herdeiros necessários, nos seguintes termos:
“São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge”. O novo Código
Civil nada falou a respeito do companheiro.
Assim, grande parte da doutrina, como Francisco José Cahali56 e Maria Helena
Diniz57, não consideram o companheiro como herdeiro necessário, sendo essa a posição
majoritária.
Francisco Cahali58 defende que: “de qualquer forma, inexistindo a sua inclusão como
herdeiro necessário, tal condição não lhe pode ser estendida, diante da sua ausência no art.
1845”.
Maria Helena Diniz59 ressalta que pelo art. 1790, I a IV, do Código Civil, tratando-se
de concubinato puro (união estável), o companheiro supérstite não é herdeiro necessário e
nem tem direito à legítima, mas participa da sucessão do de cujus na qualidade de sucessor
regular, sendo herdeiro sui generis, somente quanto à “meação” do falecido relativa aos bens
adquiridos onerosamente na vigência da união estável.
Guilherme Calmon60 sustenta que o companheiro não é herdeiro necessário, sob o
fundamento de que a inclusão do cônjuge na condição de herdeiro necessário representa o
prestígio legal a autênticas e efetivas uniões fundadas no casamento, servindo como estímulo
às pessoas para que convertam suas uniões informais em uniões formais.
Fabiana Domingues Cardoso e Cahali também não consideram o companheiro como
herdeiro necessário:
Isso porque, em nosso entender, em que pese a similaridade existente entre a
sucessão do cônjuge e a do companheiro, a intenção do legislador foi a de
não deferir ao companheiro este predicado, pois, ao contrário, o teria
expressamente disposto, como procedeu com o cônjuge. O art. 1845 é
taxativo, definindo como herdeiros necessários os descendentes, os
ascendentes e o cônjuge. Ainda, justifica tal distinção a coerência com a
posição diversa dos institutos (casamento e união estável ) mantida pela
legislação civil, continuando a base disposta nos termos do § 3º, do art. 226,
da CF, pois, ao contrário o Código Civil de 2002 teria sido a grande
56
CAHALI, Francisco José; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil:
direito das sucessões, v. 6. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 181.
57
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: direito das sucessões. Volume 6. São Paulo:
Saraiva, 2007, p. 142.
58
Ob, cit., p. 181.
59
Ob, cit., p. 142.
60
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito civil: sucessões. São Paulo: Atlas, 2003, p. 152.
40
oportunidade para equiparar os direitos sucessórios dos partícipes do
casamento e união estável, o que não se verifica61.
De outro giro, Maria Berenice Dias considera o companheiro como herdeiro
necessário, porém, essa opinião é minoritária. Para ela, o companheiro injustificadamente não
foi inserido na ordem de vocação hereditária:
Aos herdeiros necessários é reservada a legítima, que corresponde à metade
deste patrimônio. A outra metade é a parte disponível que seu titular pode
dispor por meio de testamento. Como o companheiro não é herdeiro
necessário – por injustificadamente não ter sido inserido na ordem de
vocação hereditária - , não tem direito à legítima62.
E continua:
No atual Código Civil o cônjuge foi promovido à condição de herdeiro
necessário (CC 1845), mas o companheiro não. O cônjuge ocupa terceiro
lugar na ordem de vocação hereditária. O seu direito é garantido, faz jus à
legítima, ou seja, à metade do acervo que integra a herança. Assim, quando
do falecimento de um dos cônjuges, na ausência de descendentes ou
ascendentes, a herança obrigatoriamente é transmitida ao sobrevivente. O
companheiro na união estável não goza do mesmo privilégio. É
simplesmente herdeiro legítimo e não herdeiro necessário (CC 1790).
Como herdeiro facultativo pode imotivadamente ser excluído da
sucessão (CC 1850)63.
Assim, para excluir o companheiro da sucessão, basta não contemplá-lo, na forma do
art. 1850 CC: “Para excluir da sucessão os herdeiros colaterais, basta que o testador disponha
de seu patrimônio sem os contemplar”.
Portanto, em face do artigo 1845 ser taxativo quanto ao rol dos herdeiros necessários,
concordo com a posição majoritária que não considera o companheiro como herdeiro
necessário.
61
CARDOSO, Fabiana Domingues e CAHALI, Francisco José. A Sucessão na União Estável. In Direito das
Sucessões: HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes.. Coordenação: Christiano Cassettari e Márcia Maria
Menin. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 145.
62
DIAS, Maria Berenice. Manual das Sucessões. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 68
63
Ob, cit., p. 69.
41
6 UMA ABORDAGEM SOBRE A CONSTITUCIONALIDADE DA SUCESSÃO DO
COMPANHEIRO
Maria Berenice Dias declara como inconstitucional o tratamento diferenciado do
companheiro sobrevivente no Código Civil.
O companheiro nem foi incluído na ordem de vocação hereditária. O seu
direito hereditário encontra-se previsto entre as disposições da sucessão em
geral, em um único artigo com quatro incisos (CC 1790). Esse tratamento
diferenciado não é somente perverso. É flagrantemente inconstitucional64.
E continua com fundamento na Constituição Federal de 1988, com o argumento de
que a união estável é reconhecida como entidade familiar e a Constituição não reconheceu
tratamento diferenciado a qualquer das formas de constituição da família:
A união estável é reconhecida como entidade familiar pela Constituição
Federal (CF 226§ 3º), que não concedeu tratamento diferenciado a qualquer
das formas de constituição da família. Conforme Zeno Veloso, o art. 1790
merece censura e crítica severa porque é deficiente e falho, em substancia.
