UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO ‘LATU SENSU’
PROJETO A VEZ DO MESTRE
O NÚCLEO CURRICULAR BÁSICO MULTIEDUCAÇÃO
E seus desdobramentos em relação à formação cultural
dos educandos numa escola de Educação Infantil do
Município do Rio de Janeiro: uma amostragem
Por: Cátia Cirlene Gomes de Oliveira
Orientador
Professora Mary Sue Pereira
Co-Orientador
Professora Fabiane Muniz
RIO DE JANEIRO
Maio de 2004
2
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS GRADUAÇÃO ‘LATU SENSU’
PROJETO A VEZ DO MESTRE
O NÚCLEO CURRICULAR BÁSICO MULTIEDUCAÇÃO
E seus desdobramentos em relação à formação cultural
dos educandos numa escola de Educação Infantil do
Município do Rio de Janeiro: uma amostragem
Monografia apresentada à
UNIVERSIDADE
CANDIDO
MENDES
requisito
como
parcial à conclusão do curso
de
pós
Sensu”
graduação
em
‘Latu
Administração
Escolar
Por: Cátia Cirlene Gomes de
Oliveira
3
AGRADECIMENTOS
Agradeço:
Em primeiro lugar a Deus, pela saúde e força que me deu
para que eu pudesse enfrentar esta jornada.
Ao
meu
colaboração,
querido
esposo
entendendo
Luciano,
minhas
pela
ausências
e
paciência
e
assumindo
o
comando de nossa casa, para que eu pudesse me dedicar às
atividades acadêmicas.
À minha querida mãe, Maria de Lourdes, pela maravilhosa
presença nos momentos de aperto.
À minha irmã Ângela, pelo grande apoio durante um
período difícil por que passei durante o ano de 2003.
À
professora
e
orientadora
Mary
Sue,
pela
atenção
carinhosa durante a elaboração deste trabalho e pelas aulas
fascinantes que nos proporcionou durante o curso.
A
todos
os
professores
do
curso,
pelas
grandes
contribuições que nos deram, que certamente muito ajudarão em
nossa difícil tarefa de administradores escolares.
4
DEDICATÓRIA
Dedico
este
trabalho
à
minha menina Larissa, e ao meu
sobrinho Henrique, que me roubam
muita
energia,
mas
me
proporcionam momentos de grande
alegria e me fazem acreditar que
vale
a
pena
o
esforço
pela
conquista de um mundo melhor.
5
RESUMO
OLIVEIRA, Cátia Cirlene Gomes. O Núcleo Curricular
Básico Multieducação e seus desdobramentos no que tange aos
aspectos culturais numa escola de Educação Infantil do Município
do Rio de janeiro: Uma amostragem. Rio de janeiro, maio de
2004. Monografia (41 págs.) apresentada à Universidade Cândido
Mendes.
Este trabalho tem por objetivo fazer uma reflexão acerca
da implementação, por uma escola de Educação Infantil da rede
pública municipal da Cidade do Rio de Janeiro da proposta
curricular no Núcleo Curricular Básico Multieducação.
Tal proposta surgiu a partir de uma necessidade pessoal,
enquanto membro da equipe de direção e professora regente da
escola tomada como amostra de pensar criticamente sobre a
proposta
metodológica
que
a
escola
tinha
o
desejo
de
implementar e da necessidade de buscar suportes teóricos que
fundamentassem tal proposta – a pedagogia de projetos.
A partir de uma diagnose superficial das características
sócio-culturais de nossos alunos, percebemos que são em sua
maioria negros, grande parte das famílias é de origem nordestina,
que a renda mensal de algumas famílias não chega a um salário
mínimo mensal (algumas famílias vivem exclusivamente por conta
de benefícios sociais do governo) e que não têm o hábito de sair
da comunidade em que vivem – Morro do Borel, na Tijuca – seja
para passeios de lazer ou culturais.
6
Depois de conhecer o perfil de nossos alunos, nós da
equipe de direção percebemos que não poderíamos continuar
oferecendo em nossa escola uma metodologia que trouxesse
conceitos prontos, alheios à realidade de nossos alunos.
As grandes dificuldades enfrentadas junto aos professores
e professoras da escola e aos responsáveis pelos alunos na
implementação da referida proposta foram o ponto de partida para
este trabalho.
O
primeiro
passo
foi
o
estudo
minucioso
do
Núcleo
Curricular Básico Multieducação – obrigatório para todas as
escolas da rede pública municipal a partir de 1996 – e a
identificação das possibilidades que ele oferecia para que cada
escola elaborasse a sua própria proposta pedagógica.
O segundo passo foi o registro, através das formas
acessíveis a nós como fotos, trabalhos das crianças, relatos de
professoras nos Centros de Estudos e dos responsáveis pelos
alunos nas reuniões, dos projetos realizados pelas professoras ao
longo dos anos de 2003 a 2003, registros estes que serviram de
material de pesquisa para este trabalho.
Aos dois passos iniciais juntou-se um estudo teórico
acerca das questões que fundamentaram a reflexão principal
deste trabalho – o currículo e a cultura.
Percebe-se, ao final do trabalho, que o Núcleo Curricular
Básico
Multieducação
buscou
oferecer
às
escolas
da
rede
municipal um suporte teórico – metodológico que ajudasse na
elaboração, por cada uma delas, de sua proposta curricular, com
vistas a objetivos amplos comuns a todas, e que cada escola
7
deve tomar para si tal tarefa buscando, com um olhar significativo
e singular, reconhecer o seu aluno e retratá-lo em sua proposta
curricular, respeitando a sua identidade cultural.
Para tanto, neste trabalho fez-se um breve levantamento
do contexto histórico-educacional da época do lançamento da
Multieducação, uma breve análise teórica acerca de currículo e
de
cultura,
destacou-se
os
aspectos
propostos
pela
Multieducação em relação à formação cultural dos alunos e trazse uma breve amostragem da proposta pedagógica adotada por
uma escola da rede municipal.
8
METODOLOGIA
A metodologia utilizada para este trabalho foi, em primeiro
lugar, o estudo bibliográfico em fontes primárias, como o livro da
Multieducação
e
outros
de
suporte
teórico
e
em
fontes
secundárias, como os registros dos projetos desenvolvidos e das
reuniões pedagógicas e de responsáveis e fotos, na escola
tomada como amostra.
