ESPAÇO PEDAGÓGICO - REFLEXÕES SOBRE A INDISCIPLINA NA ESCOLA
Simone Maria Alves de Lima
Profa. Dra. Carmem Lucia Artioli Rolim (Orientadora)
Terezinha Rodrigues de Sousa Diógenes (Colaboradora)
Programa de Pós-Graduação em Educação – UFT
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq
Escola Municipal de Tempo Integral Luiz Nunes de Oliveira
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Resumo
O presente trabalho é fruto de uma investigação empírica de cunho qualitativo que teve por objetivo conhecer o
trabalho dos espaços pedagógicos constituídos legalmente no ambiente escolar e a inter-relação que esses
mantêm com alunos, pais e professores a partir de atividades e ações criativas. Enfocamos o termo criatividade a
partir da perspectiva histórico cultural. Portanto, este trabalho evidencia a organização escolar, desde um
experimento realizado pelo serviço de orientação educacional de uma escola do campo, no município de Palmas,
Tocantins. Como metodologia, utilizamos a observação participante e, como recursos, a observação, a entrevista,
recolha e a análise de documentos, registros e fotos. Trata-se de uma experiência desenvolvida na Escola de
Tempo Integral Luiz Nunes, realizada pela orientadora educacional Terezinha Rodrigues, com a colaboração de
pais, alunos e professores. O projeto intitulado “Disciplina Nota 10” tem como objetivo trabalhar a questão
disciplinar dos alunos desde, a educação infantil até o nono ano e fundamenta-se, principalmente, na disciplina
não pela punição, mas pela reflexão da ação e na interação social. Teve inicio em 2007, permanece ativo e tem a
cada necessidade, elaborado novos instrumentos ou reelaborados os instrumentos anteriores. Nesse sentido, é
possível pontuar que os espaços pedagógicos funcionam como apoio fundamental no processo de ensino e
aprendizagem, bem como na formação social dos sujeitos e que a ação colaborativa contribui significativamente
na busca para soluções de problemas de aprendizagem e de indisciplina, podendo retirar da escola a visão de
disciplinadora por meio de punições, tornando-a mais educativa, reflexiva, colaborando assim para um ambiente
mais harmônico, onde o pensar/refletir se constitui na retomada da ação e melhoria das relações.
Palavras Chave: Espaços Pedagógicos. Indisciplina na Escola. Ação e Criatividade.
Introdução
O presente trabalho é fruto de uma investigação empírica de cunho qualitativo que
teve por objetivo conhecer o trabalho dos espaços pedagógicos e as possíveis contribuições à
prática docente nas soluções de problemas conflitantes vivenciados no interior da escola. O
interesse surgiu inicialmente com a proposta do V Fórum Internacional Inovação e
Criatividade (INCREA), PPGE/UFT e da leitura de Franco (2012), que ao fazer uma
abordagem sobre a contribuição da pedagogia às práticas docentes, chama a atenção para a
contribuição dos pedagogos e espaços pedagógicos, bem como, pelo convívio/atividade
profissional dessa pesquisadora com os referidos espaços em escolas municipais em Palmas –
TO. Os serviços de supervisão e orientação educacional encontram-se constituídos legalmente
no âmbito das instituições de ensino desse município e enfrentam divergentes opiniões ao que
diz respeito a sua contribuição na otimização do trabalho e na resolução de problemas no
ambiente escolar, contexto onde surgem questionamentos quanto a efetiva colaboração desses
na solução de problemas, bem como, sobre quais ações marcam a atividade dos profissionais
que atendem nesses espaços e que se destacam como ações colaborativas e inovadoras na
articulação do processo ensino/aprendizagem e na inter-relação professor/aluno, aluno/aluno e
escola/família. Com o objetivo de responder aos questionamentos, buscamos no contexto
municipal algumas ações criativas, realizadas por supervisores e/ou orientadores, sendo que o
termo criatividade segue a abordagem da concepção histórico cultural. A presente
investigação evidenciou que os espaços pedagógicos (pedagogos) desempenham sua função,
conseguem inovar e mostram-se criativos. A título de exemplo, apresentamos um
experimento realizado pelo serviço de orientação educacional de uma escola do campo, no
município de Palmas, Tocantins e como metodologia, recorremos à observação participante,
como recursos, entrevista, recolha e análise de documentos, registros e fotos. Trata-se de uma
experiência desenvolvida na escola Municipal de Tempo Integral Luiz Nunes, pela
orientadora educacional Terezinha Rodrigues com a colaboração de pais, alunos e
professores. O projeto intitulado “Disciplina Nota 10” tem como objetivo trabalhar a questão
disciplinar dos alunos, desde a educação infantil até o nono ano e fundamenta-se
principalmente na disciplina, não pela punição, mas pela reflexão da ação e pela interação
social. Teve inicio em 2007, permanece ativo e tem, a cada necessidade, a construção de
novos instrumentos ou reestruturação dos anteriores assim, como resultado, é possível pontuar
que esses espaços funcionam como apoio fundamental no processo de ensino e aprendizagem
auxilia na formação social dos sujeitos e que a ação colaborativa contribui significativamente
na busca de solução de problemas seja de aprendizagem ou de indisciplina, confirmando que
as ações criativas podem retirar da escola a visão de disciplinadora por meio de punições e
tornar esse ato mais educativo e reflexivo, colaborando assim para um ambiente mais
harmônico onde o pensar/refletir se constitui na retomada da ação e na melhoria das relações.
