NOTA HISTÓRICA
R E V I S TA P O R T U G U E S A
DE
CIÊNCIAS VETERINÁRIAS
A história do Laboratório Central de Patologia Veterinária de Angola
The history of the Nova Lisboa Laboratories, Angola
António Martins Mendes
Faculdade de Medicina Veterinária, UTL, Rua Professor Cid dos Santos 1300-477 Lisboa
Resumo: O autor faz, sumariamente a história do Laboratório
Central de Patologia Veterinária de Angola, o qual foi um dos
mais importantes centros de investigação veterinária em África.
Nele trabalharam mais de uma dezena de médicos veterinários
portugueses e estrangeiros. A sua construção, iniciada em 1927
sofreu diversas vicissitudes, conforme as tendências dos muitos
Governadores Gerais que por Angola passavam. A sua localização geográfica permitia facilidades de comunicação com todo o
país e o estrangeiro. Construído com a largueza correspondente à
extensão geográfica que servia, nele se centralizavam a preparação das vacinas e o apoio à identificação da patologia animal da
Colónia. As suas publicações, incluindo teses de doutoramento
atingiram várias centenas. Foi destruído pela guerra civil que também destruiu Angola.
Summary: The author writes the history of the Nova Lisboa Laboratories, one of the most important veterinary research institutions
in Africa. The buildings were started in 1927 but its construction,
for political reasons delayed as far as 1950. Built in the high lands
of the Angolan central plateau, communications were easily made
with all the country, by railway, by air or road. Its action was
decisive for the preparation of vaccines and knowledge of the
animal pathology of the colony. Some hundreds of papers were
presented to congresses or published in Portuguese, French and
English, including some PhD. Thesis. It was completely destroyed
by the civil war that also destroyed Angola.
Apresentação
A História do Laboratório Central de Patologia Veterinária de Angola (L.C.P.V.), também conhecido por “Laboratórios de Nova Lisboa” (“Nova Lisboa
Laboratories”), encontra-se dispersa e é quase desconhecida. Actualmente só existem ruínas mas ele existiu, representa um marco importante na História de Angola e
um atestado da capacidade profissional de quantos o projectaram e desenvolveram.
Servir-nos-á, à laia de introdução, a opinião do Doutor Raymond A. Alexander, então Director do Instituto
de Investigação Veterinária em Onderstepoort, que em 2
de Agosto de 1958, numa entrevista ao jornal “A Província de Angola”, afirmou: «… Maior surpresa do que
a causada pela cidade [referia-se a Nova Lisboa, que elogiou] foi a surpresa que a visita aos realmente perfeitos
laboratórios de veterinária nos proporcionou. Muitas
coisas que vi, me fizeram lembrar os meus laboratórios
de Onderstepoort, e em muitos aspectos se verificam
mesmo melhoramentos em relação a eles». E o jornalista comenta que se devia salientar essa afirmação «…sabendo-se que os laboratórios de Onderstepoort, que o
Doutor Alexander dirige, são considerados como um dos
maiores centros de investigação científica de todo o
mundo». Mas o Prof. Alexander continuou: «Não são os
edifícios que categorizam os laboratórios, mas sim o seu
equipamento, cujas características de actualidade indicam uma cuidadosa atenção no planejamento das pesquisas relacionadas com os mais importantes problemas.
Na nossa opinião, para qualquer reunião científica a realizar nada mais é necessário do que uma ida a Nova
Lisboa, com o seu clima estimulante, as suas boas acomodações e as excepcionais facilidades de carácter técnico e científico que proporciona...» e conclui «…desejo agradecer ao Governo a oportunidade e o privilégio
que nos concedeu de visitarmos uma cidade e um Instituto de que os portugueses têm razão para se mostrar
orgulhosos». Acrescentemos que ao “Veterinary
Research Institute” em Onderstepoort, dirigido pelo Prof.
Raymond Alexander, deviam os médicos-veterinários dos
Laboratórios de Nova Lisboa a sua especialização profissional. Aliás, nesses tempos, o Instituto de
Onderstepoort era a “Meka” de quantos médicos-veterinários trabalhavam em África e continua sendo uma referência mundial na área das Ciências Veterinárias.
Os primórdios
Como já escrevemos a constituição de Serviços Veterinários em Angola foi lenta e difícil. O Governo central
entendia que o estudo da produção animal era muito caro
e que, além disso, já se sabia tudo nessa matéria. Seria
apenas necessário transferir para Angola os conhecimentos obtidos em outras regiões. A investigação agrícola
era muito mais barata e podia ser feita em Lisboa onde
se criou um “Jardim do Ultramar” cuja função, entre
outras, era cultivar plantas e produzir sementes destinadas à agricultura tropical. Nada se sabia de Pecuária Tropical, nada se sabia de Patologia Animal Tropical, (em
especial da que respeitava às Colónias Portuguesas) mas
o Ministro dos Negócios da Marinha e Ultramar enten-
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Vista aérea do LCVP (fotografia dos serviços de fotografia do LCPV)
dia que, em caso de necessidade, o médico, o agrónomo
ou mesmo o regente agrícola ou o ferrador substituiriam
o médico-veterinário. Além disso a situação excêntrica
da capital angolana, a mais de mil quilómetros das regiões pecuárias do Sul sustentava facilmente essa mentalidade. Claro que essas convicções oficiais deram origem a erros de diagnóstico , que chegaram até aos nossos dias e a ideias “lapidares” sobre a etiopatogenia da
Peripneumonia Contagiosa, mas isso não importava pois
a quase totalidade dos criadores de gado eram camponeses que viviam no Sul de Angola e lutavam contra os
portugueses, opondo-se à conquista das suas terras.
O escasso número de médicos-veterinários civis que
eram enviados para Angola, completamente
desenquadrados e entregues a si próprios, colocados sob
as ordens de quem nada sabia de Medicina Veterinária
pouco podiam fazer, a braços com uma patologia que
desconheciam em muitos aspectos, num ambiente científico primitivo, pugnavam pela fundação de um laboratório que lhes desse algum apoio, mas sem qualquer resultado.
O primeiro Governador Geral que se interessou pela
defesa da pecuária de Angola foi o Governador Geral
Major José Mendes Ribeiro Norton de Matos mas o seu
trabalho ficou prejudicado pelo deflagrar da I Guerra
Mundial. Não obstante, mesmo durante o seu governo a
dinamização do que chamavam “Serviços Veterinários”
consistia em transferir, alternadamente, entre Benguela
e Luanda os dois únicos veterinários existentes. É certo
que em 1909 foi criado o Laboratório Agronómico de
Luanda mas, em 1916 o Prof. Monteiro da Costa considerava a Secção Veterinária desse laboratório como uma
“anedota” por insuficiência de espaço, de equipamento
e de pessoal auxiliar.
