O ESPORTE NA PERSPECTIVA DA CULTURA CORPORAL:
APROXIMAÇÕES PARA A SUA (RE) INVENÇÃO NO CONTEXTO
ESCOLAR
FINCK, Silvia Christina Madrid - UEPG1
[email protected]
TAQUES, Marcelo José - UEPG2
[email protected]
Eixo temático: Cultura, Currículo e Saberes
Agência Financiadora: não contou com financiamento
Resumo
Este artigo descreve a fase inicial dos estudos desenvolvidos no Programa de Pós-Graduação,
Mestrado em Educação, da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG/PR). A pesquisa é
qualitativa e tem por objetivo verificar qual o entendimento dos professores e alunos sobre o
esporte e como ele é desenvolvido nas aulas de Educação Física, nos anos finais do ensino
fundamental nas sétimas e oitavas séries. Neste artigo a finalidade é destacar aspectos das
discussões acadêmicas recentes que balizam as ações pedagógicas para o desenvolvimento do
esporte na escola numa perspectiva crítica, as mesmas evidenciam seu valor educativo a partir
da sua (re) invenção no contexto escolar, possibilitam reflexões e apontam possibilidades de
intervenção e desenvolvimento numa perspectiva educacional. Assim, buscamos
contextualizar o ensino do esporte na escola como um elemento que faz parte do acervo de
conhecimentos, que por meio do movimento configuram uma linguagem, aqui chamada de
cultura corporal. Os estudos que fundamentam a pesquisa têm como foco a abordagem do
esporte numa perspectiva educacional, e buscam analisar, refletir, discutir e evidenciar o
esporte como conhecimento da cultura corporal, que deve ser tratado na escola numa
perspectiva diferenciada dos parâmetros do esporte rendimento, para tanto apontam princípios
e/ou possibilidades pedagógicas para seu desenvolvimento. A coleta de dados da pesquisa
será realizada em duas escolas públicas estaduais, situadas em municípios diferentes. Os
instrumentos de pesquisa são a observação, a entrevista e o questionário. Os dados serão
discutidos e analisados através da triangulação de dados (GIL, 1999; TRIVIÑOS, 2008) e a
análise de conteúdo (BARDIN, 1977). Através da pesquisa pretendemos contribuir com
reflexões, discussões e ações docentes para o ensino do esporte na escola numa perspectiva
1
Docente da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) atua no Curso de Licenciatura em Educação Física
e no Programa de Pós-Graduação em Educação, Mestrado em Educação da UEPG. É líder do Grupo de Estudos
e Pesquisas em Educação Física Escolar e Formação de Professores - GEPEFE (UEPG/CNPq).
2
Docente do Departamento de Educação Física da Faculdade Guairacá, mestrando em Educação na
Universidade Estadual de Ponta Grossa – UEPG. É pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação
Física Escolar e Formação de Professores – GEPEFE (UEPG/CNPq).
3906
educacional, bem como apontar hipóteses que venham a desencadear novos estudos sobre o
desenvolvimento do esporte no contexto escolar.
Palavras-chave: Cultura corporal. Esporte. Escola.
Introdução
Os pressupostos deste artigo referem-se à descrição da fase inicial dos estudos
desenvolvidos no Programa de Pós-Graduação, Mestrado em Educação, da Universidade
Estadual de Ponta Grossa (UEPG/PR). A pesquisa se caracteriza como qualitativa. O objetivo
da investigação é verificar qual o entendimento dos professores e dos alunos sobre o esporte e
como ele é desenvolvido nas aulas de Educação Física, nos anos finais do ensino fundamental
nas sétimas e oitavas séries.
Este artigo tem por finalidade destacar aspectos das discussões acadêmicas recentes
que balizam as ações pedagógicas para o desenvolvimento do esporte na escola numa
perspectiva crítica, as quais evidenciam seu valor educativo a partir da sua (re) invenção no
contexto escolar, possibilitam reflexões e apontam possibilidades de intervenção e
desenvolvimento do esporte numa perspectiva educacional3. Dessa forma, buscamos
contextualizar o ensino do esporte na escola como um elemento que faz parte do acervo de
conhecimentos, que por meio do movimento configuram uma linguagem, aqui chamada de
cultura corporal.
