UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO ‘LATU SENSU’ PROJETO A VEZ DO MESTRE O NÚCLEO CURRICULAR BÁSICO MULTIEDUCAÇÃO E seus desdobramentos em relação à formação cultural dos educandos numa escola de Educação Infantil do Município do Rio de Janeiro: uma amostragem Por: Cátia Cirlene Gomes de Oliveira Orientador Professora Mary Sue Pereira Co-Orientador Professora Fabiane Muniz RIO DE JANEIRO Maio de 2004 2 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS GRADUAÇÃO ‘LATU SENSU’ PROJETO A VEZ DO MESTRE O NÚCLEO CURRICULAR BÁSICO MULTIEDUCAÇÃO E seus desdobramentos em relação à formação cultural dos educandos numa escola de Educação Infantil do Município do Rio de Janeiro: uma amostragem Monografia apresentada à UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES requisito como parcial à conclusão do curso de pós Sensu” graduação em ‘Latu Administração Escolar Por: Cátia Cirlene Gomes de Oliveira 3 AGRADECIMENTOS Agradeço: Em primeiro lugar a Deus, pela saúde e força que me deu para que eu pudesse enfrentar esta jornada. Ao meu colaboração, querido esposo entendendo Luciano, minhas pela ausências e paciência e assumindo o comando de nossa casa, para que eu pudesse me dedicar às atividades acadêmicas. À minha querida mãe, Maria de Lourdes, pela maravilhosa presença nos momentos de aperto. À minha irmã Ângela, pelo grande apoio durante um período difícil por que passei durante o ano de 2003. À professora e orientadora Mary Sue, pela atenção carinhosa durante a elaboração deste trabalho e pelas aulas fascinantes que nos proporcionou durante o curso. A todos os professores do curso, pelas grandes contribuições que nos deram, que certamente muito ajudarão em nossa difícil tarefa de administradores escolares. 4 DEDICATÓRIA Dedico este trabalho à minha menina Larissa, e ao meu sobrinho Henrique, que me roubam muita energia, mas me proporcionam momentos de grande alegria e me fazem acreditar que vale a pena o esforço pela conquista de um mundo melhor. 5 RESUMO OLIVEIRA, Cátia Cirlene Gomes. O Núcleo Curricular Básico Multieducação e seus desdobramentos no que tange aos aspectos culturais numa escola de Educação Infantil do Município do Rio de janeiro: Uma amostragem. Rio de janeiro, maio de 2004. Monografia (41 págs.) apresentada à Universidade Cândido Mendes. Este trabalho tem por objetivo fazer uma reflexão acerca da implementação, por uma escola de Educação Infantil da rede pública municipal da Cidade do Rio de Janeiro da proposta curricular no Núcleo Curricular Básico Multieducação. Tal proposta surgiu a partir de uma necessidade pessoal, enquanto membro da equipe de direção e professora regente da escola tomada como amostra de pensar criticamente sobre a proposta metodológica que a escola tinha o desejo de implementar e da necessidade de buscar suportes teóricos que fundamentassem tal proposta – a pedagogia de projetos. A partir de uma diagnose superficial das características sócio-culturais de nossos alunos, percebemos que são em sua maioria negros, grande parte das famílias é de origem nordestina, que a renda mensal de algumas famílias não chega a um salário mínimo mensal (algumas famílias vivem exclusivamente por conta de benefícios sociais do governo) e que não têm o hábito de sair da comunidade em que vivem – Morro do Borel, na Tijuca – seja para passeios de lazer ou culturais. 6 Depois de conhecer o perfil de nossos alunos, nós da equipe de direção percebemos que não poderíamos continuar oferecendo em nossa escola uma metodologia que trouxesse conceitos prontos, alheios à realidade de nossos alunos. As grandes dificuldades enfrentadas junto aos professores e professoras da escola e aos responsáveis pelos alunos na implementação da referida proposta foram o ponto de partida para este trabalho. O primeiro passo foi o estudo minucioso do Núcleo Curricular Básico Multieducação – obrigatório para todas as escolas da rede pública municipal a partir de 1996 – e a identificação das possibilidades que ele oferecia para que cada escola elaborasse a sua própria proposta pedagógica. O segundo passo foi o registro, através das formas acessíveis a nós como fotos, trabalhos das crianças, relatos de professoras nos Centros de Estudos e dos responsáveis pelos alunos nas reuniões, dos projetos realizados pelas professoras ao longo dos anos de 2003 a 2003, registros estes que serviram de material de pesquisa para este trabalho. Aos dois passos iniciais juntou-se um estudo teórico acerca das questões que fundamentaram a reflexão principal deste trabalho – o currículo e a cultura. Percebe-se, ao final do trabalho, que o Núcleo Curricular Básico Multieducação buscou oferecer às escolas da rede municipal um suporte teórico – metodológico que ajudasse na elaboração, por cada uma delas, de sua proposta curricular, com vistas a objetivos amplos comuns a todas, e que cada escola 7 deve tomar para si tal tarefa buscando, com um olhar significativo e singular, reconhecer o seu aluno e retratá-lo em sua proposta curricular, respeitando a sua identidade cultural. Para tanto, neste trabalho fez-se um breve levantamento do contexto histórico-educacional da época do lançamento da Multieducação, uma breve análise teórica acerca de currículo e de cultura, destacou-se os aspectos propostos pela Multieducação em relação à formação cultural dos alunos e trazse uma breve amostragem da proposta pedagógica adotada por uma escola da rede municipal. 8 METODOLOGIA A metodologia utilizada para este trabalho foi, em primeiro lugar, o estudo bibliográfico em fontes primárias, como o livro da Multieducação e outros de suporte teórico e em fontes secundárias, como os registros dos projetos desenvolvidos e das reuniões pedagógicas e de responsáveis e fotos, na escola tomada como amostra. 