A entrada de Portugal na I Grande Guerra, em 1916,
com o destacamento para Angola de algumas dezenas
de médicos-veterinários militares viria a confirmar a necessidade de “Serviços de Pecuária” organizados e autónomos, pois a colonização aumentava e com ela crescia a pressão da opinião pública que exigia mais atenção
à saúde e ao melhoramento dos animais. Assinada a paz
,a criação e a autonomia dos Serviços Veterinários, ou
Pecuários, como se dizia na época, foi ainda obra do
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grande reformador da administração angolana, o AltoComissário da República e agora General Norton de
Matos no ano de 1922. Foi seu primeiro Director o Doutor Artur Elviro de Moura Coutinho de Almeida d’ Eça,
que teve a sorte de contar com um grupo excepcional de
pioneiros que o ajudaram e secundaram. Data de 1923 a
primeira orgânica dos Serviços Pecuários de Angola.
Nesse mesmo ano, o Sul da colónia foi invadido por
uma epizootia de Carbúnculo Sintomático, vinda do então Sudoeste Africano (actual Namíbia), que foi progredindo em território virgem e sem defesas. Na luta que se
travou os veterinários demonstraram a sua competência
profissional, a sua capacidade de adaptação à vida no
mato e deram «… num trabalho fundamentalmente técnico, um dos melhores passos de política indígena, que
muito honra os Serviços de Pecuária da Colónia». Tratou-se, de facto, de uma epizootia de carbúnculo sintomático e não de peripneumonia contagiosa como já vimos escrito. A actuação dessa Missão Veterinária da
Huíla, chefiada pelo Dr. António Lebre e constituída
pelos Drs. Augusto Lourinho, Carlos Carneiro e Abel
Pratas demonstrou o valor profiláctico da vacina, convencendo os criadores e as autoridades. Enfim, tempos
passados, quando ainda se vacinava em vez de matar e
incinerar.
A morosidade dos transportes da época dificultava a
chegada de vacinas em boas condições de conservação.
Por esse motivo, e por ser urgente o conhecimento da
patologia animal, para que houvesse uma acção sanitária eficaz, insistiu-se na construção de um Laboratório
de Patologia Veterinária. A propósito deste assunto, escrevia o Dr. Isidoro Martins dos Santos, em 1968: «…
Para conseguir os soros e as vacinas contra as principais
Fachada principal do LCPV (fotografia dos serviços de fotografia do LCPV)
enzootias grassantes estava-se na dependência dos Laboratórios da Metrópole ou do Estrangeiro e os fornecimentos condicionados à chegada dos barcos a um ritmo
de um em cada vinte e um dias e por vezes a prazos mais
dilatados. [...] Sem se dispor dos soros e vacinas para se
estruturar uma decidida assistência, sem um Laboratório de análise […] os poucos técnicos dispersos pela Província estavam condenados à estática atitude de testemunhas passivas de importantes razias nos gados». E
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acrescenta: «Pessoalmente eu ainda passei por essas agruras».
O Doutor Almeida d’ Eça, conhecia as realidades tropicais, e entendia que, sem o domínio do problema sanitário não se poderia pensar no aumento da produção nem
fazer melhoramento animal. Por isso insistia na montagem de um Laboratório de Patologia Veterinária. O trabalho da Missão Veterinária da Huíla, acima referido,
reforçou as suas razões. Em Março de 1926, foi mandado estudar em Portugal e no estrangeiro, as bases em
que assentaria a construção dessa instituição. Por felicidade o Doutor Almeida d’ Eça, em Junho de 1916, fora
preparador e mais tarde assistente da cadeira de
“Microbiologia Agrícola e Fermentações”, na Escola
Superior de Medicina Veterinária. Neste lugar permaneceu até Junho de 1919, quando foi contratado Chefe de
Secção do Ministério das Colónias.
O regime de Altos Comissários representou para Angola e Moçambique um período de grandes reformas administrativas, pela autonomia governativa que concedia,
permitindo contrariar a ignorância e o desinteresse das
autoridades do Terreiro do Paço, pelos problemas coloniais.
Norton de Matos acreditava no futuro de Angola, nas
suas potencialidades e não se submetia à mesquinhez
que o Governo Central impunha. A sua “dimensão” era
a da imensa Angola. Por isso foi demitido em 1923. À
sua exoneração seguiu-se um período conturbado, por
dificuldades diversas e com a nomeação de vários encarregados do Governo. Mas foi precisamente a um destes, o Comandante Artur de Sales Henriques, sendo Director dos Serviços Pecuários substituto o Doutor Geraldo Gomes Loureiro, que se ficou devendo a criação
da “Missão Veterinária da Huíla”.
O regresso de Almeida d’ Eça a Luanda precedeu, de
alguns meses, a nomeação e o desembarque (Setembro
de 1927) do novo Alto Comissário: o Coronel de Engenharia António Vicente Ferreira que já exercera a profissão em Angola e iria ser o continuador de Norton de
Matos. Compreendeu o alcance político e técnico da actuação da Missão Veterinária da Huíla, publicando legislação correctora das falhas verificadas, incluindo a
construção do tão desejado Laboratório. Almeida d’ Eça
faz-lhe justiça e escreve: «… se a Norton de Matos se
ficou devendo a autonomia dos serviços Pecuários a
Vicente Ferreira eles devem o impulso mais enérgico e
mais importante que sofreram».
Almeida d’Eça regressara a Luanda e sem perder tempo iniciara o projecto do Laboratório Central de Patologia Veterinária, com o auxílio do engenheiro Sá Carneiro, dos Serviços de Obras Públicas, aprontando tudo para
que o novo Alto Comissário autorizasse a sua tão necessária construção, como de facto veio a suceder em 7 de
Dezembro do mesmo ano.
escreve: «Foi com Norton de Matos, que eu tive os primeiros sonhos deste Laboratório, mas então para o instalar em Luanda. Contudo, esse ex- Alto Comissário veio
a concordar, comigo, na nova solução de antes colocar o
laboratório em local mais central e mais perto das criações então existentes. Pensou-se, por isso, em escolher
Sá da Bandeira. Foi, porém com o Alto Comissário
Vicente Ferreira, sendo Secretário Provincial de Agricultura o Dr. Torres Garcia que se definiu a localização
no Huambo, solução que reunia melhores condições».