Significa um retrocesso evidente, representa um verdadeiro equívoco65.
Dessa forma, alega a doutrinadora que, diante da equiparação dada pela Constituição
Federal entre o casamento e a união estável, não pode a lei limitar direitos consagrados em
sede constitucional, pois “Tal postura afronta um dos princípios fundamentais que rege o
direito de família, que veda o retrocesso social”. E acrescenta “O legislador precisa ser fiel
ao tratamento isonômico garantido na Constituição, não podendo estabelecer diferenciações
ou revelar preferências66”.
Zeno Veloso faz uma crítica nos seguintes termos:
Se a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado; se a união
estável é reconhecida como entidade familiar; se estão praticamente
equiparadas as famílias matrimonializadas e as famílias que se criaram
informalmente, com a convivência pública, contínua e duradoura entre o
homem e a mulher, a discrepância entre a posição sucessória do cônjuge
supérstite e a do companheiro sobrevivente, além de contrariar o sentimento
64
DIAS, Maria Berenice. Manual das Sucessões. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 66
Ob cit., p. 66.
66
Ob cit., p. 66.
65
42
e as aspirações sociais, fere e maltrata, na letra e no espírito, os fundamentos
constitucionais67.
Em recente julgado do TJRS, Agravo de Instrumento nº 70022551147, de
27/03/2008, Rel José Ataídes Trindade, reconheceu-se a possibilidade futura, caso seja
declarada a inconstitucionalidade do art. 1790, da companheira ser reconhecida como herdeira
da totalidade do patrimônio deixado, pois no caso em tela, o de cujus não possui descendentes
ou ascendentes:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. RESERVA
DE BENS. DEPÓSITO JUDICIAL DA TOTALIDADE DOS LOCATIVOS
ADVINDOS DOS BENS INVENTARIADOS. Existindo a possibilidade de
a agravada ser reconhecida como companheira do falecido em ação
declaratória já em andamento, mostra-se correta a decisão que determinou o
bloqueio de bens da totalidade do patrimônio inventariado, bem como o
depósito judicial dos alugueres advindos da administração destes bens. A
agravada pode- caso procedente a ação declaratória de união estável por ela
proposta e caso reconhecida a inconstitucionalidade do art. 1790 do CCvir a ser reconhecida como herdeira da totalidade do patrimônio deixada pelo
falecido, na qualidade de sucessora universal, pois não possui o de cujus
descendentes ou ascendentes. Agravo desprovido. (Agravo de Instrumento
Nº 70022551147, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator:
José Ataídes Siqueira Trindade, Julgado em 27/03/2008)
Maria Berenice Dias, em face do tratamento diferenciado e ofensa ao princípio da
igualdade, defende que os juízes devem deixar de aplicar as normas discriminatórias,
reconhecendo a sua inconstitucionalidade:
O tratamento diferenciado inegavelmente desobedece ao princípio da
igualdade, eis que a união estável e o casamento são entidades familiares
sem distinções de ordem patrimonial. Até que seja corrigido este equívoco,
pela reformulação da lei, cabe ao juiz simplesmente deixar de aplicar as
normas discriminatórias, reconhecendo sua inconstitucionalidade. Essa é a
única forma de evitar que o equívoco legal traga prejuízos enormes às uniões
que merecem especial proteção do Estado. Ainda bem que a jurisprudência
vem se inclinando neste sentido68.
Sílvio Rodrigues posiciona-se no sentido de que a sucessão do companheiro vai de
encontro as aspirações sociais, expectativas da comunidade jurídica e com o desenvolvimento
do nosso direito, nos seguintes termos:
67
VELOSO. Zeno. Do Direito Sucessório dos Companheiros. In Direito de família e o novo Código Civil:
DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord).. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p.249.
68
DIAS, Maria Berenice. Manual das Sucessões. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 71
43
Nada justifica colocar-se o companheiro sobrevivente numa posição tão
acanhada e bisonha na sucessão da pessoa com quem viveu pública, contínua
e duradouramente, constituindo família, que merece tanto reconhecimento e
apreço, e que é tão digna quanto a família fundada no casamento (...). Em
suma, o Código Civil regulou o direito sucessório dos companheiros com
enorme redução, com dureza imensa, de forma tão encolhida, tímida e
estrita, que se apresenta em completo divórcio com as aspirações sociais,
as expectativas da comunidade jurídica e com o desenvolvimento de
nosso direito sobre a questão. Não tenho dúvida em dizer que o art. 1790
terá vida muito breve, isto se não for alterado durante a vacatio legis do
Código69.
Francisco José Cahali e Fabiana Domingues Cardoso70 fazem uma reflexão sobre a
equiparação da união estável ao casamento para efeitos sucessórios: “cresce uma tendência
doutrinária e até é possível constatar algumas decisões recentes, no sentido de se defender a
equiparação da união estável ao casamento especialmente para os efeitos sucessórios
(compartilha dessa corrente a Desembargadora Maria Berenice Dias do TJRS).
Ana Luiza Maia Nevares71 faz uma critica aos doutrinadores que sustentam ser o
casamento entidade familiar superior. Para ela, “a concepção que preconiza uma hierarquia
axiológica entre as entidades familiares é inconstitucional”.
