EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E A INVISIBILIDADE DA DESIGUALDADE SOCIAL Ana Luíza de Souza1; Jocyare Cristina Pereira de Souza 2 RESUMO Este artigo quer discutir que apesar de ter havido avanços na política social brasileira, a partir da constituição de 1988, com redução da desigualdade social e, consequentemente da pobreza, os governos terão como desafio tirar da invisibilidade grande contingentes da população que ainda vivem abaixo da linha da pobreza e que não possuem as qualidades exigidas pelo mercado. Este artigo também questiona o conceito de “nova classe média” e se o público atingido pelas políticas sociais realmente atingiram um novo patamar de classe social. Palavras-chave: invisibilidade da desigualdade social, políticas sociais, redução da pobreza, nova classe média. ABSTRACT This paper tries to argue that although there were advances in Brazilian social policy, from the constitution of 1988, reducing social inequality and thus poverty, governments must take as a challenge of invisibility large contingent of the population still living below the poverty line and who do not possess the qualities required by the market. This article also questions the concept of "new middle class" and the audience reached by social policies actually reached a new level of social class. Keywords: invisibility of social inequality, social policy, poverty reduction 1Acadêmico do Curso de Pós Graduação em Gestão Pública do IFTMUZ - e-mail: [email protected],mestra em educação pela FAE/UNICAMP, pos graduada em políticas sociais pela UNB e pos graduação em elaboração de projetos sociais pela PUC Minas e atual secretária de Desenvolvimento Social da Prefeitura Municipal de Guaxupé. 2 Orientadora - Professora do Curso de Pós Graduação em Gestão Pública do IFTMUZ – e-mail: [email protected] / Endereço para acessar o Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/6971092838621749 1 INTRODUÇÃO É consenso nas ciências econômicas e sociais que nas últimas décadas, o Brasil obteve substancial avanços na inclusão dos mais pobres em políticas sociais, aliando crescimento com distribuição de renda e desenvolvimento humano. Como consequência deste processo, houve queda na desigualdade social. Considerando as flutuações das taxas de crescimento do país, o índice da desigualdade social se pôs em declínio. A pobreza também vem sendo reduzida significativamente. A redução da desigualdade fez ocorrer uma acentuada queda da pobreza. Alguns analistas acreditam que, em função desta queda da desigualdade, fruto das políticas sociais, houve ascensão social da população que estava na base da pirâmide para 'a nova classe média'. Não é possível discutir redução da pobreza e diminuição da desigualdade social sem falar da Constituição Federal de 1988, considerada Constituição Cidadã, a qual representou um alargamento dos direitos sociais e do campo da proteção social pública no país. Seus impactos foram relevantes tanto na possibilidade de garantias legais de proteção, quanto na responsabilização pública diante de vários problemas que antes eram confinados ao espaço privado. Mas este artigo não tem a finalidade de se delongar sobre os significativos avanços das políticas sociais ou mesmo de aprofundar, quanto a redução da desigualdade social e da pobreza através de estatísticas é fazer uma reflexão sobre o fato de ainda existir um grande contingente de pessoas “invisíveis’ para a sociedade, consideradas subcidadãs, à despeito da eficácia dos avanços da Constituição no que concerne a direitos fundamentais. Trata-se de pessoas que não se consideram capazes de sair das precárias condições em que vivem e que, por isso, serão sempre dependentes de uma política protecionista do Estado. Isso porque não possuem as qualidades que o mercado exige: qualificação, pensamento prospectivo e disciplina. Este artigo também questiona o conceito de “nova classe média” difundido e divulgado pelo governo federal como resultado positivo das políticas sociais, e se o público atingido pelas políticas sociais realmente atingiram um novo patamar de classe social. A seguir, serão relacionados os Direitos Fundamentais com o Estado Democrático de Direito. Os avanços ocorridos na política social com a Constituição de 2 1988, e a importância desta para a implementação das políticas que foram efetivas na diminuição da pobreza. Após, serão expostos o conceito de política social, alguns dados quantitativos que comprovam a diminuição da desigualdade social e da pobreza, e a tese levantada pelo economista Marcelo Neri, da ascensão dos pobres à condição “a nova classe média”. E, por último, será discutida a teoria de Souza (2006) sobre a invisibilidade dos desiguais, utilizando os conceitos de habitus de Bourdieu e a crítica a esse novo conceito de “nova classe média”. Por fim, será mostrado que ainda há muito que ser feito pelo poder público, que muitas questões sociais não podem ser explicadas apenas por argumentações econômicas e quantitativas, que não se diminui a desigualdade social apenas transferindo renda e que é necessário considerar outros fatores imperceptíveis a olho nu, invisíveis, mas que são também determinantes no reforçar da exclusão social e a desigualdade existente. 