A pesquisa se caracteriza como qualitativa, seu delineamento se dá a partir do
levantamento bibliográfico de estudos que têm como foco a abordagem do esporte numa
perspectiva educacional (BRACHT, 1997, 2003, 2009; FREIRE, 2000; PAES; BALBINO,
2005; REVERDITO; SCAGLIA, 2009; STIGGER; LOVISOLO, 2009; entre outros). Tais
estudos buscam analisar, refletir, discutir e evidenciar o esporte como conhecimento da
cultura corporal, que deve ser tratado na escola numa perspectiva diferenciada dos parâmetros
do esporte rendimento, para tanto apontam princípios e/ou possibilidades pedagógicas para
seu desenvolvimento no contexto escolar.
3
Neste artigo utilizamos o termo esporte educacional segundo a Lei nº 9.615/1998, denominada de “Lei Pelé”,
onde o entendimento do esporte nessa perspectiva refere-se ao processo corriqueiramente praticado nos sistemas
de ensino e em formas assistemáticas de educação, evitando-se a seletividade, a hipercompetitividade de seus
praticantes, com a finalidade de alcançar o desenvolvimento integral do indivíduo e a sua formação para o
exercício da cidadania e a prática do lazer.
3907
Nessa direção, buscamos contribuir para a compreensão de alguns mal-entendidos/
equívocos (BRACHT, 2000, 2009) em relação ao esporte que suscitam instigantes debates no
âmbito acadêmico e profissional.
As análises dessas discussões, em sua fase inicial, estão sendo elaboradas por meio da
interpretação destes estudos acerca do esporte enquanto conhecimento da cultura corporal,
buscando elencar subsídios e reflexões sobre perspectivas pedagógicas, com intuito de
colaborar para o processo de ensino-aprendizagem no contexto escolar.
Dessa forma, justificamos o desenvolvimento deste estudo no sentido de contribuir
para ampliar as reflexões e discussões sobre o desenvolvimento do esporte no âmbito escolar,
buscando fornecer subsídios para a práxis pedagógica na escola numa perspectiva da cultura
corporal4.
O desenvolvimento do esporte na escola na perspectiva da cultura corporal
A cultura é criada e determinada pelo homem que também é influenciado por ela,
portanto é fundamental no processo de desenvolvimento humano, pois através de relações
dialéticas o homem elabora e transforma conhecimentos, modificando-os conforme suas
necessidades, produzindo sua própria existência através de uma relação de trabalho
homem/homem e homem/natureza. Dessa forma, Geertz (1989, p. 33) nos afirma que:
A cultura é um padrão de significados, transmitidos historicamente, incorporado em
símbolos, um sistema de concepções herdadas, expressas em formas simbólicas por
meio das quais os homens comunicam, perpetuam e desenvolvem seu conhecimento
e suas atividades em relação à vida.
Entendemos o esporte como parte da cultura do homem, é um dos maiores fenômenos
socioculturais deste último século e se manifesta de diferentes formas em nossa sociedade. O
esporte é causador de instigantes debates, principalmente no âmbito escolar e na formação de
4
Os conhecimentos da cultura corporal devem ser tratados pedagogicamente na escola pela disciplina de
Educação Física, que como tal “será configurada com temas e formas de atividades, particularmente corporais,
como o jogo, esporte, ginástica, dança ou outras, que constituirão seu conteúdo. O estudo desse conhecimento
visa apreender a expressão corporal como linguagem” (COLETIVO DE AUTORES, 1992, p. 61-62).
3908
professores, sendo esse tema um dos mais abordados e discutidos no meio acadêmico e
profissional.