Metodologia
Considerando que o estudo destina-se a investigar a prática educativa e colaborativa
dos pedagogos no contexto escolar, seu desenvolvimento seguiu orientações de Bogdan e
Biklen (1994, p. 47-50), ao ressaltar que a investigação qualitativa tem em sua essência cinco
características que definem o interesse da pesquisa. A fonte direta de dados como ambiente
natural e o investigador como instrumento principal na coleta desses dados, constituem a
primeira característica, os dados recolhidos como carácter descritivo, a segunda, os
investigadores que utilizam metodologias qualitativas, estão mais interessados no processo
que nos resultados, a terceira, a análise dos dados de forma indutiva, a quarta e o investigador
mais interessado no significado que os participantes atribuem às suas experiências do que pela
própria experiência, a quinta. Como abordagem metodológica, optou-se pela observação
participante, por essa permitir o uso de materiais diversos e a recolha de dados, ao mesmo
tempo em que se observou o desenvolvimento da ação. A investigação foi realizada em uma
escola do campo do município de Palmas – TO. A definição do espaço escolar se deu a partir
de consultas prévias (em caráter de enquete) realizadas junto aos técnicos da Secretaria de
Educação de Palmas, solicitando aos mesmos que apontassem ações realizadas por
pedagogos, “espaços pedagógicos” que se revelassem como inovadoras, surgindo dessa forma
o Projeto Disciplina Nota 10. Estabelecemos contato com a orientadora educacional
responsável,
agendamos
entrevista,
visitamos
a
escola,
recolhemos
documentos
(instrumentos) utilizados e analisamos o projeto político pedagógico da escola. Para análise e
interpretação dos dados, recorremos à teoria da atividade de Leontiev (2012), que orienta
significados e sentidos sobre a ação pedagógica produzida pelos profissionais em seus
espaços, Com Vigotski (2009), buscou-se evidenciar a capacidade imaginativa e criativa, com
Foucault (1996), a fundamentação da questão da indisciplina/disciplina e com Franco (2012)
e Pimenta (1988), a colaboração com o conceito e a importância do pedagogo e dos espaços
pedagógicos no contexto escolar.
Espaços pedagógicos e ações criativas
A prática docente encontrar-se envolvida diretamente em todos os espaços escolares,
num processo de interlocução dinâmico que exige partilha de responsabilidades, onde a escola
com os profissionais que a constituem lança-se em práticas e propostas na tentativa de
elucidar dificuldades inerentes ao ensino, à aprendizagem e a relacionamentos conflitantes
que têm marcado fortemente as instituições educacionais no início do Século XXI. Nesse
sentido, a contribuição dos pedagogos e suas práticas no que chamamos, de acordo com
Franco (2012, p.31), de espaços pedagógicos, assumem um papel fundamental na organização
e gestão. Nesse sentido, a autora afirma que tem:
[...] certeza que os professores não conseguem trabalhar sem que haja esse substrato
pedagógico tecendo as intenções coletivas na escola; sem uma esfera institucional,
que chamo de espaço pedagógico, acompanhando o andamento do projeto político
da escola e funcionando como instância crítica a mediar interesses e negociar com as
esferas que dialogam continuamente com a escola (pais, comunidade, sistema
escolar).