9
SUMÁRIO
Introdução
10
Contexto Histórico
14
Um Estudo Teórico
20
O Currículo Vivido
25
Conclusão
34
Bibliografia Citada
38
Bibliografia Consultada
39
Índice
41
10
INTRODUÇÃO
O Núcleo Curricular Básico Multieducação, doravante chamado
apenas Multieducação, foi lançado pela Secretaria Municipal de
Educação
da
Cidade
do
Rio
de
janeiro
no
ano
de
1996,
acompanhando uma tendência do Governo Federal de reorganizar
o currículo oferecido às escolas de ensino fundamental.
A proposta contida na Multieducação prega que cada escola da
rede pública municipal, por constituir-se num universo único,
diferente
das
demais
em
inúmeros
aspectos,
mas
mantendo
algumas semelhanças, deve fazer de seu currículo um instrumento
peculiar, que utilizará para atingir objetivos amplos, elaborados
para todos os alunos da rede, apostando em uma p r o p o s t a d e
educação
com
qualidade,
na
mu l t i p l i c i d a d e
de
situações
da
cidade.
(Multieducação, 1996, pág. 108).
A
partir
da
Multieducação
análise
busca-se,
da
proposta
neste
curricular
trabalho,
observar
contida
como
na
esta
proposta está sendo implantada nas escolas da rede municipal.
Diante da impossibilidade de observar as mais de mil escolas que
compõem a referida rede, optou-se por tomar como amostra a E.M.
Classe
em
Cooperação
Doutor
Marcelo
Candia,
que
atende
exclusivamente à Educação Infantil, onde atuo como Diretora
Adjunta
desde
o
ano
de
1997,
e
concomitantemente,
como
professora regente dos anos de 1999 a 2002.
Como a Multieducação aborda também uma grande gama de
aspectos que interferem diretamente na composição do Núcleo
Curricular,
entre
eles
diferentes
correntes
teóricas
que
se
complementam, a apresentação dos núcleos conceituais e dos
11
princípios educativos sobre os quais se fundamenta e elementos
de avaliação do desempenho escolar dos alunos, toma-se como
ponto a observar, a preocupação, presente na Multieducação com
a formação cultural dos educandos.
O objeto de pesquisa deste trabalho está centrado, justamente,
no
cruzamento
entre
a
proposta
curricular
contida
na
Multieducação em relação à formação cultural dos educandos e o
currículo efetivamente oferecido por uma escola da rede publica
municipal tomada como amostra.
No primeiro capítulo faz-se um breve levantamento do contexto
histórico-educacional da época do lançamento da Multieducação,
com uma pequena análise das mudanças ocorridas no modelo
econômico-social-político do Estado Brasileiro assim como na
Legislação
Educacional
Brasileira
que
influenciaram
a
reformulação curricular proposta pela Multieducação.
No segundo capítulo faz-se um pequeno estudo acerca das
teorias do currículo organizadas a partir do trabalho de Tomáz
Tadeu da Silva no livro D o c u me n t o s d e I d e n t i d a d e : U ma i n t r o d u ç ã o à s
t e o r i a s d o c u r r í c u l o e uma pequena reflexão sobre o conceito teórico
de cultura, a partir das idéias de José Luiz dos Santos, no livro O
que é Cultura.
No terceiro capítulo têm-se uma breve narrativa dos caminhos
trilhados pela equipe de direção e de professoras da Escola
Municipal
Doutor
Marcelo
Candia
na
implementação
de
sua
proposta pedagógica que, numa perspectiva inovadora na escola,
buscava romper práticas educativas ultrapassadas aos olhos da
proposta curricular oferecida pela Multieducação.
12
No quarto capítulo - à guisa de conclusão - uma reflexão
pessoal, subsidiada pelas idéias político-sociais-educacionais de
Paulo Freire, acerca de que uma educação popular de qualidade é
possível, desde que se perceba o seu principal objeto - o aluno como sujeito de sua cultura e criador de sua história, e não apenas
como um mero receptor de conteúdos escolares desconexos da
realidade em que vive.
Ainda assim, não se considera o trabalho como findo, pois
muito ainda se poderia abordar.
Com
a
professoras
idéia
inicial
de
e de alguns
discutir
resistência
responsáveis
de
algumas
em relação à prática
pedagógica que se tentava implementar na Escola Municipal
Doutor Marcelo Candia, expressa nos diferentes momentos de
encontros entre professores, onde se ouviu frases do tipo: A
M u l t i e d u c a ç ã o é u ma b a l e l a ou ainda A M u l t i e d u c a ç ã o s ó é b o n i t a n o p a p e l ;
a
nossa
realidade
é
mu i t o
diferente
e
outros
de
encontros
de
responsáveis onde se falou: E s s a e s c o l a n ã o e n s i n a n a d a ou ainda A q u i
nessa
escola
as
crianças
só
brincam
nós, da equipe de direção
propusemo-nos a estudar profundamente a Multieducação e a fazer
um longo trabalho de convencimento junto ao corpo docente da
escola e aos responsáveis de que a nova proposta pedagógica era
válida. A partir de então chamou-nos a atenção a abordagem que
a Multieducação faz em relação à formação cultural dos alunos.
Tal abordagem deixa clara a percepção do aluno como um
sujeito criativo, atuante no seu mundo, que deve ser respeitado
enquanto indivíduo e a quem deve ser oferecida, na escola, a
possibilidade de conhecer profundamente a sua realidade próxima,
para que dela possa se apropriar criticamente de modo a perceber-
13
se
como
integrante
de
uma
comunidade
própria,
com
a
possibilidade de dialogar com o mundo que o cerca.
Esta percepção veio ao encontro de nossa própria idéia de
aluno e fundamentou, primordialmente, a elaboração da proposta
pedagógica oferecida pela escola, que poderia, pela riqueza de
discussões que proporcionou às equipes e aos responsáveis pelos
alunos da escola, constituir-se isoladamente como foco deste
trabalho.
A Multieducação enquanto proposta curricular pensada para
atender à enorme diversidade de realidades das escolas da rede
pública municipal da Cidade do Rio de Janeiro também poderia
constituir-se como objeto único deste trabalho, tamanha é a gama
de possibilidades pedagógicas que abre às escolas.
