Revista eletrônica do Departamento de Química - UFSC
FLORIANÓPOLIS | Química - UFSC | QMCWEB: Ano 4
Os combustíveis vendidos no Brasil têm
sido tema frequente na mídia. Com tanta
repercursão, são muitos os brasileiros
preocupados com a qualidade dos
combustíveis. É aí que entram os
químicos de várias universidades
brasileiras: a Central de Análises do
departamento de Química da UFSC, por
exemplo, presta este serviço para postos e distribuidoras.
Saiba como a análise é feita, e o que é, de fato, que vai para o tanque de nosso carro.
O Departamento de Química da UFSC possui a Central de Análises, que é um órgão que
presta serviço à comunidade. Muitas indústrias, pequenas empresas e, agora, postos de
combustíveis procuram a Central de Análises, que, após a análise do material, por vários
métodos, emite um laudo técnico.
O QMCWEB esteve na Central de Análises do depto. de Química, e
acompanhou a rotina de análise de combustíveis. O processo
segue uma série de normas técnicas definidas pela própria Petrobrás.
Tão logo o combustível chega na central, faz-se o exame de
propriedades físicas, como a aparência visual e a densidade. A
densidade, que é medida em um
densímetro, é um forte indício sobre a
qualidade do combustível. Enquanto que a
gasolina padrão tem uma densidade de
cerca de 0,75 g/ml, a gasolina adulterada
apresenta, em geral, uma densidade
menor, devido a adição de compostos
orgânicos menos densos.
O próximo passo é a determinação da quantidade de água. Segundo a
legislação brasileira, a gasolina deve ser totalmente isenta de H2O, mas, algumas vezes, a gasolina
recebe a adição de álcool não anidro e a presença de água pode ser detectada. A análise é feita pelo
método de Karl Fischer, que está em acordo com a norma técnica da ABNT.
A gasolina brasileira recebe a adição, regulamentada, de etanol. A lei estabelece que o limite máximo de
etanol é de 24% na gasolina. Este etanol deve ser anidro, já que a gasolina deve ser isenta de água. A
quantidade de etanol pode ser medida facilmente através de uma extração do mesmo da fase orgânica
para a fase aquosa, com a adição de uma solução de NaCl em água.
Após estes testes, a gasolina vai, então, para o cromatógrafo, um
aparelho capaz de separar os vários componentes da amostra. O
cromatógrafo consiste em um sistema onde a amostra, após injetada,
percorre, sob pressão (o gás de arraste é o N2) uma fina coluna
metálica, oca, preenchida com um determinado material adsorvente. Os
compostos mais voláteis e de
menor peso molecular passam
pela coluna primeiro, e são
detectados pelo detector que, no
caso, é um detector de ionização
de chama. A coluna tem cerca de 50 metros de comprimento. O
resultado da análise é expresso em um cromatograma. Cada
componente na mistura aparece como um pico no cromatograma, e
a altura e área deste pico é proporcional a concentração do
componente na mistura. Segundo o professor Luiz A. Madureira,
um dos responsáveis pela central de análises, nas gasolinas
adulteradas, em geral, somente a razão entre os picos observados
difere do padrão da Petrobrás pois, em geral, os compostos adicionados já existem na gasolina. Neste
caso, nenhum pico novo é percebido, ocorrendo somente um aumento da área de um ou mais picos
existentes.
Pela análise do cromatograma é possível, comparando com o padrão,
dizer se a gasolina foi ou não adulterada e, na maioria das vezes,
saber qual foi ou foram as substâncias adicionadas. Isto vale inclusive
para o MTBE (metil terc-butil éter), um aditivo legal no RS mas ilegal
em SC, comumente encontrado, clandestinamente, em postos
catarinenses.
Algumas vezes, entretanto, as substâncias
adicionadas são estranhas, isto é, não estão
presentes em nenhum dos padrões de
referência. Neste caso, apela-se para o
espectrômetro de massas, acoplado com um outro cromatógrafo gasoso.
Cada componente separado pelo cromatógrafo é, então, analisado pelo
espectrômetro de massas. Este aparelho bombardeia a amostra com um feixe de
elétrons, promovendo a ionização e fragmentação das moléculas. Estes íons são contados e computados
em função de sua massa atômica. Desta maneira, é possível se ter uma idéia sobre a identidade da
substância.