Cabe aos espaços pedagógicos elaborar e executar propostas que conduzam a formas
efetivas na solução de problemas presentes e vivenciados em cada contexto educacional. A
importância da presença desses espaços pedagógicos (profissionais) no interior da escola
justifica-se, principalmente, pelo fator histórico e cultural de cada comunidade, sendo que
cada instituição possui seus problemas específicos, com origens específicas, o que requer um
pensar e um agir pedagógico elaborado e direcionado à sua especificidade. Sabe-se que
existem os problemas gerais que abrangem a maioria das instituições de norte a sul do país,
porém, um projeto que funciona em uma dada instituição nem sempre é aplicado com êxito
em outra instituição. Se assim o fosse, não teríamos problemas, dado a quantidade de
pesquisas e projetos que buscam minimizar ou resolver os problemas enfrentados pela escola.
Nesse sentido, inúmeras investigações empenham-se em minimizar problemas de cunho
didático cognitivo, envolvendo estratégias de melhoria de ensino, processos de alfabetização
entre outros, assim como os de cunho social que se voltam para a busca de soluções para os
problemas de relacionamentos interpessoais. Observa-se um esforço constante da escola e de
seus profissionais nessa busca de enfrentamento de desafios. As escolas realizam ações com
resultados favoráveis, que muitas vezes não ultrapassam o âmbito escolar. A divulgação de
tais ações constitui o dever dos pesquisadores que devem entender que “socializar e tornar
públicas as práticas, induz os docentes a perceberem que a prática não é apenas uma
responsabilidade pessoal de cada docente, mas um trabalho coletivo de pensar o contexto e
recriar um modo de atuar sobre ele.” (FRANCO, 2012, p.24). “Entendemos que o fazer
pedagógico, que ultrapassa a sala de aula e a determina, configura-se como essencial na busca
de novas formas de organizar a escola para que seja efetivamente democrática” (PIMENTA,
1988, p. 55).
Os espaços pedagógicos em dada atividade, ao definirem a ação e ao atribuírem
sentidos a essa, proporcionam o desenvolvimento, por consideram o contexto, as palavras, as
ações e as operações que os compõem, quer dizer, tudo é pensado para atender
especificamente a uma dada comunidade na elucidação ou minimização de um determinado
problema. Ao considera-se o fato do planejamento/elaboração a partir de um membro do
grupo que vivencia a situação, a ação passa a ter um sentido e um significado inerentes à
maioria dos interlocutores do processo, como bem coloca Moysés (2012, p. 40), “o fato de o
aluno não compartilhar do mesmo nível de profundidade e amplitude de um conceito com um
interlocutor pode gerar desentendimento. É fonte de dificuldade permanente para qualquer
professor conhecer o alcance dos significados e sentidos atribuídos pelos alunos às suas
palavras”, ações, ou seja, é imprescindível que ambos, professor e aluno, conheçam a
atividade principal, que de acordo com Leontiev (2012, p. 68) “por atividade, designa-se os
processos psicologicamente caracterizados por aquilo a que o processo, como um todo, se
dirige (seu objeto), coincidindo sempre com o objetivo que estimula o sujeito a executar a
atividade, isto é, o motivo”.
Além da clareza da atividade, a atribuição de sentidos e significados assegura o
entendimento, de que é fundamental que um projeto se preste a criatividade, não a
criatividade artística, como normalmente a escola interpreta o termo, mas atribuindo-lhe um
caráter imaginativo na solução dos problemas. Para L. S. Vigotski (2009) toda obra da
imaginação constrói-se de elementos tomados da realidade [...] e a imaginação, quando se
cristaliza em objetos ou obras, provoca alterações na realidade. Assim, se os ambientes
escolares são repletos de elementos reais, são esses que determinam a ação criadora. Diante
de tantos desafios que a escola enfrenta e requer de seus profissionais, nas ações efetivas
destacam-se os problemas advindos dos processos multiculturais, que muitas vezes têm como
desfecho situações de bullying ou de indisciplina. Como exemplo, no ambiente investigado,
os interesses ideológicos divergentes suscitam a indisciplina, uma vez que a escola acolhe
filhos de fazendeiros (defensores do latifúndio), de trabalhadores rurais (poceiros) e de
assentados (oriundos do movimento sem terra).
