AS CRÍTICAS DO PROFESSOR NIETZSCHE À EDUCAÇÃO DE SEU TEMPO
Elenilton Neukamp*
Resumo:
Os primeiros escritos de Friedrich Nietzsche, pouco comentados, abordam a educação. Neles
o filósofo critica as instituições de seu tempo e duas tendências básicas em relação à cultura: a
tendência à universalização e a tendência à especialização. Tanto uma quanto outra são vistas
como extremamente nefastas, pois contribuem para a massificação e a mediocrização,
produzindo uma “barbárie cultivada”. Nietzsche propõe uma educação baseada no modelo
dos grandes mestres, que com sua grandeza e genialidade fariam com que toda sociedade se
elevasse culturalmente. Contra esta idéia de elevação cultural em prol da vida existem os
interesses dos negociantes, do Estado e da ciência, que vêem a educação apenas como um
meio para a obtenção de seus fins.
Palavras-chave: Educação. Nietzsche. Cultura.
Introdução
Educar os educadores!
Mas os primeiros devem começar
Por se educar a si próprios.
E é para esses que eu escrevo.
Um pensamento perturbador e talvez ainda não pesquisado de forma mais contundente
no terreno da educação é o de Friedrich Nietzsche. Sua filosofia é uma fonte riquíssima de
pesquisa e reflexão, pois a educação foi um de seus objetos de estudo além de aparecer, por
vezes implicitamente, em toda sua obra. Se levada a extremos, sua filosofia – sobretudo a
derradeira – pode ser vista inclusive como impossibilitadora da própria educação. No entanto,
neste texto iremos abordar alguns elementos de um Nietzsche pouco conhecido, anterior ao
anunciador da “morte de Deus”, que foi professor (entre 1869 e 1879) e teve contato direto
com a realidade educacional de sua época, o que permitiu que fizesse críticas agudas ao
ensino
*
dos
estabelecimentos
alemães.
Suas
“Considerações
Intempestivas”
ou
Licenciado em Filosofia (UNISINOS), Mestrando em Educação (UFRGS), professor de Filosofia da rede
municipal de Porto Alegre – [email protected]
2
“Extemporâneas”1 desferem um ataque profundo à educação de seu tempo e indiretamente ao
projeto pedagógico da modernidade como um todo. Estas obras fazem parte do que os
comentadores costumam chamar de “primeiro Nietzsche” ou “o primeiro período” de três que
corresponderiam a toda sua produção. Nelas o filósofo critica a educação ministrada nas
instituições de ensino de seu tempo, acusando-as de apequenarem o homem ao formá-lo
apenas para servir aos interesses do Estado, da ciência e do mercado. Nietzsche aponta uma
tendência para a potencialização de elementos comuns (e medíocres) dos indivíduos,
nivelando-os para sua melhor utilidade ao invés de despertá-los em suas singularidades como
seres humanos. Esta tendência de uniformização exacerba a importância da memorização
como a forma mais importante para se educar, em detrimento da ação e da criação.
É incomum, ainda, a percepção de Nietzsche como um filósofo que tenha pensado a
educação. No entanto, toda sua obra é permeada direta ou indiretamente pela preocupação
com a formação de um outro ser humano. Embora apenas em seus primeiros escritos ele trate
especificamente do tema educação, a preocupação em transmitir algo e ser compreendido
segue aparecendo em toda sua produção intelectual, sobretudo em seu Zaratustra. Como
ressalta Scarlett Marton, a leitura dos escritos de Nietzsche sobre educação impressiona pela
atualidade, pois “um leitor desatento poderia supor ter diante dos olhos um livro que acaba de
ser escrito. E o mesmo poderia pensar um leitor atento – com mais razão até” (Marton apud
Dias, 2003, p.7) diante do diagnóstico ácido que o filósofo faz de uma cultura decadente,
carente de vida e de “unidade de estilo”.
Nietzsche contra a cultura moderna
Como breve contextualização do sistema de ensino do tempo de Nietzsche, tornase interessante lembrar que a Prússia, embora tenha sido a última das potências européias a
entrar na época industrial, foi o primeiro Estado a desenvolver um sistema geral de educação.
