ANA CLÁUDIA MORAES JULIANO FIGURAS DE LINGUAGEM NO DISCURSO PUBLICITÁRIO: ANÁLISE DE ANÚNCIOS EM REVISTAS MARÍLIA 2006 2 ANA CLÁUDIA MORAES JULIANO FIGURAS DE LINGUAGEM NO DISCURSO PUBLICITÁRIO: ANÁLISE DE ANÚNCIOS EM REVISTAS Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Comunicação, Linha de Pesquisa: Produção e Recepção de Mídia, da Faculdade de Comunicação – Universidade de Marília, como exigência parcial para obtenção do grau de Mestre em Comunicação Orientadora: Profª. Drª. Elêusis Mirian Camocardi MARÍLIA 2006 3 UNIVERSIDADE DE MARÍLIA FACULDADE DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E TURISMO REITOR MÁRCIO MESQUITA SERVA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO COORDENADORA PROFª DRAª SUELY FADUL VILLIBOR FLORY ÁREA DE CONCENTRAÇÃO MÍDIA E CULTURA LINHA DE PESQUISA PRODUÇÃO E RECEPÇÃO DE MÍDIA ORIENTADORA PROFª DRª ELÊUSIS MIRIAN CAMOCARDI 4 FOLHA DE APROVAÇÃO FIGURAS DE LINGUAGEM NO DISCURSO PUBLICITÁRIO: ANÁLISE DE ANÚNCIOS EM REVISTAS UNIVERSIDADE DE MARÍLIA MESTRADO EM COMUNICAÇÃO Mestranda: ______________________________________ Ana Cláudia Moraes Juliano Banca Examinadora _______________________________________ Profª. Drª. Lucilene dos Santos Gonzales _______________________________________ Prof. Dr. Altamir Battoso _______________________________________ Orientadora: Profª. Drª. Elêusis Mirian Camocardi Data da aprovação: _____/______/______ 5 AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus por ter me dado saúde para seguir essa caminhada. À orientadora Dra. Elêusis Mirian Camocardi que, com paciência, incentivo, dedicação e competência tornou possível a realização deste trabalho. Aos meus pais Weide e Ivany por acompanharem a realização deste trabalho, sempre incentivando e colaborando para eu alcançar mais um objetivo. 6 JULIANO, Ana Cláudia Moraes. Figuras de Linguagem no Discurso Publicitário: Análise de Anúncios em Revistas. 2005. 132f. Dissertação (Mestrado em Comunicação) – Faculdade de Comunicação, Educação e Turismo, Universidade de Marília, Marília/SP. RESUMO Este trabalho tem por objetivo analisar a linguagem usada no discurso publicitário escrito, através de anúncios publicados em revistas. O texto publicitário é uma forma de comunicação de massa, e pretende transmitir informações e incitar as pessoas a certos comportamentos. Com base nesta premissa, analisam-se as funções da linguagem publicitária, que possui recursos próprios e são utilizadas para chamar e prender a atenção do leitor e fazê-lo memorizar a mensagem. Destacam-se também a importância do discurso verbal e não verbal, pois a combinação de texto verbal e ilustração torna-se cada vez mais importante para fazer com que o anúncio fique mais criativo, estruturado e racional para provocar no leitor mudanças de opinião e de comportamento. Abordarse-á a ideologia e a persuasão no discurso publicitário, porque até certo ponto a linguagem publicitária é reflexo da ideologia dominante dos valores em que a sociedade acredita. A dissertação tratará ainda da retórica, que nasceu entre os gregos e foi se transformando em mero sinônimo de recursos embelezadores do discurso, e nos dias atuais, tem a preocupação de estudar as figuras de linguagem e as técnicas de argumentação. Serão estudados os processos de articulação dos raciocínios textuais, como a possibilidade criada pelo uso das figuras de linguagem e sua classificação segundo a Retórica Geral de Jean Dubois e outros. E finalizando, analisará alguns anúncios publicitários escritos, mostrando uma combinação do discurso verbal e não verbal, com o objetivo de tornar a mensagem publicitária criativa. Palavras-chave: Discurso verbal e não verbal; retórica; figuras de linguagem. 7 JULIANO, Ana Cláudia Moraes. Figures of language in the advertising executive discourse: analysis of announcements in magazines. 2005. 132f. Dissertation. (Master in Communication) – Faculdade de Comunicação, Educação e Turismo, Universidade de Marília/SP. ABSTRACT This work aims at analysing the language used in the writing publicity discourse, through the advertisements announced in magazines. The publicity text is a way of communication of mass and intend to transmit information and to incite people to have certain behaviours. Based on this proposition, we analyse the functions of the publicity language, which has its own resources and it is utilized to get and call attention of the reader and makes him to memorize the message. We emphasize the importance of the verbal and no-verbal speech, because the combination of verbal text and illustration becomes more and more important to make the advertisement to convert itself in something more creative, organized and with reasoning to provoke changes in the reader’s opinions and behaviours. We will board the ideology and the persuasion in the publicity discourse, because we can consider the publicity language as a reflection of the dominant ideology of the values in which the society believes. The dissertation will treat of Rhetoric which was born among the Greeks and was transforming itself in a simple synonym of embellish resources of the discourse and nowadays, it has the preoccupation of studying the figures of language and its argumentation techniques. We will study the process of articulation of textual reasonings with the possibility created by the use of the figures of language and their classification according to the book General Rhetoric by Jean Dubois and other authors. And finally, we will analyse some writing publicity advertisements, showing a combination of verbal and no-verbal discourse with the objective of becoming more creative the publicity message. Keywords: Verbal and no-verbal discourse; Rhetoric, figures of language. 8 SUMÁRIO Resumo Abstract INTRODUÇÃO........................................................................... 09 1 1.1 1.2 1.3 A LINGUAGEM PUBLICITÁRIA................................................ Características.......................................................................... Funções da linguagem............................................................. Mensagens verbal e visual...................................................... 13 14 19 30 2 IDEOLOGIA 2.1 2.2 2.3 PUBLICITÁRIO.......................................................................... Discurso publicitário e ideologia............................................ Signo e ideologia...................................................................... Persuasão no texto publicitário.............................................. 3 3.1 ARTE DA RETÓRICA................................................................ 44 Elementos históricos: da retórica clássica à retórica 3.2 moderna.................................................................................... Retórica e publicidade............................................................. 44 51 4 4.1 4.2 4.3 TROPOS E FIGURAS DE LINGUAGEM................................... Conceito e história................................................................... Classificação............................................................................ Análise de anúncios publicitários.......................................... 55 55 59 77 E PERSUASÃO NO DISCURSO 34 34 37 41 CONCLUSÃO............................................................................ 127 REFERÊNCIAS.......................................................................... 130 9 INTRODUÇÃO O discurso publicitário pode ser considerado o braço direito da tecnologia moderna, por apresentar mensagens criativas, inovadoras, inusitadas, com a utilização crescente de novos recursos tecnológicos. Os recursos estilísticos adotados pelas mensagens publicitárias correspondem em geral à retórica, e se propõem a examinar, descrever, perceber e avaliar atitudes que venham a influenciar percepções de sentimentos e ações empregadas através de palavras com diferentes 10 conotações. Estes recursos permitem que a publicidade cumpra sua finalidade de persuasão e exerça a função psicológica. A visão sociológica presume que não se dirige a ninguém em especial; a publicidade dá a cada um a ilusão de que se dirige a ele individualmente e, ao mesmo tempo, o faz ter consciência de ser membro de uma cidade. A palavra tem poder de criar, destruir, de prometer e negar e a publicidade usa desses recursos como principais instrumentos para convencer o receptor da mensagem a adquirir o produto veiculado. Antigamente, a retórica tinha a preocupação de estruturar o discurso, fazê-lo de forma convincente, elegante, com arte, com recursos embelezadores; hoje busca-se ensinar técnicas de persuasão. Este novo papel está ligado ao estudo das figuras de linguagem e ao das técnicas de argumentação, ou seja, estudar a organização discursiva para apreender os procedimentos que permitem a adesão de um ponto de vista àquelas idéias que lhes são apresentadas. Os processos de articulação dos raciocínios textuais surgem como possibilidade criada pelo uso das figuras de linguagem. Este trabalho tem por objetivo analisar a linguagem utilizada no discurso publicitário escrito, através de anúncios publicados em revistas, com suas características, e também verificar a importância do discurso verbal e não verbal, uma vez que a combinação de texto verbal e ilustração torna-se cada vez mais importante para expressar os sentidos e provocar mudanças de opinião. Discutir-se-á a Ideologia, a persuasão e a retórica como recursos 11 para expressar o pensamento dominante e os valores em que a sociedade acredita, bem como a maneira como se enxerga o mundo. O primeiro capítulo abordará o estudo da linguagem publicitária, destinada a apresentar características reais do produto e também características subjetivas do produto, com a finalidade de argumentar para persuadir os indivíduos a mudarem de atitudes diante do que lhes é oferecido. A linguagem dos anúncios deve ser rápida, leve, coloquial para atrair o leitor e facilitar o conhecimento da mensagem que é transmitida, fato este que será estudado nas funções da linguagem, cada uma com um anúncio exemplificativo para demonstrar alguns recursos lingüísticos usados, já que são estes que importam na realização da mensagem publicitária. A organização das funções pode torná-la mais criativa, estruturada e apelativa, com a finalidade de provocar no leitor mudanças de opinião. No capítulo 2, observar-se-ão a ideologia e a persuasão no discurso publicitário, porque até certo ponto a linguagem publicitária é reflexo da ideologia dominante dos valores em que a sociedade acredita. Reconhecemos que a ideologia é um componente necessário da vida humana, pois, se não nos apegássemos a certas atitudes e formas de pensar, nossa consciência estaria num fluxo constante, que nos paralisaria por completo. Como recurso persuasivo, ou de convencimento, a publicidade recorre a apelos verbais e visuais, com o objetivo de fazer o leitor acreditar naquilo que se propõe através de idéia básica ou tema. Esses apelos podem vir concretizados em imagens, formas, cores, volumes, gestos, olhares, 12 expressão corporal em rostos belos, em ídolos, artistas, heróis, esportistas e em ambientes sugestivos, elegantes capazes de traduzir sensualidade, charme, erotismo, beleza, esportividade e prestígio. O capítulo 3 tratará da retórica, visto que na antiguidade o estudo da persuasão, que nasceu entre os gregos, pressupõe conhecimentos do domínio da expressão verbal com a necessidade de exposição pública das idéias para justificar uma certa democracia. A ela competia o manejo hábil das formas de argumentação. A retórica foi se transformando em mero sinônimo de recursos embelezadores do discurso, ganhando até um certo tom pejorativo. Um pouco dessa posição preconceituosa se deve a certas visões teóricas, como as desenvolvidas no século XVIII e XIX, quando os estudiosos não a tratavam apenas como questão de método compositivo, e de estruturação gramatical, mas buscavam com as figuras de retórica o melhor enfeite, a palavra mais bela. Com o passar dos anos, a retórica foi tendo suas funções alteradas: da preocupação com as técnicas de organização do discurso e com a persuasão, o que se irá presenciar no final do século XIX é uma vinculação da retórica com a idéia de embelezamento do texto. O novo papel da retórica está ligado a duas questões importantes: a do estudo das figuras de linguagem e o das técnicas de argumentação, ou seja, estudar a organização discursiva a fim de apreender os procedimentos que permitem ligar a adesão de um ponto de vista àquelas idéias que lhes são apresentadas. Refere-se a processos de articulação dos raciocínios textuais, 13 como a possibilidade criada pelo uso das figuras de linguagem, tema que será abordado no capítulo 4, sua classificação segundo a obra Retórica geral de Jean Dubois e outros. O capítulo 4 ainda analisará alguns anúncios publicitários escritos extraídos de revistas, mostrando uma combinação do discurso verbal e não verbal, com o objetivo de tornar a mensagem publicitária criativa. Este trabalho seguirá um raciocínio didático, voltado para alunos de graduação, com o objetivo de incentivá-los ao estudo das figuras de linguagem, tendo como classificação outras teorias existentes e portanto com nomenclatura diversa da costumeira, mas que podem ser encontradas também no discurso publicitário escrito com freqüência, como em revistas veiculadas em todo os meios de divulgação. 1 A LINGUAGEM PUBLICITÁRIA Para se definir com exatidão e clareza a linguagem publicitária, torna-se necessário tecer algumas considerações sobre a noção de texto. Segundo Platão & Fiorin (2000, p.11-12) “o texto não é um aglomerado de frases”. Isso quer dizer que todas as frases de um texto têm significado próprio e estão relacionadas entre si: “o significado das partes depende das correlações que elas mantêm entre si”. Além disso, um pequeno 14 texto não é parte isolada de um texto maior, a que se pode denominar contexto. Entende-se por contexto uma unidade lingüística maior onde se encaixa uma unidade lingüística menor. Assim, a frase encaixa-se no contexto do parágrafo, o parágrafo encaixa-se no contexto do capítulo, o capítulo encaixa-se no contexto da obra toda. (2000, p.12) Concluindo com os professores e críticos acima citados, há que se observar que uma leitura bem feita deve basear-se nas correlações que as frases mantêm num texto e que o significado desse texto só pode ser apreendido dentro de um contexto. Por isso, “uma boa leitura nunca pode deixar de apreender o pronunciamento contido por trás do texto, já que sempre se produz um texto para marcar posição frente a uma questão qualquer”. (2000, p.13) Mas essa correlação de significados não ocorre apenas com o texto verbal. O texto não verbal também possui estruturação interna, encadeamento de idéias, está inserido em contextos mais amplos. Na linguagem publicitária, o texto verbal assume relacionamentos com outros códigos, como a cor, a imagem, o movimento, o som. Um texto publicitário compõe-se de linguagem verbal e linguagem não verbal, intimamente relacionadas quanto ao significado. 1.1 Características 15 Segundo Vestergaard & Schroder (1988, p.14 apud GONZÁLES, 2003, p.14) “o texto publicitário é uma forma de comunicação de massa, cujos objetivos são transmitir informação e incitar as pessoas a certos comportamentos”. O texto publicitário apresenta as seguintes características: • é uma unidade de sentido estruturada por signos lingüísticos verbais e signos não-verbais, como ícones, imagens, símbolos; • é uma forma de comunicação de massa que se dirige a um público anônimo, desconhecido dos anunciantes; • é uma forma de comunicação de caráter informativo e, ao mesmo tempo, persuasivo, com finalidades ideológicas – divulgar as idéias (propaganda) – e comerciais – vender produtos e serviços (publicidade). Os termos propaganda e publicidade são utilizados indistintamente por muitos autores e profissionais da área publicitária, bem como no dia-a-dia do mercado embora usados como sinônimos, não significam rigorosamente a mesma coisa. A palavra propaganda deriva do latim propagare, que significa reproduzir por meio de mergulhia, ou seja, enterrar o rebento de uma planta no solo. Em outras palavras, propagare quer dizer “enterrar, mergulhar, plantar” (CHAISE, 2001, p.10). Pode-se entender como propagação de princípios, teorias, doutrinas. 