Para Gustavo Tepedino72, o princípio da dignidade da pessoa humana, confere
conteúdo à proteção atribuída pelo Estado à família:
A dignidade da pessoa humana, alçada a fundamento da República no art. 1º,
inciso III, da Carta Magna, confere conteúdo à proteção atribuída pelo
Estado à família: “é a pessoa humana, o desenvolvimento de sua
personalidade, o elemento finalístico da proteção estatal, para cuja realização
devem convergir todas as normas do direito positivo, em particular aquelas
que disciplinam o direito de família, regulando as relações mais íntimas e
intensas do indivíduo no social”73.
Ana Luiza Maia ensina que todos os organismos sociais que constituem a família têm
a mesma função, que é promover o desenvolvimento da personalidade de seus membros:
69
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil: direito das sucessões.. Volume 7. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 119.
CARDOSO, Fabiana Domingues e CAHALI, Francisco José. A Sucessão na União Estável. In Direito das
Sucessões: HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Coordenação: Christiano Cassettari e Márcia Maria
Menin. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 146.
71
NEVARES, Ana Luiza Maia. Os direitos Sucessórios do Cônjuge e do Companheiro. Revista Brasileira de
Direito de Família, nº 36. Ano VIII, Jun-julho 2006, p. 157.
72
TEPEDINO, Gustavo. Novas Formas de Entidades Familiares: efeitos do casamento e da família não fundada
no matrimônio. In NEVARES, Ana Luiza Maia. Os direitos Sucessórios do Cônjuge e do Companheiro. Revista
Brasileira de Direito de Família, nº 36. Ano VIII, Jun-julho 2006, p. 157.
73
Ob. cit., p. 157.
70
44
Dessa maneira, como é possível dizer que o casamento é entidade familiar
superior se todos os organismos sociais que constituem a família têm a
mesma função, qual seja, promover o desenvolvimento da personalidade de
seus membros? Admitir a superioridade do casamento significa proteger
ainda mais, ou prioritariamente, algumas pessoas em detrimento de outras,
simplesmente porque aquelas optaram por constituir uma família a partir da
celebração do ato formal do matrimônio74.
Nesse contexto, para Ana Luiza, em que pese casamento e união estável constituírem
situações diversas, não há razão para que os estatutos hereditários do casamento e da união
estável sejam diferentes e discrepantes, pois ambas são famílias, base da sociedade, com
especial proteção do Estado.
Conclui Ana Luiza Maia75, em vista da impossibilidade de tutela sucessória
diferenciada entre cônjuge e companheiro que “Assim, na aplicação da lei, afasta-se a base de
cálculo e o sistema de fixação de quotas da herança do art. 1790 do Código Civil de 2002 e a
lacuna gerada será preenchida pela analogia com as disposições do cônjuge (...)”
Em um julgado do TJRS, a Desembargadora Maria Berenice Dias conferiu o direito
real de habitação ao companheiro com base, dentre outros argumentos, na equiparação entre a
união estável e o casamento levada a efeito pela Constituição Federal:
EMENTA:
APELAÇÃO
CÍVEL.
UNIÃO
ESTÁVEL.
CARACTERIZAÇÃO. Impositivo o reconhecimento da união estável
quando a prova colacionada aponta para a existência de uma relação nos
moldes de uma entidade familiar. Inteligência do art. 1.723 do Código Civil.
DIREITO REAL DE HABITAÇÃO. Apesar de o Código Civil não ter
conferido expressamente o direito real de habitação àqueles que viveram em
união estável, tal direito subsiste no ordenamento jurídico por força do
parágrafo único do art. 7º da Lei 9.278/96, tendo em vista a ausência de
incompatibilidade entre as duas legislações, e a equiparação entre união
estável e casamento levada a efeito pela Constituição Federal.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. Em se tratando de ação de
reconhecimento de união estável, na qual estão sendo discutidos a partilha de
bens e os direitos sucessórios da companheira supérstite, revela-se cabível a
fixação dos honorários com base no valor da meação e do quinhão
hereditário a ela conferidos. Negado provimento ao apelo do espólio.
Provido em parte o apelo da virago, por maioria, vencida, em parte, a
relatora. (Apelação Cível Nº 70012501144, Sétima Câmara Cível, Tribunal
de Justiça do RS, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em 16/11/2005)
74
Ob. cit., p. 157.
NEVARES, Ana Luiza Maia. Os direitos Sucessórios do Cônjuge e do Companheiro. Revista Brasileira de
Direito de Família, nº 36. Ano VIII, Jun-julho 2006, p. 165.
75
45
Ressalte-se, porém, que Fabiana Domingues Cardoso e Francisco José Cahali
alertam sobre a cautela que deve ser tomada quando se fala em equiparação dos institutos, sob
pena de provocar insegurança jurídica. Concluem que:
Conclui-se que a equiparação dos institutos, ao contrário do que à primeira
vista isso possa aparentar, poderá levar a conseqüências prejudiciais aos
partícipes no âmbito do direito de família, e até a cometer real e grave
desigualdade entre os direitos de cônjuges e companheiros, além de atingir
terceiros. Portanto, a cautela é imperiosa ao se tratar do tema em debate, sob
pena de desvirtuar não somente os direitos já deferidos aos cônjuges, bem
como provocar insegurança jurídica76.
