As reflexões –
aqui
passadas a
palavras – do
Prof. Doutor
Carlos Pereira
Alves
30 | Janeiro | 2015
Texto:
Carlos Gamito
[email protected]
Fotografia:
Rita Santos
Paginação e Grafismo:
Marisa Cristino
[email protected]
O Prof. Doutor Carlos Pereira Alves, médico-cirurgião e co-fundador da APDH, transformou as suas reflexões em
palavras que, pela importância que encerram, devem servir de reflexão aos responsáveis pelo sector da saúde em
Portugal
Foram palavras cheias de palavras.
Palavras claras e substantivas que corporizaram esta que foi uma longa entrevista mas que, por
tão longa, lamentavelmente não a podemos transcrever integralmente aqui.
E não a podemos transcrever porque também no formato digital o jornalismo obedece a regras.
Regras que devem ser observadas para salvaguarda da fadiga e consequente desinteresse do
leitor quando confrontado com textos densos e extensos. Mas dentro da sintetização a que
sujeitámos a conversa, ficam as asseverações mais significativas deixadas pelo Prof. Doutor
Carlos Pereira Alves.
Carlos Pereira Alves foi licenciado em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade do
Porto no ano de 1968 e, no ano de 2000, foram-lhe impostas as insígnias de Doutor.
A Medicina, à semelhança da Cirurgia, na hora das decisões desaguaram na mesma corrente: a
Paixão.
Num passado recente era reiterada a consideração que os médicos-cirurgiões eram os patrões
da medicina. O Professor Carlos Pereira Alves explicou-nos porquê: «Sim, esse conceito é
resultante das características próprias da cirurgia, a qual encerra em si, de maneira perfeita, a
simbiose da Medicina como Ciência e Arte. A cirurgia permite verificar de maneira real a
patologia em causa e o seu tratamento. A cirurgia exige treino e destreza manual para executar
as técnicas, mas estas devem ser pensadas antes, durante e depois da sua execução.»
Porque nesta fase a conversa estava centrada na Cirurgia, o Professor recordou: «Como lhe
referi, licenciei-me no Porto, na Faculdade de Medicina. A par dos meus Professores, o Dr.
Gomes de Almeida, uma das figuras marcantes da Cirurgia portuense, mostrou-se como uma
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influência definitiva na minha paixão pela Cirurgia bem como olhar a Cirurgia como coisa mental
e profissão romântica, e mais tarde lançar um olhar continuado e sedimentado nos Hospitais
Civis de Lisboa e sobretudo no Hospital dos Capuchos, com o Professor Alves Pereira. É com
imensa saudade que os recordo, assim como recordo esse tempo».
O PROGRESSO TROUXE, ENTRE MUITOS OUTROS BENEFÍCIOS, A CIRURGIA DE AMBULATÓRIO, E O
PROFESSOR EXEMPLIFICOU UMA DAS INÚMERAS VANTAGENS DESTA NOVA PRÁTICA
“Grandes avanços têm-se verificado na tecnologia, mas caberá dizer-lhe que a Cirurgia não se limita a actos
técnicos. A Cirurgia, como já lhe referi, encerra muita arte, e esta arte é feita com respeito pelos conhecimentos e
evidências científicas”, afirmou-nos o Professor
A longa carreira do Professor vivenciada no mundo das práticas cirúrgicas suscitou-nos
perguntar-lhe se, à semelhança da Medicina em geral, também a Cirurgia conheceu avanços
significativos no âmbito das suas técnicas. O Professor Carlos Pereira Alves, com o olhar colado
no passado, deixou-nos uma resposta bem esclarecedora: «São muitos os momentos em que
faço reflexões sobre o progresso, e devo afirmar-lhe que o progresso e evolução do
conhecimento são inevitáveis e essenciais, mas também não posso deixar de dizer que o
progresso encerra aspectos negativos e por vezes perversos, e é nossa obrigação evitar os
perversos e reduzir os negativos.» E sublinhou: «Grandes avanços têm-se verificado na
tecnologia, mas caberá dizer-lhe que a Cirurgia não se limita a actos técnicos. A Cirurgia, como
já lhe referi, encerra muita arte, e esta arte é feita com respeito pelos conhecimentos e
evidências científicas.»
Ainda a este propósito o Professor fez questão de destacar que os acentuados progressos no
território farmacológico e técnico, nomeadamente na área anestesiológica, ofereceram
excepcionais condições para que as práticas cirúrgicas conhecessem avanços inimagináveis há
duas décadas, sendo que um dos exemplos mais expressivos é a Cirurgia de Ambulatório.