Até o final do século XIX, já havia sido abolido o analfabetismo. O alto índice de
escolarização (para a época) e uma estrutura de escolas e instituições superiores que eram
vistas como modelares por outros países, contribuem em parte para explicar os ataques de
Nietzsche ao que chamou de “tendência à ampliação da cultura”.
A Alemanha, do século XVI ao XVIII era dividida em centenas de Estados
independentes e autônomos, que não davam a liberdade necessária para o crescimento de uma
1
São elas: David Strauss, o devoto e o escritor (1873), Da utilidade e desvantagem da história para a vida
(1874), Schopenhauer como educador (1874) e Richard Wagner em Bayreuth (1876).
3
intelectualidade. Seus pensadores, então, foram para outros lugares, fora das fronteiras destes
Estados em disputa, onde forjaram um pensamento cosmopolita, preocupado sobretudo com
os rumos da cultura e alheio aos acontecimentos políticos. A derrota militar sofrida pela
Prússia em 1806 para as tropas de Napoleão, ajuda a criar a consciência de que é necessário
unir a nação. A forma que o Estado encontra para unificar a nação é através do processo
educativo, tornando a escolarização compulsória; educar todo povo torna-se o ideal. Por isso,
era obrigatória a formação inicial de três anos nas escolas preparatórias, ou “escolas
populares”, que depois davam acesso ao ginásio que durava nove anos.
Na conferência “Sobre o futuro dos nossos estabelecimentos de ensino” (1872)2
Nietzsche aborda as instituições de ensino e a educação de seu tempo, principalmente a
ministrada no ginásio (Gymnasium)3, pois para ele esta formação é essencial. Em sua análise,
duas tendências mostravam-se nefastas para os rumos das instituições pedagógias: a tendência
de ampliação cada vez maior da cultura, e a tendência à redução da cultura através da
especialização. Tanto uma quanto a outra tendência eram completamente equivocadas e
carregavam pressupostos e “métodos antinaturais de educação”.
A tendência à ampliação é a tentativa de universalização da cultura, de sua
extensão a grupos cada vez maiores. Para Nietzsche, esta é uma visão utilitária da cultura pois
está dominada por critérios quantitativos: procura-se estender a educação à maior quantidade
de pessoas possível, pois o mercado necessita delas.
Além desta necessidade de formar produtores para o mundo do trabalho, baseada
numa lógica econômica e não com o intuito de elevação cultural, Nietzsche ainda vislumbra
outros interesses nesta tendência à extensão máxima da cultura. Um deles seria o medo da
opressão religiosa do passado, fazendo aumentar uma busca de elementos culturais contrários
à religião por parte de toda a sociedade. Outro elemento importante é o interesse do Estado
que, consciente de seu poder, investe na formação de seus funcionários e de seus exércitos
para melhor capacitar-se na luta contra outros Estados.
A outra tendência, de redução da cultura, não tem a mesma força que a anterior mas é
tão nefasta quanto aquela. Esta tendência prega a divisão do trabalho nas ciências e a
especialização
do
erudito
em
determinada
área;
especialização
que
“conduz
à
superficialização do espírito, ao entorpecimento do impulso crítico, emancipatório e criador”
2
Trata-se de anotações para conferências que não foram proferidas, e que serviram de base para a elaboração de
Schopenhauer como educador.
3
O Gymnasium equivale aos antigos ginásio e colegial, hoje 5ª a 8ª série do ensino fundamental e ensino médio
(antigo 2º grau) do currículo brasileiro (Cf. Dias, 2003, p. 17).
4
(Giacóia, 2005, p. 68). O cientista, na sua especialidade “...está acima do vulgus, para tudo
mais, quer dizer, para tudo que é importante, não se mostra diferente deste” (Nietzsche, 2004,
p. 64).
Tanto uma quanto outra tendência vão formando um determinado público medíocre,
distante da verdadeira cultura, que terá no jornal seu ponto de confluência. O jornalista, “o
senhor do momento”, acaba substituindo os verdadeiros mestres da cultura e é no jornal que
os chamados eruditos (especialistas) irão divulgar seus pretensos saberes para o público. Estão
colocados todos os ingredientes para a formação de uma “pseudocultura”, que Nietzsche irá
chamar de “barbárie cultivada”.