14
CAPÍTULO I
Contexto histórico
O mundo não é, ele está sendo.
Paulo Freire, 2000.
15
Algumas reformas podem ser observadas no Estado Brasileiro,
no final dos anos 80 e durante os anos 90 do século passado.
Essas reformas decorrem da adoção do modelo econômico-social
neoliberal 1, que tem obrigado o país a ajustar-se ao processo de
mundialização 2 e globalização 3 .
De acordo com este modelo, três atividades passam a ser
entendidas como de responsabilidade exclusiva do Estado. A
primeira está relacionada às atividades monopolistas, ou seja, o
governo deve definir e fiscalizar o cumprimento das leis do país,
impor a justiça, manter a ordem, defender o país representá-lo no
exterior, policiar, arrecadar impostos e regulamentar a atividade
econômica. A segunda relaciona-se com as atividades de caráter
econômico, ou seja, garantir a estabilidade da moeda e do sistema
financeiro
e
por
fim,
a
terceira
responsabilidade
do
Estado
Neoliberal diz respeito às atividades de cunho social: definir
políticas na área econômica e social como saúde, educação e
assistência social e ainda a garantia de renda mínima para a
população de baixa renda, defesa do meio ambiente, proteção do
patrimônio cultural e estímulo às artes.
As mudanças ocorridas nesse período apresentaram reflexos
no campo educacional. Para se adequar aos padrões de qualidade
e desenvolvimento exigidos pelo novo modelo econômico, algumas
mudanças foram impetradas na legislação educacional brasileira.
1
Neoliberalismo é uma doutrina ligada ao modelo econômico capitalista atual e que possui,
entre suas características principais a redução do papel do Estado na esfera econômica e nos
demais níveis de organização da sociedade, inclusive e principalmente no educacional.
2
Mundialização é uma expressão que, vinculada à concepção francesa, está associada ao
processo de expansão mundial da cultura. O que desvela e aprofunda a diversidade cultural
entre os povos.
3
Globalização é o nome que se tem dado ao processo no qual os países buscam a integração,
principalmente no campo econômico, especialmente no que se refere à produção de
mercadorias e serviços , aos mercados financeiros e à difusão de informações. È uma
expressão que tem sua origem na língua anglo-saxônica.
16
A Constituição de 1988, promulgada após amplo movimento
pela
redemocratização
universalização
do
do
ensino
país,
destaca
fundamental
e
o
desejo
da
erradicação
do
analfabetismo.
O Plano Decenal de Educação Para Todos (1993-2003) e o
Plano
Estratégico
do
Ministério
da
Educação
(1995-1998)
apresentam algumas metas globais, entre as quais destacam-se as
listadas:
•
Universalização do ensino fundamental, elevando a cobertura
para no mínimo 94% da população em idade escolar.
•
Redução dos índices de evasão e repetência, esperando-se
que pelo menos 80% dos estudantes concluam o ensino
fundamental.
•
Valorização do magistério e aprimoramento da formação inicial
e continuada de docentes para o ensino fundamental.
•
Reestruturação do ensino médio e reforma curricular em todos
os níveis de ensino.
•
Promoção
da
autonomia
e
melhoria
do
desempenho
institucional do ensino superior público.
Como desdobramento do Plano Nacional de Educação Para
Todos
e
do
Plano
Estratégico,
algumas
iniciativas
foram
executadas pelo governo federal, entre as quais destacam-se:
•
Implementação
do
Plano
de
Desenvolvimento
Fundamental e Valorização do Magistério.
do
Ensino
17
•
Criação de um Fundo para viabilizar a implementação do plano
(FUDEF
-
Fundo
Para
o
Desenvolvimento
do
Ensino
Fundamental).
•
Descentralização dos recursos, inclusive com a transferência
de verbas diretamente para as escolas.
•
Criação do programa TV Escola.
•
Reforma Curricular para todo o Ensino Básico.
•
Promulgação da nova Lei de Diretrizes
e Bases
para a
dados
algumas
Educação Nacional (LDB 9394/96).
Pode-se
estabelecer
a
partir
destes
comparações entre a estrutura da educação nacional antes e
depois da adoção da política neoliberal. Assim temos:
•
papel do Estado era o de executor da Política Nacional,
passando
a
ser
o
coordenador
desta
política,
cumprindo
inclusive o papel supletivo e distributivo. 4
* A responsabilidade pela Educação era centrada nos estados,
passando para a União a tarefa de centralizar a definição de
diretrizes e ao mesmo tempo, descentralizar a prestação de
serviços e recursos.
•
A qualidade da Educação estava voltada para a formação do
cidadão, passando a enfocar a eficiência, a eficácia e o
4
De acordo com a Lei 9394/96, cada estado ou município deve aplicar um percentual mínimo
da arrecadação na Educação. Quando da impossibilidade de fazê-lo, este tem a
complementação da União, para garantir o investimento.
4
PROVÃO ou ENCE: Exame Nacional de Cursos, aplicado obrigatoriamente aos alunos no
final da graduação.
18
controle, através de instrumentos de medição da qualidade,
como o PROVÃO 5, o ENEM 6 e os exames do SAEB 7.
Um
dos
importantes
passos
do
governo
federal
para
a
implementação da nova estruturação da educação nacional foi o
lançamento,
Nacionais)
em
com
1996,
o
dos
objetivo
PCNs
(Parâmetros
principal
de
Curriculares
sanar
a
iminente
necessidade de organizar o sistema educacional do país.
Por se constituírem como o primeiro nível de organização
curricular, os PCNs têm como função primordial subsidiar a revisão
e elaboração curricular em quatro níveis. São eles:
1- Federal - através dos próprios PCNs.
2- Estadual ou Municipal - através das secretarias de educação
que
devem
ajustar
seus
currículos
às
suas
peculiaridades
regionais.
3- Escolar - cada unidade escolar, através de seu próprio projeto
pedagógico.
4- Sala de aula - através de cada professor, que deve adequar as
propostas ao seu grupo de alunos.
