ADRIANA SOUZA CAMPOS DE FÁBRICA DE EMPREGOS A FÁBRICA DE ILUSÕES: O GLOBO REPÓRTER E A COMUNICAÇÃO GOVERNAMENTAL EM RIO VERDE (GO) Marília 2007 ADRIANA SOUZA CAMPOS DE FÁBRICA DE EMPREGOS A FÁBRICA DE ILUSÕES: O GLOBO REPÓRTER E A COMUNICAÇÃO GOVERNAMENTAL EM RIO VERDE (GO) Dissertação apresentada à Universidade de Marília (UNIMAR), Faculdade de Comunicação, Educação e Turismo, Programa de Pós-Graduação em Comunicação, para obtenção do título de Mestre em Comunicação, Área de Concentração em Mídia e Cultura na Linha de Pesquisa Produção e Recepção de Mídia. Orientadora Profa. Dra. Carly Batista de Aguiar Marília 2007 UNIVERSIDADE DE MARÍLIA Reitor Dr. Márcio Mesquita Serva PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO Pró-reitora Profa. Dra. Suely Fadul Vilibor Flory FACULDADE DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E TURISMO Diretora Profa. Dra. Suely Fadul Vilibor Flory PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO Coordenadora Profa. Dra. Rosângela Marçolla ORIENTADORA Profa. Dra. Carly Batista de Aguiar AGRADECIMENTOS Aos meus familiares Mãe, obrigada por me ensinar a importância de estudar e não desistir nunca; Ana Clara, o nosso caminho se encarregará de reparar as minhas ausências; Fábio, não há palavras para a sua compreensão. Aos professores Dra. Carly Aguiar, obrigada por me ensinar e me ajudar a enxergar o que não se encontra nos livros: que devemos ter confiança em nossa capacidade; Dra. Linda Bulik, pelas cobranças em sala, que resultaram em maior dedicação e determinação; Dra. Lúcia Miranda, as minhas narrativas já não são as mesmas depois de nossas aulas inesquecíveis; Dra. Anamaria Fadul, responsável por me levar pelos caminhos da comunicação regional; E ao Ms. Roberto Reis, por me estimular a continuar nesse caminho. Em memória Ao primeiro grande mestre da minha vida, Dr. Sales Jesuíno de Sousa, meu avô. RESUMO Este trabalho busca compreender o processo de comunicação por meio de análises de dois casos exemplares: uma edição do programa Globo Repórter, exibido em 6 de fevereiro de 2004 pela Rede Globo e uma experiência em comunicação governamental em Rio Verde (GO). O trecho do Programa analisado abordou os três municípios brasileiros que mais geravam emprego e renda àquela época, no Brasil. A produção do Programa se baseou nos dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), para onde são remetidas informações coletadas pelas unidades do Sistema Nacional de Empregos (SINE), espalhadas por todo País. A exibição do Programa provocou efeitos imediatos no Município, que sofreu uma invasão de migrantes desempregados em busca das oportunidades e dos altos salários mostrados na televisão. A realidade encontrada por esses migrantes era diferente da apresentada no Programa, que transformou Rio Verde de “fábrica de empregos” em “fábrica de ilusões”. O episódio chama a atenção para aspectos como a vulnerabilidade do poder público diante da mídia, uma vez que não tem o poder de influir sobre a informação dos meios de comunicação e da população receptora de informações que não tem como avaliá-las. A comunicação governamental foi vítima do pré-julgamento da equipe da Emissora, que recusou qualquer apoio da assessoria de imprensa na produção do material veiculado, por não querer a versão “oficial” dos fatos. Para as análises e a reconstrução do episódio foi adotada a teoria da hermenêutica de profundidade descrita por Thompson e extraída de Ricoeur e foram realizadas também pesquisa bibliográfica, pesquisa documental (recortes de jornais impressos e legislações), entrevistas e observação participante. O estudo conclui que o desencontro dessas duas fontes informativas, a pública e a privada, ocorrido no episódio não contribui para a melhoria dos processos comunicacionais relacionados com questões sociais importantes como o desemprego. ABSTRACT This study intends to understand the communication process through the analysis of two exemplary cases: an edition of the program Globo Reporter shown in 6 of February of 2004 for Rede Globo and an experience in governmental communication in Rio Verde (GO). The stretch of the analysed program approached the three Brazilian towns that more generated job and income at that time in Brazil. The program production based on Employed and Unemployed General Register (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados - CAGED) of Work and Employment Ministry (Ministério do Trabalho e Emprego - MTE), where collected information are sent by units of National System of Employment (Sistema Nacional de Empregos – SINE) spread all around the country. The program exhibition caused immediate effects in town that suffered an invasion of unemployed migrants looking for the opportunity and high salary presented on television. The reality found by these migrants was different from that presented on the program, which turned Rio Verde from “Employment Factory” to “Illusion Factory”. The episode calls attention for aspects as vulnerability of public power in the face of media, since it does not have the power to influence on the information of the medias and the population that receives the information and can’t value it. The Government Communication was victim of previous judgment from the Broadcasting team that refused any support from the press assessorship in the production of propagated material, it happened because they did not accept the “official” version of the facts. For the analysis and reconstruction of the episode was adopted the theory of Hermeneutics of Profundity (Hermenêutica de Profundidade) described by Thompson and extracted from Ricoeur, were also carried out literary research, documentary research (newspaper cutting and legislation), interviews and participant observation. The study concludes that the absence of understanding between these two information sources, the public and the private, occurred in the episode doesn’t contributes to the improvement of communication processes related to important social matters as unemployment. ÍNDICE RESUMO ABSTRACT LISTA DE FIGURAS LISTA DE QUADROS INTRODUÇÃO ....................................................................................................1 PARTE I – TELEVISÃO, PRODUÇÃO, RECEPÇÃO E EFEITOS 2. O PROGRAMA GLOBO REPÓRTER .....................................................9 3. O PROCESSO DE HERMENÊUTICA ...................................................13 3.1 A hermenêutica ..........................................................14 de profundidade 3.2 Receptor ativo ou passivo? ...................................................................19 3.3 A notícia como produto .........................................................................21 3.4 O desejo do receptor: ver e ser visto pela televisão .............................24 3.5 Enunciação do cotidiano e da família ...................................................27 4. A CONSTRUÇÃO DE SIGNIFICADO ...................................................31 4.1 Os efeitos de recepção .........................................................................33 5. AS NOTÍCIAS COMO SHOW ............................................................... 37 PARTE II – A INVASÃO DOS MIGRANTES DESEMPREGADOS 6. OS DADOS DO CAGED ........................................................................44 6.1 A superexposição de Rio Verde no Globo Repórter..............................47 6.2 A trajetória do Programa .......................................................................48 7. CRONOLOGIA DAS REPERCUSSÕES EM JORNAIS IMPRESSOS ..........................................................................................55 7.1 Algumas repercussões no cenário nacional .........................................61 7.2 Opinião especializada sobre o episódio ................................................64 8. AÇÕES DA PREFEITURA PARA CONTER A CRISE 8.1 Ações da Emissora para minimizar os efeitos provocados....................69 9. LEMBRANÇAS DO EPISÓDIO DOIS ANOS DEPOIS .........................71 9.1 Solicitações de entrevistas com a equipe do Globo Repórter...............72 9.2 Impressões do ex-coordenador do SINE...............................................74 9.3 Impressões dos integrantes da assessoria de imprensa.......................77 9.4 O caos no Terminal Rodoviário .............................................................81 PARTE III – COMUNICAÇÃO PÚBLICA, MIDIÁTICA E POLÍTICA 10. ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO.....................................................85 10.1 A manipulação informativa ..................................................................87 11. COMUNICAÇÃO E POLÍTICA .............................................................92 11. 