CONHECIMENTOS SOBRE SISTEMAS DE EQUAÇÕES LINEARES
POR ALUNOS DO 1º ANO DE MATEMÁTICA: O CASO DO ALUNO
RAFAEL
Veridiana Rezende1
Unespar – Câmpus de Campo Mourão
[email protected]
Wilian Barbosa Travassos2
Unespar – Câmpus de Campo Mourão
[email protected]
Wellington Hermann3
Unespar – Câmpus de Campo Mourão
[email protected]
Mariana Moran 4
Unespar – Câmpus de Campo Mourão
[email protected]
Resumo: O presente trabalho fundamenta-se principalmente na teoria dos registros de representação
semiótica de Raymond Duval, e tem como objetivo analisar tratamentos e conversões realizadas na
resolução de sistemas de equações lineares, bem como a atribuição de significados por um aluno do
primeiro ano do Curso de Matemática de uma Universidade pública do interior do Paraná. Trata-se de
um recorte da parte preliminar de um estudo a respeito dos conhecimentos dos alunos sobre resolução
e interpretação de sistemas de equações lineares. Para coletar os dados foram elaboradas e
disponibilizadas aos alunos quatro questões sobre sistemas de equações lineares: duas que tratam da
resolução de atividades e duas dissertativas. Além desse instrumento de coleta, utilizou-se também
uma entrevista semiestruturada. As análises foram guiadas pela teoria de Raymond Duval no que diz
respeito a variação dos registros de representação semiótica e apontam para a ausência de atribuição de
significado por parte do aluno acerca da resolução dos sistemas.
Palavras-chave: Educação Matemática. Sistemas de equações lineares. Registros de
representação semiótica.
1
Professora do Colegiado de Matemática da Universidade Estadual do Paraná – Campus de Campo Mourão.
Acadêmico do Curso de Matemática da Universidade Estadual do Paraná – Campus de Campo Mourão. Aluno
de Iniciação Científica NUPEM - bolsista da Fundação Araucária.
3
Professor do Colegiado de Matemática da Universidade Estadual do Paraná – Campus de Campo Mourão.
4
Professora do Colegiado de Matemática da Universidade Estadual do Paraná – Campus de Campo Mourão.
2
XII EPREM – Encontro Paranaense de Educação Matemática
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ISSN 2175 - 2044
Introdução
Neste trabalho apresentamos os resultados preliminares de uma pesquisa qualitativa
que está sendo desenvolvida com alunos do primeiro ano do Curso de Licenciatura em
Matemática, de uma Universidade pública do interior do Paraná, que cursam a disciplina de
Geometria Analítica e Álgebra Linear. O objetivo principal da pesquisa, que encontra-se em
fase de desenvolvimento, é identificar e analisar os conhecimentos que alunos do primeiro
ano do Curso de Matemática trazem do Ensino Médio, acerca da resolução de Sistemas de
Equações Lineares e suas diferentes representações. Para este trabalho, porém, apresentamos
apenas parte dos resultados obtidos até o momento.
O interesse principal por essa investigação surgiu da experiência de três autores desse
trabalho, como professores do primeiro ano do Curso de Licenciatura em Matemática,
perceberem que a cada ano alunos ingressam no Curso sem domínio de diversos conceitos
presentes no currículo da Educação Básica, entre eles o conceito de sistemas de equações
lineares.
De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN (BRASIL, 1998) para a
disciplina de Matemática, os sistemas de equações lineares envolvendo duas equações e duas
incógnitas devem ser estudados no 8º ou no 9º ano do Ensino Fundamental. Esses estudos
devem ser ampliados no Ensino Médio, considerando um maior número de incógnitas e
equações.
Além disso, os PCN preconizam o uso de diferentes representações no ensino da
Matemática, e mencionam a importância de proporcionar aos alunos o desenvolvimento da
capacidade de transcrever proposições da linguagem corrente (língua natural) para a
linguagem simbólica - algébrica, gráfica, diagramas, tabelas, etc. É nesse sentido que
enfatizamos a importância de estudos envolvendo sistemas de equações lineares e suas
diferentes representações, pois esse conteúdo favorece o uso de diferentes registros, tais como
o registro da língua natural (situações problemas), gráfica, algébrica, matrizes e numérica,
justificando, portanto, a pertinência da presente investigação.