De facto a localização desse Laboratório na cidade
planáltica, que Norton sonhara e estava em plena expansão, confirmar-se-ia mais acertada. Exactamente como
fora visionado, essa cidade, situada a mais de 1500 metros de altitude, quase no centro do grande quadrilátero
que é Angola, veio a constituir um importantíssimo nó
de comunicações terrestres e aéreas. A partir do Huambo
era fácil comunicar: por avião, por estrada ou por caminho de ferro, com qualquer ponto da Colónia ou do estrangeiro.
O diploma legislativo nº 631, publicado pouco depois
da chegada de Vicente Ferreira a Angola, além de autorizar a construção imediata do Laboratório Central de
Patologia Veterinária incluía-a na Tabela da Despesa Extraordinária da Colónia. Depois, em Dezembro do mesmo ano o Diploma Legislativo nº 661 considerava tratar-se de uma obra intimamente relacionada com o fomento pecuário da Colónia, para ser executada em três
anos. O Artº. 4º deste diploma dizia: «A verba total destinada à construção do Laboratório é de 6.000 contos…»,
equivalente, a preços actuais, a cerca de 900 mil contos,
um investimento extraordinariamente elevado para a
época mas feito à medida do país que serviria.
Vicente Ferreira era um governante esclarecido,
bem secundado pelo Dr. Torres Garcia. O Diploma acima referido foi logo seguido de um outro que reorganizava, e aprovava as: «Bases orgânicas dos Serviços de
Pecuária da Colónia de Angola […] tendo em vista o
que da sua acção se deve esperar…», e terminava com a
seguinte referência ao laboratório: «… entregando a técnicos, devidamente habilitados, determinados serviços
e estudos, no combate das doenças dos gados será dada
realização, à custa mesmo de sacrifícios, ao Laboratório
Central de Patologia Veterinária, que se localizará em
ponto da Colónia facilmente acessível e apropriado. A
esse estabelecimento cabe o papel importante previsto
em legislação anterior, da produção de vacinas e soros.
Agregado a ele serão criados pequenos laboratórios auxiliares, mais propriamente, talvez, classificados gabinetes de estudo, dos quais ficará já existindo o actual
pequeno laboratório de Luanda…». De facto este viria a
dar origem ao “Laboratório Regional de Luanda”.
Localização
Definida a localização do Laboratório na cidade do
Huambo, foi nomeada uma comissão, executiva, com
residência nessa cidade, composta: pelo Director dos Ser-
Foi o primeiro ponto discutido e o Dr. Almeida d’ Eça,
Construção: fase I
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Planta do R/chão do edifício principal do LCPV
Planta do 1º andar do edifício principal do LCPV
viços Pecuários, por um engenheiro ou arquitecto dos
Serviços de Obras Públicas (sucessivamente: os engenheiros O’Donell, Sanches da Gama e Trindade) e de
um funcionário de Fazenda (cujo nome não se conseguiu determinar). Nos seus impedimentos o Director dos
Serviços Veterinários era substituído pelo Doutor Geraldo Gomes Loureiro que ficou também a residir na cidade do Huambo.
Para sua implantação foi escolhida uma reserva de mata
natural com cerca de 1200 hectares, junto ao limite da
cidade. Com a boa vontade de todos, a Comissão “deitou mãos à obra”. Foi essa mata que veio a fornecer o
combustível para fazer funcionar o motor a gás pobre
que movimentou o dínamo da central eléctrica, durante
muitos anos, até ser substituído por um gerador de recurso, a gasóleo, e depois de feita a ligação, em alta tensão, com a rede da cidade.
A notícia da construção de semelhante Laboratório,
que viria a ser nessa época o maior e mais importante de
toda a África Ocidental e Central, só comparável ao citado Instituto de Onderstepoort, junto a Pretória, teve
enorme repercussão, dentro e fora das fronteiras angolanas. O jornal “A Província de Angola”, de 19 de Junho
de 1928 publicava uma entrevista com o Doutor. Almeida
d’ Eça na qual este afirmava: «Já foram iniciadas as obras
de parte do Laboratório do Huambo. Feita a derruba para
os arruamentos ao redor do Laboratório, o que causou
maior dificuldade foi a montagem das obras. […] A situação do Huambo permite que me procure gente com
capitais ingleses e do Congo Belga. […] Toda a gente
procura saber se eu posso garantir o estado sanitário da
Colónia. É que esse estado sanitário é hoje muito melhor do que era antigamente, sob todos os pontos de vista, devido exclusivamente à acção dos Serviços junto
dos gados indígenas e europeus. Mas ainda há muito que
fazer e o que falta representa um grande esforço e dispêndio de dinheiro. Felizmente a acção dos Serviços
Pecuários na Colónia, está sendo vista com interesse e
toda a gente está fazendo justiça ao trabalho realizado e
sobretudo à honestidade como é feito, honestidade que
leva a Direcção dos Serviços Pecuários a não fazer promessas... nunca este trabalho pode ser dispersivo, quer
dizer – espalhando muito pessoal que simultaneamente
actue em diversos pontos da Colónia. Antes deve realizar-se de uma forma contínua, começando numa ponta
para acabar noutra. É por isso que os trabalhos se iniciaram pelo Sul de Angola, de forma honrosa para os Serviços e para os processos de realização da Administração
Portuguesa. Porque se trata de uma das maiores riquezas da Colónia, representada já hoje em 370.000 contos» (mais de cinco milhões, a preços actuais).
Caminhavam os trabalhos em bom andamento, perturbados apenas quando se tornava necessário abrir concursos públicos para fornecimentos, quando o Alto Comissário Vicente Ferreira foi exonerado pelo Conselho
de Ministros na sequência de um diferendo com o Ministro das Colónias, que mandara demitir o Secretário
Provincial do Interior, o bacharel António Gonçalves
Videira, por motivos políticos. O Alto Comissário recusou-se a cumprir a ordem, por ser atentatória das suas
competências. Recebeu então ordens para entregar o
Governo ao Coronel Médico António Damas Mora –
Director dos Serviços de Saúde, o qual foi nomeado na
mesma data, Governador Geral interino. Vicente Ferreira
entregou o governo e embarcou para Lisboa no dia 6 de
Novembro de 1928, não mais voltando a Angola. Gonçalves Videira continuou em Luanda e veio a ser uma
figura carismática da cidade, nela exercendo advocacia,
até falecer. Foi pai de dois colegas nossos, também já
falecidos.