A escola enquanto instituição e espaço formal de educação, busca tratar de forma
pedagógica os conhecimentos de diversas áreas, sistematizando e organizando os diversos
saberes, pois as ações desenvolvidas devem estar voltadas para processo de ensinoaprendizagem dos alunos.
A Educação Física é a disciplina que trata dos conhecimentos da cultura corporal de
movimento, manifestada pelos homens através dos tempos, as mesmas foram sendo
construídas conforme necessidades e interesses de cada um dos grupos da sociedade
de diferentes épocas (FINCK, 2005, p. 152).
Segundo o Coletivo de Autores (1992, p. 63), “A escola (...) deve fazer uma seleção
dos conteúdos da Educação Física. Essa seleção e organização de conteúdos exige coerência
com o objetivo de promover a leitura da realidade.” Para tanto a abordagem pedagógica dos
conhecimentos deve ser crítica, contextualizada e ter significado para os alunos.
Finck (2005, 2010) evidencia que entre os conhecimentos referentes à cultura
corporal, o esporte é o conteúdo mais desenvolvido nas aulas de Educação Física, a autora
destaca a formação dos profissionais de Educação Física, e a divulgação e influência dos
meios de comunicação, principalmente a televisão, como alguns dos fatores que contribuem
para essa predominância.
O esporte enquanto fenômeno apresenta várias possibilidades de manifestações,
educacional, de lazer e de rendimento, seu caráter hegemônico ocasiona polêmicas na
comunidade acadêmica da área de Educação Física, pois parte dela é favor do seu
desenvolvimento na escola, enquanto outra desaprova (FINCK, 2010).
Segundo Bracht (2009, p. 175) o esporte é
[...] um fenômeno que não só cresceu muito, particularmente no final no século XX
e início do século XXI, mas também se tornou extremamente diverso e, portanto,
complexo, é preciso não só diferenciá-lo conceitualmente a partir dos diferentes
sentidos que podem orientar as ações esportivas (em duas, três, quatro ou x
manifestações), mas também buscar identificar as relações que essas manifestações
mantêm entre si.
3909
Ainda conforme Bracht (2009, p. 14) se criou uma visão maniqueísta em relação ao
esporte, ou se é a favor, ou se é contra, dessa forma a Educação Física foi dividida “por esse
raciocínio tosco, entre aqueles que são contra, de um lado, e aqueles que são a favor do
esporte, de outro”.
Porém, nossa intenção é buscar evidenciar o esporte enquanto conteúdo da Educação
Física na escola, apontando alguns elementos que contribuem para sua (re) invenção numa
perspectiva educacional, com a finalidade de provocar reflexões e apontar propostas sobre as
possibilidades de intervenção desse fenômeno com objetivos e características direcionadas
para a instituição escolar, colaborando ainda para a compreensão de alguns malentendidos/equívocos (BRACHT, 2000, 2009), os quais suscitam instigantes debates no
âmbito acadêmico e profissional.
Acreditamos na relação de ensino-aprendizagem do esporte capaz de promover a
emancipação humana e a transformação social, sem reproduzir na escola práticas
hegemônicas determinadas pelo esporte de rendimento.
Para Reverdito e Scaglia (2009, p. 25-26),
[...] uma construção para a prática pedagógica comprometida com a transformação e
a manifestação da condição humana do sujeito, por meio das práticas esportivocorporais, indiscutivelmente facilitadoras na formação de sujeitos conscientes de
suas responsabilidades sociais, críticos, autônomos, quando metodicamente
conduzidas à reflexão na pedagogia, nas quais em muito transcende a simples
práticas de movimentos corporais, métodos e conteúdos, capazes de estabelecer
objetivos maiores e um ambiente que efetivamente promova o sujeito em sua
totalidade potencial.
Dessa forma, a partir da análise dos estudos que darão subsídios teóricos científicos
para o desenvolvimento da pesquisa, pretendemos identificar como esse fenômeno está sendo
abordado na escola, bem como obter respostas para a compreensão de malentendidos/equívocos (BRACHT, 2000, 2009) que ingenuamente vem descaracterizando o
esporte enquanto conhecimento historicamente construído no contexto educacional.