2 – RELAÇÃO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS E ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO O indiano Amartya Sen, Nobel da Economia de 1998, defendeu em São Paulo, no ciclo de palestras Fronteiras do Pensamento (24/04/2012), que o Brasil é um bom exemplo de conciliação entre rápido crescimento econômico e desenvolvimento social. Segundo Sen, o Brasil encontrou uma maneira de fazer com que o crescimento fosse compartilhado amplamente pela população. Para Sen, a fome normalmente não ocorre em países democráticos. O motivo básico é muito simples, explica ele; o governo de um país democrático tem um grande incentivo para prevenir a fome, porque não se ganha eleição após um período de carência alimentar, e ninguém quer ser criticado pela oposição e pela imprensa. Nos países autoritários, a prioridade não é atender a população pobre (ele cita os países africanos), por isso, não há uma preocupação efetiva com as políticas sociais. Avanços nas políticas sociais são reflexo do cumprimento de direitos fundamentais positivos, ou seja; no Brasil, a Constituição Federal de 1988 é considerada cidadã por ampliar e contemplar os vários direitos fundamentais. 3 A Constituição de 1988 proclamou que o Estado Brasileiro é democrático reconhecedor de direitos civis, econômicos, políticos, sociais e culturais. Alcançava-se um novo patamar de cidadania, comparável à concepção clássica de Marshall (1967) a respeito dos direitos civis, políticos e sociais. Muitos desses direitos nunca antes haviam sido objetos de garantia legal no país, principalmente os civis e políticos. Embora a constituição promulgada tenha sido, ao final, menos avançada e progressista do que parecia ser, considerando a grande participação popular com apresentação de vários projetos de lei e também por estar no período de transição no final da ditadura militar, foi a possível naquelas circunstâncias. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada3 (IPEA) fez uma avaliação dos Vinte Anos da Constituição Federal e pode afirmar que no âmbito das políticas sociais, houve um avanço real na reestruturação do sistema de proteção social do país. Desde então, a regulamentação e a implantação das conquistas estabelecidas na Constituição têm sido um processo árduo, ainda inconcluso, com distintos graus de sucesso, estagnação e retrocesso. Não foram poucos os pontos que foram adulterados, ou simplesmente cancelados, antes mesmo de serem regulamentados, ante a força das posições conservadoras. Porém, o cenário hostil, a partir de 1990 e até os dias atuais, não impediu que parcela significativa das conquistas de 1988 fosse efetivada. 2.1 Direitos Fundamentais e Democracia Retomando Amartya Sen: Somente em países onde há a garantia do cumprimento dos direitos fundamentais, assegurando o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, a igualdade e a justiça para todos é que se pode garantir a democracia e a participação plena. 3 Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) é uma fundação pública federal vinculada à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Suas atividades de pesquisa fornecem suporte técnico e institucional às ações governamentais para a formulação e reformulação de políticas públicas e programas de desenvolvimento brasileiros. Os trabalhos do Ipea são disponibilizados para a sociedade por meio de inúmeras e regulares publicações e seminários e, mais recentemente, via programa semanal de TV em canal fechado. http://www.ipea.gov.br/portal/index.phpoption=com_content&view=article&id=1226&Itemid=68. Acesso em 11/06/2012. 4 Bobbio (1992) compartilha com a mesma opinião quando diz: O reconhecimento e a proteção dos direitos do homem estão na base das constituições democráticas modernas. Direitos do homem, democracia e paz são três momentos necessários do mesmo movimento histórico: sem direitos do homem reconhecidos e protegidos, não há democracia; sem democracia, não existem as condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos. Em outras palavras, a democracia é a sociedade dos cidadãos, e os súditos se tornam cidadãos quando lhes são reconhecidos alguns direitos fundamentais; haverá paz estável, uma paz que não tenha guerra como alternativa, somente quando existirem cidadãos não mais apenas deste ou daquele Estado, mas do mundo. (ibid,p.01) É com o nascimento do Estado de direito que ocorre a passagem final do ponto de vista do príncipe para o ponto de vista dos cidadãos. No Estado despótico, os indivíduos singulares só têm deveres e não direitos. No Estado absoluto, os indivíduos possuem, em relação ao soberano, direitos privados. No Estado de direito, o indivíduo tem, em face do Estado, não só direitos privados, mas também direitos políticos. O Estado de direito é o Estado dos cidadãos. (ibid,p.61) Compreende-se, como defende Sarlet (2009), que a definição de direitos fundamentais são aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional de determinado Estado. Pode-se afirmar que Estado de Direito/direitos fundamentais é conditio sine qua non do Estado Constitucional Democrático. Só em um país democrático e que tenha uma legislação que possa proteger o cidadão, principalmente aqueles que se encontram em situação de pobreza, é que poderá avançar uma política social efetiva e para todos. A política de desenvolvimento social com inclusão procura romper com a lógica adotada pelo Estado brasileiro no passado. Lógica que se baseava na tutela do Estado sobre as iniciativas da sociedade civil. Em decorrência dessa visão patriarcal, mesmo quando atuando para proteger direitos sociais, o Estado agia autoritariamente, negando a participação popular e obstaculizando a construção de uma consciência pública. 