O que é gasolina?
A gasolina é uma mistura de hidrocarbonetos
líquidos inflamáveis e voláteis, derivados do
petróleo. Além de ser utilizada como
combustível em motores de combustão
interna, é também usada como solvente, na
indústria, para óleos e gorduras.
Originalmente, a gasolina era um produto
colateral e indesejado da indústria de
refinamento de petróleo - que estava
interessada principalmente no querosene. As
refinarias desprezavam toda a gasolina
obtida. Com o advento dos motores de
combustão, a gasolina foi logo eleita como a
melhor opção para combustivel, devido a
algumas de suas características: alta energia
de combustão, alta volatilidade e sua
compressibilidade. A energia liberada na
combustão da gasolina é a responsável pelo
movimento do motor. Por ser volátil, a
gasolina mistura-se facilmente com o ar no
carburador, gerando um gás muito
inflamável, que explode no cilindro. A
compressibilidade, também conhecido como
fator "antiknock", permite que o pistão
percorra um trajeto maior, no cilindro, a cada
ciclo.
Inicialmente, a gasolina era obtida pela destilação do petróleo - era
simplesmente a fração mais volátil do petróleo. Após algum tempo, outras
técnicas surgiram, numa tentativa de aumentar o rendimento desta extração.
Um deles é o craqueamento, que consiste numa quebra de moléculas
maiores, também presentes no petróleo, em outras menores, que
pertencem à fração da gasolina. O craqueamento térmico foi utilizado até
1937, quando químicos de catálise inventaram o craqueamento catalítico,
método muito mais econômico e eficaz. Outros métodos incluem: a
polimerização, que é a
conversão de olefinas
A Central de Análises também tem feito
análises do diesel, para postos da região.
A figura acima mostra um cromatograma para
o diesel. Repare como difere daquele da
gasolina. A sequência decrescente dos picos
refere-se as séries dos hidrocarbonetos, com
peso molecular crescente.
QMCWEB:// Entrevista
A análise de
combustíveis é feita
por várias
universidades
brasileiras. Entre elas,
uma catarinense: a
FURB, de
Blumenau. O
gasosas, tal como propileno
e butileno, em moléculas
maiores, dentro da faixa da
gasolina; a alquilação, um
processo que combina uma
olefina e uma molécula
como isobutano e a
isomerização, que é a
conversão de
hidrocarbonetos de cadeia
normal para hidrocarbonetos
de cadeia ramificada.
A gasolina é uma mistura
bastante complexa, com
mais de uma centena de
diferentes hidrocarbonetos.
A maioria é saturado
(somente com ligações
simples) e contém de 4 a 12
átomos de carbono por
molécula. A faixa de ebulição
da gasolina utilizada em
automóveis varia de 30 o C a
200 o C; nos aviões, a
gasolina contém
componentes menos
voláteis, pois a pressão
atmosférica nas alturas é
menor e, portanto, a
temperatura de ebulição
também diminui. A
densidade da gasolina é de
0,72 g/ml. Como é menor
do que da água, é sempre a
fase superior numa mistura
heterogênea com esta. Por
isso de nada adianta tentar
apagar a gasolina em chamas jogando água!
A característica antiknock (antidetonante) de uma gasolina, isto é, sua
compressibilidade, que indica se a mistura combustível - gasolina + ar - não
está explodindo muito rapidamente (antes do pistão chegar ao fundo do
cilindro) é expressa em termos de "número de octanagem". Este número
refere-se, na verdade, à quantidade relativa do composto iso-octano, que é,
dentre os compostos
presentes na gasolina, o que
apresenta a maior
compressibilidade e, também,
um dos menores Flash-points
(temperatura na qual o líquido
já liberou vapor suficiente para
formar uma mistura inflamável
com o ar): apenas 2,2 o C.Uma
gasolina com octanagem 92,
por exemplo, indica que em
cada 100 ml de gasolina, 92
são de iso-octano. É possível,
entretanto, se aumentar o número de octanagem pela adição de aditivos.
