1 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO E A APLICAÇÃO DA PERDA DE UMA CHANCE Por: Walter Melhem Fares Junior Orientador Prof. Dr. Diogo Mello Rio de Janeiro 2008 2 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO E A APLICAÇÃO DA PERDA DE UMA CHANCE Apresentação de Candido Mendes obtenção do monografia como grau à requisito de Responsabilidade Civil. Por: Walter Melhem Fares Junior Universidade parcial para especialista em 3 AGRADECIMENTOS A todos aqueles que, de alguma forma, contribuíram para a sua execução, dentre os quais destaco meus familiares, colegas de trabalho do IRB e ao Dr. Álvaro Almeida, Juiz de Direito da 12ª Vara Cível da Comarca da Capital, RJ, e também professor no curso de pós-graduação da UCAM que, com sua sabedoria, simplicidade, humildade e paciência merece todos os aplausos pelo amor com que desempenha a difícil tarefa de ser mestre. 4 DEDICATÓRIA Dedica-se este estudo a minha mãe pela disponibilidade, compreensão e suporte necessário para que eu pudesse enfrentar todos os meus desafios pessoais e acadêmicos nos últimos dois anos. Ao meu amado filho Waltinho, pelo amor e pela compreensão do tempo que lhe neguei dedicado aos estudos no ano passado e à conclusão da presente. À eterna companheira Úrsula, verdadeira musa inspiradora, pela sua bela trajetória pessoal, profissional e acadêmica e, também, pelo afeto e estímulo permanente à realização de todos os meus projetos. 5 RESUMO O presente trabalho surgiu a partir de uma consulta profissional em que tive a oportunidade de conhecer e investigar como a indenização pela perda de uma chance vinha sendo admitida pelo direito brasileiro. Recordo-me que, naquela oportunidade, fiquei impressionado com a infinidade de casos apreciados pelos mais variados Tribunais do país e, ao mesmo tempo, extremamente surpreso com a pequena produção literária de nossos autores, razão pela qual vislumbrei a possibilidade de dissertar sobre o tema. A partir de uma análise das possibilidades de responsabilização civil do advogado em caso de desídia profissional, passa-se ao estudo das origens da teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance e, como não poderia ser diferente, do entendimento doutrinário firmado pelos nossos juristas, dada à possibilidade de sua aplicação perante o direito pátrio. Em um terceiro momento, é feito um estudo detalhado da aplicação da teoria da perda de uma chance no exercício da advocacia, não só do ponto de vista doutrinário que, até o presente momento, ainda é incipiente, mas, principalmente, do ponto de vista jurisprudencial, pois como será observado, nossos Tribunais já apreciaram as mais variadas situações de perda de uma chance em caso de desídia profissional do advogado. Sendo assim, busca-se por meio deste estudo demonstrar até que ponto o advogado pode ser responsabilizado pela perda de uma chance pelos danos causados ao seu cliente, sua ampla aceitação pela doutrina e jurisprudência nacional e sua dificuldade na correta aplicação do conceito original da teoria. 6 METODOLOGIA Utilizou-se com referência para a execução deste trabalho a leitura de livros sobre a responsabilidade civil do advogado e sobre a perda de uma chance, além de artigos publicados em revistas jurídicas (impressas ou eletrônicas) com o suporte indispensável do trabalho de pesquisa realizado nos Tribunais brasileiros. Como brevemente assinalado na página anterior, o presente estudo originou-se a partir da análise de um caso concreto que teve o condão de ser o ponto de partida para a busca por material didático sobre o assunto e para a coleta de repositório jurisprudencial necessário à efetiva visualização do assunto. O processo de formação da presente monografia ocorreu após a leitura e fixação do entendimento doutrinário original sobre a matéria e, conseqüentemente, do levantamento dos entendimentos firmados pela nossa doutrina e dos julgados que versam sobre a questão, como fartamente demonstrado no terceiro capítulo em que é feito um verdadeiro apanhado do estágio atual da teoria ora ventilada com a finalidade de suscitar em seus eventuais leitores motivação suficiente para dar continuidade ao seu estudo, pois, como já dito, nossos doutrinadores, com algumas exceções, ainda não se dedicaram suficientemente à sua análise. 7 SUMÁRIO INTRODUÇÃO 08 CAPÍTULO I -Da Responsabilidade Civil dos Advogados 10 CAPÍTULO II - Da Perda de uma Chance 16 CAPÍTULO III – Da Responsabilidade Civil do Advogado e a Aplicação da Perda de uma Chance 26 CONCLUSÃO 57 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 59 ÍNDICE 60 FOLHA DE AVALIAÇÃO 62 8 INTRODUÇÃO Inúmeras são as situações na vida cotidiana em que, diante do ato ofensivo de uma pessoa, alguém se vê privado da oportunidade de obter uma determinada vantagem ou, até mesmo, evitar um prejuízo. Dentre os exemplos mais conhecidos pode-se citar o clássico do advogado que, no exercício de sua profissão, causa um dano muito peculiar ao seu próprio cliente que seria a perda de uma chance que este sofre de ver examinada em juízo uma pretensão ou de ver reformada em seu favor uma decisão judicial que lhe foi desfavorável e contra a qual não caiba recurso em virtude da falha daquele profissional. O objetivo deste estudo consiste na análise das situações em que ocorre a responsabilização do advogado pela perda de uma chance e em que medida ele deve ser responsabilizado. O presente trabalho se propõe a demonstrar que nos casos de perda de uma chance o advogado é responsável pelos danos sofridos ao seu cliente desde que exista uma relação de causalidade adequada entre o ato ou a omissão do advogado e o dano, ou seja, que em termos de probabilidade, num prognóstico feito a posteriori, os danos tenham decorrido necessariamente, direta e imediatamente, de falha cometida por advogado. Para a elaboração deste trabalho apresentamos, inicialmente, a forma pela qual ocorre a responsabilização civil do advogado no ordenamento jurídico brasileiro. Após a sua análise, o estudo aborda a origem da teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance, o posicionamento da doutrina no Brasil que, apesar de conceituá-la de forma inadequada, admite o valor 9 patrimonial da chance por si só considerada, bem como os motivos que justificam a sua aplicação em nosso país. Já no capítulo 3, foi feita uma análise minuciosa sobre o posicionamento doutrinário acerca da perda de uma chance no caso específico da falha profissional do advogado, especificando, ainda, as hipóteses para o seu cabimento, o seu enquadramento jurisprudencial como modalidade de dano moral pela maioria dos julgados pátrios e, também, alguns casos em que a perda de uma oportunidade foi quantificada equivocadamente. Este estudo não tem, porém, a pretensão de esgotar a discussão a respeito do tema, mas retratar a forma pela qual este vem sendo tratado pela doutrina e, em especial, pela jurisprudência pátria, uma vez que, nos dias de hoje, há uma tendência a maior responsabilização profissional do advogado em decorrência não só do despertar dos consumidores para seus direitos, mas também da existência de um grande contingente de advogados no mercado de trabalho que, lamentavelmente, em determinadas ocasiões, causam enormes prejuízos aos seus clientes ao agirem com desídia, desleixo ou incúria no exercício da profissão1. 1 Sobre a tendência ao aumento da responsabilização do advogado, vale a pena mencionar que tramita, em caráter conclusivo na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania do Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 2019/07, de autoria do Deputado Ernandes Amorim, que propõe a alteração no Estatuto da Advocacia (Lei nº 8906/04) visando à inclusão de dispositivo prevendo a aplicação de suspensão ao advogado que perder prazo processual, ocasionando, assim, a sucumbência na causa ao seu cliente. Confira abaixo o projeto na íntegra: “Art. 1º. Esta lei torna mais rigorosa a punição para o advogado que perde prazo processual, e em virtude disso sucumbe na causa, prejudicando seu mandante. Art. 2º. A Lei 8906/04, de 4 de julho de 1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), passa a vigorar com o acréscimo do seguinte dispositivo: Art.37. A suspensão é aplicável nos casos de: ......................................................................... § 4º aplicar-se-á a pena de suspensão, sem detrimento da responsabilidade civil e penal, ao advogado que perder prazo processual, causando com isso a sucumbência na causa ao seu cliente.”. 10 CAPÍTULO I DA RESPONSABILIDADE CIVIL DOS ADVOGADOS No sistema do nosso direito a natureza da relação entre o advogado e o seu cliente é puramente contratual, na medida em que havendo a inexecução dessa obrigação por parte do advogado, ele responde pelas perdas e danos causados ao cliente, como ocorre com qualquer obrigação contratual, consoante regra insculpida no artigo 389 do Código Civil Brasileiro2. Pode-se afirmar que, na área litigiosa, a atividade do advogado é de meios e não de resultado, de maneira que só pode ser responsabilizado pela má utilização desses meios, desde que tenha agido com dolo ou culpa e que, em determinadas áreas de atuação da advocacia, tais como naquelas relacionadas à confecção de um contrato ou uma escritura, por exemplo, seriam caracterizadas como obrigação de resultado o que, no entanto, suscita intensas discussões, as quais não fazem parte do objeto do nosso trabalho que se limita a traçar um paralelo entre a responsabilização do advogado e os danos advindos da má conduta profissional, em especial a perda de uma chance. Em síntese, a doutrina majoritária entende que o advogado deve responder nos casos de (i) erros de fato e de direito, (ii) omissão de providências, (iii) desobediência às instruções do constituinte e, ainda, (iv) pela inadequada orientação dada através de conselhos e pareceres. Senão vejamos: 2 “Artigo 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado”. 11 1.1 - Erros de fato e de direito O advogado responde sempre pelos erros de fato por ele cometidos quando, por exemplo, elabora a defesa de seu cliente desconsiderando importantes observações enviadas no relatório formulado pelo seu constituinte. No tocante aos erros de direito, grande parte da doutrina liderada pelo saudoso José de Aguiar Dias entende que somente o erro grave, como a desatenção à jurisprudência corrente, o desconhecimento do texto expresso da lei de aplicação freqüente ou cabível no caso concreto, a interpretação extremamente absurda e a perda de prazo previsto em lei, podem autorizar eventual responsabilização do advogado. 