2.2 Papel do Estado e a erradicação da pobreza Na contemporaneidade, com a crise do welfare state na Europa, a partir da década de 1970, e, posteriormente, com a crise do próprio neoliberalismo, o papel do Estado no desenvolvimento social fica bastante evidenciado. Em todos os modelos e opções de desenvolvimento em debate, reconhece-se a importância do papel ativo do Estado na promoção da inclusão social e do desenvolvimento sustentável. A lógica clientelista e assistencialista que sempre marcou a política social brasileira foi substituída pela visão de um Estado provedor e garantidor de políticas de proteção e promoção social. O Estado foi remodelado de modo a se 5 tornar um agente ativo no desenvolvimento social e instância promotora de políticas públicas, na perspectiva de direitos sociais. Exemplo disso é a aplicação do que está escrito na nossa Constituição no art.3º§ III como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais. A participação social tem sido reafirmada no Brasil como fundamento dos mecanismos institucionais que visam garantir efetiva proteção social contra riscos e vulnerabilidades, assim como a vigência dos direitos sociais. A garantia de direitos sociais nos campos da saúde, educação e assistência social, previdência social e trabalho foi acompanhada da consolidação de uma nova institucionalidade objetivando assegurar a presença de múltiplos atores sociais, seja na formulação, seja na gestão, na implementação ou no controle das políticas sociais. No entanto, quando se discute em política de proteção social, necessariamente deve-se falar em política da Assistência Social, que, especialmente nestas últimas décadas, ficou marcada pelo atendimento via transferência de renda para os deficientes físicos e idosos muito pobres, além da criação e desenvolvimento do Bolsa Família 4. Portanto, os pilares da atual política social brasileira são a previdência, assistência social, saúde e educação, além da política de aumento do salário mínimo, que assumiu função de grande importância para o conjunto da população que está no mercado de trabalho. Esses avanços só foram possíveis após a Constituição de 1988. 3 - AS POLÍTICAS SOCIAIS E A DIMINUIÇÃO DA DESIGUALDADE SOCIAL 4 O Programa Bolsa Família (PBF) é um programa de transferência direta de renda que beneficia famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza em todo o País. O Bolsa Família integra o Plano Brasil Sem Miséria (BSM), que tem como foco de atuação os 16 milhões de brasileiros com renda familiar per capita inferior a R$ 70 mensais, e está baseado na garantia de renda, inclusão produtiva e no acesso aos serviços públicos. O Bolsa Família possui três eixos principais focados na transferência de renda, condicionalidades e ações e programas complementares. A transferência de renda promove o alívio imediato da pobreza. As condicionalidades reforçam o acesso a direitos sociais básicos nas áreas de educação, saúde e assistência social. Já as ações e programas complementares objetivam o desenvolvimento das famílias, de modo que os beneficiários consigam superar a situação de vulnerabilidade. http://www.mds.gov.br/bolsafamilia – Acesso em 11/06/2012. 6 Pode-se buscar na literatura várias definições sobre política social. A maioria delas se refere à intervenção do Estado como uma política compensatória para equilibrar os desequilíbrios e antagonismos de classe. Segundo o IPEA, políticas sociais são mecanismos políticos/institucionais que as sociedades constroem ao longo da história, a partir da força dos movimentos sociais e políticos, visando proteger ou promover socialmente seus membros. As palavras proteger e promover são pilares em qualquer conceito de política social, visto que são políticas para atenuar as diferenças sociais criadas pelo livre funcionamento do mercado, para compensar as enormes desigualdades de renda e de salário promovidas pelo modo de produção capitalista vigente. Proteger o cidadão frente às contingências, riscos e fatores que, independentemente de sua vontade, podem lançá-lo em situações de dependência ou de vulnerabilidade, tal como o de não prover o seu sustento e o de sua família por meio do trabalho, seja por velhice, morte, doença ou desemprego são as políticas sociais vinculadas à Seguridade Social e ao Seguro Social (aposentadorias, pensões e auxílios), Saúde, Assistência Social, Previdência Social e Seguro-Desemprego. Promover políticas para geração de oportunidades e de resultados, como instrumento de justiça e equidade que pretendem garantir aos cidadãos oportunidades mais amplas compreende a educação, o acesso à cultura e as políticas de qualificação profissional e regulação do mercado de trabalho - até a democratização do acesso a ativos – como políticas voltadas à agricultura familiar (acesso a crédito, extensão rural, reforma agrária), à economia solidária, à habitação, à mobilidade urbana. O sistema brasileiro de política