Para Nietzsche a situação desanimadora da educação de seu tempo poderia ser
percebida pela leitura dos pedagogos, da pobreza de sua produção que mais pareceria uma
brincadeira de crianças. Exatamente na formação básica do ginásio, essencial, era onde
reinavam maus profissionais que não tinham a menor delicadeza para o trabalho pedagógigo,
para a “mais delicada das técnicas que poderia existir numa arte, a técnica da formação
cultural” (p.67). Mas como poderiam os professores realizar esta grandiosa tarefa, se eles
próprios não haviam sido “iniciados” em uma cultura nobre e superior? Nietzsche lamenta o
abandono do projeto de reforma do ensino iniciada no início do século XIX na Alemanha, que
objetivava um retorno à Antigüidade clássica e que havia sido abandonado principalmente na
proposta de formar os mestres do ginásio dentro da tradição dos antigos gregos.
A massificação e universalização da cultura acabaram gerando também um
número excessivo de estabelecimentos de ensino superior, todos voltados para a formação das
grandes massas. No entanto, Nietzsche defende a tese de que a natureza produz um número
extremamente limitado de homens para a cultura e por isso deveriam existir apenas algumas
instituições de ensino superior. Porém, o que se vê é o surgimento de mais e mais
estabelecimentos, onde irão lecionar mestres tão medíocres quanto seus alunos. À cultura de
massa Nietzsche contrapõe uma cultura voltada para o surgimento dos grandes gênios,
indivíduos que deixariam sua marca original para os tempos vindouros e serviriam como
parâmetro seguro para avaliar a grandeza de uma época.
Segundo Nietzsche a ampliação e o grande número de escolas serviam apenas aos
interesses do Estado que vinculava, assim, a formação nos ginásios com a obtenção de cargos.
O Estado moderno percebe que se financiar a produção e a difusão da cultura, pode utilizá-la
para seus fins. A cultura passa a ser considerada útil apenas se serve aos interesses do Estado,
diferentemente do que se passava na Grécia antiga quando o Estado era o “companheiro de
viagem” da cultura (p. 99). A elevação cultural com a finalidade de formar o gênio, a exceção,
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dá lugar a uma formação massificada que uniformiza a todos a partir de características
comuns, medíocres. Muitos anos depois, no período derradeiro de seus escritos, Nietzsche
dirá em seu Crepúsculo dos Idolos: “O que as “escolas superiores” alemãs sabem fazer de fato
é um adestramento brutal para tornar utilizável, explorável ao serviço do Estado uma legião
de jovens com uma perda de tempo tão mínima quanto possível. “Educação superior” e legião
– aí está uma contradição primordial” (Nietzsche, 2005, p. 61).
O adestramento realizado pelas instituições de seu tempo, para Nietzsche, nada
tem a ver com a verdadeira cultura. O que cada indivíduo necessita aprender para sua própria
sobrevivência é importante, e as experiências que levam-no a tais aprendizados são realmente
necessárias. Nietzsche não nega a necessidade de uma educação para a sobrevivência,
representada nas escolas técnicas. O que enfatiza é que não há cultura sem o desligamento do
“mundo das necessidades”, e que um homem que está ligado à esta luta individual pela vida
não pode simplesmente dispor de tempo para alcançar a verdadeira cultura. Uma educação
que se propõe como finalidade formar alguém para ocupar um cargo de funcionário ou ganhar
dinheiro não pode ser chamada de educação para a cultura, mas apenas uma indicação do
caminho que o indivíduo deverá percorrer para manter-se vivo (Nietzsche, 2004, p.104).
Trata-se de uma educação que visa a domesticação, a criação de pessoas medíocres e úteis aos
ditames de seu tempo. Nietzsche contrapõe a esta domesticação um “adestramento seletivo”
que leve o jovem a tornar-se senhor de seus instintos: "o produto deste adestramento não é um
indivíduo fabricado em série, adaptado às condições de seu meio... mas um ser autônomo,
forte, capaz de crescer a partir do acúmulo de forças deixadas pelas gerações passadas, capaz
de mandar em si mesmo [...] alguém que se atreve a ser ele mesmo” (Dias, 2003, p. 86).
Os mestres como modelos
Os grandes gênios do passado também não tiveram estabelecimentos de ensino,
instituições poderosas que contribuíssem com sua formação, por isso tornaram-se grandes
apesar de suas épocas e não em decorrência da suposta grandiosidade delas. Assim também
como os grandes mestres, segundo Nietzsche, quem estivesse disposto a lutar pela verdadeira
cultura, deveria preparar-se para a resistência de seus contemporâneos; a “resistência do
mundo estúpido”, nas palavras de Goethe.