Para Aldemiro Rezende Dantas Júnior77, que escreveu sobre a “Concorrência
Sucessória do Companheiro Sobrevivo” na Revista Brasileira de Direito de Família nº 29, sua
opinião é “nos parece é que o art. 1790 simplesmente não pode ser usado para tal
concorrência sucessória, uma vez que o mesmo se nos afigura como gritantemente
inconstitucional”. E continua suas lições:
O problema é que o referido dispositivo, de modo geral, trata o companheiro
de modo extremamente draconiano, em relação ao tratamento sucessório
dispensado ao cônjuge, como se a família formada a partir da união estável
tivesse sido considerada como família de segunda categoria, e em boa parte
das situações o companheiro sobrevivo receberá menos do que receberia o
cônjuge supérstite, em idêntica situação. Contudo, como mostraremos
brevemente , também pode ocorrer de o companheiro receber tratamento
mais benéfico do que o que se destina ao cônjuge, o que também se mostra
inaceitável78.
O autor observa que a Constituição não faz qualquer diferença entre as espécies de
famílias, protegendo todas, dessa forma não se pode admitir que o intérprete faça tal
diferença, escolhendo proteger mais a uma do que outras. Alerta que “Hoje, contudo, não se
pode admitir menos do que a mesma proteção deferida aos cônjuges, sob pena de ser
injustificável, e, portanto, inconstitucional, a diferença de tratamento”79.
Aldemiro Rezende conclui que o art. 1790 ofende o texto constitucional, pois ofende
o princípio da igualdade, nos seguintes termos:
76
CARDOSO, Fabiana Domingues e CAHALI, Francisco José. A Sucessão na União Estável. In Direito das
Sucessões: HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Coordenação: Christiano Cassettari e Márcia Maria
Menin. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 148.
77
DANTAS JÚNIOR, Adelmiro Rezende. Concorrência Sucessória do Companheiro Sobrevivo. Revista
Brasileira de Direito de Família, nº 29. Ano VII, Abr-Maio 2005, p. 138
78
Ob. cit., p. 138.
79
Ob. cit., p. 140.
46
Como se vê, portanto, a nós parece que o art. 1790 é ofensivo ao Texto
Constitucional, porque agride a igualdade da proteção que a lei deve deferir
a todas as espécies de família, uma vez que não aceitamos a alegada
superioridade de qualquer das espécies familiares sobre as demais. No
entanto, também para os que entendem que na Constituição Federal está
assegurada a superioridade da família originada no casamento, parece-nos
que haveria essa mesma inconstitucionalidade, uma vez que há hipóteses em
que a lei coloca o companheiro em posição superior à do cônjuge80·.
Guilherme Calmon Nogueira da Gama81 acredita que ainda há preconceito no
tratamento das uniões fundadas no companheirismo, não obstante a norma constitucional
considerar tais uniões como famílias jurídicas. O autor considera que há aspectos
inconstitucionais no art. 1790, nos seguintes termos:
A despeito das críticas de ordem topográfica quanto à colocação do preceito
na estrutura do CC, há problemas de suma gravidade, beirando as raias da
inconstitucionalidade. A redação do art. 1790, CC, resultou de mudança feita
no âmbito da Câmara dos Deputados (na condição de casa Revisora das
Emendas senatoriais), e é certo que houve excesso na alteração da redação,
porquanto não houve qualquer legislação no período de 1975 a 2001 que
tenha estabelecido que somente haveria direito sucessório de propriedade em
favor do companheiro supérstite relativamente aos bens adquiridos na
Constancia do companheirismo. Desse modo, por haverem sido extrapolados
os limites da autorização concedida pela Resolução CN 1/2000, é oportuno
considerar a presença de inconstitucionalidade formal (e parcial) do art.
1790, CC, quanto à referência “aos bens adquiridos na vigência da união
estável82.
Calmon83 considera o dispositivo 1790 do CC inconstitucional materialmente, pois,
no lugar de dar especial proteção à família fundada no companheirismo, como o fez a
Constituição Federal em seu art 226, caput e § 3º, ele retira direitos e vantagens anteriormente
existentes em favor dos companheiros. Defende que o correto seria tratar, em igualdade de
condições às pessoas dos cônjuges, da sucessão em favor dos companheiros.
Calmon84 ensina ainda que desde o advento das Leis nº 8971/94 e nº 9278/96, os
companheiros e os cônjuges passaram a receber igual tratamento no que se refere ao direito
das sucessões.
Desse modo, conclui que, por força de normas infraconstitucionais, existe tratamento
igual na sucessão entre cônjuge e companheiro desde o ano de 1996, assim, deveria ter sido
80
Ob. cit. p. 141.
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito civil: sucessões. São Paulo: Atlas, 2007, p.26
82
Ob. cit., p. 26.
83
Ob. cit., p. 27.
84
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito civil: sucessões. São Paulo: Atlas, 2007, p. 27
81
47
mantido tal tratamento, para dar efetividade ao comando previsto no art. 226, caput, da
Constituição Federal. Para o doutrinador a solução cabível seria a seguinte:
A melhor solução será considerar, tal como analisada, a
inconstitucionalidade do art. 1790, CC, e, desse modo, permitir a
continuidade do art. 2º, inciso III, da Lei nº 8971/94, devidamente
combinado com o art. 1829, CC, nos incisos I, II e III85.