9 SUMÁRIO Introdução 10 Contexto Histórico 14 Um Estudo Teórico 20 O Currículo Vivido 25 Conclusão 34 Bibliografia Citada 38 Bibliografia Consultada 39 Índice 41 10 INTRODUÇÃO O Núcleo Curricular Básico Multieducação, doravante chamado apenas Multieducação, foi lançado pela Secretaria Municipal de Educação da Cidade do Rio de janeiro no ano de 1996, acompanhando uma tendência do Governo Federal de reorganizar o currículo oferecido às escolas de ensino fundamental. A proposta contida na Multieducação prega que cada escola da rede pública municipal, por constituir-se num universo único, diferente das demais em inúmeros aspectos, mas mantendo algumas semelhanças, deve fazer de seu currículo um instrumento peculiar, que utilizará para atingir objetivos amplos, elaborados para todos os alunos da rede, apostando em uma p r o p o s t a d e educação com qualidade, na mu l t i p l i c i d a d e de situações da cidade. (Multieducação, 1996, pág. 108). A partir da Multieducação análise busca-se, da proposta neste curricular trabalho, observar contida como na esta proposta está sendo implantada nas escolas da rede municipal. Diante da impossibilidade de observar as mais de mil escolas que compõem a referida rede, optou-se por tomar como amostra a E.M. Classe em Cooperação Doutor Marcelo Candia, que atende exclusivamente à Educação Infantil, onde atuo como Diretora Adjunta desde o ano de 1997, e concomitantemente, como professora regente dos anos de 1999 a 2002. Como a Multieducação aborda também uma grande gama de aspectos que interferem diretamente na composição do Núcleo Curricular, entre eles diferentes correntes teóricas que se complementam, a apresentação dos núcleos conceituais e dos 11 princípios educativos sobre os quais se fundamenta e elementos de avaliação do desempenho escolar dos alunos, toma-se como ponto a observar, a preocupação, presente na Multieducação com a formação cultural dos educandos. O objeto de pesquisa deste trabalho está centrado, justamente, no cruzamento entre a proposta curricular contida na Multieducação em relação à formação cultural dos educandos e o currículo efetivamente oferecido por uma escola da rede publica municipal tomada como amostra. No primeiro capítulo faz-se um breve levantamento do contexto histórico-educacional da época do lançamento da Multieducação, com uma pequena análise das mudanças ocorridas no modelo econômico-social-político do Estado Brasileiro assim como na Legislação Educacional Brasileira que influenciaram a reformulação curricular proposta pela Multieducação. No segundo capítulo faz-se um pequeno estudo acerca das teorias do currículo organizadas a partir do trabalho de Tomáz Tadeu da Silva no livro D o c u me n t o s d e I d e n t i d a d e : U ma i n t r o d u ç ã o à s t e o r i a s d o c u r r í c u l o e uma pequena reflexão sobre o conceito teórico de cultura, a partir das idéias de José Luiz dos Santos, no livro O que é Cultura. No terceiro capítulo têm-se uma breve narrativa dos caminhos trilhados pela equipe de direção e de professoras da Escola Municipal Doutor Marcelo Candia na implementação de sua proposta pedagógica que, numa perspectiva inovadora na escola, buscava romper práticas educativas ultrapassadas aos olhos da proposta curricular oferecida pela Multieducação. 12 No quarto capítulo - à guisa de conclusão - uma reflexão pessoal, subsidiada pelas idéias político-sociais-educacionais de Paulo Freire, acerca de que uma educação popular de qualidade é possível, desde que se perceba o seu principal objeto - o aluno como sujeito de sua cultura e criador de sua história, e não apenas como um mero receptor de conteúdos escolares desconexos da realidade em que vive. Ainda assim, não se considera o trabalho como findo, pois muito ainda se poderia abordar. Com a professoras idéia inicial de e de alguns discutir resistência responsáveis de algumas em relação à prática pedagógica que se tentava implementar na Escola Municipal Doutor Marcelo Candia, expressa nos diferentes momentos de encontros entre professores, onde se ouviu frases do tipo: A M u l t i e d u c a ç ã o é u ma b a l e l a ou ainda A M u l t i e d u c a ç ã o s ó é b o n i t a n o p a p e l ; a nossa realidade é mu i t o diferente e outros de encontros de responsáveis onde se falou: E s s a e s c o l a n ã o e n s i n a n a d a ou ainda A q u i nessa escola as crianças só brincam nós, da equipe de direção propusemo-nos a estudar profundamente a Multieducação e a fazer um longo trabalho de convencimento junto ao corpo docente da escola e aos responsáveis de que a nova proposta pedagógica era válida. A partir de então chamou-nos a atenção a abordagem que a Multieducação faz em relação à formação cultural dos alunos. Tal abordagem deixa clara a percepção do aluno como um sujeito criativo, atuante no seu mundo, que deve ser respeitado enquanto indivíduo e a quem deve ser oferecida, na escola, a possibilidade de conhecer profundamente a sua realidade próxima, para que dela possa se apropriar criticamente de modo a perceber- 13 se como integrante de uma comunidade própria, com a possibilidade de dialogar com o mundo que o cerca. Esta percepção veio ao encontro de nossa própria idéia de aluno e fundamentou, primordialmente, a elaboração da proposta pedagógica oferecida pela escola, que poderia, pela riqueza de discussões que proporcionou às equipes e aos responsáveis pelos alunos da escola, constituir-se isoladamente como foco deste trabalho. A Multieducação enquanto proposta curricular pensada para atender à enorme diversidade de realidades das escolas da rede pública municipal da Cidade do Rio de Janeiro também poderia constituir-se como objeto único deste trabalho, tamanha é a gama de possibilidades pedagógicas que abre às escolas. 14 CAPÍTULO I Contexto histórico O mundo não é, ele está sendo. Paulo Freire, 2000. 