social destaca-se pela dimensão do seu conjunto: são dezenas de milhões de cidadãos atingidos pelas diversas políticas públicas de proteção e promoção social. É importante ressaltar que tais políticas não são fragmentadas e emergenciais ou descontinuas, mas, ao contrário, operam de modo estável e sustentado no tempo, com regras e instituições estabelecidas. A manutenção desse conjunto de políticas públicas exige a mobilização de recursos fiscais compatíveis. O patamar dos gastos sociais no Brasil vem sendo significativamente alterado desde a Constituição de 1988. Principalmente a partir de 7 1993, com o efetivo início da implementação das políticas previstas pela Constituição – SUS, Loas, Previdência Rural, entre outras. O IPEA divulgou um estudo que durante as duas gestões do governo Fernando Henrique Cardoso, os gastos federais com a assistência social subiram de R$ 1,7 bilhões (0,08% do PIB) em 1995 para 15,8 bilhões em 2002 (0,60% do PIB). Já no primeiro ano do governo Lula (2003), os gastos federais com assistência social saltaram para R$ 17, 4 bilhões (0,66% do PIB) e chegaram a R$ 44,2 bilhões (1,07% do PIB) em 2010. 3.1 Política Social e a diminuição da desigualdade social Marcelo Neri 5 acredita que na história do Brasil teve grandes marcos nos últimos 50 anos, que determinaram a agenda da sociedade brasileira. As décadas de 60 e 70 foram aquelas do crescimento, milagre econômico e ditadura militar. Já na década de 80, houve dois picos históricos; a inflação, chegando a 80% ao mês, agravando, com isso, o aumento da desigualdade de renda, gerando altos índices de desigualdade social, e a redemocratização. A década de 90 é marcada pela conquista da estabilidade econômica e do aumento do emprego formal. A primeira década do século XXI foi a década da redução da desigualdade social. Os índices da desigualdade no país aumentaram muito nos anos 60 e foram piorando ao longo das décadas até 2001. De 2001 a 2008 ocorre redução da desigualdade. Uma pequena mudança na desigualdade brasileira implica grandes mudanças na vida das pessoas. A PNAD 6 mostrou que os 10% mais pobres tiveram ganhos de 72% acumulados de 2001 a 2008, enquanto que os 10% mais ricos tiveram ganho de 11,4%. Ou seja, os mais ricos estão vivendo num país relativamente estagnado, enquanto que os mais pobres estão experimentando uma espécie de crescimento chinês, rápido. A renda per capita, nesse período, dos 10% mais ricos aumentou em 1,49%, enquanto que a renda dos mais pobres cresceu 6,79% por ano. Apesar disso, os 10% mais ricos concentram 5 Marcelo Neri economista e chefe do Centro de Políticas Sociais, filiado ao Instituto de Economia da Fundação Getúlio Vargas e autor do livro a Nova Classe Média O Lado Brilhante da Base da Pirâmide de 2012. 6 PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de domicílios, realizada pelo IBGE – entrevista a cada ano cerca de 500 mil pessoas. 8 43% da renda; há 12 anos era de 50% . Os 50% mais pobres tinham 10% da renda e passou para 15%. É importante acrescentar que a região que mais cresce no país é o Nordeste, enquanto que Rio de Janeiro e São Paulo são as áreas com menor crescimento social. Entende-se que a política social e todo o seu aparato correspondente de transferência de renda, prestação de serviços e oferta de bens foi, em grande parte, responsável pela aceleração do crescimento da economia e responsável em grande medida pela diminuição da pobreza e da desigualdade social. Os programas de transferência de renda (Bolsa Família, BPC – Benefício da Prestação Continuada) que beneficiam os mais pobres, elevam o PIB e a renda das famílias. Segundo O Ministério de Desenvolvimento Social(MDS) o programa Bolsa Família atinge atualmente 25% da população brasileira, cerca de 12,4 milhões de famílias com um investimento fiscal de 0,4 % do PIB. Cada real gasto com o Bolsa Familia reduz a pobreza 384 vezes mais do que a renda da previdência. Ambas as opções têm importância para o mercado porque as pessoas mais pobres tendem a consumir quase toda a sua renda (não podem poupar) e a consomem com produtos de origem nacional, com menos importados em sua cesta de consumo, beneficiando o comércio local e a indústria nacional. Foi constatado que os mais pobres foram os menos atingidos pela crise econômica internacional de 2008, isso em função da elevação do valor real do salário mínimo e da existência da rede de garantias de renda das políticas sociais, principalmente dos programas de transferência direta de renda. O avanço na educação foi enorme. Segundo Viviane Senna 7 a rede pública atende quase a universalidade das crianças – 98%, ou cerca de 50 milhões. É uma Espanha inteira, afirma ela. Mas o grande desafio do Brasil é por quantidade e qualidade na mesma equação. Há algumas décadas era o contrário: a educação pública tinha qualidade, mas atendia a poucos. Hoje, a educação continua sendo para poucos, pois a qualidade está concentrada no setor privado. A cada dez crianças que entram na 1ª série, só cinco saem do ensino básico. Ela afirma que perde-se metade das crianças do país nesse trajeto. 3.2 7 A nova Classe Média Viviane Senna, criadora do Instituto Ayrton Senna e vencedora do prêmio Grand Prix do banco francês BNP Paribas – Jornal Folha de São Paulo – 02 de julho de 2012. 