Assim, tendo em vista o tratamento diferenciado do companheiro em relação ao
cônjuge no Código Civil de 2002 e à luz dos princípios constitucionais, acredito que o artigo
1790 do CC em breve será declarado inconstitucional.
85
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito civil: sucessões. São Paulo: Atlas, 2007, p. 29
48
7
OS
ASPECTOS
PROCESSUAIS
RELACIONADOS
À SUCESSÃO
DO
COMPANHEIRO.
Sobre a possibilidade de o companheiro ter legitimidade para requerer a abertura do
inventário, a jurisprudência tem admitido, nomeando o companheiro como inventariante.
Importante é o seguinte julgado do TJMG:
EMENTA: DIREITO PROCESSUAL CIVIL - INVENTÁRIO INVENTARIANTE - COMPANHEIRO - POSSE E ADMINISTRAÇÃO
DOS BENS - ART. 987 DO CPC. A legitimidade para requerer
inventário não se confunde com a capacidade para suceder ou preservar
meação; sendo que, para que a primeira se verifique, basta que a pessoa
esteja na posse e administração dos bens. Por sua vez, a existência de
união estável, a ser comprovada nas vias ordinárias, importa tão somente
para a constatação da qualidade de herdeiro ou meeiro. (TJMG, Apelação
cível nº 1.0271.03.017268-5/001, j. 19/08/2005 - relator: exmo. sr. des.
Moreira Diniz)
Com relação à prova da União Estável, a demanda se sujeita a discussão pelas vias
ordinárias, no juízo de família e não no juízo do inventário. Segundo um julgado do STJ, o
simples ajuizamento da ação declaratória de união estável não basta para autorizar a reserva
de bens em favor da companheira. Vejamos o julgado:
Inventário. Reserva de bens em favor da companheira. Reconhecimento de
união estável. Precedentes da Corte. 1. O simples ajuizamento da ação
declaratória de união estável não basta para autorizar a reserva de bens
em favor da companheira. Tratando-se de providência cautelar, necessário
que estejam presentes a fumaça do bom direito e o perigo da demora. E para
tanto necessário é o exame das circunstâncias concretas do caso, na soberana
avaliação dos elementos de prova apresentados nos autos. 2. Recurso
especial não conhecido ( STJ, 3ª T, Resp 2004/0067223-0, rel Min Carlos
Alberto Menezes Direito, j. 02.08.2007)
Há, porém, julgados que admitem o pedido de reserva de bens nos autos do
inventário, garantindo dessa forma o direito do companheiro, caso venha a ser reconhecida a
união. Nesse sentido, alguns julgados do TJMG e do TJRS:
49
EMENTA: INVENTÁRIO - COMPANHEIRA - RELAÇÃO A SER
APURADA EM VIAS ORDINÁRIAS - PARTILHA COM RESERVA POSSIBILIDADE, OBSERVADOS OS REQUISITOS. - Tendo sido
impugnada a habilitação da pretensa companheira no INVENTÁRIO e tendo
sido as partes remetidas às vias ordinárias, ou já havendo em curso ação
declaratória da UNIÃO ESTÁVEL, cabível é a reserva de parte suficiente
a que se faça um acautelamento do JUÍZO para que, em caso da
procedência da pretensão, tenha a pretendente seus direitos
preservados. A reserva se fará apenas sobre os bens adquiridos após a
alegada UNIÃO ESTÁVEL. - Tratando-se de medida acautelatória, devem
estar presentes os requisitos "fumus boni iuris" e "periculum in mora". Tendo o Juiz de 1º grau entendido que há razões para o deferimento da
reserva, deve o agravante carrear aos autos peças que demonstrem a
inexistência de PROVA do "fumus boni iuris" , não se tratando da obrigação
de fazer PROVA negativa, mas de fazer PROVA de que a pretensa
companheira não fez PROVA da UNIÃO ESTÁVEL ou fez provas
temerárias. (TJMG, Agravo n° 1.0479.05.086710-6/003 - Relatora: Desª.
Vanessa Verdolim Hudson Andrade)
EMENTA: SUCESSÕES. INVENTÁRIO. DISPOSIÇÃO DE ÚLTIMA
VONTADE. LEGADO DE BEM IMÓVEL ESTABELECIDO EM PROL
DA CÔNJUGE SUPÉRSTITE E DOS FILHOS DO AUTOR DA
HERANÇA. VALIDADE DAS DISPOSIÇÕES TESTAMENTÁRIAS QUE
SE IMPÕE RECONHECIDA. SUCESSÃO A TÍTULO SINGULAR,
DIREITO DE REPRESENTAÇÃO DOS SUCESSORES DE LEGATÁRIO
PREMORTO AFASTADO. CADUCIDADE DO LEGADO. UNIÃO
ESTÁVEL. DECLARATÓRIA INCIDENTAL. RECONHECIMENTO
ALUSIVO A PERÍODO ANTERIOR AO MATRIMÔNIO PENDENTE DE
JULGAMENTO. RESERVA DE BENS, GARANTIA QUE SE IMPÕE
ASSEGURADA PARA EVENTUAL DIREITO À MEAÇÃO. AGRAVO
PARCIALMENTE PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70019265248,
Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Ari
Azambuja Ramos, Julgado em 31/05/2007)
EMENTA: SUCESSÕES. INVENTÁRIO. RESERVA DE BENS.