Oferecendo-se
aos
diferentes
níveis
da
organização
educacional brasileira como um referencial de qualidade, que
contém uma proposta flexível, não homogênea e impositiva (PCNS
1º vol. pág.13) os PCNs, acerca do qual pode-se encontrar muitas
críticas na literatura especializada, impulsionou, não isoladamente,
mas
6
como
um
dos
elementos
principais,
a
discussão
e
ENEM: Exame Nacional de cursos, aplicado opcionalmente aos alunos no final do Ensino
Médio.
7
SAEB: Sistema de avaliação da Educação Básica, aplicado em alunos da 4ª e 8ª séries do
Ensino Fundamental e nos do 3º ano do Ensino Médio. Este exame é realizado através de
amostragens com alunos da rede pública e privada de ensino, tendo por objetivo avaliar o
sistema de ensino.
19
reformulação curricular em muitas localidades do país, uma vez
que, vencida a ampliação da oferta de vagas como a primeira
etapa na busca da universalização da escola básica, o foco passou
a ser a qualidade da educação oferecida nas escolas brasileiras.
No município do Rio de Janeiro, a concretização da reforma
curricular deu-se com o lançamento, também em 1996, pela
Secretaria Municipal de Educação da cidade do Rio de Janeiro do
Núcleo Curricular Básico Multieducação, a ser adotado por todas
as escolas da rede pública municipal da cidade do Rio de Janeiro.
Organizado como um eixo em que se articulam os Princípios
Educativos de Meio Ambiente, Trabalho, Cultura e Linguagens com
os
Núcleos
Conceituais
Identidade,
Tempo,
Espaço
e
Transformação, através dos quais perpassam as disciplinas Língua
Portuguesa, Línguas Estrangeiras, Matemática, Ciências, História,
Geografia, Educação Física, Artes Cênicas, Artes Plásticas e
Educação Musical, o Núcleo Curricular Básico Multieducação, na
mesma linha dos PCNs, pretende-se como um guia curricular não
diretivo e impositivo, que busca auxiliar cada escola na elaboração
de seu projeto pedagógico.
É
relevante
Multieducação
destacar
propõe
uma
que
nova
o
Núcleo
Curricular
organização
Básico
curricular
que,
baseada em diferentes concepções teóricas acerca de educação e
de aprendizagem que se complementam, busca dar a cada escola
e a cada professor autonomia suficiente para que, ao elaborar o
seu projeto pedagógico, o façam de modo a procurar desenvolver
de maneira plena o seu aluno, o que engloba os seus aspectos
cultural, cognitivo, afetivo e social. Isto lhe dá a peculiaridade
desejada pelos PCNs e justifica a relevância deste tema para esta
monografia.
20
CAPÍTULO II
Um Estudo Teórico
Se
refletir,
tematizar
e
problematizar sobre o mundo não é
condição
suficiente
para
transforma-lo, é sempre condição
necessária.
Alfredo Veiga Netto, 2003.
21
2.1- Um estudo teórico acerca de currículo
A palavra currículo origina-se do latim c u r r i c u l u m , que significa
pista de corrida, atalho. No dicionário Aurélio, seu significado é
ma t é r i a s c o n s t a n t e d e u m c u r s o e ainda c o n j u n t o d e d a d o s r e l a t i v o s à v i d a
e s t u d a n t i l e p r o f i s s i o n a l d e q u e m s e c a n d i d a t a a e mp r e g o . Interligando
esses significados e relacionando-os ao espaço educacional, podese dizer que o currículo é o caminho por onde se desenvolvem as
ações educativas. Sendo caminho, ele certamente leva a algum
lugar. O ponto de chegada, neste caso, é indicado pelos objetivos
pré-definidos.
Sendo
assim,
o
currículo
traduz
e
concretiza
a
o r i e n t a ç ã o g e r a l d o s i s t e ma e d u c a c i o n a l . (Cool, 1987: 11).
Entendendo que o sistema educacional não é isolado, e,
portanto está inserido em diferentes contextos, entre eles o próprio
contexto educacional, pode-se dizer que os objetivos que definem
onde se quer chegar ao final deste caminho são traçados de
acordo
com
as
intenções
educacionais,
econômicas de quem os concebe.
políticas,
sociais
e
8
São essas intenções que vão conferir ao currículo a sua forma,
a
sua
arrumação.
Vão
definir
que
conhecimentos
serão
privilegiados, como serão abordados, como se dará a avaliação.
Entende-se
aleatoriamente.
que
essas
Elas
são
intenções
estabelecidas
não
de
são
acordo
definidas
com
um
referencial teórico que se adota acerca de educação, que se
pretende e se define pelas relações sociais.
8
Tomáz Tadeu da Silva, em seu livro Documentos de Identidade: Uma introdução às teorias do
currículo argumenta que a concepção de currículo envolve sempre uma questão de poder e
que esta é que, em última instância, vai separar as teorias tradicionais das teorias críticas e
pós críticas de currículo. Estas teorias serão abordadas, de maneira resumida, neste trabalho.
22
Silva (2001), discutindo a noção de teoria de currículo, prefere
utilizar o conceito de discurso sobre currículo, ao defender que a
primeira
descobre
e
descreve
um
objeto
que
tem
u ma
existência
i n d e p e n d e n t e r e l a t i v a à t e o r i a (p. 11) ao passo que o segundo p r o d u z
s e u p r ó p r i o o b j e t o : a e x i s t ê n c i a d o o b j e t o é i n s e p a r á v e l d a t r a ma l i n g ü í s t i c a
q u e s u p o s t a me n t e o d e s c r e v e (p. 12). Ele então divide as teorias do
currículo em três grandes categorias, de acordo com os conceitos
que elas enfatizam. São elas as Teorias Tradicionais, as Teorias
Críticas e as Teorias Pós Críticas.
No primeiro grupo podemos reunir as teorias que concebem o
currículo
enquanto
organização
didática
e
pedagógica
dos
conteúdos de ensino e do conceito de ensino e aprendizagem.
No segundo grupo estão as teorias críticas, que concebem o
currículo enquanto instrumento de reprodução cultural e social.
No terceiro grupo estão as teorias pós-críticas, que concebem
o currículo como, além de organização didática ou instrumento de
reprodução, um espaço de crescimento individual, conhecimento
da realidade com a possibilidade de nela intervir e modificar, ou
seja, o currículo assumindo o seu papel político, social e cultural.