Se a educação de seu tempo esforçava-se em formar uma quantidade cada vez
maior de funcionários para o Estado, pessoas comuns, consumidores de uma cultura
medíocre, onde buscar uma verdadeira formação? Quem seriam os mestres e guias que
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mostrariam o caminho que levaria à “verdadeira cultura alemã”? Nietzsche encontra no
filósofo Arthur Schopenhauer a imagem de figura modelar, um exemplo raro de pensador que
havia mantido a coerência entre vida e obra, pois “o exemplo deve ser dado pela vida real e
não unicamente pelos livros” (Nietzsche, 2004, p. 150).
Indo em direção contrária à tendência de dar autonomia aos educandos, Nietzsche
propõe a idéia de um modelo de educador ao qual o jovem estudante poderá tomar como
exemplo para si, como a melhor forma de encontrar a si próprio.
A educação acontece, então, a partir do modelo ou exemplo de vida fornecido
pelo mestre, e não pela simples transmissão de conhecimentos. A credibilidade pessoal do
mestre ou guia é ainda mais importante que o conteúdo objetivo de sua doutrina (Safranski,
2001, p. 40). O educando descobrirá suas próprias potencialidades através do contato com o
mestre, aprofundando suas forças e libertando-se pela imitação criadora. Os mestres ou guias
são modelos a serem criativamente imitados, não no sentido de repetição de seus atos mas
como “pretextos para a experimentação de si” (Larossa, 2002, p. 77). A educação moderna,
para Nietzsche, havia substituído os verdadeiros educadores que seriam os “modelos ilustres”
por “uma abstração inumana” que é a ciência (Nietzsche, 2004, p.145). As universidades
haviam feito do ensino da ciência algo desligado da própria vida, tornando os eruditos mais
preocupados com a ciência do que com a humanidade, esquecendo que sua verdadeira tarefa é
“educar um homem para fazer dele um homem” (Nietzsche, 2004, p. 144).
Os jovens deveriam então ligar-se a algum grande homem, vendo-o como um ser
elevado para onde deveriam voltar-se amorosamente, reconhecendo sua estreiteza diante da
grandeza do gênio. Esses gênios, esses homens superiores a quem os jovens devem ligar-se
“alargarão até os outros aquilo que conquistaram penosamente” e, através de laços e
afinidades que os ligam aos homens comuns, enriquecerão a todos “pela comunicação da
seiva” (Candido, 1987, p. 5).
No entanto, são raras as pessoas que conseguem chegar a este saber; para a
maioria a cultura não existe para promover o “nascimento do homem verdadeiro” e sim para
satisfazer o interesse de determinados grupos. Neste sentido, Nietzsche aponta os “egoísmos”
que impedem o acontecer de uma verdadeira cultura.
A cultura utilitária dos egoístas
O egoísmo dos negociantes é centrado no uso da cultura para a obtenção de
lucros: “quanto mais houver conhecimento e cultura, mais haverá necessidades, portanto,
7
também mais produção, lucro e felicidade...” (Nietzsche, 2004, p.185). Desde esta perspectiva
a cultura seria a produção de uma certa inteligência comum, mediana, que formasse “o maior
número possível de homens correntes, no sentido que se fala de moeda corrente”, homens
dispostos a ganhar dinheiro. A cultura estaria voltada para a produção de necessidades para o
consumo; deve ser rápida, para formar o mais rápido possível homens que produzem e
consomem, pois no consumo está centralizada a busca da felicidade: “não se atribui ao
homem senão justamente o que é preciso de cultura no interesse do lucro geral e do comércio
mundial” (Nietzsche, 2004, p. 186).
Outro egoísmo é o do Estado, que incentiva a difusão da cultura para o maior
número possível de pessoas unicamente para servir-se delas em suas instituições e usá-las
como joguetes. Ele utiliza a imagem de um moinho, em que poderosas correntes de água são
desviadas para fazê-lo girar. O Estado é quem constrói os diques para utilizar toda esta
energia que do contrário poderia ser perigosa para sua sobrevivência.
