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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO E A APLICAÇÃO
DA PERDA DE UMA CHANCE
Por: Walter Melhem Fares Junior
Orientador
Prof. Dr. Diogo Mello
Rio de Janeiro
2008
2
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO E A APLICAÇÃO
DA PERDA DE UMA CHANCE
Apresentação
de
Candido
Mendes
obtenção
do
monografia
como
grau
à
requisito
de
Responsabilidade Civil.
Por: Walter Melhem Fares Junior
Universidade
parcial
para
especialista
em
3
AGRADECIMENTOS
A todos aqueles que, de alguma forma,
contribuíram para a sua execução,
dentre
os
quais
destaco
meus
familiares, colegas de trabalho do IRB
e ao Dr. Álvaro Almeida, Juiz de Direito
da 12ª Vara Cível da Comarca da
Capital, RJ, e também professor no
curso de pós-graduação da UCAM que,
com
sua
sabedoria,
simplicidade,
humildade e paciência merece todos os
aplausos
pelo
amor
com
que
desempenha a difícil tarefa de ser
mestre.
4
DEDICATÓRIA
Dedica-se este estudo a minha mãe
pela disponibilidade, compreensão e
suporte
necessário
para
que
eu
pudesse enfrentar todos os meus
desafios pessoais e acadêmicos nos
últimos dois anos.
Ao meu amado filho Waltinho, pelo
amor e pela compreensão do tempo
que lhe neguei dedicado aos estudos
no ano passado e à conclusão da
presente.
À
eterna
companheira
Úrsula,
verdadeira musa inspiradora, pela sua
bela trajetória pessoal, profissional e
acadêmica e, também, pelo afeto e
estímulo permanente à realização de
todos os meus projetos.
5
RESUMO
O presente trabalho surgiu a partir de uma consulta profissional em que tive a
oportunidade de conhecer e investigar como a indenização pela perda de uma
chance vinha sendo admitida pelo direito brasileiro.
Recordo-me que, naquela oportunidade, fiquei impressionado com a infinidade
de casos apreciados pelos mais variados Tribunais do país e, ao mesmo
tempo, extremamente surpreso com a pequena produção literária de nossos
autores, razão pela qual vislumbrei a possibilidade de dissertar sobre o tema.
A partir de uma análise das possibilidades de responsabilização civil do
advogado em caso de desídia profissional, passa-se ao estudo das origens da
teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance e, como não poderia
ser diferente, do entendimento doutrinário firmado pelos nossos juristas, dada à
possibilidade de sua aplicação perante o direito pátrio.
Em um terceiro momento, é feito um estudo detalhado da aplicação da teoria
da perda de uma chance no exercício da advocacia, não só do ponto de vista
doutrinário que, até o presente momento, ainda é incipiente, mas,
principalmente, do ponto de vista jurisprudencial, pois como será observado,
nossos Tribunais já apreciaram as mais variadas situações de perda de uma
chance em caso de desídia profissional do advogado.
Sendo assim, busca-se por meio deste estudo demonstrar até que ponto o
advogado pode ser responsabilizado pela perda de uma chance pelos danos
causados ao seu cliente, sua ampla aceitação pela doutrina e jurisprudência
nacional e sua dificuldade na correta aplicação do conceito original da teoria.
6
METODOLOGIA
Utilizou-se com referência para a execução deste trabalho a leitura de livros
sobre a responsabilidade civil do advogado e sobre a perda de uma chance,
além de artigos publicados em revistas jurídicas (impressas ou eletrônicas)
com o suporte indispensável do trabalho de pesquisa realizado nos Tribunais
brasileiros.
Como brevemente assinalado na página anterior, o presente estudo originou-se
a partir da análise de um caso concreto que teve o condão de ser o ponto de
partida para a busca por material didático sobre o assunto e para a coleta de
repositório jurisprudencial necessário à efetiva visualização do assunto.
O processo de formação da presente monografia ocorreu após a leitura e
fixação
do
entendimento
doutrinário
original
sobre
a
matéria
e,
conseqüentemente, do levantamento dos entendimentos firmados pela nossa
doutrina e dos julgados que versam sobre a questão, como fartamente
demonstrado no terceiro capítulo em que é feito um verdadeiro apanhado do
estágio atual da teoria ora ventilada com a finalidade de suscitar em seus
eventuais leitores motivação suficiente para dar continuidade ao seu estudo,
pois, como já dito, nossos doutrinadores, com algumas exceções, ainda não se
dedicaram suficientemente à sua análise.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
08
CAPÍTULO I -Da Responsabilidade Civil dos Advogados
10
CAPÍTULO II - Da Perda de uma Chance
16
CAPÍTULO III – Da Responsabilidade Civil do Advogado e a Aplicação da
Perda de uma Chance
26
CONCLUSÃO
57
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
59
ÍNDICE
60
FOLHA DE AVALIAÇÃO
62
8
INTRODUÇÃO
Inúmeras são as situações na vida cotidiana em que, diante do ato ofensivo de
uma pessoa, alguém se vê privado da oportunidade de obter uma determinada
vantagem ou, até mesmo, evitar um prejuízo.
Dentre os exemplos mais conhecidos pode-se citar o clássico do advogado
que, no exercício de sua profissão, causa um dano muito peculiar ao seu
próprio cliente que seria a perda de uma chance que este sofre de ver
examinada em juízo uma pretensão ou de ver reformada em seu favor uma
decisão judicial que lhe foi desfavorável e contra a qual não caiba recurso em
virtude da falha daquele profissional.
O objetivo deste estudo consiste na análise das situações em que ocorre a
responsabilização do advogado pela perda de uma chance e em que medida
ele deve ser responsabilizado. O presente trabalho se propõe a demonstrar
que nos casos de perda de uma chance o advogado é responsável pelos
danos sofridos ao seu cliente desde que exista uma relação de causalidade
adequada entre o ato ou a omissão do advogado e o dano, ou seja, que em
termos de probabilidade, num prognóstico feito a posteriori, os danos tenham
decorrido necessariamente, direta e imediatamente, de falha cometida por
advogado.
Para a elaboração deste trabalho apresentamos, inicialmente, a forma pela
qual ocorre a responsabilização civil do advogado no ordenamento jurídico
brasileiro. Após a sua análise, o estudo aborda a origem da teoria da
responsabilidade civil por perda de uma chance, o posicionamento da doutrina
no Brasil que, apesar de conceituá-la de forma inadequada, admite o valor
9
patrimonial da chance por si só considerada, bem como os motivos que
justificam a sua aplicação em nosso país.
Já no capítulo 3, foi feita uma análise minuciosa sobre o posicionamento
doutrinário acerca da perda de uma chance no caso específico da falha
profissional do advogado, especificando, ainda, as hipóteses para o seu
cabimento, o seu enquadramento jurisprudencial como modalidade de dano
moral pela maioria dos julgados pátrios e, também, alguns casos em que a
perda de uma oportunidade foi quantificada equivocadamente.
Este estudo não tem, porém, a pretensão de esgotar a discussão a respeito do
tema, mas retratar a forma pela qual este vem sendo tratado pela doutrina e,
em especial, pela jurisprudência pátria, uma vez que, nos dias de hoje, há uma
tendência a maior responsabilização profissional do advogado em decorrência
não só do despertar dos consumidores para seus direitos, mas também da
existência de um grande contingente de advogados no mercado de trabalho
que, lamentavelmente, em determinadas ocasiões, causam enormes prejuízos
aos seus clientes ao agirem com desídia, desleixo ou incúria no exercício da
profissão1.
1
Sobre a tendência ao aumento da responsabilização do advogado, vale a pena mencionar que tramita, em
caráter conclusivo na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania do Congresso Nacional o
Projeto de Lei nº 2019/07, de autoria do Deputado Ernandes Amorim, que propõe a alteração no Estatuto
da Advocacia (Lei nº 8906/04) visando à inclusão de dispositivo prevendo a aplicação de suspensão ao
advogado que perder prazo processual, ocasionando, assim, a sucumbência na causa ao seu cliente.
Confira abaixo o projeto na íntegra:
“Art. 1º. Esta lei torna mais rigorosa a punição para o advogado que perde
prazo processual, e em virtude disso sucumbe na causa, prejudicando seu
mandante.
Art. 2º. A Lei 8906/04, de 4 de julho de 1994, que dispõe sobre o Estatuto da
Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), passa a vigorar com
o acréscimo do seguinte dispositivo:
Art.37. A suspensão é aplicável nos casos de:
.........................................................................
§ 4º aplicar-se-á a pena de suspensão, sem detrimento da responsabilidade
civil e penal, ao advogado que perder prazo processual, causando com isso a
sucumbência na causa ao seu cliente.”.
10
CAPÍTULO I
DA RESPONSABILIDADE CIVIL DOS ADVOGADOS
No sistema do nosso direito a natureza da relação entre o advogado e o seu
cliente é puramente contratual, na medida em que havendo a inexecução
dessa obrigação por parte do advogado, ele responde pelas perdas e danos
causados ao cliente, como ocorre com qualquer obrigação contratual,
consoante regra insculpida no artigo 389 do Código Civil Brasileiro2.
Pode-se afirmar que, na área litigiosa, a atividade do advogado é de meios e
não de resultado, de maneira que só pode ser responsabilizado pela má
utilização desses meios, desde que tenha agido com dolo ou culpa e que, em
determinadas áreas de atuação da advocacia, tais como naquelas relacionadas
à confecção de um contrato ou uma escritura, por exemplo, seriam
caracterizadas como obrigação de resultado o que, no entanto, suscita intensas
discussões, as quais não fazem parte do objeto do nosso trabalho que se limita
a traçar um paralelo entre a responsabilização do advogado e os danos
advindos da má conduta profissional, em especial a perda de uma chance.
Em síntese, a doutrina majoritária entende que o advogado deve responder nos
casos de (i) erros de fato e de direito, (ii) omissão de providências, (iii)
desobediência às instruções do constituinte e, ainda, (iv) pela inadequada
orientação dada através de conselhos e pareceres. Senão vejamos:
2
“Artigo 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e
atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado”.
11
1.1 - Erros de fato e de direito
O advogado responde sempre pelos erros de fato por ele cometidos quando,
por exemplo, elabora a defesa de seu cliente desconsiderando importantes
observações enviadas no relatório formulado pelo seu constituinte.
No tocante aos erros de direito, grande parte da doutrina liderada pelo saudoso
José de Aguiar Dias entende que somente o erro grave, como a desatenção à
jurisprudência corrente, o desconhecimento do texto expresso da lei de
aplicação freqüente ou cabível no caso concreto, a interpretação extremamente
absurda e a perda de prazo previsto em lei, podem autorizar eventual
responsabilização do advogado.