15 Algumas reformas podem ser observadas no Estado Brasileiro, no final dos anos 80 e durante os anos 90 do século passado. Essas reformas decorrem da adoção do modelo econômico-social neoliberal 1, que tem obrigado o país a ajustar-se ao processo de mundialização 2 e globalização 3 . De acordo com este modelo, três atividades passam a ser entendidas como de responsabilidade exclusiva do Estado. A primeira está relacionada às atividades monopolistas, ou seja, o governo deve definir e fiscalizar o cumprimento das leis do país, impor a justiça, manter a ordem, defender o país representá-lo no exterior, policiar, arrecadar impostos e regulamentar a atividade econômica. A segunda relaciona-se com as atividades de caráter econômico, ou seja, garantir a estabilidade da moeda e do sistema financeiro e por fim, a terceira responsabilidade do Estado Neoliberal diz respeito às atividades de cunho social: definir políticas na área econômica e social como saúde, educação e assistência social e ainda a garantia de renda mínima para a população de baixa renda, defesa do meio ambiente, proteção do patrimônio cultural e estímulo às artes. As mudanças ocorridas nesse período apresentaram reflexos no campo educacional. Para se adequar aos padrões de qualidade e desenvolvimento exigidos pelo novo modelo econômico, algumas mudanças foram impetradas na legislação educacional brasileira. 1 Neoliberalismo é uma doutrina ligada ao modelo econômico capitalista atual e que possui, entre suas características principais a redução do papel do Estado na esfera econômica e nos demais níveis de organização da sociedade, inclusive e principalmente no educacional. 2 Mundialização é uma expressão que, vinculada à concepção francesa, está associada ao processo de expansão mundial da cultura. O que desvela e aprofunda a diversidade cultural entre os povos. 3 Globalização é o nome que se tem dado ao processo no qual os países buscam a integração, principalmente no campo econômico, especialmente no que se refere à produção de mercadorias e serviços , aos mercados financeiros e à difusão de informações. È uma expressão que tem sua origem na língua anglo-saxônica. 16 A Constituição de 1988, promulgada após amplo movimento pela redemocratização universalização do do ensino país, destaca fundamental e o desejo da erradicação do analfabetismo. O Plano Decenal de Educação Para Todos (1993-2003) e o Plano Estratégico do Ministério da Educação (1995-1998) apresentam algumas metas globais, entre as quais destacam-se as listadas: • Universalização do ensino fundamental, elevando a cobertura para no mínimo 94% da população em idade escolar. • Redução dos índices de evasão e repetência, esperando-se que pelo menos 80% dos estudantes concluam o ensino fundamental. • Valorização do magistério e aprimoramento da formação inicial e continuada de docentes para o ensino fundamental. • Reestruturação do ensino médio e reforma curricular em todos os níveis de ensino. • Promoção da autonomia e melhoria do desempenho institucional do ensino superior público. Como desdobramento do Plano Nacional de Educação Para Todos e do Plano Estratégico, algumas iniciativas foram executadas pelo governo federal, entre as quais destacam-se: • Implementação do Plano de Desenvolvimento Fundamental e Valorização do Magistério. do Ensino 17 • Criação de um Fundo para viabilizar a implementação do plano (FUDEF - Fundo Para o Desenvolvimento do Ensino Fundamental). • Descentralização dos recursos, inclusive com a transferência de verbas diretamente para as escolas. • Criação do programa TV Escola. • Reforma Curricular para todo o Ensino Básico. • Promulgação da nova Lei de Diretrizes e Bases para a dados algumas Educação Nacional (LDB 9394/96). Pode-se estabelecer a partir destes comparações entre a estrutura da educação nacional antes e depois da adoção da política neoliberal. Assim temos: • papel do Estado era o de executor da Política Nacional, passando a ser o coordenador desta política, cumprindo inclusive o papel supletivo e distributivo. 4 * A responsabilidade pela Educação era centrada nos estados, passando para a União a tarefa de centralizar a definição de diretrizes e ao mesmo tempo, descentralizar a prestação de serviços e recursos. • A qualidade da Educação estava voltada para a formação do cidadão, passando a enfocar a eficiência, a eficácia e o 4 De acordo com a Lei 9394/96, cada estado ou município deve aplicar um percentual mínimo da arrecadação na Educação. Quando da impossibilidade de fazê-lo, este tem a complementação da União, para garantir o investimento. 4 PROVÃO ou ENCE: Exame Nacional de Cursos, aplicado obrigatoriamente aos alunos no final da graduação. 18 controle, através de instrumentos de medição da qualidade, como o PROVÃO 5, o ENEM 6 e os exames do SAEB 7. Um dos importantes passos do governo federal para a implementação da nova estruturação da educação nacional foi o lançamento, Nacionais) em com 1996, o dos objetivo PCNs (Parâmetros principal de Curriculares sanar a iminente necessidade de organizar o sistema educacional do país. Por se constituírem como o primeiro nível de organização curricular, os PCNs têm como função primordial subsidiar a revisão e elaboração curricular em quatro níveis. São eles: 1- Federal - através dos próprios PCNs. 2- Estadual ou Municipal - através das secretarias de educação que devem ajustar seus currículos às suas peculiaridades regionais. 3- Escolar - cada unidade escolar, através de seu próprio projeto pedagógico. 4- Sala de aula - através de cada professor, que deve adequar as propostas ao seu grupo de alunos. Oferecendo-se aos diferentes níveis da organização educacional brasileira como um referencial de qualidade, que contém uma proposta flexível, não homogênea e impositiva (PCNS 1º vol. pág.13) os PCNs, acerca do qual pode-se encontrar muitas críticas na literatura especializada, impulsionou, não isoladamente, mas 6 como um dos elementos principais, a discussão e ENEM: Exame Nacional de cursos, aplicado opcionalmente aos alunos no final do Ensino Médio. 