O PARADOXO NO TRATAMENTO DOS RESULTADOS DO ENEM E
DO ENADE
Os estudantes brasileiros dos ensinos médio e superior são submetidos a
exames periódicos, destinados, essencialmente, a aferir o seu desempenho ao
final do ciclo educacional percorrido.
Os estudantes do ensino médio são submetidos ao Exame Nacional do Ensino
Médio – ENEM, ao passo que os alunos da educação superior realizam o
Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes – ENADE.
É importante, desde logo, deixar clara a premissa de que os dois exames
possuem, ao menos em tese, objetivo semelhante, qual seja, aferir o
desempenho dos estudantes ao final do ciclo educacional pertinente.
O ENEM, como informado pelo próprio INEP, foi criado visando à avaliação
do desempenho do estudante ao final da educação básica, objetivando, com
este diagnóstico, contribuir de forma permanente para a melhoria da qualidade
educacional.
Posteriormente, o ENEM foi ganhando robustez, passando a ser utilizado
como processo de seleção para fins de acesso ao ensino superior, notadamente
nas instituições públicas, servindo, ainda, como mecanismo de acesso aos
programas de acesso e permanência na educação superior.
O ENADE, por seu turno, é componente do Sistema Nacional de Avaliação da
Educação Superior – SINAES, instituído pela Lei nº 10.861/2004, tendo como
objetivo precípuo promover, anualmente, a aferição do desempenho dos
estudantes, com aplicação de ciclo avaliativo trienal, mediante distribuição
dos cursos pelos anos do ciclo, com a realização do exame para um grupo de
cursos a cada ano.
Segundo dispõe o referido diploma legal, o objetivo legal do ENADE é aferir
“o desempenho dos estudantes em relação aos conteúdos programáticos
previstos nas diretrizes curriculares do respectivo curso de graduação, suas
habilidades para ajustamento às exigências decorrentes da evolução do
conhecimento e suas competências para compreender temas exteriores ao
âmbito específico de sua profissão, ligados à realidade brasileira e mundial e a
outras áreas do conhecimento”.
Podemos concluir, portanto, que, guardadas as devidas proporções, ENEM e
ENADE são, na sua concepção e finalidade, exames bastante semelhantes,
porquanto, ao menos no aspecto legal, seu objetivo está indissoluvelmente
ligado ao diagnóstico do desempenho dos estudantes ao final do nível
educacional cursado, quais sejam, a educação básica e o ensino superior,
respectivamente.
Diante desses fatos, resta evidente que o discurso e a prática do MEC a partir
dos resultados desses dois exames são totalmente contraditórios!
Aduzindo ser o ENEM um exame destinado a aferir o desempenho dos alunos
ao término da educação básica, o MEC empresta relevância ao resultado do
referido exame exclusivamente para fins de tratamento da situação individual
de cada um dos estudantes que o tenham realizado, proporcionando a
certificação relativa ao ensino médio, o acesso às instituições de ensino
superior que utilizem seu resultado como processo seletivo e, ainda, o acesso
aos programas de acesso e permanência na educação superior.
Embora o Ministério da Educação e o INEP divulguem os resultados do
ENEM por instituição escolar, este resultado não tem nenhum efeito prático
sob o prisma das atividades de regulação, supervisão e avaliação das escolas
de ensino médio e fundamental.
Aliás, o antecessor do atual Ministro, fazia questão de dizer que não era
razoável utilizar o resultado do ENEM para fins de branqueamento ou de
imposição de consequências para as escolas, pois era um exame destinado à
avaliação do desempenho dos alunos!
Ora, o ENADE, como estabelecido pela retro mencionada Lei do SINAES,
tem este mesmo objetivo, ou seja, foram criado para aferir o desempenho dos
estudantes, não para avaliar as instituições de ensino ou os cursos superiores,
atividades estas que já possuem procedimentos claramente estabelecidos na
referida norma legal.
Contudo, a divulgação dos resultados anuais do ENADE, sobretudo com
publicação dos indicadores CPC (Conceito Preliminar de Curso) e IGC
(Índice Geral de Cursos Avaliados), é seguida de rígidas providências no
âmbito da regulação, supervisão e avaliação dos cursos e instituições de
ensino superior, inclusive com imposição de medidas cautelares de redução de
vagas e suspensão de processo seletivo, adotadas, registre-se, ao arrepio das
normas legais em vigor, aqui entendidas como normas legais as leis e os
decretos vigentes.
Além disso, esta divulgação traz consequências diretas para a oferta de bolsas
e financiamento pelos programas de acesso e permanência na educação
superior – PROUNI e FIES, afetando os milhares de estudantes que
necessitam destes programas para ter garantido o acesso que lhes vem sendo
negado nas instituições públicas.
É justamente nas consequências advindas da divulgação dos resultados do
ENEM e do ENADE que surge a flagrante contradição presente na postura do
MEC.
Ora, se é inadequado utilizar os resultados do ENEM para fins de avaliação e
supervisão nas instituições de ensino médio e fundamental, sob o argumento
de que este exame serve para avaliar o desempenho dos alunos, como querer
emprestar razoabilidade à utilização dos resultados do ENADE para tais
finalidades se, como acima apontado, sua finalidade legal também é aferir o
desempenho dos estudantes?
Esta é uma pergunta que, pelo menos até este momento, os gestores do
Ministério da Educação não conseguiram responder de forma coerente e
satisfatória, mas indicações para justificar essa contradição podem ser
encontradas na análise simplista dos rankings divulgados com os resultados
dos dois exames.
Basta comparar os resultados do ENEM e do ENADE sob o prisma do tipo de
instituição que apresenta alunos com os melhores desempenhos e este mistério
começa e se desvendar, como que por encanto.
Com efeito, esta comparação tratará de demonstrar, em linhas gerais e com as
devidas exceções, que, no ENEM, o desempenho das escolas públicas, fica
muito abaixo das escolas particulares e talvez este seja o motivo pelo qual o
MEC se recusa a aceitar o ENEM como instrumento de avaliação e
branqueamento das instituições de educação básica...
Se admitisse, como ficaria a situação do poder público como mantenedor de
escolas com padrão de qualidade insatisfatório? Ficariam essas escolas
sujeitas às atividades de supervisão, regulação e avaliação que são aplicadas
às instituições de ensino superior privadas que recebem avaliação
insatisfatória no ENADE?
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O paradoxo no tratamento dos resultados do ENEM e do ENADE