Algumas considerações podem ser feitas acerca de cada grupo
de teorias definidas por este autor:
•
As
teorias
tradicionais,
ao
conceberem
o
currículo
como
organização didática dos conteúdos, procedimentos de ensino e
avaliação,
9
com
uma
abordagem
clássica-humanista 9
Abordagem clássica humanista: o currículo centrado nos conteúdos de ensino.
ou
23
progressista
10
concebe
a
ação
educativa
distanciada
da
realidade externa à escola, tomando esta como um setor
distanciado da sociedade e de suas exigências de formação,
como se o currículo fosse apenas uma construção científica e
neutra
diante
das
relações
sociais
existentes.
Suas
preocupações são as questões técnicas acerca do currículo.
* As teorias críticas e pós-críticas ao conceberem o currículo
enquanto instrumento de reprodução cultural e social abrangem
ideologias que discutem o currículo como meio de manutenção e
afirmação de poder das classe dominantes. As te o r i a s c r íti c a s e p ó s críticas estão preocupadas com as conexões entre saber, identidade e poder
(Silva, 2001:17), com a diferença de que as teorias críticas
limitam-se
a
levantar
essas
questões,
associando-as,
prioritariamente, ao poder e dominação econômicas e as teorias
pós-críticas questionam outras formas de dominação, como a
cultural, étnica, de gênero e sexualidade.
2.2 - Um estudo teórico acerca de cultura
A palavra cultura origina-se do verbo latino c o l e r e , que quer
dizer cultivar.
Segundo José Luiz dos Santos, em seu livro O q u e é c u l t u r a ,
pensadores romanos ampliaram este significado e passaram a usar
a palavra cultura para se referir ao refinamento pessoal de um
indivíduo, como sinônimo de sofisticação pessoal e educação
elaborada.
10
Abordagem progressista: preocupação com a psicologia infantil.
24
No
dicionário
Aurélio,
cultura
refere-se
ao
conjunto
de
c o n h e c i me n t o s a d q u i r i d o s p o r u m i n d i v í d u o e m d e t e r mi n a d o c a mp o e ainda
ao complexo dos padrões de comportamento, das crenças, das instituições,
das manifestações artísticas intelectuais, etc., transmitidas coletivamente e
típicos de uma sociedade.
Santos (1983), depois de discutir estes dois conceitos de
cultura, amplia-os, até chegar à idéia de cultura como t u d o o q u e
c a r a c t e r i z a u ma p o p u l a ç ã o h u ma n a , (p.22) uma vez que as formas de
organização da vida cotidiana não são gratuitas e fazem sentido
para os grupos humanos que as vivem.
A
partir
daí,
o
autor
coloca
ainda
que
não
é
possível
estabelecer uma comparação de valor para uma totalidade de
características que diferenciam os grupos entre si. Tal comparação
só poderia haver com base em um critério definido, como, por
exemplo, o domínio de uma determinada tecnologia. Se um grupo
não utiliza uma certa tecnologia, ele não pode ser considerado
inferior a um grupo que a utiliza em todos os aspectos de sua
cultura, e sim, apenas neste aspecto.
Em relação à sociedade atual, em especial à sociedade
brasileira, o autor apresenta a idéia de que as concepções básicas
de
cultura
(enquanto
refinamento
pessoal
e
enquanto
manifestações da existência humana) servem à manutenção das
relações de poder existentes na sociedade, uma vez que estão
associadas ao próprio desenvolvimento desta sociedade, cujo
processo e formação se deu sob a dominação cultural, social e
econômica de uma classe em detrimento de outras.
25
Para este trabalho, interessa-nos ainda trazer os conceitos de
diversidade cultural, pluri e multiculturalismo, muito utilizados
atualmente no contexto escolar, foco deste trabalho.
Segundo Ana Canen (2001), tais conceitos estão ligados as
relações desiguais entre grupos sociais plurais, ou seja, procuram
revelar as diferenças entre eles para além da identificação de suas
festas, ritos ou hábitos alimentares típicos, buscando, acima de
tudo, em cada grupo a construção de sua própria identidade,
desenvolvendo
assim
estratégias
de
superação
de
racismos,
sexismos e outros preconceitos, procurando extinguir julgamentos
e comparações valorativas entre os diferentes grupos.
26
CAPÍTULO III
O currículo vivido
MULTIEDUCAÇÃO é como se
intitula, reconhecendo o precioso e
complexo universo desta cidade, suas
famílias
e
seus
filhos,
nossos
alunos.(...) Concebe a sala de aula
como um lugar do tamanho do mundo,
porque sabe o quanto professores e
alunos
podem
movimento
energias
da
que
integrar-se
Vida,
se
através
trocam,
ao
das
criando
possibilidades de um presente e futuro
mais
felizes,
na
compreensão
das
realizações do passado.
(In Multieducação, 1996:6.)
27
3.1 - A proposta curricular contida na Multieducação
Entendendo
o
currículo
(enquanto
conteúdos
e
práticas
pedagógicas) como a porção de cultura que, num dado momento
histórico,
por
ser
considerada
relevante
para
determinada
sociedade é trazida para a escola, pode-se dizer que este está
estritamente ligado à cultura na qual se organizou. Ao trazer para
dentro da escola determinados conteúdos e procedimentos, em
detrimento de outros, o currículo deixa explícito que tipo de
sociedade quer formar. Desta forma, pode-se dizer que o currículo
está situado no cruzamento entre a escola e a cultura de uma
determinada sociedade numa determinada época.
Percebendo que dentro de uma mesma sociedade existem
grupos sociais diferentes, divididos por sexo, cor, religião e classe
econômica, entre outros, e à luz das teorias críticas e pós-críticas
acerca de currículo, poderíamos dizer também que o conhecimento
não é igualitariamente distribuído entre os diferentes sistemas
escolares que atendem a estes diferentes grupos sociais, e que
esta distribuição desigual de conhecimento, em última instância,
ajuda a manter as desigualdades econômicas existentes.
Sabendo ainda que vivemos sob um conceito de cultura
unitária, branca, européia, agora globalizada, o grande desafio das
escolas destinadas às classes populares no momento atual é
transformar-se
num
lugar
de
produção,
e
não
apenas
de
reprodução social, econômica e cultural. Este desafio é colocado a
todos os professores da rede Pública Municipal do Rio de Janeiro,
através do Núcleo Curricular Básico Multieducação.