Para Duval (2012), a compreensão de um conceito se dá quando um sujeito é capaz de
articular suas diferentes representações semióticas. Sendo assim, e considerando o exposto
acima que se refere ao fato que os sistemas de equações lineares favorecem o uso de
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diferentes representações, consideramos que esta seria uma teoria adequada para fundamentar
nosso trabalho.
De acordo com Duval (2009; 2012), os sistemas semióticos5 cumprem basicamente
três atividades cognitivas inerentes a toda representação:
1. a formação de uma representação identificável como uma representação de um
registro dado: deve respeitar regras de utilização, de identificação, de
reconhecimento da representação e a possibilidade de sua utilização para tratamentos;
constitui um traço ou um ajuntamento de traços perceptíveis com fim em identificar
uma representação de alguma coisa num determinado sistema;
2. o tratamento: transformar a representação inicial em outra, obedecendo as regras do
próprio sistema constituindo uma relação de conhecimento;
3. a conversão: converter a representação produzida em um sistema para outro sistema,
sem perda de conceitos, de modo a explicar outras significações relativas ao que está
sendo representado.
O tratamento é uma transformação que ocorre internamente ao registro, ou seja,
realizam-se operações necessárias para resolver/responder uma questão ou um problema, sem
sair do registro inicial. Como exemplos de tratamentos têm-se: a paráfrase e a inferência que
são formas de tratamento em língua natural, que cumprem o papel de reformular um
determinado enunciado com o objetivo de explicá-lo ou substituí-lo; a reconfiguração, que é
um tipo particular de tratamento para as figuras geométricas, possibilitando sua exploração
heurística; a anamorfose, uma forma de tratamento figural, que consiste em modificações
óticas da figura e o cálculo, que é um tratamento feito sobre a escrita simbólica de algarismos
e de letras (DUVAL, 2009; 2012a; 2012b).
Obviamente, para cada registro existem regras de tratamento para expandir uma
representação. Essas regras “uma vez aplicadas, resultam em uma representação de mesmo
registro que a (representação) de partida” (DUVAL, 2009, p.57).
Com relação à conversão, Duval (2009) afirma que “Converter é transformar a
representação de um objeto, de uma situação ou de uma informação dada num registro em
uma representação desse mesmo objeto, dessa mesma situação ou da mesma informação num
outro registro” (p. 58). A conversão é uma transformação externa ao registro de partida que
conserva a totalidade ou somente uma parte do conteúdo da representação inicial.
5
Um sistema semiótico é formado por registros de representação – línguas, figuras, gráficos etc. – e por códigos
– código binário, alfabetos etc. (DUVAL, 2011).
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Duval (2009; 2012b) exemplifica que: a ilustração é a conversão de uma
representação linguística em uma figura; a tradução é sair de uma representação em uma
língua dada para outro tipo de língua; a descrição (interpretação) é a descrição de uma
representação não verbal na forma de esquemas, figuras, gráficos em uma representação
linguística; a codificação significa transcrever uma representação em outro sistema semiótico
diferente do inicial; dentre outras. É possível pensar também, na transformação dos dados do
enunciado de um problema (língua natural) para a forma de equação ou sistema de equações
(escrita simbólica). Este último, é o caso de uma das questões propostas aos alunos no
presente trabalho.
Para esta pesquisa foram elaboradas quatro questões relacionadas aos Sistemas de
Equações Lineares, com a intenção de analisar o que sabem alunos calouros que ingressam no
curso de Matemática e, ainda, se as ideias de Duval, relacionadas à tratamento e conversão se
fazem presentes nas respostas dos alunos. Pois, consideramos que ao identificarmos
conversões nas respostas dos alunos, de acordo com os pressupostos de Duval (2012),
podemos indicar possível aprendizagem por parte dos alunos, referente ao conceito em
questão.
Procedimentos metodológicos
A coleta preliminar de dados foi realizada por meio de quatro questões: a primeira
envolve uma situação problema que exige em sua resolução, além da interpretação, a
utilização de alguma técnica para solucionar sistemas de equações lineares. Na segunda
questão foram apresentados dois sistemas: o primeiro (item a) é um sistema6 com duas
equações e duas incógnitas e o segundo (item b) é um sistema com três equações e três
incógnitas. As duas últimas questões são dissertativas e têm como objetivo a obtenção de
dados a respeito do conhecimento que os alunos têm sobre a resolução de sistemas e se
haviam aprendido esse conteúdo na Educação Básica.