1.2 - Omissão de providências Para Aguiar Dias, o advogado é responsável na hipótese de omissão de providências, tanto antes quanto durante o desempenho do mandato. Diz o festejado autor que: “no período anterior ao desempenho do mandato, a responsabilidade do advogado se pode dar, ainda, pela omissão de providências preliminares, destinadas á ressalva dos direitos do cliente” (Da Responsabilidade Civil, Rio de Janeiro, Editora Forense, 10ª edição, 1995, página 295). 12 Nesse sentido, transcreve-se julgado que impõe ao advogado a adoção de medidas visando à preservação de direitos de seu cliente em face da ocorrência da prescrição: “ O advogado que, por comprovada negligência, não cumpre as obrigações assumidas em contrato de mandato judicial, deixando prescrever o direito de seu constituinte a perceber prestações devidas, tem o dever de indenizar o dano causado em face de sua conduta culposa” (RT 749/267). O advogado deve ser diligente e atento, não deixando perecer o direito do cliente por falta de medidas ou omissão de providências acauteladoras, como o protesto de títulos, a notificação judicial, a habilitação em falência, o atendimento de privilégios e a preferência de créditos. 1.3 - Desobediência às instruções do constituinte Entende Paulo Luiz Lôbo Neto em seus Comentários ao Novo Estatuto da Advocacia e da OAB que “incorre em responsabilidade civil o advogado que, imprudentemente, não segue as recomendações do seu cliente nem lhe pede instruções para as seguir” (Editora Brasília Jurídica, 1994, página 120). A desobediência às instruções do cliente sempre pode acarretar a responsabilidade do advogado, já que este tem o direito de renunciar ao mandato, se com elas não concordar. 13 1.4 - Inadequada orientação dada através de conselhos e pareceres Questão complexa é saber se o advogado responde pelo sucesso da causa nos pareceres e opiniões legais. Segundo Aguiar Dias, o advogado também neste caso deve responder quando comete erro crasso e injustificável, bastando ter agido com culpa para o surgimento do seu dever de indenizar, na forma dos ensinamentos expostos a seguir: “Um parecer ou conselho visivelmente desautorizado pela doutrina, pela lei ou pela jurisprudência acarreta, para o advogado que o dá, a obrigação de reparar o dano resultante de lhe haver o cliente seguido o raciocínio absurdo de cuja extravagância não poderia aquilatar” (Da Responsabilidade Civil, Rio de Janeiro, Editora Forense, 10ª edição, 1995, Página. 294). Em sentido oposto Carvalho Santos entende que o advogado não responde civilmente por seus pareceres e conselhos perante um cliente, a não ser em caso de dolo, entendimento este que, aparentemente, segue na contra-mão da tendência mundial de responsabilização dos profissionais de nível superior, dentre os quais se destaca o advogado, dada a vital importância que esses especialistas exercem nos dias de hoje em virtude da crescente demanda de consultas que lhes são formuladas e, conseqüentemente, dos efeitos incomensuráveis que eventuais opiniões equivocadas podem ocasionar aos seus consulentes. Não olvidemos também que o advogado, tal como os demais profissionais liberais, sujeita-se ao crivo disciplinar de sua corporação, à Ordem dos 14 Advogados do Brasil, ao Estatuto da Advocacia e ao respectivo Código de Ética. Ressalta-se, igualmente, que independentemente da área de atuação do advogado, a responsabilidade por eventuais danos causados no seu exercício profissional deve ser analisada à luz da ótica subjetivista, baseada na culpa, e nunca objetiva, por expressa disposição do Estatuto de Advocacia3 e do Código de Defesa do Consumidor4. Pontes de Miranda, em seu Tratado de Direito Privado, já advertia que: “ o advogado responde pelo dano que às partes cause por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, ou ignorância, que negligência é, pois o profissional deve cuidar dos seus estudos, a fim de não lesar o constituinte por saber mal, ou não saber o que se supõe incluso no seu ofício” (Tratado de Direito Privado, Editora Revista dos Tribunais, 1984, tomo 53, página 440). Sendo assim, na esfera da responsabilidade do advogado, em diversas oportunidades, vem à tona sua desídia ou retardamento na adoção de 3 Estatuto de Advocacia – Lei 8906/04: “Artigo 32. O advogado é responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa. Parágrafo único. Em caso de lide temerária, o advogado será responsável com seu cliente, desde que coligado com este para lesar a parte contrária, o que será apurado em ação própria. Artigo 34. Constitui infração disciplinar: ............................................... IX – prejudicar, por culpa grave, interesse confiado ao seu patrocínio;”. 4 Código de Defesa do Consumidor – Lei 8078/90: “Art. 14.(omissis) ............................................... §4°A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”. 15 determinadas medidas visando à efetiva preservação dos direitos de seu constituinte, oportunidade na qual surge o que a doutrina definiu como a “perda de uma chance” que, em brevíssima análise, simboliza a perda, pela parte, da oportunidade de obter o reconhecimento e a satisfação integral ou completa de seus direitos, de acordo com o que será esmiuçado no próximo capítulo do presente trabalho. 16 CAPÍTULO II DA PERDA DE UMA CHANCE 2.1 - Origem Por muito tempo o direito ignorou a possibilidade de se responsabilizar o autor do dano decorrente da perda de alguém obter uma oportunidade de chances ou de evitar um prejuízo, argumentando que aquilo que não aconteceu não poderia nunca ser objeto de certeza ao ponto de propiciar uma reparação. Igualmente à postura da doutrina, os Tribunais costumavam exigir, por parte da vítima que alegava a perda de uma chance, prova inequívoca de que, caso não tivesse ocorrido o fato, teria conseguido o resultado que se dizia interrompido. A problemática da responsabilidade civil pela perda de uma chance foi objeto de estudo inicialmente na Itália, sendo o então professor de direito civil da Universidade de Perugia, Adriano de Cupis, considerado o responsável pelo início da correta compreensão da teoria em questão no Direito Italiano, uma vez que conseguiu visualizar um dano independente do resultado final e, portanto, enquadrar a chance perdida no conceito de dano emergente e não de lucro cessante, como vinha sendo feito pelos autores que o antecederam. O grande mérito de Adriano de Cupis não está apenas em reconhecer o valor patrimonial da chance da vitória por si só considerada, mas, principalmente, de incluí-la como uma espécie de dano emergente, o que afastou as objeções acerca da incerteza do dano que influenciavam negativamente os trabalhos precursores sobre o tema. 17 Nesse sentido, cumpre transcrever o trecho de sua obra que a doutrina hodierna entende representar o verdadeiro marco inicial acerca da teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance: “A vitória é absolutamente incerta, mas a possibilidade de vitória, que o credor pretendeu garantir, já existe, talvez em reduzidas proporções, no momento em que se verifica o fato em função do qual ela é excluída: de modo que se está em presença não de um lucro cessante em razão da impedida futura vitória, mas de um dano emergente em razão da atual possibilidade de vitória que restou frustrada” (IL Danno: Teoria Generale della Responsabilitá Civile, 2ª ed., 2 v., Milano: Giuffrè, 1966). Adriano de Cupis fixou, ainda, outras importantes premissas para a adequada compreensão da teoria em comento ao sustentar que a chance da vitória teria sempre valor menor que a vitória futura, o que refletiria no montante da indenização e, ainda que, simples esperanças aleatórias, tais como uma simples vitória na loto, não poderiam ser passíveis de indenização. Outra importante contribuição para o desenvolvimento da teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance foi dada por Piero Calamandrei, ao tratar da responsabilidade civil do advogado. Isso porque, naqueles casos em que o advogado fazia com que seu cliente perdesse a oportunidade de ver a matéria reexaminada pelo Tribunal em razão, por exemplo, da perda do prazo para a interposição de eventual recurso, ao contrário da maioria da época, Calamandrei passou a defender o recurso à estatística judiciária para o cálculo da chance de êxito que o recurso teria acaso interposto. Ou seja, para aquele autor o dano sofrido pelo cliente deveria 18 ser quantificado com base no percentual de probabilidade de modificação da decisão prejudicial pelo Tribunal em casos com valor da causa semelhantes. Em que pese à proposta de Calamandrei ter sido objeto de severas críticas, fato é que a possibilidade da utilização da estatística e o próprio desenvolvimento do estudo das probabilidades mostrou-se bastante útil, na medida em que se permitiu passar a ser verificado se antes da ocorrência do evento danoso já existia uma possibilidade com certo conteúdo patrimonial para a vítima, a qual, após o evento danoso, teria sido perdida. Posteriormente, Maurizio Bocchiola, com base nos ensinamentos de Adriano de Cupis e na sugestão de Piero Calamandrei, afirmou que a aplicação da teoria em voga encontrava limites, visto que, evidentemente, não seria qualquer possibilidade perdida que obrigaria o ofensor a ressarcir o dano, concluindo, portanto, que para se admitir a indenização da chance perdida a vítima deveria demonstrar que a probabilidade de conseguir a vantagem esperada seria superior a 50% (cinqüenta por cento), sob pena de não o fazendo não restar caracterizada a prova da existência da chance. Quanto à valoração da chance perdida Bocchiola limitou-se a afirmar que seria o ponto mais complicado na aplicação da teoria, estabelecendo, apenas, a premissa inicial para a fixação do valor da indenização que seria a de que a chance no momento de sua perda teria um certo valor que, mesmo sendo de difícil determinação, seria incontestável. Dessa maneira, seria o valor econômico desta chance que deveria ser indenizado, independentemente do resultado final que a vítima poderia ter conseguido se o evento não a tivesse privado daquela possibilidade. Após o importante trabalho de aperfeiçoamento de conceitos feito pela doutrina, mormente com as contribuições de Adriano de Cupis, Pietro Calamandrei e Maurizio Bocchiola, a jurisprudência italiana, 19 também influenciada por diversas decisões francesas, consolidou o entendimento de que a perda da chance seria um dano emergente, passou a exigir uma probabilidade superior a 50% (cinqüenta por cento) como prova da certeza do dano e, por fim, a liquidar o dano, partindo do dano final multiplicado pelo percentual de probabilidade de obtenção do resultado útil impedido pela conduta do ofensor, conceitos esses que ainda não foram totalmente harmonizados pela doutrina brasileira, conforme será adiante demonstrado. 