A proposta curricular contida no Núcleo Curricular Básico
Multieducação
abrange
os
Princípios
Educativos
de
Meio
28
Ambiente,
Trabalho,
Cultura
e
Linguagens
e
os
Núcleos
Conceituais Identidade, Tempo Espaço e Transformação, que
devem ser trabalhados de maneira diferenciada por cada escola,
pois c a d a e s c o l a é u ma e s c o l a e , s e n d o a s s i m, c a d a u ma d e v e s e c o n s t i t u i r
n u m l o c a l ú n i c o , s i n g u l a r , d i f e r e n t e d e t o d a s a s o u t r a s . (Multieducação,
1996:217).
Tal preocupação em que cada escola construa o seu projeto
pedagógico de maneira diferenciada, tem por objetivo proporcionar
a cada uma autonomia suficiente para atender plenamente a
comunidade em que está inserida, valorizando os seus hábitos e
valores.
Em relação ao Princípio Educativo da Cultura, a Multieducação
aborda a importância de se perceber as diferenças culturais
existentes não somente entre os diferentes povos de diferentes
países, mas também as existentes entre os diferentes bairros de
uma mesma cidade e as diferenças existentes entre os diferentes
grupos
sociais
em
que
estamos
inseridos,
como
galeras
adolescentes, grupos de idosos, de determinados grupos de
profissionais, da zona urbana e rural, de diferentes religiões, entre
outros, destacando a escola como a i n s t â n c i a p r i mo r d i a l q u e a b r e
c a mi n h o s p a r a q u e a c u l t u r a d o s a l u n o s t e n h a v o z e v e z ; é o e s p a ç o
p r i v i l e g i a d o p a r a q u e e l a s e ma n i f e s t e . (Multieducação, 1996:126).
A
Multieducação
aborda
ainda,
em
relação
ao
Princípio
Educativo da Cultura, a importância de que cada escola, ao mesmo
tempo em que deve buscar valorizar as características culturais de
sua comunidade, deve também se preocupar com o universal, sob
pena de segregar os seus alunos e assim, impedir o seu acesso
aos conhecimentos ao mundo exterior e à sociedade mais ampla.
(Multieducação, 1996:126).
29
Tal preocupação expressa a idéia central contida no Núcleo
Curricular Básico Multieducação: a escola como instância primeira
de formação cultural e de construção da cidadania, considerando
as diferenças para se poder enfrentar a injustiça e a desigualdade
tão presentes na sociedade atual.
3.2 - O currículo vivido em uma escola da rede
municipal: uma amostragem
A Escola Municipal Classe em Cooperação Dr. Marcelo Candia
está localizada na Comunidade do Borel, na Tijuca. Fundada em
1985, oferecia inicialmente desde a Educação Infantil até o 1º
segmento do 1º grau. No ano de 1999, para atender à demanda da
comunidade, passou a oferecer somente a Educação Infantil em
horário integral. Desde então a escola vem atendendo a uma
média de 90 crianças por ano, divididas em quatro turmas.
A partir do ano de 1999, por exigência da Secretaria Municipal
de Educação, a Escola passou a elaborar o seu Projeto Político
Pedagógico 11, com a participação de toda a comunidade escolar,
que compreende os professores e professoras, a equipe de
direção,
a
equipe
de
funcionários
de
apoio
(serventes
e
merendeiras) e os pais e responsáveis pelos alunos. Desde o
primeiro projeto esteve presente o desejo de se fazer um trabalho
pedagógico voltado para o letramento 12 e para a valorização das
vivências culturais da comunidade e, principalmente, distanciado
11
Projeto Político pedagógico: Documento elaborado com a participação de toda a comunidade
escolar que retrata e sintetiza a proposta pedagógica da instituição escolar, através da
explicitação de sua visão, missão e valores. Aponta os objetivos da i8nstituição escolar e as
ações que serão encaminhadas para alcançar os resultados desejados.
12
Letramento: estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva e
exerce as práticas sociais que usam a leitura e a escrita.
30
das práticas pedagógicas tradicionais que pregavam atividades
mecânicas,
com
vistas
à
prontidão
dos
alunos
para
uma
alfabetização futura.
Porém,
diferenciado
entre
e
a
o
desejo
efetiva
de
se
estruturar
implementação
do
um
mesmo,
trabalho
muitos
obstáculos foram se apresentando, entre eles o não envolvimento
de alguns professores e professoras na proposta, e a desconfiança
dos pais e responsáveis pelos alunos, que não acreditavam, em
sua maioria, na qualidade do trabalho oferecido pela escola, pelo
fato de ser este muito diferente do que eles conheciam.
A Escola, a partir de então, percebeu que seria necessário
envolver toda a comunidade escolar, para que de fato se sentisse
parte do projeto e passasse a acreditar nele e valorizá-lo.
No ano de 1999, a Escola visitou, com todos os alunos, uma
grande exposição no Museu de arte Moderna da obra do pintor e
escultor Pablo Picasso. Foi o primeiro passo para aproximarmos
nossos alunos do "mundo das artes". A partir da visita, inúmeras
atividades foram desenvolvidas com as crianças, evidenciando a
obra e a vida do artista, tendo como culminância um grande
"Encontro Festivo" com os pais, junto a uma belíssima exposição
dos trabalhos desenvolvidos na escola cujo tema foi "Fazendo arte
como Picasso". Porém, apesar da beleza das peças apresentadas
na exposição e da propriedade com que as crianças apresentavam
fatos da vida do artista, percebemos que aquele universo era muito
distante dos pais e responsáveis, pois não se identificavam com a
obra,
não
se
reconheciam
entendiam suas mensagens.
nela
e,
conseqüentemente,
não
31
A Escola buscou então abordar em seus projetos de trabalho,
temas que surgissem do interesse de cada turma, temas esses
ligados ou não às diferentes formas de manifestação artística
(música,
artes
plásticas,
literatura),
objetivando
uma
maior
aproximação dos pais e responsáveis no encaminhamento dos
projetos,
universo
e
que
cultural
estes
da
contemplassem
comunidade.
assuntos
Alguns
surgidos
dos
no
projetos
desenvolvidos foram os listados a seguir, que foram escolhidos
atendendo aos seguintes critérios: tomar como amostra um projeto
por ano letivo, que tivessem a devida autorização das professoras
responsáveis serem citados neste trabalho.