SUPOSTA EXISTÊNCIA DE UNIÃO ESTÁVEL. Devidamente ajuizada a
ação declaratória de união estável, e sendo verossímil a alegação da
agravada, no sentido da existência de união estável com o de cujus, possível
a reserva de bens no inventário do companheiro, mostrando-se prudente
assegurar eventual direito da sedizente companheira. Agravo parcialmente
provido. (Agravo de Instrumento Nº 70023161698, Sétima Câmara Cível,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em
28/05/2008).
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. RESERVA
DE BENS. Ainda que a união estável tenha de ser debatida e comprovada
em ação própria, em virtude da verossimilhança das alegações da agravada,
deve ser reservado seu quinhão ao fim de evitar dano irreparável ou de
50
difícil reparação. DIREITO À MEAÇÃO. A controvérsia sobre os bens que
compõem o espólio e os que pertencem à meação não pode ser dirimida sem
a devida dilação probatória. NEGADO PROVIMENTO AO AGRAVO.
(Agravo de Instrumento Nº 70025940891, Oitava Câmara Cível, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Alzir Felippe Schmitz, Julgado em 21/08/2008)
EMENTA:
AGRAVO
DE
INSTRUMENTO.
SUCESSÕES.
INVENTÁRIO. RESERVA DE BENS. ALEGAÇÃO DE UNIÃO
ESTÁVEL. RESERVA DE BENS. Para garantir eventual meação, é a
reserva de bens a medida adequada para acautelar o interesse da parte.
AGRAVO PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70023885270, Oitava
Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Alzir Felippe Schmitz,
Julgado em 12/06/2008)
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. PEDIDO DE
RESERVA DE BENS. POSSIBILIDADE. É possível a reserva de bens da
suposta companheira nos autos do inventário, já que, caso reconhecida a
união estável, terá esta direito sucessório. RECURSO PARCIALMENTE
PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70021458401, Oitava Câmara Cível,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: Claudir Fidelis Faccenda, Julgado em
15/10/2007)
De outro giro, há uma decisão86 recente do STJ, de 12/11/2008, na qual se decidiu
ser válida a designação de companheira como beneficiária em seguro de vida:
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) não atendeu o
recurso da mulher e da filha de um ex-segurado e manteve a decisão de
segunda instância que entendeu ser beneficiária, por inteiro, aquela
pessoa designada, nominalmente, pelo associado no respectivo cartãoproposta.
No caso, a seguradora ajuizou ação de consignação em face da mulher e da
companheira do ex-segurado ante o surgimento de dúvida sobre quem
deveria receber o seguro de vida de mais de R$ 80 mil do ex-segurado,
devido a seu falecimento, em outubro de 2004. Na ação, a seguradora alegou
que, de acordo com a proposta de ingresso, o ex-segurado indicou como
beneficiárias, em primeiro lugar, a mulher, em segundo lugar, sua filha.
Porém, em agosto de 1999, ele fez uma alteração de beneficiárias, indicando,
em primeiro lugar, sua companheira, com 100% do legado e, em segundo
lugar, sua filha, também com 100% do legado, na falta da primeira indicada.
Após a morte do segurado, habilitaram-se ao recebimento do seguro, perante
a seguradora, a viúva e a companheira. O fato gerou a necessidade da
manifestação do Juízo para decidir quem teria direito ao legado.
Diante da inexistência de impugnação dos valores depositados, o pedido de
consignação em pagamento foi julgado procedente declarando extinta a
86
Fonte: IBDFAM: WWW. Ibdfam.org.br. Acesso em: 4/05/2009.
51
obrigação da seguradora, passando a correr o processo entre a viúva e a
companheira, nos termos do artigo 898 do Código Processual Civil (CPC).
Em primeira instância, declarou-se a companheira legitimada ao recebimento
do seguro e, em igual proporção, a filha do falecido, determinando a
liberação do valor depositado em juízo. A mulher, a filha e a companheira
apelaram da sentença. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS)
negou a apelação da mulher e da filha e proveu a da companheira. Para o
TJ, é beneficiária, por inteiro, aquela pessoa designada, nominalmente,
pelo associado no respectivo cartão-proposta. Além disso, somente em
caso de falecimento da primeira beneficiária, é que se poderia cogitar
em passar para o segundo indicado.
Inconformadas, a viúva e a filha recorreram ao STJ pedindo a nulidade da
destinação de seguro à companheira, por elas concebida como concubina,
pois foi instituído por homem casado, sem prova de eventual separação de
fato.
Ao analisar a questão, a relatora, ministra Nancy Andrighi, destacou que o
Tribunal de origem conferiu à recorrida a qualidade de companheira. Essa
questão é de fato e não pode ser reexaminada em recurso especial. Citou
precedentes em que se evidencia a inaplicabilidade da regra de proibição
contida no artigo 1.474 do antigo Código Civil (CC/16) à tal hipótese, pois
veda a designação de concubino como beneficiário de seguro, mas não de
companheiro. O concubinato, diferentemente da união estável entre
companheiros, ocorre entre pessoas impedidas de se casar e, por isso, não é
protegido constitucionalmente, como o casamento e a própria união estável.