Para a realização das atividades foram utilizadas duas aulas da disciplina de Geometria
Analítica e Álgebra Linear. No dia da aplicação estavam presentes quarenta e sete alunos
entre calouros (36 calouros) e não calouros (11 não calouros). Explicamos se tratar de uma
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Para simplificar a escrita utilizamos a palavra sistema para indicar um sistema de equações lineares.
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pesquisa e que manteríamos o anonimato dos participantes. Para isso, criamos um código: de
A1 a A36 para designar os calouros e de AA37 a AA47 para os não calouros.
Para as análises dos dados fizemos a leitura das respostas de cada uma das questões e,
conforme avançamos nas leituras, foram surgindo padrões que nos ajudaram a atribuir
significados mais gerais em relação às respostas dos sujeitos. Isso aconteceu com cada uma
das três primeiras questões e, para cada questão, elaboramos quadros que serviram para guiar
nossas análises. A seguir apresentamos os quadros referentes à questão 1 e ao item a da
questão 2, que serão o foco das análises desse trabalho:
Quadro 1: Organização das respostas referentes à primeira questão
Método de Resolução
Acertaram:
24 alunos
Não fizeram:
12 alunos
Realizaram a conversão Não realizaram a conversão
da resposta para língua
da resposta para língua
natural
natural
Adição:
15 alunos
A7, A12, A14, A16,
A18
A24, A34, A36, AA39
AA41, AA44, AA46,
AA47
A17
Substituição:
7 alunos
A2, A11, A27, AA40
A19, A22, A35
Tentativa e erro:
2 alunos
A4
A3
Interpretaram mas não
resolveram:
6 alunos
A8, A9, A20, A21, A23, A28
Não Interpretaram:
6 alunos
A1, A5, A6, A10, A29, A30
Interpretaram errado:
4 alunos
Erraram
11 alunos
Erraram os cálculos:
7 alunos
Método de Resolução
Realizaram
a conversão
para língua
natural
Não
realizaram
a conversão
para língua
natural
Adição:
2 alunos
AA37
AA45
Substituição:
2 alunos
A15, A26
Adição:
1 alunos
AA43
Substituição:
6 alunos
A31
A13,A25,A32
A33, AA38
Fonte: autores deste trabalho
Quadro 2: Organização das respostas referentes à questão 2 item a.
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Acertaram:
14 alunos
Não fizeram:
13 alunos
Encontraram uma solução particular:
13 alunos
A3, A4, A7, A12, A14, A15, A16
A18, A19, A24, A35, AA45, AA46
Acertou, porém não
expressou a solução:
1 aluno
AA47
A1, A5, A6, A9, A10, A20
A21, A28, A29, A30, A31, A32
Erraram:
20 alunos
Resolveram o sistema e
chegaram em 0 = 0 mas não
interpretaram a solução:
9 alunos
A2, A11, A25, A34, A36
AA39, AA40, AA41, AA43
Consideram x = 0 e y = 0:
2 alunos
A22, AA37
Tentaram resolver, mas
erraram o procedimento:
9 alunos
A13, A17, A23, A26, A27
A33, AA38, AA42, AA44
Fonte: autores deste trabalho
Na questão 4, dentre os 47 alunos que participaram da pesquisa, apenas 9 alunos
disseram que se lembravam de ter estudado o conteúdo sistemas de equações lineares na
Educação Básica. Não temos condições de saber se o conteúdo não foi trabalhado ou se os
alunos simplesmente não se lembram dos estudos. Mas, de todo modo, essa informação causa
preocupação devido à importância deste conteúdo para que os alunos possam dar sequência
aos estudos em nível Superior em diversas áreas do conhecimento. Nos Parâmetros
Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998) e nas Diretrizes Curriculares Estaduais para a
disciplina de Matemática (PARANÁ, 2008), encontram-se recomendações para o ensino de
sistemas de equações lineares no Ensino Fundamental e no Ensino Médio.
Para o Ensino fundamental 3º e 4º ciclos, os PCN (BRASIL, 1998), no que diz respeito
à conceitos e procedimentos, indicam que os alunos devem realizar a
[...] resolução de situações-problema por meio de um sistema de equações do
primeiro grau, construindo diferentes procedimentos para resolvê-lo, inclusive o da
representação das equações no plano cartesiano, discutindo o significado das raízes
encontradas em confronto com a situação proposta (p.88).
Já para o Ensino Médio, as DCE (PARANÁ, 2008, p.52) salientam que é necessário
“[...] aprofundar os estudos dos números, de modo a ampliar o conhecimento e o domínio
deste conteúdo para que o aluno [...]”, dentre outras coisas, “identifique e resolva equações,
sistemas de equações e inequações – inclusive as exponenciais, logarítmicas e modulares”
(PARANÁ, 2008, p.52).