9 O governo brasileiro já tem uma nova definição para a classe média brasileira. Considerando a renda familiar como critério básico, uma comissão de especialistas formada pela Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) 8 da Presidência da República definiu que a nova classe média é integrada pelos indivíduos que vivem em famílias com renda per capita (somando-se a renda familiar e dividindo-a pelo número de pessoas que compõem a família) entre R$ 291 e R$ 1.019. Para chegar a essa definição, essa comissão considerou o padrão de despesa das famílias e os gastos com bens essenciais e supérfluos. Também foi usado como critério o grau de vulnerabilidade, ou seja, da probabilidade de retorno à condição de pobreza. Nessa definição, a comissão dividiu a classe média em três grupos: a baixa classe média, composta por pessoas com renda familiar per capita entre R$ 291 e R$ 441, a média classe média, com renda compreendida entre R$ 441 e R$ 641 e a alta classe média, com renda superior a R$ 641 e inferior a R$ 1.019. Estão sendo considerados como a “nova classe média” aqueles emergentes trabalhadores de baixa renda, com postos no setor de serviços, que gastam tudo o que ganham e não conseguem poupar. São movidos a consumismo e individualismo. As pessoas deste grupo, orientadas pelo mercado, são favoráveis ao crescimento, mas extremamente conservadoras em valores, favoráveis à pena de morte, por exemplo. Carteira de trabalho é o seu principal símbolo, sendo famílias com menos filhos, investindo mais na educação deles. A escolaridade e o menor número de filhos são fatores que contribuíram muito para a ascensão dos pobres à chamada “nova classe média”. Se a economia desaquece, muitos brasileiros que migraram para a classe C beneficiados só pelo crescimento, podem voltar para as classes D ou E. Com mais instrução tem-se mais instrumentos para reagir às adversidades e maior capacidade de migrar de um setor para outro. O governo federal tem alardeado com muito otimismo a mobilidade social da “nova classe média” e reitera dizendo que o crescimento dessa nova classe é o estímulo para o país manter os esforços para o crescimento econômico. A presidente Dilma Rousseff, em discurso nos Estados Unidos 9, ratificou que o Brasil tem uma “opção 8 http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2012-05-29/nova-classe-media-brasileira-tem-renda-entre-r-291e-r-1019-familiar-capita-define-governo. Acesso em 29/05/2012 - 20h18 9 http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2012-04-10/classe-media-brasileira-chegara população em-2018-diz-dilma-nos-estados-unidos. Acesso em 10/04/2012 - 7h20min. 10 a60% da clara” para estimular o crescimento econômico com medidas de justiça social e mais democracia. O economista Marcelo Neri é um dos economistas que também defende a tese, junto com o governo federal, da ascensão de muitos pobres à “nova classe média”. 4- INVISIBILIDADE DA DESIGUALDADE SOCIAL É motivo de orgulho para os gestores da área pública contemplar os resultados obtidos: dados quantitativos apresentados na seção 3, sobre a diminuição da desigualdade social. Houve avanço na área social, garantido pela Constituição Federal, iniciado com o governo Fernando Henrique Cardoso (1999), aprofundado durante o governo Lula (2003) e se estendendo com o governo Dilma (2011). Apesar do inegável êxito das políticas sociais em retirar milhões de brasileiros da condição de pobreza, elevando-os ao nível de ‘nova classe média’, algumas críticas e questionamentos vem ganhando destaque: Por que ainda existem contingentes de pessoas que ainda vivem abaixo da linha da pobreza? O que as diferenciaria de outras que ascenderam à ‘nova classe media’? Qual é o limite da eficácia do programa de transferência de renda, que não foi capaz de tirar milhões de pessoas da situação de pobreza extrema? Em relação ao procedimento metodológico cabe crítica e avaliação. Medir a diminuição da desigualdade social apenas por métodos quantitativos é eficaz? Não haveriam também outros fatores, qualitativos, e por que não dizer, culturais, não mensuráveis, capazes de explicar a desigualdade social? 4.1 Teoria de Jessé Souza sobre a invisibilidade da desigualdade social e a teoria de Boudieu Souza (2006), em seu livro Invisibilidade da Desigualdade Social, aponta algumas respostas para os questionamentos acima citados, utilizando, entre outros autores, o filósofo francês Bourdieu. Souza (2006) utiliza o conceito de habitus desse filósofo, que permite enfatizar todo o conjunto de disposições culturais e institucionais 11 que se inscrevem no corpo e que se expressam na linguagem corporal de cada indivíduo, transformando, por assim dizer, escolhas valorativas culturais e institucionais em carne e osso. Segundo Bourdieu, até as escolhas percebidas como as mais pessoais, desde a preferência por carro, compositor ou escritor, até a escolha do parceiro sexual, são, na verdade, fruto de fios invisíveis que interligam interesses de classe ou fração de classe ou, ainda, de posições relativas em cada campo de práticas sociais, como os novos interesses e já estabelecidos pela cultura. Se o habitus representa a incorporação nos sujeitos de esquemas avaliativos e disposições de comportamentos a partir de uma situação socioeconômica estrutural, então mudanças fundamentais