7 SAEB: Sistema de avaliação da Educação Básica, aplicado em alunos da 4ª e 8ª séries do Ensino Fundamental e nos do 3º ano do Ensino Médio. Este exame é realizado através de amostragens com alunos da rede pública e privada de ensino, tendo por objetivo avaliar o sistema de ensino. 19 reformulação curricular em muitas localidades do país, uma vez que, vencida a ampliação da oferta de vagas como a primeira etapa na busca da universalização da escola básica, o foco passou a ser a qualidade da educação oferecida nas escolas brasileiras. No município do Rio de Janeiro, a concretização da reforma curricular deu-se com o lançamento, também em 1996, pela Secretaria Municipal de Educação da cidade do Rio de Janeiro do Núcleo Curricular Básico Multieducação, a ser adotado por todas as escolas da rede pública municipal da cidade do Rio de Janeiro. Organizado como um eixo em que se articulam os Princípios Educativos de Meio Ambiente, Trabalho, Cultura e Linguagens com os Núcleos Conceituais Identidade, Tempo, Espaço e Transformação, através dos quais perpassam as disciplinas Língua Portuguesa, Línguas Estrangeiras, Matemática, Ciências, História, Geografia, Educação Física, Artes Cênicas, Artes Plásticas e Educação Musical, o Núcleo Curricular Básico Multieducação, na mesma linha dos PCNs, pretende-se como um guia curricular não diretivo e impositivo, que busca auxiliar cada escola na elaboração de seu projeto pedagógico. É relevante Multieducação destacar propõe uma que nova o Núcleo Curricular organização Básico curricular que, baseada em diferentes concepções teóricas acerca de educação e de aprendizagem que se complementam, busca dar a cada escola e a cada professor autonomia suficiente para que, ao elaborar o seu projeto pedagógico, o façam de modo a procurar desenvolver de maneira plena o seu aluno, o que engloba os seus aspectos cultural, cognitivo, afetivo e social. Isto lhe dá a peculiaridade desejada pelos PCNs e justifica a relevância deste tema para esta monografia. 20 CAPÍTULO II Um Estudo Teórico Se refletir, tematizar e problematizar sobre o mundo não é condição suficiente para transforma-lo, é sempre condição necessária. Alfredo Veiga Netto, 2003. 21 2.1- Um estudo teórico acerca de currículo A palavra currículo origina-se do latim c u r r i c u l u m , que significa pista de corrida, atalho. No dicionário Aurélio, seu significado é ma t é r i a s c o n s t a n t e d e u m c u r s o e ainda c o n j u n t o d e d a d o s r e l a t i v o s à v i d a e s t u d a n t i l e p r o f i s s i o n a l d e q u e m s e c a n d i d a t a a e mp r e g o . Interligando esses significados e relacionando-os ao espaço educacional, podese dizer que o currículo é o caminho por onde se desenvolvem as ações educativas. Sendo caminho, ele certamente leva a algum lugar. O ponto de chegada, neste caso, é indicado pelos objetivos pré-definidos. Sendo assim, o currículo traduz e concretiza a o r i e n t a ç ã o g e r a l d o s i s t e ma e d u c a c i o n a l . (Cool, 1987: 11). Entendendo que o sistema educacional não é isolado, e, portanto está inserido em diferentes contextos, entre eles o próprio contexto educacional, pode-se dizer que os objetivos que definem onde se quer chegar ao final deste caminho são traçados de acordo com as intenções educacionais, econômicas de quem os concebe. políticas, sociais e 8 São essas intenções que vão conferir ao currículo a sua forma, a sua arrumação. Vão definir que conhecimentos serão privilegiados, como serão abordados, como se dará a avaliação. Entende-se aleatoriamente. que essas Elas são intenções estabelecidas não de são acordo definidas com um referencial teórico que se adota acerca de educação, que se pretende e se define pelas relações sociais. 8 Tomáz Tadeu da Silva, em seu livro Documentos de Identidade: Uma introdução às teorias do currículo argumenta que a concepção de currículo envolve sempre uma questão de poder e que esta é que, em última instância, vai separar as teorias tradicionais das teorias críticas e pós críticas de currículo. Estas teorias serão abordadas, de maneira resumida, neste trabalho. 22 Silva (2001), discutindo a noção de teoria de currículo, prefere utilizar o conceito de discurso sobre currículo, ao defender que a primeira descobre e descreve um objeto que tem u ma existência i n d e p e n d e n t e r e l a t i v a à t e o r i a (p. 11) ao passo que o segundo p r o d u z s e u p r ó p r i o o b j e t o : a e x i s t ê n c i a d o o b j e t o é i n s e p a r á v e l d a t r a ma l i n g ü í s t i c a q u e s u p o s t a me n t e o d e s c r e v e (p. 12). Ele então divide as teorias do currículo em três grandes categorias, de acordo com os conceitos que elas enfatizam. São elas as Teorias Tradicionais, as Teorias Críticas e as Teorias Pós Críticas. No primeiro grupo podemos reunir as teorias que concebem o currículo enquanto organização didática e pedagógica dos conteúdos de ensino e do conceito de ensino e aprendizagem. No segundo grupo estão as teorias críticas, que concebem o currículo enquanto instrumento de reprodução cultural e social. No terceiro grupo estão as teorias pós-críticas, que concebem o currículo como, além de organização didática ou instrumento de reprodução, um espaço de crescimento individual, conhecimento da realidade com a possibilidade de nela intervir e modificar, ou seja, o currículo assumindo o seu papel político, social e cultural. Algumas considerações podem ser feitas acerca de cada grupo de teorias definidas por este autor: • As teorias tradicionais, ao conceberem o currículo como organização didática dos conteúdos, procedimentos de ensino e avaliação, 9 com uma abordagem clássica-humanista 9 Abordagem clássica humanista: o currículo centrado nos conteúdos de ensino. ou 23 progressista 10 concebe a ação educativa distanciada da realidade externa à escola, tomando esta como um setor distanciado da sociedade e de suas exigências de formação, como se o currículo fosse apenas uma construção científica e neutra diante das relações sociais existentes. Suas preocupações são as questões técnicas acerca do currículo. * As teorias críticas e pós-críticas ao conceberem o currículo enquanto instrumento de reprodução cultural e social abrangem ideologias que discutem o currículo como meio de manutenção e afirmação de poder das classe dominantes. As te o r i a s c r íti c a s e p ó s críticas estão preocupadas com as conexões entre saber, identidade e poder (Silva, 2001:17), com a diferença de que as teorias críticas limitam-se a levantar essas questões, associando-as, prioritariamente, ao poder e dominação econômicas e as teorias pós-críticas questionam outras formas de dominação, como a cultural, étnica, de gênero e sexualidade. 