Nesse sentido cabe analisar, de acordo com uma perspectiva crítica, como desenvolver
o esporte por meio do seu valor educativo no contexto escolar, levando em conta as diferentes
realidades, necessidades e características dos alunos, buscando um encaminhamento
pedagógico numa perspectiva educacional, diferente dos parâmetros do esporte de alto
rendimento, que busca selecionar talentos e superar recordes.
3910
A fase inicial da pesquisa: a aproximação com a escola
No intuito de compreendermos as questões relacionadas à intervenção do esporte nas
aulas de Educação Física, e buscarmos subsídios para seu desenvolvimento na escola numa
perspectiva educacional, a partir das discussões dos pesquisadores já mencionados,
procuramos apontar alguns limites e possibilidades na abordagem desse conhecimento no
âmbito escolar.
Dessa forma, buscamos assumir o desafio de realizar discussões a partir de alguns
pressupostos teóricos, sobre a possível intervenção do professor para o desenvolvimento do
esporte, através de ações metodológicas efetivadas numa perspectiva balizada em princípios
educacionais.
Neste sentido, esta pesquisa se caracteriza como qualitativa, que segundo Thomas,
Nelson e Silverman (2007, p. 298) “busca compreender o significado de uma experiência dos
participantes, em um ambiente específico, bem como o modo como os componentes se
mesclam para formar o todo”.
Iniciamos a pesquisa elaborando um levantamento bibliográfico de estudos pertinentes
ao desenvolvimento do esporte no âmbito escolar numa perspectiva educacional, os quais
fazem parte da bibliografia que “tornada pública em relação ao tema de estudo”, tem por
finalidade [...] colocar o pesquisador em contato direto com tudo o que foi escrito, dito ou
filmado sobre determinado assunto” (MARCONI; LAKATOS, 2003, p. 183). Nessa mesma
linha de análise Gil (1999, p. 71), nos coloca que “a principal vantagem da pesquisa
bibliográfica reside no fato de permitir ao investigador a cobertura de uma gama de
fenômenos muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente”.
Partindo deste contexto, a intenção dessa investigação, é proporcionar o
entendimento sobre as possibilidades de intervenção do esporte enquanto fenômeno
educacional, colaborando para a compreensão dos mal-entendidos e equívocos (BRACHT,
2000, 2009) que mobilizam a comunidade acadêmica da área.
Nessa direção acreditamos que a aproximação com a escola é fundamental, assim
para a pesquisa de campo selecionamos duas escolas públicas estaduais de grande porte,
situadas em municípios diferentes, a fim de verificarmos como o esporte é desenvolvido nas
aulas de Educação Física, nos anos finais do ensino fundamental nas sétimas e oitavas séries.
3911
Para a coleta de dados utilizaremos como instrumentos de pesquisa a observação
sistemática das aulas, a entrevista com os professores de Educação Física e o questionário
que será aplicado um específico para os professores e outro para os alunos.
O contato inicial com as escolas e os professores já foi realizado, fizemos algumas
observações nas escolas, e estamos finalizando a elaboração dos outros instrumentos, as
questões da entrevista e dos questionários.
A análise e discussão dos dados serão realizadas por meio da triangulação de dados
(GIL, 1999; TRIVIÑOS, 2008) e pelas categorizações a partir da análise de conteúdo
(BARDIN, 1977) buscando elencar subsídios e reflexões à luz do conhecimento sobre o
esporte, colaborando para o processo de ensino-aprendizagem escolar.
Sendo assim, acreditamos que com a realização da pesquisa poderemos contribuir com
subsídios que auxiliem as reflexões e ações docentes, para a superação de possíveis
dificuldades no enfrentamento de novas estratégias metodológicas para o ensino do esporte na
escola, valorizando seu caráter educativo, e ainda, apontando hipóteses que possam
desencadear novos estudos sobre o esporte no contexto escolar.