2.2 - Posição doutrinária no direito pátrio A responsabilidade civil por perda de uma chance não foi até agora objeto de análise mais aprofundada pelos estudiosos do direito civil em nosso país. Com raras exceções, dentre as quais se incluem a recente dissertação de mestrado defendida por Sergio Savi na Universidade Estadual do Rio de Janeiro e àquela redigida por Sérgio Novais Dias na Universidade Federal do Estado da Bahia, os doutrinadores brasileiros limitaram-se a tecer breves comentários sobre o assunto em obras sobre responsabilidade civil. Todavia, ainda que analisada de forma superficial pela maior parte da doutrina, percebe-se claramente a ampla aceitação da teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance em nosso ordenamento jurídico existindo, no entanto, uma grande divergência quanto à natureza jurídica da perda de uma chance. Para José de Aguiar Dias a perda de uma chance deveria ser tratada como uma espécie de lucro cessante que, na definição legal prevista na parte final do 20 artigo 402 do Código Civil , é aquilo que a vítima razoavelmente deixou de 5 lucrar. É, portanto, algo certo que só precisa ser quantificado. Porém, em se enquadrando a perda de uma chance como lucro cessante, o autor da ação teria que comprovar, de maneira inequívoca que, não fosse a existência do ato danoso, o resultado teria se consumado, com a obtenção da chance pretendida, o que se afigura impossível. Ora, se a vitória não pode ser provada e confirmada, o mesmo ocorre em relação ao insucesso da obtenção do resultado esperado. Por sua vez, tanto Antônio Jeová Santos, quanto Sérgio Novais Dias, admitem que a perda de uma chance está inserida dentro do contexto dos danos extrapatrimoniais ao se caracterizar por um dano moral futuro, passível de indenização nos casos em que a chance for séria e provável, entendimento este que não parece ser o mais correto, tendo em vista a possibilidade do ato ilícito gerador da reparação da perda de uma chance vir a acarretar outros danos, como por exemplo, os danos morais o que, no entanto, não têm o condão de retirar a sua essência de dano material. Nessa mesma linha de raciocínio situa-se o Desembargador Roberto e Abreu Silva do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que, em artigo publicado na Revista da EMERJ, sustenta que: “a chance perdida reparável configura um prejuízo material ou imaterial resultante de fato já consumado, não hipotético, causado a pessoa inocente (que não deu causa ao fato), por conduta comissiva ou omissiva do agente (falta de diligência ou prudência) violadora de 5 “Artigo 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar”. 21 interesse juridicamente protegido no direito positivo (CRFB/ 88, art. 5°, X, Código Civil, Código do Consumidor, etc.)” – A Teoria da Perda de uma Chance em Sede de Responsabilidade Civil - Revista da EMERJ, v. 9, n° 36, 2006, p. 24. Entendimento semelhante ao preconizado pela doutrina alienígena que considera a perda de chance como uma subespécie de dano emergente é defendido, brilhantemente, por Sergio Savi que em sua tese de mestrado assim leciona: “Ao se inserir a perda de uma chance no conceito de dano emergente, elimina-se o problema da certeza do dano, tendo em vista que ao contrário de se pretender indenizar o prejuízo decorrente da perda do resultado útil esperado (a vitória na ação judicial, por exemplo), indeniza-se a perda da chance de obter o resultado útil esperado (a possibilidade de ver o recurso examinado por por outro órgão de jurisdição capaz de reformar a decisão prejudicial). Ou seja, não estamos diante de uma hipótese de lucros cessantes em razão da impedida futura vitória, mas de um dano emergente em razão da atual possibilidade de vitória que restou frustrada. Assim, não se concede a indenização pela vantagem perdida, mas sim pela perda da possibilidade de conseguir esta vantagem. Isto é, faz-se uma distinção entre resultado perdido e chance de consegui-lo. Ao assim proceder, a indenização da perda de uma chance não se afasta da regra de certeza do dano, tendo em vista que a possibilidade perdida, em si considerada, era efetivamente existente: perdida a chance, o dano, é 22 portanto, certo” (Responsabilidade Civil por Perda de uma Chance, Sérgio Savi, Editora Atlas, 2006, página 102). Por sua vez, o renomado doutrinador Silvio de Salvo Venosa, ao retratar a doutrina argentina de Carlos A. Guersi, afirma ser a perda de uma chance um terceiro gênero de indenização que estaria “a meio caminho entre o dano emergente e o lucro cessante” e que, havendo certo grau de probabilidade, a mesma passa a entrar na esfera do dano ressarcível6. Contudo, apesar de haver posições diversas acerca do enquadramento da indenização das chances perdidas – se como dano patrimonial ou moral, dano emergente ou lucro cessante – é possível afirmar que praticamente toda a doutrina admite que, em se tratando de oportunidade séria e real, a mesma passa a ter valor econômico e, por conseguinte, a ser passível de indenização. 2.3 - Da previsão legal para a admissão da indenização das chances perdidas no Brasil Com o advento do Código Civil de 2002, passou-se a admitir que inexiste qualquer entrave à indenização das chances perdidas, diferentemente do que ocorria durante a vigência dos artigos 1537 e 1538 dispostos no Código Civil de 19167 que, para alguns, eram considerados como limitadores do poder dos juízes na análise da perda de uma chance. 6 Venosa, Sílvio de Salvo. Direito Civil: responsabilidade civil, 3 ed., São Paulo, Atlas, 2003, p. 198 a 200. 7 “Artigo 1537. A indenização, no caso de homicídio, consiste: I – no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família; II – na prestação de alimentos às pessoas a quem o defunto os devia. Artigo 1538. No caso de ferimento ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas de tratamento e dos lucros cessantes até o fim da convalescença, além de lhe pagar a importância da multa 23 Isso porque o Novo Código Civil trouxe um conceito bem amplo de dano, sem delimitar quais seriam as espécies de danos abarcados nele, estabelecendo, assim, uma cláusula geral de responsabilidade civil aberta reproduzida nos artigos 186 e 9278. Ademais, ao tratar da indenização no Capítulo II, do Título IX, o Novo Código Civil acabou com os óbices para a indenização pela perda de uma chance ao alterar os artigos 1537 e 1538 que, na nova legislação, foram alocados nos artigos 948 e 949, com a seguinte redação: “Art. 948. No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações: I – no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família; II – na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima. Art. 949. No caso de lesão ou outra ofensa á saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até o fim da no grau médio da pena criminal correspondente. § 1° Esta soma será duplicada, se do ferimento resultar aleijão ou deformidade. § 2° Se o ofendido, aleijado ou deformado, for mulher solteira ou viúva, ainda capaz de casar, a indenização consistirá em dotá-la, segundo as posses do ofensor, as circunstâncias do ofendido e a gravidade do defeito”. 8 “Artigo 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Artigo. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. 24 convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido”. Não bastasse a cláusula geral de responsabilidade inserida no Código Civil de 2002, o artigo 402, já mencionado no tópico anterior deste trabalho, dispõe, tal qual já o fazia o artigo 1059 do Código Civil de 1916 que, “salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidos ao credor abrangem, além do que efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar”. Ao estabelecer que o credor terá direito a obter o que efetivamente perdeu e o que razoavelmente deixou de lucrar, o legislador acabou por positivar o princípio da reparação integral dos danos, cuja importância é assegurar à vítima o direito de ser ressarcida de todos os danos sofridos, colocando-a na mesma posição que estaria se o fato danoso não tivesse acontecido. Vale dizer que o referido princípio encontra guarida na própria Constituição Federal, visto que a Carta Magna determina como objetivo fundamental a construção de uma sociedade livre, justa e solidária9. Forte nesses argumentos, não há como se negar a possibilidade de indenização nos casos em que alguém perde uma chance ou oportunidade em razão de ato de outrem, mesmo porque a própria evolução da responsabilidade civil fez com que o foco de atenção do julgador mudasse radicalmente do ato ilícito para a proteção da vítima contra os danos considerados injustos pelo ordenamento jurídico. 9 “Art. 3°. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;” Conforme ressalta Georges Ripert 10 25 o direito moderno “tende a substituir pela idéia de reparação a idéia de responsabilidade”, uma vez que com o desenvolvimento da atividade industrial, verificou-se o incremento dos riscos criados para a sociedade em geral e, com isso, a não responsabilização daqueles responsáveis pela criação do risco passou a se mostrar cada vez mais injusta. Assim, a partir de meados do século XX, a vítima passou a desempenhar a função de protagonista da relação jurídica instaurada com o evento danoso, de modo que, da indispensável prova da culpa, passou-se a admitir a responsabilidade daqueles que causassem danos simplesmente em razão do exercício de suas atividades. Ou seja, a teoria da responsabilidade objetiva passou a fundamentar no risco a responsabilização dos causadores de danos, tornando-se desnecessário qualquer juízo de valor sobre a culpa do responsável. Como corolário dessa evolução que deslocou do foco de atenção da responsabilidade civil a repressão ao ato ilícito para o fato danoso e à proteção de sua vítima é que surge mais um fundamento para a indenização pela perda de uma chance, razão pela qual se propõe apresentar, no capítulo a seguir, a forma pela qual a doutrina e jurisprudência brasileira, ao se deparar com as hipóteses de responsabilidade pelas chances perdidas, no caso específico da atuação do advogado, ponto central do presente estudo, reconhece na maioria dos casos a existência de um dano a ser indenizado. 