2.2 - Um estudo teórico acerca de cultura A palavra cultura origina-se do verbo latino c o l e r e , que quer dizer cultivar. Segundo José Luiz dos Santos, em seu livro O q u e é c u l t u r a , pensadores romanos ampliaram este significado e passaram a usar a palavra cultura para se referir ao refinamento pessoal de um indivíduo, como sinônimo de sofisticação pessoal e educação elaborada. 10 Abordagem progressista: preocupação com a psicologia infantil. 24 No dicionário Aurélio, cultura refere-se ao conjunto de c o n h e c i me n t o s a d q u i r i d o s p o r u m i n d i v í d u o e m d e t e r mi n a d o c a mp o e ainda ao complexo dos padrões de comportamento, das crenças, das instituições, das manifestações artísticas intelectuais, etc., transmitidas coletivamente e típicos de uma sociedade. Santos (1983), depois de discutir estes dois conceitos de cultura, amplia-os, até chegar à idéia de cultura como t u d o o q u e c a r a c t e r i z a u ma p o p u l a ç ã o h u ma n a , (p.22) uma vez que as formas de organização da vida cotidiana não são gratuitas e fazem sentido para os grupos humanos que as vivem. A partir daí, o autor coloca ainda que não é possível estabelecer uma comparação de valor para uma totalidade de características que diferenciam os grupos entre si. Tal comparação só poderia haver com base em um critério definido, como, por exemplo, o domínio de uma determinada tecnologia. Se um grupo não utiliza uma certa tecnologia, ele não pode ser considerado inferior a um grupo que a utiliza em todos os aspectos de sua cultura, e sim, apenas neste aspecto. Em relação à sociedade atual, em especial à sociedade brasileira, o autor apresenta a idéia de que as concepções básicas de cultura (enquanto refinamento pessoal e enquanto manifestações da existência humana) servem à manutenção das relações de poder existentes na sociedade, uma vez que estão associadas ao próprio desenvolvimento desta sociedade, cujo processo e formação se deu sob a dominação cultural, social e econômica de uma classe em detrimento de outras. 25 Para este trabalho, interessa-nos ainda trazer os conceitos de diversidade cultural, pluri e multiculturalismo, muito utilizados atualmente no contexto escolar, foco deste trabalho. Segundo Ana Canen (2001), tais conceitos estão ligados as relações desiguais entre grupos sociais plurais, ou seja, procuram revelar as diferenças entre eles para além da identificação de suas festas, ritos ou hábitos alimentares típicos, buscando, acima de tudo, em cada grupo a construção de sua própria identidade, desenvolvendo assim estratégias de superação de racismos, sexismos e outros preconceitos, procurando extinguir julgamentos e comparações valorativas entre os diferentes grupos. 26 CAPÍTULO III O currículo vivido MULTIEDUCAÇÃO é como se intitula, reconhecendo o precioso e complexo universo desta cidade, suas famílias e seus filhos, nossos alunos.(...) Concebe a sala de aula como um lugar do tamanho do mundo, porque sabe o quanto professores e alunos podem movimento energias da que integrar-se Vida, se através trocam, ao das criando possibilidades de um presente e futuro mais felizes, na compreensão das realizações do passado. (In Multieducação, 1996:6.) 27 3.1 - A proposta curricular contida na Multieducação Entendendo o currículo (enquanto conteúdos e práticas pedagógicas) como a porção de cultura que, num dado momento histórico, por ser considerada relevante para determinada sociedade é trazida para a escola, pode-se dizer que este está estritamente ligado à cultura na qual se organizou. Ao trazer para dentro da escola determinados conteúdos e procedimentos, em detrimento de outros, o currículo deixa explícito que tipo de sociedade quer formar. Desta forma, pode-se dizer que o currículo está situado no cruzamento entre a escola e a cultura de uma determinada sociedade numa determinada época. Percebendo que dentro de uma mesma sociedade existem grupos sociais diferentes, divididos por sexo, cor, religião e classe econômica, entre outros, e à luz das teorias críticas e pós-críticas acerca de currículo, poderíamos dizer também que o conhecimento não é igualitariamente distribuído entre os diferentes sistemas escolares que atendem a estes diferentes grupos sociais, e que esta distribuição desigual de conhecimento, em última instância, ajuda a manter as desigualdades econômicas existentes. Sabendo ainda que vivemos sob um conceito de cultura unitária, branca, européia, agora globalizada, o grande desafio das escolas destinadas às classes populares no momento atual é transformar-se num lugar de produção, e não apenas de reprodução social, econômica e cultural. Este desafio é colocado a todos os professores da rede Pública Municipal do Rio de Janeiro, através do Núcleo Curricular Básico Multieducação. A proposta curricular contida no Núcleo Curricular Básico Multieducação abrange os Princípios Educativos de Meio 28 Ambiente, Trabalho, Cultura e Linguagens e os Núcleos Conceituais Identidade, Tempo Espaço e Transformação, que devem ser trabalhados de maneira diferenciada por cada escola, pois c a d a e s c o l a é u ma e s c o l a e , s e n d o a s s i m, c a d a u ma d e v e s e c