A (re) invenção do esporte: algumas considerações sobre as possibilidades de
intervenção
Ao tratarmos das questões polêmicas que se dão em torno do esporte, destacamos
algumas considerações pertinentes a respeito deste conteúdo, veiculado a uma perspectiva
crítica desse fenômeno.
Existe uma busca constante por estratégias teórico-metodológicas que podem auxiliar
no processo de ensino-aprendizagem, assim buscamos fazer algumas reflexões sobre o
desenvolvimento do esporte na escola, bem como analisar sua evidencia, assim, o propósito é
ampliar a visão dos alunos sobre o sistema esportivo, pois conforme Bracht (1997, p. 81):
[...] o sistema esportivo é um parceiro dos governos federais, que oferece como
retorno, basicamente, um produto simbólico que é o prestígio/reconhecimento
internacional com repercussões internas de caráter legitimador e, secundariamente,
um retorno econômico.
Diante desse quadro apresentado por Bracht (1997), percebemos que em muitos
contextos, a Educação Física na escola vem desempenhando bem a parceria com o modelo de
3912
esporte predominante em nossa sociedade, por meio do sistema esportivo, uma vez que seu
desenvolvimento na escola estabelece parâmetros relacionados à aptidão e capacitação física,
viabilizando o alto rendimento ou ensinando como conteúdo exclusivo os esportes
considerados de maior impacto na sociedade. Portanto, devemos (re) inventar o esporte na
escola, pois acordo com Bracht e Almeida (2003, p. 98),
[...] o esporte escolar só faz sentido se for pedagogizado, o seja, submetido aos
códigos da escola. Em termos mais concretos, isso significa que não basta, para a
realização da função da escola, que o esporte seja aprendido e praticado nos seus
espaços, é preciso também que o esporte escolar instrumentalize o indivíduo a
compreender o fenômeno esportivo.
Considerando o teor desta reflexão, pretendemos buscar subsídios para a ação docente
que possam suprir as novas necessidades educacionais, originada por essas posições distintas
de como ensinar esporte, justificando sua prática no contexto escolar por meio de uma análise
teórico-prática. Justificamos também a necessidade de se construir parâmetros significativos a
respeito do debate sobre o esporte enquanto saber escolarizado, tema que vem mobilizando
vários profissionais no intuito de compreender os mal-entendidos/equívocos (BRACHT,
2000, 2009) que esse conhecimento gera na escola.
A princípio parece haver um paradoxo, pois ao mesmo tempo em que esse conteúdo é
aquele que os alunos mais incorporam no cotidiano escolar, é também, muitas vezes, o que
mais os exclui nas aulas. Segundo Bracht (2000, 2009) alguns mal-entendidos/equívocos
sobre o esporte foram cristalizados e advogam a idéia de que: quem critica o esporte é contra
o esporte; tratar criticamente o esporte nas aulas de Educação Física é ser contra a técnica
esportiva; a crítica da pedagogia crítica da Educação Física era destinada ao rendimento
enquanto tal, e que a este contrapunha, em posição diametralmente oposta, o lúdico; tratar
criticamente do esporte na escola é abandonar o movimento em favor da reflexão.
Enfim, esses elementos causadores de polêmica estão presentes na escola, porém vale
ressaltar que o esporte é essencial para a disciplina de Educação Física, e conforme Bracht e
Almeida (2003, p. 97),
[...] nossa defesa não é por sua abolição das aulas, mas sim por um trato pedagógico
do esporte – analisando o tipo de educação veiculado por uma outra forma de
manifestação esportiva – para que se torne educativo numa determinada perspectiva
(crítica) de educação.
3913
Portanto, buscamos elementos diferenciados para o desenvolvimento do esporte na
escola, que tenha características diferenciadas enquanto conteúdo da Educação Física,
opostas àquelas disseminadas pela sua forma hegemônica, as do esporte rendimento. Nessa
direção Freire (2002, p. 94) aponta alguns princípios para o desenvolvimento do esporte na
escola, que segundo ele são fundamentais para seu ensino de acordo com uma pedagogia do
esporte, são eles:
Ensinar esporte a todos - desenvolver competência para ensinar todas as pessoas,
não apenas aquelas que julgamos ser mais talentosas [...].