10 Ripert, George. Le régime démocratique et le droit civil moderne, n° 169. 26 CAPÍTULO III DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO E A APLICAÇÃO DA PERDA DE UMA CHANCE 3.1 - Do posicionamento doutrinário No escasso material doutrinário encontrado sobre o tema ainda não foi possível localizar uma solução satisfatória para a aplicação da perda de uma chance no exercício profissional da advocacia o que, conforme será visto mais adiante, traz dificuldades para o devido aperfeiçoamento dos conceitos dessa teoria pela jurisprudência. Em todos os casos de perda de uma chance ocorre uma inexecução obrigacional definitiva do advogado, de maneira que não pode ser mais cumprida, haja vista que nenhuma utilidade teria para o credor. O protocolo de um recurso fora do prazo preclusivo, ou o ajuizamento de uma ação após ultrapassado o prazo decadencial ou prescricional, não terão nenhum valor para o cliente, pois sequer serão conhecidos pelo Poder Judiciário. Pode-se afirmar que, nas hipóteses da perda de uma chance, o não cumprimento definitivo origina-se da falta de cumprimento da obrigação pelo advogado. Por outro lado, analisando-se a questão a partir da leitura da parte final do artigo 399 do Código Civil11 chega-se à conclusão que o advogado não será responsabilizado na perda de uma chance se demonstrar “que o dano sobreviria, ainda quando a obrigação fosse oportunamente desempenhada”. 11 “Art. 399. O devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação, embora essa impossibilidade resulte de caso fortuito ou força maior, se estes ocorrerem durante o atraso; salvo se provar isenção de culpa, ou que o dano sobreviria ainda quando a obrigação fosse oportunamente desempenhada”. 27 Em outras palavras, não será responsabilizado se demonstrar que o cliente não teria acolhida sua pretensão mesmo se o advogado houvesse praticado a tempo o ato que se omitiu em realizar, como aqueles acima exemplificados. Fica, porém, a indagação: como, de que forma e em que limites se dá essa verificação de que o dano sobreviria mesmo se a obrigação fosse desempenhada a tempo? A teoria da causalidade adequada é a que melhor responde a essas situações, pois faz-se sempre um prognóstico a posterior i entre o ato e o dano no objetivo de fixar o nexo de causalidade, desde que seja razoável admitir que o segundo decorreria do primeiro, pela evolução normal das coisas. Constatada a existência do dano, bem como a falta cometida pelo advogado que causou a perda de uma chance, caberá ao julgador decidir se o dano ocorrido decorreu realmente, num juízo de probabilidade, do ato ou omissão do advogado. Será preciso, pois, reexaminar detida e minuciosamente, a questão que seria posta a julgamento para verificar, à luz da lei, da doutrina e da jurisprudência, se era provável o êxito da pretensão do cliente. 3.2 - Das hipóteses cabíveis e o entendimento jurisprudencial brasileiro Para melhor visualizar o problema e a aplicação prática da teoria da causalidade adequada na perda de uma chance em decorrência da atuação do advogado, seguem diversos casos emblemáticos extraídos dos mais variados Tribunais Pátrios e da produção literária já elaborada, para que, em cada caso, o estudo seja aprofundado. 28 3.2.1 - Extravio de autos O primeiro acórdão brasileiro a reconhecer o cabimento da perda de uma chance na hipótese de atuação do advogado é de 1991, relatado pelo então Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Ruy Rosado de Aguiar Júnior. O acórdão está assim ementado: “RESPONSABILIDADE CIVIL. ADVOGADO. PERDA DE UMA CHANCE. Age com negligência o mandatário que sabe do extravio dos autos do processo judicial e não comunica o fato à sua cliente nem trata de restaurá-los, devendo indenizar à mandante pela perda de chance” (TJRS, 5ª Câmara Cível, Apelação Cível n° 591064837, julgada em 29.8.91). Em síntese, alegava a Autora ter contratado o Réu como seu advogado para ajuizar uma ação contra o extinto INPS, visando ao recebimento de pensão previdenciária em razão da morte de seu marido. A ação foi distribuída em 1975, perante a 1ª Vara Cível da Comarca de Novo Hamburgo, sendo que o processo jamais chegou àquele cartório por ter se extraviado. Apesar do extravio dos autos, o causídico não informou tal fato a sua constituinte e tampouco providenciou a restauração dos autos, cerceando o direito da Autora de ver apreciado o seu pleito em juízo. O Desembargador Ruy Rosado de Aguiar reconheceu que a atitude negligente do advogado fez com que a Autora perdesse a chance de ver a sua demanda 29 apreciada pelo Poder Judiciário e, com isso, sofresse um dano pela chance perdida, na forma do que se depreende do trecho extraído do voto do Ilustre Relator nos autos da apelação supracitada: “Não lhe imputo o fato do extravio, nem asseguro que a autora venceria a demanda, mas tenho por irrecusável que a omissão de informação do extravio e não restauração dos autos causaram à autora a perda de uma chance e nisso reside o seu prejuízo”. Onze anos depois, o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina teve a oportunidade de apreciar caso semelhante em que a Autora sustentava ter adquirido imóvel nas proximidades da capital catarinense que, por estar hipotecado junto ao extinto Banco Bamerindus, a obrigou a contratar os serviços do advogado, ora Réu, que, no entanto, veio a perder os documentos essenciais à adoção das medidas judiciais cabíveis. Diante da sua conduta negligente, a Autora postulou indenização no valor do bem objeto da transação. Neste caso, diante da não caracterização do esgotamento do direito da Autora, o Tribunal rejeitou o acolhimento da indenização pela perda de uma chance tal qual se infere do trecho do voto do Desembargador Relator César Abreu ora transcrito: “Não se trata, in casu, da figura denominada perda de uma chance, na qual a inércia do advogado provoca o esvaziamento do direito pelo cliente, como ocorre no caso da prescrição exemplificativamente. Em todos os casos de perda de uma chance – hipótese também da perda do prazo recursal, etc. – ocorre uma inexecução obrigacional definitiva do advogado, de tal modo que não mais pode ser reparada. In casu, 30 entretanto, permaneceu, como permanece, em aberto a via judicial para que a Autora busque o que lhe é de direito. A obrigação contratual ainda pode ser cumprida, por este ou por outro profissional, é bem verdade, ampliada a dificuldade, pela falta material do documento, que se alega extraviado ou perdido. Basta que se cumule a ação pertinente com a de reconstituição do compromisso de compra e venda, havendo, como há, início de prova escrita – os elementos existentes nestes autos suprem a exigência – que não precisa, necessariamente, vir subscrita pela parte a quem é oposto (CPC, art. 401, REsp 58.026-9, Rel. Min. Eduardo Ribeiro). A sentença, julgada procedente a ação, substituiria o contrato extraviado” (TJSC, 1ª Câmara Cível, Apelação Cível n° 2000.023863-5, julgada em 06.08.02). Da leitura das decisões ora trazidas, resta evidente que, na hipótese de extravio dos autos, compete ao advogado promover a sua restauração, em um prazo razoável, mesmo que não tenha sido ele o causador desse extravio. Quando, porém, o processo é, por hipótese, extinto em face do longo tempo em que os autos estiveram extraviados, porque o Autor não promoveu os atos que lhe competiam, entende-se que o cliente poderá requerer uma indenização correspondente a um quantum incidente sobre a pretensão que deixou de ser apreciada pelo Judiciário, desde que demonstre, em termos de probabilidade, que a ação seria julgada procedente. 31 3.2.2 - Falta de propositura da ação judicial Segundo preleciona Ênio Zuliani12, na falta de propositura de ação judicial pelo advogado que ocasiona a perda do direito do seu cliente face à ocorrência da prescrição, por exemplo, tem-se que o cliente: “não perde uma causa certa; perde um jogo sem que lhe permitisse disputá-lo, e essa incerteza cria um fato danoso. Portanto na ação de responsabilidade ajuizada por esse prejuízo provocado pelo profissional de direito, o juiz deverá, em caso de reconhecimento que realmente ocorreu a perda dessa chance, criar um segundo raciocínio dentro da sentença condenatória, ou seja, auscultar a probabilidade ou o grau de perspectiva favorável dessa chance”. Neste caso, o que deverá ser indenizado é a negativa da possibilidade de o constituinte ter seu processo apreciado pelo Judiciário, e não o valor que eventualmente esse processo poderia propiciar-lhe ao final. Nesse sentido, segue recente julgado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, da lavra do Desembargador Arantes Theodoro que somente merece um pequeno reparo por enquadrar a perda de uma chance como modalidade de dano moral, prática comum adotada pelos nossos julgadores: “Prestação de serviços advocatícios. Advogado que, sem justificativa legítima, deixa de ajuizar a ação prometida em contrato. Inadimplemento que autorizava indenização por danos morais, mas não a paga do valor que a cliente 12 Responsabilidade Civil do Advogado, Seleções Jurídicas, Rio de Janeiro, COAD, página 8. 32 esperava obter com a referida propositura. Apelo parcialmente provido” (TJSP, 36ª Câmara da Seção de Direito Privado, Apelação n° 1047071-0/9, julgada em 18.10.07). Outro não pôde ser o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná que ao apreciar questão análoga a ora tratada assim se posicionou: “I. Ação de Indenização. Negligência do advogado. Propositura de ação trabalhista após decorrido o prazo prescricional. Caracterização da figura “perda da chance”. II. Alegação de que o pedido relativo às verbas trabalhistas seria rejeitado. Presunção em sentido contrário. Aplicação do art. 14, I e II do CPC. III. Indenização arbitrada em 50% do valor do pedido trabalhista, a ser apurado em liquidação de sentença. Razoabilidade. IV. Recurso não provido” (TJPR. Apelação Cível nº 324.572-9, Relator Juiz Convocado Jorge de Oliveira Vargas, DJ 31.03.2006). 