Mas, sobre o Laboratório pesava uma grande nuvem
negra. A sua construção, na já então cognominada cidade de Nova Lisboa, não constituía “obra de fachada” tão
do agrado dos políticos, pois estava a mais de 600 quilómetros do litoral e “não fazia vista”! É o bacharel António
Alberto Torres Garcia, Secretário Provincial de Agricultura no Alto Comissariado de Vicente Ferreira quem afirma: «O custo deste Laboratório seria de sete mil contos,
aproximadamente, mas ficava sendo o primeiro estabelecimento do seu género em toda a África. Faltava apenas despender a importância de 1.500 contos para a sua
conclusão, quando as obras foram suspensas, alegando
o sucessor de Vicente Ferreira que se tratava de palácios
supérfluos, que não correspondiam a nenhuma necessi-
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dade urgente. Entretanto, importamos vacinas e soros
para a defesa de mais de dois milhões de cabeças de gado
bovino, que constitui, sem dúvida, uma das maiores riquezas de Angola». E conclui: «Os meus dilectos colaboradores foram os veterinários, mas a agrimensores, autoridades administrativas, regentes agrícolas e engenheiros-agrónomos, devo também uma dedicação ilimitada.
O que fica dito não é nada, em face do muito que se fez.
Está tudo arquivado no Boletim Oficial, mas sepulto no
mais profundo silêncio de todos aqueles que cultivam e
fomentam o meio colonial português. Obras de homens
que não pertencem a escolas de elogio mútuo, obras que
tendiam à emancipação do esforço português em África, obras que tendiam à libertação dos escravos brancos
da época moderna, das mãos dos polvos que se julgam
no direito de sugar o sangue e o esforço dos pequenos,
estas obras não podiam, de facto, ter o apoio de ninguém,
nem criar, nas correntes intelectuais portuguesas, a menor curiosidade».
As obras foram suspensas e as verbas que se lhe destinavam foram desviadas para a construção “política” de
um palácio dos Correios em Benguela!
Mas, antes de devolver o dinheiro que se encontrava
depositado à ordem da Comissão de Obras, foi ainda
possível ao Doutor Geraldo Gomes Loureiro, que nela
desempenhava funções administrativas, proceder à aquisição no mercado local de materiais diversos, tais como:
varões de ferro, louças sanitárias diversas, cimento, vigas e pranchas de madeira, parafusos, pregos, tintas, ferramentas, etc., que foram sendo depois lenta e penosamente usados, nos anos seguintes, à custa das escassas
dotações que iam sendo retiradas do apertado orçamento dos Serviços Pecuários. Perderam-se apenas algumas
toneladas de cimento.
O realismo do Director Almeida d’ Eça, prevendo que
a conclusão e o apetrechamento da obra principal podia
demorar mais tempo do que o previsto, levara a Comissão a construir uma estrutura de apoio, junto à futura
central eléctrica, à ilharga do grande edifício. Foi nesta
construção, de largas janelas, que funcionou durante alguns anos o laboratório de química, antes de ser transformado em biotério.
Mas vale a pena referir uma pequena passagem de uma
entrevista com o Dr. Armindo Monteiro, Subsecretário
de Estado das Finanças, quando regressou de uma visita
a Angola, onde fizera um inquérito sobre a sua situação
económica, publicada no “Diário de Notícias” (Lisboa)
em 12 de Dezembro de 1930; entre outras coisas afirmou: «… o problema de Angola é, sobretudo, um problema de organização. Depois, a acção dos serviços está
enredada num ritual complicadíssimo […] os
formalismos devem ser reduzidos ao mínimo razoável;
serviços que actuem em vez de se entrincheirarem atrás
de secretárias […] passando a seguir o exemplo admirável dos veterinários que, desajudados de tudo, vão criando no Sul, uma grande riqueza pecuária e dos médicos que, em zonas perigosas, fazem uma guerra dura e
constante aos flagelos que nos vão despovoando Ango-
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la».
Evidentemente que essas declarações do então eminente político e Professor, discípulo do ditador Oliveira
Salazar, calaram fundo no espírito dos veterinários que
trabalhavam na Colónia mas não se traduziu em quaisquer ajudas ou benefícios materiais para os Serviços. As
obras do Laboratório Central continuavam lentamente,
graças apenas à paciência do Doutor Loureiro.
Com a saída de Vicente Ferreira surgiu uma época de
incertezas para o futuro de Angola e obviamente dos
Serviços Pecuários. Quanto a estes, passou a haver a iniciativa de, periodicamente, lhes mudarem o nome para:
“Sanidade Pecuária e Industria Animal” (1931), “Serviços de Veterinária e Pecuária” (1935), etc. Seria talvez
uma outra forma de “dinamização” …mais subtil!
Construção: fase II
O projecto, aprovado e em execução, consistia, fundamentalmente, de um edifício central com a forma de E
deitado (gravura 1), com rés-do-chão e primeiro andar,
onde se centralizariam os vários serviços ou secções previstas: Anatomia Patológica, Parasitologia, Bacteriologia, Soros e Vacinas, Virologia, Química Bromatológica
e Toxicologia. Como serviços auxiliares: além da Secretaria existiam: Museu, Fotografia, Desenho, Biblioteca, Meios de cultura, Armazéns, Oficinas, Central eléctrica, Serviços de campo, Estábulos experimentais, Estábulo do Lufefena, Biotério e Agricultura geral.
As obras permaneciam praticamente paradas, mas não
se deixava ao abandono o que já fora construído e concentrava-se o esforço principal no acabamento da ala
esquerda.
Em meados de 1935 importavam-se todas as vacinas
aplicadas em Angola, que ficavam por preços muito elevados e, muitas vezes, ineficazes por deficiências nos
transportes. Mas os, crismados, Serviços de Veterinária
e Pecuária, continuavam a considerar como sua primeira necessidade o acabamento do Laboratório Central de
Patologia Veterinária. Em 1933 procurara-se solucionar
o problema, fazendo instalar o material de laboratório
que fora adquirido, no edifício da Delegação de Sanidade Pecuária do Huambo e na ala esquerda do edifício
principal, já praticamente concluída, embora estivessem
em vias de solução os problemas básicos: electricidade,
água e estábulos. Mas esta primeira tentativa não resultou.
Em 1935 o Dr. Almeida d’ Eça foi transferido para
idênticas funções, em Moçambique, sem que o pedisse,
mas segundo o Ministro das Colónias de então, como
prémio da sua boa actuação em Angola. Ficou a substitui-lo um outro colega, lendário na Colónia, o Dr.