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Embora o problema salientado pelas análises da questão 4 seja um importante ponto
de investigação, para esse trabalho optamos por tratar apenas da resolução da questão 1 e do
item a da questão 2, realizadas por um dos alunos.
A partir do estudo guiado pela organização dos quadros que apresentamos,
percebemos que alguns alunos repetiam procedimentos semelhantes para resolver os sistemas
e isso acabou por ocasionar alguns problemas em suas resoluções. Destes alunos, escolhemos
o aluno codificado por AA37 para que pudéssemos esclarecer alguns pontos que não ficaram
evidentes nas suas respostas às quatro questões. Preparamos uma entrevista semiestruturada, a
qual foi realizada com o aluno. A entrevista foi gravada em áudio e vídeo, o que nos
proporcionou novas compreensões a respeito de suas resoluções. Para o texto a seguir,
denominamos o aluno entrevistado e codificado por AA37 como Rafael, por considerarmos
que tornaria a leitura mais agradável.
Apresentação e análise dos dados: o caso do aluno Rafael
Apresentamos, na sequência deste texto, as análises dos registros escritos e da
entrevista realizada com o aluno Rafael7, do primeiro ano do Curso de Matemática de uma
instituição pública do interior do Paraná. Reiteramos que este aluno cursa pelo segundo ano
consecutivo a disciplina de Geometria Analítica e Álgebra Linear, ofertada à alunos do 1° ano
do Curso, com o mesmo professor, um dos autores deste trabalho. Portanto, ele já possui
alguns conhecimentos a respeito do conteúdo: sistema de equações lineares.
A opção por analisar os registros escritos e a entrevista desse aluno deve-se ao fato
dele apresentar erros semelhantes a outros colegas da turma, que consideramos pertinente
divulgá-los à professores de Matemática da Educação Básica e professores de Matemática do
Ensino Superior, com a intenção de alertá-los a respeito dos possíveis erros de seus alunos,
tanto da Educação Básica quanto do Ensino Superior. Afinal, conhecendo esses erros os
professores podem buscar a desestabilização dos mesmos.
A primeira atividade apresentada aos alunos refere-se a uma situação problema
configurando o registro em língua natural. Tínhamos a intenção de perceber como os alunos
resolveriam a situação problema, qual registro seria utilizado – algébrico, numérico, matricial
- e se eles apresentariam resposta coerente à pergunta indicada no problema, na forma de
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Nome fictício atribuído ao aluno entrevistado AA37, para preservar seu anonimato.
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registro em língua natural, fazendo o uso de conversões entre os registros, assim como sugere
Duval (2012). Também tínhamos interesse em saber se as respostas estavam coerentes com o
problema proposto, assim como alerta D‟Amore (2005).
A seguir, apresentamos a situação problema:
Situação problema: Numa turma do 1º ano do Curso de Matemática, a professora de geometria analítica
enviou para o grupo de e-mails da turma uma lista de exercícios relacionados à determinantes e multiplicações
de matrizes. Sabe-se que o número de exercícios relacionados a determinantes mais três vezes o número de
exercícios contendo multiplicações de matrizes, totaliza 29 exercícios. No entanto, quatro vezes o número de
exercícios de determinantes menos o dobro da quantidade de exercícios de multiplicação é igual a 18.
Considerando estas informações, especifique a quantidade de exercícios relacionados a determinantes e a
quantidade de exercícios relacionados a multiplicação de matrizes presentes na lista enviada pela professora.
Representando por x o número de exercícios relacionados a determinantes, e por y o
número de exercícios referentes a multiplicação de matrizes, Rafael converteu o problema da
língua natural para o registro algébrico e o resolveu pelo método da Adição, conforme
indicam seus registros na figura 1.
Figura 1: Registro algébrico do aluno Rafael
Fonte: autores deste trabalho
Nota-se que o aluno realizou uma interpretação errada ao converter da língua natural
para o registro algébrico, pois a segunda equação do sistema deveria ser: 4 x  2 y  18 para
corresponder adequadamente o que o exercício indicou: quatro vezes o número de exercícios
de determinantes menos o dobro da quantidade de exercícios de multiplicação é igual a 18.
Por consequência, o resultado do sistema foram os números fracionários x 
38
49
e y  , que
3
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não fazem sentido como solução do problema proposto, afinal, não podemos ter números
fracionários como quantidade de exercícios.