Para ela, por ter sido o capital segurado revertido para o beneficiário
designado no contrato de seguro de vida, respeitada a vedação do artigo
1.474 do CC/16, porque instituído em favor da companheira do falecido,
vale o que está contido no instrumento contratual.
A ministra Nancy Andrighi ressaltou, ainda, que, na tentativa de vestir na
recorrida a roupagem de concubina, as recorrentes fugiram da interpretação
que confere o STJ ao tema analisado, especialmente quando ligado aos
elementos fáticos exatamente como descritos pelo Tribunal de origem, que
não podem ser modificados no âmbito do recurso especial
Outro aspecto processual importante são os enunciados relativos a direito de família
e direito das sucessões elaborados por juízes de São Paulo.
Reunidos em Piracicaba (SP), no dia 10 de novembro de 2006, os juízes das Varas da
Família e das Sucessões do Interior de São Paulo deliberaram, por maioria de 2/3 dos
presentes e após extensos debates, emitir os seguintes enunciados a fim de nortear sua atuação
futura. Dada a relevância da matéria, publicam-se os enunciados para conhecimento de
todos87. Abaixo serão citados apenas os enunciados relacionados ao nosso tema em estudo:
FAMÍLIA EM GERAL
87
Fonte: IBDFAM: WWW. Ibdfam.org.br. Acesso em: 4/05/2009.
52
3. Em circunstâncias especiais é possível reconhecer união estável sem coabitação, caso
presentes outros aspectos que tornem indubitável a constituição de família, preenchendo-se os
requisitos do art. 1.723 do Código Civil.
4. Na união estável, a alienação de imóvel por um companheiro sem autorização do outro não
pode ser anulada em detrimento do adquirente de boa-fé, resguardado o direito do
companheiro prejudicado a perdas e danos em face do alienante.
5. No divórcio ou na dissolução da união estável não há impedimento à renúncia ao direito a
alimentos, pois a vedação à renúncia do art. 1.707 do Código Civil só se aplica enquanto
subsiste vínculo de direito de família.
SUCESSÕES
49. O art. 1.790 do Código Civil, ao tratar de forma diferenciada a sucessão legítima do
companheiro em relação ao cônjuge, incide em inconstitucionalidade, pois a Constituição não
permite diferenciação entre famílias assentadas no casamento e na união estável, nos aspectos
em que são idênticas, que são os vínculos de afeto, solidariedade e respeito, vínculos
norteadores da sucessão legítima.
50. Ante a inconstitucionalidade do art. 1.790, a sucessão do companheiro deve observar a
mesma disciplina da sucessão legítima do cônjuge, com os mesmos direitos e limitações, de
modo que o companheiro, na concorrência com descendentes, herda nos bens particulares,
não nos quais tem meação.
51. O companheiro sobrevivente, não mencionado nos arts. 1.845 e 1.850 do Código Civil, é
herdeiro necessário, seja porque não pode ser tratado diferentemente do cônjuge, seja porque,
na concorrência com descendentes e ascendentes, herda necessariamente, sendo incongruente
que, tornando-se o único herdeiro, possa ficar desprotegido.
52. Se admitida a constitucionalidade do art. 1790 do Código Civil, o companheiro
sobrevivente terá direito à totalidade da herança deixada pelo outro, na falta de parentes
sucessíveis, conforme o previsto no inciso IV, sem a limitação indicada na cabeça do artigo.
53. Processa-se no Juízo em que teve curso o inventário, ainda que encerrado, a respectiva
demanda de anulação de partilha.
54. Com vistas à desburocratização dos procedimentos, mesmo no processo de inventário
tradicional, desnecessário é o formal compromisso do inventariante, o qual defluirá da própria
investidura resultante da nomeação não recusada em prazo a ser definido pelo Juiz
Percebe-se que os enunciados elaborados para nortear a atuação dos juízes de São
Paulo são de grande relevância, pois analisam a sucessão do companheiro e consideram o art.
1790 do CC inconstitucional, por tratar de forma diferenciada a sucessão legítima do
53
companheiro em relação ao cônjuge. O tribunal do Rio Grande do Sul também tem
jurisprudência nesse sentido, conforme já citado anteriormente.
Francisco José Cahali e Fabiana Domingues Cardoso88, no texto “A Sucessão na
União Estável”, falam sobre a possibilidade de equiparar os direitos sucessórios do cônjuge e
do companheiro, e destacam que” é dever dos operadores do direito o questionamento perante
uma nova tendência e reclamos da sociedade, se a hipótese sob análise harmoniza-se e é
permitida pelo ordenamento e se realmente reflete melhorias aos jurisdicionados (...)”. Para os
doutrinadores, as repercussões podem ser negativas, por isso, caso haja a equiparação
sugerida, primeiro há de ser fazer uma reforma no direito de família.
88
CARDOSO, Fabiana Domingues e CAHALI, Francisco José. A Sucessão na União Estável. In Direito das
Sucessões: HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes.. Coordenação: Christiano Cassettari e Márcia Maria
Menin. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 147.
54
8 CONCLUSÃO
Após a análise dos aspectos sucessórios do companheiro, observaram-se diversas
críticas por parte da doutrina no tratamento dispensado pelo Código Civil de 2002 a essa
sucessão.
Os princípios constitucionais da igualdade, da dignidade humana e da solidariedade
devem sempre ser observados no regime que disciplina o direito das sucessões.