3.2.3 - Pedido não formulado Em que pese a hipótese ora contemplada não ter sido objeto de discussão junto aos principais Tribunais da Federação, oportuno faz-se colocar que compete ao advogado, ao propor a ação, elaborar os pedidos de maneira que ofereça ao cliente a chance de obter todas as vantagens que a lei lhe possibilita naquele caso. 33 Assim, se o advogado esquecer de incluir um determinado pedido na inicial e, no curso da lide, este seja atingido pela prescrição, de modo que a parte não mais teria chance de reclamá-lo, a doutrina entende que pode o advogado ser responsabilizado em montante incidente sobre o valor desse pedido, quando verificado, é claro, que o autor teria a probabilidade de êxito de ter o seu pedido julgado procedente. O mesmo ocorre quando o advogado do réu se omite na formulação de requerimento que deveria constar da defesa de seu cliente como, por exemplo, a argüição de prescrição de direito patrimonial. Omitindo-se de argüi-las nas instâncias ordinárias, quando era cabível e aplicável, também pode ser responsabilizado pelos danos causados ao cliente em face dos valores da condenação que estariam excluídos se houvesse sido acolhida a prescrição. 3.2.4 - Não interposição de recurso – Perda de prazo Em uma breve pesquisa jurisprudencial nota-se, sem maiores dificuldades, que em se tratando de responsabilidade civil do advogado pela perda de uma chance, o tema mais esmiuçado pelos Tribunais é o relativo à perda de prazo para interposição de recurso. É claro que toda a vez em que o advogado deixa de recorrer o cliente perde a chance de ver a questão reexaminada pela instância superior. Contudo, nas situações em que, pela matéria discutida, não havia probabilidade de sucesso, não se pode cogitar da perda de uma chance causada pelo advogado, porque o prejuízo material sofrido pelo cliente não terá decorrido da falta do recurso, pois este, sem chances de êxito, não traria nenhuma alteração favorável ao cliente. 34 Nessa linha de pensamento, traz-se à baila ementa do julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul negando a indenização da chance perdida quando a probabilidade de êxito do eventual recurso era ínfima. “Ação de reparação de danos materiais e morais. Alegação de negligência e imperícia de advogado, que seria responsável pela revelia e interposição intempestiva de apelação. Prova que só permite concluir pela culpa do profissional na última hipótese. Perda de uma chance. Possibilidade de indenização. Necessidade, porém, da seriedade e viabilidade da chance perdida. Circunstâncias não presentes na espécie. Acolhimento do pedido apenas para condenação do profissional ao ressarcimento dos honorários pagos pelos autores e preparo do recurso intempestivo. Apelo em parte provido” (TJRS, Apelação Cível nº 70005635750, 6ª Câmara Cível, Relator Desembargador Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, julgada em 17.11.2003). Destaca-se o voto do relator que após fazer um reexame do litígio em que ocorreu a negligência do advogado, consubstanciada na perda do prazo para a interposição do recurso, chega à conclusão de que as chances de reforma da sentença eram remotas e, assim, deixa de acolher a indenização pela chance perdida. Senão vejamos: “Ora, na espécie em julgamento, já havia, por um lado, a confissão quanto à matéria de fato, decorrente da revelia e, por outro, no tocante à matéria de direito de cobrança de juros acima da Lei de Usura tem sido permitida nos negócios jurídicos bancários pela iterativa jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (v.g., REsp. nº 439828, 35 REsp. nº 430093 e REsp. 337957). Além disso, os documentos de f. 163 a 169 não permitem outras ilações favoráveis aos apelantes. De resto, não ficou comprovado que a cobrança decorresse de valores indevidos, lançados sem fundamento na conta dos autores, ônus que incumbia aos autores. De ressaltar que a presente causa foi julgada antecipadamente, tendo os autores se contentado apenas com produção de prova documental, como se verifica da petição de f. 132. Em resumo, dada a imperícia e negligência do apelado pela não-interposição do recurso, responde o advogado apenas pelos honorários que recebeu para o serviço que não desempenhou a contento e pelo preparo da apelação intempestiva”. Importante destacar que a grande maioria dos julgados sustenta que a perda de uma chance leva a caracterização da responsabilidade civil do causídico não quando há mera probabilidade de reforma de uma decisão lançada no processo, porém quando a alteração daquela vai além da eventualidade, tangenciando a certeza. Mais uma vez, transcreve-se ementa de julgado, apreciado no final do ano passado, pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que assim decidiu: “Apelação cível. Ação indenizatória. Mandato. Advogado. Perda de uma chance por ausência de recurso. A “perda de uma chance” por omissão do advogado quanto a recurso não importa em obrigatório dever de indenizar. É imprescindível examinar as circunstâncias a fim de concluir se a situação justifica indenização, especialmente a conduta do advogado e o possível resultado do recurso. Caso onde a pretensão 36 indenizatória não deve ser acolhida. Apelo do réu provido, prejudicado o do autor” (TJRS, 15ª Câmara Cível, Apelação Desembargador nº Paulo 70018797092, Roberto Félix, Relator julgada em 19.12.07). Por sua vez, o Superior Tribunal de Justiça já esboçou mostrar-se favorável à indenização da chance perdida em caso de responsabilidade civil do advogado que perde o prazo para a interposição de recurso contra a sentença desfavorável aos interesses de seu constituinte, apesar de não ter dado efetivo acolhimento ao recurso da parte, pela ausência de pedido específico em relação à indenização pela perda de uma chance, conforme se extrai do trecho do voto do Ministro Eduardo Ribeiro: “Em sua inicial, pediu o autor que a indenização pelos danos suportados com a conduta desidiosa dos advogados fosse equivalente ao que pleiteava na ação trabalhista. O tribunal de origem entendeu que, embora provada a culpa do primeiro réu, o pedido seria improcedente porque incertos os danos pleiteados. Conclui-se que o autor deveria ter requerido indenização pelo fato de ter perdido a chance de ser vencedor em sua demanda. De fato, houve-se com acerto a corte estadual. A condenação em perdas e danos pressupõe a prova efetiva do gravame suportado pelo requerente. No presente caso, não há como se estabelecer se o autor teria sua pretensão julgada procedente em sua totalidade. É possível que sua vitória fosse apenas parcial. Do mesmo modo, a outra parte poderia ser a vencedora. Está-se, portanto, diante de uma possibilidade de dano, mas não há certeza quanto a sua 37 efetiva ocorrência, ou quanto à sua extensão, razão pela qual há de ser mantida a decisão recorrida” (STJ, Agravo nº 272.635-RJ, julgado em 01.02.2000). 3.2.5 - Omissão na produção de prova necessária Inúmeras são as situações em que o advogado por deixar de produzir provas consideradas essenciais a seu cliente vê julgada contra si a pretensão, vindo então a acusá-lo de ter promovido a perda de uma chance de ter aquela pretensão decidida de maneira diferente, se a prova houvesse sido produzida. Nesta toada, reproduz-se ementa de julgado da lavra do Eminente Desembargador Mauricio Caldas Lopes do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que apreciou determinado litígio em que os advogadosdemandados incorrendo em dupla falta, dentre as quais a ora analisada, foram condenados ao pagamento de indenização pela perda de uma chance: “Ação intentada contra advogados e corretor de seguros em decorrência do mau serviço prestado por aqueles na ação de cobrança de indenização securitária proposta pela ora autora contra a seguradora. Sentença de improcedência. Exame pericial grafotécnico de crucial importância para o desate daquela demanda não requerida sequer. Apelação contra a sentença desfavorável à segurada, oferecida intempestivamente. Circunstâncias que, somadas, conduzem à conclusão objetiva de desídia no desempenho da obrigação contratada, ainda quando simplesmente de meio e não de resultado – haja vista que o primeiro réu não ensejou à autora o manejo dos recursos de defesa que o 38 ordenamento processual lhe punha ao dispor, quando não conduzisse à subjetiva de autêntico conluio com seu próprio irmão – o corretor a quem se imputava à falsificação da assinatura da autora – em ordem a subtraí-lo às conseqüências de sua intervenção como intermediário da compra e venda do seguro do veículo. Embora, não se possa, com acerto total, afirmar que a produção da prova pericial só por si asseguraria á autoraapelante o êxito naquela demanda, ou que a intempestiva apelação viesse a ser provida, pode-se, com segurança, tê-los como altamente provável na hipótese. Primeiro porque a assinatura aposta no documento de fls. 35 visivelmente não é da autora; depois porque foi com apoio nesse documento que se afirmou a má-fé da segurada e, em conseqüência, livrouse a seguradora da reclamada obrigação de indenizar. Perda de uma chance caracterizada. Recurso parcialmente provido” (TJRJ, 2ª Câmara Cível, Apelação nº 1489/2007, Desembargador Relator Mauricio Caldas Lopes, julgada em 24.01.2007). 3.2.6 - Não interposição de recursos de natureza extraordinária Os recursos de natureza extraordinária, como o recurso especial dirigido ao Superior Tribunal de Justiça – STJ, o recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal – STF e o recurso de revista para o Tribunal Superior do Trabalho – TST, sujeitam-se a rigorosos requisitos para seu cabimento. Há situações em que a parte tem justa razão de mérito, mas simplesmente não consegue que o recurso extremo seja conhecido pela instância superior, 39 porque implicaria reexame de provas, ou porque o advogado não localizou uma decisão judicial capaz de fundamentar a divergência jurisprudencial, ou ainda não foi viável o recurso pela demonstração de violação da lei. Nestes casos, caberá à suposta vítima, ao alegar a ocorrência de dano por falta desse recurso, demonstrar que este tinha viabilidade, porque a situação permitia o enquadramento da hipótese em um dos permissivos legais. Caso contrário, dano não teria havido em face da ausência do recurso, porque, não sendo ele cabível, o Tribunal que por último proferiu a decisão era, à luz da lei processual, a última instância para aquela questão. Como exemplo, cita-se a ementa de julgado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que ao negar provimento ao recurso autoral por entender que o erro, embora crasso, na interposição extemporânea de recurso de revista, não teria repercussão de maneira a ensejar a reparação pela perda de uma chance: “1. De meio, não de resultado, a obrigação de advogado não encerra necessário sucesso na causa patrocinada, embora exija-se-lhe o emprego de todas as medidas hábeis e legítimas ao fim colimado. 