Ensinar esporte bem a todos - não basta ensinar de qualquer jeito, mas sim com a
preocupação de que o praticante aprenda bem o esporte a que se dedica;
Ensinar mais que esporte a todos – [...] O aluno que aprende esporte tem o direito de
ser informado, de teorizar sobre o esporte e viver um processo metodológico que lhe
permita levar ao plano da reflexão suas práticas;
E ensinar a gostar do esporte - As práticas devem ser dinâmicas, alegres, livres, de
acordo com as características típicas de uma criança ou de um adolescente. As
práticas mecânicas, rotineiras e monótonas acabam por ensinar a não gostar do
esporte.
Em virtude desta reflexão, acreditamos que todo cuidado é necessário para que o
esporte não seja excludente e para que as aulas de Educação Física não se configurem numa
esportivização. Torna-se necessário um embasamento teórico na aplicação de qualquer prática
esportiva, sendo que o professor não deve tampouco só dar ênfase aos gestos técnicos que,
sem dúvida, são fundamentais como elementos dos esportes, mas que não devem ser a única
preocupação do professor, pois de acordo com Bracht e Almeida (2003, p. 97-98):
Promover a alfabetização esportiva vai muito além da aprendizagem de destrezas; o
exercício da plena cidadania no plano da cultura corporal de movimentos e
especificamente no plano do esporte exige o desenvolvimento de competências que
vão além dessas habilidades e que abranjam também a capacidade de situar histórica
e socialmente essa prática humana, de perceber e analisar os valores que a orientam,
os benefícios e os prejuízos de uma ou outra forma da prática esportiva.
Sendo assim, acreditamos que essas são algumas considerações relevantes e
consistentes para o processo de ensino-aprendizagem, que podem ser balizadas de acordo com
a realidade de cada escola. Enfim, esses são alguns motivos geradores que nos levam buscar
um aprofundamento nas investigações, porque mais do que uma questão de críticas, nossa
3914
área do conhecimento carece de uma identidade acadêmica e profissional justificável
socialmente, com o propósito de valorizar o esporte enquanto conteúdo curricular, capaz de
nos auxiliar numa possível mudança de comportamento de nossos alunos enquanto agentes de
possíveis transformações da realidade social na qual estão inseridos.
Acreditamos que um dos grandes desafios da Educação Física na escola é promover
ações e mudanças que possibilitem as crianças e aos jovens, uma reflexão crítica do nosso
quadro social contemporâneo, principalmente sobre os modelos transmitidos pelos meios de
comunicação de massa, buscando assim, como princípio básico, o predomínio dos
significados e dos valores de nossas práticas corporais historicamente construídas. Para esse
enfrentamento, devemos pensar sociologicamente o esporte, de forma crítica e criativa, porém
sem minimizar seu conhecimento em nenhum de seus aspectos.
Crítico porque, afastada a crítica, só resta inércia e a submissão. Criativo porque,
sem a criatividade, tornamo–nos apenas reprodutores de idéias e problemáticas que
não são as nossas, mas de outros tempos e lugares, ou de outras competências
(BETTI, 2001, p. 168).
Nesse contexto, cabe por meio de um estudo crítico, contribuir para que novas
discussões possam ser desenvolvidas à luz do conhecimento esporte, no intuito de atender as
necessidades dos alunos, e ainda, subsidiar e trazer propostas para a intervenção e formação
de professores no âmbito escolar e acadêmico.