o n s t i t u i r n u m l o c a l ú n i c o , s i n g u l a r , d i f e r e n t e d e t o d a s a s o u t r a s . (Multieducação, 1996:217). Tal preocupação em que cada escola construa o seu projeto pedagógico de maneira diferenciada, tem por objetivo proporcionar a cada uma autonomia suficiente para atender plenamente a comunidade em que está inserida, valorizando os seus hábitos e valores. Em relação ao Princípio Educativo da Cultura, a Multieducação aborda a importância de se perceber as diferenças culturais existentes não somente entre os diferentes povos de diferentes países, mas também as existentes entre os diferentes bairros de uma mesma cidade e as diferenças existentes entre os diferentes grupos sociais em que estamos inseridos, como galeras adolescentes, grupos de idosos, de determinados grupos de profissionais, da zona urbana e rural, de diferentes religiões, entre outros, destacando a escola como a i n s t â n c i a p r i mo r d i a l q u e a b r e c a mi n h o s p a r a q u e a c u l t u r a d o s a l u n o s t e n h a v o z e v e z ; é o e s p a ç o p r i v i l e g i a d o p a r a q u e e l a s e ma n i f e s t e . (Multieducação, 1996:126). A Multieducação aborda ainda, em relação ao Princípio Educativo da Cultura, a importância de que cada escola, ao mesmo tempo em que deve buscar valorizar as características culturais de sua comunidade, deve também se preocupar com o universal, sob pena de segregar os seus alunos e assim, impedir o seu acesso aos conhecimentos ao mundo exterior e à sociedade mais ampla. (Multieducação, 1996:126). 29 Tal preocupação expressa a idéia central contida no Núcleo Curricular Básico Multieducação: a escola como instância primeira de formação cultural e de construção da cidadania, considerando as diferenças para se poder enfrentar a injustiça e a desigualdade tão presentes na sociedade atual. 3.2 - O currículo vivido em uma escola da rede municipal: uma amostragem A Escola Municipal Classe em Cooperação Dr. Marcelo Candia está localizada na Comunidade do Borel, na Tijuca. Fundada em 1985, oferecia inicialmente desde a Educação Infantil até o 1º segmento do 1º grau. No ano de 1999, para atender à demanda da comunidade, passou a oferecer somente a Educação Infantil em horário integral. Desde então a escola vem atendendo a uma média de 90 crianças por ano, divididas em quatro turmas. A partir do ano de 1999, por exigência da Secretaria Municipal de Educação, a Escola passou a elaborar o seu Projeto Político Pedagógico 11, com a participação de toda a comunidade escolar, que compreende os professores e professoras, a equipe de direção, a equipe de funcionários de apoio (serventes e merendeiras) e os pais e responsáveis pelos alunos. Desde o primeiro projeto esteve presente o desejo de se fazer um trabalho pedagógico voltado para o letramento 12 e para a valorização das vivências culturais da comunidade e, principalmente, distanciado 11 Projeto Político pedagógico: Documento elaborado com a participação de toda a comunidade escolar que retrata e sintetiza a proposta pedagógica da instituição escolar, através da explicitação de sua visão, missão e valores. Aponta os objetivos da i8nstituição escolar e as ações que serão encaminhadas para alcançar os resultados desejados. 12 Letramento: estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce as práticas sociais que usam a leitura e a escrita. 30 das práticas pedagógicas tradicionais que pregavam atividades mecânicas, com vistas à prontidão dos alunos para uma alfabetização futura. Porém, diferenciado entre e a o desejo efetiva de se estruturar implementação do um mesmo, trabalho muitos obstáculos foram se apresentando, entre eles o não envolvimento de alguns professores e professoras na proposta, e a desconfiança dos pais e responsáveis pelos alunos, que não acreditavam, em sua maioria, na qualidade do trabalho oferecido pela escola, pelo fato de ser este muito diferente do que eles conheciam. A Escola, a partir de então, percebeu que seria necessário envolver toda a comunidade escolar, para que de fato se sentisse parte do projeto e passasse a acreditar nele e valorizá-lo. No ano de 1999, a Escola visitou, com todos os alunos, uma grande exposição no Museu de arte Moderna da obra do pintor e escultor Pablo Picasso. Foi o primeiro passo para aproximarmos nossos alunos do "mundo das artes". A partir da visita, inúmeras atividades foram desenvolvidas com as crianças, evidenciando a obra e a vida do artista, tendo como culminância um grande "Encontro Festivo" com os pais, junto a uma belíssima exposição dos trabalhos desenvolvidos na escola cujo tema foi "Fazendo arte como Picasso". Porém, apesar da beleza das peças apresentadas na exposição e da propriedade com que as crianças apresentavam fatos da vida do artista, percebemos que aquele universo era muito distante dos pais e responsáveis, pois não se identificavam com a obra, não se reconheciam entendiam suas mensagens. nela e, conseqüentemente, não 31 A Escola buscou então abordar em seus projetos de trabalho, temas que surgissem do interesse de cada turma, temas esses ligados ou não às diferentes formas de manifestação artística (música, artes plásticas, literatura), objetivando uma maior aproximação dos pais e responsáveis no encaminhamento dos projetos, universo e que cultural estes da contemplassem comunidade. assuntos Alguns surgidos dos no projetos desenvolvidos foram os listados a seguir, que foram escolhidos atendendo aos seguintes critérios: tomar como amostra um projeto por ano letivo, que tivessem a devida autorização das professoras responsáveis serem citados neste trabalho. • "Cultura popular" desenvolvido no ano de 2000 por todas as turmas da escola, tendo como ponto partida uma visita ao Museu de Arte Popular Casa do Pontal, cujo acervo engloba uma extensa obra de esculturas feitas por artistas populares, e que retratam, em sua maioria, cenas da vida