Frederico Bagorro de Sequeira, que, exactamente como
ele também era regente agrícola. Em 1936 ainda não foi
possível concretizar a ocupação da ala esquerda, pois
faltavam alguns acabamentos e não se pudera fazer a instalação das máquinas destinadas à central eléctrica. Em
1939 os serviços Pecuários foram integrados na Divisão
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de Fomento Económico o que concorreu para piorar a
situação do Laboratório e dificultar a sua actuação.
Como consequência do último conflito mundial foram os edifícios do Laboratório ocupados por um corpo
de tropas expedicionário, em Agosto de 1940, que nele
se manteve até ao ano de 1945. Os aparelhos: estufas,
microscópios, centrifugas, etc. que, haviam sido instalados foram retirados sem quaisquer cuidados e atirados
para um armazém sem um mínimo de condições, com as
previsíveis consequências. No ano de 1940 foi adjudicada
a construção, dos quartéis de Nova Lisboa, perto do Laboratório, e pensava-se que, em 1942, este Laboratório
ficasse desocupado.
Em fins de 1943 a posição do Laboratório era a seguinte: estavam levantadas as paredes do edifício central, até à altura do 1º andar, em toda a ala direita e parte
do corpo central do edifício; estava quase concluída a
ala esquerda; havia um pavilhão de química e dois estábulos; existia uma central eléctrica composta por um
motor, um dínamo e um grupo de acumuladores; fizerase a captação de água para um depósito colocado no terraço da ala esquerda, sendo a sua elevação feita por dois
carneiros hidráulicos; continuava a ocupação militar,
contrariamente ao previsto.
Construção: fase III
Em 9 de Maio de 1942, desembarcou em Luanda um
novo Governador Geral: o Capitão de Mar e Guerra Álvaro de Freitas Morna e com ele iniciou-se a terceira e
última fase da construção do Laboratório. Era Director
dos Serviços, agora chamados “Veterinários e da
Industria Animal”, o Doutor Abel Lima do Sacramento
Pratas. Nesse ano de 1942 os Serviços Veterinários, por
ordem do Governador Geral, solicitaram às Obras Públicas que reunissem os projectos do Laboratório Central de Patologia Veterinária e planificassem as construções para os anos seguintes. No fim desse ano foram assinados contratos com empreiteiros locais para o acabamento dos trabalhos de alvenaria e das coberturas em
betão armado, do corpo central e da ala direita do edifício principal. Por motivos indeterminados registaramse deficiências e atrasos na construção e, no final de 1945,
apenas estavam concluídos os acabamentos da ala esquerda e feito o restauro das consequências da ocupação militar.
Prevendo-se que no fim de 1942 o Laboratório ficasse
livre da ocupação militar, foram propostas a contratação
de um médico-veterinário bacteriologista, para dirigir o
estabelecimento e a de um parasitologista para seu adjunto. Em Agosto e Outubro de 1943 chegaram: um
anatomo-patologista Doutor Joaquim Monteiro da Conceição e um parasitologista Dr. Vasco Antunes Sousa
Dias. Pretendia-se a rápida vinda desses técnicos para
que orientassem a revisão e a eventual alteração do plano inicial das obras, presumivelmente antiquado, pois já
datava de 1927. Esses dois técnicos intervieram, de facto, no que estava planificado, concluindo-se o edifício
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central e construindo-se dois pavilhões: um para a imunização de equinos, destinados à produção de soros, e
outro para o estudo e preparação de vacinas contra as
doenças dos suínos, designadamente a peste.
Logo que o Laboratório ficou livre da tropa, que demorou muito mais do que o previsto, procurou-se recuperar o tempo perdido, embora com as dificuldades resultantes das fracas estruturas locais de apoio. A partir
de 1943 foi possível: a) fazer a reparação do “pavilhão
de Química” e da ala esquerda do edifício central dos
estragos causados pela tropa; b) projectar a cobertura do
edifício central e da sua ala direita; c) concluir o pavilhão destinado aos produtores de soros; d) concluir o
pavilhão para o estudo das doenças dos suínos; e) proceder ao estudo e construir uma nitreira; f) estudar e construir a rede de esgotos; g) adquirir com verbas do Fundo
de Fomento algum material de laboratório e o mobiliário mais necessário.
Depois, em 1949, foram concluídos dois estábulos para
animais de experiência – Microbiologia e Parasitologia.
Finalmente em 1951 instalaram-se uma nova central eléctrica, ligada em alta tensão à rede da cidade, e uma central de vapor.
Situados a 3 quilómetros da sede encontravam-se os
estábulos de uma manada de bovinos, para fins experimentais e de trabalho, perto do rio Lufefena, que em 1953
foram restaurados. Junto deles se construiu um “corredor” para vacinações e tratamentos, em alvenaria e betão. Fizeram-se também pequenos arranjos na ala esquerda do edifício central, adaptando-o ás suas funções definitivas e resolveu-se o problema do abastecimento de
água com ligação à rede da cidade e construção de um
depósito elevado. Nos anos seguintes corrigiu-se o abastecimento de água aos estábulos, fizeram-se novas instalações para pequenos animais de laboratório e quatro
edificações experimentais para estudos de
Peripneumonia Contagiosa. Em 1959 edificaram-se: pocilgas de isolamento para a Peste Suína, a primeira fase
do pavilhão destinado a estudos de Raiva e, junto ao rio
Lufefena, a primeira fase do futuro Posto de Inseminação
artificial.
Neste período, que se seguiu à última Grande Guerra,
é de justiça salientar, além da acção do Director dos Serviços Veterinários Dr. Abel Pratas, o interesse de um
Governador Geral, injustamente esquecido – o Capitão
José Agapito da Silva Carvalho mas, além dele, referirse também o desempenho, a competência e o
empenhamento do Engenheiro João Alberto Myre Dores, Director da Repartição de Obras Públicas do
Huambo. A um se deve a autorização das verbas destinadas à conclusão das construções e aquisições de boa
parte do equipamento e ao outro a supervisão, os cálculos de betão armado, a fiscalização e a conclusão das
obras.
No terreno podem considerar-se várias zonas:
– Edifícios destinados aos estudos laboratoriais propriamente ditos. Aqui se encontra o grande edifício central, com o sector administrativo, sala de reuniões e con-
Mendes, A. M.
ferências, museu, centro de documentação e biblioteca,
armazéns de produtos químicos e de vidraria e, naturalmente, os diversos laboratórios com as suas estruturas
de apoio. Nesta zona estavam ainda os pavilhões experimentais para microbiologia, parasitologia, produtores de
soros, peste suína, raiva e diversos pequenos estábulos
de isolamento para bovinos. Previa-se um edifício para
necrópsias com frigoríficos e forno crematório, que somente veio a ser construído mais tarde, em outro local.