Considerações Finais
Diante desses pressupostos sobre o esporte, podemos compreender suas diversas
possibilidades de ensino na escola por meio de uma perspectiva crítica, que possa ir além do
desenvolvimento de seus elementos técnicos e táticos. O processo de trabalho docente é
intencional, deve ser refletido, compromissado, planejado e sistematizado, e também
considerar o contexto e a realidade dos alunos no intuito de desenvolver uma cultura escolar
que inclua um conhecimento amplo sobre o esporte. Nessa perspectiva, buscamos (re)
inventar o esporte na escola, utilizando novas estratégias de ensino que possam objetivar:
3915
[...] uma educação cujo valor maior é o humano, em suas relações com outros seres
e em sua interação com o ambiente [...] provavelmente privilegiará a cooperação na
competição, o prazer da atividade realizada com consciência, o lúdico perdido ao
longo do tempo pela exacerbação do alto rendimento e o movimento corporal
expressivo em detrimento do movimento corporal imitativo (MOREIRA, 1992, p.
206, 208).
Esses são alguns elementos, que sendo evidenciados, podem distinguir o
desenvolvimento do esporte na escola, pois muitas vezes são descaracterizados devido à
amplitude e hegemonia do esporte de rendimento. Dessa forma buscamos subsídios para uma
pedagogização do esporte na escola, para que enquanto conhecimento seja significativo para
os alunos, que possam por meio do esporte reconhecer e vivenciar de forma mais ampla sua
cultura. Nessa linha de análise, podemos corroborar com a idéia de Freire (1989, p. 147)
quando diz:
[...] não acredito numa aprendizagem que não seja significativa, isto é, que não
esteja vinculada ao contexto concreto da vida das crianças, de sua cultura, de sua
sociedade. [...], porque creio que a Educação Física deve ser uma área de promoção
humana. Ser humano é mais que movimentar-se, repito; é estabelecer relações com
o mundo de tal maneira que se passe do instintivo ao cultural, da necessidade à
liberdade, do fazer ao compreender, do sensível à consciência.
Diante dessas considerações, percebemos a importância de contribuir para ampliar as
reflexões e discussões acerca do desenvolvimento do esporte na escola numa perspectiva
educacional, a fim de que os alunos obtenham um conhecimento abrangente sobre esse
fenômeno sociocultural, que possam compreender sua importância e relevância no contexto
social e educacional.
Tubino (1992, p. 133) evidencia que diante de um novo conceito o esporte adquiriu
uma renovada abrangência, a qual pressupõe que todas as pessoas têm direito as práticas
esportivas, dessa forma passou a contar com outras manifestações, que embora sejam
diferentes estão inter-relacionadas, são elas:
(a) manifestação esporte-performance, objetivando rendimento, numa estrutura
formal e institucionalizada;
(b) manifestação esporte-participação, visando o bem-estar para todas as pessoas,
praticada voluntariamente e com conexões com os movimentos de educação
permanente e com a saúde;
(c) manifestação esporte-educação, com objetos claros de formação, norteada por
princípios sócio-educativos, preparando seus praticantes para a cidadania e para o
lazer. (grifo do autor).
3916
Considerando tais manifestações, ressaltamos ser necessário proporcionar aos alunos
uma compreensão mais ampliada sobre o esporte, pois apesar de ter suas próprias
características no ambiente escolar, suas várias possibilidades devem ser consideradas,
discutidas e refletidas, pois conforme Bracht (2009, p. 175) “para a compreensão do
fenômeno esportivo, mais importante do que identificar (e conceituar) as suas diferentes
manifestações é analisar como essas manifestações estão imbricadas”.
Dessa forma poderemos contribuir para que os alunos possam ampliar sua visão em
relação ao fenômeno esportivo, analisando-o de forma crítica, adquirindo conhecimentos,
identificando possibilidades de sua prática, pois cada qual tem características próprias que
estão relacionadas a um determinado contexto social.
Através desta pesquisa, ainda em andamento, pretendemos contribuir com reflexões,
discussões e ações docentes para o ensino do esporte na escola numa perspectiva educacional,
com intuito de valorizar o movimento como forma de linguagem, desenvolver uma cultura
escolar do esporte que atenda as necessidades e expectativas dos alunos, bem como apontar
hipóteses que venham a desencadear novos estudos sobre o desenvolvimento do esporte no
contexto escolar.
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