1.2 - Omissão de providências
Para Aguiar Dias, o advogado é responsável na hipótese de omissão de
providências, tanto antes quanto durante o desempenho do mandato. Diz o
festejado autor que:
“no período anterior ao desempenho do mandato, a
responsabilidade do advogado se pode dar, ainda, pela
omissão de providências preliminares, destinadas á
ressalva dos direitos do cliente” (Da Responsabilidade
Civil, Rio de Janeiro, Editora Forense, 10ª edição, 1995,
página 295).
12
Nesse sentido, transcreve-se julgado que impõe ao advogado a adoção de
medidas visando à preservação de direitos de seu cliente em face da
ocorrência da prescrição:
“ O advogado que, por comprovada negligência, não
cumpre as obrigações assumidas em contrato de
mandato judicial, deixando prescrever o direito de seu
constituinte a perceber prestações devidas, tem o dever
de indenizar o dano causado em face de sua conduta
culposa” (RT 749/267).
O advogado deve ser diligente e atento, não deixando perecer o direito do
cliente por falta de medidas ou omissão de providências acauteladoras, como o
protesto de títulos, a notificação judicial, a habilitação em falência, o
atendimento de privilégios e a preferência de créditos.
1.3 - Desobediência às instruções do constituinte
Entende Paulo Luiz Lôbo Neto em seus Comentários ao Novo Estatuto da
Advocacia e da OAB que “incorre em responsabilidade civil o advogado que,
imprudentemente, não segue as recomendações do seu cliente nem lhe pede
instruções para as seguir” (Editora Brasília Jurídica, 1994, página 120).
A desobediência às instruções do cliente sempre pode acarretar a
responsabilidade do advogado, já que este tem o direito de renunciar ao
mandato, se com elas não concordar.
13
1.4 - Inadequada orientação dada através de conselhos e
pareceres
Questão complexa é saber se o advogado responde pelo sucesso da causa
nos pareceres e opiniões legais. Segundo Aguiar Dias, o advogado também
neste caso deve responder quando comete erro crasso e injustificável,
bastando ter agido com culpa para o surgimento do seu dever de indenizar, na
forma dos ensinamentos expostos a seguir:
“Um parecer ou conselho visivelmente desautorizado
pela doutrina, pela lei ou pela jurisprudência acarreta,
para o advogado que o dá, a obrigação de reparar o
dano resultante de lhe haver o cliente seguido o
raciocínio absurdo de cuja extravagância não poderia
aquilatar” (Da Responsabilidade Civil, Rio de Janeiro,
Editora Forense, 10ª edição, 1995, Página. 294).
Em sentido oposto Carvalho Santos entende que o advogado não responde
civilmente por seus pareceres e conselhos perante um cliente, a não ser em
caso de dolo, entendimento este que, aparentemente, segue na contra-mão da
tendência mundial de responsabilização dos profissionais de nível superior,
dentre os quais se destaca o advogado, dada a vital importância que esses
especialistas exercem nos dias de hoje em virtude da crescente demanda de
consultas que lhes são formuladas e, conseqüentemente, dos efeitos
incomensuráveis que eventuais opiniões equivocadas podem ocasionar aos
seus consulentes.
Não olvidemos também que o advogado, tal como os demais profissionais
liberais, sujeita-se ao crivo disciplinar de sua corporação, à Ordem dos
14
Advogados do Brasil, ao Estatuto da Advocacia e ao respectivo Código de
Ética.
Ressalta-se, igualmente, que independentemente da área de atuação do
advogado, a responsabilidade por eventuais danos causados no seu exercício
profissional deve ser analisada à luz da ótica subjetivista, baseada na culpa, e
nunca objetiva, por expressa disposição do Estatuto de Advocacia3 e do
Código de Defesa do Consumidor4.
Pontes de Miranda, em seu Tratado de Direito Privado, já advertia que:
“ o advogado responde pelo dano que às partes cause
por
ação
ou
omissão
voluntária,
negligência
ou
imprudência, ou ignorância, que negligência é, pois o
profissional deve cuidar dos seus estudos, a fim de não
lesar o constituinte por saber mal, ou não saber o que se
supõe incluso no seu ofício” (Tratado de Direito Privado,
Editora Revista dos Tribunais, 1984, tomo 53, página
440).
Sendo assim, na esfera da responsabilidade do advogado, em diversas
oportunidades, vem à tona sua desídia ou retardamento na adoção de
3
Estatuto de Advocacia – Lei 8906/04:
“Artigo 32. O advogado é responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou
culpa.
Parágrafo único. Em caso de lide temerária, o advogado será responsável com seu cliente, desde que
coligado com este para lesar a parte contrária, o que será apurado em ação própria.
Artigo 34. Constitui infração disciplinar:
...............................................
IX – prejudicar, por culpa grave, interesse confiado ao seu patrocínio;”.
4
Código de Defesa do Consumidor – Lei 8078/90:
“Art. 14.(omissis)
...............................................
§4°A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”.
15
determinadas medidas visando à efetiva preservação dos direitos de seu
constituinte, oportunidade na qual surge o que a doutrina definiu como a “perda
de uma chance” que, em brevíssima análise, simboliza a perda, pela parte, da
oportunidade de obter o reconhecimento e a satisfação integral ou completa de
seus direitos, de acordo com o que será esmiuçado no próximo capítulo do
presente trabalho.
16
CAPÍTULO II
DA PERDA DE UMA CHANCE
2.1 - Origem
Por muito tempo o direito ignorou a possibilidade de se responsabilizar o autor
do dano decorrente da perda de alguém obter uma oportunidade de chances
ou de evitar um prejuízo, argumentando que aquilo que não aconteceu não
poderia nunca ser objeto de certeza ao ponto de propiciar uma reparação.
Igualmente à postura da doutrina, os Tribunais costumavam exigir, por parte da
vítima que alegava a perda de uma chance, prova inequívoca de que, caso não
tivesse ocorrido o fato, teria conseguido o resultado que se dizia interrompido.
A problemática da responsabilidade civil pela perda de uma chance foi objeto
de estudo inicialmente na Itália, sendo o então professor de direito civil da
Universidade de Perugia, Adriano de Cupis, considerado o responsável pelo
início da correta compreensão da teoria em questão no Direito Italiano, uma
vez que conseguiu visualizar um dano independente do resultado final e,
portanto, enquadrar a chance perdida no conceito de dano emergente e não de
lucro cessante, como vinha sendo feito pelos autores que o antecederam.
O grande mérito de Adriano de Cupis não está apenas em reconhecer o valor
patrimonial da chance da vitória por si só considerada, mas, principalmente, de
incluí-la como uma espécie de dano emergente, o que afastou as objeções
acerca da incerteza do dano que influenciavam negativamente os trabalhos
precursores sobre o tema.
17
Nesse sentido, cumpre transcrever o trecho de sua obra que a doutrina
hodierna entende representar o verdadeiro marco inicial acerca da teoria da
responsabilidade civil por perda de uma chance:
“A vitória é absolutamente incerta, mas a possibilidade de
vitória, que o credor pretendeu garantir, já existe, talvez
em reduzidas proporções, no momento em que se
verifica o fato em função do qual ela é excluída: de modo
que se está em presença não de um lucro cessante em
razão da impedida futura vitória, mas de um dano
emergente em razão da atual possibilidade de vitória que
restou frustrada” (IL Danno: Teoria Generale della
Responsabilitá Civile, 2ª ed., 2 v., Milano: Giuffrè, 1966).
Adriano de Cupis fixou, ainda, outras importantes premissas para a adequada
compreensão da teoria em comento ao sustentar que a chance da vitória teria
sempre valor menor que a vitória futura, o que refletiria no montante da
indenização e, ainda que, simples esperanças aleatórias, tais como uma
simples vitória na loto, não poderiam ser passíveis de indenização.
Outra
importante
contribuição
para
o desenvolvimento
da
teoria
da
responsabilidade civil por perda de uma chance foi dada por Piero
Calamandrei, ao tratar da responsabilidade civil do advogado.
Isso porque, naqueles casos em que o advogado fazia com que seu cliente
perdesse a oportunidade de ver a matéria reexaminada pelo Tribunal em razão,
por exemplo, da perda do prazo para a interposição de eventual recurso, ao
contrário da maioria da época, Calamandrei passou a defender o recurso à
estatística judiciária para o cálculo da chance de êxito que o recurso teria
acaso interposto. Ou seja, para aquele autor o dano sofrido pelo cliente deveria
18
ser quantificado com base no percentual de probabilidade de modificação da
decisão prejudicial pelo Tribunal em casos com valor da causa semelhantes.
Em que pese à proposta de Calamandrei ter sido objeto de severas críticas,
fato é que a possibilidade da utilização da estatística e o próprio
desenvolvimento do estudo das probabilidades mostrou-se bastante útil, na
medida em que se permitiu passar a ser verificado se antes da ocorrência do
evento danoso já existia uma possibilidade com certo conteúdo patrimonial
para a vítima, a qual, após o evento danoso, teria sido perdida.
Posteriormente, Maurizio Bocchiola, com base nos ensinamentos de Adriano
de Cupis e na sugestão de Piero Calamandrei, afirmou que a aplicação da
teoria em voga encontrava limites, visto que, evidentemente, não seria
qualquer possibilidade perdida que obrigaria o ofensor a ressarcir o dano,
concluindo, portanto, que para se admitir a indenização da chance perdida a
vítima deveria demonstrar que a probabilidade de conseguir a vantagem
esperada seria superior a 50% (cinqüenta por cento), sob pena de não o
fazendo não restar caracterizada a prova da existência da chance.
Quanto à valoração da chance perdida Bocchiola limitou-se a afirmar que seria
o ponto mais complicado na aplicação da teoria, estabelecendo, apenas, a
premissa inicial para a fixação do valor da indenização que seria a de que a
chance no momento de sua perda teria um certo valor que, mesmo sendo de
difícil determinação, seria incontestável. Dessa maneira, seria o valor
econômico desta chance que deveria ser indenizado, independentemente do
resultado final que a vítima poderia ter conseguido se o evento não a tivesse
privado daquela possibilidade.
Após o importante trabalho de aperfeiçoamento de conceitos feito pela
doutrina, mormente com as contribuições de Adriano de Cupis, Pietro
Calamandrei e
Maurizio
Bocchiola,
a jurisprudência
italiana,
19
também
influenciada por diversas decisões francesas, consolidou o entendimento de
que a perda da chance seria um dano emergente, passou a exigir uma
probabilidade superior a 50% (cinqüenta por cento) como prova da certeza do
dano e, por fim, a liquidar o dano, partindo do dano final multiplicado pelo
percentual de probabilidade de obtenção do resultado útil impedido pela
conduta do ofensor, conceitos esses que ainda não foram totalmente
harmonizados pela doutrina brasileira, conforme será adiante demonstrado.