1 A verdade, a mentira e o segredo na política......................................95 12. A COMUNICAÇÃO NA LEGISLAÇÃO DE RIO VERDE ......................99 12.1 Um pouco mais sobre Rio Verde........................................................102 13. O ORGANOGRAMA – ONDE ESTÁ A ASSESSORIA?.....................103 13.1 Estrutura da Assessoria.....................................................................104 13.2 As teorias do jornalismo e a assessoria de imprensa........................107 14. VERBAS ORÇAMENTÁRIAS PARA A COMUNICAÇÃO .................112 15. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................115 REFERÊNCIAS .........................................................................................119 ANEXOS....................................................................................................124 APÊNDICE LISTA DE FIGURAS Figura 01 – Fotografia da equipe do Globo Repórter durante gravação no SINE de Rio Verde ..................................................................................................... 49 Figura 02 – Repórter Flávio Fachel em conversa com empresários no SINE antes da gravação.............................................................................................50 Figura 03 – Repórter Flávio Fachel durante gravação da passagem em que mostra a fila de empresários no SINE de Rio Verde.........................................51 Figura 04 – Grande fluxo na agência do SINE de Rio Verde após a exibição do Globo Repórter..................................................................................................53 Figura 05 – Funcionário da Prefeitura distribuindo refeições a desempregados que se aglomeravam na rodoviária de Rio Verde..............................................66 Figura 06 – Migrantes lotam entrada da Prefeitura de Rio Verde e fazem reivindicações....................................................................................................67 Figura 07 – Página na Internet da Prefeitura de Rio Verde............................106 LISTA DE QUADROS Quadro 01 – Comparativo das verbas orçamentárias entre 2002 e 2006......114 INTRODUÇÃO Este trabalho aborda dois tipos de fontes informativas, a pública, representada pela Prefeitura, do município de Rio Verde, no Estado de Goiás, principalmente, mas não apenas, através de sua assessoria de imprensa, e a privada, representada pelo Programa em questão, intitulado “Desemprego – Os caminhos alternativos do trabalho no Brasil”, produzido e veiculado pela Rede Globo de Televisão. Para este estudo, optamos por um exemplo, um caso específico de efeitos de recepção provocados por uma parte do Globo Repórter, de 6 de fevereiro de 2004. O Programa apresentou os três municípios que, à época, mais geravam emprego e renda no País, tendo Rio Verde entre eles, cujo perfil apresentado literalmente foi o de uma “fábrica de empregos”. Essa realidade foi rapidamente “desconstruída” por uma grande quantidade de migrantes que chegaram à cidade e perceberam que o título mais adequado seria o de uma “fábrica de ilusões”. Cabe esclarecer que não pretendo aqui, realizar um estudo profundo sobre televisão e sobre o processo de recepção. As estratégias utilizadas são abordadas pelo que revelam do processo de produção de significados que desencadearam os efeitos mencionados. Apenas são adotados conceitos e teorias para clarificar o ambiente estudado, municiando as análises realizadas com referenciais pré-existentes sobre o assunto. A escolha desse tema se deve à importância da informação jornalísticotelevisiva no que se refere à questão do desemprego no Brasil, não só naquele no ano de 2003, mas até os dias atuais. A falta de emprego e de boas oportunidades no mercado de trabalho remete a pontos sensíveis numa sociedade como a nossa. O trecho do Programa, recortado para análise nesta dissertação, nos coloca frente à discussão sobre a ação da comunicação governamental. Em meio ao desencontro governamental e da mídia, poderia o poder público, por meio de sua assessoria de imprensa, contribuir para reduzir ou para minimizar os efeitos provocados pelo Programa em questão? O poder público é vulnerável às ações da mídia massiva? Para responder tais questões, optamos por trabalhar partes voltadas às práticas televisivas, com foco no Globo Repórter; e a aspectos da comunicação governamental, exemplificada neste trabalho pela assessoria de imprensa da Prefeitura de Rio Verde (GO). Acredito que o estudo desses dois exemplos, para além do vínculo imediato entre o produto cultural específico e a dinâmica geral da instituição municipal, pode contribuir para uma maior reflexão, com base nessas experiências, sobre a tênue relação entre o poder público e sua forma de comunicação e a comunicação mediada, neste trabalho, pela televisão. Sabemos que essa relação entre o público1 e o privado é, por vezes, conturbada. O privado compreende as organizações econômicas que atuam no mercado visando, de alguma maneira, o lucro. A televisão, no caso a Rede Globo, um grande grupo empresarial de comunicação, inclui-se nesse âmbito. Já o domínio público abrange as instituições estatais e organizações de propriedade do Estado que são de utilidade pública. A administração municipal que estudamos integra essa esfera. Do Programa apresentado pela Emissora, abordaremos apenas o trecho que trata de Rio Verde, com 11 minutos e 20 segundos de duração. Os efeitos do Globo Repórter no Município foram imediatos e mudaram a rotina de uma cidade pacata, situada na região Sudoeste de Goiás, com pouco mais de 130 mil habitantes (IBGE). Cabe ressaltar que na categoria de município com economia baseada no agronegócio, Rio Verde (GO) gera muitos postos de emprego que são chamados de flutuantes, uma vez que a ocorrência deles só acontece na época da safra e do plantio. É a chamada mão-de-obra temporária, com data certa para começo e fim. O dia 6 de fevereiro de 2004 era uma sexta-feira como outra qualquer para os habitantes de Rio Verde, até a exibição de um programa televisivo que, a partir daquela noite, levaria o Município a vivenciar um verdadeiro caos 1 A distinção entre público e privado que adotaremos parte dos debates filosóficos da Grécia Clássica, quando os cidadãos se reuniam para discutir e criar uma ordem para o bem comum, derivando do desenvolvimento do direito romano (que separava lei pública e lei privada). De acordo com Thompson (2002, p.110), a partir do século XVI, público começou a “significar atividade ou autoridade relativa ao estado e dele derivada”. Privado se refere às atividades ou esferas da vida que são excluídas ou separadas da pública. urbano. A tranqüilidade do Município e a sua rotina seriam abruptamente quebradas por uma invasão de migrantes desempregados, vindos de várias partes do País, em busca das oportunidades profissionais anunciadas pelo Globo Repórter. Na manhã do dia seguinte, um sábado, já eram vistos na rodoviária local e nas estradas que dão acesso à cidade, os primeiros desempregados, oriundos de várias regiões do Brasil. Essa invasão de migrantes continuou nas horas e dias que se seguiram após a exibição do Programa Globo Repórter, que apontou Rio Verde como uma terra farta de empregos com boa remuneração. Mais do que isso uma verdadeira “Fábrica de Empregos”. A primeira impressão dos efeitos provocados pelo Programa estudado partiu da observação in loco, por esta autora, que o assistiu, constatando como na ilusão, criada sem grandes efeitos especiais, mas com uma cuidadosa seleção de depoimentos e imagens feita pela equipe condutora da reportagem, surgia uma cidade onde sobravam bons empregos e boas oportunidades, o que contrastava com a triste realidade local, marcada pelo alto custo de vida. A realidade mostrada pela televisão não foi a mesma encontrada pelas pessoas que desembarcaram na cidade, com sonhos e expectativas, em busca de um emprego que combinasse várias qualidades desejadas: uma remuneração acima do patamar de sua cidade de origem; retorno ao trabalho com carteira assinada e demais benefícios; a moradia em uma cidade típica de interior e a grande oferta de postos de trabalho capazes de transformar a vida de cada um daqueles desempregados. Rio Verde deixava, para eles, de ser uma “Fábrica de Empregos” e se revelava uma “Fábrica de Ilusões”. Dos efeitos imediatos provocados pelo Programa, destacamos o deslocamento imediato e sem planejamento adequado nem posse dos recursos materiais necessários para uma mudança de suas cidades para uma cidade que, inclusive, não conheciam. O sentimento que acompanhava aquela multidão de desempregados em Rio Verde era um misto de última e única esperança, uma aposta de que, depois do que viram na tela da Globo, a vida de cada um mudaria para melhor. Ao optar por esse tema, fizemos um esforço na tentativa de conhecer as circunstâncias que ocasionaram a produção do Programa com aquele enfoque e as razões pelas quais a realidade mostrada por um programa, classificado pela Rede Globo como de notícias, mais se aproximou de ficção que de uma tentativa de