16 Foi em Roma no ano de 1597, que o termo propaganda foi introduzido pelo Papa Clemente VII, quando fundou a Congregação da Propaganda, com o intuito de propagar a fé católica pelo mundo. Posteriormente, em 1740, o vocábulo foi introduzido no Dicionário da Academia Francesa, com o significado eclesiástico. Atualmente, a propaganda é definida como um conjunto de técnicas com a intenção de persuadir e influenciar as opiniões, e modificar as atitudes do público receptor. A palavra publicidade é de origem latina publicus, e quer dizer ato de divulgar, de tornar público. É a forma de divulgar produtos ou serviços, por meio de anúncios com o objetivo de interesse comercial. A propaganda abrange a divulgação de idéias como também a venda de produtos e serviços; a publicidade é o ato de divulgar, de tornar público. A diferença essencial entre publicidade e propaganda são os objetivos, que, na primeira, são comerciais, e, na segunda, não comerciais e sim ideológicos. Em contrapartida, a propaganda se assemelha à publicidade ao criar, transformar ou confirmar certas opiniões, empregando meios e técnicas que lhes são comuns. Assim, é possível afirmar que a publicidade é uma decorrência da propaganda, tendo em vista que ambas exercem uma ação psicológica no público pela divulgação de mensagens. A linguagem publicitária possui como modalidade técnica um certo grau de formalidade e de adequação à mensagem a ser expressa. Essa adequação segue a norma lingüística falada, para que o destinatário a 17 compreenda melhor, e também obedece às características do produto oferecido e à função persuasiva própria da publicidade. Desde o início do século XX, o discurso publicitário firmou-se pela criatividade e pela linguagem mais apurada e persuasiva, imitando o modelo americano das primeiras agências que chegavam ao Brasil que muito contribuíram para o aperfeiçoamento do sistema de propaganda no país. Predominam nos textos publicitários atuais, além da criatividade, a inovação, a originalidade, a busca de recursos retóricos, tanto no texto quanto na ilustração aperfeiçoada pela moderna tecnologia. (CAMOCARDI; FLORY, 2003,p.22) A linguagem usada pelas agências de publicidade nos anúncios e textos comerciais sofreu grandes modificações desde os primórdios da atividade propagandística até nossos dias. Historicamente, essas modificações aparecem nos anúncios desde a década de 20 com os textos de hoje, e essa evolução quanto à linguagem publicitária, a partir dos textos escritos por Monteiro Lobato, para divulgar o Biotônico Fontoura como remédio eficaz. Por volta de 1900, os Estados Unidos surgiram no cenário do mundo industrial e comercial, contribuindo para mudar a mentalidade negativa da publicidade de que anunciar é fraudar, existente ainda hoje em nosso meio, sobretudo da parte dos comerciantes sem clientela tradicional e fixa (MARTINS, 1997, p.33). No começo do século, além do cinema, aperfeiçoam-se também as grandes revistas norte-americanas, francesas e inglesas e mais um veículo publicitário apresenta um elemento novo de atração psicológica: a cor. Logo após a Segunda Guerra desenvolve-se um veículo 18 revolucionário: a televisão que coloca nos lares uma pessoa que quer vender um produto. O objetivo é atingir uma técnica em que o vendedor ao lado do cliente demonstre o momento adequado, o valor do produto anunciado, para que, no dia seguinte, realize a compra. A década de 50 trouxe o surgimento das escolas de comunicação e a multiplicação das agências de propaganda em todos os Estados. Com esses marcos, a linguagem publicitária transforma-se bastante, torna-se mais dinâmica e mais sintética e foge ao código formal da língua sem o abandonar totalmente, assimila o registro coloquial corrente nos grandes centros, com o objetivo de obter maior identificação com o grande público. Esses códigos lingüísticos, formal - usado no início, e o coloquial mais aceito agora, mostrarão daqui por diante as características dos produtos, uma vez que para uns é necessária a linguagem séria e correta para valorizar a nobreza, ou a espécie dos objetos, como jóias, saúde, bancos, empreendimentos. Para outros, é indispensável o uso de linguagem leve, rápida, coloquial, e até mesmo humorística, desde que atinja os consumidores, ou o seu nível social, como é o caso de sabões, cigarros, roupas, palha de aço, cerveja. A linguagem do anúncio publicitário precisa atrair o leitor e facilitar o conhecimento da mensagem que é transmitida. A publicidade busca novas formas nos anúncios, entre as quais se destacam: uma nova linguagem que seja adequada às rápidas mudanças quanto à moda, costumes, avanço nos meios de comunicação e nos produtos de consumo; como exemplo: eletrônicos, eletrodomésticos. A originalidade 19 nas mensagens adaptadas ao ritmo acelerado da vida urbana e o gosto por tudo o que é novo, diferente e simples, tais como as formas de linguagem da TV, rádios. Mudanças na abordagem das relações com o consumidor, seguindo conceitos de viver, com discursos que consideram que o prazer individual e imediato é o único bem possível, princípio e fim da vida moral, assim como estes exemplos: “pensamos em você...” “seu prazer de todos os dias”. Outro estilo de discurso publicitário, que substitui códigos antigos, as mensagens do teatro por formas mais agradáveis, mais polida e mais simpáticas, como se observa nos seguintes exemplos: “um perfume para sonhar...”, “o gosto de toda a gente será também o seu”. A promoção de um novo consumo dirigido para o que o público quer e não o que o fabricante deseja, e sim direcionado às necessidades psicológicas do indivíduo, às suas aspirações e aos desejos do consumidor. Para atingir os objetivos de divulgação e assimilação de idéias e de venda de produtos e serviços, a linguagem publicitária utiliza-se de funções, como poderemos verificar na seqüência do nosso trabalho. 1.2 Funções da Linguagem O estudo das funções da linguagem ganha destaque no discurso publicitário, pois as funções são utilizadas para chamar e prender a atenção do leitor e fazê-lo memorizar a mensagem. E isso se consegue, entre outros recursos, com destaque ao código lingüístico, com as técnicas que põem em 20 evidência a mensagem, cujo objetivo é a venda do produto/serviço ou a disseminação das idéias. Segundo Jakobson (1995, p.123-162), seis são as funções da linguagem, mas não se quer dizer que uma função exclua outra ou outras. O que há é, a rigor, o predomínio de uma ou outra. Assim, o interesse do ato comunicativo pode estar centrado mais no remetente, no codificador, na 1ª pessoa. O emissor fala de si mesmo, dá vazão a seus sentimentos, usa o pronome da 1ª pessoa, produz frases exclamativas, usa interjeições. A essa função dá-se o nome de função emotiva ou expressiva. Há predominância dessa linguagem em textos que revelam os emissores voltados para si mesmos, para os próprios sentimentos, expressando o seu emocional. Notase, por isso, a presença reiterada de verbos e pronomes em primeira pessoa e de pontos de exclamação, enfatizando os aspectos emocionais da linguagem dos emissores. Esse tipo de função tem forte presença na poesia lírica e, como é de se esperar, não é tão comum na linguagem publicitária. Observe-se, como exemplo, o anúncio publicitário da Jovem Pan, destinado a estudantes que possuem carteirinha que garantam benefícios culturais conquistados pela UNE e UBES e outros benefícios para economizar dinheiro: “Eu tenho, Eu vou! NA FAIXA! Com a carteira do Estudante Jovem Pan UNE/UBES você vai às melhores BALADAS e SHOWS EXCLUSIVOS” (REVISTA CLÁUDIA). 21 22 Na imagem, observamos a alegria e a satisfação de um jovem ao conseguir vantagem com descontos, utilizando carteiras de estudante JOVEM PAN UNE/UBES. No discurso verbal, através do uso pronominal de 1ª pessoa 23 do singular, eu e dos verbos ter e ir, EU TENHO, EU VOU, o rapaz afirma possuir os objetos do anúncio publicitário e o seu desejo de usufruir das vantagens oferecidas: na compra de livros (Submarino), de doces (Mr. Pretzels), de roupas (Sibéria, Cavalera), de lanches (Baked Potato, The Fifties) viagens (Central de Intercâmbio) divertimentos (Hopi Hari), cursos de idiomas (Yázigi), e até mesmo aluguel de filmes (Blokbuster), mensalidades de academias (Bio Ritmo Academia) e visitas a motel (Studio A Motel). O emissor transmite informações sobre o que tem e o que pretende realizar. Através do slogan “EU TENHO”, EU VOU! NA FAIXA!”, podemos detectar a função emotiva da linguagem. Daí a imagem refletir as emoções do olhar e do sorriso do anúncio. Linguagem verbal e visual complementam-se. O mesmo anúncio publicitário apresenta também a função apelativa ou conativa da linguagem, porque a função apelativa tem por objetivo mover o decodificador, o destinatário do código ao consumo de mercadorias ou ao uso de serviços. Quando o ato comunicativo externa forte apelo ao receptor, ao destinatário, ao interlocutor ou decodificador da mensagem, dizemos que predomina a função apelativa ou conativa, quando, na linguagem, há por parte do emissor o desejo de atuar sobre o receptor, levando-o a uma mudança de comportamento. E isso pode acontecer por meios de uma ordem, um apelo, uma sugestão, uma súplica. Trata-se, portanto, de uma função usada para se atrair a atenção do receptor e influenciá-lo a receber a mensagem. Na função apelativa, os verbos aparecem no modo imperativo e os vocábulos são cuidadosamente escolhidos a fim de envolver o receptor: 24 “Confira algumas vantagens” e são nomeadas dezessete empresas que oferecem descontos ao receptor. Nesse elenco de empresas observa-se a predominância da função referencial ou informativa. Não é difícil imaginar que na linguagem publicitária a função apelativa esteja muito presente, pois o objetivo é vender um bem de consumo, um produto, um serviço, ou uma idéia; é persuadir alguém, é levar alguém a um comportamento: “Beba Coca-Cola”. Vender um produto, atingindo, por exemplo a vaidade do leitor: “Não basta um bom shampoo para fazer a cabeça de uma mulher inteligente”; “Durma no colchão Castor”. (Revista Cláudia, dezembro 1998) A função referencial se destaca na linguagem técnica ou científica, em que os fatos estão em evidência e devem convencer o destinatário da mensagem e eventualmente levá-lo a agir. Emissor e receptor ficam em segundo plano, nem há a preocupação em dar especiais efeitos estilísticos à mensagem. O verbo está preferencialmente na terceira pessoa e com muita freqüência na voz passiva, tipo de predicado que tem como sujeito o elemento que na voz ativa é o objeto direto, sendo também freqüente o uso do pronome oblíquo se. A função referencial ou informativa, também chamada denotativa, é certamente a mais comum, porque é a mais usada no cotidiano. Ela privilegia o contexto e evidencia o assunto, o objeto, os fatos, os juízos. É a linguagem da comunicação, das descrições objetivas, das narrações convencionais, das dissertações, dos ensaios científicos, do discurso jornalístico, da correspondência oficial e comercial etc... (CAMOCARDI; FLORY, 2003, p.21) 25 Observemos a propaganda seguinte: 26 A referida propaganda é um exemplo da função referencial. Trata-se da publicidade do Programa do Governo em parceria com o Banco do Brasil para financiamentos: “Márcia sempre sonhou em ter oportunidade de estudar. O pai de Márcia foi ao Banco do Brasil e com os recursos do PRONAF, Programa Social do Governo Federal, fez um financiamento, aumentou a produção da sua propriedade e, assim, teve condições de realizar o sonho da sua filha: entrar para a Faculdade, hoje, além de estudar, Márcia pode contar as vantagens da conta Universitária do Banco do Brasil para ajudar na sua formação. É assim que o Banco do Brasil está ajudando a construir um Brasil melhor.” O discurso não verbal apresenta Márcia sonhando que está freqüentando Faculdade e prestando atenção às aulas e em destaque mostra como é o Cartão do Banco do Brasil que ela obterá para receber seu financiamento, caso venha a inscrever-se nesse programa. Esta função se destaca pelo grande teor de informação; os verbos estão na voz ativa: “O pai de Márcia foi ao Banco do Brasil...” “fez um financiamento... aumentou a produção... teve condições de realizar o sonho... Márcia pode contar...” Na função poética, a mensagem é posta em destaque. O emissor tem um cuidado especial na escolha das palavras, realçando sons que proporcionam significados diversos e empregando imagens sugestivas, a fim de expressar ou enfatizar a sua mensagem. Tome-se como exemplo o anúncio publicitário de Guttalax, cujo slogan é “A independência é uma pérola”, que apresenta como recurso estilístico a metáfora in praesentia (“em presença”), na comparação 27 estabelecida entre “independência” e “pérola”. A preocupação com a elaboração da mensagem não é característica exclusiva dos textos literários. Para auxiliar a memorização, por exemplo, os anúncios publicitários exploram a repetição sonora, como acontece neste texto: “Nunca tanta gente se juntou para ajudar no seu trabalho” (SERRANA – ao lado de quem produz). A repetição dos fonemas linguodenatis /tê/ (tanta – gente – juntou – trabalho); e constritivos /gê/ (gente, juntou), que constituem figuras de aliteração e as vogais nasais /û/ã/ê/ que emprestam musicalidade ao texto verbal. Encontramos a mesma exploração da linguagem com a presença marcante da função poética em propagandas políticas. É importante ressaltar que, em um mesmo texto, podem coexistir mais de uma função de linguagem. Todo texto informa alguma coisa; logo, a função referencial está sempre presente. Igualmente a função poética se faz presente em textos artísticos ou literários. Assim, dependendo da intenção do emissor ao elaborar sua mensagem, pode predominar uma ou outra função da linguagem num texto ou numa fala em que estejam sendo empregadas várias delas. Quando os enunciados procuram averiguar se o contato com o interlocutor está vivo, se o canal de comunicação está operando, fala-se em função fática. A função fática é predominante quando, num texto, emprega-se a linguagem para iniciar, prolongar, verificar, testar ou interromper a própria 28 comunicação. Esta função põe o canal de comunicação em destaque, verificando se o contato entre o emissor e o receptor continua sendo mantido. Na função fática, muitas vezes, ocorrem frases vazias, sem significado, que servem apenas para manter a conversação. Exemplo: “Afinidade é o que liga Roberto à Cláudia. Inovação é o que liga os dois à CTBC. Soluções em telefonia fixa, celular, internet banda larga e data center que deixam a comunicação simples. Para cada um falar do seu jeito. CTBC – A GENTE FALA DO SEU JEITO”. 29 No texto, nota-se o objetivo de pôr em destaque o canal de comunicação, em face da forte insistência em manter evidente o contato entre emissor e o receptor. Por isso, dizemos que há predomínio, portanto, da função fática da linguagem. No discurso publicitário encontramos muitos exemplos dessa função. A função metalingüística ocorre quando se discorre sobre o próprio código. É, na verdade, a própria linguagem que está em jogo. O emissor utiliza-se dela para transmitir ao receptor suas reflexões sobre ela mesma. Assim, o próprio código lingüístico é discutido e posto em destaque. Tome-se como exemplo a definição ou conceito de um vocábulo. O texto do lingüista brasileiro Francisco da Silva Borba (apud Mesquita, 2000, p.30) comprova nossas afirmações: (...) Se a linguagem é atividade mental e é capaz de expressar estados mentais, logo verificamos que linguagem e pensamento se relacionam muito estreitamente. Um depende do outro para desenvolver-se em larga escala. O pensamento só é exteriorizado pela linguagem. O lingüista, ao discutir a linguagem, utilizou-se dela própria para levar o receptor às suas reflexões. Nota-se, por exemplo, o emprego da função metalingüística em um texto em prosa ou não, que discuta a criação artística em si; um programa de televisão que debata sua função educativa; um filme que questione a própria arte cinematográfica; livros de lingüística ou 30 gramática que procurem estabelecer princípios para os diversos usos de linguagem. Também os dicionários são exemplos do uso da função metalingüística. Destaca-se a importância da função estética na linguagem publicitária porque essa função chama a atenção para o texto, para o código. As pessoas recebem muitos estímulos através de mensagens publicitárias, pois elas despertam e prendem a atenção do leitor, fazendo-o memorizar a mensagem. E isso se consegue com recursos que dão destaque ao código lingüístico, e com recursos que põem em evidência a mensagem, cujo objetivo é chocar ou causar estranhamento. Causar estranhamento no leitor não é só função da metáfora ou da metonímia ou ainda da linguagem figurada em geral. Muitos outros recursos têm esse objetivo. Averiguar quais são esses recursos, descrevê-los e, analisar anúncios publicitários nas linguagens verbal e visual são os objetivos desta pesquisa. Recursos de que se serve a linguagem publicitária para sua função estética ou poética são, entre outros, as figuras de harmonia, como a paronomásia, a aliteração, a sinestesia, a assonância; as figuras de construção, como: anadiplose, trocadilho, diácope, epizeuxe, pleonasmo, hipérbato, silepse; as figuras de pensamento: ironia, antítese, alusão, comparação, hipérbole; os tropos: imagem, metáfora, metonímia, símbolo, etc.; aspectos sintáticos, aspectos semânticos, linguagem figurada, letras ou combinações de letras que vamos chamar de exóticas, o jogo com a palavra e 31 com a frase feita (TAVARES, 1978, p.328-329). Alguns recursos lingüísticos também podem ser usados no discurso publicitário como a paronomásia, com o jogo de verbos: “ A mamãe disse para que nos amássemos e não para que nos amassemos” (Revista Cláudia, dezembro 1998, p.34) “Comparar antes de comprar”; outros recursos freqüentes em textos de propaganda e que visam dar ênfase à forma de comunicação são a rima, o ritmo e as aliterações, recursos todos que visam prender a atenção do receptor, fazê-lo ocupar-se com a mensagem, ajudá-lo a memorizá-la e, por fim, persuadi-lo a agir. 1.3 Mensagens Verbal e Visual Na nossa cultura, a combinação de texto verbal e ilustração torna-se cada vez mais importante. De um lado temos um texto com recursos lingüísticos para o desenvolvimento do anúncio publicitário com o objetivo de provocar mudanças de opinião nos leitores e por outro, linguagens não verbais que expressam sentido e utilizam também signos lingüísticos, com a diferença de que, na linguagem verbal, os signos são sons da língua (palavras), e no discurso não verbal os signos são explorados de forma imagética, sonora, pela cor, pelo movimento. Quando o texto e imagem coincidem nos veículos impressos, a relação mais freqüente entre um e outra é o que Barthes (apud 32 VESTERGAARD & SCHODER, 2000, p.31) chama de ancoragem, que significa um elo entre a imagem e a situação espacial e temporal que os meios puramente visuais de expressão não permitem estabelecer. Abrange tudo o que, no texto, apóia a imagem na realidade, ajudando-nos a interpretála. O texto também seleciona uma entre várias interpretações possíveis da imagem, razão pela qual se pode dizer que, enquanto uma imagem em si mesma é sempre neutra, se tiver título ou legenda nunca o será. Nesta função de ancoragem, o papel da linguagem é substituir a imagem ou completar seu sentido, elucidar em nível denotativo e conotativo 1 e agir como orientadora da significação. Na imagem, estão subentendidos seus significantes, uma rede flutuante de significados2 dos quais o leitor escolhe uns e rejeita outros, orientado pelo texto lingüístico que a acompanha. Segundo Barthes (1971), a linguagem tem o papel de sustentar a mensagem visando identificar os elementos da percepção denotativa icônica 3 e evitar erros de identificação trazidos pelas várias leituras possíveis. O que importa na realização da mensagem publicitária é a organização de processos para torná-la criativa, estruturada e com raciocínio 1 Denotação: “é a relação existente entre o plano da expressão e o plano do conteúdo. Desse modo, significado de denotativo é aquele conceito que um certo significante evoca no receptor. Em outras palavras, é o conceito ao qual nos remete um certo significante”. (PLATÃO & FIORIN, 2000, p.113) Conotação: “Um termo ou uma palavra, além do seu significado denotativo, pode vir acrescido de outros significados paralelos, pode vir carregado de impressões, valores afetivos, negativos e positivos. Assim, sobre um signo lingüístico, dotado de um plano de expressão e um plano de conteúdo, pode-se construir outro plano de conteúdo constituído de valores sociais, de impressões e reações psíquicas que um signo desperta. Esses valores sobrepostos ao signo constituem aquilo que denominamos de sentido conotativo e esse acréscimo de um novo conteúdo constitui a conotação”. (PLATÃO & FIORIN, 2000, p.114) 2 Significado é o efeito direto realmente produzido no intérprete pelo signo; é aquilo que é concretamente experimentado em cada ato de interpretação, dependendo portanto do intérprete e da condição do ato e sendo diferente de outra interpretação. Significante, parte fônica, ou imagem acústica de um fonema ou seqüência de fonemas provido de significação. (COELHO NETTO, 2001, p.72) 3 Ícone é um signo cuja conexão com o objeto repousa num certo tipo de similaridade. (VESTERGAARD & SCHRODER, 2000, p.35) 33 para provocar no leitor mudanças de opinião e de sentimentos, a fim de convencê-lo a assumir determinados comportamentos sobre um produto ou serviço. Erros são corrigidos, palavras são substituídas e termos desnecessários são retirados no processo de elaboração do texto com o objetivo de realizá-lo com características próprias da publicidade, pelo fato de ser destinado a controlar o comportamento, direcionar e sugerir decisões. Na organização da mensagem publicitária importa sobretudo o que é oferecido e como é oferecido, é o conteúdo e a expressão da mensagem (MARTINS, 1997, p.39). O plano do conteúdo é o relato de fatos que demonstram a idéia central ou tema. A disposição do enunciado depende da criatividade do redator e deve constituir a estrutura interna do texto formada por segmentos que convergem em seqüências lógicas para o tema ou núcleo. O plano da expressão é a forma, ou texto significante. A expressão é o texto perceptível revelador de uma realidade que utiliza os signos lingüísticos como instrumental, nos três níveis, o dos sons ou fonemas; o das apalavras; o das frases ou construções. (MARTINS, 1997, p.39) O conteúdo é formado por elementos que se referem às características objetivas e reais do produto-objeto do anúncio, a seus valores racionais e concretos, como os valores dirigidos às faculdades psíquicas dos receptores. E também os processos argumentativos e os juízos que acionam, como instrumentos, os campos da significação e da expressão das idéias. Essas partes do conteúdo apresentam-se em conjunto para explicar, comprovar e complementar o tema, compondo o plano de significação. Esta 34 significação é reforçada por conotações e recursos utilizados pelo redator, alcançando as figuras de linguagem e transformações devidas, para transmitir idéias. Quanto ao plano da expressão, utilizam-se elementos que constituem a forma expressiva, e que residem nos campos da morfologia e da sintaxe. A forma criativa aproveita os recursos lingüísticos para aprimorar a expressão do pensamento tais como: rimas, paronomásia, ritmo e outros recursos estilísticos e estéticos. Depois dessas considerações sobre as mensagens verbal e visual, ressaltamos que outra intenção deste trabalho é verificar qual é o lugar das determinações ideológicas neste complexo fenômeno que é a linguagem, analisar como a linguagem veicula a ideologia, mostrar o que é o ideologizado na linguagem; estes são os objetivos do próximo capítulo. 35 2 IDEOLOGIA E PERSUASÃO NO DISCURSO PUBLICITÁRIO 2.1 Discurso Publicitário e Ideologia Os aspectos que podem interessar ao estudo do discurso publicitário são o jurídico, o ético e o sociológico. Como aspecto sociológico, destaca-se a ideologia ou os valores que ganham ênfase no discurso publicitário, por seu reflexo sobre a linguagem. Aspectos éticos são, por exemplo, os que levaram à suspensão, pelo CONAR (Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária), de anúncios publicitários das indústrias de bebidas, cigarros, roupas, entre outros. Como exemplo, temos uma campanha publicitária da conhecida marca de roupas “BENETON”, exibida em vários países, que foi objeto de ação cautelar movida pelo Ministério Público de São Paulo, objetivando a sustação de sua veiculação. A peça publicitária mostrava a fotografia de um paciente de AIDS no exato momento de sua morte. A linguagem publicitária é, até certo ponto, reflexo e expressão da ideologia dominante dos valores em que se acredita; ela manifesta a maneira de ver o mundo de uma sociedade em certo espaço da história. Segundo o Dicionário da Língua Portuguesa, de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, ideologia é [...] pensamento teórico que pretende desenvolver-se sobre seus próprios princípios abstratos, mas que, na realidade, é a expressão de fatos, principalmente sociais e econômicos, que são levados em conta ou não são expressamente reconhecidos como determinantes 36 daqueles pensamento. (1986, p.913) No Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa (2001, p.1565), ideologia pode ser definida como [...] sistema de idéias (crenças, tradições, princípios e mitos) interdependentes, sustentadas por um grupo social de qualquer natureza ou dimensão, as quais refletem, racionalizam e defendem os próprios interesses e compromissos institucionais, sejam estes morais, religiosos, políticos ou econômicos // p.ext. conjunto de convicções filosóficas, sociais, políticas, etc., de um indivíduo ou grupo de indivíduos. Como não existe conhecimento neutro, uma vez que todo conhecimento encontra-se comprometido com interesses sociais, podemos deduzir que ideologia, por ser um sistema de idéias de um indivíduo ou grupo social, é visão de mundo. É, pois, o ponto de vista de um indivíduo, de uma classe social, de uma empresa ou de uma instituição a respeito da realidade. É a maneira como uma classe ordena, justifica e explica a ordem social. Podemos deduzir, portanto, que há tantas visões de mundo quantas foram as classes sociais. Esses valores aceitos pela sociedade, demonstrados através de um conjunto de idéias que servem para justificar e explicar a ordem social, as condições de vida do homem e as relações que ele mantém com os outros homens, é o que se chama ideologia. A ideologia pertence ao domínio do senso comum e, por sua vez, o conceito do senso comum nos permite alcançar a essência da ideologia como aquilo que é, ao mesmo tempo, visível para todos e invisível por seu caráter 37 óbvio, como no exemplo de anúncios publicitários que possuem a figura da mãe, em que a reação reflete na crença inata de que os laços entre mãe e filho são tão fortes que nada pode rompê-los e que a diferença entre amor materno e amor paterno não é de grau, mas de gênero. Em nossa sociedade, a ideologia do amor materno pode ser considerada como o esteio da estrutura da família tradicional e do acesso ao amor-próprio da mulher economicamente dependente. Em nossos dias, alguns homens encararão os sagrados laços maternos como uma prerrogativa feminina que gostariam de compartilhar. Em resumo, reconhecemos que a ideologia é um componente necessário da vida humana, pois se não nos apegássemos a certas atitudes fundamentais e formas de pensar, nossa consciência estaria num fluxo constante, que nos paralisaria por completo. Devemos lembrar que até mesmo os nossos valores fundamentais são produto do conhecimento humano e dos processos culturais e, como tal, estão sujeitos a mudanças. Podemos afirmar que o conhecimento está ligado ao interesse social e portanto à visão que cada um tem do mundo, o seu ponto de vista. Uma formação ideológica dever ser entendida como a visão de mundo de uma determinada classe social, isto é, um conjunto de representações, de idéias que revelam a compreensão que uma dada classe tem do mundo. A cada formação ideológica corresponde uma formação discursiva, pois não existem idéias fora dos quadros da linguagem. (CAMOCARDI; FLORY, 2003,p.64) O estudo da ideologia está ligado com os do signo, portanto, esta questão será tratada no item seguinte, uma vez que entre eles há uma 38 relação de dependência que será descrita. 2.2 Signo e Ideologia Não é possível afastar o estudo da ideologia e o estudo dos signos, pois a questão do signo se prolonga na questão das ideologias, há entre ambos uma relação de dependência tal que nos levaria a crer que só é possível o estudo dos valores e idéias contidas nos discursos atentando para a natureza dos signos que os constroem. Assim sendo, os recursos retóricos que entram na organização de um texto não seriam meros recursos formais, jogos visando deixar a frase com mais palavras bonitas; ao contrário, o modo de dispor o signo, a escolha de um ou outro recurso lingüístico, revelaria múltiplos comprometimentos de cunho ideológico. A relação entre signo e ideologia ocorre nos dizeres de Bakhtin (apud CITELLI, 2002, p.27): Um produto ideológico faz parte de uma realidade (natural ou social) como todo corpo físico, instrumento de produção ou produto de consumo; mas, ao contrário destes, ele também reflete e refrata uma outra realidade, que lhe é exterior. Tudo que é ideológico possui um significado e remete a algo situado fora de si mesmo. Em outros termos, tudo que é ideológico é um signo. Sem signos não existe ideologia. Observemos o seguinte exemplo: uma pomba é uma ave, e outro significado não extraímos senão de uma ave, contudo, a mesma ave posta em outro contexto, em outra situação pode produzir idéias ou valores que estão situados fora de si mesmos, refletindo e refratando outra realidade, será 39 convertida em signo. A pomba como símbolo da paz, ganha dimensão ideológica. A ideologia transitou através dos signos. Tal fato pode ser observado no exemplo do anúncio publicitário da LG com o seguinte discurso verbal: “SUA MÃE JÁ SEGUROU MUITAS BARRAS. MAS NENHUMA IGUAL A ESTA”. No discurso não verbal aparece a mãe com uma barra de ouro na mão e o filho com os cabelos espetados, tatuagem, demonstrando ser uma pessoa fora dos padrões tidos como normais. Então o sentido de “BARRAS” seria o de ajudar em momentos difíceis ocasionados por ações desaprováveis ou ruins praticados pelo filho, mas observando a imagem notamos que é simplesmente o sentido literal da palavra barras de ouro. 40 Conforme já havíamos destacado em relação ao signo “pomba”, no anúncio da LG, também a ideologia transitou através dos signos. Há alguns exemplos de instrumentos, ou até mesmo produtos de consumo, que perderam seu sentido inicial para se transformarem em signos, ou seja, passaram a funcionar como veículos de transmissão de ideologias, como o pão e o vinho para os cristãos; a balança para a justiça, a maçã para o pecado. O signo nasce e se desenvolve em contato com as organizações 41 sociais, por isso só pode ser pensado socialmente, contextualmente. Dessa forma, cria-se uma relação estreita entre a formação da consciência individual e o universo dos signos; só podemos pensar a formação da consciência dentro de um prisma concreto, derivado, no embate entre os signos. As palavras nascem neutras, mais ou menos como estão em estado de dicionário, porém ao se contextualizarem, passam a expandir valores, conceitos, pré-conceitos. Vivemos em contato com outros homens, mediados pelas palavras, que irão nos informar e formar; as palavras serão por nós absorvidas, transformadas e reproduzidas, criando um circuito de formação e reformulação de nossas consciências. As palavras, no contexto, perdem sua neutralidade e passam a indicar aquilo a que chamamos propriamente de ideologias; numa síntese: o signo forma a consciência que por seu turno se expressa ideologicamente. Para se verificar a construção do discurso persuasivo, é necessário reconhecer a organização e a natureza dos signos lingüísticos, pois é a interrelação dos signos que produz a frase, o período, o texto. Pode-se afirmar, segundo Ferdinande Saussure, que: O significante é o aspecto concreto do signo, é a sua realidade material, ou imagem acústica. O que constitui o significante é o conjunto sonoro, fônico que torna o signo audível ou legível. O significado é o aspecto imaterial, conceitual do signo e que remete a determinada representação mental evocada pelo significante. (SAUSSURE, 1973, p.26) Tomemos como exemplo, a palavra cabeça tem por significante um 42 aspecto concreto; conjunto sonoro, C A B E Ç A; como significado, o aspecto conceitual, imagem mental; aspecto abstrato. O significante engloba aspectos constitutivos de uma mesma unidade. Ao anunciarmos a palavra cabeça, o fazemos relacionando conjunto sonoro e imagem mental. Dizemos, conseqüentemente, que a palavra cabeça possui uma significação. Na frase: “A cabeça é um órgão do corpo humano”, a cabeça já produz uma significação, um sentido; ou se quisermos, representa mentalmente aquilo que a forma lingüística está evocando. A significação é, portanto, uma espécie de produto final da relação existente entre o significado e o significante. Segundo Ullman (apud CITELLI, 2002) os objetos só se relacionam com os nomes através do sentido e, visto que “as palavras estão sempre em lugar das coisas e não nas coisas”, pode-se assegurar que a palavra apresenta, como um de seus aspectos básicos, um caráter simbólico. Além da ideologia, também a persuasão é um fator importante que será tratado no tópico seguinte, pois leva o consumidor a se convencer com o objetivo de adquirir o produto ou o serviço. 2.3 Persuasão no Texto Publicitário Na opinião de Vestergaard & Schroder (2000), a publicidade constitui uma maneira pública de comunicação verbal e não verbal e no desempenho dessa função ela tem de operar como discurso informativo e discurso persuasivo, tendo como principais funções a referencial e a 43 apelativa. Como discurso informativo, a publicidade cumpre sua principal finalidade de transmitir significação; para tanto, lança mão de variados recursos, tanto visuais, quanto verbais e sonoros. Com recursos visuais, ela apresenta o produto ou sua imagem, destaca ou enfatiza o produto com jogo de cores, formas, volumes. Com os recursos lingüísticos, a significação advém de textos – slogans e inscrições – que demonstram os resultados e benefícios do produto, descrevem suas características e atributos. Como discurso persuasivo, ou de convencimento, a publicidade recorre a apelos verbais ou visuais que objetivam fazer acreditar naquilo a que se propõe através da idéia básica ou tema. Estes apelos podem vir concretizados em imagens, formas, cores, volumes, gestos, olhares, expressão corporal em rostos belos, ou partes do corpo, em ídolos, artistas, heróis, esportistas e em ambientes sugestivos, elegantes, capazes de traduzir sensualidade, charme, erotismo, beleza, poder, esportividade e prestígio. A publicidade recorre também a recursos apelativos de natureza lingüística e lógica, como depoimentos testemunhais, ou citações, argumentos racionais baseados em dados concretos, demonstrações de causa/efeito irrefutáveis e elementos expressivos e emotivos, como as figuras estilísticas. A persuasão publicitária pode acontecer também pela predisposição do consumidor em aceitar a mensagem. Para tanto, poderá criar clima fantasioso em que é apresentado o produto como sedutor, como proporcionador de estilo de vida, ambiente dos sonhos, capaz de envolver e excitar o consumidor, provocar satisfação de prazer pela posse e uso do 44 produto, ou por elogios. Também através de linguagem positiva, que promove o prazer, a alegria, a saúde, a beleza. Portanto, as finalidades da mensagem publicitária são: informar sobre algum produto ou serviço, persuadir para mover as pessoas a tomarem decisões e fazer agir, adquirir o produto ou serviço. Por outro lado também, pode-se produzir um anúncio rompedor de certas normas preestabelecidas, causando um forte impacto no receptor através de mecanismos de estranhamento, situações incômodas, que levam, muitas vezes, à indagação ou à pura indignação. Particularmente em um momento em que se opera uma certa redemocratização da sociedade brasileira é possível à publicidade mexer com temas tabus, como o do homossexualismo, do complexo de Édipo, temas esses que provocam incômodo em boa parte dos receptores e talvez por isso mesmo consigam se afirmar persuasivamente. O texto publicitário nasce de raciocínios, ideologia e argumentação e da alquimia verbal e não verbal advinda do conjunto de efeitos retóricos da linguagem. Observe-se o anúncio seguinte divulgado em televisão e revistas: “Nove entre dez estrelas do cinema usam LUX”. O slogan apresenta um raciocínio lógico, em forma de silogismo, com premissa menor e conclusão implícita, mas que podem ser facilmente deduzidas da premissa maior e como figuras de retórica apresenta a comparação implícita e a hipérbole. No exemplo em apreço, o anúncio do sabonete LUX procura persuadir a leitora a comprar o produto para se tornar também “uma estrela”. 45 Encerradas nossas observações sobre a persuasão no texto publicitário, passaremos, no próximo capítulo, a traçar um panorama da retórica e trataremos da sua importância para a publicidade. 3 ARTE DA RETÓRICA 3.1 Elementos Históricos: da Retórica Clássica à Retórica Moderna Conforme Citelli (2002), o estudo da persuasão pressupõe 46 conhecimento sobre o discurso praticado na Antigüidade Clássica, pois o domínio da expressão verbal nasceu entre os gregos, brotando da necessidade de exposição pública das idéias para justificar uma certa democracia. Ao orador grego competia o manejo das formas de argumentação, originando-se daí toda a tradição dos tribunos e dos sofistas que, em praças públicas, tribunais ou foros, intentavam inflamar multidões, buscando alterar pontos de vista e mudar conceitos pré-formados. Demóstenes, Quintiliano, Górgias foram alguns dos nomes que se celebrizaram pela habilidade com que encaminhavam suas lógicas interpretativas. Uma vez que na Grécia clássica havia a preocupação com a estruturação do discurso, as escolas criaram disciplinas que melhor ensinassem as artes de domínio das palavras como a eloqüência, a gramática, a retórica, atestando algumas das evidências do conjunto de preocupações que marcaram a relação dos gregos com o discurso. A questão não era só de falar corretamente, mas também de fazê-lo de forma convincente, elegante, unindo arte e espírito, bem ao gosto da cultura clássica. A disciplina que cuidava de buscar tal harmonia era a retórica. A retórica foi se transformando em mero sinônimo de recursos embelezadores do discurso, ganhando até um certo tom pejorativo. Um pouco dessa posição preconceituosa se deve a certas visões teóricas, como as desenvolvidas no século XVIII e XIX, quando os estudiosos não a tratavam apenas como questão de método compositivo e de estruturação gramatical, 47 mas buscavam com as figuras de retórica o melhor enfeite, a palavra mais bela, a expressão inusitada, que são as marcas do ideário estético dos parnasianos. Até alguns anos atrás, quem afirmasse que a Retórica iria tornar-se de novo uma disciplina, teria causado riso, pois estava morta, como reflexão e como prática. Aparece hoje, não só como ciência de futuro, mas também como uma ciência da moda, nos limites do estruturalismo, da nova crítica e da semiologia. Na França, a retórica como reflexão, e mesmo como prática, se sustentou por muito tempo, de maneira especial por aqueles que tinham maior interesse em defendê-la, como os escritores, gramáticos e filósofos. Em 1836, o jornal de L’Instruction Publique notava que, “sem a proteção dos regulamentos universitários, a retórica na França estaria hoje morta” (DUBOIS et.al., 1974, p.15). Graças a esse apoio oficial, o último ano dos colégios conservou uma disciplina cuja razão de ser era cada vez mais obscuramente compreendida (CITELLI, 2002, p.74). Com esse renascimento da Retórica na França, encontra-se a influência do lingüística Roman Jakobson, e mais particularmente a publicação feita por Nicolas Ruwet, em 1963, de uma tradução de Essais de Linguistique générale de onde se salienta o estudo fundamental sobre a metáfora e a metonímia; que alcançou êxito. Segundo Dubois et.al. (1974) havia nos retóricos clássicos uma fúria na atribuição de nomes às modificações das palavras e construções, modo de 48 se engrandecerem e justificarem, multiplicando os objetos do saber, fato esse que contribuiu para o manifesto declínio da retórica. É importante lembrar que a própria retórica esteve longe de constituir uma disciplina coerente, sobretudo no período clássico francês (séculos XVII e XVIII), no qual de um tratado a outro, verificam-se, quanto ao próprio objeto, mais divergências do que muitos admitem. Em todo caso, seria falsa a imagem histórica da arte da eloqüência se seu objeto fosse reduzido à teoria da elocução, e mais falsa ainda, se reduzido à simples definição dos tropos e figuras. A ciência dos tropos não abrange todo o campo da retórica, entre os antigos, assim como entre os modernos. A finalidade declarada da retórica é a de ensinar técnicas de persuasão. A idéia de argumento e a de auditório são nesse caso essenciais. A ligação com a dialética, no sentido do termo antes de Hegel, é de tal ordem, que Aristóteles começa por verificar sua real confusão. Pela própria natureza do estado grego, era imperativo para certas camadas sociais dominar as regras da boa argumentação e o exercício do poder; era ao mesmo tempo uma ciência e uma arte, louvados como instância de extrema sabedoria. Daí surgem as primeiras sistematizações e reflexões acerca da linguagem. Os pensadores gregos, Sócrates e Platão, escreveram sobre o assunto, porém é com Aristóteles que o discurso será dissecado em sua estrutura e funcionamento. De acordo com Citelli (2002), na Macedônia (384-322 a.C.) surgiu uma obra que permanece até hoje como um dos manuais clássicos para 49 quem deseja estudar certas questões vinculadas aos processos compositivos dos textos: Arte Retórica, de Aristóteles. Esta obra pode ser considerada uma espécie de síntese das visões que se acumulavam em torno dos estudos retóricos, assim como um guia dos modos de se construir um texto persuasivo. A Retórica é composta dos livros I, II, III, onde se podem ler, trazidos para a linguagem de hoje, elementos de gramática, lógica, filosofia da linguagem e estilística, para ficarmos em alguns dos temas que nos dizem respeito. Para nos aproximarmos da estrutura de Arte Retórica, convém observar o roteiro fornecido por Jean Voilquin e Jean Capelle: O livro I contém quinze capítulos. Após ter mostrado, nos capítulos I e III, as relações entre retórica e dialética é definido a retórica, Aristóteles, que censura seus precessores por haverem estudado principalmente as provas alheias à arte, consagra os capítulos III a XIV, inclusive, ao estudo das provas técnicas; às provas extratécnicas: leis, depoimentos das testemunhas, contratos, declarações obtidas sob tortura, juramentos, atribuirá apenas o capítulo XV do livro I a XVII, estuda Aristóteles as provas morais e subjetivas, para retomar, nos capítulos XVII a XXVI, o exame das provas lógicas. O livro III é dedicado ao estudo da forma. (VOILQUIN; CAPELLE apud CITELLI, 2002, p.9) Resumindo ainda mais esse roteiro, chegamos à conclusão de que estamos diante de um corpo de normas e regras que visa saber o que é, como se faz e qual o significado dos procedimentos persuasivos. Aristóteles não desejava confundir, como muitos de seus contemporâneos, retórica e persuasão. A retórica para Aristóteles tem algo de ciência, ou seja, é um corpus com determinado objeto e um método verificativo dos passos seguidos. Por isso, a retórica, não sendo persuasão, pode ser capaz de gerar 50 a persuasão, levando o estudioso a descobrir, pela análise, o que é importante, próprio e necessário para convencer ou persuadir. “É uma espécie de código dos códigos, estando acima do compromisso estritamente persuasivo, pois abarca todas as formas discursivas.” (CAMOCARDI; FLORY, 2003,p.53) Ou como afirma Aristóteles: Assentamos que a retórica é a faculdade de ver teoricamente o que, em cada caso, pode ser capaz de gerar a persuasão. Nenhuma outra arte possui esta função, porque as demais artes têm, sobre o objeto que lhes é próprio, a possibilidade de instruir e de persuadir; por exemplo, a medicina, sobre o que interessa à saúde e à doença; a geometria, sobre as variações das grandezas; a aritmética, sobre o número, e o mesmo acontece com as outras artes e ciências. Mas a Retórica parece ser capaz de, por assim dizer, no concernente a uma dada questão, descobrir o que é próprio para persuadir. Por isso, dizemos que ela não aplica suas regras a um gênero próprio e determinado. (VOILQUIN; CAPELE apud CITELLI, 2002, p.10) A retórica não é considerada ética, por não entrar no mérito daquilo que está sendo dito, mas sim, no como aquilo está sendo dito, o que implica o domínio do processo, de formas, instâncias, modos de argumentar. A obra Arte Retórica e Arte Poética apresenta regras que são aplicadas nos discursos persuasivos, e um dos mecanismos é o que fixa a estrutura do texto em quatro instâncias seqüenciais e integradas: o exórdio é o começo do discurso, podendo ser um conselho, um elogio, conforme o gênero do discurso em pauta. É também denominado de introdução. A narração é o assunto, onde os fatos são mencionados, é propriamente a argumentação. As provas são os elementos sustentadores e comprobatórios 51 da argumentação. A quarta instância é a peroração, isto é, a conclusão, que é a última oportunidade para prender a atenção do receptor. Quando se colocam relações entre retórica e persuasão, não há necessidade de se verificar até onde o ato de convencer constitui verdade; persuadir é sinônimo de submeter, por isso possui um lado autoritário, pois quem persuade leva outra pessoa a aceitar uma idéia. É possível que o persuasor não esteja usando de uma verdade, mas de algo que se aproxime do que pareça ser verdade ou com uma certa verossimilhança. Como no exemplo de um outdoor que apresenta um panetone de natal, todo apetitoso, com formas redondas e cheio de frutas, pedindo para ser devorado. Ninguém considera que o panetone a ser degustado em casa tenha a mesma forma daquele que está no cartaz, mas não conclui ser uma mentira; o que ocorre, ao olharmos para o outdoor, é que ficamos convencidos pela imagem. Portanto o que estamos vendo não é verdadeiro, é verossímil e nos convence enquanto lógica interna do próprio cartaz. Portanto, verossímil é o que se constitui em verdade a partir de sua própria lógica, com isso a necessidade de construir a existência de argumentos, provas, perorações, exórdios, conforme certas proposições já formuladas por Aristóteles. Persuadir não é só sinônimo de convencer, mas de organizar o discurso que resulta como verdadeiro para o receptor. Com o passar dos anos, a retórica foi tendo suas funções alteradas. Da preocupação com as técnicas de organização do discurso e com a persuasão, o que se irá presenciar no final do século XIX é a vinculação da 52 retórica com a idéia de embelezamento do texto. Cabia à retórica fornecer recursos visando produzir mecanismos de expressão que tornassem o texto mais bonito. O uso de figuras de linguagem encobriam, muitas vezes, as idéias ineficientes. Esse fato levou à idéia, que ainda persiste, de retórica ser sinônimo de enfeite do estilo e vazio das idéias. Comprova-se esse fato com os discursos dos advogados, em suas petições, ou aqueles discursos de campanhas políticas, de discursos de formaturas. Mas os estudos da Retórica receberam tratamento inovador quando relacionados à poética, em obras desenvolvidas por Jean Dubois e o grupo de Liège (Universidade de Liège – França). Busca-se com a retórica afastar a preocupação de a tudo dar nomes e encontrar questões como as provenientes da teoria das figuras. Os conceitos formulados por Aristóteles reencontram espaço para uma reflexão mais arejada e menos contaminada por tendências que marcaram a história da retórica. Este novo papel está ligado a duas questões importantes: o do estudo das figuras de linguagem e o das técnicas de argumentação, ou seja, estudar a organização discursiva a fim de apreender os procedimentos que permitem ligar a adesão de um ponto de vista àquelas idéias que lhes são apresentadas. Refere-se a processos de articulação dos raciocínios textuais, como a possibilidade criada pelo uso das figuras de linguagem, tema este que deve ser abordado no próximo capítulo. 53 3.2 Retórica e Publicidade Os princípios da retórica têm hoje seu principal campo de aplicação e revestimento nos textos de publicidade, pois ao se entender a retórica como a arte de persuadir, de convencer e de levar à ação por meio da palavra, é fácil ver que é esse também o papel da linguagem no anúncio publicitário. A linguagem publicitária se distingue, por outro lado, como a literária, pela criatividade, pela busca de recursos expressivos que chamem a atenção do leitor, que o façam parar e ler ou escutar a mensagem que lhe é dirigida, nem que para isso se infrinjam as normas da linguagem padrão ou se passe por cima das convenções da gramática normativa tradicional e, em certo sentido, da competência lingüística abstrata geralmente aceita. O destinatário da mensagem publicitária, o comunicatário, principalmente o urbano, vive num universo saturado de estímulos, que o mesmo, nem que se disponha a isso, não consegue dar atenção e assimilar todas as mensagens que lhe chegam via rádio, televisão, jornal, revistas, outdoors. A linguagem publicitária enfrenta o maior dos desafios, o de prender, como primeira tarefa, a atenção desse destinatário. Tendo conseguido que o comunicatário se ocupe com determinado texto, convencê-lo ou levá-lo, em conseqüência, à ação, possivelmente é tarefa ou desafio menor, uma vez que prender a atenção do leitor ou ouvinte parece ser o debate maior. Se o leitor não parar para ler a mensagem, esse fato inviabiliza a sedução e a ação. A criatividade do publicitário está em 54 buscar incessantes meios estilísticos que façam com que o leitor ou ouvinte preste atenção ao seu texto, chocando-o até se for necessário. A publicidade usa alguns esquemas básicos a fim de obter o convencimento dos receptores tais como: o uso de estereótipos; substituição de nomes (eufemismo); criação de inimigos; apelo à autoridade e afirmação e repetição. Veja-se, como exemplo, o anúncio publicitário da NIVEA, com a imagem de Gisele Bündchen, modelo bem sucedida, que sempre está viajando e na mala tem todos os produtos da nívea como: “NIVEA body”; “NIVEA soft”; ”NIVEA visage”; ”NIVEA hand”; “NIVEA creme”; “NIVEA sun” e “NIVEA desodorant”. E no cartão de identificação da mala vem a promoção: “Compre NIVEA e concorra a 60 viagens para torcer pelo Brasil na Alemanha”. 55 No anúncio dos produtos NIVEA destaca-se o emprego da função conativa ou apelativa, enfatizado pela utilização de verbos no imperativo: “compre”, “concorra”, “cadastre-se”, “envie”, “guarde”, “consulte”. 56 Além disso, as compradoras dos produtos NIVEA podem ganhar prêmios e “ter a beleza de Gisele Bündchen”. O anúncio procura seduzir as mulheres, seu alvo principal, e convencê-las a adquirir os produtos da Marca NIVEA pelo emprego da função conativa ou apelativa. As figuras de linguagem têm papel importante para preencher o objeto básico da publicidade: o de provocar, através da elaboração da mensagem, o estranhamento do leitor, através de discursos informativo e persuasivo, e a partir daí, fazer com que ele se interesse pelo texto e, conseqüentemente, pelo que é propagado. As figuras, ou translações, cumprem a função de redefinir um determinado campo de informação, criando efeitos novos e que sejam capazes de atrair a atenção do receptor. São expressões figurativas que conseguem quebrar a significação própria e esperada daquele campo de palavras. As figuras mais usadas são a metáfora e a metonímia, consideradas por Jakobson como espécie de matrizes presentes, ora com dominância de uma, ora com a da outra, na imensa maioria dos textos. As palavras organizadas de forma diferenciada, constituem os tropos ou figuras, que vêm sendo estudados desde a Antigüidade clássica até os tempos atuais. O renascer dos estudos retóricos trouxe novos enfoques e esquemas classificatórios, como o de Dubois que será estudado no próximo capítulo, juntamente com a análise de alguns exemplos de discursos publicitários. 57 4 TROPOS E FIGURAS DE LINGUAGEM 4.1 Conceito e História Figuras são as palavras tomadas no seu sentido próprio e de maneira expressiva quanto ao som, à estrutura, função e ordem, e ao sentido. Tropos são as palavras tomadas em outro sentido, o figurado. Nos tempos atuais, o renascer dos estudos retóricos trouxe novos enfoques e esquemas classificatórios, destacando-se os do grupo de Dubois e Liège. As figuras e os tropos até praticamente o século XIX faziam parte da retórica, disciplina cujo âmbito era muito complexo e extenso. Aristóteles na Poética, Cícero no De Oratore, Quintiliano em Institutio Oratória, dentre outros, cuidaram do assunto com especial interesse, e Quintiliano chegou a estabelecer o sistema tradicional e fixo. A reação esperada no século XIX coincide com o eclodir da estética romântica, que se consubstanciava na liberdade de forma e inspiração, favorecendo os processos de ampla pesquisa e renovação. As figuras consideradas como adornos voluntários mereceram de artistas e estudiosos franca repulsa como se fossem meros artifícios que tornavam falsas as pretensas obras de arte. No passado, principalmente no cultismo barroco e na poesia parnasiana, o brilho ou valor literário assentava-se tão somente no uso dos 58 chamados adornos, e as análises e críticas concentravam-se em apontar a presença de tais elementos. Atualmente não se permitem excessos, pois a moderna estilística veio substituir a retórica, não para aboli-la de vez, como quiseram alguns radicais, mas para colocá-la em seu devido lugar, aproveitando aquilo que de útil legou à sistemática da teoria literária, atualizando-lhe e arejando-lhe os métodos. Se a retórica é a estilística dos antigos, como afirmam Vossler, Kayser, Leo Spitzer e outros, seu campo delimitou-se à elocução e ao emprego expressivo da palavra articulada, tendo assumido para muitos espíritos mal informados uma significação depreciativa. Para Hênio Último da Cunha Tavares (1978, p.324), o emprego das figuras e dos tropos não admitem regras, pelo fato de serem inerentes ao próprio pensamento. Admiti-las seria não só um absurdo, como também a tentativa vã de se erguer uma barreira ao ato de pensar ou sentir. Na linguagem erudita e na linguagem espontânea e coloquial observamos a atuação constante das figuras e dos tropos. Hoje nem percebemos que o uso de um número de expressões e construções diariamente presentes em nossas conversas constituem figuras ou tropos. O emprego reiterado estereotipou-as, apagando a consciência do fenômeno, como exemplo em associações por analogia, quando chamamos alguém de homem bala, a idéia da pressa ou velocidade é que nos suscitou o termo bala, sem nos preocuparmos em saber se estamos perpetrando um tropo, a metáfora. 