2.2 - Posição doutrinária no direito pátrio
A responsabilidade civil por perda de uma chance não foi até agora objeto de
análise mais aprofundada pelos estudiosos do direito civil em nosso país. Com
raras exceções, dentre as quais se incluem a recente dissertação de mestrado
defendida por Sergio Savi na Universidade Estadual do Rio de Janeiro e àquela
redigida por Sérgio Novais Dias na Universidade Federal do Estado da Bahia,
os doutrinadores brasileiros limitaram-se a tecer breves comentários sobre o
assunto em obras sobre responsabilidade civil.
Todavia, ainda que analisada de forma superficial pela maior parte da doutrina,
percebe-se claramente a ampla aceitação da teoria da responsabilidade civil
por perda de uma chance em nosso ordenamento jurídico existindo, no
entanto, uma grande divergência quanto à natureza jurídica da perda de uma
chance.
Para José de Aguiar Dias a perda de uma chance deveria ser tratada como
uma espécie de lucro cessante que, na definição legal prevista na parte final do
20
artigo 402 do Código Civil , é aquilo que a vítima razoavelmente deixou de
5
lucrar. É, portanto, algo certo que só precisa ser quantificado.
Porém, em se enquadrando a perda de uma chance como lucro cessante, o
autor da ação teria que comprovar, de maneira inequívoca que, não fosse a
existência do ato danoso, o resultado teria se consumado, com a obtenção da
chance pretendida, o que se afigura impossível. Ora, se a vitória não pode ser
provada e confirmada, o mesmo ocorre em relação ao insucesso da obtenção
do resultado esperado.
Por sua vez, tanto Antônio Jeová Santos, quanto Sérgio Novais Dias, admitem
que a perda de uma chance está inserida dentro do contexto dos danos
extrapatrimoniais ao se caracterizar por um dano moral futuro, passível de
indenização nos casos em que a chance for séria e provável, entendimento
este que não parece ser o mais correto, tendo em vista a possibilidade do ato
ilícito gerador da reparação da perda de uma chance vir a acarretar outros
danos, como por exemplo, os danos morais o que, no entanto, não têm o
condão de retirar a sua essência de dano material.
Nessa mesma linha de raciocínio situa-se o Desembargador Roberto e Abreu
Silva do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que, em artigo
publicado na Revista da EMERJ, sustenta que:
“a chance perdida reparável configura um prejuízo
material ou imaterial resultante de fato já consumado,
não hipotético, causado a pessoa inocente (que não deu
causa ao fato), por conduta comissiva ou omissiva do
agente (falta de diligência ou prudência) violadora de
5
“Artigo 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor
abrangem, além do que efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar”.
21
interesse juridicamente protegido no direito positivo
(CRFB/ 88, art. 5°, X, Código Civil, Código do
Consumidor, etc.)” – A Teoria da Perda de uma Chance
em Sede de Responsabilidade Civil - Revista da EMERJ,
v. 9, n° 36, 2006, p. 24.
Entendimento semelhante ao preconizado pela doutrina alienígena que
considera a perda de chance como uma subespécie de dano emergente é
defendido, brilhantemente, por Sergio Savi que em sua tese de mestrado assim
leciona:
“Ao se inserir a perda de uma chance no conceito de
dano emergente, elimina-se o problema da certeza do
dano, tendo em vista que ao contrário de se pretender
indenizar o prejuízo decorrente da perda do resultado útil
esperado (a vitória na ação judicial, por exemplo),
indeniza-se a perda da chance de obter o resultado útil
esperado (a possibilidade de ver o recurso examinado
por por outro órgão de jurisdição capaz de reformar a
decisão prejudicial). Ou seja, não estamos diante de uma
hipótese de lucros cessantes em razão da impedida
futura vitória, mas de um dano emergente em razão da
atual possibilidade de vitória que restou frustrada. Assim,
não se concede a indenização pela vantagem perdida,
mas sim pela perda da possibilidade de conseguir esta
vantagem. Isto é, faz-se uma distinção entre resultado
perdido e chance de consegui-lo. Ao assim proceder, a
indenização da perda de uma chance não se afasta da
regra de certeza do dano, tendo em vista que a
possibilidade
perdida,
em
si
considerada,
era
efetivamente existente: perdida a chance, o dano, é
22
portanto, certo” (Responsabilidade Civil por Perda de
uma Chance, Sérgio Savi, Editora Atlas, 2006, página
102).
Por sua vez, o renomado doutrinador Silvio de Salvo Venosa, ao retratar a
doutrina argentina de Carlos A. Guersi, afirma ser a perda de uma chance um
terceiro gênero de indenização que estaria “a meio caminho entre o dano
emergente e o lucro cessante” e que, havendo certo grau de probabilidade, a
mesma passa a entrar na esfera do dano ressarcível6.
Contudo, apesar de haver posições diversas acerca do enquadramento da
indenização das chances perdidas – se como dano patrimonial ou moral, dano
emergente ou lucro cessante – é possível afirmar que praticamente toda a
doutrina admite que, em se tratando de oportunidade séria e real, a mesma
passa a ter valor econômico e, por conseguinte, a ser passível de indenização.
2.3 - Da previsão legal para a admissão da indenização das
chances perdidas no Brasil
Com o advento do Código Civil de 2002, passou-se a admitir que inexiste
qualquer entrave à indenização das chances perdidas, diferentemente do que
ocorria durante a vigência dos artigos 1537 e 1538 dispostos no Código Civil de
19167 que, para alguns, eram considerados como limitadores do poder dos
juízes na análise da perda de uma chance.
6
Venosa, Sílvio de Salvo. Direito Civil: responsabilidade civil, 3 ed., São Paulo, Atlas, 2003, p. 198 a
200.
7
“Artigo 1537. A indenização, no caso de homicídio, consiste: I – no pagamento das despesas com o
tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família; II – na prestação de alimentos às pessoas a quem o
defunto os devia.
Artigo 1538. No caso de ferimento ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas
de tratamento e dos lucros cessantes até o fim da convalescença, além de lhe pagar a importância da multa
23
Isso porque o Novo Código Civil trouxe um conceito bem amplo de dano, sem
delimitar quais seriam as espécies de danos abarcados nele, estabelecendo,
assim, uma cláusula geral de responsabilidade civil aberta reproduzida nos
artigos 186 e 9278.
Ademais, ao tratar da indenização no Capítulo II, do Título IX, o Novo Código
Civil acabou com os óbices para a indenização pela perda de uma chance ao
alterar os artigos 1537 e 1538 que, na nova legislação, foram alocados nos
artigos 948 e 949, com a seguinte redação:
“Art. 948. No caso de homicídio, a indenização consiste,
sem excluir outras reparações:
I – no pagamento das despesas com o tratamento da
vítima, seu funeral e o luto da família;
II – na prestação de alimentos às pessoas a quem o
morto os devia, levando-se em conta a duração provável
da vida da vítima.
Art. 949. No caso de lesão ou outra ofensa á saúde, o
ofensor
indenizará
o
ofendido
das
despesas
do
tratamento e dos lucros cessantes até o fim da
no grau médio da pena criminal correspondente. § 1° Esta soma será duplicada, se do ferimento resultar
aleijão ou deformidade. § 2° Se o ofendido, aleijado ou deformado, for mulher solteira ou viúva, ainda
capaz de casar, a indenização consistirá em dotá-la, segundo as posses do ofensor, as circunstâncias do
ofendido e a gravidade do defeito”.
8
“Artigo 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência violar direito e
causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Artigo. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.
24
convalescença, além de algum outro prejuízo que o
ofendido prove haver sofrido”.
Não bastasse a cláusula geral de responsabilidade inserida no Código Civil de
2002, o artigo 402, já mencionado no tópico anterior deste trabalho, dispõe, tal
qual já o fazia o artigo 1059 do Código Civil de 1916 que, “salvo as exceções
expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidos ao credor
abrangem, além do que efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de
lucrar”.
Ao estabelecer que o credor terá direito a obter o que efetivamente perdeu e o
que razoavelmente deixou de lucrar, o legislador acabou por positivar o
princípio da reparação integral dos danos, cuja importância é assegurar à
vítima o direito de ser ressarcida de todos os danos sofridos, colocando-a na
mesma posição que estaria se o fato danoso não tivesse acontecido.
Vale dizer que o referido princípio encontra guarida na própria Constituição
Federal, visto que a Carta Magna determina como objetivo fundamental a
construção de uma sociedade livre, justa e solidária9.
Forte nesses argumentos, não há como se negar a possibilidade de
indenização nos casos em que alguém perde uma chance ou oportunidade em
razão de ato de outrem, mesmo porque a própria evolução da responsabilidade
civil fez com que o foco de atenção do julgador mudasse radicalmente do ato
ilícito para a proteção da vítima contra os danos considerados injustos pelo
ordenamento jurídico.
9
“Art. 3°. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;”
Conforme ressalta Georges Ripert
10
25
o direito moderno “tende a substituir pela
idéia de reparação a idéia de responsabilidade”, uma vez que com o
desenvolvimento da atividade industrial, verificou-se o incremento dos riscos
criados para a sociedade em geral e, com isso, a não responsabilização
daqueles responsáveis pela criação do risco passou a se mostrar cada vez
mais injusta.
Assim, a partir de meados do século XX, a vítima passou a desempenhar a
função de protagonista da relação jurídica instaurada com o evento danoso, de
modo que, da indispensável prova da culpa, passou-se a admitir a
responsabilidade daqueles que causassem danos simplesmente em razão do
exercício de suas atividades. Ou seja, a teoria da responsabilidade objetiva
passou a fundamentar no risco a responsabilização dos causadores de danos,
tornando-se desnecessário qualquer juízo de valor sobre a culpa do
responsável.
Como corolário dessa evolução que deslocou do foco de atenção da
responsabilidade civil a repressão ao ato ilícito para o fato danoso e à proteção
de sua vítima é que surge mais um fundamento para a indenização pela perda
de uma chance, razão pela qual se propõe apresentar, no capítulo a seguir, a
forma pela qual a doutrina e jurisprudência brasileira, ao se deparar com as
hipóteses de responsabilidade pelas chances perdidas, no caso específico da
atuação do advogado, ponto central do presente estudo, reconhece na maioria
dos casos a existência de um dano a ser indenizado.