retratar o real. Dentre os efeitos imediatos, que podemos chamar de “efeitos bomba”, ficam as indagações: Que impactos o Programa provocou no Município? O que as pessoas que participaram diretamente e indiretamente da produção daquele Programa presenciaram naquele momento? Quais as recordações o episódio remete dois anos depois? Poderia a comunicação governamental ter evitado os transtornos ao Município e aos próprios migrantes? Estas são algumas questões que pretendemos responder. Uma referência importante para a realização deste trabalho foram os jornais impressos que narraram o episódio do Globo Repórter e seus efeitos em Rio Verde naquele período. Para o processo de reconstrução desse episódio, foram pesquisadas e analisadas as matérias impressas da época. Essa reconstrução também está baseada em entrevistas realizadas em 2006, com pessoas capazes de recuperar, em seus depoimentos, o que não foi mostrado pelo Programa e o cenário em que ele foi construído. Essas entrevistas foram consideradas peças-chave. Desta maneira, esta dissertação se apóia em uma base documental – o trecho do Programa televisivo e as matérias impressas sobre o assunto -, em depoimentos e entrevistas e nos referenciais teóricos que embasam o estudo realizado. A classificação dos três municípios que mais geravam emprego e renda pelo Globo Repórter foi feita com base nas informações disponibilizadas pelo CAGED2 - Cadastro Geral de Empregados e Desempregados -, do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Para esse cadastro são remetidas informações coletadas pelo Sistema Nacional de Empregos (SINE), localizados em praticamente todos os municípios brasileiros, envolvendo as informações sobre as ofertas de vagas e os índices de ocupação dessas vagas. Foram as 2 A página do Ministério do Trabalho (www.mte.gov.br) onde está divulgada a sua base de dados – que inclui o CAGED -, é indicado ao usuário que busca dados um termo de responsabilidade de uso das bases de dados do MTE, com destaque para o seguinte: “O usuário deve tomar certos cuidados na utilização e interpretação dos dados, em virtude do acervo ser constituído de dados oriundos dos registros administrativos”. O Ministério do Trabalho e Emprego recomenda ainda, para minimizar problemas na interpretação e utilização dos dados disponíveis, uma leitura sobre o CAGED e o Programa de Disseminação de Estatísticas do Trabalho. informações desse cadastro que indicaram Rio Verde no topo da geração de postos de emprego no Brasil. A metodologia adotada foi a hermenêutica de profundidade, para a qual dedicaremos um capítulo no referencial teórico. A dissertação se vale de um eixo de técnicas de observação combinadas com entrevistas informativas. As observações participativas também foram elemento fundamental para a pesquisa empírica sobre a estrutura e o campo de atuação da assessoria de imprensa e sobre a comunicação governamental de Rio Verde. O que se buscou foi através de um processo de exploração e experimentação, constituindo-se em estudo que coloca em prova a construção social dos acontecimentos pela mídia e a vulnerabilidade do poder público diante dela. Dividimos este trabalho em partes. A primeira se refere às teorias sobre televisão, produção, recepção e efeitos das notícias, voltadas especificamente ao caso exemplar do Programa selecionado. A segunda aborda o episódio que envolve Rio Verde (GO) e o Globo Repórter e a última é composta pelo referencial teórico sobre a comunicação pública, política e mídia, explicitando as relações entre o público e o privado, além de apresentar a realidade da assessoria de imprensa da Prefeitura e dados sobre a comunicação no Município. Esperamos que a interligação dessas partes possa contribuir para um melhor conhecimento desses processos comunicacionais. Cabe salientar que a pesquisa empírica aqui apresentada pretendeu que a história do episódio fosse recontada com certo número de detalhes, na tentativa de proporcionar ao leitor uma viagem no tempo e no espaço. Essa proximidade do leitor ao fato se dá graças aos recortes de jornais, à gravação do Programa - anexados ao trabalho -, às fotografias dos acontecimentos e aos depoimentos de pessoas que vivenciaram o fato. Os estudos sobre os efeitos3 de recepção provocados pela mídia geraram, ao longo do tempo, inúmeras teorias. Wolf (1987) destaca que, desde que os estudos sobre os meios de comunicação começaram a se desenvolver, há o interesse do investigador 3 Os efeitos podem ser compreendidos como a reação de uma massa, de um público, que ao ser atingida pelo estímulo gerado pelos meios de comunicação, reage a esse estímulo. “Um dos mais notáveis efeitos produzidos na comunicação é a resposta que normalmente se provoca no receptor e que pode chegar até o emissor”, chamada de feedback ou retroalimentação, entendido mais como um processo de retorno da mensagem que pode se originar nas reações do receptor ao decodificar a mensagem direcionada pelo emissor. (Xifra-Heras, 1975, p.20). pelas influências dos meios sobre o público. A teoria hipodérmica surge com um modelo próprio, em que os efeitos não são estudados, mas são dados como certos. O modelo hipodérmico, Estímulo –Resposta, foi superado pelo modelo de Lasswell que surgiu inicialmente nos anos 30, mas que foi proposto efetivamente em 1948. Lasswell estabeleceu um modelo que podia descrever um ato de comunicação por meio de respostas a essas perguntas. “Who says what in which channel, to whom; with what effects?” (Xifra-Heras, 1975, p. 42, grifos do autor), que significam: quem diz o que, em qual canal, para quem, com quais efeitos? No Brasil, essas questões ficaram mais conhecidas como: Quem; O que; Quando; Como; Onde e Por que? Nos Estados Unidos passaram a ser conhecidas por 5 W (Who? What? Where? When? Why?). Com o modelo de Lasswell, os efeitos dos meios de comunicação passaram a integrar a pesquisa em comunicação: “O esquema de Lasswell organizou a communication research, que começava a aparecer, em torno de seus temas centrais e de maior duração – a análise dos efeitos e a análise dos conteúdos [...]” (Wolf, 1987, p.25). Esse modelo constitui-se, portanto, no marco dos estudos dos efeitos dos meios de comunicação. Após o modelo de Lasswell, outras teorias4 foram surgindo, tentando explicar os fatores de mediação existentes entre o indivíduo e o meio de comunicação. As reações aos impactos das mensagens da mídia dão início a um processo de retroação, de suma importância para o emissor. A retomada do início da constituição dessas teorias serve, neste momento, apenas para fundamentar a importância dos estudos sobre os efeitos dos meios de comunicação. Os efeitos a serem estudados neste trabalho se diferem das teorias do passado, dos paradigmas clássicos apontados. Este trabalho é um esforço na busca de respostas sobre as relações da mídia de massa e o seu papel no repasse de informações precisas aos cidadãos e a comunicação governamental enquanto responsável por orientar a 4 Podemos citar ainda como teorias: a abordagem empírico-experimental ou teoria da persuasão; a abordagem empírica do campo ou dos efeitos limitados; a teoria funcionalista das comunicações de massa; a teoria crítica; a teoria culturológica; os cultural estudies; as teorias comunicativas; e as teorias mais atuais (a hipótese do agenda-setting, gatekeeper, newsmaking, dentre outras), com base em Wolf (1987). sociedade, prestando-lhe informações confiáveis e transparentes sobre a esfera pública, sua organização administrativa e seus serviços. Nesse estudo vamos enfocar prioritariamente a televisão enquanto modificadora da maneira de agir e interagir dos telespectadores em relação a um objeto de estudo específico. PARTE I TELEVISÃO, PRODUÇÃO, RECEPÇÃO E EFEITOS 2. PROGRAMA GLOBO REPÓRTER Em 1973, a Rede Globo planejou um novo programa jornalístico. Foi quando José Bonifácio de Oliveira – o Boni – pediu ao cineasta Paulo Gil que trabalhasse em um novo formato. Assim, segundo Muniz (2001), “a partir da experiência do Globo Shell, Paulo Gil insistiu que se poderia fazer um programa jornalístico aprofundado, com formato de documentário”. A princípio, a proposta de Gil de mostrar um documentário com um único tema em 43 minutos úteis de programa, com quatro intervalos comerciais, não obteve sucesso. Boni determinou que fossem mostrados a cada programa, quatro temas. Dessa maneira nascia o Globo Repórter, com exibição nas sextas-feiras, às 23 horas. O primeiro programa foi exibido, em caráter experimental, em 3 de abril de 1973. Na época, o jogo de cintura da equipe tinha que ser grande, conciliando os interesses da empresa e os olhares da ditadura militar – a censura. Muniz (2001) explica que o programa era como um documentário de cinema, com linguagem e fotografia de cinema: “Era um programa autoral, onde os diretores tinham liberdade de criação e autonomia de edição”. Já em julho de 1973, enquanto a emissora preparava