226 agosto. 2013 Jornada do Percurso de Escola XI (II) Gestão 2013-2014 Presidência Marta Pedó 1ª Vice-Presidência Liz Nunes Ramos 2ª Vice-Presidência Eduardo Ely Mendes Ribeiro 1ª Secretaria Gerson Smiech Pinho 2ª Secretaria Fernanda Breda Maria Elisabeth Tubino 1ª Tesouraria Marcia Helena de Menezes Ribeiro 2ª Tesouraria Ieda Prates da Silva Mesa Diretiva Alfredo Néstor Jerusalinsky Ana Laura Giongo Ana Maria Medeiros da Costa Beatriz Kauri dos Reis Deborah Nagel Pinho Eduardo Ely Mendes Ribeiro Fernanda Breda Gerson Smiech Pinho Lúcia Alves Mees Lucia Serrano Pereira Marcia Helena de Menezes Ribeiro Maria Ângela Bulhões Maria Ângela Cardaci Brasil Norton Cezar dal Follo da Rosa Júnior Renata Maria Conte de Almeida Robson de Freitas Pereira Sidnei Artur Goldberg Silvia Raimundi Ferreira Simone Goulart Kasper Simone Madke Brenner Tatiane Reis Vianna Correio da APPOA / Associação Psicanalítica de Porto Alegre. – Ano. 1, n. 1 (1993). – Porto Alegre, APPOA, 1993 – Mensal ISSN 1983-5337 1. Psicanálise 2. Periódicos. I. Associação Psicanalítica de Porto Alegre – APPOA. CDU 159.9(05) Bibliotecária Responsável: Luciane Alves Santini CRB10/1837 editorial. Em tempos de mobilização política intensa na cidade e no país, recebemos as notícias com a satisfação de perceber os jovens, e nós mesmos, não tão entorpecidos pelo mundo virtual, mas, ao contrário, dispostos a sair na chuva e no frio para caminhar e se fazer ouvir. Apesar de terem-se iniciado como um protesto sobre os 20 centavos do transporte público, as manifestações se expandiram a reverberar insatisfações variadas. Dentre os efeitos dos movimentos, a dita “cura gay” foi retirada, e o Ato Medico não foi acatado pela Presidenta. Este ainda deverá ser revisado, e o esforço pela sua não promulgação segue, para cada um de nós. Neste Correio, seguimos a publicação dos escritos dos jovens autores no encerramento do Percurso. O Final do Percurso de Escola da APPOA é brindado com uma Jornada de trabalhos, em que cada um dos autores compartilha conosco um recorte de sua elaboração da trajetória. Em maio deste ano, a Turma XI responsabilizou-se pelo trabalho de construir essa jornada, que se desdobrou em um dia mais uma noite, quando pudemos assistir e usufruir de sentar na platéia, escutar e debater. O trabalho da associação, em sua responsabilidade com o ensino e a transmissão, dando lugar aos tempos de estudo em seminários, de trabalho agosto 2013 l correio APPOA .1 editorial. em cartéis, bem como do acompanhamento da escrita de cada um, inclui ainda o de publicar os textos produzidos a partir do Percurso. A sessão temática deste Correio traz, assim, mais uma oportunidade de compartilhar os efeitos desse tempo de trabalho conjunto. Conforme lemos, nas palavras dos autores: “Ao nos aproximar do campo psicanalítico, não somos mais os mesmos. Nos projetamos no que lemos, nos compomos no que lemos, e o que lemos, então, nos inclui.” Boa leitura! 2. correio APPOA l agosto 2013 notícias. III Jornada do Instituto APPOA Psicanálise e Intervenções Sociais Desamparo e Vulnerabilidades 23 e 24 de agosto de 2013 Hotel Continental – Porto Alegre Largo Vespasiano Julio Veppo, 77, Centro, Porto Alegre, RS O desamparo é uma experiência fundamental da condição humana e é em torno dela que se constitui a posição do sujeito no laço social. Freud faz do estado de desamparo (hilflosigkeit) um conceito de referência em sua obra, enfatizando-o Imagem: Nem tudo são flores, de Betinha Trevisan, 1997. como o protótipo das situações traumáticas, geradoras de angústia no adulto, pois o confronta, no tempo presente, com a impotência de seu estado de desamparo infantil originário. Segundo agosto 2013 l correio APPOA .3 notícias. ele, o mal-estar, a infelicidade e as situações traumáticas nos chegam de três direções: do sofrimento de nosso próprio corpo, do mundo externo e das insatisfações ou da violência desencadeadas pelas relações com os outros. O sofrimento proveniente desta última talvez seja o mais penoso de todos eles. A cultura com que procuramos fazer frente à condição humana e seu inevitável mal-estar nos defronta com inúmeras situações de vulnerabilidade em seu movimento permanente de conflito entre civilização e barbárie. Em todas estas situações, o sujeito está diretamente implicado. Quando somos atingidos, o catastrófico se articula com o desamparo estrutural e somos confrontados com o trauma do real irrepresentável. O desamparo e as diferentes vulnerabilidades colocam um desafio para a clínica da psicanálise em extensão. Propomos com esta III Jornada do Instituto APPOA abrirmos o debate sobre nossas intervenções fundadas no desejo do analista e na ética da Psicanálise. PROGRAMA Sexta-feira, 23/08/2013 17:30 – Inscrições 18:00 – Abertura – Jaime Alberto Betts (APPOA, Diretor do Instituto APPOA) Lançamento da Revista da APPOA nº 41-42 – Psicanálise: invenção e intervenção 18:30 – Conferência – O desejo do analista face ao desamparo contemporâneo – Caterina Koltai (psicanalista, PUCSP) 20:00 – Mesa 1 – Passagens: Sujeito e Cultura – Catástrofe e Representação • A colaboração da psicanálise na construção do acolhimento às vítimas do incêndio na Boate Kiss – Volnei Antonio Dassoler (APPOA, Instituto APPOA, Secretaria Municipal de Saúde de Santa Maria) 4. correio APPOA l agosto 2013 Jornada do Percurso de Escola XI (II). • É possível falar sobre esta tragédia? – Luciana Portella Kohlrausch (APPOA, Instituto APPOA) Imagens apesar da catástrofe – Robson de Freitas Pereira (APPOA, Instituto APPOA) Coordenação: Norton Dal Follo da Rosa Jr. (APPOA, Instituto APPOA) Sábado, 24/08/2013 9:30 – Mesa 2 - Psicanálise e Educação: O que pode a psicanálise no campo da educação? Educação impossível? Gerson Pinho (APPOA, Instituto APPOA, Centro Lydia Coriat) e Larissa Scherer (APPOA, Instituto APPOA) Crise do vínculo educativo – Roseli Cabistani (APPOA, Instituto APPOA, UFRGS) e Cristina Pinto Gomes Mairesse (Psicóloga, UNIFIN) Coordenação: Sonia Ogiba (APPOA, Instituto APPOA) 11:00 – Intervalo 11:15 – Mesa 3 - Psicanálise, Políticas Públicas e Saúde Mental • A clínica e as práticas de cuidado na rede de atenção à infância e adolescência – Ieda Prates (APPOA, Instituto APPOA, supervisora de CAPSi) e Tatiane Reis Vianna (APPOA, Instituto APPOA, CIAPS/HPSP) • Brincando de tráfico? Notas sobre o proibicionismo e a internação compulsória – Sandra Djambolakdjian Torossian (APPOA, Instituto APPOA, UFRGS) • A Casa dos Cata-Ventos: uma aposta na dimensão política do brincar – Anderson Beltrame Pedroso (Casa dos Cata-Ventos, consultor UNESCO/PIM) Coordenação: Renata M. C. de Almeida (APPOA, Instituto APPOA, Casa dos Cata-Ventos) 12:45 – Almoço agosto 2013 l correio APPOA .5 notícias. 14:30 – Mesa 4 - O Desejo do Analista nas Práticas Institucionais • Apoio matricial, uma clínica em extensão – Elaine Rosner Silveira (Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre) • “Secretários do alienado”? A psicose e a instituição psicanalítica – Siloé Rey (APPOA, Instituto APPOA, ULBRA) e Liz Nunes Ramos (APPOA, Instituto APPOA) Coordenação: Marcia Helena de Menezes Ribeiro (APPOA, Instituto APPOA) 16:00 – Mesa 5 - Imigrantes, Exilados e Refugiados • Do exílio ao asilo: escutas clínicas – Barbara Conte, Alexei Indursky, Daniela Feijó e Liege Didonet (Sigmund Freud Associação Psicanalítica) • Os tempos do luto – Ana Maria Medeiros da Costa (APPOA, Instituto APPOA, UERJ) Coordenação: Otávio Winck Nunes (APPOA, Instituto APPOA) 17:30 – Intervalo 17:45 – Conferência: O desamparo da saúde mental infanto-juvenil – Nilson Sibemberg (APPOA, Instituto APPOA, Centro Lydia Coriat, CAPSCAIS Mental Centro – Porto Alegre) Coordenação: Lucia Serrano Pereira (APPOA, Instituto APPOA) 19:15 – Encerramento Valores para inscrição: Antecipadas até 17/08 Associados Após e no evento R$ 70,00 R$ 90,00 ou recém formado* R$ 80,00 R$ 100,00 Profissionais R$ 90,00 R$ 110,00 Estudantes de Graduação * Estudantes de GRADUAÇÃO e recém formados até 2 anos devem enviar comprovante por e-mail ou fax. 6. correio APPOA l agosto 2013 Jornada do Percurso de Escola XI (II). Informações e inscrições: • Na sede da APPOA. • Horário de funcionamento da Secretaria da APPOA: De segunda a quinta-feira, das 8h30 às 12h e das 12h às 21h30 e sextas-feiras das 8h30 às 12h e das 12h às 20h. • Inscrições pelo site www.appoa.com.br. Após efetuar o pagamento da sua inscrição pelo site, enviar por fax ou por e-mail o comprovante de pagamento devidamente preenchido. • Inscrições mediante depósito bancário, para Banco Itaú, agência 0604, conta-corrente: 32910-2 ou Banco Banrisul, agência 0032, conta-corrente 06.039893.0-4. Neste caso, enviar, por fax ou e-mail, o comprovante de pagamento devidamente preenchido, para a inscrição ser efetivada. • Estudantes de GRADUAÇÃO e recém formados até 2 anos devem enviar comprovante por e-mail ou fax. • Inscrições para grupos, informe-se na Secretaria da APPOA. • As vagas são limitadas. ATIVIDADES PREPARATÓRIAS À III JORNADA DO INSTITUTO SÃO DIVULGADAS POR E-MAIL E NAS LINHAS DE TRABALHO DISPONÍVEIS NO SITE www.appoa.com.br/instituto_appoa agosto 2013 l correio APPOA .7 temática. (Des)enlaces – O que convoca à escrita? Carmela de Lima Tubino1 testemunha não seria somente aquele que viu com os próprios olhos. (...) testemunha também seria aquele que não vai embora, que consegue ouvir a narração insuportável do outro e que aceita que suas palavras levem adiante, como num revezamento, a história do outro: não por culpabilidade ou por compaixão, mas porque somente a transmissão simbólica, assumida apesar e por causa do sofrimento indizível, somente essa retomada reflexiva do passado pode nos ajudar a não repeti-lo infinitamente, mas a ousar esboçar uma outra história, a inventar o presente” (Gagnebin, J. M., 2009, p. 57). O convite para construir uma produção escrita que traga um recorte da experiência que se inscreveu ao longo desse “Percurso”, inicialmente, provocou inquietação e uma pergunta: “que experiência convoca uma escrita?”. Para conseguir lançar-me em alguma primeira palavra, fez-se 1 Psicóloga, especialista em Atendimento Clínico com ênfase em Psicanálise. agosto 2013 l correio APPOA .9 temática. necessário lembrar onde se iniciou meu trabalho clínico. Recuperar experiências construídas em uma prática de escuta em um serviço de internação psiquiátrica teve, como efeito, a emergência de interrogantes que sustentam e colocam em movimento minha escuta para além dos muros do hospital. Nessa travessia de lugares algo acompanhou meu trabalho. Meu fazer clínico manteve como inspiração a escuta de pacientes que se encontram em um tempo de urgência na psicose. O desejo, rascunhado nesse breve escrito parece ser revisitar – desde um outro lugar – os enigmas da clínica da psicose. Em Gagnebin (2009) encontro alguma pista no seguinte trecho: Tal rememoração implica uma certa ascese da atividade historiadora que, em vez de repetir aquilo de que se lembra, abre-se aos brancos, aos buracos, ao esquecido e ao recalcado, para dizer, com hesitações, solavancos, incompletude, aquilo que ainda não teve direito nem à lembrança nem às palavras(...) (p. 55). Inspirada pelas palavras da autora, tomo emprestado o estilo do “narrador sucateiro”, que ao realizar seu trabalho não possui como alvo os grandes feitos, mas apanha tudo aquilo que é deixado de lado como algo que não tem significação, aquilo que parece não ter nem importância ou sentido. O que interessa ao sucateiro é o que sobra. Uma direção para esse escrito aqui encontro: um possível fio que se inscreve a partir das sobras, daquilo que fica sem nome na clínica. Retomo, então, a pergunta de um paciente durante uma oficina de escrita realizada no hospital: “O que se faz com palavras?”. As palavras em sua fala parecem convocá-lo a um fazer-com, um fazer que se faz enigma. As palavras adquirem um estatuto de algo com o qual se manuseia. Assim, gostaria de pensar a escuta da psicose como uma clínica que convida a um fazer-com as palavras. Um fazer-com o material possível que decanta do sujeito. E nesse artesanato de si, acompanhar o sujeito a compor, tecer anteparo ao gozo absoluto do Outro. Anteparo que, na psicose, não foi 10. correio APPOA l agosto 2013 Jornada do Percurso de Escola XI (II). produzido como efeito da organização simbólica decorrente da experiência da castração. A tela da fantasia, como assinala Guerra (2010), não se coloca na psicose, pois não há inscrição da falta. Dessa forma, o mal-estar da ausência de sentido da existência, como delicadamente diz a autora, não encontra véu na fantasia. Assim, o sujeito situado na psicose está diante do real da castração. Para a autora, a não incidência da castração é responsável pela consistência do objeto a que se manifesta nos olhares e nas vozes. Quinet (2011), ao traçar uma diferença entre fala e voz, situa a fala no terreno do endereçamento ao Outro. Há, portanto, uma demanda que coloca em circulação uma fala que irá articular os significantes na produção de uma significação. A voz é apresentada, na elaboração do autor, como aquilo que resta do significante que não produz efeito de significação. É o equivalente ao real do significante. Isso do significante que não pôde ser dito, que toma corpo e toma o corpo do sujeito. O psicótico, dessa maneira, permanece identificado à posição de objeto do gozo do Outro, numa entrega absoluta e sem intervalo. Lembro da fala do paciente que inspira essa escrita. Ele em um momento de muita angústia me relata ter pesquisado como extrair cirurgicamente de sua nuca o chip que havia sido implantado para monitorar seus pensamentos. Para ele, tratava-se de extrair no real do corpo esse elemento capaz de inaugurar um furo no Outro, sempre onisciente e onipresente em sua vida. Uma pergunta, então, se presentifica: como fazer passar do real do corpo para uma experiência articulada às palavras? Algo da história que resta do sujeito, nesses momentos de crise na psicose, precisa ser encontrado, recolhido no espaço da transferência, tal como faz o sucateiro que apanha “tudo aquilo que é deixado de lado como algo que não tem significação, algo que parece não ter nenhuma importância nem sentido (...)” (Gagnebin, 2009, p. 54). Resto que, através da escuta, se converte em palavra possível de endereçamento, construindo assim uma fala articulada a uma demanda, uma narrativa. agosto 2013 l correio APPOA .11 temática. “Quando o corpo fica fraco...” Assim J. – paciente que começo a escutar em sua primeira internação – iniciava sua fala sobre a iminência de um novo tempo de crise. Estava no Brasil para realizar mestrado em matemática. Na internação, começa a falar sobre seu tema de pesquisa: o “espalhamento acústico”. J. procurava entender como seus pensamentos se espalhavam. E, para explicar a dispersão de suas ideias falava da certeza de ter um chip implantado em sua nuca. Sentia-se estranho nessa cidade com pessoas tão diferentes dele e de seu povo. Tudo nele produzia um estranhamento aos olhos do outro. Olhares que foram se fazendo muito ameaçadores e hostis para ele. O chip, contudo, ao longo dos atendimentos, pôde assumir uma outra posição. J. começa a falar do chip como uma hipótese para compreender os efeitos de sua vinda e sua chegada em Porto Alegre. Algo que construímos a partir dos relatos dos sonhos e de suas explicações sobre a tese do “espalhamento acústico”, que, para mim, leiga no campo da matemática, não passavam de hipóteses. J. pedia uma “técnica” para lidar com a angústia, parecia querer saber como barrar, cegar, emudecer esse Outro que estava a vigiá-lo. Nas crises, se entregava inteiro, dizia que falaria tudo, contaria todos os seus segredos se isso o curasse. O “dizer tudo” se fazia um imperativo. O trabalho, nesses momentos, parecia ter como direção parcializar o que é possível falar e escutar. Limite que atravessava a nós dois. Em uma das crises, me diz: “toma tudo, todo meu dinheiro, tudo que é meu”. J. nesse dia fica devendo a sessão, pois eu não poderia aceitar o “tudo dele”. J. nos momentos de crise falava da vontade de abandonar tudo, de voltar para seu quarto em seu país, de voltar para junto de seus pais. O retorno para casa era associado ao fracasso primeiramente, para com o tempo se fazer uma possibilidade que poderia acompanhá-lo sempre. Permanecer em Porto Alegre poderia ser uma escolha e voltar para casa também. A cidade natal assume em sua narrativa uma outra posição: um lugar onde poderia ser apenas “mais um” e não o estrangeiro. 