•
"Cultura popular" desenvolvido no ano de 2000 por todas as
turmas da escola, tendo como ponto partida uma visita ao
Museu de Arte Popular Casa do Pontal, cujo acervo engloba
uma extensa obra de esculturas feitas por artistas populares, e
que retratam, em sua maioria, cenas da vida cotidiana das
pessoas pobres e simples do interior do Brasil. A partir da visita
as turmas começaram a explorar as temáticas apresentadas na
exposição do museu, entre elas: as profissões, a vida rural, o
ciclo da vida, as festas populares, os jogos e brincadeiras, o
cangaço, o carnaval. (O museu apresenta também as áreas
temáticas de Bichos de areia, arte erótica, arte incomum cenas
da história do Brasil e religião e ex-voto, que não chegaram a
ser abordadas nos projetos desenvolvidos pela escola). Dentre
as atividades desenvolvidas estão um estudo das brincadeiras
que os pais conheciam, a confecção de brinquedos pelas
crianças com a ajuda dos pais (pipas, pião, carrinhos de rolimã,
saquinhos de areia, entre outros); criação, pelas crianças, de
esculturas em argila que representassem o cotidiano delas
atualmente; a confecção de alguns pratos típicos "da roça" e
ainda apreciados pelas famílias, como a feijoada, o aipim com
32
manteiga, o bolo de fubá, a canjica; a presença de alguns pais
na escola para narrarem o seu cotidiano na roça, mostrarem
alguns instrumentos de trabalho, contar lendas e histórias, tocar
instrumentos como a sanfona, o violão e a gaita e ensinar
brincadeiras às crianças. A culminância deste projeto se deu
com uma grande gincana comemorativa entre as turmas, cujo
prêmio para a turma vencedora foi um passeio para crianças e
responsáveis e que envolveu, entre a tarefas, trazer o familiar
mais idoso, apresentar um prato culinário que envolvesse o
reaproveitamento
de
alimentos,
apresentar
um
brinquedo
confeccionado com sucatas, trazer um cantor da comunidade,
além de atividades esportivas disputadas pelas crianças e pelos
adultos. (As atividades da gincana foram elaboradas pelas
crianças, com a ajuda dos responsáveis). Houve ainda uma
festa em que cada turma apresentou uma dança regional,
jograis e contação de histórias e foi feita a exposição dos
trabalhos plásticos feitos pelas crianças.
•
"O sonho de voar", desenvolvido pela professora X no ano de
2001 a partir de um estudo sobre o mosquito transmissor da
dengue, em que ela propôs à turma investigarem os outros
seres e objetos que voavam como o mosquito. A partir da
pesquisa, os alunos se interessaram pelos aviões e passaram a
estudar a vida e as invenções de Santos Dumont, o inventor do
avião. Dentre as atividades desenvolvidas pela turma está a
visita ao hangar de uma empresa aérea, onde os alunos
tiveram a oportunidade de visitar um avião por dentro e ver a
demonstração da operação do avião na cabine de comando . A
culminância deste projeto se deu com a ida ao teatro, para
assistirem à peça "Os meus balões", que abordava a vida e os
sonhos do inventor Santos Dumont de toda a turma que
desenvolveu o projeto junto com seus familiares.
33
•
"O meu mundo", desenvolvido pela professora Y no ano de
2002, que a partir da adaptação das crianças ao ambiente
escolar, em que trabalharam os espaços da escola, suas
utilizações diferentes e os profissionais que trabalhavam na
escola e suas funções, passou a investigar com as crianças as
suas rotinas fora da escola, as suas famílias e os seus
diferentes componentes, as diferentes crenças religiosas, as
diferentes origens raciais de cada criança. Dentre as atividades
desenvolvidas neste projeto estão a visita de toda a turma às
casas de alguns alunos, a visita de alguns pais à escola,
entrevistas enviadas para as famílias e entrevistas com os
profissionais da escola.
•
"O meu jeito", desenvolvido pela professora Z no ano de 2003
que percebeu, ao receber a turma, que as crianças colocavamse apelidos, de acordo com as características físicas de cada
um. A partir deste dado a professora propôs trabalharem as
semelhanças
e
diferenças
que
havia
entre
eles,
nas
características físicas e nos gostos, preferências, e histórias
familiares, com o objetivo de propiciar aos alunos a construção
de sua própria identidade, individual e de grupo social que
formavam. Dentre as atividades desenvolvidas neste projeto
estão a confecção, por cada criança, de seu auto-retrato, a
partir da observação de uma obra de arte que aborda este
tema; atividades matemáticas de comparação e agrupamento a
partir
de
características
físicas
dos
alunos,
questionários
enviados para as famílias entre outras. O projeto "O meu jeito"
acabou desencadeando o projeto "Festa Junina do meu jeito"
em que por ocasião das festas juninas, a turma trabalhou, com
a participação dos pais, as lembranças das festas juninas
34
ocorridas no interior, o que se mantém nas festas atuais, o que
se modificou, etc.
Neste ano de 2004, a equipe de direção e professores da
escola
Marcelo
Candia,
avaliando
o
trabalho
pedagógico
implementado nestes últimos anos, considerou que foi de grande
êxito, no seu objetivo principal: trazer para dentro da escola a
vivências da comunidade. Porém, avalia agora que o momento é
de ampliar estas vivências, de modo a oferecer um contato mais
estreito
com
o
mundo
externo
estabelecer uma inter-relação.
à
comunidade,
e
com
ele
Para isto, a equipe pensou para
este ano, trabalhar com um tema único, que possibilitasse a cada
turma percorrer caminhos diferentes, mas com o a direção focada
na construção da própria identidade, na valorização da vida
humana, e na descoberta dos diferentes seres com os quais nos
relacionamos e que compõem o meio ambiente em que vivemos.
Neste ano de 2004 a Escola Marcelo Candia está trabalhando com
o projeto "Vivendo e Aprendendo a Viver".