o lançamento do Fantástico – o Show da vida – para às 21 horas dos domingos, o Globo Repórter passou a ser apresentado às terças-feiras, às 21 horas. Graças a equipe do Programa e de maneira gradativa, os quatro temas exigidos a cada edição foram diminuindo, até que se chegasse ao desejo inicial de Paulo Gil: um único tema, com tratamento de documentário cinematográfico. Aos poucos, o sucesso do Programa foi crescendo, até porque naquela época era novidade. Não havia nenhum outro programa no estilo. O sucesso fez com que o programa funcionasse até 1983, quando a exigência de Boni de querer um novo formato, mais jornalístico do que cinematográfico, culminou na demissão de uma equipe. Muniz (2001) recorda que nesse período, com a crise, o Globo Repórter ficou fora do ar por uns três meses, quando Paulo Gil – até então diretor do programa – foi substituído por Robert Feith, que veio de Londres para dirigi-lo. A mudança na direção do programa marcou a mudança do estilo, de documentário cinematográfico para telejornalismo de reportagem especial: O Globo Repórter mudou seu formato, passou a fazer reportagens, deixou de ter equipes exclusivas, seus equipamentos passaram a compor o pool de equipamentos gerais, começou a usar repórteres dos telejornais e claro, começou a usar a linguagem dos telejornais e cada repórter começou a usar o formato do Stand-up5 e cada um fazia a sua versão pessoal da matéria e não mais a reportagem, ela mesma, ela própria. (MUNIZ, 2001) Desde que o Globo Repórter surgiu, na década de 70, ele já passou por muitas transformações, que alteraram desde a técnica de produção à sua estrutura. Essas transformações também são descritas por um jornalista/cineasta, ex-integrante do Programa, Eduardo Coutinho (in Novaes, 2001), que afirma que a passagem do artesanato cinematográfico com o qual o Programa era primeiramente feito, para o teipe6, foi usada para controle de rentabilidade em todos os níveis. O autor explica que esse controle de rentabilidade faz parte da lógica do processo industrial tal como ele se desenvolveu na Globo e na televisão brasileira em geral. Até o final da década de 70, o Globo Repórter era um programa que se constituia em nicho dentro do próprio jornalismo da emissora, com uma maior autonomia, independência, mais lento em seu processo de produção e também menos obcecado pelas questões da audiência e da acirrada concorrência de mercado. À época, Coutinho (2001) relembra que, por essa razão, diversos cineastas produziram trabalhos freelances ou foram funcionários da emissora, dos quais citamos: Valter Lima, João Batista de Andrade, Hermano Pena, Sílvio Back e tantos outros. Com a chegada da “era eletrônica” e com a sensível evolução dos meios tecnológicos que são amparo ao processo de produção da televisão, em 1982 5 Termo também conhecido no meio televisivo como “cabeça” ou passagem em que o repórter aparece na tela narrando ou mostrando algum detalhe da reportagem. 6 Até 1981 o Globo Repórter era feito em filme reversível e o local de trabalho, segundo Coutinho (in Novaes, 2001, p.280), era uma casa que ficava cerca de 100 metros da sede da Rede Globo no Rio. A distância física e a técnica adotada (filme reversível) dificultavam o controle de sua produção pela Central Globo de Jornalismo. o Globo Repórter acompanhou outras mudanças que já haviam sido efetivadas com todo o jornalismo da emissora, mudando-se para o prédio da Rede Globo. O filme reversível cedeu, definitivamente, espaço para o teipe pela agilidade que ele proporcionava ao processo de produção e finalização do Programa. “Assim, era só passar no corredor onde se editava todos os programas, pegar a fita com o produto em processo ou acabado e levar para ser julgado pela direção de jornalismo”, recorda-se Coutinho (in Novaes, 2001, p.281). Percebe-se com essa narrativa do autor, que a interferência da direção no processo de edição do Globo Repórter, antes mais difícil pela técnica empregada, tornou-se rotina. Sacramento (2006) aponta que nesse período de transição do programa para uma era de grandes reportagens “percebe-se o predomínio de entrevistas em detrimento de depoimentos e de uma atuação cada vez mais presente do diretor como repórter”. Com a alteração do diretor do Programa e com as mudanças no formato iniciadas em 1983, poucos anos depois, em 1986, o Globo Repórter passou a ser mais um complemento na linha de jornalismo da emissora, perdendo o diferencial antes firmado com o caráter de documentário do Programa. Coutinho (2001) destaca que, nesta época, o Programa se torna integrado em definitivo ao jornalismo, “neutralizado e asséptico”, perdendo qualquer sentido de documentário e ficando reduzido ao nível da reportagem. Ao processo que se estabeleceu na concepção do Globo Repórter, Coutinho dá o nome de “lógica da homogeneização e da rentabilidade”. Nessa lógica, o autor ressalta que “A TV é apreendida como um mosaico, em que o importante para o espectador é o fluxo da programação, que se sucede tão naturalmente quanto os ciclos da natureza” (Coutinho in Novaes, 2001, p.282). Assim, o público tende a confundir a realidade do jornalismo; a ficção das novelas e a ficção dos comerciais, formando uma relação de entrelaçamento de conteúdos e de realidade não ficcionais e ficcionais. Essa opinião é compartilhada por Bezerra e Morais (2007): “em relação às reportagens especiais, a aparente neutralidade das informações proporciona uma ilusão de imparcialidade e, em conseqüência, conquista a credibilidade da opinião pública”. O caráter de reportagem especial, adquirido pelo Globo Repórter depois da “era dos cineastas” no programa, é explicado pelas autoras. Para elas uma reportagem especial pode ou não ser produzida por jornalistas e compreende materiais de cunho jornalístico (audiovisuais) que apresentam normalmente um tempo de duração maior que o das notícias televisivas. As autoras colocam que uma das diferenças básicas entre as reportagens especiais e os documentários7 é que estes últimos não estão ligados exclusivamente ao universo jornalístico. Já o ponto de aproximação entre o documentário e as reportagens especiais está no temário, normalmente marcado por assuntos que permitem uma abordagem informativa atemporal, que mesmo em se tratando de temas atuais “não correspondem explicitamente a um acontecimento (ou fato jornalístico) em particular, mas à sua conjetura”. O Globo Repórter é um dos programas de destaque da grade da Rede Globo que atualmente é a responsável pela mais abrangente cobertura de televisão do País e que, de acordo com Bahiense (in Novaes, 2001, p.257), essa cobertura representa “99,93% dos domicílios com TV, 99,92% dos telespectadores potenciais e 99,93% do índice potencial de consumo brasileiro8”. Apesar dos dados citados serem de 2001, os mesmos foram utilizados por estarem próximos ao tempo desta dissertação e por não terem sido encontrados dados precisos daquele momento – 2003/2004 - do Programa. 7 As conclusões do Grupo de Pesquisa em Comunicação e Discurso da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) dentro do qual Bezerra e Morais desenvolveram a pesquisa que resultou no artigo As rotinas de produção e suas interferências nos documentários e reportagens especiais televisivos, publicado no site do Fórum Nacional de Professores de Jornalismo (FNPJ), apontam que os documentários são produtos essencialmente híbridos, que tanto apresentam elementos do cinema quanto do jornalismo. 8 Dados de uma pesquisa feita pela McCann Erickson na década de 80, citada por Bahiense (in Novaes, 2001) que mesmo sendo feita há duas décadas nos dá uma idéia de um quadro que ainda permanece hoje, com a consolidação da Rede Globo em primeiro lugar no País (em cobertura e absorção dos investimentos publicitários). 