12. correio APPOA l agosto 2013 Jornada do Percurso de Escola XI (II). J., a partir disso, fala da saudade de sentir-se apenas “mais um”. Aqui é o estrangeiro, o estranho. Na medida em que sua fala podia continuar, inicia um movimento na direção de apresentar ao outro sua cultura. Algo do estrangeiro que se fazia estranho e ameaçador tornou-se menos persecutório, mais habitável, mais compartilhado. J. passa a experimentar-se em outros espaços da cidade, descobre lugares onde pode dançar o merengue e a salsa. A música de seu país e a língua materna começam a encontrar eco no outro. Filho de donos de restaurante começa a preparar e a oferecer pratos que trazem o gosto de sua terra. Assim, no atendimento a pacientes em urgência, escuta-se sujeitos estrangeiros do próprio corpo e da própria fala. Ao longo de meu trabalho percebo que a escuta faz função ao acompanhar o sujeito por sua incursão no discurso, podendo se possível e suportável apontar elementos que possam oferecer ao sujeito um instante de encontro com sua história. A transferência, nessa linha associativa, assume a direção de um trabalho possível com a psicose, principalmente em seus momentos de ruptura. Uma pergunta, a partir disso, me acompanha: o que (ir)rompe em um episódio de crise na psicose? A crise psicótica, como retoma Ramalho (2007), acontece quando alguém em algum momento da vida – momento esse caracterizado por uma injunção imperiosa – vive a situação como sendo além de suas possibilidades psíquicas. Diante da situação, para conseguir lidar com ela, o sujeito sente a necessidade de se referir ao saber paterno (ao significante Nome-do-Pai) e, como não o tem simbolizado, o mundo, o saber que até então o sustentava, desmorona. Depois da crise, quando tudo aquilo que era insuportavelmente intenso já passou, resta, por vezes, um vazio sem sentido. Na urgência, há algo que se desmonta no nível da palavra e o que emerge aí é a angústia, um não nomeável, indizível que paralisa. Nem sempre a palavra, o discurso tem efeito. Por vezes, parece que minha função é apenas estar ali, fazendo-me presente via olhar, voz, ritmo, como presença de um corpo outro que parece agosto 2013 l correio APPOA .13 temática. se fazer necessário para sustentar algo da existência de alguns pacientes. Fernández (2004, p. 39), “(...) a intervenção na urgência faz com que o analista tenha que olhar mais que escutar, dizer mais do que interpretar e, sobretudo, estar e oferecer sua presença para reunir os pedaços partidos dessa existência que está ameaçada”. A prática com as urgências subjetivas, em minhas elaborações, é um fazer que potencializa a delicadeza de escutar o detalhe, o destaque singular no discurso. Detalhe que diz de uma história, que se faz âncora para quem está à deriva de si. Palavras, imagens, detalhes que possam remeter o sujeito a sua história, como nos destaca Mônica Fudín (2005) no texto “Pescadores de Ilusões”. “Pescadores”, “arqueólogos” (Freud, 1937), “sucateiros”, o lugar do analista é reinventado, renomeado na tentativa de dizer do fazer clínico, algo que na clínica da urgência se potencializa e desperta uma certa disponibilidade para a invenção. Do que foi possível recolher... O atendimento a esses pacientes se faz um constante ensaio. Há situações em que partimos da ausência do discurso para além de uma fragilidade simbólica. Narrar o momento do “surto”, esse instante de apagamento do sujeito, convoca esse irrepresentável que começa a ter contorno quando alguém se põe a escutar. Na experiência de escuta na clínica da urgência o ato de colocar-se a escutar um relato assume toda sua potência de intervenção. Tenho pensado, a partir dessa experiência, minha intervenção como uma tessitura de enlaces, um trabalho de garimpo com as palavras. Algo que relance o sujeito à cadeia significante, ou ofereça um lugar de suporte, de testemunho para uma produção subjetiva. Lembro-me de um filme que J. traz como uma ideia que lhe ajudou a entender a razão de eu não lhe ensinar técnicas para lidar com seus medos. “O Circo das Borboletas” conta a história de um rapaz que não possui pernas e braços e vive em um circo que tem como espetáculo “aberrações”. O rapaz, resistente à condição de ser tomado como uma “atração”, se toma 14. correio APPOA l agosto 2013 Jornada do Percurso de Escola XI (II). de coragem e vai ao encontro do dono de um outro circo: “O Circo das Borboletas” - lugar que permitia a criação de cada um. O rapaz no novo circo questiona o dono a respeito de como os artistas montavam seus números. O dono responde que “todos têm uma história”. O rapaz um dia acompanhado de amigos do circo se lança em um lago e, por alguns instantes, debate-se sem conseguir nadar. Porém, quando os amigos estão prestes a salvá-lo, ele emerge do lago nadando! Ele ali encontra seu número. J., a partir disso, diz ter entendido meu trabalho e a razão pela qual eu não lhe ensinava “técnicas”, pois cada um deve encontrar seu próprio número a partir da sua história. O trabalho, então, atravessa uma transformação: de um lugar de entrega total ao Outro, para aproximar-se de uma posição mais enlaçada a uma história e apropriada de palavras. Lugar subjetivo que será fundado a partir dos “precipitados psíquicos” de cada sujeito. Assim, como escreve Lobosque (2001, p. 39) “mesmo quando a possibilidade de endereçar-se a alguém parece inteiramente perdida, não será jamais perda de tempo procurar resgata-la”. Nessa direção, será a escuta da história de cada um, na sua singularidade, que permitirá encontrar palavras que indiquem o que pode fazer marca e ajudar na construção de uma amarragem que, delirante ou não, lhe permita outros modos de existência menos colados ao Outro, mais próximos de uma condição de alteridade. Referências bibliográficas GAGNEBIN, Jeanne Marie. Lembrar, escrever, esquecer. Rio de Janeiro: editora 34, 2009. GUERRA, Andrea M. C. A Psicose. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. LOBOSQUE, Ana Marta. Experiências da loucura. Rio de janeiro: Garamond, 2001. PIPKIN, Mirta & HOLGADO, Mirta. Intervir em la emergência. A clínica psicoanalítica em los limites. Buenos Aires: Letra Viva, 2007. QUINET, Antônio. Teoria e Clínica da Psicose. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2011. RAMALHO, Rosane Monteiro. Clínica das psicoses: os impasses da transferência. Em Psicose: aberturas da clínica. Porto Alegre: APPOA: Libretos, 2007. SOTELO, Inés. Clínica de la urgência. Buenos Aires: JCE Edições, 2007. agosto 2013 l correio APPOA .15 temática. A delicadeza dos tempos das primeiras entrevistas Marcia Giovana Pedruzzi Reis1 Quando um sujeito formula um pedido de atendimento, o faz por conta de um sofrimento psíquico, um sintoma, algo que lhe incomoda, que se torna insustentável e do qual quer se ver livre. Ruptura narcísica, partícula de Real que se apresenta ao sujeito em sua experiência para que a angústia, o insuportável, o faça buscar um saber que dê conta, de algum modo, de suas dores. Mas qual é a porta de entrada de uma análise? Basta que um paciente adentre a porta do consultório e apresente ao analista a sua queixa? Psicóloga (UFRGS), Mestre em Psicologia Social e Institucional (UFRGS), Psicóloga da equipe técnica da Clínica de Atendimento Psicológico da UFRGS. 1 agosto 2013 l correio APPOA .17 temática. Trabalho em uma instituição pública de atendimento psicológico2, e uma das práticas mais instigantes que realizamos são as, assim nomeadas, Entrevistas Iniciais (EIs), nas quartas-feiras. Neste dia, acolhemos e escutamos todos os pacientes que procuram a instituição. O trabalho das EIs consiste em realizar, durante algumas sessões, as primeiras entrevistas, com vistas ao encaminhamento do paciente para o seu tratamento propriamente dito. Na medida em que o terapeuta que realiza o trabalho das EIs pode fazer esta leitura, do encerramento deste primeiro tempo do tratamento, tece um encaminhamento para um dos colegas da instituição, que, por se tratar de uma clínica-escola, conta com o trabalho de diversos psicólogos clínicos que ali fazem sua formação. O exercício da clínica nos defronta com alguns questionamentos que se desvelam no justo transcorrer do trabalho. De minha parte, me vi capturada por algumas perguntas suscitadas pelo trabalho que venho desenvolvendo nas Entrevistas Iniciais. Dentre elas, a delicadeza de pensar qual o momento para se fazer a passagem. Às vezes, nos deparamos com algumas verdades rigidamente estabelecidas – por exemplo, de que nas entrevistas preliminares, em psicanálise, trata-se de transformar queixa em demanda, de se estabelecer uma transferência e de se embasar um diagnóstico – porém, suponho haver uma pertinência clínica na abertura para que estas questões possam ser repensadas e aprofundadas. Minha questão, portanto, é a respeito deste momento de passagem. Gostaria de poder desdobrar esta discussão, a respeito do que singulariza e do que determina este momento de passagem das primeiras entrevistas – extravasando, portanto, o campo das EIs, ainda que delas partindo – para a continuidade do tratamento, dialogando com os autores aqui escolhidos, sem a pretensão de esgotar quaisquer conceitos. Cabe situar que, quando estivermos nos referindo à instituição, utilizaremos os termos atendimento psicológico, terapeuta e paciente, por se tratar da nomenclatura oficial e adequada ao local. No entanto, nos apontamentos teóricos, utilizaremos os termos análise, analista e analisante. 2 18. correio APPOA l agosto 2013 Jornada do Percurso de Escola XI (II). A hipótese é de que opera um tempo lógico nestas entrevistas, tempo lógico de saída, para o sujeito, desta posição de queixa para uma de demanda. No que tange aos diferentes tempos que modulam uma análise, a delicadeza de pensar qual o momento de realizar o encaminhamento. No transcorrer das primeiras entrevistas, existirá, pois, uma travessia entre a demanda de alívio do sofrimento e a demanda de saber sobre o seu sintoma e, neste sentido, não se trata de pensar em como chega este paciente, no que o faz buscar uma análise, mas pensar como se sustenta o desejo por aquele espaço, o que sustenta a sua permanência. Segundo nos aponta Isidoro Veg , se nessas entrevistas se formula, pois, uma demanda de análise, quer dizer que quem toca a nossa campainha adverte que há algo que escapa ao saber que tem para dar conta do sofrimento. Assim, se conseguimos nas entrevistas que o sujeito advirta que desse sofrimento há um saber que ele ignora e situa a possibilidade desse saber no analista, o sujeito vai começar a falar. E quando alguém fala seguindo a regra fundamental, [...] o instalamos em uma pequena armadilha: no labirinto de suas palavras, o convidamos à sua alienação, a que advirta que a razão está fora do seu Eu (2010, p. 24). Sendo assim, de que modo reconhecer o tempo do encerramento das primeiras entrevistas? Início do tratamento A psicanálise sustenta-se de seu ato, o qual opera por meio da palavra. O ato psicanalítico é o que situa a psicanálise em sua esfera ética. É o próprio analista que, com seu ato, dá existência ao inconsciente, regido, pois, por seu desejo. Existe, enfim, uma profunda delicadeza envolvida em um percurso analítico no que tange à direção do tratamento, desde suas primeiras sessões. Em uma interessante citação, Freud traçará certo paralelo entre as primeiras entrevistas e um jogo de xadrez: “Todo aquele que espera aprender o agosto 2013 l correio APPOA .19 temática. nobre jogo de xadrez nos livros, cedo descobrirá que somente as aberturas e os finais de jogo admitem uma apresentação sistemática exaustiva e que a infinita variedade de jogadas que se desenvolvem após a abertura desafia qualquer descrição deste tipo (Freud, 2003, p. 139)”. Segundo Freud, as regras que podem ser estabelecidas para o tratamento psicanalítico acham-se sujeitas a limitações semelhantes, ou seja, o modo como conduzo as primeiras peças será crucial para o seguimento do jogo de xadrez, tal qual a condução das primeiras entrevistas será crucial para o desenrolar do tratamento analítico. Em O início do tratamento (1913), Freud situará, pois, a relevância do que chama de ‘tratamento de ensaio’, o qual teria duração de uma ou duas semanas e se calcaria em razões diagnósticas e de estabelecimento da transferência. Em Lacan (1971/1997), o tratamento de ensaio corresponde às entrevistas preliminares, denotando que existe um momento, um limiar a ser transposto em um determinado tempo, que separa as primeiras entrevistas do tratamento propriamente dito, corte que corresponderá à travessia entre aquilo que é preliminar e aquilo que já está na dimensão de um discurso analítico. Sendo assim, podemos depreender que