na estrutura econômico-social devem implicar, consequentemente, mudanças qualitativas importantes no tipo de habitus para todas as classes sociais envolvidas de algum modo nessas mudanças. No caso dessas mudanças pode-se exemplificar a passagem das sociedades tradicionais para as sociedades modernas do ocidente. A burguesia, primeira classe dirigente na história que trabalha, rompeu com a moral típica das sociedades tradicionais baseada no código de honra e construiu uma homogeneização de tipo humano a partir da generalização de sua própria economia emocional – domínio da razão sobre as emoções, cálculo prospectivo, auto-responsabilidade, etc. São características exigidas de um cidadão numa economia capitalista. Souza (2006) serve-se da teoria de Bourdieu e, didaticamente, utiliza o conceito de habitus como habitus primário – princípios valorativos de cidadão como condição de sujeito digno, cidadão e útil. E o utiliza para diferenciá-lo de duas outras realidades também fundamentais: o habitus precário e o habitus secundário. Habitus precário – seria o limite do habitus primário para baixo, ou seja, seria aquele tipo de personalidade e de disposições de comportamento que não atendem às demandas objetivas para que, seja um indivíduo seja um grupo social, possa ser considerado produtivo e útil em uma sociedade de tipo moderno e competitivo. São incapazes de atender a novas demandas do mercado por falta de estudo e qualificação. Habitus secundário tem a ver com o limite do habitus primário para cima, ou seja, tem a ver com uma fonte de reconhecimento e respeito social que pressupõe a generalização do habitus primário para amplas camadas da população de uma dada sociedade. Nesse sentido, o habitus secundário se refere àquelas características ditas como critérios classificatórios de distinção social. 12 O trabalho útil, produtivo e disciplinado está por trás das características de um indivíduo moderno e é o balizador de cada uma das dimensões exploradas por Souza. Pode-se acrescentar aí a ideologia do desempenho – tentativa de elaborar um princípio único, para além da mera propriedade econômica, a partir da qual se constitui a mais importante forma de legitimação da desigualdade no mundo contemporâneo. Através destas características de um indivíduo moderno, essa ideologia se efetiva – ainda que invisível – legitimando a desigualdade. Sem isso, o caráter violento e injusto da desigualdade social se manifestaria de forma clara e a olho nu. 4.2 Ideologia do Desempenho A ideologia do desempenho baseia-se na tríade meritocrática que envolve qualificação, posição e salário. Desses, a qualificação, refletindo a extraordinária importância do conhecimento com o desenvolvimento do capitalismo, é o primeiro e mais importante ponto que condiciona os outros dois. A ideologia do desempenho é uma “ ideologia” na medida em que ela não apenas estimula e premia a capacidade de desenvolvimento objetiva, mas legitima o acesso diferencial permanente a chances de vida e apropriação de bens escassos. A tríade torna também compreensível porque apenas através da categoria “trabalho” é possível se assegurar de identidade, autoestima e reconhecimento social. A partir da definição e da constituição de uma ideologia do desempenho, como mecanismo legitimador dos papéis de produtor e cidadão, que equivale ao conteúdo do habitus primário, é possível compreender melhor o seu limite ‘para baixo’, ou seja, o habitus precário. Assim, se o habitus primário implica um conjunto de predisposições psicossociais, refletindo na esfera da personalidade a presença de condições cognitivas para um desempenho adequado ao atendimento das demandas do papel de produtor, com reflexos diretos no papel do cidadão, sob condições capitalistas modernas, a ausência dessas pré-condições, em alguma medida significativa, implica a constituição de um habitus marcado pela precariedade. O princípio básico e transclassista útil para a vida moderna é o princípio do desempenho e da disciplina. A aceitação e internalização desses princípios fazem com que a inadaptação e a marginalização desses setores possam ser percebidas, tanto pela sociedade incluída como também pelas próprias vitimas, como um fracasso pessoal. 13 Souza (2006), quando se refere à ‘invisibilidade’ da desigualdade social, emprega o termo habitus para explicar toda uma visão de mundo e uma hierarquia moral e para mostrar que existem acordos e consensos sociais mudos e subliminares e quase sempre irrefletidos e inconscientes que guiam as ações das pessoas e seu comportamento no mundo. São certos consensos naturalizados, que, além da eficácia jurídica, encerram certo acordo implícito que sugere que algumas pessoas e classes estão acima da lei e outras abaixo dela. O mesmo autor usa o exemplo de um atropelamento de uma pessoa pobre. Existe uma rede invisível que une desde o policial que abre o inquérito até o juiz que decreta a sentença final, passando por advogados, testemunhas, promotores, jornalistas que, por meio de um acordo tácito e jamais verbalizado, terminam por inocentar o atropelador. A dimensão aqui é objetiva, implícita e intransparente também no sentido de que não precisa ser linguisticamente mediada ou simbolicamente articulada. Existe uma hierarquia moral que se sedimenta e se mostra como signo social de forma imperceptível a partir de signos sociais aparentemente sem importância, como a inclinação respeitosa e inconsciente do inferior social quando encontra com um superior, pela tonalidade da voz mais do que pelo que é dito. E a esses processos de signos, acordos e consensos sociais invisíveis pode-se acrescentar a percepção da igualdade. No Brasil é garantido juridicamente que todos são iguais perante a lei. Como se pode garantir a igualdade se ela não está efetivamente internalizada nos sujeitos? As condições sociais externas precarizadas, habitus precário, desqualificam os indivíduos e grupos sociais e os transformam em subprodutores e subcidadãos, que Souza (2006) qualifica de ‘ ralé estrutural’. 