Em anos mais recentes, devido ao grande aumento na
produção de vacinas, foi aqui construída uma estrutura
especialmente destinada à sua preparação, controlo, embalagem, armazenamento e expedição.
– Oficinas de serralharia, carpintaria e reparação de
automóveis, central eléctrica, central de vapor, armazéns
gerais e garagens. Refira-se que este sector foi chefiado,
até a sua morte, pelo Sr. Américo Carvalho, um modesto
operário capaz das mais extraordinárias realizações e reparações, capaz de reconstituir ou fazer de novo, ao torno, delicadas peças metálicas, de reparar complicados
aparelhos eléctricos. O Sr. Carvalho era, enfim, um daqueles “topa-a-tudo” de antigamente, que, muitas vezes
contribuiu, decisivamente, para que a actividade do Laboratório, perdido na savana africana, não fosse interrompida. Por isso foi-lhe prestada homenagem, atribuindo a essas oficinas o seu nome, com o respeito, o agradecimento, a saudade, de quantos com ele trabalharam e
lhe ficaram devendo, frequentemente, alguns dos resultados de suas pesquisas.
– Complexo para criação de pequenos animais de laboratório, constituído pelo primitivo Laboratório de
Química, depois de adaptado a estas novas finalidades e
incluindo: armazém, sala para preparação de rações, incubadoras para ovos e pinteiros. No exterior situavamse as instalações para cobaias, coelhos, galinhas e pombos.
– A quarta zona situava-se a cerca de três quilómetros
da central e constituíam-na os estábulos do Lufefena para
animais grandes e médios, destinados a trabalho e a futuras experiências na zona dos laboratórios.
Fora destas áreas encontravam-se ainda pocilgas para
isolamento e observação de suínos adquiridos no exterior, duas pateiras e um pequeno apiário, construído para
estudos da “Missão Apícola da Junta de Investigações
do Ultramar”.
Assim era, em termos gerais, o Laboratório Central de
Patologia Veterinária (Gravuras 3 e 4).
Pessoal e funcionamento
Em 1928 foi contratado, o assistente do Laboratório
Central de Patologia Veterinária de Portugal, Dr. Nuno
José Gago da Câmara, para assistente do Laboratório do
Huambo, do qual veio depois a ser o primeiro Director.
Naquele mesmo ano foi também contratado um
preparador – analista, o Sr. Eugénio António das Neves
Eliseu. Deve-se a Gago da Câmara a preparação da primeira vacina contra o Carbúnculo Interno. Trabalhando
em condições precárias, em instalações provisórias ce-
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didas pela Delegação de Sanidade Pecuária local, esses
dois técnicos produziram trabalho útil e os seus estudos
estão publicados nos Anais dos Serviços Pecuários de
Angola. Vejamos:
Gago da Câmara, publicou, em 1930, um pequeno estudo, com 15 páginas, sobre a Raiva em Angola, fazendo pela primeira vez, o diagnóstico da virose, cuja existência era contestada, na Colónia. O seu segundo trabalho foi publicado em 1932 e constitui um clássico de
referência obrigatória na História da Peste Suína .Foi também o primeiro a fazer o seu diagnóstico diferenciandoa do Mal Rubro, doença com a qual estava confundida e
que nunca foi diagnosticada em Angola. Quanto ao
preparador-analista Neves Eliseu (o “velho Eliseu”) em
1930, publicou igualmente dois trabalhos, qualquer deles, resultante de algumas centenas de análises: “Subsídio para o estudo analítico das águas de Nova Lisboa” e
“Subsídio para o estudo analítico dos leites da Colónia”.
Ambos prestavam igualmente assistência laboratorial aos
trabalhos de campo. As primeiras tentativas da preparação de vacinas não foram, no entanto, bem sucedidas.
Em 1934 Gago da Câmara deixou Angola por ter sido
contratado Director do Laboratório Central de Patologia Veterinária de Moçambique. Neves Eliseu continuou
em Angola, transferido para o Laboratório Regional de
Moçamedes, onde se reformou e faleceu.
Os dois médicos – veterinários especialistas, Joaquim
Monteiro da Conceição e Vasco Antunes Sousa Dias,
além de colaborarem na revisão dos projectos existentes
prestavam também apoios aos trabalhos de campo no
diagnóstico dos diversos processos mórbidos que
grassavam por Angola. Esses dois médicos veterinários
bem como o preparador analista que sobrara da 1ª
contratação e um ajudante de preparador que entretanto
também fora contratado, instalaram-se precariamente,
usando algum do material que não fora destruído pelos
militares, em dependências cedidas pela Delegação de
Sanidade Pecuária do Huambo.
Coube a Monteiro da Conceição preparar, localmente, as primeiras vacinas, designadamente contra os
Carbúnculos Interno e Externo e a Peripneumonia Contagiosa. Foi também o primeiro a diagnosticar a Peste
Suína Africana, chamando-lhe “peste africana de vírus
múltiplo filtrável, estudada já por Montgomery”, bem
como a pericardite exsudativa ou “heart-water” e seu
hospedeiro intermediário.
Em 1945 terminou, finalmente, a ocupação militar e
em 1946 foi contratado como assistente o médico-veterinário Dr. José Maria Guedes Dias dos Santos Nobre e
mais um preparador-analista – o Sr. Francisco Galiza de
Sousa Freitas pois havia necessidade de deslocar o existente, para o Laboratório Regional de Moçâmedes, por
necessidade de Serviço (controlo do óleo de peixes para
exportação). Em 1948 chegaram a Nova Lisboa, como
contratados, dois médicos-veterinários os Drs. José
Barradas Correia, para chefiar a Secção de Bromatologia
e António Martins Mendes para chefe da Secção de Produção de Soros e Vacinas. Em 1949 o Dr. José Maria
Guedes Dias dos Santos Nobre regressou do Laborató19
Mendes, A. M.
rio de Onderstepoort, onde estagiara durante um ano e
foi contratado como Chefe da Secção de Contrastes de
Vacinas e de Soros. Em 1950 foi contratado outro médico-veterinário, o Dr. Horácio Manuel da Graça, em substituição do Doutor Joaquim Monteiro da Conceição, que
pedira a exoneração, para a Chefia da Secção de Anatomia Patológica. Em 1951, entraram ao serviço como contratados, dois assistentes: o Dr. Emilio Freire Leite Velho, para o Serviço de Análises Microbiológicas, fortemente solicitadas principalmente no controlo das farinhas de peixe destinadas a exportação – neste Serviço
se idealizaram e desenvolveram métodos originais de
análise para o isolamento de salmonelas, nesse derivado
das pescas; o outro assistente Dr. Alexandre Mendonça
de Oliveira Daskalos, foi destinado à Virologia, devido
ao aumento das actividades relacionadas com os estudos sobre Peste Suína (leporização do vírus) e
Peripneumonia Contagiosa (Vacina inactivada com
adjuvante, controlo da vacina de estirpe autóctone) e o
diagnóstico de certas viroses como a Raiva, a Doença de
Newcastle, a Doença de Aujeszky e outras, que surgiam
pela primeira vez com alguma expressão em Angola.