A indisciplina e a escola
Um dos grandes desafios que a escola tende a enfrentar no Século XXI é a
indisciplina dos alunos, haja vista os altos índices de relatos e fatos que têm
culminado em tragédias nas próprias escolas, ou que têm início nas relações sociais
nessas instituições e se consumam fora delas. Considerando a abordagem históricocultural que ressalta ser o homem produto de suas relações e do contexto
sociocultural em que vive, é possível apreender a indisciplina como um fenômeno
que surge nos e dos processos de relações. No entanto, a questão da indisciplina
não surge apenas nesse século, na verdade, nesse século ela se evidencia e parece
ampliar-se, porém, trata-se de uma prática que permeia a escola há muito tempo, uma
vez que nesse contexto, considera-se indisciplina as agressões físicas e verbais, a
desobediência, provocações, vandalismos entre outros. Diante de casos de indisciplina, a
escola tem imputado penalidades normalmente privativas, as quais impõe ao discente uma
suspensão, transferência compulsória entre outras. Assim, ao compor uma estrutura baseada
na relação de poder e ao imputar penalidade à escola assume característica de instituição
disciplinadora que segundo Foucault (1987, p. 230):
A penalidade, a vigilância e o controle seriam então uma maneira de gerir as
ilegalidades, de riscar limites de tolerância, de dar terreno a alguns, de fazer pressão
sobre outros, de excluir uma parte, de tornar útil outra, de neutralizar estes, de tirar
proveito daqueles.
Nesses termos, a disciplina pautada na penalidade, vigilância e controle pouco educa,
uma vez que há sempre alguém se fortalecendo com a imposição do poder. Com o propósito
de romper com esse caráter disciplinador, onde a palmatória se fez presente até a década de 80
do século passado e as formas de gestão e de ensino pautados no autoritarismo e situações de
relacionamentos conflitantes, nos quais os conflitos têm origem nos fatores históricos e
sociais, foi que a orientação educacional da Escola Luiz Nunes, a qual acomoda filhos de
fazendeiros, trabalhadores rurais e assentados onde as lutas e os interesses são divergentes,
elaborou um projeto, na tentativa de minimizar os casos de indisciplina estabelecidos no
interior da escola.
Aspectos históricos do ambiente investigado
Fundada em 1960, a escola foi construída pelos agricultores da região que
sentiam necessidade de ter uma escola para atender seus filhos. Possuía caráter privado, pois
cabia a esses agricultores pagar o salário do professor, motivo que limitava o acesso, sendo
uma escola com poucos alunos. Tendo por base uma educação tradicional, caracterizava-se
como uma escola silenciosa, rígida, onde se fazia o uso da palmatória e da verificação da
aprendizagem do conteúdo semanal, no “dia do argumento”. Tornou-se pública, três anos
depois no dia 02 de agosto de 1963, passando a pertencer à Prefeitura Municipal de Porto
Nacional, através da Lei nº 469 de 02/08/1963. Por ser uma extensão de outra escola do
Município de Porto Nacional, recebeu o nome de Escola Irmã Maria Aspásia, com uma média
de 20 a 30 alunos e com um único professor que ministrava aulas de 1ª a 4ª séries em uma
sala multisseriada. Permaneceu com esse caráter educativo de 1963 a 1980 e também com as
normas de uso da palmatória e do argumento, onde o professor agia de acordo com os
princípios de uni docência facilitados pelo isolamento e pelo difícil acesso.
Com a criação do estado do Tocantins, abrem-se novas perspectivas e
configuram-se mudanças na realidade da escola. Em 1990, a escola passa a pertencer ao
município de Palmas, onde nessa nova gestão, ampliou o número de salas, realizou matrículas
por série e aumentou o número de professores, sendo um para cada série. Porém, deparou-se
com um novo problema, os professores não tinham formação, nem mesmo haviam concluído
o primeiro grau. Na verdade, tratava-se aqui de quem sabia um pouco mais, ensinar quem não
sabia. No ano de 1990, a Lei nº 69/90, de 30 de agosto de 1990, alterou o nome da escola para
Escola Municipal Luiz Nunes de Oliveira, em homenagem ao primeiro professor. Dois anos
depois, iniciou-se o atendimento â 5ª série e, a partir desse momento, passou-se a implantar
sucessivamente as demais séries do Ensino Fundamental. Os professores participaram de
processos de formação pelo Projeto Cuca, curso oferecido e custeado pela Prefeitura de
Palmas, com o objetivo de capacitar e habilitar professores, que teve início em meados de
1993, formando a primeira turma em 1995.