2. A extemporânea interposição de recurso de revista contra acórdão de tribunal trabalhista, com mínima chance de êxito, para não dizer nenhuma, reflete erro profissional, mas erro inócuo, que não enseja reparação material ou moral” (TJSP, 28ª Câmara da Seção de Direito Privado, Apelação c/ Revisão nº 1049784-0/5, Desembargador Relator Celso Pimentel, julgada em 20.03.2007). 40 3.2.7 - Ausência de contra-razões ao recurso Pode o cliente alegar que a não-apresentação de suas contra-razões retiroulhe a chance de evitar que fosse julgado contra si, total ou parcialmente, o recurso da outra parte. É claro que, competindo ao juiz dizer o direito, e não ao advogado, estando expostos os argumentos das duas partes, na petição inicial, na defesa, na réplica e nas demais petições constantes dos autos poderá o advogado objetar que a ausência de contra-razões não causou nenhum dano ao cliente, pois a matéria já estava toda posta nos autos antes da sentença de primeiro grau, o que se encontrava à disposição para leitura do relator do recurso. Entretanto, recebendo o advogado do cliente, antes das contra-razões, documentos novos que, por motivo de força maior, não foram apresentados, ou porque da existência anterior a parte não tinha conhecimento, cabe ao advogado apresentá-los por ocasião das contra-razões, sob pena de responsabilização pelos danos causados, desde que, evidentemente, se considere provável a decisão favorável ao cliente. Na verdade, caberá ao juiz da ação indenizatória fazer uma avaliação cuidadosa, em cada caso, para perceber em que medida a ausência das contra-razões implicou mesmo o prejuízo. É claro que o julgador poderia não se deixar levar pelos argumentos do recurso se tivesse lido cuidadosamente as petições do advogado do recorrido na instância inferior. Contudo, não há nada que garanta à parte que o relator, na prática, lerá minuciosamente todas as folhas dos autos. Por esse motivo, as contra-razões serão sempre úteis para combater diretamente os argumentos do recurso, oferecendo mais facilmente ao relator a opinião contrária ao recorrente, competindo ao advogado oferecêlas, na defesa dos direitos e interesses do seu constituinte, sob pena de restar 41 caracterizada a perda de uma chance de acordo com as circunstâncias do caso. 3.2.8 - Ausência de sustentação oral do recurso Considerando que compete ao advogado utilizar-se dos meios necessários à obtenção do melhor resultado ao cliente, poder-se-ia alegar que a ausência do advogado na sessão de julgamento acarretou a defesa desfavorável ao seu cliente. Porém, sabe-se que os votos dos relatores e revisores, que já tiveram vista dos autos, via de regra, vêm prontos para a sessão de julgamento. A prática mostra-nos que as poucas chances de mudança de voto do relator, por ele próprio, ocorrem quando esse voto exibe que o relator não entendeu bem a situação fática apresentada no recurso ou questão de direito submetida à apreciação, situações que poderiam ficar esclarecidas por ocasião da sustentação oral. A sustentação oral tem também efeito prático, benéfico ao cliente, quando o advogado consegue convencer o terceiro julgador que não teve vista dos autos, e este, por sua vez, convence relator e revisor a uma mudança de opinião, ou nos colegiados em que é maior o número de juízes, o advogado consegue convencer os outros três juízes que não tiveram vista dos autos, vencendo o julgamento contra os votos do relator e do revisor. Contudo, sempre que a decisão for coerente e juridicamente admissível, difícil será fixar um nexo causal entre o resultado desfavorável do julgamento e a ausência do advogado na tribuna para a sustentação oral. 42 A responsabilização do advogado pela perda de uma chance, na presente hipótese, poderá ocorrer com mais freqüência se a questão sob exame for preponderantemente de valoração dos fatos e de provas, quando, na maior parte das vezes, a segunda é a última instância recursal, inviabilizando o recurso de natureza extraordinária, mas desde que, por sua evidente desconexão com os fatos e provas produzidas nos autos, ficar evidenciado que, com a sustentação oral, o resultado do julgamento, em face dessas providências, provavelmente seria favorável ao cliente. 3.2.9 - Ação rescisória não proposta Questão relevante é saber se o advogado pode ser responsabilizado pela perda de uma chance porque não propôs ação rescisória em favor do seu cliente. Não resta a menor dúvida que, em sendo contratado o advogado especificamente para a elaboração e propositura da ação rescisória, após consulta da qual aceitou a causa, aplica-se igual entendimento àquele firmado na hipótese de falta de propositura de ação judicial. O problema está, porém, em saber se um advogado que atuou em uma ação como patrono do autor ou do réu, após o trânsito em julgado da decisão, tem o dever de propor ação rescisória, podendo ser responsabilizado civilmente pela perda de uma chance quando isso não ocorre. 43 Argumenta-se que o fato da rescisória constituir-se num outro processo não isenta o advogado de, por meio dela, promover a melhor defesa do seu cliente. No entanto, assevera Ênio Zuliani13 que: “ a hipótese de culpa do advogado que, por omissão, não ingressa com ação rescisória no prazo decadencial (art. 495 do CPC), não produz, de imediato ou de forma automática, o fato ‘perda de uma chance’, porquanto a probabilidade de sucesso de uma ação rescisória é sempre menor, por envolver o requisito ‘vício’ de julgamento ou ‘erro de fato ou de direito’, pressupostos difíceis de serem reunidos para apresentação”. Compete, portanto, ao advogado, como atribuição da condução técnica da causa, avaliar sempre o cabimento da ação rescisória contra a sentença transitada em julgado que contrariou os interesses do seu cliente e aconselhálo sobre a adoção da providência, com as necessárias advertências sobre os riscos financeiros do processo, sob pena de poder ser responsabilizado por omissão de conselho que implicar a perda de uma chance, já que essa modalidade de ação exige, com exceção daquelas que tramitam na Justiça do Trabalho, depósito prévio de importância correspondente a 5% do valor da causa (a ser revertido em caso de improcedência à parte contrária), sendo passível ainda de condenação em custas e honorários. Outrossim, em se tratando de demanda trabalhista, deve o advogado cuidar da propositura da ação, quando cabível a rescisória e provável o resultado favorável ao seu cliente, sob pena de ser responsabilizado diretamente pela perda de uma chance. 13 Responsabilidade Civil do Advogado, Seleções Jurídicas, Rio de Janeiro, COAD, página 8. 44 A título de elucidação da matéria ora ventilada, segue trecho extraído de acórdão julgado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul que acolheu os argumentos levantados pelo advogado-réu que, diante da perda de prazo para a interposição de recurso de apelação face à irregularidade na publicação da sentença, enviou correspondência ao autor indagando acerca do interesse no ajuizamento da competente ação rescisória, a qual, embora cabível, não foi proposta por desejo do cliente, razão pela qual não restou reconhecida a perda de uma chance: “Portanto, não há falar em simples perda de prazo para a interposição de recurso de apelação da sentença de primeiro grau. Os demandados somente não atentaram para o prazo tido por correto pelo Tribunal porque entenderam que a abertura do mesmo apenas dar-se-ia com a publicação da sentença, uma vez que o réu Christian Vinicius Benedetti Teixeira, intimado da sentença, não possuía procuração nos autos que lhe outorgasse poderes para tal ato. Contudo, e daí emerge a conduta zelosa dos requeridos, com o trânsito em julgado daquela, ingressaram com demanda judicial (ação rescisória) no intuito de anular o feito, no que obtiveram êxito, garantindo aos autores da demandada restituitória contra o IPE e o Estado do RGS – à exceção do requerente – o alcance dos direitos por ele pugnados (fls. 617-622). Segundo acima destacado, cabe ao patrono consultar o cliente acerca da pretensão de continuidade da lide, ainda mais no caso dos autos, onde se mostrou necessário o ingresso de demanda rescisória para reverter o julgado. Tal postura foi adotada, tendo os réus, inclusive, enviado correspondência ao demandante indagando acerca da pretensão de continuidade do litígio (fl. 252). Observe-se que o comunicado é claro ao indicar 45 o ingresso da demanda rescisória, o prazo a ser observado pelos litigantes e o valor das custas a serem pagas. Ainda, em virtude do ocorrido na demanda ordinária, desoneraram seus clientes do pagamento de novos honorários, mantendo os anteriormente estabelecidos. Porém, o autor, por motivos de foro íntimo, optou por não fazer parte da demanda rescisória, o que fez com que não fosse atingido pelos efeitos daquela. Todavia, essa situação não faz com que seja reconhecida responsabilidade civil dos requeridos por perda de uma chance, porque foi o próprio demandante quem optou por não integrar a lide rescisória, tolhendo de si mesmo o direito que, posteriormente, foi reconhecido aos demais” (TJRS, 5ª Câmara Cível, Apelação nº 70016523805, Desembargador Relator Paulo Sergio Scarparo, julgada em 11.10.2006). 