cotidiana das pessoas pobres e simples do interior do Brasil. A partir da visita as turmas começaram a explorar as temáticas apresentadas na exposição do museu, entre elas: as profissões, a vida rural, o ciclo da vida, as festas populares, os jogos e brincadeiras, o cangaço, o carnaval. (O museu apresenta também as áreas temáticas de Bichos de areia, arte erótica, arte incomum cenas da história do Brasil e religião e ex-voto, que não chegaram a ser abordadas nos projetos desenvolvidos pela escola). Dentre as atividades desenvolvidas estão um estudo das brincadeiras que os pais conheciam, a confecção de brinquedos pelas crianças com a ajuda dos pais (pipas, pião, carrinhos de rolimã, saquinhos de areia, entre outros); criação, pelas crianças, de esculturas em argila que representassem o cotidiano delas atualmente; a confecção de alguns pratos típicos "da roça" e ainda apreciados pelas famílias, como a feijoada, o aipim com 32 manteiga, o bolo de fubá, a canjica; a presença de alguns pais na escola para narrarem o seu cotidiano na roça, mostrarem alguns instrumentos de trabalho, contar lendas e histórias, tocar instrumentos como a sanfona, o violão e a gaita e ensinar brincadeiras às crianças. A culminância deste projeto se deu com uma grande gincana comemorativa entre as turmas, cujo prêmio para a turma vencedora foi um passeio para crianças e responsáveis e que envolveu, entre a tarefas, trazer o familiar mais idoso, apresentar um prato culinário que envolvesse o reaproveitamento de alimentos, apresentar um brinquedo confeccionado com sucatas, trazer um cantor da comunidade, além de atividades esportivas disputadas pelas crianças e pelos adultos. (As atividades da gincana foram elaboradas pelas crianças, com a ajuda dos responsáveis). Houve ainda uma festa em que cada turma apresentou uma dança regional, jograis e contação de histórias e foi feita a exposição dos trabalhos plásticos feitos pelas crianças. • "O sonho de voar", desenvolvido pela professora X no ano de 2001 a partir de um estudo sobre o mosquito transmissor da dengue, em que ela propôs à turma investigarem os outros seres e objetos que voavam como o mosquito. A partir da pesquisa, os alunos se interessaram pelos aviões e passaram a estudar a vida e as invenções de Santos Dumont, o inventor do avião. Dentre as atividades desenvolvidas pela turma está a visita ao hangar de uma empresa aérea, onde os alunos tiveram a oportunidade de visitar um avião por dentro e ver a demonstração da operação do avião na cabine de comando . A culminância deste projeto se deu com a ida ao teatro, para assistirem à peça "Os meus balões", que abordava a vida e os sonhos do inventor Santos Dumont de toda a turma que desenvolveu o projeto junto com seus familiares. 33 • "O meu mundo", desenvolvido pela professora Y no ano de 2002, que a partir da adaptação das crianças ao ambiente escolar, em que trabalharam os espaços da escola, suas utilizações diferentes e os profissionais que trabalhavam na escola e suas funções, passou a investigar com as crianças as suas rotinas fora da escola, as suas famílias e os seus diferentes componentes, as diferentes crenças religiosas, as diferentes origens raciais de cada criança. Dentre as atividades desenvolvidas neste projeto estão a visita de toda a turma às casas de alguns alunos, a visita de alguns pais à escola, entrevistas enviadas para as famílias e entrevistas com os profissionais da escola. • "O meu jeito", desenvolvido pela professora Z no ano de 2003 que percebeu, ao receber a turma, que as crianças colocavamse apelidos, de acordo com as características físicas de cada um. A partir deste dado a professora propôs trabalharem as semelhanças e diferenças que havia entre eles, nas características físicas e nos gostos, preferências, e histórias familiares, com o objetivo de propiciar aos alunos a construção de sua própria identidade, individual e de grupo social que formavam. Dentre as atividades desenvolvidas neste projeto estão a confecção, por cada criança, de seu auto-retrato, a partir da observação de uma obra de arte que aborda este tema; atividades matemáticas de comparação e agrupamento a partir de características físicas dos alunos, questionários enviados para as famílias entre outras. O projeto "O meu jeito" acabou desencadeando o projeto "Festa Junina do meu jeito" em que por ocasião das festas juninas, a turma trabalhou, com a participação dos pais, as lembranças das festas juninas 34 ocorridas no interior, o que se mantém nas festas atuais, o que se modificou, etc. Neste ano de 2004, a equipe de direção e professores da escola Marcelo Candia, avaliando o trabalho pedagógico implementado nestes últimos anos, considerou que foi de grande êxito, no seu objetivo principal: trazer para dentro da escola a vivências da comunidade. Porém, avalia agora que o momento é de ampliar estas vivências, de modo a oferecer um contato mais estreito com o mundo externo estabelecer uma inter-relação. à comunidade, e com ele Para isto, a equipe pensou para este ano, trabalhar com um tema único, que possibilitasse a cada turma percorrer caminhos diferentes, mas com o a direção focada na construção da própria identidade, na valorização da vida humana, e na descoberta dos diferentes seres com os quais nos relacionamos e que compõem o meio ambiente em que vivemos. Neste ano de 2004 a Escola Marcelo Candia está trabalhando com o projeto "Vivendo e Aprendendo a Viver". 