não há entrada em análise sem as entrevistas preliminares (op. cit.). No percurso das entrevistas preliminares, o analista toma sua decisão no que tange a acatar ou não aquele pedido de análise. Diz-nos Quinet (2005) que, do ponto de vista do analista, “as entrevistas preliminares podem ser dividas em dois tempos: um tempo de compreender e um momento de concluir, no qual ele toma a sua decisão. É nesse momento de concluir que se coloca o ato psicanalítico, assumido pelo analista, de transformar o tratamento de ensaio em análise propriamente dita” (p. 15). Nesta passagem, o sujeito estará impelido a elaborar sua demanda de análise, o que podemos situar em dois momentos: a histericização e a produção do sintoma analítico. No processo de tratamento preliminar (na clínica clássica da neurose) trata-se, pois, de uma dupla transformação da demanda. Isso implica dizer 20. correio APPOA l agosto 2013 Jornada do Percurso de Escola XI (II). que a demanda inicial é estéril, e não deve ser tomada como demanda real da análise, mas deve ser trabalhada, questionada. No que se refere à dita histericização, trata-se eminentemente de um reconhecimento, o sujeito reconhecendo-se como dividido, sendo capaz de reconhecer que há algo de um saber que lhe escapa, que lhe transcende. É na forma de um enigma que um sintoma pode, enfim, ser decifrado. Neste sentido, poder pensar sobre o que faz um paciente sustentar um tratamento talvez seja pensar que, ao que algo de um enigma se constitua nesta divisão subjetiva, nesta cisão entre saber e verdade, o paciente suporá que o analista saberá resolver isso. Lacan trabalha, igualmente, a ideia de que a demanda de análise é correlata à elaboração do sintoma (do qual o sujeito vem queixar-se) em sintoma analítico, este sim o âmago de uma demanda verdadeira - demanda de saber sobre si. É neste momento que se estabelece a transferência analítica, na justa produção de um sujeito suposto saber. De acordo com Quinet (2005), o sujeito bem pode se apresentar ao analista com vistas a se queixar de seu sintoma ou até pedir para dele se desvencilhar, mas isso não é o bastante: “É preciso que esta queixa se transforme em uma demanda endereçada àquele analista, e que o sintoma passe de estatuto de resposta para o estatuto de questão para aquele sujeito, para que este seja instigado a decifrá-lo” (p. 16). De acordo com o autor, o analista é colocado no lugar do Outro, e cabe a ele transformar esse sintoma na questão que Lacan denomina “que queres?”, questão chamada desejo. Assim, o que é decisivo para que estejamos no campo da psicanálise é que este sujeito acredite que seu sintoma comporta alguma verdade e, a propósito disto, recorra à figura do analista como aquela que supostamente porta o saber que lhe escapa. As Entrevistas Iniciais Desde o início de suas atividades, a instituição em questão passou por diversas etapas até a constituição das atuais Entrevistas Iniciais. As EIs agosto 2013 l correio APPOA .21 temática. se constituíram inspiradas nas entrevistas preliminares – aspecto clínico –, porém, pela especificidade de ser uma clínica em uma Universidade, situa-se também como uma espécie de triagem das muitas demandas que chegam – aspecto de funcionamento. As EIs funcionam em regime de plantão e os pacientes são atendidos em ordem de chegada. Conforme já situado, neste tipo de organização todas as pessoas que chegam são ouvidas. Este arranjo das entrevistas inicias, segundo Brizio (1997), levou a um melhor aproveitamento do tempo, sem a formação de listas de espera, e um olhar atento ao aspecto teórico-clinico, que se refere às questões atinentes ao início do tratamento. A instituição considera crucial o momento inicial de um tratamento para o seu prosseguimento. Esta organização do trabalho é uma vicissitude institucional, e faz-nos deparar com uma questão: o trabalho de estabelecimento da transferência, bem como da elaboração da queixa em demanda. Com o meu trabalho, ao longo daquelas duas, três ou mais semanas, ofereci ao paciente uma escuta e com ele desenvolvi uma delicada costura entre o que ele trazia como queixa e a implicação deste pedido naquilo que é próprio do sujeito que o enuncia, o que é próprio da sua história. Tornei-me, pois, testemunha da verdade daquele sujeito. No momento em que a transferência enfim se constituir, um outro direcionamento àquele pedido de tratamento a mim dirigido se dará: endereçarei a demanda a outro terapeuta, que assumirá o caso. O que sustenta este encaminhamento? Minha hipótese é de que será somente através de uma aposta de que algo pode ser trabalhado que o paciente suportará ser encaminhado, e voltar, balizado em uma transferência já constituída, havendo suposto o saber de que o terapeuta estaria investido, vindo a crer que a indicação que o terapeuta lhe faz está bem fundada. Conforme viemos pensando até aqui, existe uma linha de corte, que se refere à mudança de posição deste sujeito com relação à queixa. Isso se dará por conta do meu trabalho de escuta e costura, ou seja, em função do 22. correio APPOA l agosto 2013 Jornada do Percurso de Escola XI (II). modo como se conduziu esta escuta. Numa situação de encaminhamento, de passagem, o paciente seguirá a minha aposta. O que deste enigma tem que permanecer, e em que medida o paciente precisará seguir no curso transferencial que estou apontando, direcionando-o? Cabe lembrar que muitos dos pacientes que nos chegam vêm transferenciados ao significante nome da instituição, cujo lugar no imaginário social é o de produção de saber de excelência. Da transferência com a instituição, ao longo das EIs haverá um trabalho de direcionamento para uma transferência nominal, trabalho de quem o acolhe. No momento da passagem, um novo trabalho se desvela, no sentido de poder, de minha própria parte, apostar no trabalho do colega para quem eu vou endereçar a questão, e, posteriormente, apontar esta direção ao paciente. A fórmula instituição + saber do terapeuta de EIs + saber do próximo terapeuta indica-nos a direção do que podemos pensar como trabalho nas EIs e o estabelecimento da transferência, primeiro com o significante nome da instituição, depois com o terapeuta de EIs e, por fim, na indicação para um próximo terapeuta. Trata-se de uma costura delicada. Que mínimo testemunho da verdade deste sujeito precisa ser feita para ele desejar apostar no encontro com este outro terapeuta? Sobre a transferência Nas primeiras entrevistas, o que está em jogo é fazer trabalhar a transferência. De acordo com Lacan (1953/1998, p.258), a assunção, pelo sujeito, em situação de análise, de sua história é constituída pela fala endereçada ao outro. Contudo, a questão fundamental que se coloca com relação à transferência é a de pensar sua posição ética, ou seja, qual o lugar que o analista ocupará frente às demandas do paciente. O sujeito que vem em busca de um analista o faz porque supõe que este detém a priori um saber sobre sua verdade. O analista, por seu turno, deve abster-se de identificar-se com esta posição de saber absoluto, todavia agosto 2013 l correio APPOA .23 temática. faz semblante, encarna um sujeito suposto saber para o paciente. Ao fazerse semblante, montar-se-á, enfim, o cenário para que a verdade apareça. O analista deve saber utilizar-se da transferência de saber, mencionada por Lacan (1953; 1998, p. 258), quando refere-a tal uma ilusão na qual o sujeito acredita que sua verdade encontra-se já dada no analista e que este a conhece de antemão. Nas palavras de Pommier (1998), “transfiro, pois, para outrem, – para esta aparência que detém o mistério da minha – um saber que me escapa” (p. 20). Esse erro subjetivo é, segundo Quinet (2005), imanente à entrada em análise. O saber será suposto, mas, por outro lado, o analista é convidado à prudência no que tange à sua posição. O pressuposto capital para a existência do sujeito do inconsciente é a oferta da escuta analítica, a qual prepara a inclusão do analista no próprio conceito de inconsciente, tendo em vista que este se constitui como seu destinatário (Lacan, 1963, p. 848). As entrevistas preliminares ao processo do tratamento analítico decorrem, também, da realização desta inclusão. O advento do sujeito do inconsciente em sua relação com o desejo do analista é a verdadeira mola do que constitui a transferência. Cito Lacan: “eis porque a transferência é uma relação essencialmente ligada ao tempo e a seu manejo” (1998, p. 858). Se a transferência é uma relação ligada ao tempo e à sua manobra, podemos inferir, situados na intimidade entre estes dois conceitos, que a transferência se estabelecerá na delicada e precisa costura dos tempos do início do tratamento, e que será ela própria a sustentar a passagem para um novo tempo do desenrolar do tratamento. Dos tempos para uma aposta Le Poulichet nos traz que os tempos acionados pela análise não se regulam pelo relógio, mas pela transferência, que são “tempos de transposição e transformação” (p. 8). Segundo a autora, uma análise desafia a noção de tempo linear, subvertendo a trama do tempo ao provocar tempos 24. correio APPOA l agosto 2013 Jornada do Percurso de Escola XI (II). de atualização e anacronismos os quais dão lugar aos acontecimentos psíquicos. Cito Le Polichet (1996): “É precisamente na transferência que estes acontecimentos encontram seu lugar e seu tempo próprios. A transferência é um tempo de realização dos acontecimentos psíquicos. Ela lhes dá presença em todas as suas ressonâncias temporais”. No percurso entre o pedido de escuta e a demanda, qual o tempo para fazer este giro, de entrada em análise? Conforme Lacan (1945/1998), as entrevistas preliminares também podem ser divididas em três tempos lógicos: instante de olhar, tempo para compreender, que implica na questão diagnóstica e momento de concluir, no qual o analista toma a sua decisão de acatar tal demanda de análise ou não. Isso do lado do analista. Por seu turno, do lado do analisante, o que se daria entre o instante de ver e o tempo de compreender? Entendo tratar-se de um apostar. Sendo assim, a entrada em análise, no que tange aos três tempos, parece se tratar de uma aposta no tempo de compreender. Havendo o paciente visto algo durante as EIs, e desejando saber algo a mais, algo para além disso, algo que se configura como um enigma, poderá apostar em adentrar no tempo de compreender. Sendo assim, esta passagem entre o ver e o tentar compreender pode marcar uma posição de início de tratamento. E esta aposta toma, pois, por sustentáculo o estabelecimento da transferência, essa, que dá matriz aos tempos da experiência analítica. Do lado do analista, é no momento da descontinuidade destes dois tempos, compreender e concluir, que se coloca o ato psicanalítico de transformação das entrevistas preliminares em análise. Finalmente, retomemos a questão: de que modo reconhecer o tempo do encerramento das primeiras entrevistas? Ao longo desta escrita, entendo haverem se configurado dois tempos capitais nesta passagem, tempos não lineares, mas que se costuram um por sobre o outro: o primeiro deles, quando o analista é instituído, ato em que o analista reconhece o analisante, mas, mais do que isso, no qual agosto 2013 l correio APPOA .25 temática. o analista venha a ser reconhecido como aquele quem irá acompanhar o sujeito na travessia que uma análise compreende. O primeiro ato do analista é tomar alguém em análise – ali o analista está instituído. Todavia, não por decreto, não por um ato burocrático, mas porque foi suposto neste lugar de sujeito suposto saber, na medida em que, através de seu ato, de alguma maneira, provocou outro efeito, e possibilitou ao sujeito saber que há um saber inconsciente, do qual ele, o sujeito, nada sabe. Por seu turno, o analista devolve a suposição de saber indicando a direção do saber inconsciente. Para haver entrada em análise é preciso, pois, que o analista produza, com sua intervenção, um ato analítico, ato que se desvela em um encontro com um significante o qual produza uma torção, um corte na repetição, significante que, ao ser descortinado, tenha tal valor para o analisante que o faça buscar mais uma vez, pelo revelar deste sentido, outro que tanto se buscava mas não se encontrava. Esta intervenção estabelecerá, enfim, a virada da transferência imaginária para a transferência analítica. O segundo tempo que pudemos vislumbrar diz respeito a certa dimensão de protagonismo da própria queixa: se o analista, por seu ato, permite saber que existe ali um sujeito do inconsciente, que há algo que escapa ao sujeito, uma espécie de enigma, o analisante poderá agora, ele próprio, escutar em seu pedido de análise um algo a mais, que ultrapassa, que está para além da queixa, e que esta investigação talvez possa ser algo interessante. Assim, protagonismo, em EIs, trata-se de tornar o paciente sujeito de seu desejo de saber sobre si. Não havendo continuidade entre queixa e demanda, entre estes dois tempos, o que funda a diferença é a posição do analista ao suscitar a implicação do sujeito na condição de protagonista da própria queixa. Na medida em que haja o reconhecimento deste protagonismo - “qual a minha parte nisso?” – implica-se o sujeito em uma corajosa busca, movida pelo desejo de desvelar o que é isso que, neste ponto da travessia, se traduz como enigma. 