3.2.10 – Decretação de revelia Assim como as situações já narradas acima, nos casos em que o advogado deixa de apresentar contestação, no momento oportuno, ensejando, assim, a decretação da sua revelia, resta configurada a perda de uma chance, desde que comprovado que o demandado teria chances de êxito em evitar um possível condenação, caso tivesse apresentado sua defesa tempestivamente. Para melhor elucidação, seguem as ementas dos recentes julgados do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: “Mandato. comparecer Indenização. a audiência Advogado trabalhista que e deixa de apresentar contestação tempestiva, implicando pena de revelia, bem 46 como deixa de impugnar cálculos em sede de execução. Comportamento negligente do advogado comprovado. A indenização, todavia, não deve ser mensurada no exato valor da condenação, eis que o autor não comprovou que a defesa tempestiva afastaria sua condenação. Indenização decorre da perda da oportunidade, cujo montante deve ser arbitrado prudentemente. Recurso parcialmente provido” (TJSP, 29ª Câmara da Seção de Direito Privado, Apelação com Revisão nº 984.925-0/4, julgada em 28.11.2007). “Mandato – Indenização – Cerceamento do Direito de Defesa – Inocorrência – Advogado – Desídia e Culpa – Não Apresentação de Contestação – Perda da Oportunidade – Caracterização de Dano Material e Moral – Cabimento. Não há cerceamento do direito de defesa pelo indeferimento de produção de prova testemunhal a fim de demonstrar a intensidade de danos morais se, ante a narração dos fatos e o conjunto probatório, foi suficientemente aferido, conforme art. 130, CPC. É cabível a condenação do advogado ao pagamento de indenização por danos ao seu mandante em ação para a qual foi contratado e que, por negligência, deixa de apresentar contestação, por configurar erro grosseiro. A indenização decorrente da perda oportunidade de defesa dá ensejo à indenização por danos materiais e morais. Preliminar Rejeitada. Recursos Parcialmente Providos” (TJSP, 27ª Câmara da Seção de Direito Privado, Apelação c/ Revisão nº 754837-0/2, Desembargador Relator Cambrea Filho, julgada em 13.11.2007). 47 3.2.11 - A perda de uma chance como modalidade de dano moral Uma das maiores dificuldades dos julgadores pátrios ao se depararem com a análise da perda de uma chance é enquadrá-la da forma como preconiza a doutrina estrangeira clássica e alguns doutrinadores nacionais que a classificam como uma espécie de dano emergente. Como será abaixo ilustrado, grande parte de nossos Tribunais filiam-se à tese doutrinária sustentada por Antonio Jeová dos Santos e Sérgio Novais de que a perda de uma chance seria um “agregador” da indenização por dano moral. Nesse sentido, é o julgado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, do qual se extrai o entendimento firmado pelo Desembargador Dyrceu Cintra nos autos da apelação cível nº 648.037-0/9, cuja ementa transcreve-se a seguir: “Advogado que, contratado para ajuizar reclamação trabalhista, não o faz a tempo, causando ao seu contratante a perda da chance de que seu pleito fosse conhecido, responde pelo prejuízo moral decorrente de sua conduta desidiosa”. Na mesma linha de raciocínio, segue ementa da apelação cível com revisão nº 871.779-0/6 da 29ª Câmara Cível da Seção de Direito Privado do mesmo Tribunal, da lavra do Eminente Desembargador Francisco Thomaz: “Mandato. Indenização. Culpa Atribuída à Advogada. Não Interposição de Demanda na Justiça Federal em Nome dos Clientes. Vínculo Contratual Comprovado. Exame das Circunstâncias e Evidências Existentes nos Autos. Dano Moral Configurado. Recurso Provido para Julgar Parcialmente Procedente a Ação”. 48 Há casos, porém, em que o julgador não poderá indenizar o dano material decorrente da perda de uma chance, por não se tratar de uma chance séria e real, mas que, ainda assim, poderá considerá-la como apta a gerar dano moral. Como exemplo segue a ementa do julgado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: “Ação Indenizatória – Pleito fundado na alegação de conduta culposa do advogado no curso de outra demanda judicial, culminando com o não recebimento de recurso de apelação, em razão da extemporânea devolução ao cartório dos autos do respectivo processo – Configuração de dano moral, mercê da frustração de legítima expectativa quanto à possibilidade de acolhimento do recurso – Caracterização da perda de chance – Inocorrência, todavia, de dano material indenizável, posto que o suposto prejuízo econômico da autora resultou de decisão judicial, cuja hipotética possibilidade de reforma não enseja a caracterização de dano material certo e diretamente decorrente da conduta do réu – Reconhecimento da sucumbência recíproca – Recurso provido em parte” (TJSP, 6ª Câmara Cível da Seção de Direito Privado, Apelação nº 179.675-4/6, Desembargador Relator Sebastião Carlos Garcia, julgada em 16.09.2004). O voto do Relator deixa claro que a perda daquela “mera expectativa” de reforma da decisão contrária aos interesses do cliente lhe teria causado danos morais, o que pode ser confirmado pela leitura do trecho abaixo selecionado: 49 “Com efeito, embora não se possa presumir ou tomar como certo o provimento do apelo e conseqüente reforma da sentença proferida na ação de cobrança, o fato juridicamente relevante e inarredável é que a autora teve frustrada, em razão da omissão culposa do réu, o seu legítimo direito de submeter ao segundo grau de jurisdição a apreciação das teses jurídicas sustentadas por ela, a seu prol, na referida reconvenção. Essa frustrada supressão da via recursal, pela perda do prazo respectivo, teve o condão de causar à autora inegável abalo moral, tanto mais em face da sua compreensível crença na possibilidade de reforma daquela sentença, concernentemente ao pleito reconvencional, contrária aos seus interesses. Sobre o tema da indenização por dano moral, na atividade profissional do advogado, demasia não será trazer à baila o princípio segundo o qual a omissão negligenciosa do causídico, justamente naquilo que lhe é ínsito profissionalmente, isto é, na sua obrigação de meio, resulta na perda da chance do êxito no litígio ou no provimento do recurso respectivo”. Desse entendimento não discrepa a Desembargadora Luiza Bottrel de Souza do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que, em seu voto nos autos da apelação cível nº 2003.001.29927, cita até doutrina estrangeira: “Vencida na ação, a ora apelante foram impostos os ônus sucumbenciais, tendo suportado também um custo para a propositura da mesma. Não se pode garantir que o reexame da sentença pelo órgão ad quem, reverteria o desfecho dado à lide. Mas foi essa uma chance que deixou a apelante de ter, em conseqüência da conduta 50 negligente do apelado. Discursando a respeito do tema, Philippe Tourneau (in, ‘Droit de la Responsabilité’, Dalloz, 1998, pág.633) salienta que ‘le plus souvent, le prejudice subi par le client est la perte d’une chance, notammentd’obtenir gain de cause, ou de voir um jugement reforme ou um arrêt casse’. Não se pode, portanto, negar que a apelante, em razão do não conhecimento de seu recurso, perdeu a oportunidade de ter a sentença, que lhe foi desfavorável, reexaminada pelo Tribunal de Justiça, não podendo prevalecer o entendimento de que a matéria versada nos Embargos de Terceiro tinha sido objeto de exame pelo órgão ad quem, no bojo dos Embargos do Devedor, agitados pelo ex-cônjuge da apelante. Não se pode garantir que o resultado do julgamento seria o mesmo. Além do prejuízo de ordem material, consistente nas custas que adiantou e nos honorários de sucumbência que teve que suportar, suportou a apelante um prejuízo extrapatrimonial, porque ser vencedora na demanda lhe traria tranqüilidade, certeza de que o patrimônio familiar restaria intocado, e também um sentimento de satisfação, vivido por toda a pessoa que tem seu direito reconhecido judicialmente” (TJRJ, 10ª Câmara Cível, Apelação nº 2003.001.29927, Desembargador Relatora Luisa Cristina Bottrel Souza, julgada em 02.12.2003). Outro julgado que enquadra a perda de uma chance como uma modalidade de dano moral está exemplificado no trecho ora reproduzido do voto do Desembargador Relator Murilo Andrade de Carvalho do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, nos autos da apelação cível nº 2004.001.10147: 51 “Se não havia a certeza de vitória que os reenquadrasse em categoria funcional superior, por desvio de função, com pagamentos dos atrasados (é a pretensão comum), não há perdas nem, a fortiori, reparações materiais a compor. Esse comportamento inerte, contudo, conduz ao reconhecimento de que a interposição do recurso expressava, sem a menor margem de erro, a última chance que tinham os demandantes, naquele momento e naquelas circunstâncias, da possibilidade de inegável ascensão na escala funcional e, em última ratio, na progressão social, como expressa a teoria da escola francesa da mesma denominação e hoje globalmente reconhecida. A frustração da perda da chance experimentada pelos empregados em razão do não fazer devido do operador da advocacia e, a fortiori, por culpa in eligendo, na forma do inciso III, do art. 1521, do CC/16, lei do tempo dos fatos, do preponente Sindicato, é inegável, importando na atestação da prática de lesão ás personalidades dos empregados da CEF sindicalizados. A repercussão das ofensas foi manifestamente extensa, uma vez que, é o que emerge dos autos, outros empregados em situações rigorosamente idênticas obtiveram ganhos de causas das mesmas naturezas. Equivale a dizer, continuaram a trabalhar em flagrante inferioridade em relação a colegas de trabalho que operavam em situações iguais. Dessa linha de desenvolvimento exsurge que a composição dos danos morais deverá ser acentuada, entendendo a Turma Julgadora como proporcionais ás repercussões das lesões imateriais, a cada um, quantia igual a 50 (cinqüenta) salários mínimos, da data da sentença, de quando será corrigida pelos índices aplicados aos 52 créditos judiciais” (TJRJ, 3ª Câmara Cível, Apelação nº 2004.001.10147, Desembargador Relator Murilo Andrade de Carvalho, julgada em 30.11.2004). 3.2.12 - Da Equivocada quantificação do dano da perda da chance Alguns julgados, apesar de reconhecerem a responsabilidade civil por perda de uma chance, equivocam-se no momento de quantificar o dano sofrido pela vítima. É o caso, por exemplo, do julgado exarado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, cuja ementa está assim elaborada: “Apelação Cível. Responsabilidade Civil. Perde de uma Chance. Advogado. Mandato. Decisiva Contribuição para o Insucesso em Demanda Indenizatória. Dever de Indenizar Caracterizado. Tendo a advogada, contratada para a propositura e acompanhamento de demanda indenizatória por acidente de trânsito, deixando de atender o mandante durante o transcorrer da lide, abandonando a causa sem atender às intimações e nem renunciando ao mandato, contribuindo de forma decisiva pelo insucesso do mandante na demanda, deve responder pela perda da chance do autor de obtenção da procedência da ação indenizatória. Agir negligente da advogada que ofende ao art. 1300 do CCB/1916. Apelo desprovido” (TJRS, 9ª Câmara Cível, Apelação Cível nº 70005473061, Relator Desembargador Adão Sérgio do Nascimento Cassiano, julgada em 10.12.2003). 