4.3 Análise e Discussão: “Nova Classe Média”, Mito ou Realidade? O economista Marcio Porchmann 10 não acredita em uma “nova classe média”. Para ele as mudanças econômicas ocorridas em 1970 foram maiores e beneficiaram a classe média tradicional assalariada. São considerados os de classe média tradicional os bancários, administradores, gerentes, professores e profissionais liberais. 10 O economista Marcio Porchmann ex presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), lançou, pela Bontempo, um estudo sobre a mobilidade na base da pirâmide social brasileira durante o início do século XXI. Nova classe média? Ele analisa as recentes transformações na sociedade e refuta a idéia de surgimento de uma nova classe no País, muito menos a de uma nova classe média. 14 Ele acredita que realmente houve mobilidade na base da pirâmide e pouca nos segmentos intermediários. Não foram esses segmentos tradicionais que cresceram, mas os vinculados a atividades para a família, trabalhos terceirizados de curta duração, pequenos negócios. Pela ocupação, não dá para associar como sendo da classe média, pois estes poupam, porque tem uma renda para isso e para adquirir bens de valor, como casa, automóveis etc. Os que ascenderam não poupam, porque gastam tudo o que ganham. Este novo segmento, “a nova classe média”, tem renda relativamente baixa, pouca escolaridade, ocupação em serviços e não tem ativos. A classe média em geral tem ativos, propriedades. O segmento que ascendeu está fortemente mobilizado pelos valores mercantis: o consumismo, o individualismo, entende que essa ascensão é fruto de seu esforço individual e não o resultado de uma política, não há politização. São novos segmentos de trabalhadores que emergem num processo despolitizado. Por exemplo o ProUNI (Programa Universidade para Todos), que concede bolsas de estudo para o ensino superior, tem 1 milhão de novos estudantes, a maioria de renda baixa, que não eram do movimento estudantil. A sindicalização, por sua vez, é baixa. As pessoas desse grupo são orientadas pelo mercado, favoráveis ao crescimento, mas extremamente conservadoras em valores, contrárias a descriminalização do aborto, por exemplo. Para o economista, isso é muito preocupante - pois a transformação social está desacompanhada do despertar da consciência política - para um país que ainda tem pouca cultura democrática. São esses os segmentos que vão liderar o Brasil nas próximas décadas. O outro autor, Jessé Souza, citado nesta seção, em uma entrevista na Folha de São Paulo, também questiona a denominação 'nova classe média'. Ele acredita que o viés economicista e quantitativo baseado em descrições estatísticas em níveis de consumo e renda não é capaz de oferecer uma leitura sociocultural da realidade que possibilite compreender o principal: a produção diferencial de seres humanos a partir do pertencimento a classes sociais distintas. Ainda que a renda seja um componente importante do pertencimento de classe, pessoas muito diferentes podem ter renda semelhante. Para que se possa explicar e compreender uma realidade social complexa, é necessário penetrar na dimensão mais recôndita das motivações profundas do comportamento social e nos dramas, sonhos, angústias e sofrimentos humanos que elas 15 implicam. Souza (2006) não nega que houve uma efetiva ascensão social de 30 milhões de brasileiros, nem que esse fato seja extremamente importante e digno de alegria. O que ele questiona é a leitura dessa classe como nova classe média. A classe média é uma das classes dominantes em sociedades modernas como a brasileira, porque é constituída pelo acesso privilegiado a um recurso escasso de extrema importância: o capital cultural nas suas mais diversas formas. Seja sob a forma de capital cultural técnico, como na "tropa de choque" do capital (advogados, engenheiros, administradores, economistas etc.), seja pelo capital cultural literário dos professores, jornalistas, publicitários etc. Esse tipo de conhecimento é fundamental para a reprodução e legitimação tanto do mercado quanto do Estado. Consequentemente, tanto a remuneração quanto o prestígio social atrelados a esse tipo de trabalho --e da condução de vida que ele proporciona-são consideráveis. A vida dos “batalhadores”, nomenclatura utilizada por Souza, é completamente outra. Ela é marcada pela ausência dos privilégios de nascimento, que caracterizam as classes médias e altas. E, quando se fala de "privilégios de nascimento", não se está falando apenas do dinheiro transmitido por herança de sangue nas classes altas. Esses privilégios envolvem