26. correio APPOA l agosto 2013 Jornada do Percurso de Escola XI (II). O que possibilita que este contrato se sustente para além da burocracia do método será algo que o amarre e o sustente, o que implica tanto a forma como o analista irá emprestar seus ouvidos, como uma forma que permita ao sujeito reconhecer seu protagonismo. Este protagonismo se traduzirá, ao longo do processo de análise, em um engajar-se em seu próprio desejo, o que significa responsabilizar-se pelo prazer e pela dor que este suscita. Assim, reconhecer-se na incompletude, na falta, e estar disposto a dialogar com os fantasmas que construímos sobre nós mesmos. Referências bibliográficas BRIZIO, M. Abertura da II jornada do curso de especialização e comemoração do aniversário da Clínica de Atendimento Psicológico. In: Boletim da Clínica de Atendimento Psicológico da UFRGS, Porto Alegre, 1997. FREUD, S. O início do tratamento. Obras Completas. Vol. XII, Rio de Janeiro: Imago, s/d. LACAN, J. A Direção do tratamento e os princípios de seu poder. (1958). In: Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. _________. Posição do inconsciente. (1963). In: Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. _________. O tempo lógico e a asserção da certeza antecipada: um novo sofisma. (1945). In: Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. _________. Função e campo da fala e da linguagem. (1953). In: Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. _________. O saber do psicanalista. (1971). Centro de Estudos Freudianos do Recife. Publicação Interna, 1997. LE POULICHET, S. O tempo na psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1996. POMMIER, G. O amor ao avesso: ensaio sobre a transferência em psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. QUINET, A. As 4+1 condições da análise. Rio de Janeiro: Zahar, 2005. VEGH, I. A lógica do ato na experiência da análise. Revista da Associação Psicanalítica de Porto Alegre, nº. 39, jul-dez/2010. agosto 2013 l correio APPOA .27 temática. Aventurar-se na desventura: um ensaio sobre política pública e laço social Carolina Monte Lague1 Juliana liga insistentemente no início da manhã de segunda-feira. Diz que fez algo horrível e que precisa de ajuda. A sua voz alterada expõe o desespero de quem não sabe o que fazer. Chegamos em sua residência e a situação encontrada é preocupante. Roupas jogadas no chão, móveis revirados, garrafas de cachaça e um cachimbo de crack. Ao nos ver joga, literalmente, sua filha de quatro meses nos nossos braços. Sabe que, naquele momento, não pode protegê-la. “Fica com ela, segura ela” diz aos prantos. E enquanto isso, novos casos nos chegam, demandas do Judiciário, do Conselho Tutelar, do Ministério Público, da Saúde, etc. Psicóloga da Fundação de Assistência Social e Cidadania (FASC) – Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Especialista em Atendimento Clínico – ênfase em psicanálise (UFRGS). 1 agosto 2013 l correio APPOA .29 temática. Marcela e seu marido Lucas vêm nos procurar. Ela se mostra muito apreensiva com a possibilidade de uma nova internação de seu companheiro em função do uso excessivo de álcool. Marcela diz: “Mas e eu? Vou ficar sozinha?”. No que imediatamente o marido rebate: “Não, a D. Carolina é que vai cuidar de você!”. Seguem-se mais reuniões e mais casos a serem atendidos. Casos graves dentro de uma região em que casos graves são o que há de mais comum. Vânia e seu psiquiatra encontravam-se com a relação estremecida. Vânia se queixava. Dizia que ele não a entendia. Na tentativa de intermediar essa relação a acompanhamos em uma consulta. Durante o atendimento o médico solicita alguns dados pessoais. Ela diz: “Não lembro, mas a Carol sabe!”. Emanuele nos liga chorando e diz que está sendo expulsa de sua casa pelos traficantes. Se não sair em poucas horas ela e seus filhos serão assassinados. Somos os primeiros a quem ela pede ajuda.E assim, vamos representando os nossos usuários, tecendo com cuidado os delicados laços no social... Aventurar-se na desventura. Esse parece ser o lema que acompanha o profissional que atua na política de Assistência Social. Talvez seja o lema de profissionais que atuam com populações socialmente vulneráveis. Mas há algo dentro da política de Assistência Social que faz com que, muitas vezes, essa aventura vá longe demais. Como política de intermediação com outras políticas, sentimos na pele a fragilização de toda uma rede de atendimento. Vamos traçando planos de atuação e também planos de sobrevivência. Sobrevivência considerando os casos que nos chegam cotidianamente. Aventurar-se num mundo que não é nosso pode ser mais caótico do que poderíamos supor. Isso parece ficar ainda mais claro no momento em que uma política pública está sendo implantada. Estamos falando da criação do Sistema Único de Assistência Social, o SUAS. Quando iniciamos nesse trabalho somos tragados por uma quantidade enorme de apelos e situações que nos arrepiam as espinhas. Identificamo- 30. correio APPOA l agosto 2013 Jornada do Percurso de Escola XI (II). nos, martirizamo-nos, culpamo-nos. Passamos a adentrar em cidades fantasmas, cidades tão informais quanto os seus nomes. Elas ficam escondidas nas regiões periféricas das cidades oficiais em que poucos têm a chance, ou mesmo o desejo de entrar. Às vezes, nem o Estado. É estabelecida, assim, a divisão: cidades oficiais de um lado e cidades clandestinas de outro. Estes são territórios da exclusão “(...) nos quais a deformação ocorre de forma lenta e insistente, representam um ideário de cidade injusta e desigual. Isto foi levado adiante, com a sucessiva degradação do que, na cidade, deveria ser público e comum a todos” (Endo, 2005, p. 50). E é nesses locais que desenvolvemos o nosso trabalho, em que realizamos escutas. Tentativas de costurar laços possíveis dessas pessoas com o restante do mundo. Ao mesmo tempo, sabemos que trabalhar com qualquer política pública é um desafio, pois devemos agir de acordo com as possibilidades que nos são oferecidas dentro de contextos graves como os das famílias e dos indivíduos que acompanhamos. De qualquer maneira, é importante observar que o momento da implantação de uma política é ainda mais delicado, pois impõe a todos os envolvidos no processo, sejam eles trabalhadores, usuários e gestores, uma certa demanda de eficácia bastante idealizada. Esse processo de idealização só parece ser visto em tão grande conjuntura no momento em que uma política se materializa na prática. É o que aqui estamos chamando de furor implantatório. De todos os lados espera-se de si e dos outros uma atuação fiel ao que está apregoado pelas leis e normas recém-lançadas. Mas afinal, do que se trata o SUAS? Ele surge na esteira da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), que em 1993, com sua promulgação, estabelece a organização da Assistência Social no país tratando essa política como direito do cidadão e dever do Estado. Assim, ela passa a ser destinada a todos que dela necessitarem sem qualquer tipo de discriminação. Em 2003, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) passa a ser o responsável pela Assistência Social em âmbito federal. Tanto agosto 2013 l correio APPOA .31 temática. a LOAS quanto a Política Nacional de Assistência Social (PNAS) servem de amparo à sua criação em 2005. O SUAS é descrito como: (...) um sistema público, não-contributivo, descentralizado e participativo, destinado à gestão da assistência social, através da integração das ações dos entes públicos (União, Estados, Municípios e o Distrito Federal) responsáveis pela política socioassistencial e das entidades privadas de assistência social (NOB-SUAS, 2005, p. 10). Como consequência, estados e municípios passam a compartilhar de algumas normas e critérios para a gestão e execução da política de Assistência Social no país. De fato, desde a constituição federal de 1988 a Assistência Social se enquadrava no tripé da Seguridade Social (Previdência, Saúde e Assistência Social), mas com o SUAS isso passa ser ainda mais potencializado. Um dos diferenciais do SUAS é que ele passa a separar as suas ações por complexidade de atendimento. Dessa maneira, foram criadas a Proteção Social Básica e a Proteção Social Especial, esta dividida entre média e alta complexidades. A Proteção Social Básica tem como função atuar na prevenção de vulnerabilidades e riscos sociais através de diversas ações no território capitaneados pelos Centros de Referência de Assistência Social, os CRAS. Já a Proteção Social Especial, dividida entre média e alta complexidades, visa um trabalho mais sistemático com famílias e indivíduos que apresentam graves riscos sociais por dificuldades ou mesmo rompimentos dos seus laços sociais. O que está em jogo é a tentativa de resgate e/ou fortalecimento desses vínculos pensando em maneiras de atuação que possibilitem a quem atendemos encontrar novas maneiras de circulação no mundo. Circulação possível dentro de um mundo possível. Em se tratando da Média Complexidade, os locais que realizam essas ações são os Centros de Referência Especializados de Assistência Social, os CREAS. Eles são responsáveis pelo acompanhamento de situações consideradas limites, que envolvem, 32. correio APPOA l agosto 2013 Jornada do Percurso de Escola XI (II). por exemplo, exploração e abuso sexual, indivíduos em situação de rua, adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas, violência intrafamiliar severa. A Proteção Social de Alta Complexidade atua nos casos em que há ruptura dos vínculos familiares e seus espaços de atendimento são os abrigos, albergues, casas-lares, etc. Em se tratando do município de Porto Alegre, a sua gestão e execução é de responsabilidade da Fundação de Assistência Social e Cidadania (FASC). De fato, antes da criação do SUAS, a cidade sempre se constituiu como uma referência nacional no trabalho dessa política pública. Há um certo consenso entre os trabalhadores e gestores de que o município realizava um trabalho eminentemente focado no que chamamos hoje de média complexidade. As famílias acompanhadas eram aquelas que demonstravam mais dificuldades e que por isso demandavam mais atenção. Além dos espaços próprios, eram firmados convênios com diversas instituições para também atuarem no atendimento a essa população. Foi criada, portanto, uma maneira de trabalhar dentro dos limites que esse tipo de trabalho permite aliado aos recursos humanos e materiais disponíveis. Com a criação do SUAS, essa forma de se trabalhar precisou ser repensada. Assim, passaram a existir 22 CRAS divididos em nove regiões da cidade, e em cada região um CREAS. Os espaços conveniados foram vinculados à Proteção Básica, somando-se aos 22 CRAS da cidade. Os CREAS, então, passaram a ser os únicos espaços de atendimento da Assistência Social para as situações mais graves da cidade. Um exemplo mais claro e que demonstra bem o quanto a lógica de atuação mudou foi o de que na região Eixo Baltazar-Nordeste, onde se encontra o CREAS em que desenvolvemos o nosso trabalho, funcionavam dez espaços de atendimento da Assistência Social, entre próprios e conveniados, que atuavam eminentemente em casos de média complexidade. Atualmente, apenas o CREAS presta esse serviço numa região da cidade em que casos graves são absolutamente recorrentes. agosto 2013 l correio APPOA .33 temática. De fato, ao entrarmos em contato com as leis, normas e orientações que foram divulgadas as expectativas são grandes. E em se tratando do CREAS, há muito o que se pensar sobre a presença do significante especializado que seu nome carrega. O especializado do CREAS por si só já produz expectativas em toda uma rede de atendimento. Expectativas que também são identificadas nos documentos lançados pelos gestores da política. Afinal, esse significante não surge à toa. Há algo no especializado que, atualmente, parece indicar uma luz no fim do túnel. Ele carrega uma promessa, uma promessa de que em última instância algo funcionará. Uma última aposta, quando todas as etapas anteriores de alguma maneira fracassaram. Falhas em toda uma rede de atenção. As expectativas aumentaram e as equipes reduziram. Parece simples. Parece apenas... Somos convocados a responder desse lugar ao mesmo tempo em que somos referências de famílias e indivíduos que há muito perderam suas referências. Em muitos momentos somos aqueles que tentam unir laços já tão fragilizados. Laços, inclusive, com outras políticas de atendimento. A Assistência Social, por assumir uma posição de intermediação, acaba sendo aquela que sustenta, muitas vezes, a posição e os direitos do usuário. Nesse sentido, a nossa presença é, em diversas situações, o que impede uma ruptura maior com o mundo. Trabalhamos com a contradição. Não só a contradição social tão comentada, mas contradição de posições. Somos não só aqueles que amparam, mas somos também aqueles que assumem uma posição de controle, o que Julien (2000) chama de terceiro social. Sem dúvida, constitui-se em um avanço a existência de uma política pública destinada a uma população historicamente considerada irrelevante, colocada à margem de qualquer atenção mais cuidadosa ou especializada. Atualmente, o Brasil é uma referência através de sua política de transferência de renda, a maior do mundo. Todos esses aspectos devem ser valorizados e defendidos. Entretanto, reconhecer esse avanço também implica em refletir como essa política é pensada e implantada, tanto do 34. correio APPOA l agosto 2013 Jornada do Percurso de Escola XI (II). ponto de vista nacional quanto regional, e entender que a magnitude dessa proposta é diretamente proporcional ao desafio de colocá-la em prática. Na nossa concepção, quando expectativas como essas surgem é necessário assumir uma posição política. Como aponta Rosa (2004): Cabe-nos resgatar a radicalidade da proposta psicanalítica e ressaltar o caráter ético e político dessa escuta, contribuição da clínica que pode se estender às demais situações, dentro das quais se pretende elucidar aspectos referentes ao sujeito sob desamparo social e discursivo e aos processos de sua manutenção em tal condição, que promovem impasses nas propostas de políticas de intervenção (p. 151). A criação do SUAS parece indicar uma nova maneira de ver uma população que por muitos anos foi pouco vista. Uma reflexão sobre a condução dessa nova forma de olhar é necessária para que, dessa maneira, ela não seja contaminada por velhas formas de se fazer política para os mais pobres. E é assim que a psicanálise se torna um instrumento de atuação e reflexão. Afinal, o nosso trabalho clínico dentro de uma política pública funciona no momento em que podemos escutar e cuidar. Escutar e cuidar de todos os envolvidos nesse processo, usuários e trabalhadores. É essa a verdadeira demanda. O que importa, em última instância, são as pessoas que atendemos e a forma de se conduzir o trabalho em equipe, dentro dos limites do possível. É através dessas relações que algo poderá surgir e criar impacto social. É na relação transferencial que se criam possibilidades para a transferência de nossos desejos a quem atendemos. Algo que lhes dê identidade. Que lhes dê reconhecimento. É a nossa dupla função agindo em nosso favor. Aquilo que chamamos anteriormente de contradição de posições. De um lado quem escuta e do outro a representação do Estado. E não seriam essas duas posições, esse dois olhares, fundamentais para o advento da cidadania? agosto 2013 l correio APPOA .35 temática. O que funciona realmente é a escuta. A possibilidade de dar voz. Deixar em suspenso a urgência das demandas e do furor implantatório e possibilitar o surgimento de sujeitos. Nossa função é levantar dúvidas e motivar reflexões sobre o trabalho dentro da equipe e mesmo entre os gestores. Mais do que números de atendimentos, o que está em jogo é o cuidado. O bom funcionamento é observado quando se criam possibilidades de intermediar e representar quem atendemos. Isso é o que faz uma política ser bem sucedida! Fazemos uma clínica do laço social, costurando cotidianamente novas possibilidades de ser no mundo. Referências bibliográficas BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social. Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social, 2005. ENDO, P. A violência no coração da cidade: Um estudo psicanalítico. São Paulo: Escuta/Fapesp, 2005. JULIEN, P. Abandonarás teu pai e tua mãe. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2000. ROSA, M. D. Uma escuta psicanalítica das vidas secas. Em: Adolescência: Um problema de fronteiras. Porto Alegre: APPOA, 2004. 36. correio APPOA l agosto 2013 temática. Psicanálise e o coletivo, uma ética singular Júlia Lângaro Becker1 Este escrito pretende abordar questões a partir de minha prática como psicóloga numa instituição pública federal de educação, acolhendo e acompanhando servidores públicos federais numa proposta de equipe de saúde multidisciplinar. Lá, encontramos diferentes frentes de atuação: a clínica individual institucional, o trabalho em equipe, a escuta de grupos, a atuação política enquanto servidora pública, etc. Tudo isso nos convoca a pensar sobre a prática da psicanálise em contextos institucionais. Pensar a psicanálise em contextos diferentes daquele tradicional inaugurado por Freud, o do setting terapêutico em quatro paredes, é um exercício constante de alguns psicanalistas. Exercício importante, na medida em que a prática psicanalítica avança cada vez mais, se propondo a intervir em diferentes coletivos. 1 Psicóloga na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. agosto 2013 l correio APPOA .37 temática. Debieux Rosa (2004), em seu texto A psicanálise e as instituições: um enlace ético-político, assinala como os psicanalistas estão migrando para as instituições (de saúde mental, de educação, jurídicas, etc), buscando levar com eles sua posição e suas concepções. O que a autora alerta é que algumas vezes as práticas psicanalíticas são transportadas sem que o contexto institucional seja levado em conta. Mas afinal, como podemos então levar em conta esse contexto institucional? Como pensar o coletivo a partir de uma ética psicanalítica? Na tentativa de responder a essas perguntas, nos pareceu crucial retomar Freud em Psicologia das Massas e Análise do Eu (1921). Nessa produção textual podemos acompanhar os primeiros questionamentos da psicanálise sobre psicologia social. Freud inicia apontando que a psicologia individual é também uma psicologia social, pois mesmo que a psicologia individual se dedique a investigar a psique do ser individual, ela dificilmente conseguirá abstrair das relações desse ser com os outros indivíduos. Portanto, a psicologia das massas trata o ser individual como membro de uma tribo, um povo, uma casta, uma classe, uma instituição, ou como parte de uma aglomeração que se organiza como massa em determinado momento, para um certo fim (Freud, 1920-1923, p. 15). Algumas passagens dessa elaboração freudiana são muito importantes para pensar o conceito de coletivo. O fenômeno da massa psicológica, por exemplo, explicado por Freud (1921) a partir de Le Bon (1912), é definido como um ser provisório de células que se soldam e formam características diferentes de quando estão por si só. Também o conceito de alma coletiva reforça que apenas pelos indivíduos comporem a mesma massa, eles passam a adquirir uma espécie de alma comum e, ainda, que o indivíduo age de modo distinto quando alinhado a uma multidão que adquiriu a característica de uma massa psicológica. Interessa-nos essa ideia de que o indivíduo é sempre parte de um aglomerado que se 38. correio APPOA l agosto 2013 Jornada do Percurso de Escola XI (II). organiza e que, em alguns casos, essa massa pode transformar a maneira do sujeito agir. No serviço em que atuo, por exemplo, uma das primeiras propostas da equipe de saúde foi a de possibilitar um acolhimento dos usuários com uma escuta individual. Essa proposta se consolidou como um serviço oferecido a toda a instituição, e até hoje se sustenta, sendo reconhecido como de extrema relevância. Porém, o formato individual começou a mostrar-se insuficiente na perspectiva da equipe de saúde, justamente porque sempre houve algo da ordem do funcionamento institucional a ser escutado e trabalhado, mas muito difícil de ser acessado no formato até aquele momento oferecido. Era preciso entender melhor de que forma essa massa psicológica da instituição estava incidindo no modo daqueles servidores agirem e como ela estava relacionada com suas patologias. Kastrup (2005), em O Conceito de coletivo como superação da dicotomia indivíduo-sociedade traz algumas contribuições a respeito desta questão. Ela propõe o coletivo não como o que se opõe ao individual, confundindo-se com o social, mas sim como um plano de co-engendramento e de criação, que supera a dicotomia indivíduo-sociedade. Complementando essa construção, Debieux Rosa (2004), em seu outro texto A pesquisa psicanalítica dos fenômenos sociais e políticos: metodologia e fundamentação teórica, nos auxilia novamente neste tema quando relembra que, em Freud, a divisão indivíduo-sociedade é recusada, assim como a divisão de psicologia individual-social. A autora ressalta que na teoria freudiana as instituições impõem ao indivíduo algumas modificações psíquicas, assim como a entrada na vida social impõe modificações ao sujeito. Calligaris (1993), também aponta nessa direção em Sociedade e Indivíduo colocando que essa dicotomia é aparente, e que, na necessidade de conciliar esses dois termos é que se formula a questão social. Tudo isso nos ajuda a demonstrar que, ao falar de coletivo, não temos a intenção de dicotomizar o individual e o social, mas de seguir a pista que Freud (1921) agosto 2013 l correio APPOA .39 temática. nos deixou, de que ideias contraditórias e opostas coexistem tanto na vida anímica dos sujeitos quanto na formação das massas. Isso nos indica que existe algo na organização social que escapa ao individual e que é da ordem do inconsciente, da ordem daquilo que faz laço. A libido, ou o amor, é a essência da alma coletiva, pois o que caracteriza um coletivo são os laços afetivos (investimentos libidinais) nele existentes. A isso que escapa à individualidade, a essa soldagem libidinal que permite algo em comum, a isso que está enlaçado, chamaremos de coletivo. Pensando assim, fica mais fácil compreender algumas propostas que começaram a ser elaboradas pela equipe de saúde para dar conta desses coletivos, como a de oferecer uma escuta a equipes de trabalho em vez de restringir-se aos pedidos individuais. Conforme a equipe multidisciplinar foi se apropriando dessa proposta e dessa necessidade de uma clínica do coletivo, as demandas institucionais que já existiam nesse sentido começaram a ter mais visibilidade. Quanto mais essa oferta ficava presente no discurso do serviço de saúde, mais emergiam pedidos de trabalho dentro dessa linha. Fica então evidente para o serviço que há um funcionamento que só pode ser analisado a partir do encontro com coletivos e da percepção de suas formas de organização, tanto no que diz respeito a seus processos de trabalho quanto ao funcionamento de seus laços afetivos. Falar em psicanálise e coletivo implica tentar dar conta de alguns conceitos interessantes que estão sendo criados para denominar práticas psicanalíticas em contextos sociais, institucionais e políticos: psicanálise ampliada, psicanálise extramuros, clínica psicanalítica da instituição, entre outros. Porém, antes de seguir este questionamento, é importante uma parada para aprofundar o conceito de instituição. Ao discorrer sobre Estruturas coletivas, suas lógicas e modos de subjetivação: instrumentos para uma Clínica Psicanalítica da Instituição, Betts (2011) situa o conceito de instituição de forma esclarecedora. Para o autor, a instituição é a rede simbólica que demarca as bordas do real impossível de simbolizar, de forma que podemos concebê-la como as estruturas discur- 40. correio APPOA l agosto 2013 Jornada do Percurso de Escola XI (II). sivas coletivas que também funcionam enquanto agentes de subjetivação do ser humano. Dessa forma, as instituições “são simultaneamente origem e palco da subjetividade, definindo os sintomas sociais, seus ideais, suas formas de gozo e sofrimento” (Betts, 2011, p. 44). Tomar a instituição como uma estrutura discursiva coletiva nos ajuda na compreensão de alguns impasses que podem começar a surgir na própria equipe de saúde multidisciplinar. Durante o processo de elaboração de novas propostas de trabalho, podemos encontrar sinais de que a equipe reproduz algumas das patologias anteriormente observadas em outros coletivos da instituição. Ou seja, assim como existe a necessidade de escutar uma patologia institucional emergente, fica também visível que a própria equipe enquanto um coletivo inserido naquela instituição enfrenta obstáculos de diferentes ordens, sejam eles relacionados a concepção do trabalho, como relacionados aos laços afetivos que a compõe. Com isso, podemos elaborar que, ao construir intervenções institucionais, uma equipe multidisciplinar de saúde enfrenta dois desafios: um está relacionado à dificuldade de abrir espaço na cultura da instituição para que os pedidos de análise institucional emerjam de forma mais natural, o que também compete à equipe um esforço para contribuir com a mudança do discurso institucional; o outro está relacionado ao próprio processo de construção da proposta metodológica que norteará a intervenção em equipe, um momento que dificilmente não será acompanhado de enfrentamentos. Ribeiro (2011), em A psicanálise nas instituições: clínica e política, traz uma excelente contribuição para este debate ao assinalar que em contextos institucionais ficam tensionadas diferentes concepções de sujeito que, por sua vez, fundamentam diferentes éticas. O autor também se pergunta sobre os limites e as possibilidades de atuação de profissionais orientados pela psicanálise quando inseridos no cotidiano de uma equipe multiprofissional e mostra como muitos psicanalistas encontram dificuldades para fazer com que as funções para as quais foram contratados em instituições sociais, agosto 2013 l correio APPOA .41 temática. geralmente psicólogos e psiquiatras, possam ser exercidas a partir do referencial psicanalítico. Na maior parte das vezes este propósito não está presente na contratação destes profissionais. Também é raro encontrarmos instituições que promovam intervenções sociais orientadas explicitamente pela psicanálise e, mais raro ainda, é identificar uma política pública que tenha sido proposta a partir de concepções psicanalíticas. Mas será que é isso que devemos esperar das instituições nas quais trabalhamos enquanto profissionais da saúde? Parece-me que há uma diferença importante entre o exercício de uma ética psicanalítica e a prática de um trabalho com referencial psicanalítico. De fato, é um desafio pensar nisso quando estamos inseridos num contexto de trabalho onde a ética da instituição, na qual trabalhamos, muitas vezes desencontra a ética psicanalítica. Porém, sustentar esta ética não é levantar a bandeira da psicanálise como visão de mundo ou muito menos querer, por exemplo, que uma equipe multidisciplinar estude psicanálise. Até porque, é preciso considerar as outras éticas em jogo, como a ética orientada por diferentes conselhos profissionais, a ética das políticas de governo, entre outras. Frente a isso temos de nos perguntar então como seria afinal o exercício da ética psicanalítica nesses coletivos compostos por diferentes éticas? Como operar um trabalho possível? Ribeiro (2011) situa bem essa questão quando sugere que não se trata de que as equipes façam Um, enquanto uma totalidade, mas sim de que tenham algo em comum. Esse comum da equipe tem de estar relacionado com o lugar de não-saber, deslocando a suposição de saber que está na equipe para o sujeito que procura o serviço. Kehl(2002), em Sobre ética e psicanálise, define a ética da psicanálise enquanto aquilo que não responde a um dever conhecer, mas a um deixar falar a verdade do sujeito. Ela nos diz que a psicanálise é, antes de mais nada, uma prática da dúvida. O analista, que deve estar preparado para não se identificar com o lugar (de poder) que a transferência do analisante lhe atribui, vai ser aos poucos destituído do lugar de sujeito 42. correio APPOA l agosto 2013 Jornada do Percurso de Escola XI (II). suposto saber. Dessa forma, o analisante é encorajado não a tudo saber, mas a indagar-se. Sobre isso, Lacan, no Seminário – livro 17, O avesso da psicanálise, nos diz: “Ele, o analista, se faz de causa do desejo do analisante” (Lacan, 1969-1970, p. 36). Fazer-se causa de desejo é esvaziar-se de saber, fazendo aparecer no outro a verdade do sujeito do inconsciente. É nesse sentido que o discurso do analista é o avesso do discurso do Mestre, pois enquanto o primeiro abre espaço para a verdade do sujeito, o último assujeita. E mais, no seu Seminário sobre a Transferência (1960-1961), Lacan mostra o caráter exemplar de Sócrates (no Banquete) quanto à posição do analista. Ele, Sócrates, se apresenta como nada sabendo a não ser as coisas do amor, e quando é sua vez de falar disso, não consegue fazer outra coisa senão citar as palavras de um outro. Manifesta com isso sua divisão de sujeito: não pode falar do que sabe a menos que permaneça na zona do “ele não sabia”. Lacan insiste no caráter essencialmente social desse discurso. É assim que queremos pensar nosso lugar profissional enquanto psicanalistas inseridos num coletivo. Nem sempre teremos o privilégio de trabalhar em equipes onde todos estejam dispostos a indagar mais do que responder. As diferenças estão sempre pulsando num coletivo, mesmo que uma equipe inteira trabalhe com o mesmo referencial teórico. Essa realidade abrange diferentes concepções do trabalho e de sujeito e, consequentemente, diferentes concepções metodológicas, muitas delas baseadas em teoria nenhuma. Por isso devemos sempre contar com um tensionamento entre éticas e não apostar que um acordo ético é condição para um trabalho possível. É nessa tensão que talvez possamos sustentar o lugar de não-saber, fechando as portas para a disputa de saberes que impede que o trabalho aconteça. Aqui cabe um alerta: o que propomos não vai na direção de entregar-se à sedução da diplomacia. Apostar no lugar de não-saber não significa submeter-se a outras éticas ou recuar perante diferentes posicionamentos, mas, pelo contrário, significa marcar posição e não se privar disso. É marcando posição a partir de uma ética psicanalítica agosto 2013 l correio APPOA .43 temática. que possibilitamos o reconhecimento do saber do outro e apostamos na circulação da palavra. Vale resgatar a reflexão de Kehl sobre a década de 70, quando Foucault começou a pensar a psicanálise como mais uma manifestação do poder disciplinar. Ela afirma que, de fato, nas sociedades em que se popularizou, a psicanálise foi se deslocando de sua função original, de fazer falar uma subjetividade até então silenciada, para uma função normatizadora da subjetividade moderna. Alguns mal-entendidos na prática clínica podem fazer de um tratamento psicanalítico uma forma sofisticada e eficaz de pedagogia (Kehl, 2002, p. 134). E é exatamente isso que queremos evitar. Não queremos fazer da psicanálise mais um poder disciplinar. Se a formação de um analista está essencialmente em seu trabalho de análise enquanto analisante, a transformação social parece também depender de um deslocamento discursivo. Portanto, ao trabalhar com o coletivo enquanto psicanalistas, é importante estarmos atentos às formações discursivas das quais fazemos parte. Em Cartas a um Jovem Terapeuta, Calligaris (2004) já chamava a atenção de jovens terapeutas no que diz respeito à vocação profissional: ele diz que para ser um psicanalista é importante que se tenha “uma extrema curiosidade pela variedade da experiência humana com o mínimo possível de preconceito”. Dizer isso é apostar que mesmo no constante tensionamento que as relações humanas nos colocam, é possível compor uma prática psicanalítica que possa atuar no coletivo sem deixar de lado a singularidade dos sujeitos, sejam eles pacientes, usuários dos serviços, nossos colegas de profissão ou de equipe. Portanto, mesmo não respondendo a todas as questões levantadas neste escrito, podemos entender que ao falar de coletivo, a psicanálise nos convoca a marcar uma ética singular. 