Em 1994, a Prefeitura de Palmas implantou o sistema de Polos Educacionais. Tratavase de um agrupamento das escolas rurais em núcleos (Escolas Polos), projeto com o objetivo
de eliminar a multisseriação e também oferecer um ensino de qualidade e uma escola com
estrutura física digna para a zona rural. A escola Luiz Nunes, passou a ser “Escola Polo” e
recebeu alunos de duas outras escolas multisseriadas. Porém, é no ano de 2000 que se marca o
grande avanço com a conclusão do nível superior dos professores, melhoria na estrutura
física, criação de espaços pedagógicos e acesso a recursos didáticos e tecnológicos. O acesso
a uma graduação para os professores foi facilitado por meio de projeto do Governo Federal
em parceria com o Estado, podendo ser cursado na modalidade à distância. Uma segunda
opção foi a abertura de outras universidades na nova capital, fator que favoreceu a
qualificação de muitos educadores.
Em 2008, a Resolução CME nº 18/2008, instituiu-a como Escola de Tempo
Integral, com funcionamento das 8 às 16 horas, de segunda a quinta-feira. Hoje, se enquadra
na posição de escola democrática, estabelece vínculo e discussão com a comunidade escolar.
Neste contexto, muitas vantagens podem ser pontuadas, porém, o convívio em um tempo
maior, amplia as possibilidades de conflitos e exige da escola e dos educadores novas
atitudes, novas posturas e novas propostas. Foi nesse espaço que o serviço de orientação
educacional organizou o projeto Disciplina Nota 10 sobre o qual passamos a detalhar.
Projeto Disciplina Nota 10
O projeto teve inicio em 2007 e surgiu com a experiência da atual orientadora
educacional, que ao desempenhar a função de coordenadora pedagógica, na falta do serviço
de orientação assumia também o trabalho com os discentes e a família. Ao desempenhar a
dupla função, realizando atendimento a docentes e discentes, sentia a necessidade de um
trabalho que minimizasse os conflitos. No ano de 2006, a Prefeitura Municipal de Palmas
instituiu o Serviço de Orientação Educacional (SOE), considerado um grande avanço pela
comunidade, cabendo a esse assumir o trabalho com os discentes. No ano seguinte, a referida
supervisora, Terezinha, a convite da gestora, assume o SOE, tendo por base as experiências
anteriores nas quais o atendimento se respaldava em normativas do regimento escolar com
registros de ocorrências, suspensões ou transferências compulsórias, busca implementar no
novo espaço pedagógico, algo diferente que descaracterizasse a antiga visão de penalidade e
que substituísse o caráter disciplinador, corretivo, punitivo por outro que surtisse efeito e que
educasse. Com esse pensamento, o serviço de orientação educacional da referida escola
iniciou o projeto “Disciplina Nota 10”, buscando com esse, algo que convergisse em
mudanças, que não mais usassem a punição, mas que possibilitassem a reflexão da ação, algo
que conduzisse a novas atitudes e a boas interações sociais. Em volta desse pensamento
elaborou os primeiros instrumentos, uma espécie de ficha de registro em que a aluno descreve
o ocorrido, onde a construção de instrumentos conduz o aluno a relatar o conflito e a aprender
conceitos fundamentais. Primeiro, porque retira do orientador o encargo de registrar a
ocorrência, ou seja, retira a visão de delegar, arbitrar e julgar a ação, ao mesmo tempo em que
repassa ao educando a responsabilidade de inferir e pensar sobre o ato para descrevê-lo.