35
CONCLUSÃO
A escola como espaço de esperança, de afeto e de
respeito
36
O
formato
de
currículo
oferecido
às
escolas
da
rede
municipal de educação (e à maioria das outras escolas) antes do
Núcleo Curricular Básico Multieducação estava fundamentado na
idéia da existência de saberes acumulados pela humanidade e que
deviam
ser
transmitidos
aos
educandos
de
forma
ordenada,
obedecendo a uma lógica preestabelecia de hierarquização de
conteúdos e pautados numa prática pedagógica que pregava a
fragmentação dos saberes.
Porém, esta forma de organização curricular não corresponde
mais às exigências atuais por uma educação que seja capaz de
formar cidadãos críticos e participativos na sociedade em que
vivem.
Nosso grande desafio enquanto professores e professoras é
superar este modelo de currículo tão enraizado em nosso sistema
escolar e buscar, em nossa prática pedagógica, relacionar as
experiências de vida dos alunos ao conhecimento sistematizado.
Para que isto possa acontecer, devemos ter consciência de que
e n s i n a r n ã o é t r a n s f e r i r c o n h e c i me n t o s (Freire, 2000 p.52) e explorar
uma prática fundada na incerteza que incentiva a busca por uma
nova forma de trabalhar e na ousadia de experimentar esta nova
forma.
Este
caminho,
segundo
Freire,
implica
a
consciência
do
inacabado, pois a nossa história é construída a partir das relações
que fazemos com o outro e a todo o momento estamos construindo
nova relações de conhecimento. Sendo assim, fazemos parte de
uma história que é u m t e mp o d e p o s s i b i l i d a d e s e n ã o d e d e t e r mi n i s mo s .
(Freire, 2002 p. 58).
Esta prática inovadora é construída a partir de um novo olhar
37
para a nossa própria prática, incorporando nesta o respeito às
condições
histórico-sociais
dos
educandos
e
da
escola,
sua
autonomia e sua dignidade e fazendo da escola um espaço onde
caibam a alegria, a ousadia, a criatividade, os diferentes sonhos,
as diferentes falas, a esperança e o afeto.
S o me n t e p e s s o a s h u ma n a s s ã o c a p a z e s d e a p r e n d e r c o m a l e g r i a e
e s p e r a n ç a . (Freire, 2002 p.80) É a esperança que nos faz acreditar
em uma educação comprometida com os interesses amplos da
população, com a democracia, com a cidadania, cabendo a nós
professores e professoras, sujeitos desta educação, intervir na
realidade que está a nosso alcance - a sala de aula, a escola - a
fim de abrir caminhos para o processo de transformação social.
Tem-se consciência de que a educação não é nem redentora da
sociedade,
nem
tampouco
está
passivamente
à
espera
das
mudanças estruturais tão necessárias. Constata-se sim, que somos
sujeitos ativos em uma sociedade em permanente movimento, que
faz a cada dia a sua história e onde as transformações ocorrem
através de ações mútuas. Sendo assim, cabe à escola, enquanto
instância primordial de formação do indivíduo para o livre exercício
da
cidadania,
promover
o
acesso
democrático
ao
saber
(conhecimento de mundo) e estimular a democracia cultural (livre
exercício e respeito ás diferenças).
Para a construção de uma proposta democrática de educação
devemos adotar como princípio fundamental a valorização do
cotidiano do aluno.
A Escola Municipal Classe em Cooperação Doutor Marcelo
Candia, ao priorizar em seus projetos de trabalho o cotidiano de
seus alunos, as suas curiosidades e o próprio ambiente escolar,
38
mostrou a cada aluno e a cada membro da comunidade escolar que
eles têm um lugar no mundo e que neste mundo eles têm o direito
de interferir. Mostrou ser possível pensar e implementar um
currículo cujo foco seja o desenvolvimento integral do aluno e o
respeito e valorização deste enquanto ser único, pertencente a
uma comunidade que tem características próprias.
Enquanto professores e professoras devemos contribuir para
que a comunidade escolar construa uma consciência crítica que
lhes possibilite serem sujeitos de sua própria história. E isto só se
faz com esperança, afeto e respeito às diferenças e tem como
conseqüência a alegria, o entusiasmo e êxitos mútuos, para alunos
e professores.
39
BIBLIOGRAFIA CITADA
RIO
DE
JANEIRO
(Município).
Núcleo
Curricular
Básico
Multieducação. Imprensa da Cidade do Rio de Janeiro, 1996.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra,
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FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário da Língua
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Psicologia
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Currículo:
Uma
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Àtica, 1987.
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Documentos
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Identidade:
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SANTOS, José Luiz dos. O que é cultura. São Paulo: Brasiliense,
2001.
40
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Secretaria
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Educação
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Parâmetros
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CANEN, Ana e MOREIRA, Antônio Flávio (orgs.). Ênfases e
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____________ Política e educação. São Paulo: Cortez, 1993.
GARCIA,
Regina
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(org.)
Formação
da
Professora
Alfabetizadora: reflexões sobre a prática. São Paulo: Cortez, 2001.
KRAMER, Sônia e LEITE, Maria Isabel. (orgs.) Infância e produção
cultural. São Paulo: Papirus, 2001.
LIBÂNEO, José Carlos. Adeus professor, Adeus professora: novas
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RIO DE JANEIRO (Estado). Educação: Legislação e Normas.
Imprensa Oficial do Estado do Rio de Janeiro, 1998.
41
SANTOS, Jair Ferreira dos. O que é pós-moderno. São Paulo:
Brasiliense, 2001.
SOARES, Magda. Letramento: Um tema em três gêneros. Belo
Horizonte: Autêntica, 2000.
WEISZ, Telma. O diálogo entre o ensino e a aprendizagem. Rio de
Janeiro: Àtica, 2002.
42
ÍNDICE
Introdução
10
Capítulo I: Contexto Histórico
14
Capítulo II: Um estudo teórico
20
2.1 - Um estudo teórico acerca de currículo
21
2.2 - Um estudo teórico acerca de cultura
23
Capítulo III: O currículo vivido
25
3.1 - A proposta curricular contida na Multieducação
26
3.2 - O currículo vivido em uma escola da rede municipal:
uma amostragem
28
Conclusão
34
Bibliografia Citada
38
Bibliografia Consultada
39
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universidade candido mendes pós-graduação `latu sensu` projeto a