53 Ou seja, apesar de se tratar de um caso típico de responsabilidade civil por perda de uma chance, o acórdão, de forma errônea, condenou o advogado ao pagamento dos lucros cessantes sofridos pelo autor da demanda. Em outro caso de responsabilidade civil do advogado decorrente da perda do prazo para recorrer, reconheceu-se a perda da chance, mas, novamente, o montante foi fixado de maneira equivocada. Para melhor compreensão, seguem alguns trechos do voto da Desembargadora Relatora Ana Beatriz Iser que assim entendeu: “Analiso, por primeiro, o recurso adesivo interposto pela autora da ação em relação à sentença que condenou o advogado a devolver 50% dos honorários advocatícios que recebera em pagamento pelos serviços para a propositura de ação. Entendo deva ser provido o recurso adesivo interposto. De fato, a pretensão da autora na inicial da ação é de indenização por danos, e não, como cuidou a sentença recorrida, de pedido de devolução de honorários pagos. Neste sentido se mostra bem clara a petição, que titula “RESSARCIMENTO DE a ação proposta PREJUÍZOS como de CAUSADOS EM DECORRÊNCIA DE MANDATO. Fundamenta, a Demandante, a pretensão ressarcitória, em conduta de omissão voluntária e negligência do mandatário que lhe causou prejuízos, salientando, no pedido, a “obrigação do réu de reparar o dano que se arbitra ao valor do contrato corrigido”.Portanto, contrariamente ao admitido pela sentença recorrida, não se trata da restituição dos valores que a Demandante pagou ao advogado para a prestação dos serviços, mas da reparação de danos que causou pelo fato de ter 54 perdido o prazo de recurso da sentença de primeiro grau em valor correspondente ao que pagara ao profissional, ou seja, em R$30.000,00. Assim, inobstante a afirmativa do advogado recorrido, de que inexiste diferença entre condenação que ordena devolver o que foi pago e condenar à indenizar danos, há, sim, conseqüências diversas e próprias de um ou outro provimento. A sentença recorrida entendeu que deveria haver a devolução à mandante de 50% dos honorários que esta havia pago ao mandatário que não cumpriu integralmente o mandato, tendo considerado como prestados os serviços, parcialmente. Sendo outro o fundamento do pedido e diversa a causa de pedir, há que ser analisada a questão relativa ao agir do advogado no exercício do mandato, perquirindo-se acerca de culpa a ensejar a indenização. Neste aspecto, a sentença monocrática reconheceu que a omissão do advogado em preparar o recurso retirou a possibilidade de reexame da causa, que era desejo de seu constituinte, além de ter afastado qualquer justificativa ao ato do mandatário, consignando que a doença alegada não impedia o pagamento do preparo, o qual poderia ser feito por qualquer pessoa. Como fora reconhecido pelo advogado recorrido, este esquecera de retornar, no dia seguinte, ao assunto do preparo do recurso, o qual não fora possível realizar em virtude de o banco estar fechado. Assim estabelecida a certeza de que houve negligência do mandatário que não demonstrou a impossibilidade, pela doença, de praticar o ato, incumbe o dever de indenizar os prejuízos que causou ao mandante. (...) No voto proferido, restou decidido que o dano indenizável corresponde apenas à perda da chance. No caso em exame, além disso, há 55 ainda o prejuízo material, consistente em sucumbência com o ônus respectivo, além dos gastos tidos com a propositura da demanda. De salientar que o advogado não contestou o valor pretendido pela parte autora a título de indenização, e em sede de recurso nada a respeito foi argüido. Impõe-se a procedência integral da ação indenizatória proposta, acolhendo-se o pedido inicial, com a condenação do demandado a pagar à demandante a importância de R$30.000,00 a título de indenização, valor que deve ser corrigido desde a data do ajuizamento da demanda e acrescido de juros moratórios a contar da citação. A sucumbência é de responsabilidade integral do advogado, em percentual fixado na sentença sobre o valor da condenação. Assim provido o recurso adesivo da parte demandante, resta improvido o recurso do demandante, visto não se tratar de ação de restituição dos honorários pagos a ensejar se considere a integralidade da prestação dos serviços, como quer o apelante”. Já no julgamento de recurso inominado autuado sob o nº 71001091792, o mesmo Tribunal também cometeu um lapso na apreciação da perda de uma chance ao desconsiderar a obrigatoriedade de avaliação acerca da “seriedade” da oportunidade, ou seja, de que deveria existir uma probabilidade de no mínimo 50% (cinqüenta por cento) de êxito do recurso, não só ao especificar que a modificação do julgado seria improvável, mas, especialmente, em quantificar o dano na base de 1/3 (33,33%) do valor máximo do êxito esperado pelo autor: “Na medida em que não ocorreu à interposição de recurso à parte autora perdeu significativa chance de 56 modificação da decisão. A modificação não se revelava provável. É a típica hipótese que a responsabilidade civil decorre da perda de uma chance. Na medida em que ocorreu a perda de uma chance para o recorrente, necessário mensurar a extensão de tal perda. As teses defendidas na contestação pelo réu se apresentavam plausíveis, assim mensuro a extensão do dano produzida pela perda da oportunidade de recorrer em 1/3 da condenação. Na medida em que a condenação alcançou R$ 9.600,00, atinge a indenização o valor de R$ 3.200,00” (TJRS, 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis, Apelação Cível nº 71001091792, Juiz Relator Eduardo Kraemer, julgado em 04.10.2006). 57 CONCLUSÃO Foi objeto da presente monografia a responsabilidade civil do advogado nos casos de perda de uma chance quando, por falha do advogado, o cliente perde a oportunidade de ver sua pretensão examinada ou reformada pelo Poder Judiciário. Como dito no decorrer do presente, deve o advogado ser responsabilizado pelos danos causados ao cliente no desempenho do mandato, desde que por dolo ou culpa descumpra obrigação a que estava vinculado, ressaltando que, em relação à indenização pela chance perdida, esta só deve ser concedida, se diante de um juízo de probabilidade do julgamento que não ocorreu, seu provável resultado for favorável ao cliente, vítima da falha profissional cometida pelo advogado. Contudo, a aplicação da teoria encontra limites, pois, evidentemente, não é qualquer possibilidade perdida que obriga o ofensor a ressarcir o dano, mas somente quando a probabilidade de conseguir a vantagem esperada era superior a 50% (cinqüenta por cento). Já para a valoração da chance perdida, a premissa básica é de que a chance de lucro terá sempre um valor menor que a vitória futura e deverá ser apurada a partir da aplicação do percentual de probabilidade de obtenção da vantagem esperada sobre o dano final. Por tudo o que foi abordado, espera-se, enfim, ter conseguido contribuir, de alguma forma, para o fomento das discussões envolvendo a matéria que, cada vez mais, vem sendo apreciada pelos nossos Tribunais que já adotaram 58 posicionamento favorável ao acolhimento da teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance na esteira da existência, em nosso ordenamento jurídico, de uma cláusula geral de responsabilização civil, do princípio da plena reparação dos danos e, em sede constitucional, da obrigatoriedade de indenização da vítima de um dano injusto. 59 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil, São Paulo: 6ª edição, Editora Malheiros, 2006. DE MELO, Raimundo Simão. Indenização pela perda de uma chance. www.boletimjuridico.com.br – 28/06/2007. DIAS, Sérgio Novais. Responsabilidade Civil do Advogado – Perda de uma Chance. São Paulo: Editora LTR, 1999. E SILVA, Roberto de Abreu. A Teoria da Perda de uma Chance em Sede de Responsabilidade Civil. Artigo publicado na Revista da EMERJ, v.9, nº 36, 2006. GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil, São Paulo: 9ª edição, Editora Saraiva, 2006. SAVI, Sérgio. Responsabilidade Civil por Perda de uma Chance, São Paulo: Editora Atlas, 2006. STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil: responsabilidade civil e sua interpretação doutrinária e jurisprudencial, São Paulo: 5ª edição, Editora Revista dos Tribunais, 2001. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil, São Paulo: 3ª edição, Editora Atlas, 2003. 60 ÍNDICE FOLHA DE ROSTO 2 AGRADECIMENTOS 3 DEDICATÓRIA 4 RESUMO 5 METODOLOGIA 6 SUMÁRIO 7 INTRODUÇÃO 8 CAPÍTULO I RESPONSABILIDADE CIVIL DOS ADVOGADOS 10 1.1 – Erros de fato e de direito 11 1.2 – Omissão de providências 11 1.3 – Desobediência às instruções do constituinte 12 1.4 - Inadequada orientação dada através de conselhos e pareceres 13 CAPÍTULO II DA PERDA DE UMA CHANCE 16 2.1 – Origem 16 2.2 - Posição doutrinária no direito pátrio 19 2.3 - Da previsão legal para a admissão da indenização das chances perdidas no Brasil 22 61 CAPÍTULO III DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO E A APLICAÇÃO DA PERDA DE UMA CHANCE 26 3.1 - Do posicionamento doutrinário 26 3.2 - Das hipóteses cabíveis e o entendimento jurisprudencial brasileiro 27 3.2.1 – Extravio de autos 28 3.2.2 – Falta de propositura da ação judicial 31 3.2.3 – Pedido não formulado 32 3.2.4 – Não interposição de recurso – Perda de prazo 33 3.2.5 – Omissão na produção de prova necessária 37 3.2.6 – Não interposição de recursos de natureza extraordinária 38 3.2.7 – Ausência de contra-razões ao recurso 40 3.2.8 – Ausência de sustentação oral do recurso 41 3.2.9 – Ação rescisória não proposta 42 3.2.10 – Decretação de revelia 45 3.2.11 – A perda de uma chance como modalidade de dano moral 47 3.2.12 - Da Equivocada quantificação do dano da perda da chance 52 CONCLUSÃO 57 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 59 ÍNDICE 60 62 FOLHA DE AVALIAÇÃO Nome da Instituição: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES Título da Monografia: A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO E A APLICAÇÃO DA PERDA DE UMA CHANCE Autor: WALTER MELHEM FARES JUNIOR Data da entrega: 26.02.2008 Avaliado por: Conceito: