Professora cria jornal e mobiliza 120 alunos em escola da periferia de SP
'Figueiredo News' retrata os problemas da comunidade de escola municipal.
'Com o jornal aprendi a ver o mundo de forma mais crítica', diz aluna.
Vanessa Fajardo
Do G1, em São Paulo
Visto como um espaço para emitir opiniões, exercitar o senso crítico e registrar a história, o
jornal ‘Figueiredo News’ se tornou o xodó dos alunos da escola municipal Desembargador
Manoel Carlos de Figueiredo Ferraz, no bairro Pedreira, na Zona Sul de São Paulo. A
escola Figueiredo, como é conhecida, abriga 1.100 alunos do ensino fundamental 1 e 2,
além de Educação para Jovens e Adultos (EJA) fica no entorno de cinco favelas.
O jornal tem a nossa cara e gostamos muito de falar sobre os eventos da escola. Quando
sai, mostramos para os pais, para os vizinhos”Pâmela Ribeiro dos Santos, de 13 anos
A ‘editora’ do ‘Figueiredo News’ não é jornalista, mas criou o jornal para suprir a
necessidade de registrar a história da escola que tem mais de 50 anos. Alessandra Silva
de Souza, de 34 anos, foi aluna da escola Figueiredo, mora no bairro Jardim São Jorge,
bem próximo do colégio, se formou em geografia, e hoje dá aulas no Figueiredo. Também
leciona
em
um
colégio
particular
no
bairro
Granja
Julieta,
em
São
Paulo.
“Muitas festas e eventos marcaram minha época de escola e percebi que nos dias de hoje
não havia arquivo ou qualquer outro registro. Comecei a estudar técnicas jornalísticas,
trabalhar com as notícias. O projeto jornal foi muito bem aceito”, diz. O nome e o logotipo
do
veículo
foram
escolhidos
pelos
estudantes
por
meio
de
um
concurso.
O projeto começou em 2011 e para produzir o material, os alunos permanecem na escola
no contraturno. Atualmente cerca de 120 estudantes do ensino fundamental 1 e 2 estão
envolvidos no trabalho. O ‘Figueiredo News’ tem nove editorias que contemplam as
informações da escola, do bairro e até do país, divididas em dez páginas. A periodicidade
é semestral e a diagramação é feita pela própria professora Alessandra, nos computadores
da escola.
O jornal é fixado em murais espalhados pela escola e como a quantidade de cópias não é
suficiente para atender todos os alunos, há um revezamento entre eles que levam para
casa, mostram para os pais, e depois repassam para os demais colegas. A terceira edição
deve sair nesta primeira quinzena de novembro. A expectativa para o próximo ano é mudar
a
periodicidade
para
bimestral
e
criar
a
versão
eletrônica.
Alessandra diz que um dos objetivos do jornal é trazer a comunidade para escola e fazer
com que as crianças se reconheçam neste espaço. “Eles precisam sentir que existe
expectativa além da sala de aula.” Deu certo. O projeto virou a sensação da escola
Figueiredo.
“O jornal tem a nossa cara e gostamos muito de falar sobre os eventos da escola. Quando
sai, mostramos para os pais, para os vizinhos”, diz Pâmela Ribeiro dos Santos, de 13
anos, do 8º ano.
A participação do projeto não é obrigatória, nem conta nota. Mas a partir do momento que
o aluno opta por ajudar, assume compromissos de escrever, fotografar e entrevistar. Cada
grupo é responsável por uma editoria. Há alunos dos 8ºs e 9ºs anos como monitores que
coordenam a produção dos estudantes menores. “Com o jornal aprendi a ver o mundo de
forma mais crítica, leio notícias e aprendi a dar minha opinião. Quando o jornal sai,
sentimos orgulho de saber que foi a gente que fez e que nossa escola pode”, afirma Ligia
Ferreira Santos, de 14 anos, do 8º ano.
Lucas
Cícero
do
Nascimento,
de
12
anos,
vai
escrever o editorial do jornal: "Quero ser jornalista" Lucas Cícero do Nascimento, de 12
anos, do 7º ano, é o responsável pelo editorial da próxima edição. Estudioso e dedicado,
ele é um destaques de sua classe. Nas edições anteriores, Lucas participou da produção
das enquetes e reportagens. O garoto diz que ama escrever porque o deixa mais calmo e
sempre quis participar do projeto, quando conseguiu “realizou um sonho.” Quando crescer,
quer ser jornalista. “É uma profissão que informa, ajuda as pessoas, acho digna.” Para
Lucas, o bairro sofre com a falta de lazer, e a escola Figueiredo é o que a comunidade tem
de bom. “Gosto de ler e estudar em casa, fazer o jornal acaba sendo uma diversão.”
Os quadrinhos da edição da editoria de entretenimento do ‘Figueiredo News’ são
responsabilidade de Felipe Santos Barbosa, de 12 anos, e Israel Escudeiro Evangelista, de
11 anos, do 6º ano. A dupla vai desenhar sobre o problema que o lixo acarreta nos dias de
chuva. “O jornal proporciona mais conhecimento e nos permite trabalhar em grupo.
Quando saiu a última edição fiquei tão feliz, nem parecia que eu que tinha feito”, diz Felipe.
Para Israel, o projeto permite que as crianças aprendam sobre assuntos diferentes.
Prêmio
O ‘Figueiredo News’ rendeu a professora Alessandra o Prêmio Victor Civita Educador
Nota 10 que premia práticas educativas de sucesso em todo o país. O projeto dela e de
outros dez professores e um diretor de escola receberam o prêmio. A entrega do troféu da
15ª
edição
ocorreu
em
outubro
na
Sala
São
Paulo.
Apesar de ser a criadora e coordenadora do jornal, a professora diz que ele não é sua
propriedade. “Se eu sair da escola, o jornal vai continuar, é um projeto dos alunos. É uma
ideia que deve ser compartilhada, já que a história não tem dono.”
Download

`Figueiredo News` retrata os problemas da comunidade