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Contudo, Rafael não deu atenção ao fato de os números encontrados fazerem ou não
sentido como solução do problema, e realizou a conversão do registro algébrico para o
registro numérico, com a intenção de conferir se seus cálculos estavam corretos, conforme
indica a figura a seguir:
Figura 2: Registro numérico do aluno Rafael
Fonte: autores deste trabalho
O registro de Rafael indica que ele realizou conversão do registro algébrico para o
numérico, na busca pelo equilíbrio da igualdade. Este fato pode ser confirmado no fragmento
de diálogo entre professor e aluno, durante a entrevista:
Rafael: [...] Aqui eu acho que eu substitui os valores pra ver se dava a igualdade, se permanecia a
igualdade, permaneceu! 29 = 29.
Professor: Qual igualdade você diz?
Rafael: É, peguei uma equação, substitui os valores que achei para x, substitui os valores que achei pra
y, isso igual a 29, ai, os valores de x mais 3 vezes o valores de y é igual a 29, isso resultou em 29 = 29.
Então são 38/3 exercícios relacionados a determinantes e 49/9 exercícios relacionados a multiplicação
de matrizes.
Assim, nota-se que conscientemente Rafael verificou seus cálculos matemáticos,
passando do registro algébrico para o numérico. Podemos inferir que, do ponto de vista de
Duval (2012), o aluno fez conversão do registro algébrico para o registro numérico, fato que é
positivo para a aprendizagem matemática, pois o processo cognitivo realizado para
compreender a matemática mobiliza sempre, pelo menos, dois registros (Duval 2011).
No entanto, Rafael não faz reflexões a respeito dos valores encontrados, se eles são
coerentes com a pergunta do enunciado do problema, fato indicado na figura 3:
Figura 3: resposta na língua natural dada pelo aluno Rafael
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Fonte: autores deste trabalho
Desse modo, percebe-se que o aluno não se preocupou em refletir sobre a pergunta do
enunciado do problema, mas apenas com os dados matemáticos. Este fato é alertado por
D‟Amore (2005), no qual o pesquisador menciona que “[...] o sentido da pergunta contido nos
problemas de Matemática, não é levado em conta; o que vale mesmo é utilizar dos dados
numéricos explícitos que aparecem” (p. 79).
Continuando a entrevista com a intenção que o aluno percebesse que sua resposta não
estava coerente com a pergunta proposta no enunciado do exercício, o professor prossegue o
diálogo:
Professor: Você acha que sua resolução está correta?
Rafael: Eu acho que sim.
Professor: E a resposta também?
Rafael: Aham, sim... teve algum erro?
Professor: Não sei, mas você acha que sua resposta é coerente com o problema proposto?
Rafael: É... que na verdade deu fração né? Mas eu peguei os valores de x e y.... Não, deixa eu ver..., os
valores de x e y deu certo, eu acredito que está tudo certo!
Professor: Você acha que está certo! A gente poderia ter como resposta esses valores para o problema
proposto?
Rafael: Verificando o problema, é meio difícil né, ter um número quebrado como exercícios, eu não
tinha pensado nisso. Será que eu fiz conta errada, para a igualdade ter sido válida?
Professor: Não sei, você pode conferir?
Rafael: (confere os cálculos) O resultado bateu! Só que se for analisar, o problema não pode estar
correto.
Professor: Por quê?
Rafael lê novamente o enunciado o exercício, e diz:
Rafael: Porque eu acredito que não tem como a professora me enviar 38,3 exercícios, você vai enviar
metade de um exercício? Isso que eu estou querendo especificar.
Professor: Mas você acha que tem algum erro?
Rafael: Não, na resolução do exercício eu acredito que não.
Professor: E o que você acha que aconteceu, você está achando estranho a resposta?
Rafael: Certo! Pela equação que foi dada, os únicos valores que vai satisfazer a equação são x  38 e
3
49 .
y
9
Nesse fragmento de diálogo, nota-se certo desconforto do aluno ao perceber que o
resultado fracionário (o qual o aluno se refere à número quebrado, e menciona de modo
incorreto 38,3 no lugar de
38
). No entanto, sua preocupação prioritária continua sendo com
3
os cálculos matemáticos. Pois, o aluno confere novamente seus cálculos, e afirma que a
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resposta ao problema são os números fracionários, conforme indica sua frase: Certo! Pela
equação que foi dada, os únicos valores que vai satisfazer a equação são x 
38
49
e y .