Neste período trabalharam, como contratados no
L.C.P.V. (Angola), por ordem de antiguidade: o Doutor
Joaquim Monteiro da Conceição, e os Drs. Vasco Antunes
Sousa Dias, José Maria Guedes Dias dos Santos Nobre,
José Barradas Correia, António Martins Mendes, Horácio
Manuel da Graça, Alexandre Mendonça de Oliveira
Daskalos, Emílio Freire Leite Velho, Joaquim da Silva
Araújo, Fernando Moreira Serrano e Manuel Alfredo
Teixeira Coelho. Mas refira-se ainda integrados entre os
pioneiros os nomes dos Srs. Eugénio António das Neves
Eliseu, Francisco Galiza de Sousa Freitas, António
Marçal, Américo de Carvalho, Idalina Alves da Cruz,
Maria Aldina de Sousa, Maria José do Quental de
Almeida, Dalberto Guedes Pinto, Abílio Ferreira Dias,
Domingos Ferreira Morim, Humberto Paulus, José Pinheiro, Nataliel Alberto Domingos, Ângelo do Espírito
Santo, Joaquim Domingos, Horácio Simões Ferreira,
Benjamim Mota e alguns outros, cujos nomes se perderam na voragem do tempo…
Como homenagem ao seu trabalho de pioneiro na
leporização do vírus da Peste Suína Africana, ao respectivo pavilhão onde trabalhou, foi dado o nome de “Dr.
Alexandre Mendonça de Oliveira Daskalos”, no
cinquentenário da sua cidade, crismada de Nova Lisboa,
que seu pai vira nascer. Mas Alexandre Daskalos é também considerado pioneiro da poesia nacionalista africana, citado pelas antologias.
Outros colegas trabalharam no Laboratório, e não podem ser esquecidos. Foram eles: Doutor António Inácio
Ribeiro Baptista - Investigador do L. C. P. V. de Lisboa,
nos anos de 1950/1952, para orientar os trabalhos de investigação, relativos à Peste Suína, tendo realizado uma
revisão dos métodos clássicos que poderiam conduzir a
uma vacina e o austríaco Hofrat Prof. Doutor Franz
Gerlach, 1953/1957 do Laboratório Federal de Investigação Veterinária de Viena de Áustria, que orientou al20
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guns trabalhos relativos à Peste Suína e à Peripneumonia
Contagiosa, coadjuvado, em parte, pela sua assistente
Drª. Irma Heikila, uma colega de nacionalidade finlandesa. Os grandes conhecimentos do Prof. Gerlach em
Anatomia Patológica fizeram dele um valor inestimável
na formação prática dos veterinários que trabalhavam
no Laboratório. Uma necrópsia executada pelo Prof.
Gerlach era sempre uma lição de Anatomia Patológica
que todos seguiam atentamente. Nos dois últimos anos
que passou em Nova Lisboa o Prof. Gerlach foi ainda o
Director Científico do Laboratório, coadjuvado por um
dos Chefes de Secção, o Dr. Vasco Sousa Dias, na parte
administrativa.
Pessoal técnico – A quase totalidade do pessoal auxiliar foi preparada nas diversas Secções, pelos respectivos chefes responsáveis. Refira-se que cada Chefe de
Secção dispunha de um ou mais adjuvantes, com a categoria de preparador de terceira, segunda ou primeira classes e de um ou mais serventes e/ou tratadores, conforme
a necessidade do respectivo serviço.
Formação e actualização técnica
Afastado dos grandes Centros, tornava-se necessária a
deslocação do pessoal técnico a outras Estruturas que
lhes permitissem uma indispensável actualização. Os
Serviços Veterinários nunca descuraram essa necessidade e assim os diversos especialistas permaneceram como
estagiários, por períodos variáveis, mas que frequentemente excederam um ano, nos seguintes institutos e laboratórios: Onderstepoort Veterinary Research Institute,
na República da África do Sul; Laboratoire Fédérale de
L’Elevage, em Dakar; Kabete Veterinary Research
Laboratory, no Quénia; East African Veterinary Research
Organisation, em Muguga, no Quénia; Laboratoire de
Biochimie de la Nutrition, em Paris; Instituto Biológico
de S. Paulo, no Brasil; Instituto de Higiene e Medicina
Tropical, em Lisboa.
Publicações
Contam-se por muitas centenas as participações em
Congressos e outras reuniões científicas com apresentação e discussão de comunicações, e a frequência de Cursos Internacionais de Actualização. Trabalhos de investigação publicados em revistas, em Actas de Congressos
ou como monografias, somam muitas centenas e encontram-se dispersos por: Pecuária (Anais dos Serviços de
Veterinária de Angola); Revista de Medicina Veterinária; Revista Portuguesa de Ciências Veterinárias; Revista de Ciências Veterinárias (Moçambique); Anais do Instituto de Higiene e Medicina Tropical, Bulletin de
l’Office International des Epizooties; Bulletin of
Epizootic Diseases in Africa; Estudos Ensaios e Documentos da Junta de Investigações Científicas do Ultramar. Entre os trabalhos publicados merecem destaque
cinco Dissertações para obtenção do grau de Doutor em
Ciências Veterinárias, defendidas com sucesso, na Es-
Mendes, A. M.
cola Superior de Medicina Veterinária de Lisboa.
Prospecção da Patologia Animal de Angola e apoio às
actividades de Campo
Deverá referir-se que, desde o seu início, a actividade
desenvolvida nas áreas enunciadas, foi notável e fundamental para a actividade de campo dos médicos-veterinários na defesa da Saúde Animal ou da Saúde Pública
Veterinária. Anualmente executavam-se algumas dezenas de milhares de análises histopatológicas, bacteriológicas, sorológicas, parasitológicas, virológicas ou químicas, em apoio às actividades de campo ou controlo de
produtos de origem animal importados ou produzidos
na Colónia, para consumo humano. Para os casos de certas viroses: Febre Aftosa, Raiva ou Peste Suína, fornecia-se a respectiva solução fosfatada tamponada.