59 Segundo o teórico supracitado os retóricos nada inventaram, nada criaram que não o tivesse criado o povo em sua linguagem; o que fizeram foi apenas sistematizar e ordenar os diversos aspectos que configuram o modo de expressar a nossa emoção e o nosso pensamento. As figuras e os tropos contribuem para a constituição de uma obra poética em cada caso isolado e em sua medida. Com a interpretação de ‘ornato’ em geral pouco se diz, e, mais freqüentemente ainda, uma tal interpretação é errada. Mas se as figuras assim são colocadas em outras relações, isto é, se já não são explicadas ao orador e ao poeta no sentido de como deviam ser usadas conscientemente, para melhoramento do seu ‘discurso’, mas se, interpretadas como fenômenos basilares lingüísticos, interessam ao lingüista e investigador do estilo; então surge também aqui um sentimento de gratidão para com os antigos que tão magníficas bases souberam criar. (TAVARES, 1978, p.326) Em toda ciência a necessidade terminológica é uma imposição, pois é indispensável o conhecimento das figuras e dos tropos para comunicarmos o conteúdo de toda uma tradição cultural. As figuras e os tropos devem ser investigados nas análises literárias, sob o ponto de vista hermenêutico, pois representam no estilo do autor não um adorno ou artifício rebuscado para exemplificação de tais fenômenos, mas sim fruto da intuição criadora do artista, que possui originalidade e vigor, a sua individualidade expressional. Quanto à mensagem publicitária, os recursos estilísticos correspondem em geral à retórica, tipo de discurso voltado para examinar, descrever, perceber e avaliar atos e eventos que venham influenciar percepções, sentimentos, atitudes e ações, com palavras empregadas de 60 forma diferente do uso comum, do uso literal. Usar recursos retóricos é usar a comunicação para definir a realidade do modo como se deseja que ela seja vista. A definição da realidade sob certos ângulos favorece tanto o interesse do emissor como do destinatário ou receptor, na medida em que contribui para a convergência de interesses do influenciador (enunciador) com os do influenciado (receptor). O anunciante de um produto de consumo está interessado em obter lucros, vendendo seu estoque e suas novidades. O comprador em potencial, por sua vez, sempre estará interessado em alguma aquisição sob a forma de conforto, alívio, segurança ou prazer. Por isso receber a mensagem de forma adequada, será permeável ao consumo. As figuras do discurso, como formas persuasivas ou apologéticas, desempenham um importante papel na elaboração da mensagem publicitária. São usados os tropos convencionais, ou figuras de linguagem, e tropos não convencionais ou que se tornaram convencionais por estarem presentes na comunicação. O emprego de linguagem figurada não admite regras porque as figuras de linguagem são inerentes ao próprio pensamento. Não se podem erguer barreiras ao ato de pensar e de sentir. Tanto na linguagem culta e formal, como na linguagem coloquial e prosaica observamos a atuação constante das figuras e dos tropos, nomenclatura usada por Hênio Tavares. Hoje nem percebemos que o uso de inúmeras expressões e construções diariamente presentes em nossas conversas, em manchetes de 61 jornais, em anúncios publicitários, são desvios lingüísticos. O emprego reiterado da linguagem figurada estereotipou-a, apagando a consciência do fenômeno. Por exemplo, quando atribuímos a alguém o epíteto de cordeiro, já temos agregado ao nosso espírito a idéia de mansidão. E nem nos apercebemos de que estamos criando um tropo: metáfora. O mesmo acontece quando consideramos uma pessoa esperta, inteligente, culta como cabeça – Você é cabeça! (metáfora) ou Você é o máximo! (hipérbole). Os retóricos clássicos e modernos bem como a estilística contemporânea não inventaram nem criaram nada que já não tivesse sido falado ou criado pelo povo na sua linguagem, como bem observa Hênio Tavares. 4.2 Classificação Em toda ciência há necessidade de se estabelecerem terminologias para caracterizar fenômenos ou processos. Por isso, nos estudos lingüísticos é indispensável o conhecimento da linguagem figurada, não como adorno ou artifício de estilo, mas como objeto de investigação e análise da intuição criadora de um artista enquanto marcas de uma individualidade expressional. Baseando-se na imagem visual (fanopéia), na carga musical (melopéia) e no efeito lógico (logopéia), Hênio Tavares apresenta uma classificação geral diferenciando os desvios ou rupturas do código lingüístico em figuras e tropos. 62 Os teóricos do Grupo de Liège (J. Dubois, F. Edeline, J.M. Klimkenberg, P. Minguet, F. Pire e H. Trinon), na obra Retórica Geral (1974), partindo da terminologia proposta por B. Pottier e J. Greimas, consideram a palavra ou lexema4 como uma coleção de semas (traços significativos mínimos), dos quais uns são nucleares e outros contextuais, isto é, uns representam desvios em palavras e outros são modificações de sentido em contexto. O todo é um semema5 (frases, orações, períodos, parágrafos que organizam um contexto). É justamente a manipulação dos semas que produz as figuras de retórica ou metáboles6. Nas metáboles gramaticais (metaplasmos, metataxes) e nas metáboles lógicas (metassememas e metalogismos) são possíveis dois tipos de operação: a supressão ou o acréscimo de semas ou partes. O desvio da norma é percebido pelo leitor através da marca, isto é, da alteração na taxa de redundância da mensagem. Mas esse desvio7 pode ser diminuído graças à presença de um invariante, que é a parte não modificada ou base da figura que não sofreu efeitos retóricos e que, por isso, conserva seu grau zero, e uma relação sistemática que a liga à convenção lingüística (SAMPAIO, 1978, p.2-3). Dentro dessa concepção de figura, temos também a obra de Jean Cohen – Estrutuctura del Lenguaje Poético – para quem “a figura é um conflito entre sintagma e paradigma” (1970, p.112). Segundo esse teórico, a 4 Lexema: unidade lexical, cujo conjunto vai formar o léxico da língua. Semema: reunião de semas de um lexema. 6 Metáboles: designação das figuras de retórica, segundo o Grupo de Liège. 7 Desvio: alteração no grau zero da mensagem. 5 63 linguagem possui duas funções: intelectual ou cognitiva (denotação) e afetiva ou emotiva (conotação). Tanto a denotação quanto a conotação têm o mesmo referente e a oposição delas se opera no plano psicológico, pois a denotação suscita no destinatário da mensagem uma resposta cognitiva, enquanto a conotação provoca uma resposta emotiva. A diferença não está no sentido da mensagem, mas no efeito que ela causa no receptor. Para o Grupo de Liège, as metáboles gramaticais (as que sofrem alteração no código, no plano da expressão) sobre a morfologia levam o nome de metaplasmos, quando as mudanças se dão sobre a sintaxe denominam-se metataxes. As metáboles lógicas (as que sofrem desvios no referente, no plano do conteúdo) sobre a semântica chamam-se metassememas e sobre a lógica, metalogismos. Observe-se o quadro a seguir: 64 METÁBOLES S OPERAÇÕES I. Supressão 1.1 Parcial GRAMATICAIS (CÓDIGO) EXPRESSÃO A. METAPLASMOS B. METATAXES SOBRE A MORFOLOGIA SOBRE A SINTAXE Aférese, sinérese apócope, síncope, Crase U B S T 1.2 Completa II. Adjunção 2.1 Simples LÓGICAS (REFERENTE) CONTEÚDO C. METASSEMEMAS D. METALOGISMOS SOBRE A SEMÂNTICA SOBRE A LÓGICA Sinédoque e antonomásia generalizantes, comparação metáfora in praesentia. Assemia Litotes I Hipérbole, hiperbólico Deleção, embranquecimeno Elipse, zeugma, assíndeto, parataxe Prótese, diérese, afixação, epêntese, palavra-valise Parêntese, concatenação, expletivação, enumeração Sinédoque e antonomásia particularizantes, arquilexia Duplicação, insistência, rimas, aliteração, assonância, paronomásia polissíndeto, Repetição, métrica, simetria --------------------- Linguagem infantil, substituição de afixos trocadilho Silepse, anacoluto Sinonímia, arcaísmo, neologismo, empréstimo Mudança quiasma Reticências, suspensão, silêncio silêncio A N 2.2 Repetitiva C I A III. Supressão-Adjunção 3.1 Parcial Repetição, pleonasmo, antítese Metáfora in absentia Eufemismo Metonímia Alegoria, fábula I S 3.2 Completa de 3.3 Negativa ----------------R E L A C I O N A I S IV. Permutação 4.1 Qualquer Contrepet, anagrama, metátese Tmese, hipérbato 4.2 Por Inversão Palíndromo, verlen Inversão classe Oxímoro parábola, Ironia, paradoxo, antífrase, litotes 2 Inversão lógica, inversão cronológica --------------------- 65 Fonte: Dubois et al. Retórica geral. 62 63 Ao estudarmos a Retórica Geral e o “quadro geral das metáboles ou figuras de retórica” (1974, p.71) encontramos muita dificuldade em distribuir e analisar os anúncios publicitários selecionados nas revistas sob essa perspectiva. Procuramos, pois, uma classificação mais genérica e simplificada, ao mesmo tempo que apropriada com os objetivos propostos neste trabalho, que são o de analisar as figuras de retórica em anúncios publicitários, nos planos da expressão verbal e não verbal e nos planos de conteúdo, de forma didática para aplicação prática em sala de aula. Por isso, optamos pelo quadro geral das figuras de retórica do Grupo de Liège, associado às conceituações de Hênio Tavares. Conforme explicita Dante Tringalli, em Introdução à Retórica (1988), as figuras são modificações da linguagem, ou metáboles (grego: repetição da mesma idéia, conceito, sentido, significado, por meio de palavras, expressões ou frases diferentes), seja no vocábulo (metaplasmos, metassemema), seja na frase (metataxe, metalogismo), e tanto no nível da expressão, como do conteúdo, ou acrescentando alguma coisa (adjunção: “levantar” – “alevantar”), ou subtraindo (supressão: “ainda” – “inda”), ou repetindo (repetição: “Deus – Deus”) ou permutando (permutação: “da vida pela estrada”), tendo como objetivo conseguir efeito artístico; em outros termos, “para obter efeito poético ou retórico ou estilístico da linguagem.” (1984, p.99) Em tópicos anteriores afirmamos que as figuras são consideradas 64 desvios da norma lingüística corrente, de um modo normal e comum de dizer, ou seja, “É um modo diferente de dizer”, segundo Dante Tringalli, crítico que nos obriga a refletir sobre o que se deve entender por norma. Se tomarmos a linguagem corrente, cotidiana e utilitária como norma, as figuras não lhe são desvios porque nesse nível de linguagem aparecem muitas. Se adotarmos a linguagem científica e culta como norma, embora nela se deva evitar o uso de figuras, verificamos que não se consegue eliminá-las totalmente. “Em todo caso, embora não chegue a ser um grau zero, a linguagem figurada serve de padrão.” (RIFFATTERE, apud TRINGALLI, 1984, p.100) Existe um grande número de figuras e sempre os teóricos enfrentaram o desafio de classificá-las. Concordamos com Dante Trigalli quando considera que “sem dúvida nenhuma, (...) a Retórica Geral8 se saiu muito bem apresentando uma proposta de classificação bastante aceitável”, que adaptaremos ao nosso estudo. Os retóricos do Grupo de Liège se valem dos seguintes critérios: ou a figura se verifica no plano da expressão ou do conteúdo, ou no plano da palavra ou da frase e essas modificações operam ou por acréscimo, ou por subtração, ou por permuta. De acordo com a combinação desses critérios obtém-se o seguinte quadro: 8 Retórica Geral – é uma Retórica que reduz a Retórica às figuras. (...) Chama-se Geral porque define a “função poética da linguagem” pelo uso de figuras. A função poética da linguagem é o mesmo que função artística da linguagem; é o que acontece quando a linguagem deixa de ser utilitária, um simples meio de comunicação e se converte em fim em si mesma. (TRINGALLI, 1984, p.98) 65 EXPRESSÃO CONTEÚDO vocábulo metaplasmos metassemema frase metataxe metalogismo O domínio dos metaplasmos9 compreende todas as figuras que modificam o aspecto gráfico ou sonoro do vocábulo. Também se chamam figuras fonológicas, figuras de dicção, figuras de harmonia. As metataxes10 compreendem todas as figuras que mexem com a estrutura da frase, como, por exemplo, as figuras de inversão da ordem das palavras na frase. Chamando-se tradicionalmente figuras gramaticais, figuras de construção. No domínio dos metassememas11 encontram-se todas as figuras que modificam o conteúdo do vocábulo, mudando a sua significação. Também se chama figuras semânticas ou tropos. O domínio dos metalogismos12 compreende todas as figuras que alteram o valor lógico da frase, mudam a semântica da frase. São conhecidas também como figuras de pensamento. Em síntese, as figuras se realizam ou no nível fonológico-gráfico, ou no nível gramatical (morfologia e sintaxe) ou no nível semântico do vocábulo ou da frase. Uma relação completa das figuras pode ser encontrada em H. Morier – Dictionnaire de poétique et de rhétorique (Paris: PUF, 1975), em P. 9 Metaplasmos: gr. meta: alteração + plasmos = grafia, sonoridade, som. Metataxes: gr. meta = alteração + táxis = estrutura, construção. 11 Metassememas: gr.meta = alteração + semema = conteúdo do vocábulo, significação. 12 Metalogismos: gr.meta = alteração + logos = pensamento, idéia. 10 66 Fontanier – Les figures du discours (Paris: Flammarion, 1968) e H. Tavares – Teoria Literária (Belo Horizonte: Bernardo Alavarez, 1978), mas optamos pelo elenco apresentado pela Retórica Geral. Nos anúncios publicitários selecionados para a nossa pesquisa, podemos ilustrar o domínio dos metaplasmos com as seguintes figuras: Aliteração: repetição de um mesmo fonema com o objetivo de destacar determinado som ou para imprimir ritmo à frase (DUBOIS et.al., 1974). “Carrinho que tem tudo a ver com carinho.” Nesse anúncio dos produtos GALZERANO observa-se a aliteração dos fonemas /kê/ /rê/ /tê/ /dê/ e das nasais, que, além da musicalidade imprimem ritmo à frase. Nesse slogan aparece também a rima, que “não é nada mais que a recorrência sistemática de unidades fônicas equivalentes” (DUBOIS et al., 1974, p.81), como nos vocábulos carrinho... carinho. Trocadilho: “arranjo hábil de palavras semelhantes no som e cuja seqüência propicia equívocos de sentidos dúbios, principalmente visando fazer humor ou graça.” (TAVARES, 1978, p.366) O anúncio publicitário da BRASTEMP, que possui como slogan: “Geladeira só tem de dois tipos: a nova era e a já era”, apresenta um trocadilho de forma antitética: “a nova era e já-era”. No domínio das metataxes encontramos o quiasma, que, segundo 67 Dubois e outros (1974, p.119) “designa tradicionalmente uma simetria em cruz, que pode valer tanto para o sentido quanto para a gramática”. O anúncio de SHAMPOO OX, apresenta como slogan: “Pense bem antes de escolher o que vai usar na cabeça. Mesmo porque É ela que pensa” A simetria pense/pensa é uma disposição cruzada dos elementos que compõem o sintagma, há, portanto, um meio quiasma. Observam-se também no mesmo anúncio as repetições de palavras na fórmula do produto, para demonstrar o dobro de ativos naturais: Plants + Plants; Shitake/Shitake; Macela do Campo/Macela; Aloe Vera/Aloe; Ginkco Biloba/Ginkco. Para enfatizar a qualidade do produto, tornando-o de nível internacional, a repetição ocorre em forma de bilingüismo: com complexo ativo de plantas – with plants active extracts complex. Nos anúncios publicitários do produto de limpeza VEJA e da BRASTEMP ocorrem repetições, como: “Se você não larga da vassoura, ou é bruxa, ou não usa Veja” e “Geladeira agora só tem de dois tipos: a nova era e a já era”. 68 No domínio dos metassememas encontramos a figura do metassemema que substitui um semema por outro, isto é, modifica os conjuntos de semas do grau zero. Segundo a Retórica Geral, “o metassemema (ou tropo) por exemplo, dá um sentido novo, se não mais puro, às palavras da família.” (DUBOIS et.al. 1974, p.57) O domínio dos metassememas abrange em geral o que tradicionalmente se chama de tropos, isto é, especialmente a metáfora, figura central de qualquer retórica, a metonímia e a sinédoque. Em tópico anterior deste trabalho, definiu-se o metassemema como a figura que substitui uma semema por outro. Uma vez que o semema se manifesta sempre através de uma palavra, as figuras classificadas como metassememas frequentemente foram definidas como aquelas onde se “substitui uma palavra por outra” (DUBOIS et.al. 1974, p.132). A metáfora, por exemplo, segundo considerações do grupo de Liége, “não é propriamente uma substituição de sentido, mas uma modificação do conteúdo semântico de um termo” (DUBOIS et.al. 1974, p.151). Essa modificação resulta da conjunção de duas operações de base: adição e supressão de semas. Noutros termos, pode-se dizer que a metáfora é uma operação mista porque é o produto de duas sinédoques; é a intersecção entre dois termos, porção comum ao mosaico de suas partes: 69 “Metáfora quer dizer, em grego, transporte, tanto que, na Grécia, nos caminhões de transporte, se lê: ‘metafora’ “ (TRINGALI, 1984, p.108). Veja-se o exemplo: “no inverno da vida...” – a palavra inverno tem, como sentido próprio o significado de uma estação do ano. Quando se lhe atribui o significado de uma fase da vida humana, por alguma semelhança, há o transporte da palavra inverno do sentido natural de estação do ano para a velhice. Assim, inverno significa: a) estação do ano; b) velhice (metáfora). Através da Teoría de la expresión poética, de Carlos Bousoño (1952) aprendia-se que a metáfora passava por um mecanismo de formação, de tal forma que era considerado o último estágio da trajetória descrita pela comparação; e quatro são as etapas que o processo percorre até chegar ao tropo: comparação, imagem, metáfora impura e metáfora. Atualmente, com os mais recentes estudos de teoria literária, retórica e estilística, não se leva em consideração tal processo, porém, acreditamos na sua validade como instrumento didático-pedagógico. No primeiro caso estão presentes os dois termos da comparação (o real, ou semelhante; o irreal, ou assemelhado), cuja ligação é estabelecida pelos instrumentos gramaticais competentes – como; qual; tal como; assim como, etc.: Os dentes (elemento real) são como pérolas (elemento irreal). A imagem surge quando a fusão entre os dois elementos (ambos ainda expressos) é tão íntima que dispensa os elementos lógicos da 70 comparação: “Os dentes são pérolas.” Numa terceira etapa teríamos o que se chamava metáfora impura e que, na Retórica Geral se denomina metáfora in praesentia, ou seja, quando só o elemento irreal está expresso, mas ficam vestígios do elemento real. “As pérolas (elemento irreal) de sua boca” (vestígios do elemento real). Finalmente, na quarta etapa, o elemento irreal substitui o elemento real e a metáfora in absentia se apresenta: “Suas pérolas” (na acepção de dentes). Nos anúncios publicitários selecionados há presença de comparação no título do produto NATURETTI: “Na vida de uma mulher dinâmica como você...” e do título do produto VEJA: “Se você não larga da vassoura, ou é bruxa ou não usa Veja.” Aparece imagem no slogan do produto GUTTALAX: “A independência é uma pérola.” Para muitos teóricos e estudiosos da retórica, a imagem também pode ser considerada metáfora in praesentia. Observe-se o título da carne NELORE NATURAL, dos frigoríficos MARFRIF e INDEPENDÊNCIA, que se utiliza da foto de uma celebridade do mundo esportivo – o nadador Fernando Scherer – para o seu anúncio publicitário: “Ele é um peixe. 