3
9
Assim como menciona D‟Amore (2005), o aluno não se atenta ao problema que lhe foi
proposto. Ele não percebe que a interpretação do enunciado poderia estar incorreta. Com a
intenção de favorecer Rafael a perceber que sua interpretação estava incoerente, o professor
prossegue com a entrevista:
Professor: Ou seja, de acordo com o sistema que você interpretou, os seus cálculos estão corretos e sua
resposta está correta?
Rafael: Estão corretos!
Professor: Mas, em relação à interpretação do problema para o sistema na representação algébrica,
você pode conferir pra mim, se ele está correto ou não?
Rafael: Posso, vamos ver aqui.
Rafael realiza a leitura do problema, e percebe seu erro na interpretação da segunda equação:
Rafael: [...] 4x-6y, é..., será que é aqui o erro? Vou conferir de novo. Quatro vezes o número de
exercícios de determinante, menos o dobro, é menos 2y mesmo, e não 6y! Eu peguei o 3y da outra
equação, então não seria 6, seria 2.
Professor: E vai dar outro resultado?
Rafael: Vai dar outro resultado bem diferente.
Professor: E quando você resolveu, você chegou a refletir sobre isso?
Rafael: Não, não pensei no que propunha o exercício, que tinha que ser exercícios e não apenas uma
conta. Não liguei que tinha que dar um número inteiro, que não podia dar um número irracional.
[...]
Rafael: Acho que agora a gente tem que estar mais ligado em todas as informações que tem no texto, se
tem uma informação você não acha que não vai usar ela, todas as informações você vai ter que usar uma
hora.
Notamos a resistência do aluno em perceber que o erro poderia estar na interpretação
do enunciado. Somente após as indagações do professor, com a intenção de favorecer
reflexões do aluno a respeito de sua resposta e da interpretação do enunciado do exercício,
que Rafael reconheceu seu erro de interpretação. Segundo D‟Amore (2005), o motivo de
comportamento como esse apresentado por alunos, deve-se a uma cláusula do contrato
didático, que o autor denomina por cláusula de delega formal:
O estudante lê o texto, decide qual operação deve efetuar com os números
fornecidos; nesse instante dispara a cláusula de delega formal: o estudante não
precisa mais raciocinar ou verificar [...] o compromisso do estudante terminou,
agora é a responsabilidade do algoritmo de trabalhar com ele. A tarefa seguinte do
estudante será a de transcrever o resultado, qualquer que seja ele, não importando o
significado no contexto do problema (D‟AMORE, 2005, p. 80 - 81).
Assim, a cláusula de delega formal, pode ser indicada nas respostas de Rafael e
exemplificada em sua frase: Não, não pensei no que propunha o exercício, que tinha que ser
exercícios e não apenas uma conta. Não liguei que tinha que dar um número inteiro, que não
podia dar um número irracional.
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Nota-se, ainda, outro equívoco na resposta de Rafael, ao afirmar que os números
38
e
3
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são irracionais. Este erro em classificar frações como números irracionais tem sido
9
evidenciado em algumas pesquisas. Como exemplo, mencionamos a pesquisa de Rezende
(2013) na qual, dentre os 7 alunos entrevistados do Ensino Fundamental, 5 alunos
classificaram o número racional
2
como irracional. Além disso, os resultados de sua
3
pesquisa, juntamente com os resultados de Fichbein, Jehian e Cohen (1995), levaram a
pesquisadora a indicar um possível teorema em ação falso 8 implícito nas respostas dos alunos
investigados nestas pesquisas: Se x não é um número inteiro, então x é irracional. Rezende
(2013) mostra em sua pesquisa que a natureza dos números é um ponto delicado no ensino da
Matemática que merece atenção por parte dos educadores.
A atividade 2 consistiu na apresentação de dois sistemas de equações lineares na
representação algébrica para os alunos resolverem – o primeiro sistema tratava-se de um
sistema linear de ordem dois, compatível e indeterminado. Enquanto o segundo sistema era de
ordem 3, compatível e determinado. Para o caso do sistema de ordem três, compatível e
determinado, Rafael o resolveu corretamente pelo método de Cramer. Por isso, a análise
apresentada na sequência deste texto, refere-se ao sistema de equações lineares
, cujo registro de resolução de Rafael está disponibilizado a seguir:
Figura 4: registro algébrico de Rafael
Fonte: autores desta pesquisa
Notamos um erro na solução apresentada por Rafael. Ao multiplicar a primeira
equação por 4 e diminuir os respectivos termos das equações, ele obtém como resultado
8
Teorema em ação falso é um termo divulgado pelo pesquisador francês Gérard Vergnaud, e refere-se a uma
categoria de conhecimento implícito nas respostas dos alunos (VERGNAUD, 1990).