10
Ripert, George. Le régime démocratique et le droit civil moderne, n° 169.
26
CAPÍTULO III
DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO E A
APLICAÇÃO DA PERDA DE UMA CHANCE
3.1 - Do posicionamento doutrinário
No escasso material doutrinário encontrado sobre o tema ainda não foi possível
localizar uma solução satisfatória para a aplicação da perda de uma chance no
exercício profissional da advocacia o que, conforme será visto mais adiante,
traz dificuldades para o devido aperfeiçoamento dos conceitos dessa teoria
pela jurisprudência.
Em todos os casos de perda de uma chance ocorre uma inexecução
obrigacional definitiva do advogado, de maneira que não pode ser mais
cumprida, haja vista que nenhuma utilidade teria para o credor. O protocolo de
um recurso fora do prazo preclusivo, ou o ajuizamento de uma ação após
ultrapassado o prazo decadencial ou prescricional, não terão nenhum valor
para o cliente, pois sequer serão conhecidos pelo Poder Judiciário.
Pode-se afirmar que, nas hipóteses da perda de uma chance, o não
cumprimento definitivo origina-se da falta de cumprimento da obrigação pelo
advogado. Por outro lado, analisando-se a questão a partir da leitura da parte
final do artigo 399 do Código Civil11 chega-se à conclusão que o advogado não
será responsabilizado na perda de uma chance se demonstrar “que o dano
sobreviria, ainda quando a obrigação fosse oportunamente desempenhada”.
11
“Art. 399. O devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação, embora essa
impossibilidade resulte de caso fortuito ou força maior, se estes ocorrerem durante o atraso; salvo se
provar isenção de culpa, ou que o dano sobreviria ainda quando a obrigação fosse oportunamente
desempenhada”.
27
Em outras palavras, não será responsabilizado se demonstrar que o cliente não
teria acolhida sua pretensão mesmo se o advogado houvesse praticado a
tempo o ato que se omitiu em realizar, como aqueles acima exemplificados.
Fica, porém, a indagação: como, de que forma e em que limites se dá essa
verificação de que o dano sobreviria mesmo se a obrigação fosse
desempenhada a tempo?
A teoria da causalidade adequada é a que melhor responde a essas situações,
pois faz-se sempre um prognóstico a posterior i entre o ato e o dano no objetivo
de fixar o nexo de causalidade, desde que seja razoável admitir que o segundo
decorreria do primeiro, pela evolução normal das coisas.
Constatada a existência do dano, bem como a falta cometida pelo advogado
que causou a perda de uma chance, caberá ao julgador decidir se o dano
ocorrido decorreu realmente, num juízo de probabilidade, do ato ou omissão do
advogado. Será preciso, pois, reexaminar detida e minuciosamente, a questão
que seria posta a julgamento para verificar, à luz da lei, da doutrina e da
jurisprudência, se era provável o êxito da pretensão do cliente.
3.2 - Das hipóteses cabíveis e o entendimento jurisprudencial
brasileiro
Para melhor visualizar o problema e a aplicação prática da teoria da
causalidade adequada na perda de uma chance em decorrência da atuação do
advogado, seguem diversos casos emblemáticos extraídos dos mais variados
Tribunais Pátrios e da produção literária já elaborada, para que, em cada caso,
o estudo seja aprofundado.
28
3.2.1 - Extravio de autos
O primeiro acórdão brasileiro a reconhecer o cabimento da perda de uma
chance na hipótese de atuação do advogado é de 1991, relatado pelo então
Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Ruy Rosado de
Aguiar Júnior.
O acórdão está assim ementado:
“RESPONSABILIDADE CIVIL. ADVOGADO. PERDA DE
UMA CHANCE. Age com negligência o mandatário que
sabe do extravio dos autos do processo judicial e não
comunica o fato à sua cliente nem trata de restaurá-los,
devendo indenizar à mandante pela perda de chance”
(TJRS, 5ª Câmara Cível, Apelação Cível n° 591064837,
julgada em 29.8.91).
Em síntese, alegava a Autora ter contratado o Réu como seu advogado para
ajuizar uma ação contra o extinto INPS, visando ao recebimento de pensão
previdenciária em razão da morte de seu marido. A ação foi distribuída em
1975, perante a 1ª Vara Cível da Comarca de Novo Hamburgo, sendo que o
processo jamais chegou àquele cartório por ter se extraviado.
Apesar do extravio dos autos, o causídico não informou tal fato a sua
constituinte e tampouco providenciou a restauração dos autos, cerceando o
direito da Autora de ver apreciado o seu pleito em juízo.
O Desembargador Ruy Rosado de Aguiar reconheceu que a atitude negligente
do advogado fez com que a Autora perdesse a chance de ver a sua demanda
29
apreciada pelo Poder Judiciário e, com isso, sofresse um dano pela chance
perdida, na forma do que se depreende do trecho extraído do voto do Ilustre
Relator nos autos da apelação supracitada:
“Não lhe imputo o fato do extravio, nem asseguro que a
autora venceria a demanda, mas tenho por irrecusável
que a omissão de informação do extravio e não
restauração dos autos causaram à autora a perda de
uma chance e nisso reside o seu prejuízo”.
Onze anos depois, o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina teve a
oportunidade de apreciar caso semelhante em que a Autora sustentava ter
adquirido imóvel nas proximidades da capital catarinense que, por estar
hipotecado junto ao extinto Banco Bamerindus, a obrigou a contratar os
serviços do advogado, ora Réu, que, no entanto, veio a perder os documentos
essenciais à adoção das medidas judiciais cabíveis. Diante da sua conduta
negligente, a Autora postulou indenização no valor do bem objeto da transação.
Neste caso, diante da não caracterização do esgotamento do direito da Autora,
o Tribunal rejeitou o acolhimento da indenização pela perda de uma chance tal
qual se infere do trecho do voto do Desembargador Relator César Abreu ora
transcrito:
“Não se trata, in casu, da figura denominada perda de
uma chance, na qual a inércia do advogado provoca o
esvaziamento do direito pelo cliente, como ocorre no
caso da prescrição exemplificativamente. Em todos os
casos de perda de uma chance – hipótese também da
perda do prazo recursal, etc. – ocorre uma inexecução
obrigacional definitiva do advogado, de tal modo que não
mais
pode
ser
reparada.
In
casu,
30
entretanto,
permaneceu, como permanece, em aberto a via judicial
para que a Autora busque o que lhe é de direito. A
obrigação contratual ainda pode ser cumprida, por este
ou por outro profissional, é bem verdade, ampliada a
dificuldade, pela falta material do documento, que se
alega extraviado ou perdido. Basta que se cumule a ação
pertinente com a de reconstituição do compromisso de
compra e venda, havendo, como há, início de prova
escrita – os elementos existentes nestes autos suprem a
exigência – que não precisa, necessariamente, vir
subscrita pela parte a quem é oposto (CPC, art. 401,
REsp 58.026-9, Rel. Min. Eduardo Ribeiro). A sentença,
julgada procedente a ação, substituiria o contrato
extraviado” (TJSC, 1ª Câmara Cível, Apelação Cível n°
2000.023863-5, julgada em 06.08.02).
Da leitura das decisões ora trazidas, resta evidente que, na hipótese de
extravio dos autos, compete ao advogado promover a sua restauração, em um
prazo razoável, mesmo que não tenha sido ele o causador desse extravio.
Quando, porém, o processo é, por hipótese, extinto em face do longo tempo
em que os autos estiveram extraviados, porque o Autor não promoveu os atos
que lhe competiam, entende-se que o cliente poderá requerer uma indenização
correspondente a um quantum incidente sobre a pretensão que deixou de ser
apreciada pelo Judiciário, desde que demonstre, em termos de probabilidade,
que a ação seria julgada procedente.
31
3.2.2 - Falta de propositura da ação judicial
Segundo preleciona Ênio Zuliani12, na falta de propositura de ação judicial pelo
advogado que ocasiona a perda do direito do seu cliente face à ocorrência da
prescrição, por exemplo, tem-se que o cliente:
“não perde uma causa certa; perde um jogo sem que lhe
permitisse disputá-lo, e essa incerteza cria um fato
danoso. Portanto na ação de responsabilidade ajuizada
por esse prejuízo provocado pelo profissional de direito, o
juiz deverá, em caso de reconhecimento que realmente
ocorreu a perda dessa chance, criar um segundo
raciocínio dentro da sentença condenatória, ou seja,
auscultar a probabilidade ou o grau de perspectiva
favorável dessa chance”.
Neste caso, o que deverá ser indenizado é a negativa da possibilidade de o
constituinte ter seu processo apreciado pelo Judiciário, e não o valor que
eventualmente esse processo poderia propiciar-lhe ao final. Nesse sentido,
segue recente julgado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, da lavra
do Desembargador Arantes Theodoro que somente merece um pequeno
reparo por enquadrar a perda de uma chance como modalidade de dano moral,
prática comum adotada pelos nossos julgadores:
“Prestação de serviços advocatícios. Advogado que, sem
justificativa legítima, deixa de ajuizar a ação prometida
em contrato. Inadimplemento que autorizava indenização
por danos morais, mas não a paga do valor que a cliente
12
Responsabilidade Civil do Advogado, Seleções Jurídicas, Rio de Janeiro, COAD, página 8.
32
esperava obter com a referida propositura. Apelo
parcialmente provido” (TJSP, 36ª Câmara da Seção de
Direito Privado, Apelação n° 1047071-0/9, julgada em
18.10.07).
Outro não pôde ser o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do
Paraná que ao apreciar questão análoga a ora tratada assim se posicionou:
“I. Ação de Indenização. Negligência do advogado.
Propositura de ação trabalhista após decorrido o prazo
prescricional.
Caracterização
da
figura
“perda
da
chance”. II. Alegação de que o pedido relativo às verbas
trabalhistas seria rejeitado. Presunção em sentido
contrário. Aplicação do art. 14, I e II do CPC. III.
Indenização arbitrada em 50% do valor do pedido
trabalhista, a ser apurado em liquidação de sentença.
Razoabilidade.
IV.
Recurso
não
provido”
(TJPR.
Apelação Cível nº 324.572-9, Relator Juiz Convocado
Jorge de Oliveira Vargas, DJ 31.03.2006).
3.2.3 - Pedido não formulado
Em que pese a hipótese ora contemplada não ter sido objeto de discussão
junto aos principais Tribunais da Federação, oportuno faz-se colocar que
compete ao advogado, ao propor a ação, elaborar os pedidos de maneira que
ofereça ao cliente a chance de obter todas as vantagens que a lei lhe
possibilita naquele caso.