Refira-se ainda a existência de uma brigada especialmente constituída para a colheita de soros destinados ao
diagnóstico da Brucelose. Em certos casos constituíramse “Missões” para Estudos especiais como a destinada à
prospecção das tripanosomoses animais e sua prevenção pelo antricide, na província do Congo, constituída
pelos Drs. Sousa Dias e Alexandre Daskalos e uma outra, constituída pelos Drs. Sousa Dias e Victor Martins
para o reconhecimento da região entre a foz do rio
Cunene e a Baía dos Tigres.
Mas não eram apenas os veterinários oficiais que recorriam aos serviços laboratoriais. Diversas empresas de
criação de gado também recorriam aos seus serviços.
Produção de Soros, imunígenos e alergenos
A produção de produtos biológicos para tratamento,
prevenção ou diagnóstico iniciou-se, regularmente, a
partir de 1945. O início foi marcado por alguns incidentes. A sua regularização somente teve lugar a partir de
1948, quando foi possível montar-se o necessário Serviço de Contraste para a garantia da qualidade das vacinas
produzidas, se intensificou a preparação das que se encontravam em rotina (carbúnculos, interno e externo) e
se iniciou a pesquisa e o aperfeiçoamento de outras. A
partir de 1961 o Serviço Veterinário passou a estar representado no Grupo de Especialistas (experts) em
Peripneumonia da FAO.
Quanto aos soros, além do soro normal de bovino ou
equino, para o enriquecimento dos meios de cultura, em
especial o destinado ao “Micoplasma mycoides”,
hiperimunizaram-se produtores de soros antipasteurélico, anti-carbúnculo hemático e antiperipneumonia (experimental). Vacinas e alergenos produzidos e distribuídos:
Virologia: anti-varíola aviária, inicialmente em pombo e depois em embrião de galinha e antiperipneumonia
(vacina viva, tipo clássico e vacina inactivada).
Bacteriologia: vacinas contra salmonelose dos vitelos,
tifose aviária, carbúnculo interno (dos tipos Mazzuchi e
Sterne), carbúnculo sintomático, enterotoxemia, diarreia
dos cordeiros e brucelose (S 19) para bovinos, liofilizada.
Alergenos: tuberculina sintética P.P.D., antigénio para
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o rastreio da brucelose, antigénio para o rastreio da
pulorose/tifose aviária.
A produção de vacinas esteve sempre em crescendo e
em 1959 atingiu o montante de 5 milhões de doses, com
tendência para aumentar. Neste ano e nos dois anos seguintes forneceu-se um milhão de doses de vacina
antiperipneumonia para aplicação pelas autoridades veterinárias sul-africanas no gado do Kaokoveld e
Ovaboland.
Para terminar
Do último relatório do Dr. Abel Pratas como Director
dos Serviços de Veterinária retiramos a sua conclusão
do capítulo relativo ao Laboratório, que tantos cuidados
lhe dera: «… resolvido o grave problema da estabilidade do seu pessoal, em especial o superior, o Laboratório
poderá transformar-se num Instituto de Investigação Veterinária com capacidade para corresponder aos fins para
que foi idealizado, satisfazendo cabalmente as necessidades dos Serviços Veterinários de Angola».
Mas Abel Pratas já não pôde assistir à concretização
da sua profecia, pois entretanto reformaram-no e, para
seu bem, alguma desconhecida força mandou-o pouco
depois partir para a sua grande viagem sem retorno.
De facto, em 17 de Novembro de 1965, criou-se o Instituto de Investigação Veterinária de Angola que se
estruturou à custa dos Estabelecimentos de Investigação
da Direcção Provincial dos Serviços Veterinários de
Angola. Ficaram os Serviços amputados, mas permaneceu um resquício de bom senso, raríssimo nos legisladores reformadores que, dando autonomia à nova estrutura
nela incluíram as Estações e os Postos Zootécnicos dos
Serviços Veterinários. A grandeza dos Laboratórios de
Nova Lisboa, o prestígio internacional que adquirira não
lhes permitia outra solução.
O que veio depois já não é História do Laboratório
sonhado por Almeida d’Eça e realizado por Abel Pratas,
mas merece ainda ser citado.
Criada a Universidade de Luanda, foi o seu Curso de
Medicina Veterinária transferido para a cidade de Nova
Lisboa, no ano lectivo de 1964-65 , por existir, no ainda
Laboratório Central, um corpo de técnicos especializados
bastante importante, capaz de assegurar o ensino de uma
série de disciplinas e com infra-estruturas adequadas a
um ensino mais eficiente. As características pecuárias
do meio e o clima foram outros argumentos para essa
transferência. Fizeram-se então as adaptações essenciais no edifício central e cedeu-se à Universidade de Luanda uma parcela da reserva natural, pertença do Laboratório, para a construção da Faculdade de Veterinária.
Tirando partido da sua nova localização esta adquiriu
pouco depois uma fazenda experimental, para práticas
de campo.
O Diploma Legislativo Ministerial Nº 1 de 17.11.1965
criou o Instituto de Investigação Veterinária de Angola.
Fundamentalmente o Laboratório Central de Patologia
Veterinária mudava de nome. A sua actividade marcara
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Mendes, A. M.
posição bem definida nos meios científicos internacionais. Foi uma transformação discutível e, aparentemente, sem vantagens. Julgava-se que haveria uma expansão mais harmónica dos diversos sectores da investigação e da experimentação veterinárias em Angola. Os
Serviços Veterinários ficaram amputados de estruturas
pelas quais tanto haviam lutado. Os tempos mudavam.
Os Laboratórios de Nova Lisboa adquiriam carta de
alforria e partiam para novas responsabilidades e realizações. Transformava-se numa grande fábrica de vacinas. Cinco anos mais tarde, em 1972, já se realizavam,
anualmente, 130. 000 análises diversas e produziam-se
cerca de 29 milhões de doses de agentes profilácticos
diversos, devidamente contrastados, contributo imprescindível para o melhoramento do nível sanitário das populações pecuárias de Angola. Cumpriam-se as profecias dos pioneiros. Mas isso já serão outras “Notas Históricas”.
Agradecimentos
São devidos aos colegas e amigos Victor Albuquerque
de Matos e José Alexandre Cameira Leitão, pelas suas
críticas construtivas e ajuda na preparação do texto.
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