3. O PROCESSO DE HERMENÊUTICA Várias teorias já foram formuladas para a compreensão dos estudos de recepção. Cada uma delas apresenta uma tônica e um enfoque que são seguidos pelos estudos e pesquisas que nelas estão embasados. Para a melhor compreensão da abordagem utilizada neste estudo, é pertinente que se destaquem algumas. A primeira delas retomada por Thompson (1998) com base em Gadamer considera a recepção dos “produtos da mídia como um processo hermenêutico”, constituindo-se em um processo “ativo e criativo” voltado à interpretação e em que o intérprete inclui uma série de conjecturas e expectativas na compreensão da mensagem selecionada para o entendimento. Nessa inclusão de conjecturas feitas pelo intérprete estão expectativas pessoais e/ou de caráter social ou histórico mais amplo, compartilhadas por um grupo com características e trajetórias sociais similares. Por isso há variação da interpretação de um produto da mídia de um indivíduo para o outro, resultando em processos de recepção distintos entre indivíduos e grupos de indivíduos que realizam a interpretação em meio a contextos social, econômico, cultural e histórico aos quais fazem parte. Sendo assim, Thompson (1998) classifica os produtos da mídia como atividade rotineira e prática, daí a razão para que a recepção seja considerada uma atividade, distante de algo passivo, e voltada a um processo em que os indivíduos percebem e trabalham a mensagem que recebem. Ou seja, as formas simbólicas são usadas pelos indivíduos para suas próprias finalidades, de maneiras variadas. Por essa visão, a assimilação e o uso que os receptores fazem das matérias simbólicas podem divergir do desejado pelos produtores da mídia. Apesar do controle mínimo dos conteúdos das matérias da mídia que lhe são oferecidos, os receptores possuem a faculdade de reelaborar, interpretar, trabalhar e usar o que é recebido de formas alheias às intenções ou aos objetivos dos produtores. Michel de Certeau, em “Leitores são viajantes” (apud Thompson, 1998, p. 43) diz que: “Ao receber matérias que envolvem substancial grau de distanciamento (e talvez também temporal), os indivíduos podem elevar-se acima de seus contextos de vida e, por um momento, perderse em outro mundo”. Nessa perspectiva, tomando o meio televisivo como o enfoque principal, Thompson (2002) delineou algumas dimensões para melhor compreensão do processo de recepção, ao qual chamou de impacto interacional dos meios técnicos. As quatro dimensões as quais o autor se refere são: os meios facilitam a interação através do tempo e espaço; eles modificam a maneira como as pessoas agem para outros (tomando-se os outros como uma audiência remota e dispersa no tempo e no espaço); eles modificam a maneira como as pessoas agem em respostas aos outros; e os meios também modificam a maneira como as pessoas agem e interagem no processo de recepção, atingindo a organização social daquelas esferas da vida cotidiana em que a recepção das mensagens e conteúdos mediados é uma atividade de rotina em nossa atual sociedade. 3.1 A hermenêutica de profundidade Ao analisar os efeitos de recepção do Programa Globo Repórter daquele 6 de fevereiro de 2004, percebemos que os telespectadores/receptores perderam-se em um outro mundo, distante espacialmente do deles, e saindo de uma elevação momentânea de seus contextos, partiram viajando, literalmente, ao encontro do mostrado na matéria. A abstração mental, em forma de viagem imaginária a outras localidades e contextos, deu espaço para ações concretas que moveram pessoas a migrarem a Rio Verde (GO). Isso pode ser descrito com a ajuda de Thompson (1998) como “apropriação das formas simbólicas9” em que o processo de recepção das mensagens transmitidas pela mídia pode ir bem além do contexto inicial da atividade. Por formas simbólicas, com base na abordagem interpretativa de Geertz sobre o estudo da cultura (apud Thompson, 2002), entendem-se ações, manifestações verbais e objetos significativos de vários tipos “em virtude dos quais os indivíduos comunicam-se entre si e partilham suas experiências, concepções e crenças”. Com relação à consideração de Thompson quanto aos “produtos da mídia como um processo hermenêutico10” cabem alguns esclarecimentos, facilitadores da compreensão da mídia nos dias atuais. Thompson (2002) descreve as “condições hermenêuticas da pesquisa sócio-histórica” como condições que se originam na construção do campo-objeto dessa modalidade de pesquisa que não se restringem às observações e explicações sobre objetos e acontecimentos, mas que se constituem em um campo subjetivo, construído, em parte, pelos sujeitos “interessados em compreender a si próprios e aos outros, em produzir ações e expressões significativas e em interpretar ações e expressões significativas produzidas pelos outros”. Assim, para a compreensão e análise do nosso objeto de estudo, optamos por adotar a metodologia da interpretação, traduzida pela hermenêutica de profundidade trabalhada por Thompson, como referencial metodológico desta dissertação de mestrado. O autor coloca que (2001, p.358): O mundo sócio-histórico não é apenas um campo-objeto que está ali para ser observado; ele é também um campo-sujeito que é construído, em parte, por sujeitos que, no curso rotineiro de suas vidas quotidianas, estão constantemente preocupados em 9 “Formas simbólicas são construções significativas que exigem uma interpretação; elas são ações, falas, textos que, por serem construções significativas, podem ser compreendidas” (Thompson, 2002, p.357). 10 Thompson (2002) desenvolveu o referencial metodológico da hermenêutica de profundidade, em que a idéia de hermenêutica é extraída do trabalho de Paul Ricoeur (e outros – Dilthey, Heidegger e Gadamer), que possibilita o desenvolvimento de um referencial metodológico orientado para a interpretação/reinterpretação dos fenômenos significativos, em que os diferentes tipos de análises podem desempenhar papéis legítimos e que se apóiam na compreensão dos fenômenos. No modelo de Thompson, a hermenêutica em profundidade compreende três fases: análise sócio-histórica (interessada nas condições sociais e históricas da produção, circulação e recepção das formas simbólicas); análise formal ou discursiva (estudar as formas simbólicas como construções simbólicas que apresentam estruturas) e interpretação/reinterpretação (interessa-se pela explicação criativa do que é dito ou representado pela forma simbólica). compreender a si mesmos e aos outros, e em interpretar as ações, falas e acontecimentos que se dão ao seu redor. A hermenêutica de profundidade pode utilizar-se de entrevistas, observação participante e outros tipos de pesquisa para a reconstrução da maneira como as formas simbólicas são interpretadas e compreendidas nos vários contextos da vida em sociedade. E, para Thompson, essa reconstrução é um processo interpretativo, uma interpretação do entendimento do cotidiano11, baseada em três fases que incluem a análise sócio-histórica, análise formal ou discursiva e interpretação/re-interpretação, das quais nos ocuparemos a seguir, no sentido de clarear os detalhes desse referencial metodológico. Thompson (2001, p.366) explica que “O objetivo da análise sócio-histórica é reconstruir as condições sociais e históricas da produção, circulação e recepção das formas simbólicas”. Já que os objetos e expressões que circulam nos campos sociais são “construções simbólicas complexas que apresentam uma estrutura articulada”, é preciso empreender uma segunda fase de análise, chamada de análise formal ou discursiva, em que adotaremos a análise não somente voltada a imagens ou palavras, mas às características estruturais e das relações do discurso de um programa específico do Globo Repórter. Esclarece Thompson (2001, p.371) que “o objeto da análise discursiva não é um exemplo especialmente preparado com o objetivo de testar nossas intuições lingüísticas, mas antes casos concretos da comunicação do dia-a-dia, [...], um programa de televisão”. Ou seja, as instâncias do discurso apresentam algumas características e relações estruturais que podem ser analisadas formalmente. Das formas de análise discursiva, fixadas por Thompson, destacaremos duas, que mais afinidade apresentam com a forma de análise do nosso objeto de estudo: a análise de sua estrutura narrativa e a análise argumentativa. A análise da estrutura narrativa é útil quando nos permite conhecer melhor os elementos de uma narrativa, tomando-se o programa Globo Repórter como uma narrativa televisiva, num formato de reportagem especial, em que 11 Esse entendimento do cotidiano também é chamado por Thompson (2001) como interpretação da doxa – das opiniões, crenças e compreensões que são partilhadas e sustentadas pelas pessoas. Vários autores já enfatizaram a importância de se fazer a interpretação da doxa, tais como Wittgenstein, Husserl e Schutz, Garfinkel, Cicourel. esta narrativa é conduzida pelo repórter e entremeada por inúmeros elementos, tais como: um discurso que narra uma seqüência de acontecimentos – a história contada -, personagens diversos que no caso estudado são reais, dentre outros. Já a análise argumentativa tem por objetivo “reconstruir e tornar explícitos os padrões de inferência que caracterizam o discurso” (Thompson, 2001, p.374). O discurso é muitas vezes apresentado na forma de argumento, com uma série de proposições ou asserções, temas ou tópicos, que se encadeados coerentemente e com ajuda de adornos retóricos, procuram persuadir uma audiência. Se observarmos atentamente o programa Globo Repórter que ora estudamos, veremos o quanto o texto é recheado por metáforas e hipérboles, dando um sentido de exagero à realidade apresentada. Cabe ressaltar o que Thompson destaca, tirando a visão da rigidez dessa metodologia: Por mais rigorosos e sistemáticos que os métodos da análise formal e discursiva possam ser, eles não podem abolir a necessidade de uma construção criativa de significado, isto é, de uma explicação interpretativa do que está representado ou do que é dito. (THOMPSON, 2001, p.375, grifos