33
Assim, se o advogado esquecer de incluir um determinado pedido na inicial e,
no curso da lide, este seja atingido pela prescrição, de modo que a parte não
mais teria chance de reclamá-lo, a doutrina entende que pode o advogado ser
responsabilizado em montante incidente sobre o valor desse pedido, quando
verificado, é claro, que o autor teria a probabilidade de êxito de ter o seu pedido
julgado procedente.
O mesmo ocorre quando o advogado do réu se omite na formulação de
requerimento que deveria constar da defesa de seu cliente como, por exemplo,
a argüição de prescrição de direito patrimonial. Omitindo-se de argüi-las nas
instâncias ordinárias, quando era cabível e aplicável, também pode ser
responsabilizado pelos danos causados ao cliente em face dos valores da
condenação que estariam excluídos se houvesse sido acolhida a prescrição.
3.2.4 - Não interposição de recurso – Perda de prazo
Em uma breve pesquisa jurisprudencial nota-se, sem maiores dificuldades, que
em se tratando de responsabilidade civil do advogado pela perda de uma
chance, o tema mais esmiuçado pelos Tribunais é o relativo à perda de prazo
para interposição de recurso.
É claro que toda a vez em que o advogado deixa de recorrer o cliente perde a
chance de ver a questão reexaminada pela instância superior. Contudo, nas
situações em que, pela matéria discutida, não havia probabilidade de sucesso,
não se pode cogitar da perda de uma chance causada pelo advogado, porque
o prejuízo material sofrido pelo cliente não terá decorrido da falta do recurso,
pois este, sem chances de êxito, não traria nenhuma alteração favorável ao
cliente.
34
Nessa linha de pensamento, traz-se à baila ementa do julgado do Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul negando a indenização da chance perdida
quando a probabilidade de êxito do eventual recurso era ínfima.
“Ação de reparação de danos materiais e morais.
Alegação de negligência e imperícia de advogado, que
seria responsável pela revelia e interposição intempestiva
de apelação. Prova que só permite concluir pela culpa do
profissional na última hipótese. Perda de uma chance.
Possibilidade de indenização. Necessidade, porém, da
seriedade
e
viabilidade
da
chance
perdida.
Circunstâncias não presentes na espécie. Acolhimento
do pedido apenas para condenação do profissional ao
ressarcimento dos honorários pagos pelos autores e
preparo do recurso intempestivo. Apelo em parte provido”
(TJRS, Apelação Cível nº 70005635750, 6ª Câmara
Cível, Relator Desembargador Carlos Alberto Álvaro de
Oliveira, julgada em 17.11.2003).
Destaca-se o voto do relator que após fazer um reexame do litígio em que
ocorreu a negligência do advogado, consubstanciada na perda do prazo para a
interposição do recurso, chega à conclusão de que as chances de reforma da
sentença eram remotas e, assim, deixa de acolher a indenização pela chance
perdida. Senão vejamos:
“Ora, na espécie em julgamento, já havia, por um lado, a
confissão quanto à matéria de fato, decorrente da revelia
e, por outro, no tocante à matéria de direito de cobrança
de juros acima da Lei de Usura tem sido permitida nos
negócios jurídicos bancários pela iterativa jurisprudência
do Superior Tribunal de Justiça (v.g., REsp. nº 439828,
35
REsp. nº 430093 e REsp. 337957). Além disso, os
documentos de f. 163 a 169 não permitem outras ilações
favoráveis
aos
apelantes.
De
resto,
não
ficou
comprovado que a cobrança decorresse de valores
indevidos, lançados sem fundamento na conta dos
autores, ônus que incumbia aos autores. De ressaltar
que a presente causa foi julgada antecipadamente, tendo
os autores se contentado apenas com produção de prova
documental, como se verifica da petição de f. 132. Em
resumo, dada a imperícia e negligência do apelado pela
não-interposição do recurso, responde o advogado
apenas pelos honorários que recebeu para o serviço que
não desempenhou a contento e pelo preparo da
apelação intempestiva”.
Importante destacar que a grande maioria dos julgados sustenta que a perda
de uma chance leva a caracterização da responsabilidade civil do causídico
não quando há mera probabilidade de reforma de uma decisão lançada no
processo, porém quando a alteração daquela vai além da eventualidade,
tangenciando a certeza. Mais uma vez, transcreve-se ementa de julgado,
apreciado no final do ano passado, pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio
Grande do Sul, que assim decidiu:
“Apelação cível. Ação indenizatória. Mandato. Advogado.
Perda de uma chance por ausência de recurso. A “perda
de uma chance” por omissão do advogado quanto a
recurso não importa em obrigatório dever de indenizar. É
imprescindível examinar as circunstâncias a fim de
concluir
se
a
situação
justifica
indenização,
especialmente a conduta do advogado e o possível
resultado
do
recurso.
Caso
onde
a
pretensão
36
indenizatória não deve ser acolhida. Apelo do réu
provido, prejudicado o do autor” (TJRS, 15ª Câmara
Cível,
Apelação
Desembargador
nº
Paulo
70018797092,
Roberto
Félix,
Relator
julgada
em
19.12.07).
Por sua vez, o Superior Tribunal de Justiça já esboçou mostrar-se favorável à
indenização da chance perdida em caso de responsabilidade civil do advogado
que perde o prazo para a interposição de recurso contra a sentença
desfavorável aos interesses de seu constituinte, apesar de não ter dado efetivo
acolhimento ao recurso da parte, pela ausência de pedido específico em
relação à indenização pela perda de uma chance, conforme se extrai do trecho
do voto do Ministro Eduardo Ribeiro:
“Em sua inicial, pediu o autor que a indenização pelos
danos
suportados
com
a
conduta
desidiosa
dos
advogados fosse equivalente ao que pleiteava na ação
trabalhista. O tribunal de origem entendeu que, embora
provada a culpa do primeiro réu, o pedido seria
improcedente porque incertos os danos pleiteados.
Conclui-se que o autor deveria ter requerido indenização
pelo fato de ter perdido a chance de ser vencedor em sua
demanda. De fato, houve-se com acerto a corte estadual.
A condenação em perdas e danos pressupõe a prova
efetiva do gravame suportado pelo requerente. No
presente caso, não há como se estabelecer se o autor
teria
sua
pretensão
julgada
procedente
em
sua
totalidade. É possível que sua vitória fosse apenas
parcial. Do mesmo modo, a outra parte poderia ser a
vencedora.
Está-se,
portanto,
diante
de
uma
possibilidade de dano, mas não há certeza quanto a sua
37
efetiva ocorrência, ou quanto à sua extensão, razão pela
qual há de ser mantida a decisão recorrida” (STJ, Agravo
nº 272.635-RJ, julgado em 01.02.2000).
3.2.5 - Omissão na produção de prova necessária
Inúmeras são as situações em que o advogado por deixar de produzir provas
consideradas essenciais a seu cliente vê julgada contra si a pretensão, vindo
então a acusá-lo de ter promovido a perda de uma chance de ter aquela
pretensão decidida de maneira diferente, se a prova houvesse sido produzida.
Nesta toada, reproduz-se ementa de julgado da lavra do Eminente
Desembargador Mauricio Caldas Lopes do Tribunal de Justiça do Estado do
Rio de Janeiro que apreciou determinado litígio em que os advogadosdemandados incorrendo em dupla falta, dentre as quais a ora analisada, foram
condenados ao pagamento de indenização pela perda de uma chance:
“Ação intentada contra advogados e corretor de seguros
em decorrência do mau serviço prestado por aqueles na
ação de cobrança de indenização securitária proposta
pela ora autora contra a seguradora. Sentença de
improcedência. Exame pericial grafotécnico de crucial
importância para o desate daquela demanda não
requerida
sequer.
Apelação
contra
a
sentença
desfavorável à segurada, oferecida intempestivamente.
Circunstâncias que, somadas, conduzem à conclusão
objetiva de desídia no desempenho da obrigação
contratada, ainda quando simplesmente de meio e não
de resultado – haja vista que o primeiro réu não ensejou
à autora o manejo dos recursos de defesa que o
38
ordenamento processual lhe punha ao dispor, quando
não conduzisse à subjetiva de autêntico conluio com seu
próprio irmão – o corretor a quem se imputava à
falsificação da assinatura da autora – em ordem a
subtraí-lo às conseqüências de sua intervenção como
intermediário da compra e venda do seguro do veículo.
Embora, não se possa, com acerto total, afirmar que a
produção da prova pericial só por si asseguraria á autoraapelante
o
êxito
naquela
demanda,
ou
que
a
intempestiva apelação viesse a ser provida, pode-se,
com segurança, tê-los como altamente provável na
hipótese. Primeiro porque a assinatura aposta no
documento de fls. 35 visivelmente não é da autora;
depois porque foi com apoio nesse documento que se
afirmou a má-fé da segurada e, em conseqüência, livrouse a seguradora da reclamada obrigação de indenizar.
Perda
de
uma
chance
caracterizada.
Recurso
parcialmente provido” (TJRJ, 2ª Câmara Cível, Apelação
nº 1489/2007, Desembargador Relator Mauricio Caldas
Lopes, julgada em 24.01.2007).
3.2.6 - Não interposição de recursos de natureza extraordinária
Os recursos de natureza extraordinária, como o recurso especial dirigido ao
Superior Tribunal de Justiça – STJ, o recurso extraordinário ao Supremo
Tribunal Federal – STF e o recurso de revista para o Tribunal Superior do
Trabalho – TST, sujeitam-se a rigorosos requisitos para seu cabimento.
Há situações em que a parte tem justa razão de mérito, mas simplesmente não
consegue que o recurso extremo seja conhecido pela instância superior,
39
porque implicaria reexame de provas, ou porque o advogado não localizou uma
decisão judicial capaz de fundamentar a divergência jurisprudencial, ou ainda
não foi viável o recurso pela demonstração de violação da lei.
Nestes casos, caberá à suposta vítima, ao alegar a ocorrência de dano por
falta desse recurso, demonstrar que este tinha viabilidade, porque a situação
permitia o enquadramento da hipótese em um dos permissivos legais. Caso
contrário, dano não teria havido em face da ausência do recurso, porque, não
sendo ele cabível, o Tribunal que por último proferiu a decisão era, à luz da lei
processual, a última instância para aquela questão.