44. correio APPOA l agosto 2013 Jornada do Percurso de Escola XI (II). Referências bibliográficas BETTS, Jaime. Estruturas coletivas, suas lógicas e modos de subjetivação: instrumentos para uma Clínica Psicanalítica da Instituição. Porto Alegre: Correio da APPOA, 2011, nº 200. CALLIGARIS, Contardo. Cartas a um jovem terapeuta: reflexões para psicoterapeutass, aspirantes e curiosos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. FLEIG, M. (org.) Psicanálise e Sintoma Social. CALLIGARIS, Contardo. Sociedade e Indivíduo. In: Psicanalise e Sintoma Social. São Leopoldo, Ed. UNISINOS, 1993. FREUD, Sigmund. Obras Completas vol.15, Psicologia das Massas e Análise do Eu e outros textos (1920-1923). São Paulo: Companhia das Letras, 2011. KASTRUP, Virginia. Psicologia em Estudo. O conceito de coletivo como superação da dicotomia indivíduo - sociedade. Maringá: 2005, . 10, n. 2. KAUFMANN, Pierre. Dicionário Enciclopédico de Psicanálise: o legado de Freud e Lacan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 1996. KEHL, Maria Rita. Sobre Ética e Psicanálise. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. LACAN, Jaques. O seminário livro XVII: o avesso da psicanálise (1969-1970). Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 1992. ________. O seminário livro VIII: a transferência.(1960-1961). Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 2010. RIBEIRO, Eduardo Mendes. A psicanálise nas instituições: clínica e política. In: Psicanálise e Intervenções Sociais. Porto Alegre: APPOA, 2011. ROSA, Miriam Debieux. Revista Mal-estar e Subjetividade. A pesquisa psicanalítica dos fenômenos sociais e políticos: metodologia e fundamentação teórica. Fortaleza, 2004, vol. IV, nº 002. ________. A psicanálise e as instituições: um enlace ético-político. On-line ISBN 978-85-60944-06-4. An. 5 Col. LEPSI IP/ FE-USP. São Paulo, 2004. agosto 2013 l correio APPOA .45 temática. Irreversível? Sobre o trabalho de transferência com crianças e adolescentes em situação de abrigamento Fernanda Perlin de Cesaro Trazer questões e apontamentos sobre a transferência com adolescentes e crianças institucionalizados em situações de privações, que tiveram experiências de falência na relação com seus pais, sempre é uma tarefa delicada, bem como o trabalho cotidiano, que circula por pontos delicados e importantes para qualquer analista, como o amor de transferência (Freud, 1915 [1914]. Assim, tal escrito visou compartilhar a experiência de trabalho clínico e institucional com uma adolescente que tentava se estabelecer e criar caminhos, após uso de drogas e passagens por alguns lares e por instituições. O título irreversível é polissêmico neste trabalho, pois faz pensar nos caminhos que parecem já determinados como se apresentam no discurso agosto 2013 l correio APPOA .47 temática. social: “Drogas: um caminho sem volta”, foi inspirado no filme francês homônimo de Gaspar Noé, onde o diretor e roteirista apresentam sua história mostrando o final antes do início. O filme gera angústia e desconforto pela forma como a câmera é manejada, e aqui associo com as condições de trabalho institucionais e a vida de adolescentes e crianças em situações de abrigamento. O filme é narrado de trás para frente, e no início percebemos a truculência, a agitação com que a câmera é manejada, o que ao longo do filme, que vai do presente para o passado, os personagens vão se mostrando mais calmos e em situações emocionais diferentes. Ao chegar a uma situação de abrigamento, muitas crianças e adolescentes encontramse em um momento de angústia de suas vidas, por rupturas de vínculos, incertezas sobre o seu presente e o seu futuro, algumas vezes desorientadas ao entrar em um território que desconhecem. “Eram umas duas horas da tarde, as crianças e os adolescentes se preparavam para um passeio. Natasha pediu à cozinheira para tomar refrigerante, ao que esta lhe respondeu que pretendia abrir a garrafa na volta do passeio e assim todos poderiam bebê-la junto com o lanche que prepararia. Natasha, contrariada, pergunta a um monitor, sem que a cozinheira percebesse, se pode beber o refrigerante e este a autoriza. Outro monitor, que havia observado as duas conversas, avisa ao monitor que a tinha autorizado sobre a conversa de Natasha com a cozinheira. Este volta atrás em sua decisão e diz a ela que esperasse para beber quando voltasse do passeio, junto com os demais. Ela senta em um banco na cozinha e começa a contar até dez, a se balançar e a sacudir uma cadeira de bebê a sua frente. Antes de chegar aos dez ela levanta a cadeira e a joga contra a parede, ao mesmo tempo em que começa a gritar e a arremessar objetos que encontra a sua frente. Nesse momento a cozinheira desmaiou, a faxineira teve uma crise de pressão, os demais ficaram perplexos e o passeio não aconteceu”. Esta vinheta institucional, relatada por monitores, apresenta uma das várias atuações de uma adolescente e dos funcionários, em uma Casa 48. correio APPOA l agosto 2013 Jornada do Percurso de Escola XI (II). de Passagem, serviço de alta complexidade da Assistência Social de uma cidade da Grande Porto Alegre. Trata-se de uma adolescente de 16 anos, a quem chamarei de Natasha, inspirada na música homônima do Capital Inicial, que remete não apenas a esta adolescente, que teve mudanças constantes de residência, mas a tantas outras que já passaram pela situação de abrigamento em algum momento de suas vidas. A música fala de uma mudança de identidade (“era Ana Paula agora é Natasha”), ou no deixar as certezas, aquilo que se tem, os amores que se tem (“...deixou pra trás os pais e o namorado...”) e que para isso (“um passo sem pensar, um outro dia um outro lugar”) se lançam sem pensar, sem medir as consequências para outra situação, outro lugar, outras pessoas, outros amores. Não calculam o preço que terão de pagar. No que diz respeito à adolescência, sabemos de um lugar específico na subjetividade de cada um de nós: separação dos pais da infância, novos ideais, assim como novas experiências sexuais, habitadas, a partir de então, não apenas pelas fantasias de procriação, mas também pela possibilidade de que essa se concretize (Alberti e Pollo, 2005, p. 26). Os sintomas, como os de Natasha, que se apresentam em forma de repetição são muitas vezes tentativas psíquicas de encontrar uma solução para a angústia e é seguidamente uma tentativa de simbolização e elaboração, ainda que fracassada, ao mesmo tempo em que é o que tem de mais vital o sujeito, pois é pelo sintoma que se faz sujeito. Assim, Natasha costuma criar vínculos e rompê-los, mudar de casa, de lugar, num ciclo interminável, repetindo o abandono ao qual foi submetida desde sua infância. Natasha vai ao abrigo na semana seguinte ao retorno de minhas férias, relatando uma briga em que sua mãe se envolvera com vizinhas, briga na qual a mãe havia apanhado, ficando muito machucada. Neste relato Natasha menciona: “Bater não pode, né, tia Fer? É o que você dizia”. Natasha afirma querer alugar a casa no mesmo terreno em que moram a agosto 2013 l correio APPOA .49 temática. sogra e o namorado para morar ‘sozinha’. Afirma que há momentos em que ela tem vontade de bater com uma vassoura no namorado, repetindo: “É, mas bater não pode, né, tia Fer?”. “Sim, Natasha, bater não pode”. Há uma fragilidade na simbolização e uma construção dessa simbolização que parece estar em curso, na alienação à fala do Outro. Natasha ainda precisa segurar-se na fala do outro para tentar a transição no processo de internalização da lei simbólica. Natasha permaneceu oito meses mais ou menos em situação de abrigamento. Nesse período envolveu-se em vários conflitos com outras adolescentes, com monitores, com a direção e com a equipe técnica. Natasha conseguiu um trabalho e saiu do abrigo para morar com o namorado, depois de desistir de esperar que sua mãe lhe ajudasse nessa questão. Foi sustentada sua decisão pela equipe técnica em pareceres ao Judiciário e nas entrevistas com Natasha, que foi convidada a ir ao abrigo para ter atendimento psicológico e desta forma manter o vínculo com a instituição. Ela foi ao atendimento durante um mês, mais ou menos, e depois começou a ausentar-se e ao passar algumas semanas sem contato com Natasha fomos, a assistente social e eu, lhe fazer uma visita domiciliar interdisciplinar. Na visita, soubemos que ela havia sido demitida, pois havia batido em uma colega de trabalho. Nesta mesma visita, o namorado e agora companheiro de Natasha, presente na conversa, menciona que estava entendendo o que cada uma de nós duas (eu e a assistente social) fazíamos: “uma cuidava da razão e a outra da emoção”. Ao que a assistente social protesta, afirmando que ela também cuidava da emoção. Natasha, rapidamente, diz ao namorado: “A tia Fer é quem diz não.” O que aponta o quanto ela precisa que a “tia Fer” sustente os nãos, enquanto ela ainda não pode fazê-lo sozinha. (...) Qual é o mínimo que somente um analista pode e deve fazer, a partir do momento em que se dirigem a ele em nome de uma criança? Qual é o mínimo que somente um analista está apto a efetuar a partir do momento que os pais vêm consultar um ‘psi’? Eu não tomaria como ponto de partida as chamadas adaptações técnicas 50. correio APPOA l agosto 2013 Jornada do Percurso de Escola XI (II). contingentes, mas um dos fundamentos da psicanálise: a transferência (Porge, 1998, p. 8). Aqueles que estão abrigados vivem um momento no qual o Estado produz intervenções em sua situação familiar, escolar, cotidiana. Para isso utiliza aparatos como varas da infância e juventude, instituições de abrigamento adequadas às diferentes situações que as pessoas ditas de direitos apresentam. A instituição da qual faço parte, que se propõe a atender crianças e adolescentes de zero a 18 anos, possui alguns aparatos para dar conta dessas intervenções: um grupo de monitores; equipe técnica que é composta por uma psicóloga e uma assistente social; um diretor que é vinculado à gestão partidária do município, e ainda conselheiros tutelares, o juiz e a promotoria da infância e juventude. É nesse contexto que se exerce o cargo de psicóloga, e se é demandada a apresentar observações, relatórios, laudos, pareceres e intervir com Natasha e outras crianças e adolescentes em situação de abrigamento, bem como intervenções com os demais integrantes desse aparato de proteção social, em questões relacionadas a crianças e adolescentes abrigados. De qualquer forma, os limites, as disposições, as demandas se fazem com muitas diferenças de uma clínica em consultório. Estar em contato cotidiano e intenso (no espaço onde comem, dormem, assistem televisão, etc.) com crianças e adolescentes em situações em que seus lares e seus vínculos sofreram abalo, joga-nos a outra intensidade na relação e nas transferências. “Tu sabes cozinhar? Então me leva para comer na tua casa?”, “Tu é feia, vai embora daqui!”, “Eu quero um óculos de natação. Tu me dá?”, “Não te mete na minha vida”, “Tem homenagem do dia das mães na escola, olha o bilhete. Tu podes ir?”, “Tu podes me dar moedas pra comprar um salgadinho do Homem de Ferro?”, “Tu tens dinheiro e condições de me adotar. Adota-me!”, “Olha, a Mari aprendeu a falar não igualzinho a ti, faz até o gesto com o dedinho”. Ou, ainda, ao quase ser derrubada quando agosto 2013 l correio APPOA .51 temática. agarrada por três meninos de aproximadamente oito anos, que pedem que eu os leve para minha casa. Sendo bombardeada diariamente por perguntas sobre a minha vida: se tem cama, comida ou brinquedos em minha casa; se tenho filhos, se sou casada, se eu levo meus filhos na pracinha, se eu e meu marido costumamos bater em nossos filhos, etc. Frases, perguntas e atitudes como essas são frequentes e mostram experiências vividas, ao mesmo tempo em que apontam a esperança de constituir outros laços, tão necessários a sua integridade psíquica Muitas das pessoas que trabalham no abrigo acabam por levar as crianças ou os adolescentes para passar finais de semana em suas casas ou para passeios com suas famílias, por se sentirem sensibilizadas por tais pedidos. Algumas vezes tais proximidades são de grande proveito para as crianças e adolescentes e lhes permitem viver e conhecer outras formas de dinâmicas familiares e de relações afetivas, porém há de se ter cuidado em tais situações, pois outras vezes lhes criam esperanças de fazer parte daquelas famílias ou de ter vínculos mais fortes do que realmente o são, ou a gerar questionamentos nas crianças e adolescentes como: “Por que o tio André levou Marcelo para passear e não a mim?”