do autor) Dessa maneira, as formas simbólicas e discursivas analisadas nesta dissertação possuem o seu aspecto referencial, sendo resultado de construções que representam algo e que procuramos compreender no processo de interpretação. O autor chama ainda a atenção para o fato de que métodos particulares de análise formal ou discursiva podem lançar luz sobre os padrões ou efeitos que estruturam as formas simbólicas, caso não se deixem cair no internalismo que ocorreria ao se tomar esses elementos de maneira isolada, sem referência às condições sócio-históricas e aos processos do cotidiano onde as formas simbólicas são construídas e recebidas. A última fase da hermenêutica de profundidade é a interpretação/reinterpretação, que é facilitada pelas fases anteriores, em especial a fase da análise discursiva. A interpretação/re-interpretação tem por objetivo formas simbólicas como parte de um campo pré-interpretado em que já são interpretadas pelos sujeitos que constituem a realidade sócio-histórica. Esse processo pode ser conturbado e cheio de conflitos e discussões. É a parte em que a reflexão individual em meio ao mundo sócio-histórico toma corpo. Os meios de comunicação nos expõem a mensagens que interpretamos e que re-interpretamos de acordo com as nossas análises junto à vida cotidiana. Esse processo é caracterizado por um fluxo ininterrupto em que projetamos um significado possível que, de acordo com Thompson (2001) pode divergir do significado construído por outras pessoas ou pelos meios. Muitos autores já trabalharam nessa perspectiva, defendendo que a análise das formas simbólicas não sejam feitas separadamente do contexto em que são produzidas e recebidas pelas pessoas, que rotineiramente dão sentido a essas formas simbólicas e as integram a outros aspectos da vida. A interpretação da doxa seria, então, um ponto de partida para as análises hermenêuticas. Demo (2004) também fez referência ao que chamou de Hermenêutica de Profundidade, à la Thompson em um livro sobre pesquisa qualitativa, útil quando se trata de ampliar a visão sobre essa metodologia. Para a interpretação da doxa, além da contextualização proposta por Thompson que trata das formas simbólicas em termos de opiniões, crenças, Demo (2004, p.38) propõe uma ampliação desse sentido: [...] podemos alargar tal idéia, sem desmerecer seu centro que continua de pé: compreende-se melhor a fala de alguém se, além de sabermos do mundo de opiniões e crenças que a cerca, também buscarmos entender sua história de vida, seus projetos sociais coletivos e individuais, o entorno das tradições culturais que demarcam os sentidos comuns e os duplos sentidos, modos de relacionamentos com os outros [...] Acreditamos que essa ampliação permite que a metodologia não se torne engessada, rígida, ampliando para o pesquisador o leque de elementos úteis que possibilite uma melhor análise de cada fase da hermenêutica de profundidade e, conseqüentemente, uma melhor apuração da pesquisa e da informação qualitativa. Com essa mesma visão, Demo (2004) reforça que a “teoria - que é apenas um instrumento - deve servir à análise e sobretudo ao encontro tanto mais meticuloso com a realidade”12. 3.2 Receptor ativo ou passivo? Para estudar esse caso exemplar que envolve os efeitos de recepção de um programa televisivo é necessário entender o papel do receptor em meio às práticas da mídia comercial. Vizeu (2005) se propõe a superar o clássico paradigma da recepção, demonstrando que como produto, o telejornal é impensável sem a audiência. Em seu estudo, Vizeu indica que há uma “audiência presumida”, e que o telejornalista produz e edita o telejornal com base na audiência presumida que forma o público que o telejornal, enquanto produto, espera ter. Segundo o autor, é no trabalho de enunciação que os jornalistas produzem discursos e é no interior desse processo discursivo que, por meio de múltiplas operações, a audiência é construída antecipadamente, num conjunto de regras e instruções originadas no campo da produção para serem “seguidas pelo campo da recepção (audiência)”. Mas essa produção só é seguida pelo campo da recepção, pelos telespectadores, por ser de interesse desse público. Isso não pode ser creditado à passividade do receptor. Por ser o Globo Repórter um programa jornalístico, podemos acreditar que o descrito por Vizeu para os telejornais também se aplique ao Programa em questão. O receptor só acompanha um determinado programa porque se estabelece uma relação de troca, entre ele e o produto oferecido, onde ambas 12 Em termos hermenêuticos, nenhum problema pode ser considerado como “resolvido”, uma vez que nenhuma discussão acaba em definitivo. O que se tem é a sensação que o tratamento do tema atingiu um patamar suficiente, por enquanto. Demo (2004, p.48) acredita que “o referencial teórico deva fazer parte da metodologia qualitativa como questão implícita inevitável e necessária”. Para o autor, o que se faz é apostar na capacidade argumentativa, cultivando a abertura da discussão – que faz ganhar em qualidade, intensidade e profundidade - sem “comprovar estritamente como fantasia o empirismo ou o positivismo”. as partes possuem algo de valor para trocar com a outra. O receptor entra com a esperada audiência que o veículo de comunicação espera. Este, por sua vez, entra com um programa que atenda os desejos, necessidades ou anseios do telespectador. Assim, como coloca Marcondes Filho (1987), em seu estudo sobre televisão, o receptor não se porta de forma a acompanhar passivamente aquela programação. Para o autor, o receptor da TV participa como o outro membro nesta relação de troca. Se observarmos o cotidiano das pessoas e o interesse delas ao assistirem televisão podemos constatar que algumas fazem questão de assistir a determinado programa. Outras cancelam seus compromissos para não perderem o telejornal ou mesmo a telenovela. Mas o que move os telespectadores a uma recepção ativa? O interesse pelo conteúdo apresentado, com vemos em: A grande massa dos receptores das mensagens de televisão vai ao encontro desses conteúdos, sente falta e necessidade deles, vicia-se na sua audiência, muda de canal quando a qualidade do programa não lhe satisfaz, tem uma postura realmente crítica (muito embora essa “crítica” nada tenha a ver com a crítica que a intelectualidade normalmente espera) (MARCONDES FILHO, 1987, p.27). Sendo assim, a relação que se estabelece entre o telespectador e o programa televisivo ou mesmo com uma determinada emissora é forte, com interesse específico de ambas as partes. O ponto forte dessa relação é a troca que não se constitui em uma relação unilateral, de passividade ou submissão. Essa relação é bilateral porque é aceita pelo receptor ao dedicar a sua audiência a determinado programa. No estudo de caso que é objeto dessa dissertação, temos o Globo Repórter que ofereceu um programa (produto) sobre os municípios que mais geravam emprego e renda no País. O programa foi ao ar em um momento em que a população clama por mais postos de trabalho e que os níveis de desemprego são uma preocupação social. Imaginem, então, quantos desempregados ou trabalhadores em busca de melhores oportunidades no mercado de trabalho não se constituíram na audiência presumida daquele Programa? Para aquele tema, naquele momento, era de se esperar que muitos desempregados fossem se interessar. Podemos pensar em milhões de telespectadores de todas as regiões em suas casas, esperançosos para assistir a um Globo Repórter que satisfizesse as suas necessidades. Ou seja, aquele Programa, por certo, tinha um público garantido e, para satisfazê-lo, pretendeu mostrar os caminhos para o emprego no Brasil. Marcondes Filho (1987) ao estudar o receptor como agente ativo em uma relação de troca com a televisão, procurou comprovar que se a televisão apresentou um programa tendencioso, parcial em alguns aspectos e, se esse programa teve a receptividade do telespectador e audiência, “não foi nada imposto, mas perfeitamente absorvido (e, por que não, desejado) por esse público”. Apesar do autor não ter estudado especificamente o Globo Repórter, suas inferências podem ser trazidas à realidade do Programa. A diferença da recepção sobre um programa específico do Globo Repórter e os estudos daquele autor é que o conteúdo apresentado, além de ser completamente absorvido, por ter sido tão desejado pelos telespectadores, provocou nesses receptores ativos efeitos imediatos, o que não vemos aquele autor indicar em seu trabalho. O conteúdo apresentado não só serviu de consenso entre o mostrado e o compreendido pelas pessoas, mas de impulso para a constituição de um receptor ativo, de fato, que deixou sua cidade de origem para ir a Rio Verde, se aventurando nos caminhos traçados pelo Programa. O receptor ativo, nesse estudo, não se conteve em apenas assistir ao conteúdo que ia ao encontro de todos os seus desejos e necessidades, agindo imediatamente, numa resposta ao programa, formando junto com centenas de telespectadores uma marcha de desempregados a um paraíso construído com imagens e sons: Rio Verde. 