71 E pelo jeito que come carne deve ser um tubarão” Segundo Dubois et.al. (1974, p.159), há metáfora “in praesentia quando se apresenta uma forma gramatical que introduz relação de comparação, de equivalência, de similitude, de identidade ou relações derivadas”. Outro exemplo de metafora in praesentia podemos encontrar no anúncio do esmalte IMPALA, cujo título, em frase nominal – “Da cor da sua ousadia” – associa a cor vermelha a uma ação ou sentimento. Observem-se as metáforas in praesentia no título dos produtos de O BOTICÁRIO: “A história sempre se repete. Todo chapeuzinho vermelho Que se preze, um belo dia Coloca o lobo mau na coleira”. Chapeuzinho vermelho e lobo mau apresentam relações se similaridade com mulher jovem e frágil e homem forte, vigoroso, recordando os contos de fadas. Também se constata metáfora in praesentia no título do produto “NOVO LUX Firmassage”: Menos é mais”. Associando a linguagem verbal com a não verbal, verifica-se a relação de menos roupa com mais qualidade e firmeza da pele e do ego, com o uso do produto. No anúncio do produto SUNDOWN GOLD observa-se a metáfora in praesentia formada a partir da 72 intersecção de duas sinédoques. Atente-se ao slogan: “Ajuda a manter a beleza das praias brasileiras”. No discurso verbal verifica-se que a palavra beleza refere-se às mulheres que mantêm a pele bronzeada como a areia do mar. Não só há sinédoque da parte (beleza = homens e mulheres bronzeados) pelo (natureza), como há metáfora in praesentia, com vestígios do elemento real (pele bronzeada). Na metonímia, uma palavra é substituída por outra, muda de significado, não por semelhança, mas porque há entre ambas uma relação de contigüidade. Há uma relação de interdependência externa, uma correspondência causal, uma relação de causa e efeito. Também a sinédoque se baseia na relação de contigüidade, mas contrariamente à metonímia, na sinédoque há dependência interna, inclusão, conexão. Observemos, no quadro abaixo, as espécies de metonímia e sinédoque. METONÍMIA - Metonímia de causa e efeito: SINÉDOQUE - A parte em lugar do todo: “Viver do trabalho”. Não se vive do “As velas singravam as ondas”. Quer trabalho, mas do seu resultado, do salário dizer: O barco singrava o mar. A palavra que permite comprar os alimentos. vela (parte do navio) está sendo usada no 73 - Metonímia da matéria e objeto: lugar de navio (todo), por isso, vela (parte) “Quem com ferro fere, com ferro será significa navio (todo) porque há uma ferido”. O sema ferro está no lugar de relação de inclusão (a vela se inclui no espada; usa-se a matéria de que é feito navio). A essa espécie de sinédoque dáem vez do objeto. se o nome de sinédoque generalizante. Obs.: (TRINGALI, 1984, p.109) Fontanier, em Les figures du discours (1968, p.126) classifica esse tipo - O todo (geral) em lugar das partes (particular): de metonímia entre as sinédoques. “Os mortais” (= os homens). Observe-se - Metonímia do continente e conteúdo: que quando chamamos os homens de “Beber um copo de vinho”. Bebe-se mortais não estamos incluindo os animais apenas o vinho (conteúdo). e outros seres vivos. É um tipo de - Metonímia do concreto e abstrato: sinédoque particularizante. “A juventude é inconstante” (= os jovens). - Sinédoque de espécie e gênero: - Metonímia de autor e obra, inventor e invento: “Pôr o animal na sombra” animal (gênero) = cavalo (espécie) “Ler Camões” (= ler a obra de Camões) “Comer o pão de cada dia” pão (espécie) “Tenho um Ford” (= marca de carro que = comida (gênero) derivou do nome do fabricante) - Sinédoque do singular e plural: - Metonímia de lugar e produto do lugar: “O inglês é pontual” inglês (singular) = “Beber um champanhe” (Champanhe = ingleses (plural) lugar/vinho (produto) “O pobre sempre morre na miséria” pobre “Beber um Madeira” (Madeira = (singular) = pobres (plural) lugar/vinho (produto) “Beber um cálice de Porto” (Porto = lugar onde se fabricam vinhos (= produto) Recordando, em síntese, as figuras do domínio dos metassememas, temos que a metáfora se baseia na semelhança e, portanto, nas relações de similaridade, enquanto a metonímia e a sinédoque se baseiam nas relações de contigüidade. 74 Nos anúncios por nós selecionados, podemos encontrar o metassemema sinédoque generalizante na publicidade do SHAMPOO SEDA, cujo título é “Seu cabelo merece um lugar ao sol”. Na leitura da linguagem não verbal observa-se a presença de duas jovens na praia tomando banho de sol, com os cabelos soltos, expostos ao sol e ao vento. Por isso consideramos essa sinédoque como aquela que se caracteriza pela substituição da parte pelo todo, no caso em questão, o cabelo pelo corpo humano. Na coleta de anúncios publicitários encontramos o metassemema metonímia tanto no discurso verbal quanto no não-verbal. Recordando os conceitos, lembremos, com o Grupo de Liége, que “os metalogismos (...) são procedimentos, operações, manobras que podem repetir uma operação metassemêmica e podem também, se bem que menos frequentemente, passar por metassememas” (DUBOIS et.al. 1974, p.180). Seja o metalogismo puro ou associado a um metassemema, ele pode modificar nossa visão das coisas, mas não altera o léxico, porque manifestase num estado de língua que não sofre modificações (DUBOIS et.al. 1974). No domínio dos metalogismos (ou figuras de pensamento) encontramos, nos anúncios selecionados, a antítese, a ironia e a hipérbole. Diz-se que há antítese na relação de idéias contrárias, como nos títulos do produto NATURETTI: “Na vida de uma mulher dinâmica como você não tem lugar para intestino preguiçoso”. 75 e “Você já é muito ocupada para ter trabalho com o seu intestino”. Nos dois exemplos há oposição semântica entre dinamismo e inércia – “mulher dinâmica x intestino preguiçoso” e “muito ocupada x trabalho com o seu intestino” – duas forças antagônicas, cujo equilíbrio poderá ser restaurado com o uso do produto veiculado nos anúncios. Observe-se o título do SEBRAE/SP: “Para quem é pequeno mas sonha grande”, em que aparece a antítese pequeno/grande. O título da geladeira BRASTEMP também encerra uma antítese: “Geladeira agora só tem de dois tipos: a nova era e a já era”. A oposição se dá entre os termos nova era e já era, ao mesmo tempo que ocorre, em já era, a figura da ironia. O metalogismo ironia aparece também no slogan do produto VEJA: “Se você não larga da vassoura, ou é bruxa ou não usa Veja”. Segundo Tringali (1984, p.112), “Faz-se ironia quando se diz o contrário do que se pensa ou sente, mas deixando entender isso. O caráter um tanto agressivo se revela pela possível etimologia da palavra, isto é, ira!”. A hipérbole consiste no exagero expressivo e por adjunção as 76 coisas aumentam-se, isto é, modificam-se os semas intensivos. O silêncio, por exemplo, pode ser hiperbólico cada vez que representa o que se pode dizer a mais. Exemplifica-se na obra Retórica Geral, que, diante de certos espetáculos ou sob o impacto de forte emoção, um elocutor que subitamente faz silêncio, ou um autor cujo discurso termina com reticências, dizem mais do que o espetáculo ou a emoção, e fazem crer que não pensam mais nada a respeito, quando, em realidade, pensam muito mais (DUBOIS et.al. 1974, p.189). No discurso verbal de anúncios publicitários não encontramos o silêncio hiperbólico, mas um exemplo de hipérbole em que aparece o exagero expressivo. É o caso do título da carne NELORE NATURAL: “Ele é um peixe. E pelo jeito que come carne deve ser um tubarão”. O referido exagero é caracterizado pelo fato de uma pessoa qualquer ficar com uma fome descomunal diante do sabor e da qualidade nutritiva da carne de gado Nelore. Nesta parte do trabalho pretendemos dividir o comentário de forma estrutural, o discurso publicitário para melhor apreendê-lo. Partimos da verificação de que o anúncio publicitário possui uma dimensão lingüística (verbal) e uma dimensão extra-lingüística (não verbal). Temos conhecimento de que o valor específico de um anúncio 77 publicitário não reside tão-somente em técnicas estilísticas ou retóricolingüísticas que funcionam no nível dos vocábulos e das frases, mas de numerosos outros elementos que entram em jogo num contexto amplo e que é considerado, pelos teóricos do Grupo de Liège, como ethos – “nós o definimos como um estado afetivo provocado no receptor por uma mensagem particular e cuja qualidade específica varia em função de um certo número de paramentos”. (DUBOIS et.al. 1974, p.204) Para levar a cabo nosso propósito, resta descrever e analisar os anúncios publicitários no macro-contexto do discurso verbal e não-verbal. 4.3 Análise de Anúncios Publicitários A publicidade é um tipo de comunicação no qual as mensagens são formadas através de imagens, texto e composição, usando-se conotações culturais, icônicas e lingüísticas. O discurso publicitário apresenta características lingüísticas específicas que contribuem para a constituição dos textos, possibilitando o acesso à informação através de uma estreita relação entre o não verbal e o verbal, ou entre o icônico e o verbal. O texto publicitário nasce da intersecção de múltiplos fatores psicológicos, sociais e econômicos, por isso é o testemunho de uma sociedade de consumo e conduz a uma representação da cultura a que pertence. É nesse contexto que certos valores, mitos, idéias são 78 impostos na organização da mensagem, (COSTA, 1995, p.31). Não se pode afirmar que exista uma língua própria da publicidade, e sim “determinadas habilidades e técnicas lingüísticas em uso nos anúncios e nos textos da propaganda rotulados de linguagem publicitária” (MARTINS, 1997, p.33). A mensagem publicitária faz uso, não só de um conjunto de efeitos retóricos (aos quais não faltam as figuras de linguagem, já destacadas anteriormente), mas também de estratégias persuasivas, ressaltando-se sobretudo, os usos dos itens lexicais. Essa mensagem e as relações frasais no discurso publicitário também apresentam jogos de palavras, imagens, cores, que incitam o receptor a participar de um universo lúdico. Sua função primordial é tentar vender o produto, informando sobre suas características básicas, exaltando as suas qualidades através de mecanismos de persuasão e sedução. Observem-se os anúncios publicitários que seguem, cuja análise será efetuada logo após a sua apresentação. 79 A começar pelo título, pela nomeação da marca do produto: OX, 80 observa-se que é um empréstimo da língua inglesa, por adoção (OX = boi de corte), é possível que a utilização desse empréstimo lingüístico ocorra por analogia com os produtos naturais que servem de alimentação aos bovinos (PLANTS e PLANTS). O título do anúncio apresenta em discurso declarativo com verbos no modo imperativo (pense), no infinitivo (escolher) e no tempo presente do indicativo (pensa), recursos lingüísticos freqüentemente utilizados na publicidade com o objetivo de persuadir o consumidor a respeito do produto anunciado, já que expressam ordem e referem-se à realidade atual. Em nível de discurso verbal, constatamos o processo retórico de quiasmo (assemelhando-se ao nome do produto ou marca), expressam ordem e realidade e a repetição enfática dos vocábulos que qualificam o shampoo “Plants + Plants” (empréstimo por adoção) e que justificam o dobro de ativos, quer dizer um produto com ação completa de restauração dos cabelos, da raiz às pontas. Também se observa o hibridismo na construção repetitiva dos atributos do shampoo “com complexo ativo de plantas “with plants active extracts complex”, “cabelos danificados/Shampoo for damaged hair”, 8 fl oz/ 240 ml.” A utilização da língua inglesa vem enfatizar as qualidades do produto, ou seja, ele é de qualidade internacional. O slogan é simples frase declarativa: “Faz a diferença”. O texto localizado à margem direita baixa da imagem não verbal, é formado por suas orações nominais: “Nova linha OX 81 Plants + Plants/Agora com o dobro de ativos”, em que se destacam os atributos do produto, através da reiteração vocabular. No discurso não verbal há que se destacar a cor azul, que indica profundidade ao mesmo tempo que se relaciona com o desenho em forma de “S”, semelhante a um fio de cabelo, para enfatizar a profundidade de ação do produto próprio para cabelos danificados e com o dobro de ativos. Ao desdobrar in natura os componentes essenciais da fórmula do shampoo, enfatiza-se a confiabilidade do produto exibido em recipientes transparentes, no intuito de o consumidor saber o que está consumindo. Convém observar também o ludismo na ilustração de copo, vidros e tubos com acoplamento das formas triangular invertida, com o objetivo de demonstrar a eficácia do produto em dobro, da raiz à ponta de cada fio de cabelo. Nos textos ou discursos verbais o emissor (locutor) é effacé ou oculto no ato delocutivo (modalidade enunciativa em que o locutor e o interlocutor estão ausentes) e a coesão é seqüencial (mode d’enchainement) por conseqüência no primeiro corpo do texto e coesão referencial exofórica (fora do texto), como bem explicam Nelly M. de Carvalho e M. Nilda de M. Pessoa (1996, p.82). O próximo anúncio a ser estudado trata de um produto indicado para “resolver” os problemas intestinais da mulher. Vejamos a propaganda: 82 A nomeação do produto dá-se em forma de empréstimo lingüístico 83 por adoção (italiano – naturetti = natureza). O slogan do produto é constituído por duas frases nominais, num processo de justaposição: “Naturetti. Conforto no seu ritmo”. O título: “Você já é muito ocupada para ter trabalho com o seu intestino” revela a presença de um interlocutor virtual (destinatário, receptor) ou possível consumidor do sexo feminino – Você – identificado pela imagem visual feminina e pelo adjetivo ocupada. O período que estrutura o título é organizado por duas orações: a principal – “Você já é muito ocupada” – e a subordinada adverbial final “para ter trabalho com o seu intestino”. Esse tipo de período pode ser considerado não tenso porque não traduz suspense na informação. (CARVALHO, PESSOA, 1996, p.76) Quanto ao modo de organização discursiva, o título é declarativo, porque através dele se enuncia alguma coisa, mas com argumentação aprofundada e ao mesmo tempo, é um título opositivo em termos retóricos, porque apresenta antítese: “mulher dinâmica X intestino preguiçoso”. Reparese, também, na sutileza do discurso em que os significados antitéticos mais parecem um trocadilho com palavras que enfatizam muito mais o dinamismo da vida da mulher moderna, do que o problema intestinal que se reduzirá a sua insignificância, graças à eficácia do produto anunciado. O corpo do texto, à margem esquerda, abaixo do título, é formado de períodos hipotáticos “agora você pode prever a hora” (oração principal) “de ir ao banheiro” (oração subordinada substantiva completiva nominal); 84 “Naturetti combina princípios vegetais” (oração principal) “que atuam estimulando a função intestinal de um jeito suave e gradual” (oração subordinada adjetiva restritiva). “Basta um comprimido ou (basta) uma colher de chá diariamente” (orações simples) “para o seu intestino funcionar sem surpresas”. O slogan é uma frase nominal: “Conforto no seu ritmo”. No discurso não verbal observam-se as cores claras, que demonstram suavidade e beleza, com a predominância da cor verde, que remete, por analogia, à composição de elementos naturais no produto anunciado. Repare-se, também, no movimento corporal da mulher, que parece simular uma antítese entre a posição das pernas contraídas contra o ventre (como quando estamos com dor) em contraste com a expressão facial (sorriso) de felicidade, de alívio provocado pelo efeito do produto. A seguir, apresentamos uma variação do anúncio do produto Naturetti que acabamos de analisar. Observamos o referido anúncio: 85 O anúncio publicitário do laboratório AVENTIS com o produto 86 NATURETTI, para regular o intestino, apresenta o título: “Na vida de uma mulher dinâmica como você não tem lugar para intestino preguiçoso.” Este título traz uma qualidade de positividade ao leitor, com resultado agradável, porque o produto pode ajudar a melhorar seu intestino preguiçoso e seguir com sua vida dinâmica. Na elaboração do título, o publicitário criativo recorre a normas da estilística, de artifícios para provocar o leitor a comprar o produto, recursos estes relacionados às figuras de linguagem, como o caso da antítese, em que o discurso apresenta duas situações diferentes: dinâmica e preguiçoso, ou seja, termos opostos, o que caracteriza o discurso antitético. O corpo do texto: “Agora você pode prever a hora de ir ao banheiro. Naturetti combina princípios vegetais que atuam estimulando a função intestinal de um jeito suave e gradual. Basta um comprimido ou uma colher de chá diariamente para o seu intestino funcionar sem surpresas.” Há um conteúdo informativo ao anunciar que a fórmula combina princípios vegetais e que estes atuam estimulando a função intestinal de um jeito suave e gradual. É nesta parte do texto que a leitora toma a decisão de adquirir o produto e o publicitário usa verbos que demonstram claramente a ação do produto como: pode prever; combina; atuam; basta e funcionar, exaltando a eficácia do produto. O texto apresenta argumentação com força persuasiva, levando a leitora a se convencer sobre a utilidade do produto. O slogan – “Naturetti: Conforto no seu ritmo” – é marcado por uma frase curta, mas que remete à idéia central da mensagem: “mulher dinâmica 87 como você”. O slogan tem por objetivo atrair a atenção da consumidora quanto ao produto e também complementa o título do anúncio. A fórmula do produto observada na embalagem contém produtos naturais como: “Cássia Fistula”; “Senna Alexandrina Miller” “Tamarindus Indica”; “Coriandrum Salivum” e “Hyeyrrhisa Globa”, deixando também visível à leitora a figura de uma mulher saudável, feliz, sem problemas intestinais, perto do corpo do texto para confirmar a argumentação textual. Nas cores usadas há predominância da cor verde, para demonstrar o uso de ervas naturais, extraídas apenas da natureza, sem composição alopática; segundo Kandinsky (1991, p.107) a profundidade do verde dá uma impressão de repouso e de contentamento consigo mesmo. A imagem apresenta uma mulher sentada em um sofá com as pernas cruzadas, demonstrando sensação de leveza e alegria. O sofá aparece suspenso no ar, também atribuindo sensação de leveza e de alívio. Tanto o discurso verbal quanto o discurso não verbal apresentam uma mensagem positiva para as mulheres que fizerem uso desse produto. Na seqüência de nosso trabalho, vamos estudar outra publicidade de um produto laxativo – o Guttalax. 