. Isto pode acabar por reforçar experiências de desamparo ou de reviver abandonos. Uma das lutas que entravo na instituição e junto ao poder público é a de que se proporcionem, aos finais de semana, atividades fora da instituição, de cultura e lazer, para que a instituição lhes promova tais direitos. Não ter tais atividades tem criado, na instituição, a justificativa necessária para que os passeios sejam proporcionados por monitores em suas residências, considerando que não há no município o projeto Apadrinhamento Afetivo. A demanda de amor, que nos é endereçada na transferência, nesta convivência na Casa de Passagem torna-se mais intensa, mais escancarada e é verbalizada diretamente por crianças e adolescentes quando são tratados e escutados com atenção e respeito. A especificidade desde ambiente nos permite questionar quais seriam as condições mínimas necessárias para se 52. correio APPOA l agosto 2013 Jornada do Percurso de Escola XI (II). estabelecer um trabalho com essas crianças e adolescentes? Como tomar esse endereçamento sem assumir demasiado o lugar do suposto saber? “Se há uma ética da psicanálise – a questão que se coloca – é na medida em que, de alguma maneira, por menos que seja, a análise fornece algo que se coloca como medida da nossa ação – ou simplesmente pretende isso” (Lacan, 1991, p. 374.) A ética da psicanálise nos diz da importância do lugar de escuta, do lugar de sujeito suposto saber, ou ao menos de estar sempre com este lugar no horizonte, pois este lugar permite a um sujeito endereçar sua fala a alguém. Nesta transferência transito pelo lugar materno. Natasha chegou a verbalizar o pedido de que eu a adotasse e já se adiantando a dizer que sabia que eu tinha dinheiro porque eu ia de carro ao abrigo e que tinha condições de tomá-la como filha. Assim, como sua mãe dizia que nunca tinha condições de levar sua filha para casa, sempre faltava resolver um problema de espaço na casa, ou cuidar de uma de suas outras filhas que ficavam doentes, ou ajudar a sogra adoentada e diversos outros impedimentos que surgiam ao longo desses oito meses, eu era colocada por Natasha no lugar daquela que não poderia dar-lhe desculpas esfarrapadas para não tomá-la como filha. Não adotei Natasha literalmente, mas durante esse período em que esteve em atendimento, pude adotá-la de outra forma, ocupar e não ocupar essa demanda que me era apresentada de forma tão escancarada, visando operar cortes de efeitos simbólicos, de forma que ela pudesse construir possibilidades de superação e ressignificação de sua história. Lacan, em seu Seminário 7, cujo título é A ética da psicanálise, nos traz a diferença entre o “dizer o bem” e o “bem dizer”, e aponta que a experiência moral nos conduz a um bem, a um ideal de conduta e a um sentimento de obrigação. Lembra-nos que a análise apontou a importância do sentimento de culpa e que Freud entende que a dimensão moral está associada ao desejo e que é dele que se desprende a energia que ao final agosto 2013 l correio APPOA .53 temática. de sua elaboração se apresentará como censura. O trabalho na instituição é atravessado pelo discurso de proteção à adolescente, de querer o bem, que se perde às vezes um pouco da potência de uma escuta analítica. Lacan, no seminário 8, nos fala do lugar do analista, e no começo da experiência analítica, para ele, há amor. Entre o extremo daquilo que não sei e; os solavancos, as brutalidades e urgências de situações limites desta adolescente em situação de abrigamento em que o desejo do sujeito fez junção ao desejo do Outro, ali onde se situa a transferência, há um desejo de que esse sujeito possa, a partir dessa experiência de escuta, estabelecer sua individualidade, que tenha o “privilégio de culminar como sujeito de seu desejo” ( Lacan, Seminário 8, p. 173). Pois o desejo, em sua raiz e sua essência, é o desejo do Outro, e é aqui, falando propriamente, a mola do nascimento do amor, se o amor é aquilo que se passa nesse objeto em direção ao qual estendemos a mão pelo nosso próprio desejo e que, no momento em que nosso desejo faz eclodir seu incêndio, nos deixa aparecer, por um instante, essa resposta, essa outra mão que se estende para nós, bem como seu desejo (Lacan, Seminário 8, p. 180). Referências bibliográficas ALBERTI, S. & POLLO, V. Adolescência e criminalidade. In: Revista Marraio – Formações Clínicas do Campo Lacaniano, nº 10. Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos, 2005. FREUD, S. (1915 [1914]). Observações sobre o amor transferencial (Novas recomendações sobre a técnica da Psicanálise III). In:. O caso de Schreber, artigos sobre técnica e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1980. LACAN, J. O Seminário - Livro 7 – A ética da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor Ltda, 1991, 2ªed. PORGE, E. A transferência para os bastidores. Littoral: a criança e o psicanalista. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 1998. 54. correio APPOA l agosto 2013 temática. Reflexões sobre a avosidade na contemporaneidade Valéria Rombaldi1 Inicio esta escrita pelo termo avosidade, que aparece no título. Não sei se o escutei de alguém ou se surgiu de uma necessidade de nomear a função exercida pelos avós. De qualquer forma, esta palavra não aparece no dicionário Aurélio, então coloco aqui minhas reflexões sobre o que está implicado no ser avô/avó no contexto social em que vivemos, na tentativa de delinear o que avosidade poderia significar. A partir da escuta de diversos relatos e de observações sobre as relações familiares em que avós, seus filhos e netos estão em foco, algumas mudanças não podem passar despercebidas. De alguma forma, a imagem dos avós aparece cada vez menos associada a uma possibilidade de transmissão entre gerações, seja porque dedicam menos tempo ao convívio 1 Psicanalista. agosto 2013 l correio APPOA .55 temática. familiar, seja por serem demandados apenas no que se refere às tarefas de cuidado físico dos netos, sem que sejam autorizados a menor interferência na sua educação. Em algumas situações, os avós podem se ver convocados a assumir totalmente a responsabilidade da educação e cuidados dos netos, quando os pais das crianças não exercem a função parental que lhe é própria. Nestes casos, a transmissão também é deslocada pela mudança de lugar dos avós na estrutura familiar. Muitos de nós certamente já ouviram queixas de que os avós não têm mais tempo para colaborar nas atividades dos netos, como buscar na escola, levar para dormir em suas casas, para que seus pais possam sair nos finais de semana. Ouve-se que os avós só viajam e não podem participar de festas familiares. Nestas queixas, o valor dos avós está bastante restrito à capacidade de exercer a função de babás, não se reconhece o valor dos avós como transmissores de experiências, de princípios morais e éticos, da história familiar onde cada sujeito poderia se situar, ou de desejo. É como se estas possibilidades ficassem relegadas a uma posição secundária, ou mesmo nem fossem consideradas. Um aforisma do poeta e escritor francês René Char, diz que: “Nossa herança nos foi deixada sem nenhum testamento” (em Feuillets d’Hypnos). Se não há testamento, se não está escrito em lugar algum o que se recebe de nossos antepassados, alguém poderia se perguntar sobre como reconhecer o que herdamos e o que nos é legado. O que pode ser transmitido de pai para filho, de filho para seu próprio filho, de uma geração para as outras está muito além de objetos. Mesmo não estando escrito, seu lugar está posto. Não se tem controle sobre o que se transmite, muito é da ordem do não dito. Certamente, o que está no centro da questão da transmissão é o desejo, em sua presença ou ausência. No livro Abandonarás teu pai e tua mãe, Phillipe Julien aborda várias questões sobre a transmissão. Nos lembra que a lei do desejo funda a conjugalidade e que o amor e o gozo sexual não são suficientes para sustentar o laço conjugal. Mas como transmitir o desejo para a próxima geração? A 56. correio APPOA l agosto 2013 Jornada do Percurso de Escola XI (II). conjugalidade de um homem e uma mulher funda a parentalidade que permite a transmissão da lei do desejo, necessária para que ocorra a ruptura do vínculo filial com a família de onde se vem, a partir do que o filho se tornará capaz de se assumir e constituir uma nova conjugalidade. “[...] pais que graças à sua conjugalidade, permanecem em sua própria geração não fazem recair sobre os filhos tornados adultos o peso de uma dívida de reciprocidade” (no que diz respeito ao amor)” (p. 36). Os pais devem saber retirar-se, permitindo que o filho, tendo se tornado capaz de se assumir, não ocupe o lugar de gozo deles. Considerando as três gerações, o que estaria então implicado numa possível diminuição da participação dos avós no dia a dia dos filhos e netos e na insatisfação dos filhos com essa falta? Uma grande disponibilidade de tempo por parte dos avós certamente não é garantia de que assumiram este papel na família. Qual é a função dos avós hoje? O que é a avosidade ou como deveria ser exercida? O que se reedita para os avós quando primeiramente tem seus filhos e quando estes, por sua vez, tornam-se pais? O que se reedita para os filhos, quando estes se tornam pais, em relação aos próprios pais? Faço um recorte destas questões tomando como referência para minhas reflexões um conto de Mia Couto, publicado no livro O Fio das Missangas, chamado O Adiado Avô. Este conto apresenta história de uma mulher que dá à luz um menino, fato que foi motivo de muito contentamento dos familiares, com exceção do avô materno. Este se recusa a visitar o bebê no hospital; quando o levam para visitá-lo, vê o berço mas não olha o menino, não quer olhá-lo. A reação surpreende o restante da família, que não consegue compreender o avô. A filha, desesperada, pede ajuda à mãe, que é muda, para que fale com pai, para que ele pare de castigá-la. Quando o menino diz os primeiros sons, o avô afirma: “aprender a falar é fácil. Custa é aprender a calar”. A avó materna, a muda, agora, “tão assumidamente avó”, sacode a cabeça. Segundo o narrador, tio do menino, o pai, nesse ponto tem razão: agosto 2013 l correio APPOA .57 temática. “nós, pobres, devíamos alargar a garganta não para falar, mas para melhor engolir sapos” (p. 34). O avô conta uma experiência ruim no trabalho, consequência de ter ficado calado, e a avó suspira. Diz o filho: “Amadalena suspirava direito por silêncios tortos” (p. 35). Após uma outra situação em que o avô repele o menino que aprende a engatinhar, a avó o convoca a dar explicações. E ele se explica. Afinal, ele sempre dissera: não queria ter netos. Os filhos não despejassem ali os frutos do seu sangue. – Não quero cá disso, eu não sou avô, eu sou eu, sou Zedmundo Constante. Agora, ele queria gozar o merecido direito: ser velho. A gente morre ainda com tanta vida! – Você não entende, mulher, mas os netos foram inventados para, mais uma vez, nos roubarem a regalia de sermos nós. E ainda mais se explicou: primeiro, não fomos nós porque éramos filhos. Depois, adiávamos o ser porque fomos pais. Agora, queremnos substituir pelo sermos avós (p. 35). A avó, farta da situação, lhe diz que ou ele se abrandasse ou que tudo estaria acabado entre eles. Ele que saísse, procurasse outro lugar. Eles ficaram juntos, mas a filha, seu marido e o filho é que se mudaram para outra cidade. Após poucas semanas, o genro faleceu, a filha foi internada e o neto voltou para a casa dos avós. No momento em que entrou, o avô saiu. “Tudo o que você não falou, está certo, Amadalena, mas eu não agüento” (p. 36), disse ele. Ficou sumido por dias, e quando voltou estava mais magro e chorava. A esposa o recebeu maternalmente, acatando o marido no peito. “E sentiu que já não era apenas o espreitar da lágrima. Vendo-o assim, babado e minguado, minha mãe entendia que o velho, seu velho homem, queria, afinal, ser sua única atenção” (p. 37). 58. correio APPOA l agosto 2013 Jornada do Percurso de Escola XI (II). A avó levou o avô pela mão para ver o neto em seu berço. Este o levantou e beijou longamente, como se saboreasse seu cheiro. Depois de deitá-lo de volta, deitou-se com o marido no sofá, com o neto adiado ao seu lado. Quando o filho chega, na manhã seguinte, lê um bilhete escrito pela mãe antes de sair: Meu Zedmundo, durma cumprido. E trate desse menino, enquanto vou à cidade. Entre rabiscos, emendas e gatafunhos, o bilhete era mais de ser adivinhado que lido. Diz que meu pai ainda estava em tempo de ser filho. Culpa era dela, que ela já tinha se esquecido: afinal, meu pai nunca antes fora filho de ninguém. Por isso, não sabia ser avô. Mas agora, ele podia, sem medo, voltar a ser seu filho. “Seja meu filho, Zedmundo, me deixe ser sua mãe. E vai ver que esse nosso neto nos vai fazer semos nós, menos sós, mais avós.” O filho dobra o bilhete e o coloca de volta na mesa. Planeja contar a história para a irmã, mas lembra das palavras do pai sobre o aprender a calar. Decide não contar isto a ninguem. “Minha mãe, que é muda, que conte (p. 37-38). Lacan considera o estádio do espelho, o momento inaugural de constituição do eu, no qual a criança, antes de falar, vislumbra uma totalidade corporal através da visualização da sua imagem no espelho, imagem esta acompanhada pelo assentimento do outro que a reconhece como verdadeira. O eu é descrito por Lacan como essencialmente imaginário, embora dependa do reconhecimento simbólico do Outro, no caso a mãe. O que a avó do conto faz para ser considerada “tão assumida” não é dito, como se já estivesse dado aquilo que lhe faria ser reconhecida como tal. Os efeitos subjetivos nela são resultado do reconhecimento simbólico, primeiramente pelos seus filhos, pais do neto e, posteriormente, pelo próprio neto. Para isso, não é preciso que diga uma única palavra. A linguagem se impõe de outras formas, mas permite mesmo assim que ela demonstre agosto 2013 l correio APPOA .59 temática. que ocupou aquele lugar. Para que os pais dos pais de uma criança se façam avós, há também uma dimensão de escolha, eles precisam desejar ocupar este lugar. É preciso que opere uma mudança subjetiva para que uma outra posição do sujeito se produza. Alfredo Jesuralisnky nos lembra, em um seminário de outubro de 2004, que Freud, no “Projeto de uma psicologia para neurologistas”, estabelece uma discussão com a corrente já chamada Psicologia Social, sobre a causalidade das mudanças subjetivas. Intelectuais alemães sustentavam que a causa de qualquer mudança subjetiva estava naquilo que a sociedade como um todo apresentava para cada indivíduo, e não em cada sujeito mesmo. Segundo Jerusalinsky, é