3.3 A notícia como produto O exemplo do Globo Repórter nos mostra claramente a transformação de fatos em notícias e estas em mercadoria, com uma aparência construída, além de força de impacto suficiente para movimentar a massa de receptores. A notícia como mercadoria é assim conceituada: Notícia é a informação transformada em mercadoria com todos os seus apelos estéticos, emocionais, sensacionais; para isso a informação sofre um tratamento que a adapta às normas mercadológicas de generalização, padronização, simplificação e negação do subjetivismo. (MARCONDES FILHO, 1986, p. 13) A notícia, como apresentada ao receptor, é uma parte da realidade, uma realidade fragmentada, um recorte, que atua no telespectador como parte de um jogo psíquico, carregado de processos que suscitam sensações diversas: alívio, descontração, satisfação, dentre outras razões. Para Thompson (2002), as indústrias da mídia, que incluem a difusão da televisão, passam por transformações significativas. Parte dessas transformações tem a ver com o próprio modelo sócio-econômico atual: “As indústrias da mídia nas sociedades ocidentais são, em muitos casos, organizações comerciais ou quase-comerciais, operando num mercado competitivo e sujeito a pressões financeiras e incentivos de vários tipos [...]” (Thompson, 2002, p.253/254). Isso significa que essas indústrias, enquanto interesses comerciais, agem em resposta a imperativos econômicos. Podemos inferir, então, que a sua produção passa a ser tratada como produto, com interesses comerciais que objetiva o estabelecimento da emissora ou veículo em um mercado altamente competitivo. Quem não fatura, não se estabelece. Thompson ainda atribui a essas produções a categoria de mercantilizadas, tratadas como objetos para serem vendidos. Assim, podemos comparar o Globo Repórter enquanto produção com interesses comerciais, de caráter mercantil, como uma propaganda promocional, que apresenta um produto ao consumidor e como efeito, caso o convença sobre o produto, espera a ida desse consumidor até a loja para efetivar a compra. O Programa, se analisado sob a ótica de um produto, esperava que o seu conteúdo e as idéias apresentadas fossem “comprados” pelo telespectador. O que talvez a emissora não esperava é que os efeitos fossem imediatos e ocorresse uma migração instantânea ao Município, fruto da efetivação da “compra” da mensagem mostrada. Para Marcondes Filho (1986), a lógica da imprensa no capitalismo é a de misturar as coisas, desorganizando qualquer estruturação racional da realidade. O fato de mostrar a notícia fragmentada, como um recorte da realidade, corrobora para que isso ocorra. Ressaltamos que não há envolvimento do telespectador se o conteúdo mostrado não for associado à sua realidade específica. Sem essa identificação não há envolvimento. É por essa razão que dizemos que a televisão é um “pólo ativo” no processo de seleção e divulgação das notícias e não se constitui em mera “observadora” ou “repórter”. Para Arbex Jr. (2005) a televisão tem o poder de interferir nos acontecimentos. E foi justamente isso o que ocorreu em Rio Verde. Quando testemunhamos diretamente um acontecimento, presenciamos a verdade dos fatos, uma verdade que se manifesta diante dos nossos olhos. A realidade que presenciamos é diferente da realidade mostrada pela tela da TV. De acordo com Arbex Jr. (2005), quando presenciamos um evento, sabemos como ele aconteceu. O mesmo não se dá quando assistimos esse mesmo evento pela televisão. Nesse caso, “[...] a televisão reivindica para si a capacidade de substituir com vantagem o olhar do observador individual”. Essa vantagem é adquirida pelo aparato tecnológico cada vez mais aperfeiçoado, que exerce sobre o telespectador total fascínio. Essa é a capacidade da televisão de criar “mundos reais”, “Ou melhor, mundos os quais o olhar empresta uma realidade vivida no íntimo dos telespectadores, com o seu consentimento”(Arbex Jr., 2005, p.47), como se fosse uma espécie de enquadramento da vida, num enredo permitido e aceito. Nesse processo de criação, as imagens desempenham um papel importante. O que antes o homem contemplava no mundo, criando as imagens mentais desejadas, hoje já chega pronto pela televisão, o que tira a possibilidade de contemplação. Peixoto (in Novaes, p.74) acredita que esse “hiper-realismo implica, na verdade, uma perda do real”, quando o telespectador, na ânsia de apreender imediatamente tudo o que está acontecendo, permite que a TV substitua a realidade. A televisão exerce outras formas de fascínio nos telespectadores, que veremos a seguir. 3.4 O desejo do receptor: ver e ser visto pela televisão No processo de troca que estabelece a relação entre o telespectador e o receptor da mensagem televisiva, “O algo que a televisão constrói pelo olhar é um campo de força do desejo de ver e do desejo de ser visto13” como reforça Novaes (2001, p.85). Esse campo de força exercido pela televisão é percebido quando tomamos o exemplo de alguns depoimentos dados ao Globo Repórter, inflados pelo desejo de se ver na “telinha da Globo”. O jornalista Augusto Rocha, entrevistado em nosso trabalho de campo, suspeita que isso possa ter ocorrido: “No entanto, a vaidade de diversos entrevistados, na ânsia de obter seus 15 segundos de fama, com certeza, contribuiu de certa maneira, para aquela abordagem”. Esse desejo, apesar de não declarado e de não ser assumido pelas pessoas entrevistadas pelo repórter Flávio Fachel, surge velado, o que poderia explicar o teor de alguns dos depoimentos exibidos no Programa. Mais do que dizer a verdade dos fatos sobre os postos de trabalho em Rio Verde estava a vontade, daqueles entrevistados, de se sentir parte de uma realidade que a Rede Globo contaria para milhões de telespectadores. As forças que movem o desejo de ser visto tecem uma rede de fenômenos, como explica Novaes (2001, p.85): Desloca tensões e leva o homem ao esquecimento e à perda de si mesmo nas imagens que vê: absorvido pelas imagens que contempla, na realidade é o objeto que se mostra nele, armadura de um mundo invisível, “infra-estrutura corporal que sustenta o 14 edifício das nossas representações” . Nessa perspectiva, Novaes (2001) analisa que o mundo passa a ser um espetáculo permanente, reduzindo o campo de percepção do receptor enquanto se cria um ambiente de familiaridade tão intenso com a TV, com as imagens apresentadas, que todo o resto do mundo é esquecido. Essa 13 Com base nas notas de trabalho de O visível e o Invisível, de Merleau-Ponty. A frase entre aspas é de Maurice Merleau-Ponty expressa no livro de Claude Lefort, Histoire de la philosophie e citada em nota no artigo intitulado O olhar melancólico, de Adauto Novaes, no livro Rede Imaginária – Televisão e Democracia, organizado por ele. 14 intimidade entre o receptor e a televisão o torna universal e “este é um dos elementos de sedução, que modela os desejos de quem vê [...] o fascínio dessa presença absoluta dissimula até mesmo o trabalho dos sentidos”. (Novaes, 2001. p.86). A redução do campo de percepção pela qual passam os receptores tem a ver com o próprio processo de produção do que é mostrado, onde todas as coisas são obscuras e jamais conhecemos o processo de produção televisivo. A televisão, para Montoro (in Motta, 2002), integra um universo cognitivo e cultural do cotidiano das sociedades contemporâneas, introduzindo-se na vida diária por exercer um papel fundamental na apresentação da realidade: Os processos de construção das notícias nos telejornais podem ser analisados observando as operações de mediação que se estabelecem entre um acontecimento (fato de referência) e sua representação (a forma elegida para narrar e relatar o fato e os acontecimentos que dele derivam), que constituem discursos informativos de televisão. (MONTORO in MOTTA, 2002, p.303). Nesse processo de construção das notícias descrito pela autora é importante destacar que as características dos discursos informativos dependem essencialmente de uma contextualização prévia dada a notícia, o que pode ser feito pelo “enquadre noticioso”, capaz de organizar, selecionar e editar os acontecimentos de forma que se configurem em um processo com um resultado final acessível ao público. É importante mencionar que esse processo de recepção, que alia o desejo de ser visto e de ver, age de maneira diferente nas pessoas. Arbex Jr. (2005) trata da forma como as mensagens transmitidas são captadas e experimentadas pelo indivíduo exposto ao fluxo de comunicação das mídias. O autor refere-se a existência de um “leitor especializado” (o historiador, o analista econômico, o intelectual, etc), capaz de elaborar a sua própria versão da história. Deve-se destacar que Miceli (in Novaes, 2001, p.198) afirma que “A adesão à TV Globo, por exemplo, é