88 O vocábulo GUTTALAX possui a formação léxica por hibridismo: 89 “GUTTA” (latim = gota) + “LAX” (abreviatura de laxante), ou de derivação sufixal. O título do anúncio publicitário da GUTTALAX Pérolas: “A independência é uma pérola” utiliza-se de uma figura de linguagem metafórica, ou metáfora in praesentia, ao comparar a independência com a pérola, uma forma gramatical que introduz relação de comparação, de identidade. Como é prática comum na linguagem publicitária, o título chama a atenção pela duplicidade de sentido. Quando se diz “a independência é uma pérola”, pode-se estar referindo ao valor material das pérolas, representando a independência financeira. Pode-se ainda relacionar o valor da independência à preciosidade de uma pérola. Mas essa leitura é possível fora do contexto verbal e não verbal. “A pérola representa o princípio Yin: ela é o símbolo essencial da feminilidade criativa”, conforme afirma Gheerbrant (1991, p.711). A semelhança entre a pérola (dentro da concha) e o feto (dentro do ventre materno) lhe confere propriedades genésicas e obstétricas e delas derivam todas as propriedades mágicas, medicinais, e até funerárias. A título de exemplo, na Índia ela é recomendada contra hemorragias, icterícia, loucura, envenenamento, doença dos olhos, tísica, prisão de ventre, etc... “Na Europa, ela era utilizada na medicina para tratar a melancolia, a epilepsia, a demência....” (GHEERBRANT, 1991, p.711) O slogan: “GUTTALAX Pérolas. Eficaz como você quer. Delicado como você gosta”, usa a repetição de palavras, “como você” para convencer a consumidora sobre a “eficácia” e “delicadeza” de um produto que a liberte da 90 prisão de ventre sem cólicas. Os verbos “querer” e “gostar” indicando volição e sensação reforçam a função apelativa da mensagem, buscando convencer a consumidora. O texto é explicativo: “ Guttalax é um laxante que combate a prisão de ventre” e a utilização dos adjetivos do slogan: “Delicadeza do organismo feminino”, e logo abaixo: “Além de tudo, discreto como toda mulher gosta de ser”, compara a mulher discreta com o produto. Observa-se também no discurso não verbal, uma moça vestindo calça com a cor pérola e uma mini-blusa preta com bolinhas brancas, de forma coerente com o título: jovem, livre, despojada, descalça e com ar de descontração. A sensação de independência também está presente nas pérolas que aparecem tenuamente ao fundo, parecendo bolhas de sabão, livres, voando. O próximo anúncio selecionado por nós é o da Geladeira Brastemp. Vejamos a imagem e o discurso verbal nele presentes: 91 92 A marca BRASTEMP, por força de sua publicidade, adquiriu sentido metafórico de algo excepcional, na linguagem popular, como, por exemplo, “sua nota na escola não é nenhuma BRASTEMP”. E por isso há uma associação de sentidos quando se trata dos produtos BRASTEMP como eletrodomésticos de grande porte ligados ao fator térmico, como geladeira, fogão, freezer, por exemplo. No título deste anúncio publicitário de geladeira da marca BRASTEMP – “Geladeira agora só tem de dois tipos: a nova era e a já-era” – o recurso lingüístico usado é a antítese: “a nova era” versus a “já-era”, o novo e o antigo, palavras contrárias para persuadir o consumidor a adquirir um produto novo, revolucionário, incomparável aos concorrentes, além também do trocadilho: nova era e já-era e da repetição de termos era.....era. A linguagem coloquial já-era indica fora de uso, velha, ultrapassada. O slogan: “Nova linha de Refrigeradores Brastemp. Uma revolução que não tem comparação” reforça as idéias expostas no título, completando-o. O corpo do texto apresenta uma moderníssima geladeira “6th sense”, que “regula automaticamente a temperatura, preservando os alimentos frescos por mais tempo. Dispenser de água com trava: água sempre gelada, com o máximo de aproveitamento da porta: é só colocar o copo e se servir. Ar frio adicional: um sistema que permite refrigerar as bebidas na metade do tempo.” O texto informa todas as mudanças que houve na nova geladeira e a revolução operada nos detalhes para persuadir o leitor e vender o produto, apresentando-o em estrutura sinedóquica (partes pelo 93 todo) com todas as características e vantagens que possui. Na ilustração predomina a cor azul que segundo Chevalier e Gheerbrant (1991, p.107) é a mais profunda e imaterial das cores, como um vazio acumulado, puro e frio. Por isso, o azul é considerado a mais fria das cores e, em seu valor absoluto, a mais pura. Imaterial em si mesma é uma cor que desmaterializa tudo o que dela se impregna. O azul é o domínio de um clima de irrealidade ou super-realidade – resolvendo em si mesmo as contradições e alternâncias – tal como a do dia e da noite – que dão ritmo à vida humana. Frieza, pureza, imaterialidade, clima de alternância e de irrealidade são características que muito bem podem ser aplicadas à nova linha de geladeiras da Brastemp, pois interrelacionam-se os discursos verbal e não verbal do produto cuja marca é 6th sense: temperatura baixa; dispenser de água gelada; ar frio adicional, ou seja, tanto o produto parece estar além daqueles que existem no mercado porque pertencem à linha “6th sense”, quanto procura insinuar que os compradores devem apelar para o seu “sexto sentido” e adquirir o produto ofertado. Dando prosseguimento ao nosso trabalho, iremos analisar um anúncio que procura convencer o leitor a comprar a carne da marca “Nelore Natural”. 94 95 Esse anúncio da NELORE NATURAL utiliza-se de uma celebridade do mundo esportivo na modalidade natação – Fernando Scherer – o Xuxa, como modelo. O título: “Ele é um peixe. E pelo jeito que come carne deve ser um tubarão”, é formado por três orações. A primeira – Ele é um peixe – é uma oração absoluta que apresentam um predicativo do sujeito ou um período simples que apresenta um sujeito e um predicativo do sujeito, que exerce em si uma metáfora in praesentia ou uma imagem, segundo classificação tradicional. A segunda - “E pelo jeito dever ser um tubarão” – é uma oração coordenada aditiva que carrega em si uma hipérbole. É uma oração dependente de outra – que come carne – que atribui uma qualidade àquela que é considerado um peixe, sendo, pois, uma oração adjetiva restritiva. Por ser um peixe e comer muita carne, pode ser considerado um tubarão. O recurso lingüístico da atribuição da imagem peixe e tubarão a um exímio nadador, além de construir uma metáfora é a configuração de um exagero (tubarão) para persuadir o consumidor. O corpo do texto apresenta todas as qualidades do produto Nelore Natural, através de argumentos racionais: “carne nutritiva, saudável, e muito mais saborosa.” As causas da qualidade do produto são salientadas através do ambiente em que os bovinos vivem e dos alimentos que ingerem. “Os animais são criados em harmonia com a natureza e alimentados com capim e sal mineral.” O campo semântico do nadador comparado a peixe e tubarão também é salientado com os vocábulos água e piscina. O modelo e produto 96 equivalem-se em recordes de qualidade; fusão do texto verbal e não verbal. Fazendo-se a análise dos discursos verbal e não verbal, fica patente a intenção do anúncio de convencer o consumidor a comprar o produto Nelore Natural que, de acordo com as informações nele contidas, parece ser mais saudável e nutritivo, que os similares existentes no mercado e ainda proporcionam saúde, beleza e felicidade a quem o consumir. 97 Geralmente, somos bombardeados por campanhas publicitárias que buscam vender produtos para cabelos, especificamente xampus, razão pela qual selecionamos um anúncio cujo produto em destaque é o “Sampoo Seda”: 98 O produto da marca SEDA faz uma publicidade com duas moças com cabelos compridos e lisos expostos ao sol do verão, sem proteção, sorrindo, com as pernas cruzadas e nos pés um chapéu. O título do anúncio “Seu cabelo merece um lugar ao sol” é uma construção verbal com recurso metonímico, porque não são apenas os cabelos que se encontram expostos ao sol, mas as duas jovens de corpo inteiro, com o objetivo de demonstrar que as jovens podem tomar sol nos cabelos, pois estão protegidas com o shampoo SEDA VERÃO. O slogan “Novo seda verão intenso” é breve, mas apresenta informações necessárias, o produto novo da marca Seda usado no verão intenso; é preciso por usar termos apropriados, sem subterfúgios. O corpo do texto: “Agora com sol Action UV. Proteção total para seus cabelos” serve-se do empréstimo lingüístico action (ação) indicando a proteção de raios ultra violeta para os seus cabelos. A proteção total envolve não só a ação contra a formação de pontas duplas como contra a quebra dos fios. As cores nesse anúncio também são importantes para marcar o clima de verão, azul da cor do céu, e para a publicidade do produto: azul (mar e céu), areia (praia e fundo do título) e amarelo sobre o azul para a embalagem dos produtos. Além disso, aparece a imagem de um painel de quarto de adolescente, onde, geralmente, deixam-se fixadas as recordações significativas de bons momentos vividos (fotos, objetos, bilhetes, postais). Em um lugar na praia, os pés, justamente posicionados na altura da cabeça, para chamar a atenção dos cabelos, foco de interesse do produto. 99 Dessa maneira, o anúncio sugere que a compra dos xampus Seda deixarão os cabelos da mulher que os compra como os das duas moças que aparecem retratadas na parte superior da propaganda. 100 Num país como o nosso, no qual há sol praticamente o ano todo, há produtos que ajudam o consumidor a conseguir mais facilmente uma pele bronzeada. Nesse sentido, observe-se o anúncio do produto “Sundown Gold” da Johnson & Johnson: 101 A marca SUNDOWN GOLD é um empréstimo lingüístico da língua inglesa, que significa pôr-do-sol e ouro. Ao mesmo tempo em que o uso do estrangeirismo atribui um certo status ao produto, diferenciando-o dos seus concorrentes, a marca SUNDOWN GOLD remete à imagem da cor douradobronzeada da pele de quem consome o produto para se expor aos raios de sol. O título: “Ajude a manter a beleza das praias brasileiras” é injuntivo porque através dele dá-se uma ordem ao receptor, com o verbo ajudar no modo imperativo. Na construção do título observa-se o uso da metáfora in absentia, uma vez que o substantivo a beleza substitui completamente o elemento real mulher/homem, com quem estabelece relações de similaridade. Na coesão esafórica (entre o verbal e o não verbal) observa-se também a limpeza da areia dourada (que constitui beleza também) e o jogo de cores bronze e ouro nas embalagens dos produtos. O corpo do texto é formado pelo campo semântico referente a verão, praia e beleza brasileiros: calor, gingado, corpo dourado, beleza do verão brasileiro e, no meio do texto destacam-se a composição e as qualidades do produto que auxiliam na obtenção dessa beleza: “corpo dourado com Sundown Gold. Uma linha completa de bronzeadores que têm betacaroteno, vitaminas E e FPS para garantir um bronzeado bonito, saudável, intenso e duradouro. Mostre na própria pele a beleza do verão brasileiro”. O emissor effacé (apagado) envia a mensagem ao consumidor ou 102 receptor que gosta de se apresentar com a pele bronzeada para aumentar a beleza das praias brasileiras. O slogan “SUNDOWN GOLD. PEGUE ESSA COR” apresenta caráter persuasivo, com o verbo pegar no modo imperativo, e por contigüidade entre a marca do produto e a beleza da mulher brasileira de pele bronzeada, o recurso retórico utilizado é o metonímico: “essa cor” (= SUNDOWN GOLD). Observe-se que o produto como a própria marca define, por analogia, refere-se à pele bronzeada, que é um dos destaques da beleza brasileira no verão. No prosseguimento de nosso trabalho, escolhemos para análise uma propaganda dos produtos para cabelos da linha Lifetex, da empresa Wella. 103 104 Na apresentação de produtos da linha LIFETEX, a WELLA destaca, nesse anúncio publicitário, a nutrição capilar: “LIFETEX nutri-care”. O título é formado por uma frase nominal – “Nutrição capilar” – que já define a finalidade do produto e por uma oração adjetiva restritiva reduzida de particípio: “Servida nos melhores salões de beleza” – que atribui qualidade superior aos locais que detêm a exclusividade do produto. O verbo servir está empregado em sentido metafórico, associando-se, por analogia, à imagem do produto disposto num prato raso, com escova e pente de cada lado (como se fosse uma refeição). Dessa forma, por similaridade a uma refeição nutritiva, anuncia-se o produto, cujo texto enumera a composição e as qualidades: “Os produtos da linha Lifetex contêm o rico complexo Nutri-Care (empréstimo da língua inglesa, que significa necessidade de nutrição) com vitaminas, minerais, micro elementos e extratos de frutas que nutre e reconstrói seus cabelos de dentro para fora”, apresenta argumentos racionais que apelam para fornecer dados que comprovem a eficiência do produto, informando a sua fórmula, suas características e vantagens, através de verbos como contêm, nutre e reconstrói, atribuindo uma ação que produz resultado e repete sempre a idéia de nutrição. Na mensagem esquerda do anúncio, na parte de baixo, aparece a ilustração composta pela linha completa do produto e, para mostrar a sua qualidade de nível internacional e o status de quem dele se utiliza, em inglês surge uma frase que revela a incontestável superioridade da marca e da linha: Beautiful hair needs an expert (cabelo bonito necessita de especialista). 105 A figura da mulher de cabelos negros serve apenas como complementação da linguagem verbal e não verbal. No slogan: “Lifetex Nutri-Care: Nutrição ideal para um cabelo bonito e saudável” são utilizados os adjetivos que atribuem o efeito desejado aos cabelos tratados com o produto. Essa é uma técnica de persuasão. O próximo anúncio a ser estudado também apela para a persuasão na tentativa de convencer o leitor a utilizar os serviços do SEBRAE. 106 107 O SEBRAE SP lança um anúncio publicitário para incentivar pessoas a transformarem um negócio informal em pequenas empresas, divulgando-o através do título: “Para quem é pequeno, mas sonha grande”, que tem, como principal função, atrair a atenção pela apresentação da mensagem, com letras grandes e azuis, tendo como fundo a cor cinza; provocando o interesse pelo seu conteúdo. O título se caracteriza por conter palavras-chaves que são informativas e conduz o leitor a uma decisão por meio de argumentações, que parece ser lógica. As palavras usadas que prendem a atenção do leitor são: pequeno e grande, utilizando uma figura de linguagem denominada antítese, que tem como objetivo realçar uma idéia usando palavras de sentido opostos. O título é um período composto por coordenação, com o objetivo de afirmar as idéias de modo claro, sem interrupção quanto ao sentido. O corpo do texto: “Você pode ter um negócio informal. Ou apenas uma idéia. Pode parecer pouco, mas é só disso que você precisa para mudar a vida. O SEBRAE-SP existe para ajudar a transformar seu grande sonho numa pequena empresa. Presente em todo o Estado, ele está ao lado dos empresários de pequenos negócios em tudo, orientando e ajudando a criação até a gestão. Informações, capacitação, consultoria e eventos de negócio. O SEBRAE-SP indica todos os passos para você chegar aonde sempre sonhou. Procure uma unidade perto de você e dê um novo rumo à sua vida. SEBRAESP. Sua empresa pode ser pequena, mas seus sonhos não”, é puramente informativo e estrutura-se em três partes distintas: a introdução, em que se 108 apresenta o serviço com dados e propósito da mensagem: “Você pode ter um negócio informal... precisa mudar sua vida”. A venda do serviço, suas características: “O SEBRAE existe para ajudar a transformar seu sonho numa pequena empresa... Procure uma unidade perto de você e dê um novo rumo à sua vida.” E a terceira parte, a volta ao início da mensagem: “SEBRAE-SP. Sua empresa pode ser pequena, mas seus sonhos não”, há um discurso elíptico, “seus sonhos não são pequenos, e sim grandes”, voltando à mensagem do título. O slogan é o mesmo do título: “Para quem é pequeno, mas sonha grande.” E logo abaixo os telefones para contato, fazendo parte também do slogan. No discurso não verbal observa-se uma moça vestida de azul e com um avental, com uma fita métrica nas mãos para mostrar que o trabalho é a principal venda desse anúncio e está sorrindo por encontrar no SEBRAE-SP, o lugar onde se pode tornar uma empresária. Em face da avalanche de produtos de limpeza que existem no mercado, os publicitários, para garantir a atenção e aquisição dos produtos que anunciam, precisam ser cada vez mais inventivos e criativos, como se nota no anúncio dos produtos de limpeza “Veja”, reproduzido na próxima página. 109 110 O produto VEJA para limpeza traz em seu anúncio publicitário o título colocado na porta de uma geladeira pregado por um imã em formato de abelha. O título: “Se você não larga da vassoura, ou é bruxa, ou não usa VEJA”, chama a atenção do receptor para o nome do produto VEJA com o sentido de olhe. O título faz uma comparação: “Se você não larga da vassoura, ou é bruxa, ou não usa Veja”, um recurso metafórico, em que a comparação é feita através de uma forma gramatical de equivalência, de identidade: “você...