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0  0  0 . A partir desta igualdade, ele conclui que x  0 e y  0 . Contudo, notamos que esta
resposta é incorreta e não é nem ao menos uma solução particular do sistema, pois ao
substituirmos x  0 e y  0 em qualquer uma das equações obtemos uma contradição.
Durante a entrevista, ao ser solicitado que explicasse como resolveu este sistema,
Rafael responde:
Rafael: Hum, deixe eu ver... multipliquei a primeira linha por 4, pra zerar o x, -12x -4y=20, 4 vezes 5
igual a 20, zerou aqui, zerou aqui e zerou aqui, então x=0 e y=0, o sistema é incompatível e
indeterminado, tem muitas soluções, infinitas soluções!
Professor: Mas por que você fez os cálculos e falou que terá infinitas soluções, o que te levou a pensar
nisso?
Rafael: Porque se a gente montar o gráfico dessa equação aqui, a gente vai obter uma reta, sobre a
mesma reta, e sobre uma reta, passa infinitos pontos.
Professor: Por que que você sabe que vai acontecer isso?
Rafael: Porque a gente chegou que 0 é igual a 0!
A análise deste fragmento de diálogo entre professor e Rafael mostra o quanto o
registro escrito deixa oculto os conhecimentos dos alunos. Ao dar voz a Rafael, percebemos a
presença do registro gráfico como parte da interpretação da solução do sistema, o que não é
possível identificar no registro escrito. Provavelmente, por se lembrar das aulas da disciplina
de geometria analítica já vivenciadas no Curso de Matemática, ele associa corretamente a
solução do sistema indeterminado com a representação gráfica de uma única reta. Rafael
percebe que quando chega numa igualdade verdadeira, mas que não é possível determinar
valores de x e y, o sistema não pode ser incompatível, como pode ser conferido em sua fala:
Porque eu cheguei que 0 é igual a 0, então, não tem nada de absurdo nisso!
O fato de Rafael associar a solução do sistema indeterminado com o registro gráfico
de uma única reta é um ponto positivo para a compreensão do conteúdo sistemas de equações
lineares, sobretudo do ponto de vista de Duval (2012), que defende que para se compreender
um conceito matemático é necessário conhecer e articular suas diferentes representações. De
acordo com Duval (2012), a compreensão de um conceito limitada a apenas um registro “[...]
conduz a um trabalho às cegas, sem possibilidade de controle do „sentido‟ daquilo que é feito”
(p. 283).
Mas o professor, querendo ouvir de Rafael justificativas para apresentar como a
solução nula para o referido sistema, questiona se 0  0  0 é ou não solução do sistema, e
Rafael responde:
Rafael: Que eu dei aqui é uma solução né.
Professor: É uma solução do sistema?
Rafael: Não, não é uma solução do sistema. 3 vezes 0 dá 0, menos 0 dá 0 e não é igual a 5, é diferente
de 5! Uma solução do sistema seria 6 e 1! Ops, 2 e 1! É porque eu já fiz a conta direto.
Professor: Então, você está de acordo ou não, com a sua solução?
Rafael: Não.
XII EPREM – Encontro Paranaense de Educação Matemática
Campo Mourão, 04 a 06 de setembro de 2014
ISSN 2175 - 2044
Novamente, percebe-se que o aluno não havia refletido a respeito da resposta
apresentada. Assim, como menciona D‟Amore (2005) ao se referir à cláusula de delega
formal, Rafael não faz reflexões sobre a solução apresentada, ele se preocupa apenas com o
algoritmo e cálculos matemáticos. Mas, ainda querendo saber a respeito da solução do
sistema, o professor questiona e Rafael responde:
Rafael: A solução seria... infinito.
Professor: A solução seria infinito? O que significa a solução igual ao infinito?
Rafael: Que ela tem infinitas soluções! Não estou certo? Eu não sei se eu vou cometer um erro mas, eu
acho que a solução é (o aluno escreve S = R, representando o conjunto dos números reais), é isso?
Professor: Qualquer número real é solução?
Rafael: Sempre um vai estar dependendo do outro né? Se eu atribuir um valor pra x eu vou ter que
pensar num valor para atribuir pra y, porque se não, não vai dar. Então, não é qualquer número real?