Como exemplo, cita-se a ementa de julgado do Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo que ao negar provimento ao recurso autoral por entender que o
erro, embora crasso, na interposição extemporânea de recurso de revista, não
teria repercussão de maneira a ensejar a reparação pela perda de uma chance:
“1. De meio, não de resultado, a obrigação de advogado
não encerra necessário sucesso na causa patrocinada,
embora exija-se-lhe o emprego de todas as medidas
hábeis e legítimas ao fim colimado. 2. A extemporânea
interposição de recurso de revista contra acórdão de
tribunal trabalhista, com mínima chance de êxito, para
não dizer nenhuma, reflete erro profissional, mas erro
inócuo, que não enseja reparação material ou moral”
(TJSP, 28ª Câmara da Seção de Direito Privado,
Apelação c/ Revisão nº 1049784-0/5, Desembargador
Relator Celso Pimentel, julgada em 20.03.2007).
40
3.2.7 - Ausência de contra-razões ao recurso
Pode o cliente alegar que a não-apresentação de suas contra-razões retiroulhe a chance de evitar que fosse julgado contra si, total ou parcialmente, o
recurso da outra parte.
É claro que, competindo ao juiz dizer o direito, e não ao advogado, estando
expostos os argumentos das duas partes, na petição inicial, na defesa, na
réplica e nas demais petições constantes dos autos poderá o advogado objetar
que a ausência de contra-razões não causou nenhum dano ao cliente, pois a
matéria já estava toda posta nos autos antes da sentença de primeiro grau, o
que se encontrava à disposição para leitura do relator do recurso.
Entretanto, recebendo o advogado do cliente, antes das contra-razões,
documentos novos que, por motivo de força maior, não foram apresentados, ou
porque da existência anterior a parte não tinha conhecimento, cabe ao
advogado apresentá-los por ocasião das contra-razões, sob pena de
responsabilização pelos danos causados, desde que, evidentemente, se
considere provável a decisão favorável ao cliente.
Na verdade, caberá ao juiz da ação indenizatória fazer uma avaliação
cuidadosa, em cada caso, para perceber em que medida a ausência das
contra-razões implicou mesmo o prejuízo. É claro que o julgador poderia não
se deixar levar pelos argumentos do recurso se tivesse lido cuidadosamente as
petições do advogado do recorrido na instância inferior. Contudo, não há nada
que garanta à parte que o relator, na prática, lerá minuciosamente todas as
folhas dos autos. Por esse motivo, as contra-razões serão sempre úteis para
combater diretamente os argumentos do recurso, oferecendo mais facilmente
ao relator a opinião contrária ao recorrente, competindo ao advogado oferecêlas, na defesa dos direitos e interesses do seu constituinte, sob pena de restar
41
caracterizada a perda de uma chance de acordo com as circunstâncias do
caso.
3.2.8 - Ausência de sustentação oral do recurso
Considerando que compete ao advogado utilizar-se dos meios necessários à
obtenção do melhor resultado ao cliente, poder-se-ia alegar que a ausência do
advogado na sessão de julgamento acarretou a defesa desfavorável ao seu
cliente.
Porém, sabe-se que os votos dos relatores e revisores, que já tiveram vista dos
autos, via de regra, vêm prontos para a sessão de julgamento. A prática
mostra-nos que as poucas chances de mudança de voto do relator, por ele
próprio, ocorrem quando esse voto exibe que o relator não entendeu bem a
situação fática apresentada no recurso ou questão de direito submetida à
apreciação, situações que poderiam ficar esclarecidas por ocasião da
sustentação oral.
A sustentação oral tem também efeito prático, benéfico ao cliente, quando o
advogado consegue convencer o terceiro julgador que não teve vista dos
autos, e este, por sua vez, convence relator e revisor a uma mudança de
opinião, ou nos colegiados em que é maior o número de juízes, o advogado
consegue convencer os outros três juízes que não tiveram vista dos autos,
vencendo o julgamento contra os votos do relator e do revisor.
Contudo, sempre que a decisão for coerente e juridicamente admissível, difícil
será fixar um nexo causal entre o resultado desfavorável do julgamento e a
ausência do advogado na tribuna para a sustentação oral.
42
A responsabilização do advogado pela perda de uma chance, na presente
hipótese, poderá ocorrer com mais freqüência se a questão sob exame for
preponderantemente de valoração dos fatos e de provas, quando, na maior
parte das vezes, a segunda é a última instância recursal, inviabilizando o
recurso de natureza extraordinária, mas desde que, por sua evidente
desconexão com os fatos e provas produzidas nos autos, ficar evidenciado
que, com a sustentação oral, o resultado do julgamento, em face dessas
providências, provavelmente seria favorável ao cliente.
3.2.9 - Ação rescisória não proposta
Questão relevante é saber se o advogado pode ser responsabilizado pela
perda de uma chance porque não propôs ação rescisória em favor do seu
cliente.
Não resta a menor dúvida que, em sendo contratado o advogado
especificamente para a elaboração e propositura da ação rescisória, após
consulta da qual aceitou a causa, aplica-se igual entendimento àquele firmado
na hipótese de falta de propositura de ação judicial.
O problema está, porém, em saber se um advogado que atuou em uma ação
como patrono do autor ou do réu, após o trânsito em julgado da decisão, tem o
dever de propor ação rescisória, podendo ser responsabilizado civilmente pela
perda de uma chance quando isso não ocorre.
43
Argumenta-se que o fato da rescisória constituir-se num outro processo não
isenta o advogado de, por meio dela, promover a melhor defesa do seu cliente.
No entanto, assevera Ênio Zuliani13 que:
“ a hipótese de culpa do advogado que, por omissão, não
ingressa com ação rescisória no prazo decadencial (art.
495 do CPC), não produz, de imediato ou de forma
automática, o fato ‘perda de uma chance’, porquanto a
probabilidade de sucesso de uma ação rescisória é
sempre menor, por envolver o requisito ‘vício’ de
julgamento ou ‘erro de fato ou de direito’, pressupostos
difíceis de serem reunidos para apresentação”.
Compete, portanto, ao advogado, como atribuição da condução técnica da
causa, avaliar sempre o cabimento da ação rescisória contra a sentença
transitada em julgado que contrariou os interesses do seu cliente e aconselhálo sobre a adoção da providência, com as necessárias advertências sobre os
riscos financeiros do processo, sob pena de poder ser responsabilizado por
omissão de conselho que implicar a perda de uma chance, já que essa
modalidade de ação exige, com exceção daquelas que tramitam na Justiça do
Trabalho, depósito prévio de importância correspondente a 5% do valor da
causa (a ser revertido em caso de improcedência à parte contrária), sendo
passível ainda de condenação em custas e honorários.
Outrossim, em se tratando de demanda trabalhista, deve o advogado cuidar da
propositura da ação, quando cabível a rescisória e provável o resultado
favorável ao seu cliente, sob pena de ser responsabilizado diretamente pela
perda de uma chance.
13
Responsabilidade Civil do Advogado, Seleções Jurídicas, Rio de Janeiro, COAD, página 8.
44
A título de elucidação da matéria ora ventilada, segue trecho extraído de
acórdão julgado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul que
acolheu os argumentos levantados pelo advogado-réu que, diante da perda de
prazo para a interposição de recurso de apelação face à irregularidade na
publicação da sentença, enviou correspondência ao autor indagando acerca do
interesse no ajuizamento da competente ação rescisória, a qual, embora
cabível, não foi proposta por desejo do cliente, razão pela qual não restou
reconhecida a perda de uma chance:
“Portanto, não há falar em simples perda de prazo para a
interposição de recurso de apelação da sentença de
primeiro grau. Os demandados somente não atentaram
para o prazo tido por correto pelo Tribunal porque
entenderam que a abertura do mesmo apenas dar-se-ia
com a publicação da sentença, uma vez que o réu
Christian
Vinicius
Benedetti
Teixeira,
intimado
da
sentença, não possuía procuração nos autos que lhe
outorgasse poderes para tal ato. Contudo, e daí emerge
a conduta zelosa dos requeridos, com o trânsito em
julgado daquela, ingressaram com demanda judicial
(ação rescisória) no intuito de anular o feito, no que
obtiveram êxito, garantindo aos autores da demandada
restituitória contra o IPE e o Estado do RGS – à exceção
do requerente – o alcance dos direitos por ele pugnados
(fls. 617-622). Segundo acima destacado, cabe ao
patrono consultar o cliente acerca da pretensão de
continuidade da lide, ainda mais no caso dos autos, onde
se mostrou necessário o ingresso de demanda rescisória
para reverter o julgado. Tal postura foi adotada, tendo os
réus, inclusive, enviado correspondência ao demandante
indagando acerca da pretensão de continuidade do litígio
(fl. 252). Observe-se que o comunicado é claro ao indicar
45
o ingresso da demanda rescisória, o prazo a ser
observado pelos litigantes e o valor das custas a serem
pagas. Ainda, em virtude do ocorrido na demanda
ordinária, desoneraram seus clientes do pagamento de
novos
honorários,
mantendo
os
anteriormente
estabelecidos. Porém, o autor, por motivos de foro
íntimo, optou por não fazer parte da demanda rescisória,
o que fez com que não fosse atingido pelos efeitos
daquela. Todavia, essa situação não faz com que seja
reconhecida responsabilidade civil dos requeridos por
perda de uma chance, porque foi o próprio demandante
quem optou por não integrar a lide rescisória, tolhendo de
si mesmo o direito que, posteriormente, foi reconhecido
aos demais” (TJRS, 5ª Câmara Cível, Apelação nº
70016523805, Desembargador Relator Paulo Sergio
Scarparo, julgada em 11.10.2006).
3.2.10 – Decretação de revelia
Assim como as situações já narradas acima, nos casos em que o advogado
deixa de apresentar contestação, no momento oportuno, ensejando, assim, a
decretação da sua revelia, resta configurada a perda de uma chance, desde
que comprovado que o demandado teria chances de êxito em evitar um
possível condenação, caso tivesse apresentado sua defesa tempestivamente.
Para melhor elucidação, seguem as ementas dos recentes julgados do Tribunal
de Justiça do Estado de São Paulo:
“Mandato.
comparecer
Indenização.
a
audiência
Advogado
trabalhista
que
e
deixa
de
apresentar
contestação tempestiva, implicando pena de revelia, bem
46
como deixa de impugnar cálculos em sede de execução.
Comportamento negligente do advogado comprovado. A
indenização, todavia, não deve ser mensurada no exato
valor da condenação, eis que o autor não comprovou que
a
defesa
tempestiva
afastaria
sua
condenação.
Indenização decorre da perda da oportunidade, cujo
montante deve ser arbitrado prudentemente. Recurso
parcialmente provido” (TJSP, 29ª Câmara da Seção de
Direito Privado, Apelação com Revisão nº 984.925-0/4,
julgada em 28.11.2007).