é bruxa ou não usa Veja”, este recurso é denominado na Retórica Geral (1974) como metáfora in praesentia. O título é formado por três orações, uma oração subordinada condicional: “Se você não larga da vassoura”, e outras duas orações coordenadas sindéticas alternativas: “ou é bruxa, ou não usa Veja”. No próprio título é mencionado o nome do produto: Veja, uma característica que, além de apresentar a marca, ou a identificação do produto, o vocábulo VEJA ainda apresenta vários sentidos: é o nome do produto de limpeza que revela a verdadeira cor dos objetos limpos de poeira ou gordura; é uma função apelativa para que se olhe a limpeza após o uso do produto e também se note o bilhete que indica a necessidade de aquisição do produto. Além disso, sinaliza que, tal como a abelha que sai da colméia à procura de pólen e depois a ela retorna para fabricar o mel, a sujeira vai embora com o uso do produto, mas sempre volta. O slogan: A sujeira vai e volta, usa a antítese, termos contrários para caracterizar a sujeira. A repetição do termo não no título: “não larga da 111 vassoura...não usa Veja”, embora se apresente como forma negativa, revelase com significado positivo: “Use Veja e largue a vassoura. Este anúncio chama a atenção por se tratar de um título seletivo com abrangência a determinado segmento de clientela, a mulher, dona de casa, pelo fato de usar a geladeira como instrumento de uso diário, e pela responsabilidade que lhe cabe na limpeza do espaço onde reside. Atente-se, a seguir, para as cores fortes e a beleza presentes no anúncio do esmalte Impala. 112 113 O anúncio publicitário do esmalte Impala apresenta-se com o predomínio da cor vermelha, tanto no fundo como nas roupas que a moça está usando, bem como no batom e no esmalte, conotando erotismo e sensualidade nos movimentos. O título: “Da cor da sua ousadia” é uma frase nominal, em que se utilizam dois substantivos: cor e ousadia, sugerindo a valentia, a paixão, o destemor. Ousadia conforme o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa significa: “ação de quem não tem medo de enfrentar situações e obstáculos, de quem se sente forte, seguro, de quem tem confiança em si.” (FERREIRA, 1986, p.1239). Mas a cor é uma atribuição subjetiva, conforme o Dicionário de Símbolos (1991, p.994), “o vermelho é universalmente considerado como o símbolo fundamental do princípio de vida, com sua força, seu poder e seu brilho”. A cor predominante no anúncio publicitário é o vermelho escuro que, segundo o Dicionário de Símbolos (1991, p.945) “é noturno, fêmea, secreto e, em última análise, centrípeto; representa não a expressão, mas o mistério da vida”. Associada aos vocábulos ousadia, a cor vermelha que envolve toda mulher é a cor da sedução, da provocação, do convite, dos instintos passionais, das pulsões sexuais, da libido, do coração. O discurso lingüístico utilizado é o metafórico, pois há similaridade entre a significação da palavra ousadia e a imagem de cor vermelha. O destaque para a tampa do esmalte na cor branca, com o objetivo de ressaltar a marca e o tipo do esmalte: a marca Impala e o tipo: “esmalte cremoso“ ALLURE 428. ALLURE palavra da Língua Inglesa que significa 114 atração, feitiço, sedução. O slogan IMPALA Cosméticos é breve e remete ao nome do produto. A imagem da mulher com a boca aberta, a cor vermelha nos lábios, nas unhas, no vidro de esmalte e ao fundo da foto sugerem a sensualidade e a beleza que toda mulher poderá adquirir se utilizar os esmaltes da marca Impala. 115 Um outro produto que sem sombra de dúvida liga-se ao universo feminino é o sabonete. Como conseqüência desse fato, as mulheres são o alvo das campanhas de venda desses produtos, conforme se pode notar na exposição do sabonete Lux Firmassage: A LUX lança um novo sabonete, o LUX FIRMASSAGE, em que o discurso não verbal ocupa a maior parte da página mostrando o formato do sabonete com protuberâncias massageadoras e na cor verde, provavelmente, com ervas, porque há pigmentações mais escuras, deixando entender a mistura. No lado esquerdo, um vestido longo, que, sem o uso de palavras, deixa subentendido que as mulheres que não usam esse sabonete, não podem mostrar o corpo, têm que cobri-lo. Ao lado direito aparece um vestido 116 bem curto, indicando que, ao usar o sabonete, o corpo pode ser mostrado, sem preocupação. O título também é muito significativo: “menos é mais. Principalmente, quando o assunto é roupa”, e complementa o discurso não verbal. A figura de linguagem usada é a antítese pautada nos advérbios menos e mais e não verbal, quando se contrapõem um vestido curto e outro longo. A segunda parte explica o que é menos e o que é mais: “quando o assunto é roupa”. O corpo do texto encerra declarações afirmativas: “Novo Lux Firmassage. Um sabonete que massageia o seu corpo, deixando uma sensação de firmeza na sua pele e no seu ego. Sinta-se Lux.” O vocábulo Lux é um empréstimo da língua latina que significa luz, claridade, e Firmassage, uma justaposição da Língua Inglesa: firm, firme, sólido e massage, massagear. O adjetivo novo aparece no início do texto para identificar a novidade, o último lançamento da Lux. A última frase do texto é plurissignificativa, pois através de sua forma imperativa convida a receptora a consumir o produto para: a) deixar-se envolver pelo seu poder massageador; b) sentir-se luminosa e com sensação de firmeza no corpo; c) sentir-se tranqüila e refrescante. A cor verde é a que predomina como fundo e no produto. Conforme explicações do Dicionário de Símbolos, o verde é o mediador entre o calor do vermelho infernal e o frio do azul celeste, entre o alto e o baixo, ambos absolutos e inacessíveis. É uma cor que tranqüiliza, refresca, humaniza. É a 117 cor do reino vegetal, é o despertar da vida natural, é a cor da água, da esperança, da força, da longevidade e da “imortalidade universalmente simbolizada pelos ramos verdes” (1991, p.939). A cor preta dos vestidos não simboliza luto, mas traje a rigor, de cetim brilhante. Na antítese entre curto e longo, a supremacia é atribuída ao vestido curto para que a suavidade do corpo seja revelada. Não há slogan nesse anúncio, parece estar representado pela embalagem do produto com destaque para “Novo LUX Firmassage.” Neste anúncio, assim como no de O Boticário há uma grande relação entre o discurso verbal e o não verbal para compreensão da mensagem publicitária, como veremos em seguida. 118 Ultimamente O BOTICÁRIO tem elaborado seus anúncios publicitários utilizando-se de personagens de contos de fadas. O anúncio em estudo remete à história fantasiada do Chapeuzinho Vermelho, em que a menina desobediente e ingênua é ludibriada pelo lobo mau, metáfora da ingenuidade e da astúcia, respectivamente: do bem e do mal. No título do anúncio já se depreende a inversão dos acontecimentos no mundo real, embora com a primeira frase o emissor effacé (apagado) tente ludibriar o receptor declarando que “A história sempre se repete”. Porém, nas outras afirmações do corpo do texto, verifica-se não só a inversão da historinha, mas a plurissignificação textual. 119 “Todo chapeuzinho vermelho que se preze, um belo dia, coloca o lobo mau na coleira”. Por chapeuzinho vermelho pode considerar-se toda mulher que usa produtos de O BOTICÁRIO, sendo, portanto, uma construção metafórica. Além disso, como a modelo está vestida com capa e capuz vermelho-claro, a simbologia dessa cor, segundo o Dicionário de Símbolos (1991, p.944) leva-nos a inferir a sua força centrífuga, de atração, que incita à ação, com força imensa e irredutível. Por essa ação sedutora a chapeuzinho vermelho é capaz de atrair e prender o lobo mau. Além da construção antitética “chapeuzinho vermelho X lobo mau”, há que se observar a construção metafórica de “coloca o lobo mau na coleira”, que significa deixar-se prender por amor (o homem deixa-se seduzir pela mulher que usa produtos de O BOTICÁRIO). Este anúncio publicitário que chama a atenção porque apela à fantasia, à criança que habita em cada um de nós, à força da sedução, e persuade o consumidor não só pela beleza da imagem não verbal, como pela originalidade criativa do discurso verbal. O anúncio que segue também recorre ao universo infantil para a venda de um produto específico: um carrinho de bebê. É claro que neste último, as intenções dos realizadores do anúncio são diferentes, porque eles pretendem que os pais comprem o produto anunciado para os filhos. 120 O anúncio de carrinhos de bebê da empresa GALZERANO traz como título: “O carrinho que tem tudo a ver com carinho.” O uso das palavras carrinho e carinho rimam entre si e ainda há ritmo, aliteração, e assonância por repetição de fonemas consonantais e vocálicos, e ainda são palavras parônimas com o objetivo de imprimir ritmo e musicalidade, levando o leitor a memorizar mais facilmente a mensagem. O texto “A Galzerano é exatamente como você: apaixonadíssima pelo seu nenê. Afinal, são 49 anos de amor, dedicação e um cuidado todo especial na hora de produzir uma grande variedade de produtos da mais alta qualidade, como a linha completa de carrinhos, andadores, berços, cercados 121 e banheiras. E o melhor de tudo: com os laços afetivos, todas as garantias e a agilidade no atendimento que só mesmo uma empresa 100% nacional pode oferecer. É por isso que o carrinho Galzerano tem muito a ver com carinho”. Apresenta um grande número de adjetivos para qualificar tanto o produto quanto a empresa. Inicia-se com uma comparação: “A Galzerano é exatamente como você: apaixonadíssima pelo seu nenê”. Logo em seguida revela tanto a variedade quanto as qualidades dos produtos, apresentando-os nominalmente. Na última parte volta ao início do título. O uso do diminutivo tanto no título como no final do texto denota afetividade, demonstrado também através do discurso não verbal representado por um nenê sentado em uma das cadeiras que a empresa fabrica, tendo logo abaixo outros modelos de produtos. O slogan “Galzerano o lugar do seu bebê” faz referência aos produtos da marca, que é um nome próprio, de origem italiana e também enfatiza que o objetivo principal dos produtos Galzerano é o bem-estar de todo bebê. Nosso penúltimo anúncio selecionado para análise destaca um calçado bastante popular e muito conhecido do público brasileiro por meio da mídia impressa e televisiva. Observe-se o anúncio mencionado: 122 O anúncio da marca Conga é curioso pelo título que apresenta, fazendo o leitor pensar, despertando curiosidade para se entender o que 123 menciona, conforme Gonzáles (2003) ocorre a desmontagem da fórmula. O título “Para entrar no mundo da moda, pise em quem faz sucesso” apresenta um sentido ambíguo em que o verbo pisar pode indicar “passar ou andar por cima de”, além de o pronome relativo quem indicar pessoa(s) (FERREIRA, 1986, p.1339). Essa ambigüidade é desfeita quando se constata que o verbo pisar, embora seja polissêmico, está sendo usado no sentido de caminhar, andar e especificamente, no sentido de usar um calçado da marca Conga. Os verbos: entrar, no infinitivo; pise, no imperativo e faz, no presente, representam, primeiramente, uma condição, em seguida, uma ordem e por último o resultado. O slogan, logo no início do anúncio: “CONGA Tá no pé, tá na moda”, mostra a simplificação do verbo estar por ta, em linguagem coloquial, popular, justamente para dar ritmo e memorizá-lo, utilizando a repetição de palavras. O fundo do anúncio é brando e o conga é azul para destacá-lo, visualizar melhor, assim como também são as cores do slogan, CONGA, um calçado que, de acordo com as imagens verbal e não verbal, permite a qualquer um estar na moda e fazer sucesso, desde que o use no seu dia-adia. É inegável a importância que a tecnologia assumiu para o ser humano, particularmente nas últimas décadas, conforme se pode comprovar no anúncio reproduzido mais adiante. 124 125 A MICROSOFT anuncia seu produto através de um discurso não verbal bem criativo, relacionando-o ao discurso verbal. No título: “A era do Estou fora do escritório e não estou conectado já era”, aparecem várias figuras de linguagem: a repetição de termos era...era, estou...estou; trocadilho: “a era do...já era”, usando uma linguagem figurada para denotar o novo e o velho. O que está destacado em negrito e ainda entre aspas “ESTOU FORA DO ESCRITÓRIO E NÃO ESTOU CONECTADO”, indica que o interlocutor vive um passado longínquo, pré-histórico. O discurso verbal está intimamente relacionado com o discurso não verbal: um homem de terno e gravata, mas com a cabeça de um dinossauro sentado em uma poltrona com um copo na mão e uma bolsa ao seu lado no chão, para dar maior coerência à relação verbal e não verbal. Há hibridismo na construção da figura humana, metade homem e com cabeça (e cérebro) de dinossauro. O texto do anúncio é o seguinte: “A forma como trabalhamos evoluiu e o Microsoft Office acompanhou essa evolução. Hoje, os telefones celulares e o acesso a e-mails via Web já não são suficientes. Você precisa estar conectado a qualquer hora e em qualquer lugar. Com o Office 2003 e através de um dispositivo móvel baseado em Windows, como um SmartPhone, você pode acessar os seus dados mesmo estando fora de seu ambiente de trabalho”. É constituído com o auxílio de muitos empréstimos lingüísticos da língua inglesa e hibridismos, tais como: Microsoft, por exemplo, é uma adaptação fonética de micro (que é abreviatura de microcomputador) e soft (que quer dizer macio, flexível, liso); Office, função, cargo; Web, série; 126 SmartPhone, telefone ativo, dinâmico; Windows, janela; e-mails, endereço virtual. O texto tem o propósito de acender a curiosidade do leitor em saber qual é o produto que está sendo anunciado, qual é a idéia principal, por isso usa de frases curtas, tornando a leitura mais fácil. O receptor precisa dominar um repertório mínimo sobre o assunto, caso contrário não vai entender a mensagem e muito menos se sentirá persuadido a adquirir um produto que em nada lhe interessa. O texto utiliza do recurso metonímico ao apresentar a evolução da Microsoft com telefones celulares, acesso a e-mail via Web, mesmo estando fora do escritório, através de um conectivo móvel baseado em Windows, como em SmartPhone. O slogan “Seu potencial. Nossa inspiração. MICROSOFT” é formado por frases nominais com o uso de dois pronomes possessivos: seu, com o sentido de você consumidor do produto; e nossa, a tecnologia dos produtos de última geração. Assim, o anúncio insiste na idéia de que para não se tornar um dinossauro, isto é, alguém ultrapassado, retrógrado, o leitor deve adquirir o produto Microsoft para estar atualizado, “antenado” com as informações e as mudanças que ocorrem a todo momento no mundo. 127 CONCLUSÃO A publicidade é a arte de conquistar com ilustrações, palavras e nada melhor que o anúncio bem escrito para executar esta tarefa. Utiliza-se fundamentalmente da palavra como canal condutor das informações para chegar aos receptores. Estes, por sua vez, deverão decodificá-los de acordo com suas experiências. O discurso publicitário tem nos princípios da retórica seu campo de criatividade e persuasão, uma vez que é a arte de convencer e de levar à ação por meio da palavra e este é o principal papel da linguagem da publicidade. A linguagem possui determinados recursos e técnicas lingüísticas próprias do discurso publicitário, tornando-a mais dinâmica e sintética e foge ao código formal da língua, sem abandoná-lo totalmente, e também assimila o registro coloquial, com o objetivo de obter maior identificação com o grande público, como se pode observar no desenvolvimento do trabalho. Os anúncios publicitários buscam novas formas para se destacarem, utilizando uma linguagem adequada às rápidas mudanças quanto à moda, costumes, avanços nos meios de comunicação e nos produtos de consumo. Como exemplo, citem-se os eletrodomésticos e aparelhos eletrônicos. As mensagens devem ter originalidade para se adaptarem ao ritmo acelerado da vida urbana e ao gosto por tudo o que é novo, diferente e simples. 128 Destacaram-se neste estudo as funções da linguagem, sendo que a função apelativa aparece com mais freqüência, pois tem por objetivo persuadir alguém e vender um bem de consumo, um produto, um serviço, ou uma idéia, agindo como um ato comunicativo que externa forte apelo ao receptor, ao destinatário. Com as figuras de linguagem, constatou-se também que exercem influência nos textos publicitários, aparecendo algumas com maior freqüência, como no caso das metáforas, antíteses, metonímias, hipérboles. Estas figuras cumprem a função de redefinir um determinado campo de informação, criando efeitos novos e que sejam capazes de atrair a atenção do receptor. São expressões figurativas que conseguem quebrar a significação própria e esperada daquele campo de palavras. Observou-se que a combinação de texto verbal e ilustração torna-se cada vez mais importante, porque de um lado temos um texto com recursos lingüísticos para o desenvolvimento do anúncio publicitário com o objetivo de provocar mudanças de opinião nos leitores e por outro, linguagens não verbais que expressam sentidos e utilizam também signos lingüísticos, com a diferença de que na linguagem verbal os signos são palavras; e no discurso não verbal os signos são explorados de forma imagética, sonora, pela cor, pelo movimento, por pessoas belas, por artistas. Enfim, concluímos que a publicidade exerce papel importante na atividade comercial e está voltada aos procedimentos de comunicação, usando da arte da retórica como meio de persuadir, convencer o consumidor 129 a adquirir bens ou serviços, usando de meios lingüísticos, tanto verbal como não verbal para atrair a atenção do consumidor, do destinatário e o faz de maneira criativa, original, dando vivacidade à mensagem publicitária. Não podemos afirmar que exista uma linguagem própria da publicidade, mas alguns recursos verbais e imagéticos que atribuem ao produto ou serviço características que operam como discurso apelativo e persuasivo. 130 REFERÊNCIAS BARRETO, R.M. Criatividade em propaganda. 5.ed. São Paulo: Summus, 1982. BARTHES, R. O grau zero da escritura. Tradução de Anne Arnichand e Álvaro Lorencini. São Paulo: Cultrix, 1971. BOUSOÑO, C. Teoria de la expresión poética. Madrid: Gredos, 1952. (Biblioteca románica hispánica) BROWN, J.A.C. Técnicas de persuasão. 2.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1971. CAMOCARDI, E.M. Fernando Pessoa mensagem: história, mito, metáfora. São Paulo: Arte & Ciência, 1996. 21v. ______.; FLORY, S.F.V. Estratégias de persuasão em textos jornalísticos, literários e publicitários. São Paulo: Arte & Ciência, 2003. CAMPANATO JÚNIOR, J.A. Retórica e literatura. São Paulo: Scor Tecci, 2003. CARVALHO, N. Publicidade: a linguagem da sedução. 3.ed. São Paulo: Ática, 2002. CHAISE, V.F. 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