Não sei definir qual seria a solução.... Sempre que atribuir um valor, vou conseguir outro valor que seja
compatível à ele, mas não posso colocar qualquer número real ali... teria que ter uma restrição pra isso...
Não, não sei definir uma solução para esse exercício não.
Professor: E vai existir solução?
Rafael: Vai, sempre vai existe solução.
Professor: Tem alguns sistemas que não tem solução?
Rafael: Incompatível.
Professor: E esse não é um caso de sistema incompatível?
Rafael: Não. Não é um sistema incompatível.
Professor: Por quê?
Rafael: Porque eu cheguei que 0 é igual a 0, então, não tem nada de absurdo nisso.
Com este fragmento de diálogo podemos inferir que houve momentos de
aprendizagem para Rafael durante a entrevista, favorecendo ao aluno refletir a respeito de sua
resposta. Embora ele não consiga exibir a solução do sistema, ele percebe que não é qualquer
número real que satisfaz as equações do sistema, como ele mesmo afirma: Sempre que
atribuir um valor, vou conseguir outro valor que seja compatível à ele, mas não posso
colocar qualquer número real ali...teria que ter uma restrição pra isso.
Considerações
Conforme mencionamos, a pesquisa ainda encontra-se em fase de desenvolvimento.
Pretendemos entrevistar outros alunos do primeiro ano de Matemática com a intenção de
adquirir outras informações a respeito dos conhecimentos desses alunos sobre sistemas de
equações lineares. No entanto, como os registros escritos já foram agrupados,
disponibilizados nos quadros 1 e 2, percebemos que alguns dados são, no mínimo,
preocupantes, pois na primeira atividade relacionada a uma situação problema com apenas
duas equações e duas incógnitas, apenas 24 dentre os 47 alunos acertaram o resultado do
problema. Já na questão 2, item a, que se tratava de um sistema indeterminado de duas
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equações e duas incógnitas, um único aluno apresentou a solução geral adequadamente, treze
alunos apresentaram uma solução particular e vinte alunos erraram a resolução.
Contudo, ao entrevistarmos o aluno Rafael percebemos em seu diálogo conhecimentos
implícitos que foram transparecendo no decorrer da entrevista. Podemos inferir que a
entrevista favoreceu momentos de aprendizagem para o aluno, como exemplo, podemos citar
o momento em que ele percebeu que suas respostas nas duas questões apresentadas não
faziam sentido para as questões propostas e que ele não havia refletido a respeito de suas
respostas. Além disso, dialogando com Rafael pudemos perceber as ideias de tratamento e
conversão propostas por Duval (2012), que indicam que, em alguns momentos, Rafael
apresenta indícios de aprendizagem do conceito de sistema de equações lineares.
Esperamos que os resultados deste trabalho possam favorecer docentes da Educação
Básica e de Cursos de Matemática a refletirem a respeito da aprendizagem de seus alunos
sobre os sistemas de equações lineares e, sobretudo, em relação à importância de se explorar
as diferentes representações semióticas em suas aulas de Matemática.
Referências
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação. Parâmetros Curriculares
Nacionais: Matemática. Brasília, 1998.
D‟AMORE, B. Epistemologia e Didática da Matemática. Trad. Ana Cristina Bonomi
Barufi. São Paulo: Escrituras Editora, 2005.
DUVAL, Raymond. Ver e ensinar a matemática de outra forma: entrar no modo
matemático de pensar: os registros de representação semióticas. Org.: Tânia M. M. Campos;
tradução: Marlene Alves Dias. 1ed. São Paulo: PROEM, 2011.
______. Registros de Representação Semiótica e Funcionamento Cognitivo do
pensamento. Revemat. Florianópolis, v. 07, n. 2, p.266-297, 2012.
PARANÁ, Diretrizes Curriculares de Matemática para as séries finais do Ensino
Fundamental e para o Ensino Médio: Matemática – Curitiba: Secretaria de Estado da
Educação, 2008.
REZENDE, Veridiana. Conhecimento sobre números irracionais mobilizados por alunos
brasileiros e franceses: um estudo com alunos concluintes de três níveis de ensino. Tese de
doutorado. Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciências e a Matemática, UEM,
Maringá, 2013.
VERGNAUD, Gérard. La théorie des champs conceptuels. Recherche en Didactique des
Mathématiques. Grenoble : La Pensée Sauvage, vol. 10, n. 2.3, pp. 133 a 170, 1990.
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