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De entre outros casos que podiam servir para exemplificar a importância da Cirurgia de
Ambulatório, o Professor socorreu-se da sua prática diária no tratamento cirúrgico das doenças
venosas e evidenciou: «No passado, quando iniciei a minha actividade cirúrgica, um doente para
ser operado a varizes tinha que ser internado para estudo clínico, análises, electrocardiograma e
radiografia de tórax. Depois realizávamos a cirurgia, seguida de um período de internamento
nunca inferior a dez, quinze dias. Hoje opero um doente às varizes no período da manhã e ao
fim do dia regressa a casa e, no dia seguinte está em perfeitas condições de retomar a sua vida
normal. São substanciais as vantagens decorrentes deste extraordinário avanço da Medicina, o
qual beneficia não só o doente como os profissionais e as próprias instituições prestadoras de
cuidados de saúde. Este é um exemplo de como o avanço dos conhecimentos se reflete na
prática clínica e nos custos inerentes. Costumo dizer que a boa prática clínica é a melhor medida
de economia em saúde.»
UM OLHAR AO SERVIÇO NACIONAL DE SAÚDE E O ALARGAMENTO, FACULTATIVO, À POPULAÇÃO EM
GERAL, DO SUBSISTEMA DE SAÚDE ADSE
O Serviço Nacional de Saúde foi objecto de uma profunda análise deste médico que apresenta no seu vasto
currículo uma longa carreira a nível hospitalar e, atente-se, o Professor Carlos Pereira Alves defende o alargamento
à população em geral do subsistema de saúde ADSE
O Serviço Nacional de Saúde, fruto da crise económica que assola a Europa em geral e o País
em particular, está a ser flagelado – conforme tem sido amplamente divulgado – com medidas
ditas adulteradoras do sistema, o que nos levou a instar a opinião do Professor Carlos Pereira
Alves. A sua resposta foi peremptória: «A essência do Serviço Nacional de Saúde assenta no
pressuposto da Constituição Portuguesa de que todo o cidadão deve ter direito universal e
gratuito na assistência à saúde, não dando lugar a qualquer preocupação, por parte do cidadão,
no plano financeiro, quando está doente. Ora bem: “…o cidadão tem direito universal e
gratuito…”, mas na minha opinião esta gratuidade tem sido extremamente mal interpretada. E
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mal interpretada porquê? Porque a prestação de cuidados, ao contrário do que se possa pensar,
não e nem nunca foi gratuita. O Serviço Nacional de Saúde é financiado por uma parte dos
impostos a que todos estamos obrigados a pagar, e é esse dinheiro que garante a assistência na
doença quando tal for necessário. O problema coloca-se na altura do pagamento, se deve ser
pago pelo cidadão enquanto pessoa saudável, através dos impostos, ou quando está doente,
fragilizado e vulnerável no recurso ao hospital ou centro de saúde. O pagamento a montante é o
princípio do Serviço Nacional de Saúde que se configura como um Seguro Nacional de Saúde.
Estou convicto que o cidadão aceita este pagamento desde que verifique na prática a sua
aplicação.»
A terminar o seu raciocínio, o Professor Carlos Pereira Alves referiu que os custos com a saúde
serão inevitavelmente crescentes devido aos já mencionados avanços tecnológicos, novos
medicamentos e aumento da esperança de vida, o que deve ser equacionado aquando do
financiamento do Ministério da Saúde e na definição de prioridades. Investimento na saúde é
sem qualquer dúvida um investimento rentável, com custo-benefício altamente positivo.
O Professor destacou também ser defensor da possibilidade de liberdade de escolha do médico
por parte do doente, liberdade relativa, como todas as liberdades, mas que deve ser considerada
dentro desta relatividade. É nesta problemática de financiamento de custos crescentes e
liberdade de escolha que poderá considerar-se o alargamento, facultativo, à população em geral
das condições oferecidas pelo subsistema de saúde ADSE. E acentuou: «Considerando os
descontos para a ADSE proporcionais às remunerações e os benefícios iguais para todos,
estaríamos perante um sentido de solidariedade. Podemos mesmo analisar outros serviços de
saúde, como por exemplo o francês, onde esta liberdade de escolha está consignada.»
Como última observação, o Professor Pereira Alves sublinhou ainda: «Na minha opinião
considero alarmante e não menos preocupante a organização do trabalho hospitalar onde
assistimos a um aumento crescente de médicos tarefeiros, situação que se revela perversa e
contrária à essência da prática clínica, a qual assenta numa abordagem sequencial da doença e
do doente, sendo que esta nefasta realidade também impossibilita por completo a actividade do
ensino médico.»
PORTUGAL ESTÁ REPRESENTADO EM RECONHECIDAS ORGANIZAÇÕES HOSPITALARES EUROPEIAS
ATRAVÉS DA APDH
O Professor Carlos Pereira Alves, na sua qualidade de co-fundador da APDH – Associação
Portuguesa para o Desenvolvimento Hospitalar, teceu uma concludente análise ao trabalho que
tem vindo a ser desenvolvido pela Associação: «A APDH tem feito um trabalho notável,
sobretudo se atendermos às condicionantes com que ao longo dos anos temos sido
confrontados, no entanto todos nós, membros da direcção, sentimos algum orgulho em
representarmos Portugal junto de importantes organizações hospitalares, nomeadamente a
HOPE – Federação Europeia dos Hospitais, e a IHF – Federação Internacional dos Hospitais,
onde Portugal tem a honra de integrar o seu Board of Governors e Governing Council,
respectivamente».
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Entrevista Professor Pereira Alves