O terceiro egoísmo é o de uma arte que poderia chamar-se “cosmética”. Através
de uma espécie de arte o que se tenta é embelezar o homem moderno, ornando-o, tornando
sua aparência mais atraente com a intenção de esconder seu vazio interior: “Com os detalhes
exteriores, a palavra, o gesto, com a decoração, o fausto e as boas maneiras, trata-se de
obrigar o espectador a uma falsa conclusão quanto ao conteúdo...” (Nietzsche, 2004, p. 187).
Os alemães haviam se tornado, dentro desta cultura de “gentilezas com que se enfeita a vida”,
como que “um material mole e disforme” pronto para qualquer manipulação (Nietzsche,
2004, p. 189). Esta tendência a uma cultura preocupada apenas com as belas formas teria suas
origens na pressa da vida moderna, onde os homens haviam se tornado os
escravos atormentados pelos três “M”: o momento, as maneiras de
pensar e os modos de agir. Por mais que a falta de dignidade e de
decência salte muito penosamente aos olhos e que uma elegância
mentirosa se mostre novamente necessária para mascarar a doença
desta pressa indigna. Pois este é o liame que une a moda ávida da bela
forma ao conteúdo horroroso do homem contemporâneo: aquela deve
dissimular, este deve ser dissimulado. Ser culto daqui por diante
significa: não se permitir observar até que ponto se é miserável e mau,
feroz na ambição, insaciável na acumulação, egoísta e
desavergonhado na fruição (Nietzsche, 2004, p. 189-190).
Nietzsche lamenta a “superestimação do momento”, a busca pelo sucesso e pelo
lucro que vêm unir-se à mediocridade da cultura alemã da época, voltada para a cópia de
modelos importados e sem vida ou originalidade. A estes três poderes, três egoísmos que
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incentivam este tipo de cultura, Nietzsche alia o egoísmo da ciência, que “é útil apenas a si
mesma, tanto quanto é nociva a seus servidores”. Diante das grandes questões humanas a
ciência silencia, e faz uso da cultura apenas para o seu progresso enquanto atividade, perdida
em abstrações esquece dos problemas da existência. A especialização e esta ausência de
reflexão distancia suas investigações e resultados da realidade, tornando-se extremamente
perigosa: “o que há de ser, em geral, a ciência, se não tem tempo para a civilização?
Respondei-nos, pelo menos aqui: de onde, para onde, para que toda a ciência, se não for para
levar à civilização? Ora, talvez então à barbárie! E nessa direção vemos já a comunidade
erudita pavorosamente avançada...” (Nietzsche, 1987, p. 20). A esta tendência à
especialização soma-se a estreiteza do campo de visão dos cientistas, “sagaz para as coisas
próximas, ao lado de uma grande miopia para o longínquo e o geral” (Nietzsche, 2004, p.
193).
As instituições aparentemente promotoras da cultura, no fundo nada sabem dos
propósitos de uma verdadeira cultura e agem apenas segundo seus interesses. O Estado
“somente a promove para promover a si mesmo”, os negociantes ao exigirem instrução e
educação querem “sempre em última análise o lucro” e “aqueles que têm necessidade de
formas...a única coisa clara...é que eles dizem sim a si mesmos, quando afirmam a cultura”.
Os eruditos impedem com sua ação o surgimento do gênio, pois a cultura para eles é apenas
utilitária e os grandes homens seriam uma ameaça à sua mesquinhez.
As instituições de seu tempo existiam para formar o funcionário, o erudito, o
“filisteu da cultura”, enquanto que as que eram necessárias criar deveriam preparar o
nascimento do gênio. Estas instituições do futuro seriam mais adequadas à natureza, para
aperfeiçoa-la e acelerar a vinda do filósofo. Mas que instituições seriam essas? Nietzsche não
deixa pistas muito claras, e após dez anos exercendo o magistério abandona sua cátedra e
passa a viver a vida de filósofo errante.
Referências bibliográficas
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9
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Scipione, 2003.
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_____. Segunda consideração intempestiva: da utilidade e desvantagem da história para a
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_____. Obras incompletas vol. II. Tradução de Rubens Rodrigues Torres Filho. São Paulo:
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SAFRANSKI, Rüdiger. Nietzsche, biografia de uma tragédia. Tradução de Lya Lett Luft. São
Paulo: Geração Editorial, 2001.
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