“Mandato – Indenização – Cerceamento do Direito de
Defesa – Inocorrência – Advogado – Desídia e Culpa –
Não
Apresentação
de
Contestação
–
Perda
da
Oportunidade – Caracterização de Dano Material e Moral
– Cabimento. Não há cerceamento do direito de defesa
pelo indeferimento de produção de prova testemunhal a
fim de demonstrar a intensidade de danos morais se,
ante a narração dos fatos e o conjunto probatório, foi
suficientemente aferido, conforme art. 130, CPC. É
cabível a condenação do advogado ao pagamento de
indenização por danos ao seu mandante em ação para a
qual foi contratado e que, por negligência, deixa de
apresentar contestação, por configurar erro grosseiro. A
indenização decorrente da perda oportunidade de defesa
dá ensejo à indenização por danos materiais e morais.
Preliminar Rejeitada. Recursos Parcialmente Providos”
(TJSP, 27ª Câmara da Seção de Direito Privado,
Apelação c/ Revisão nº 754837-0/2, Desembargador
Relator Cambrea Filho, julgada em 13.11.2007).
47
3.2.11 - A perda de uma chance como modalidade de dano
moral
Uma das maiores dificuldades dos julgadores pátrios ao se depararem com a
análise da perda de uma chance é enquadrá-la da forma como preconiza a
doutrina estrangeira clássica e alguns doutrinadores nacionais que a
classificam como uma espécie de dano emergente.
Como será abaixo ilustrado, grande parte de nossos Tribunais filiam-se à tese
doutrinária sustentada por Antonio Jeová dos Santos e Sérgio Novais de que a
perda de uma chance seria um “agregador” da indenização por dano moral.
Nesse sentido, é o julgado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, do
qual se extrai o entendimento firmado pelo Desembargador Dyrceu Cintra nos
autos da apelação cível nº 648.037-0/9, cuja ementa transcreve-se a seguir:
“Advogado que, contratado para ajuizar reclamação trabalhista, não o faz a
tempo, causando ao seu contratante a perda da chance de que seu pleito fosse
conhecido, responde pelo prejuízo moral decorrente de sua conduta desidiosa”.
Na mesma linha de raciocínio, segue ementa da apelação cível com revisão nº
871.779-0/6 da 29ª Câmara Cível da Seção de Direito Privado do mesmo
Tribunal, da lavra do Eminente Desembargador Francisco Thomaz:
“Mandato. Indenização. Culpa Atribuída à Advogada. Não
Interposição de Demanda na Justiça Federal em Nome
dos Clientes. Vínculo Contratual Comprovado. Exame
das Circunstâncias e Evidências Existentes nos Autos.
Dano Moral Configurado. Recurso Provido para Julgar
Parcialmente Procedente a Ação”.
48
Há casos, porém, em que o julgador não poderá indenizar o dano material
decorrente da perda de uma chance, por não se tratar de uma chance séria e
real, mas que, ainda assim, poderá considerá-la como apta a gerar dano moral.
Como exemplo segue a ementa do julgado do Tribunal de Justiça do Estado de
São Paulo:
“Ação Indenizatória – Pleito fundado na alegação de
conduta culposa do advogado no curso de outra
demanda judicial, culminando com o não recebimento de
recurso de apelação, em razão da extemporânea
devolução ao cartório dos autos do respectivo processo –
Configuração de dano moral, mercê da frustração de
legítima
expectativa
quanto
à
possibilidade
de
acolhimento do recurso – Caracterização da perda de
chance – Inocorrência, todavia, de dano material
indenizável, posto que o suposto prejuízo econômico da
autora resultou de decisão judicial, cuja hipotética
possibilidade de reforma não enseja a caracterização de
dano material certo e diretamente decorrente da conduta
do réu – Reconhecimento da sucumbência recíproca –
Recurso provido em parte” (TJSP, 6ª Câmara Cível da
Seção de Direito Privado, Apelação nº 179.675-4/6,
Desembargador Relator Sebastião Carlos Garcia, julgada
em 16.09.2004).
O voto do Relator deixa claro que a perda daquela “mera expectativa” de
reforma da decisão contrária aos interesses do cliente lhe teria causado danos
morais, o que pode ser confirmado pela leitura do trecho abaixo selecionado:
49
“Com efeito, embora não se possa presumir ou tomar
como certo o provimento do apelo e conseqüente
reforma da sentença proferida na ação de cobrança, o
fato juridicamente relevante e inarredável é que a autora
teve frustrada, em razão da omissão culposa do réu, o
seu legítimo direito de submeter ao segundo grau de
jurisdição a apreciação das teses jurídicas sustentadas
por ela, a seu prol, na referida reconvenção. Essa
frustrada supressão da via recursal, pela perda do prazo
respectivo, teve o condão de causar à autora inegável
abalo moral, tanto mais em face da sua compreensível
crença na possibilidade de reforma daquela sentença,
concernentemente ao pleito reconvencional, contrária
aos seus interesses. Sobre o tema da indenização por
dano moral, na atividade profissional do advogado,
demasia não será trazer à baila o princípio segundo o
qual a omissão negligenciosa do causídico, justamente
naquilo que lhe é ínsito profissionalmente, isto é, na sua
obrigação de meio, resulta na perda da chance do êxito
no litígio ou no provimento do recurso respectivo”.
Desse entendimento não discrepa a Desembargadora Luiza Bottrel de Souza
do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que, em seu voto nos autos
da apelação cível nº 2003.001.29927, cita até doutrina estrangeira:
“Vencida na ação, a ora apelante foram impostos os ônus
sucumbenciais, tendo suportado também um custo para
a propositura da mesma. Não se pode garantir que o
reexame da sentença pelo órgão ad quem, reverteria o
desfecho dado à lide. Mas foi essa uma chance que
deixou a apelante de ter, em conseqüência da conduta
50
negligente do apelado. Discursando a respeito do tema,
Philippe Tourneau (in, ‘Droit de la Responsabilité’, Dalloz,
1998, pág.633) salienta que ‘le plus souvent, le prejudice
subi
par
le
client
est
la
perte
d’une
chance,
notammentd’obtenir gain de cause, ou de voir um
jugement reforme ou um arrêt casse’. Não se pode,
portanto, negar que a apelante, em razão do não
conhecimento de seu recurso, perdeu a oportunidade de
ter a sentença, que lhe foi desfavorável, reexaminada
pelo Tribunal de Justiça, não podendo prevalecer o
entendimento de que a matéria versada nos Embargos
de Terceiro tinha sido objeto de exame pelo órgão ad
quem, no bojo dos Embargos do Devedor, agitados pelo
ex-cônjuge da apelante. Não se pode garantir que o
resultado do julgamento seria o mesmo. Além do prejuízo
de ordem material, consistente nas custas que adiantou e
nos honorários de sucumbência que teve que suportar,
suportou a apelante um prejuízo extrapatrimonial, porque
ser vencedora na demanda lhe traria tranqüilidade,
certeza de que o patrimônio familiar restaria intocado, e
também um sentimento de satisfação, vivido por toda a
pessoa que tem seu direito reconhecido judicialmente”
(TJRJ, 10ª Câmara Cível, Apelação nº 2003.001.29927,
Desembargador Relatora Luisa Cristina Bottrel Souza,
julgada em 02.12.2003).
Outro julgado que enquadra a perda de uma chance como uma modalidade de
dano moral está exemplificado no trecho ora reproduzido do voto do
Desembargador Relator Murilo Andrade de Carvalho do Tribunal de Justiça do
Estado do Rio de Janeiro, nos autos da apelação cível nº 2004.001.10147:
51
“Se não havia a certeza de vitória que os reenquadrasse
em categoria funcional superior, por desvio de função,
com pagamentos dos atrasados (é a pretensão comum),
não há perdas nem, a fortiori, reparações materiais a
compor. Esse comportamento inerte, contudo, conduz ao
reconhecimento de que a interposição do recurso
expressava, sem a menor margem de erro, a última
chance que tinham os demandantes, naquele momento e
naquelas circunstâncias, da possibilidade de inegável
ascensão na escala funcional e, em última ratio, na
progressão social, como expressa a teoria da escola
francesa da mesma denominação e hoje globalmente
reconhecida.
A
frustração
da
perda
da
chance
experimentada pelos empregados em razão do não fazer
devido do operador da advocacia e, a fortiori, por culpa in
eligendo, na forma do inciso III, do art. 1521, do CC/16,
lei do tempo dos fatos, do preponente Sindicato, é
inegável, importando na atestação da prática de lesão ás
personalidades dos empregados da CEF sindicalizados.
A repercussão das ofensas foi manifestamente extensa,
uma vez que, é o que emerge dos autos, outros
empregados
em
situações
rigorosamente
idênticas
obtiveram ganhos de causas das mesmas naturezas.
Equivale a dizer, continuaram a trabalhar em flagrante
inferioridade em relação a colegas de trabalho que
operavam
em
situações
iguais.
Dessa
linha
de
desenvolvimento exsurge que a composição dos danos
morais deverá ser acentuada, entendendo a Turma
Julgadora como proporcionais ás repercussões das
lesões imateriais, a cada um, quantia igual a 50
(cinqüenta) salários mínimos, da data da sentença, de
quando será corrigida pelos índices aplicados aos
52
créditos judiciais” (TJRJ, 3ª Câmara Cível, Apelação nº
2004.001.10147, Desembargador Relator Murilo Andrade
de Carvalho, julgada em 30.11.2004).
3.2.12 - Da Equivocada quantificação do dano da perda da
chance
Alguns julgados, apesar de reconhecerem a responsabilidade civil por perda de
uma chance, equivocam-se no momento de quantificar o dano sofrido pela
vítima.
É o caso, por exemplo, do julgado exarado pelo Tribunal de Justiça do Estado
do Rio Grande do Sul, cuja ementa está assim elaborada:
“Apelação Cível. Responsabilidade Civil. Perde de uma
Chance. Advogado. Mandato. Decisiva Contribuição para
o Insucesso em Demanda Indenizatória. Dever de
Indenizar Caracterizado. Tendo a advogada, contratada
para a propositura e acompanhamento de demanda
indenizatória por acidente de trânsito, deixando de
atender o mandante durante o transcorrer da lide,
abandonando a causa sem atender às intimações e nem
renunciando ao mandato, contribuindo de forma decisiva
pelo
insucesso
do
mandante
na
demanda,
deve
responder pela perda da chance do autor de obtenção da
procedência da ação indenizatória. Agir negligente da
advogada que ofende ao art. 1300 do CCB/1916. Apelo
desprovido” (TJRS, 9ª Câmara Cível, Apelação Cível nº
70005473061, Relator Desembargador Adão Sérgio do
Nascimento Cassiano, julgada em 10.12.2003).