Ana Luiza Maia89 ensina que para a solidariedade constitucional prevista no art. 3º, I
da CF tenha ampla realização no âmbito do Direito das Sucessões, é preciso que “ as regras da
sucessão legal observem a pessoa do sucessor, não havendo discriminação quanto à entidade
familiar da qual o mesmo pertence. Somente assim será construído um sistema sucessório em
conformidade com o princípio da dignidade da pessoa humana.”
Alguns autores consideram, em virtude de todos os motivos expostos, o artigo 1790
do Código Civil seria inconstitucional, com o argumento de reduzir a proteção sucessória dos
companheiros que mantém união estável.
Guilherme Calmon90 considera o citado dispositivo inconstitucional materialmente,
pois, retira direitos e vantagens antes existentes em favor dos companheiros, no lugar de dar
especial proteção à família fundada no companheirismo. O autor fala em retrocesso patente,
comparando o novo sistema introduzido pelo Código Civil ao sistema existente durante a
vigência das Leis nº 8971/94 e nº 9278/96.
O professor Zeno Veloso91, também, na mesma linha de raciocínio, critica o art.
1790, afirmando ser um retrocesso na sucessão entre companheiros, comparado com a
legislação até então em vigor como as Leis nº 8971/94 e nº 9278/96.
Importante modificação existia no projeto de Lei nº 6960/02 proposto por uma
corrente bem mais liberal, que sugeria a modificação do art. 1790, porém o projeto foi
arquivado desde janeiro de 2007.
Mário Luiz Delgado Régis92 fez um elogio ao projeto de Lei nos seguintes termos: “a
alteração legislativa procura ampliar os direitos sucessórios do companheiro, sem, no entanto,
89
NEVARES, Ana Luiza Maia. Os direitos Sucessórios do Cônjuge e do Companheiro. Revista Brasileira de
Direito de Família, nº 36. Ano VIII, Jun-julho 2006, p. 140.
90
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito civil: sucessões. São Paulo: Atlas, 2007, p. 27.
91
VELOSO, Zeno. Do direito sucessório dos companheiros. In Direito de família e o novo código civil. Coord.
Maria Berenice Dias e Rodrigo da Cunha Pereira. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 242.
92
RÉGIS, Mario Luiz Delgado. Controvérsias na Sucessão do Cônjuge e do Convivente. Será que precisamos
mudar o Código Civil? Revista Brasileira de Direito de Família, nº 29. Ano VII, Abr-Maio 2005, p. 220.
55
assegurar a equipotencia com os direitos sucessórios assegurados ao cônjuge. Melhora a
posição sucessória do convivente, sem infringir o mandamento constitucional.”
Francisco Jose Cahali e Fabiana Domingues Cardoso93 defendem a necessidade de
alteração da legislação corrente, nos seguintes termos: “em que pese o cenário de incerteza, de
mãos dadas, os estudiosos tem um discurso único: há necessidade de alteração da legislação
corrente, para que as falhas sejam sanadas e se alcance o aperfeiçoamento do Código no
tocante à sucessão decorrente do casamento e da união estável”.
Para Aldemiro Rezende Dantas Júnior94, que escreveu sobre a “Concorrência
Sucessória do Companheiro Sobrevivo” na Revista Brasileira de Direito de Família nº 29, sua
opinião é pela “inconstitucionalidade do art. 1790, que viola a igualdade entre as diversas
espécies de famílias, devendo em seu lugar ser aplicadas, às sucessões causa mortis pelo
companheiro, as disposições legais contidas nos arts. 1829 e seguintes (...)”.
Portanto, em face de inúmeras críticas da doutrina referente ao tratamento dado pelo
Código Civil à Sucessão do Companheiro, percebe-se que o referido direito sucessório tende a
sofrer consideráveis e justas mudanças. Os princípios da dignidade da pessoa humana,
solidarismo social, e igualdade devem ser a base do direito civil, principalmente do Direito
das Sucessões.
O Direito civil da atualidade deve ser um direito pautado na valorização da pessoa
humana e na observância dos princípios constitucionais.
A igualdade, como princípio
constitucional, deve ser uma igualdade substancial, relacionada ao equilíbrio das partes nas
relações privadas.
Assim, observa-se que os direitos sucessórios conferidos aos companheiros tendem a
ofender todo o avanço e direitos conquistados pela família informal, ou seja, a união estável
na Constituição Federal.
Enfim, há uma nova tendência e anseio da sociedade por mudanças no ordenamento
jurídico. Os operadores do direito devem ficar atentos sobre os reclamos da sociedade e sobre
possíveis mudanças na legislação. Por conseguinte, concluí-se que o artigo 1790 do CC, que
trata da sucessão do companheiro não encontra respaldo com a proteção conferida pelo Estado
à família na Constituição Federal de 1988, pois, não guarda relação com os princípios
constitucionais da igualdade e dignidade da pessoa humana.
93
CARDOSO, Fabiana Domingues e CAHALI, Francisco José. A Sucessão na União Estável. In Direito das
Sucessões: HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Coordenação: Christiano Cassettari e Márcia Maria
Menin. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 124.
94
DANTAS JÚNIOR, Adelmiro Rezende. Concorrência Sucessória do Companheiro Sobrevivo. Revista
Brasileira de Direito de Família, nº 29. Ano VII, Abr-Maio 2005, p. 142
56
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