Durante a atividade, a ação inicial possibilita a reflexão e outros encaminhamentos como;
análise do nível de escrita com correções ortográficas e gramaticais e leitura, uma vez que, ao
término da descrição, o aluno é convidado a ler o que escreveu. Essa operação possibilita uma
análise descritiva, sendo que o ato envolve mais de um sujeito. Naturalmente, ao descrever o
fato, o aluno o faz de acordo com seu o ponto de vista, o que normalmente incide em
divergências. Esse momento crucial estabelece e retomada do processo das relações,
evidenciando o equívoco, possibilitando a finalização do conflito. Assim, todos que chegam
ao SOE, ao término do atendimento, são encaminhados para o reforço e, após duas passagens
do aluno pelo SOE, seja pelo mesmo motivo ou por outro, a família é convidada a comparecer
à escola e, juntamente com o discente, gestão e supervisão, dialogam sobre o comportamento
do educando que é encaminhado para casa com outro instrumento, esse devendo ser
respondido juntamente com a família. Foucault ressalta que:
Uma disciplina se define por um domínio de objetos, um conjunto de métodos, um
corpus de proposições consideradas verdadeiras, um jogo de regras e de definições,
de técnicas e de instrumentos: tudo isso constitui uma espécie de sistema anônimo à
disposição de quem quer ou pode servir-se dele, sem que seu sentido ou sua validade
estejam ligados a que sucedeu ser seu inventor. (FOUCAULT, 1996, p. 30)
Portanto, trazer o conflito para um espaço discursivo possibilita, não apenas à escola,
como também à família, na construção de valores os quais não realçam a indisciplina, porém,
elevam e enfatizam a disciplina. Assim entendida, a disciplina refere-se a um conjunto
de parâmetros que devem ser seguidos no contexto educativo, visando à
convivência e à produção escolar de melhor qualidade.
O projeto assume um formato de triangulação, onde a aprendizagem (a mudança de
atitudes) é construída no contexto escolar e envolve (aluno-professor-família), cabendo ao
aluno, à reflexão, a apropriação e a reconstrução dos processos de relações e à escola e à
família integrarem-se nesse processo como mediadores da atividade, a qual resultará no
objeto/motivo, que vem a ser a mudança de comportamento. Leontiev (2012) expõe que o
envolvimento intenso do sujeito naquilo que ele realiza, é o que garante o aprendizado.
Partindo desse princípio, pode-se apreender que o envolvimento do aluno na ação é o que
viabiliza a mudança de atitudes e tem contribuído para minimizar o índice de indisciplina na
escola.
Considerações Finais
O contexto escolar é o lugar onde se efetivam processos de aprendizagens cognitivas e
também o lugar onde o aluno aprende a conviver a partir de um processo de comunicação e
interação social. Cabe então à escola, dotar o aluno de experiências e vivências significativas
que contribuam para a aprendizagem e o desenvolvimento, a partir de uma construção
coletiva e colaborativa que envolva todos os seguimentos da comunidade escolar. Nesse
sentido, os espaços pedagógicos com suas atitudes e projetos viabilizam a escola e seus
atores, melhorias quanto à aprendizagem e ao relacionamento interpessoal, além de agirem
como interlocutores em inúmeras operações que envolvem a atividade educativa. Assim,
como resultado da investigação, é possível pontuar que os espaços pedagógicos funcionam
como apoio fundamental no processo de ensino e aprendizagem, bem como na formação
social dos sujeitos. Que a ação colaborativa contribui significativamente para a busca de
soluções de problemas de aprendizagens ou de indisciplinas, dessa forma as ações criativas
podem retirar da escola a visão disciplinadora por meio de punições, tornando esse ato mais
educativo, reflexivo, corroborando para um ambiente mais harmônico onde o pensar/refletir
se constitui na retomada da ação e da melhoria das relações.
Referências
BOGDAN, R.; BIKLEN, S. Investigação qualitativa em educação. Porto: Porto Editora,
1994.
FOUCAULT, M. Vigiar e Punir. Trad. Raquel Ramalhete. 27. ed. Petrópolis: Vozes, 1987
_________, M. A Ordem do Discurso. Trad. L. F. de A. Sampaio. São Paulo: Loyola, 1996.
FRANCO. Maria A. S. Pedagogia como ciência da educação. São Paulo. Cortez, 2012.
LEONTIEV, A. N. Uma contribuição à teoria do desenvolvimento da psique infantil. In:
VIGOTSKI, L.S. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo: Universidade
de São Paulo, 2012.
MOYSÉS, L. Aplicações de Vygotsky à educação matemática. 11º ed. Campinas, SP:
Papirus, 2012.
PIMENTA, S. G. O pedagogo na escola pública. São Paulo: Loyola, 1988.
VIGOTSKI, L. S. (2009). Imaginação e criação na infância. (A. M. B. Smolka, Trad.). São
Paulo: Ática
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