53
Ou seja, apesar de se tratar de um caso típico de responsabilidade civil por
perda de uma chance, o acórdão, de forma errônea, condenou o advogado ao
pagamento dos lucros cessantes sofridos pelo autor da demanda.
Em outro caso de responsabilidade civil do advogado decorrente da perda do
prazo para recorrer, reconheceu-se a perda da chance, mas, novamente, o
montante foi fixado de maneira equivocada. Para melhor compreensão,
seguem alguns trechos do voto da Desembargadora Relatora Ana Beatriz Iser
que assim entendeu:
“Analiso, por primeiro, o recurso adesivo interposto pela
autora da ação em relação à sentença que condenou o
advogado a devolver 50% dos honorários advocatícios
que recebera em pagamento pelos serviços para a
propositura de ação. Entendo deva ser provido o recurso
adesivo interposto. De fato, a pretensão da autora na
inicial da ação é de indenização por danos, e não, como
cuidou a sentença recorrida, de pedido de devolução de
honorários pagos. Neste sentido se mostra bem clara a
petição,
que
titula
“RESSARCIMENTO
DE
a
ação
proposta
PREJUÍZOS
como
de
CAUSADOS
EM
DECORRÊNCIA DE MANDATO. Fundamenta, a Demandante,
a pretensão ressarcitória, em conduta de omissão voluntária
e negligência do mandatário
que lhe causou
prejuízos,
salientando, no pedido, a “obrigação do réu de reparar o dano
que se arbitra
ao valor do contrato corrigido”.Portanto,
contrariamente ao admitido pela sentença recorrida, não
se trata da restituição dos valores que a Demandante
pagou ao advogado para a prestação dos serviços, mas
da reparação de danos que causou pelo fato de
ter
54
perdido o prazo de recurso da sentença de primeiro grau
em valor correspondente ao que pagara ao profissional,
ou seja, em R$30.000,00. Assim, inobstante a afirmativa
do advogado recorrido, de que inexiste diferença entre
condenação que ordena devolver o que foi pago e
condenar à indenizar danos, há, sim, conseqüências
diversas e próprias de um ou outro provimento. A
sentença recorrida entendeu
que deveria haver a
devolução à mandante de 50% dos honorários que esta
havia pago ao mandatário que não cumpriu integralmente
o mandato, tendo considerado como prestados os
serviços, parcialmente. Sendo outro o fundamento do
pedido e diversa a causa de pedir, há que ser analisada
a questão relativa ao agir do advogado no exercício do
mandato, perquirindo-se acerca de culpa a ensejar a
indenização. Neste aspecto, a sentença monocrática
reconheceu que a omissão do advogado em preparar o
recurso retirou a possibilidade de reexame da causa, que
era desejo de seu constituinte, além de ter afastado
qualquer justificativa ao ato do mandatário, consignando
que a doença alegada não impedia o pagamento do
preparo, o qual poderia ser feito por qualquer pessoa.
Como fora reconhecido pelo advogado recorrido, este
esquecera de retornar, no dia seguinte, ao assunto do
preparo do recurso, o qual não fora possível realizar em
virtude de o banco estar fechado. Assim estabelecida a
certeza de que houve negligência do mandatário que não
demonstrou a impossibilidade, pela doença, de praticar o
ato, incumbe o dever de
indenizar os prejuízos que
causou ao mandante. (...) No voto proferido, restou
decidido que o dano indenizável corresponde apenas à
perda da chance. No caso em exame, além disso, há
55
ainda o prejuízo material, consistente em sucumbência
com o ônus respectivo, além dos gastos tidos com a
propositura da demanda. De salientar que o advogado
não contestou o valor pretendido pela parte autora a
título de indenização, e em sede de recurso nada a
respeito foi argüido. Impõe-se a procedência integral da
ação indenizatória proposta, acolhendo-se o pedido
inicial, com a condenação do demandado a pagar à
demandante a importância de R$30.000,00 a título de
indenização, valor que deve ser corrigido desde a data
do ajuizamento da demanda e acrescido de juros
moratórios a contar da citação. A sucumbência é de
responsabilidade integral do advogado, em percentual
fixado na sentença sobre o valor da condenação. Assim
provido o recurso adesivo da parte demandante, resta
improvido o recurso do demandante, visto não se tratar
de ação de restituição dos honorários pagos a ensejar se
considere a integralidade da prestação dos serviços,
como quer o apelante”.
Já no julgamento de recurso inominado autuado sob o nº 71001091792, o
mesmo Tribunal também cometeu um lapso na apreciação da perda de uma
chance ao desconsiderar a obrigatoriedade de avaliação acerca da “seriedade”
da oportunidade, ou seja, de que deveria existir uma probabilidade de no
mínimo 50% (cinqüenta por cento) de êxito do recurso, não só ao especificar
que a modificação do julgado seria improvável, mas, especialmente, em
quantificar o dano na base de 1/3 (33,33%) do valor máximo do êxito esperado
pelo autor:
“Na medida em que não ocorreu à interposição de
recurso à parte autora perdeu significativa chance de
56
modificação da decisão. A modificação não se revelava
provável. É a típica hipótese que a responsabilidade civil
decorre da perda de uma chance. Na medida em que
ocorreu a perda de uma chance para o recorrente,
necessário mensurar a extensão de tal perda. As teses
defendidas na contestação pelo réu se apresentavam
plausíveis, assim mensuro a extensão do dano produzida
pela perda da oportunidade de recorrer em 1/3 da
condenação. Na medida em que a condenação alcançou
R$ 9.600,00, atinge a indenização o valor de R$
3.200,00” (TJRS, 2ª Turma Recursal dos Juizados
Especiais Cíveis, Apelação Cível nº 71001091792, Juiz
Relator Eduardo Kraemer, julgado em 04.10.2006).
57
CONCLUSÃO
Foi objeto da presente monografia a responsabilidade civil do advogado nos
casos de perda de uma chance quando, por falha do advogado, o cliente perde
a oportunidade de ver sua pretensão examinada ou reformada pelo Poder
Judiciário.
Como dito no decorrer do presente, deve o advogado ser responsabilizado
pelos danos causados ao cliente no desempenho do mandato, desde que por
dolo ou culpa descumpra obrigação a que estava vinculado, ressaltando que,
em relação à indenização pela chance perdida, esta só deve ser concedida, se
diante de um juízo de probabilidade do julgamento que não ocorreu, seu
provável resultado for favorável ao cliente, vítima da falha profissional cometida
pelo advogado.
Contudo, a aplicação da teoria encontra limites, pois, evidentemente, não é
qualquer possibilidade perdida que obriga o ofensor a ressarcir o dano, mas
somente quando a probabilidade de conseguir a vantagem esperada era
superior a 50% (cinqüenta por cento).
Já para a valoração da chance perdida, a premissa básica é de que a chance
de lucro terá sempre um valor menor que a vitória futura e deverá ser apurada
a partir da aplicação do percentual de probabilidade de obtenção da vantagem
esperada sobre o dano final.
Por tudo o que foi abordado, espera-se, enfim, ter conseguido contribuir, de
alguma forma, para o fomento das discussões envolvendo a matéria que, cada
vez mais, vem sendo apreciada pelos nossos Tribunais que já adotaram
58
posicionamento favorável ao acolhimento da teoria da responsabilidade civil
por perda de uma chance na esteira da existência, em nosso ordenamento
jurídico, de uma cláusula geral de responsabilização civil, do princípio da plena
reparação dos danos e, em sede constitucional, da obrigatoriedade de
indenização da vítima de um dano injusto.
59
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil, São Paulo: 6ª
edição, Editora Malheiros, 2006.
DE MELO, Raimundo Simão. Indenização pela perda de uma chance.
www.boletimjuridico.com.br – 28/06/2007.
DIAS, Sérgio Novais. Responsabilidade Civil do Advogado – Perda de uma
Chance. São Paulo: Editora LTR, 1999.
E SILVA, Roberto de Abreu. A Teoria da Perda de uma Chance em Sede de
Responsabilidade Civil. Artigo publicado na Revista da EMERJ, v.9, nº 36,
2006.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil, São Paulo: 9ª edição,
Editora Saraiva, 2006.
SAVI, Sérgio. Responsabilidade Civil por Perda de uma Chance, São Paulo:
Editora Atlas, 2006.
STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil: responsabilidade civil e sua
interpretação doutrinária e jurisprudencial, São Paulo: 5ª edição, Editora
Revista dos Tribunais, 2001.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil, São Paulo: 3ª
edição, Editora Atlas, 2003.
60
ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO
2
AGRADECIMENTOS
3
DEDICATÓRIA
4
RESUMO
5
METODOLOGIA
6
SUMÁRIO
7
INTRODUÇÃO
8
CAPÍTULO I
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS ADVOGADOS
10
1.1 – Erros de fato e de direito
11
1.2 – Omissão de providências
11
1.3 – Desobediência às instruções do constituinte
12
1.4 - Inadequada orientação dada através de conselhos e pareceres
13
CAPÍTULO II
DA PERDA DE UMA CHANCE
16
2.1 – Origem
16
2.2 - Posição doutrinária no direito pátrio
19
2.3 - Da previsão legal para a admissão da indenização das chances perdidas
no Brasil
22
61
CAPÍTULO III
DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO E A APLICAÇÃO DA
PERDA DE UMA CHANCE
26
3.1 - Do posicionamento doutrinário
26
3.2 - Das hipóteses cabíveis e o entendimento jurisprudencial brasileiro 27
3.2.1 – Extravio de autos
28
3.2.2 – Falta de propositura da ação judicial
31
3.2.3 – Pedido não formulado
32
3.2.4 – Não interposição de recurso – Perda de prazo
33
3.2.5 – Omissão na produção de prova necessária
37
3.2.6 – Não interposição de recursos de natureza extraordinária
38
3.2.7 – Ausência de contra-razões ao recurso
40
3.2.8 – Ausência de sustentação oral do recurso
41
3.2.9 – Ação rescisória não proposta
42
3.2.10 – Decretação de revelia
45
3.2.11 – A perda de uma chance como modalidade de dano moral 47
3.2.12 - Da Equivocada quantificação do dano da perda da chance 52
CONCLUSÃO
57
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
59
ÍNDICE
60
62
FOLHA DE AVALIAÇÃO
Nome da Instituição: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
Título da Monografia: A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO E A
APLICAÇÃO DA PERDA DE UMA CHANCE
Autor: WALTER MELHEM FARES JUNIOR
Data da entrega: 26.02.2008
Avaliado por:
Conceito:
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Walter Melhem Fares Junior