35 CONCLUSÃO A escola como espaço de esperança, de afeto e de respeito 36 O formato de currículo oferecido às escolas da rede municipal de educação (e à maioria das outras escolas) antes do Núcleo Curricular Básico Multieducação estava fundamentado na idéia da existência de saberes acumulados pela humanidade e que deviam ser transmitidos aos educandos de forma ordenada, obedecendo a uma lógica preestabelecia de hierarquização de conteúdos e pautados numa prática pedagógica que pregava a fragmentação dos saberes. Porém, esta forma de organização curricular não corresponde mais às exigências atuais por uma educação que seja capaz de formar cidadãos críticos e participativos na sociedade em que vivem. Nosso grande desafio enquanto professores e professoras é superar este modelo de currículo tão enraizado em nosso sistema escolar e buscar, em nossa prática pedagógica, relacionar as experiências de vida dos alunos ao conhecimento sistematizado. Para que isto possa acontecer, devemos ter consciência de que e n s i n a r n ã o é t r a n s f e r i r c o n h e c i me n t o s (Freire, 2000 p.52) e explorar uma prática fundada na incerteza que incentiva a busca por uma nova forma de trabalhar e na ousadia de experimentar esta nova forma. Este caminho, segundo Freire, implica a consciência do inacabado, pois a nossa história é construída a partir das relações que fazemos com o outro e a todo o momento estamos construindo nova relações de conhecimento. Sendo assim, fazemos parte de uma história que é u m t e mp o d e p o s s i b i l i d a d e s e n ã o d e d e t e r mi n i s mo s . (Freire, 2002 p. 58). Esta prática inovadora é construída a partir de um novo olhar 37 para a nossa própria prática, incorporando nesta o respeito às condições histórico-sociais dos educandos e da escola, sua autonomia e sua dignidade e fazendo da escola um espaço onde caibam a alegria, a ousadia, a criatividade, os diferentes sonhos, as diferentes falas, a esperança e o afeto. S o me n t e p e s s o a s h u ma n a s s ã o c a p a z e s d e a p r e n d e r c o m a l e g r i a e e s p e r a n ç a . (Freire, 2002 p.80) É a esperança que nos faz acreditar em uma educação comprometida com os interesses amplos da população, com a democracia, com a cidadania, cabendo a nós professores e professoras, sujeitos desta educação, intervir na realidade que está a nosso alcance - a sala de aula, a escola - a fim de abrir caminhos para o processo de transformação social. Tem-se consciência de que a educação não é nem redentora da sociedade, nem tampouco está passivamente à espera das mudanças estruturais tão necessárias. Constata-se sim, que somos sujeitos ativos em uma sociedade em permanente movimento, que faz a cada dia a sua história e onde as transformações ocorrem através de ações mútuas. Sendo assim, cabe à escola, enquanto instância primordial de formação do indivíduo para o livre exercício da cidadania, promover o acesso democrático ao saber (conhecimento de mundo) e estimular a democracia cultural (livre exercício e respeito ás diferenças). Para a construção de uma proposta democrática de educação devemos adotar como princípio fundamental a valorização do cotidiano do aluno. A Escola Municipal Classe em Cooperação Doutor Marcelo Candia, ao priorizar em seus projetos de trabalho o cotidiano de seus alunos, as suas curiosidades e o próprio ambiente escolar, 38 mostrou a cada aluno e a cada membro da comunidade escolar que eles têm um lugar no mundo e que neste mundo eles têm o direito de interferir. Mostrou ser possível pensar e implementar um currículo cujo foco seja o desenvolvimento integral do aluno e o respeito e valorização deste enquanto ser único, pertencente a uma comunidade que tem características próprias. Enquanto professores e professoras devemos contribuir para que a comunidade escolar construa uma consciência crítica que lhes possibilite serem sujeitos de sua própria história. E isto só se faz com esperança, afeto e respeito às diferenças e tem como conseqüência a alegria, o entusiasmo e êxitos mútuos, para alunos e professores. 39 BIBLIOGRAFIA CITADA RIO DE JANEIRO (Município). Núcleo Curricular Básico Multieducação. Imprensa da Cidade do Rio de Janeiro, 1996. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 2002. NETTO, Alfredo Veiga. Cultura e Currículo. In 1º Seminário Integrado da Diretoria de Ensino Fundamental da Secretaria Municipal de Educação da Cidade do Rio de Janeiro: Rio de Janeiro, 2003, Pág. 02. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. COOL, César. Psicologia e Currículo: Uma aproximação psicopedagógica à elaboração do currículo escolar. Rio de Janeiro: Àtica, 1987. SILVA, Tomás Tadeu da. Documentos de Identidade: Uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. SANTOS, José Luiz dos. O que é cultura. São Paulo: Brasiliense, 2001. 40 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília: MEC/SEF, 1996. CANEN, Ana e MOREIRA, Antônio Flávio (orgs.). Ênfases e omissões no currículo. Campinas: Papirus, 2001. FREIRE, Paulo. Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. São Paulo: Olho d'água, 1995. ____________ Política e educação. São Paulo: Cortez, 1993. GARCIA, Regina Leite (org.) Formação da Professora Alfabetizadora: reflexões sobre a prática. São Paulo: Cortez, 2001. KRAMER, Sônia e LEITE, Maria Isabel. (orgs.) Infância e produção cultural. São Paulo: Papirus, 2001. LIBÂNEO, José Carlos. Adeus professor, Adeus professora: novas exigências educacionais e profissão docente. São Paulo: Cortez, 2001. MARCILANI, Ângela. Arte Popular Brasileira. Rio de Janeiro: Museu de Arte Popular Casa do Pontal, 2001. RIO DE JANEIRO (Estado). Educação: Legislação e Normas. Imprensa Oficial do Estado do Rio de Janeiro, 1998. 41 SANTOS, Jair Ferreira dos. O que é pós-moderno. São Paulo: Brasiliense, 2001. SOARES, Magda. Letramento: Um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. WEISZ, Telma. O diálogo entre o ensino e a aprendizagem. Rio de Janeiro: Àtica, 2002. 42 ÍNDICE Introdução 10 Capítulo I: Contexto Histórico 14 Capítulo II: Um estudo teórico 20 2.1 - Um estudo teórico acerca de currículo 21 2.2 - Um estudo teórico acerca de cultura 23 Capítulo III: O currículo vivido 25 3.1 - A proposta curricular contida na Multieducação 26 3.2 - O currículo vivido em uma escola da rede municipal: uma amostragem 28 Conclusão 34 Bibliografia Citada 38 Bibliografia Consultada 39