Um dos primeiros utilizados foi o tetraetilchumbo. Este aditivo é capaz de
retardar a combustão da mistura, mas foi proibido, na maioria dos países, na
década de 1980, devido a sua extrema toxidade. Outros aditivos foram
produzidos com o mesmo objetivo e, ainda, a gasolina pode receber
compostos adicionais para previnir a formação de depósitos de sujeira no
motor (moléculas detergentes), para evitar o congelamento no carburador,
em dias frios (anticongelantes) e para reduzir a oxidação da gasolina e do
motor (antioxidantes),
Nas últimas décadas, vários países, incluindo o Brasil, passaram a utilizar no
gasonol - uma mistura de gasolina e etanol, no lugar da gasolina. A intenção
é diminuir o impacto ambiental causado pela queima da gasolina, pois o
etanol, além de ser renovável, vem de plantas (cana-de-açúcar, batatas,
grãos), que podem reabsorver o CO2 liberado na queima do combustível.
QMCWEB conversou
com o professor
Edésio L.
Simionatto, que esteve à frente, por um longo
período, da análise de combustíveis na FURB. O professor
Edésio obteve o título de doutor em química orgânica
aqui na UFSC.
QMCWEB:// Quais são os projetos relacionados com
combustíveis em que a FURB está envolvida?
Edésio:// Primeiro gostaria de agradecer o convite e
segundo, parabenizar este trabalho do QMCWEB que
está nos mostrando que o ensino a distância já é uma
realidade, e que só depende de nós implementá-lo. A
FURB possui um convênio com a Agência Nacional do
petróleo - ANP para a realização de testes FísicoQuímicos dos combustíveis comercializados no Estado de
Santa Catarina; este convênio foi o responsável pelo
desenvolvimento da área de Combustíveis na FURB.
Também temos um convênio com o Comitê Catarinense
de Qualidade de Combustíveis que, em parceria com a
Secretaria da Fazenda do Estado de SC, tem realizado
ações para inibir adulteração e a sonegação fiscal dos
combustíveis em SC. Acabamos de receber a informação
de aprovação de um projeto (CTPETRO-FINEP) que
encaminhamos em parceria com Universidade Federal do
Paraná e que prevê investimentos de R$ 1.500.000,00
em infra-estrutura e equipamentos que irão
complementar as estruturas existentes na FURB e UFPR.
QMCWEB:// Como é feita a análise dos combustíveis?
Edésio:// Atualmente um técnico realiza a coleta e
encaminha a amostra até o laboratório do IPT/FURB. No
próximo semestre iremos adquirir uma unidade móvel
onde serão feitos testes de triagem no próprio local, e
encaminhadas ao laboratório as amostras que
apresentarem indícios de não conformidade.
QMCWEB:// Existem estudantes de graduação ou pg
envolvidos neste trabalho? Quantos?
Edésio:// Hoje somente um bolsista está envolvido no
processo, pois o convênio firmado com a ANP exige
pessoal qualificado e do quadro na realização das
análises. Nesta segunda etapa, além da realização do
monitoramento estão previstas realização de pesquisas
na identificação e quantificação dos produtos presentes
nos aditivos, novas metodologias de análises ( esta
coordenada pelo Prof. Clodoaldo Machado), e
comparação de métodos analíticos. Nestes trabalhos
estão previstos o envolvimento de 12 alunos de
graduação (Química e Eng. Química) e 4 de mestrado,
além de outros professores dos Dep. de Química e Eng.
Química da FURB.
QMCWEB:// Há, no Brasil, a idéia de se implantar um
selo de qualidade nos combustíveis?
Edésio:// Esta questão do selo já foi discutida com o
Comitê Catarinense de Qualidade de Combustíveis,
inclusive com a participação de distribuidoras e sindicatos
de postos revendedores, e na ocasião foi questionada a
sua validade. O problema é que o combustível gira muito
rapidamente, então um selo poderia estar atestando
uma qualidade diferente daquela do combustível que está
sendo vendido (está no posto). Para se ter uma idéia,
30.000 litros de gasolina em um posto médio dura em
torno de 3 a 4 dias, e para se ter um selo, cada produto
deve ser analisado, e isto é impossível nos cerca de
1.500 postos de SC.
Cada vez mais, o consumidor brasileiro se preocupa com a qualidade dos produtos adquiridos. As
empresas, nesta economia globalizada, sentem na pele a necessidade de um monitoramento constante da
qualidade de seus produtos e serviços. Para os químicos, é a garantia de um novo filão no já acirrado
mercado de trabalho.
criação: minatti
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Análise da Gasolina