uma polêmica que continua. A causalidade psíquica se opera a partir do discurso social ou a partir da posição do sujeito do inconsciente? O quanto o sujeito do inconsciente é tributário do discurso social? O quanto o discurso é tributário do sujeito do inconsciente? (p. 75). Ainda segundo Jerusalinsky, a psicanálise reconhece a causa na posição do sujeito do inconsciente, mas que causalidade? Diz que essa causalidade é ambígua. Por um lado, se situa nas experiências primordiais que têm como antecedente as fantasias originárias, nas quais Melanie Klein se agarra para sustentar a tese de que a determinação da posição do inconsciente está no constitucional, portanto, no instinto. Por outro lado Freud apresenta outra vertente, retomada posteriormente por Lacan, em que “a determinação está no significante, que permite a articulação do indivíduo com o coletivo. A determinação está nesse ponto de enlace que o significante faz entre o sujeito e o discurso” (p. 76). E ele (Lacan) diz que quando muda a relação do sujeito com o significante, muda a história, ou seja, a causalidade estaria na posição que este significante tem na relação com o sujeito. Poderia-se dizer então que a posição em que o significante avó/avô se inscreve na cadeia de significantes do sujeito determina como este vai se posicionar no discurso social e nas relações familiares. O mesmo 60. correio APPOA l agosto 2013 Jornada do Percurso de Escola XI (II). em relação ao significante filho e ao significante pai/mãe. Uma vez que há uma ordem na genealogia familiar, podemos nos perguntar como seria possível ser avô, sem ter sido antes, filho e pai? Zedmundo, parece nunca ter se reconhecido como alguém a não ser na relação com a mãe, no lugar de filho. Ao recobrir a castração da mãe, acreditou ser seu falo, precisando ser parte do outro para ser. Parece não ter saído desta posição, o que é reforçado sob o olhar da esposa. Na relação com o desejo da esposa, que o autorizou, através do seu desejo, a ocupar o lugar de pai, será que conseguiu ser pai? Certamente teve que, novamente, se haver com a própria castração simbólica e, talvez, de alguma forma, tenha transmitido a lei para os seus próprios filhos. Entretanto, não consegue reconhecer o filho de sua filha, se recusa a fazê-lo, não quer participar da transmissão da lei para os filhos de seus filhos, não há lugar para eles no seu desejo. O significante avô não está inscrito, ou talvez não tenha sido (re)significado. Agora mais velho, Zedmundo continua na busca de si, não sabe quem é, a que veio. Parece não ter construído um mito familiar que lhe permitisse situar-se na estrutura familiar, nos diferentes lugares possíveis. Ao contrário de reconhecer o seu desejo, permanece desejando o reconhecimento. De quê, de quem, não parece saber. Maria Rita Kehl, no texto “A juventude como sintoma da cultura”, nos faz pensar sobre o tema da juventude: O efeito paradoxal do campo de identificações imaginárias aberto pela cultura jovem é que ele convoca pessoas de todas as idades. Quanto mais tempo pudermos nos considerar jovens hoje em dia, melhor. Melhor para a indústria de quinquilharias descartáveis, melhor para a publicidade – melhor para nós? O fato é que nas últimas décadas viramos jovens perenes. Por que não? Se no tempo de Nelson Rodrigues todos queriam ser velhos (imagem de velhice associada à respeitabilidade, à seriedade); se cada época elege um período da vida para simbolizar seus ideais de perfeição – que lei, moral ou natural, deve determinar os critérios de maturação humana, os padrões de longevidade, o limite para o que podemos exigir ou agosto 2013 l correio APPOA .61 temática. desfrutar de nossos corpos? Se ainda não se sabe do que a máquina humana, feita de apetites e de linguagem, é capaz, por que o poder da cultura, do dinheiro, do cinema e da televisão não podem congelar cinco, seis gerações num estado de juventude perpétua? Se o discurso social deixa indefinida a diferença entre as posições subjetivas do jovem, do adulto e do velho, e não reconhece o valor do crescimento, da maturidade, que vem com o tempo pra uns, pela força das circunstâncias de vida para outros, ou pode ainda nunca advir, como poderiam-se fazer inscrever /(res)significar os significantes pais e avós? Ricardo Rodulfo nos diz em O brincar e o significante que a tarefa eminentemente ativa que todo o ser humano deve empreender, para a qual precisa de ajuda, porque sozinho não pode consumá-la, é encontrar significantes que o representem frente ao e dentro do discurso familiar, no seio do mito familiar, ou seja, do campo desejante familiar (p. 34). Bernard Penot, no texto “A importância da noção de adolescência”, analisando uma abordagem da patologia adolescente, a considera uma possibilidade rica para o psicanalista “em razão da exemplaridade daquilo que seus casos de figuras clínicas desenvolvem sob nossos olhos como modalidades possíveis de liberação, do sujeito de um desejo próprio através da entrada em crise de um aparato de conformidade, do eu e do supereu” (p. 35). A adolescência, assim como a chegada de um filho, um neto, implica fases da vida propícias para o sujeito reviver os processos identificatórios imaginários constitutivos do Eu, prolongamento do modelo de conformidade do Eu-ideal, e a emergência do sujeito de desejo próprio dependente do operador psíquico Ideal-de-Eu. Com a chegada de um novo potencial sujeito, filho ou neto, as dificuldades não superadas dos processo de constituição e de reconhecimento da castração se reeditam. Assim como na adolescência conflitos não elaborados de origem familiar podem novamente retornar na forma de sintoma. Não seria de se surpreender se a 62. correio APPOA l agosto 2013 Jornada do Percurso de Escola XI (II). angústia que daí deriva, quando adicionada à falta de reconhecimento do seu lugar e de seu valor pelos filhos, agora pais, e ao imperativo do gozo presente no discurso social, pudesse provocar o afastamento dos avós e de seus filhos e netos. Marie-Christine Laznik aborda em O complexo de Jocasta um outro tema, ligado diretamente ao envelhecimento: a feminilidade e a sexualidade sob o prisma da menopausa. Fica clara a confusão entre o fim da capacidade de reprodução e a perda da feminilidade. Para sair da alienação radical na imagem como Eu Ideal, o sujeito vai apoiar-se em seu Ideal de Eu, de uma identificação com um traço paterno. Numa mulher, isto não dá conta da sua feminilidade e, portanto, “ela continuará dependente dessa imagem como Eu Ideal, construída a partir do olhar do Outro e nunca definitivamente adquirida” (p. 108). O parceiro conjugal tem um papel fundamental pois pode permitir à mulher ver sua imagem corporal falicizada, investida libidinalmente, através de seu olhar, de sua voz, ao longo de toda a vida, neutralizando, por assim dizer, a perda da qualidade estética objetiva do corpo em sua real dimensão, puramente orgânica. Quando isso não acontece, entre as saídas encontradas por algumas mulheres para a crise da meia idade, está a renúncia ao próprio desejo para viver em função dos filhos adultos. O mesmo pode acontecer no que diz respeito aos netos, ou em atividades outras, como viagens ou projetos sociais e culturais, numa tentativa de sublimação, recurso valorizado pela nossa cultura. Aquelas que conseguem encontrar outras formas de manter sua posição feminina, possivelmente poderão criar diferentes e ricas relações com filhos e netos, que comportem espaço para seu desejo se fazer presente, aproveitando o largo horizonte de possibilidades que o mundo contemporâneo tem a oferecer. Para o homem de meia idade, quando o seu órgão genital já não funciona mais como na juventude, a diminuição da potência fálica no plano imaginário pode ser compensada pela manutenção de uma oferta de falta da parceira, junto com a indicação de que ele é quem pode suprí-la. Quando agosto 2013 l correio APPOA .63 temática. isto não acontece, o homem pode fazer um super investimento profissional ou procurar na relações com outras mulheres, muitas vezes mais jovens, o reconhecimento do falo no seu poder econômico, posição social, etc. As crises conjugais enfrentadas por casais de meia idade, tanto pelas questões femininas quanto masculinas, claramente afetam a manutenção do laço conjugal e, portanto, a transmissão da lei do desejo, diretamente para a segunda geração e direta ou indiretamente para a terceira. A psicanálise poderá ter um papel relevante para os que buscarem nela a ajuda necessária. Falhas nos processos constitutivos do Eu, insuficiência simbólica, crises conjugais, vínculos filiais não rompidos, dificuldades de assumir a parentalidade, falta de reconhecimento do valor do que os avós podem transmitir... Certamente são muitos os elementos que podem interferir na subjetivação das três gerações no que diz respeito a avosidade. Algumas questões foram abordadas neste momento, certamente há outras. Mesmo sem responder completamente as questões levantadas, espero ter podido avançar um pouco na direção de como apreender o que se passa no discurso social sobre o tema avosidade e quais são seus efeitos sobre as relações familiares. Referências bibliográficas ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1968. COUTO, Mia. O Fio das Missangas. São Paulo: Ed. Companhia das Letras, 2004. JERUSALINSKY, A. Seminários V – O declínio do império patriarcal. São Paulo: Universidades de São Paulo, Instituto de Psicologia, 2004. JORGE, M. A. Coutinho, Fundamentos da Psicanálise – De Freud a Lacan, vol I. Rio de Janeiro: Ed Zahar, 2000. JULIEN, Phillipe. Abandonarás teu pai e tua mãe. Rio de Janeiro: Ed. Companhia de Freud, 2000. KEHL, Maria Rita. A juventude como sintoma da cultura, blog da autora (acessado em maio 2013). LACAN, J. O estádio do espelho como formador da função do eu. In: Escritos. Rio de Janeiro: Ed Zahar, 1966. LAZNIK, Marie-Christine. O Complexo de Jocasta. Rio de Janeiro: Ed. Companhia de Freud, 2003. PENOT, Bernard. A importância da noção de adolescência para uma concepção psicanalítica de sujeito. In: Revista da APPOA, número 11, 1995. RODULFO, R. O brincar e o significante – um estudo psicanalítico sobre a constituição precoce. Porto Alegre: Ed. Artes Médicas, 1990. 64. correio APPOA l agosto 2013 agenda. eventos do ano 2013 data evento local 23 e 24 de agosto III Jornada do Instituto APPOA Hotel Continental – Porto Alegre – RS Jornada clínica Plaza São Rafael – Porto Alegre – RS 26 e 27 de outubro agenda agosto. 2013 dia hora atividade 02, 09, 16, 23 e 30 14h Reunião da Comissão da Revista 09 e 16 16h Reunião da Comissão de Aperiódicos 12 e 26 20h30min Reunião da Comissão do Correio 01, 08, 15, 22 e 29 19h30min Reunião da Comissão de Eventos 01 e 15 20h Reunião da Comissão da Biblioteca 08 e 21h Reunião da Mesa Diretiva 22 e 21h Reunião da Mesa Diretiva aberta aos Membros próximo número Relendo Freud: Além do princípio do prazer (1920) julho 2013 l correio APPOA .65 normas editoriais do Correio da APPOA O Correio da APPOA é uma publicação mensal, o que pressupõe um trabalho de seleção temática – orientado tanto pelos eventos promovidos pela Associação, como pelas questões que constantemente se apresentam na clínica –, bem como de obtenção dos textos a serem publicados, além da tarefa de programação editorial. Tem sido nosso objetivo apresentar a cada mês um Correio mais elaborado, quer seja pela apresentação de textos que proporcionem uma leitura interessante e possibilitem uma interlocução; quer pela preocupação com os aspectos editoriais, como a remessa no início do mês e a composição visual. Frente à necessidade de uma programação editorial, solicitamos que sejam respeitadas as seguintes normas: 1) os textos para publicação na Seção Temática, Seção Debates, Seção Ensaio e Resenha deverão ser enviados por e-mail para a secretaria da APPOA ([email protected]); 2) a formatação dos textos deverá obedecer às seguintes medidas: – Fonte Times New Roman, tamanho 12 – O texto deve conter, em média, 12.000 caracteres com espaço – Notas de rodapé em fonte tamanho 10 3) as notas deverão ser incluídas sempre como notas de rodapé; 4) as referências bibliográficas deverão informar o(s) autor(es), título da obra, autor(es) e título do capítulo (se for o caso), cidade, editora, ano, volume (se for o caso); 5) as aspas serão utilizadas para identificar citações diretas; 6) citações diretas com mais de 3 linhas devem vir separadas do corpo do texto, com recuo de 4 cm em relação à margem, utilizando fonte tamanho 10; 7) o itálico deverá ser utilizado para expressões que se queira grifar, para palavras estrangeiras que não sejam de uso corrente ou títulos de livros; 8) não utilizar negrito (bold) ou sublinhado (underline); 9) a data máxima de entrega de matéria (textos ou notícias) é o dia 05, para publicação no mês seguinte; 10) o autor, não associado a APPOA, deverá informar em uma linha como deve ser apresentado. A Comissão do Correio se reserva o direito de sugerir alterações ao(s) autor(es) e de efetuar as correções gramaticais que forem necessárias para a clareza do texto, bem como se responsabilizará pela revisão das provas gráficas; 11) a inclusão de matérias está sujeita à apreciação da Comissão do Correio e à disponibilidade de espaço para publicação. c o r r e i o APPOA Órgão Informativo da APPOA Associação Psicanalítica de Porto Alegre Rua Faria Santos, 258 90670-150 Porto Alegre RS Fone: 51 3333 2140 Fax: 51 3333 7922 [email protected] www.appoa.com.br Comissão do Correio Coordenação Luciano Assis Mattuella Regina de Souza Silva Integrantes Ana Paula Melchiors Stahlschmidt Fernanda Pereira Breda Graziela Alberici Lúcia Martins Costa Bohmgahren Marcia Helena de Menezes Ribeiro Márcia da Rocha Lacerda Zechin Mercês Sant Anna Ghazzi Paulo Gleich Silvia Raimundi Ferreira Tatiana Guimarães Jacques Jornalista responsável Jussara Porto Capa e projeto gráfico Rosana Pozzobon Foto de capa Reprodução de texto lacaniano Editoração eletrônica Clo Sbardelotto Impressão Gráfica Calábria Tiragem 350 exemplares Editorial 1 Notícias 3 Temática 9 (Des)enlaces – O que convoca à escrita? 9 Carmela de Lima Tubino A delicadeza dos tempos das primeiras entrevistas 17 Marcia Giovana Pedruzzi Reis Aventurar-se na desventura: um ensaio sobre política pública e laço social 29 Carolina Monte Lague Psicanálise e o coletivo, uma ética singular 37 Júlia Lângaro Becker Irreversível? Sobre o trabalho de transferência com crianças e adolescentes em situação de abrigamento 47 Fernanda Perlin de Cesaro Reflexões sobre a avosidade na contemporaneidade 55 Valéria Rombaldi Agenda 65