também o recurso mais valioso das classes médias, que é o tempo. Esse privilégio do “tempo” também é muito explorado por Porchmann. Afinal, é necessário muito tempo livre para incorporar qualquer forma valiosa de conhecimento técnico, científico ou filosófico-literário. Os batalhadores, em sua esmagadora maioria, precisam começar a trabalhar cedo e estudam em escolas públicas muitas vezes de baixa qualidade. Como lhes faltam tanto o capital cultural altamente valorizado das classes médias quanto o capital econômico das classes altas, eles compensam essa falta com extraordinário esforço pessoal, dupla jornada de trabalho e aceitação de todo tipo de superexploração da mão de obra. Essa é uma condução de vida típica das classes trabalhadoras, que Bourdieu caracterizaria como habitus precário. Refletindo o argumento dos dois autores em contraponto ao economista Marcelo Neri e ao governo federal, chega-se à conclusão de que não se pode analisar a diminuição da desigualdade social somente pelos aspectos econômicos, considerando renda e consumo, e não considerar outros fatores qualitativos e difíceis de mensurar, como o capital cultural. Caracterizar pobreza apenas como falta de renda é perceber 16 apenas uma parte da realidade. Se assim fosse, o projeto de transferência de renda emanciparia todos os cidadãos que vivem em situação de vulnerabilidade social. Os valores exigidos pelo capitalismo excluem grandes contingentes da população que dificilmente terão melhores condições de vida. Essas desigualdades são invisíveis e continuarão sendo desafios para o poder público que deverá propor e implementar políticas públicas capazes de abordar a pobreza em sua dimensão comportamental e cultural. CONSIDERAÇÕES FINAIS A profunda desigualdade social existente no país é herança de séculos de um modelo de desenvolvimento social excludente. A cultura política no país, fruto de um processo de desenvolvimento econômico neoliberal, contribui para a concepção da desigualdade como uma tendência natural da sociedade. A política social no passado foi marcada por uma dualidade: em um extremo, as pessoas com empregos formais recebiam os benefícios das políticas de proteção social; no extremo oposto vigorava um modelo clientelista e paternalista. A Constituição de 1988 aprovou um Modelo de Seguridade Social, com os componentes da Previdência Social, Saúde e Assistência Social. Os benefícios e serviços assegurados pela seguridade social passaram a ser concebidos como direito de cidadania e dever do Estado. Desde então, houve um enorme avanço nas políticas sociais com redução da pobreza. No momento, o Brasil vive um de seus mais longos períodos de história democrática. Essa situação representa a vitória de um processo de lutas que levou ao fim do regime militar e à elaboração de uma Constituição Federal, que assegura e amplia direitos individuais, políticos e sociais. A lei é para todos, como diz a própria Constituição, todos são iguais perante a lei. Mas, como é possível acessar os direitos se uma grande maioria ainda não se considera cidadã, ou quando o próprio pertencimento a uma determinada classe já mutila a igualdade de oportunidades. O sistema capitalista premia aqueles bem nascidos, os que têm qualidades exigidas e já os coloca em vantagem perante a grande maioria da população brasileira. 17 Apesar de importantes avanços, a política social no Brasil ainda está em construção. É essencial um amplo e democrático debate sobre o tema das políticas públicas com o objetivo de se buscar, sem preconceitos, alternativas de aperfeiçoamento dos programas sociais e que possam considerar as múltiplas facetas da realidade social e não apenas os avanços econômicos. Não se pode negar que o principal fator de exclusão é a baixa renda familiar. Face ao caráter determinante da renda nas condições de pobreza e desigualdade e às dificuldades de mensuração de outros fatores aqui já citados, não cabe questionar que a chamada linha da pobreza tenha como critério único a fixação de um patamar de renda, desde que fique claro que esta linha expressa apenas o déficit de renda. Isso não dispensa incorporar outras dimensões na discussão, proposição e implementação de políticas públicas voltadas para o enfrentamento da pobreza e desigualdade. O argumento de que existe uma “nova classe média”, postulado defendido principalmente pelo Governo Federal, é muito frágil, visto que estes são vulneráveis e totalmente dependentes da política econômica e social do governo. Este artigo teve a pretensão de iniciar o debate a respeito da invisibilidade dos desiguais e, sobre a “nova classe média” e de chamar a responsabilidade dos gestores a incluir outros postulados que não só a renda como critério para enfrentar o grande problema da desigualdade social. O artigo propõe os seguintes questionamentos: será possível haver igualdade para todos no sistema capitalista que perpetua as percepções de posições sociais respectivamente, de mandonismo e subalternidade? O novo conceito “nova classe média” não é uma maneira de tranquilizar os gestores e políticos do dever cumprido? BIBLIOGRAFIA BOBBIO, Norberto – A Era dos Direitos: tradução de Carlos Nelson Coutinho – 17ª tiragem. Rio De Janeiro: Campus, 1992. CANZIAN, Fernando. 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