praticamente o dobro nos setores menos instruídos do que nos segmentos mais instruídos”. Talvez o grau de escolaridade de boa parte dessas pessoas não permitisse maiores questionamentos quanto a realidade mostrada sobre Rio Verde a qual exerceu tamanho fascínio por traduzir as necessidades delas. O que essas pessoas queriam ver era uma realidade que as tirasse do sofrimento ocasionado pela falta de trabalho, de oportunidades e de perspectivas para o futuro. Essa é a fascinação que a televisão exerce em seus telespectadores, a de alimentar sonhos e fantasias que tiram a dureza da vida real. Esse fascínio que a televisão desperta nos telespectadores é encarado por Eco (apud Arbex, 2001) como uma “relação hipnótica”, em que os telespectadores projetam na televisão os seus desejos inconscientes. O que favorece essa projeção, para Eco, é o estado de ânimo de relaxamento e a imersão que a televisão e suas imagens proporcionam ao receptor: “Nesse estado de ânimo de relaxamento, estabelece-se um tipo muito particular de transação, pelo qual se tende a atribuir à mensagem o significado que inconscientemente se deseja” (apud Arbex, 2001, p.50). Mais do que hipnose, Eco chama essa transação de auto-hipnose ou projeção. Projeta-se, então, na televisão, aquilo que se deseja. No caso dos telespectadores que assistiram ao Globo Repórter sobre Rio Verde, o que os moveu, fisicamente, à cidade foi justamente esse desejo – de um lugar onde existisse emprego de “sobra” e com oportunidades para todos os desempregados – que tomou forma e se incorporou como real no Programa. A esse processo, Marcondes Filho (1988) dá o nome de “domesticação da fantasia”, no qual o receptor, ao invés de atuar junto à televisão, é surpreendido, fascinado, pela TV que fornece a ele cenários completos, prontos, terminados. O resultado disto, para o autor (1988, p.27) é a subversão ou consolidação do imaginário do receptor: “Na tela aparecem exemplos de vida e exemplos de acontecimentos terminados que se apresentam como verdadeiros e reais”. Veículos de comunicação, como a televisão, captam as fantasias do receptor, estimulando-as e permitindo que elas se desenvolvam. Para Marcondes Filho (1988) o fascinante na TV é estabelecido pela tensão entre os restabelecimento momentos do esquema de de fantasia ordem, que que ela proporciona devolvem o e o receptor “neutralizado, ao seu mundo”. O Globo Repórter que analisamos traduziu o desejo dos entrevistados, de serem vistos na televisão, e de ver, dos milhares de telespectadores desempregados brasileiros. O desejo de ver está diretamente ligado com o cotidiano, com a família e o de ser visto com o ego de cada um. 3.5 Enunciação do cotidiano e da família Em todos os tipos de programas exibidos pela televisão, dos noticiários às telenovelas com atuação dramática, “o discurso televisivo caracteriza-se por marcas de enunciação do cotidiano e da família [...] o imaginário da casa penetra no fluxo de simulação televisiva da realidade” (Sodré in Novaes, 2001, p.224). Como mencionamos, o componente da imagem é um forte aliado nessa sedimentação da realidade mostrada. Sodré (in Novaes, 2001), adotando a perspectiva de Bachelard, não tem dúvidas quanto à importância das imagens: “A casa é um corpo de imagens que dão ao homem razões ou ilusões de estabilidade”. No livro A Poética do Espaço, Bachelard (1998) toma a casa como um “instrumento de análise” para a alma humana. Num estudo que abordou a dialética do interior e do exterior em que a identidade entre o sujeito e a casa se dá pela repetição dos hábitos e costumes, faz-se em Sodré (in Novaes, 2001) a analogia com a identidade entre a televisão e o sujeito, que está na incorporação, pelo imaginário televisivo, das famílias, das casas e das particularidades nacionais. O espaço tratado por Bachelard, representado pela casa, abrange o espaço familiar e suas formas de constituição, além de expressar a inserção da família no campo15 social (Bourdieu) e as possibilidades de acesso aos bens materiais que caracterizam a sociedade capitalista. Essa enunciação do cotidiano e da família em que se constitui a televisão brasileira, que em Bachelard pode ser vista como a espacialidade familiar – que longe de ser apenas um espaço físico expressa uma infinidade de elementos envolvidos - nos remete também à perspectiva bourdiana, onde a casa e seus objetos revelam o estilo de vida das pessoas, conforme o habitus delas. “[...]O habitus, como indica a palavra, é um conhecimento adquirido e também um haver, um capital [...]” (Bourdieu, 2004, p.61). Elementos como 15 A noção de campo estabelecida por Pierre Bourdieu é a de “espaço social de relações objetivas”. O conceito de campo intelectual é “universo relativamente autônomo de relações específicas: com efeito, as relações imediatamente visíveis entre os agentes envolvidos na vida intelectual – sobretudo as interacções entre os autores ou entre os autores e os editores – tinham disfarçado as relações objectivas entre as posições ocupadas por esses agentes, que determinam a forma de tais interacções” (BOURDIEU, 2004, p.65/66). esses, que compõem o habitus, exprimem a postura e a disposição do habitus da classe onde a televisão atua para conformar este espaço, como objeto e como meio, interagindo com o estilo de vida de uma determinada família. As características do habitus da classe, da casa, do espaço familiar permitem que se estabeleça uma relação de identidade própria que, com a televisão, dependendo do conteúdo mostrado, permite uma identificação que modifica o cenário de ação e interação. Nessa relação temos a participação do imaginário e da memória coletiva. Ao se tratar de imaginário, devemos retomar alguns conceitos. Silva (2003, p.8) estabelece que “Todo imaginário é uma narrativa. Uma trama. Um ponto de vista. Vista de um ponto.” Ou ainda: “Imaginário é a narrativa mítica da era da mídia, da “sociedade do espetáculo” (Debord), da época dos fenômenos extremos (Baudrillard), da complexidade (Morin), do vínculo social (Maffesoli)” (p.8). O autor coloca ainda que o imaginário surge da relação entre memória, história pessoal, aprendizado e inserção no mundo dos outros e compara o imaginário a uma biografia, uma história de vida. O processo de construção do imaginário funciona de formas diferentes para o imaginário individual e para o imaginário social, conforme vemos explicadas a seguir: A construção do imaginário individual se dá, essencialmente, por identificação (reconhecimento de si no outro), apropriação (desejo de ter o outro em si) e distorção (reelaboração do outro para si). O imaginário social estrutura-se principalmente por contágio: a aceitação do modelo do outro (lógica tribal), disseminação (igualdade na diferença) e imitação (distinção do todo por difusão de uma parte). (SILVA, 2003, p.13) Constituindo-se o imaginário uma fonte racional e não-racional de impulsos para a ação, podemos dizer que o imaginário televisivo do Globo Repórter instalou-se por contágio, estimulando os telespectadores a agir, a ir ao encontro da realidade sonhada exibida no Programa. Neste caso, a construção do imaginário individual dos telespectadores ocorreu por identificação ao tema exposto e aos sonhos que nasceram com a “realidade” mostrada. O imaginário como fonte racional e não-racional abriga inúmeros sentidos (imagens, sentimentos, afeto, emoções, símbolos, valores, etc), que Silva (2003) compara ao termo gerado por Durand: “bacia semântica”.16 Durand (2001, p.6), que estudou os processos de produção, transmissão e recepção, assim classificou: “o “museu” – que denominamos o imaginário de todas as imagens passadas, possíveis, produzidas e a serem produzidas”. O autor faz uma abordagem da “revolução do vídeo” em que trata da explosão da “civilização da imagem”, nascida com a imagem fotográfica em 1823 e depois com a animação da imagem reproduzida quimicamente – com os irmãos Lumière, em 1885. Durand acredita que a “explosão do vídeo” provoca efeitos perversos e perigosos. Um desses efeitos é a forma com que a imagem “enlatada” paralisa o julgamento de valor do espectador e anestesia a criatividade individual da imaginação. Como exemplo desse efeito, Durand (2001, p.118) expõe: “Este nivelamento é perceptível no espectador da televisão, que engole com a mesma voracidade, ou melhor, com a mesma falta de apetite, espetáculos de “variedades”, discursos presidenciais [...]”. Outro ponto importante que o autor destaca nessa “civilização da imagem” é o anonimato “da fabricação dessas imagens”, o que permite as manipulações e as “desinformações por produtores não-identificados”. O autor coloca como perigos para as gerações do “zapping”: o nivelamento de valores do grupo e quando a imagem sufoca o imaginário. Nessa troca, entre o imaginário individual (do telespectador) e do imaginário coletivo (transmitido pela televisão), estão os impulsos para as ações que modificam a forma de interagir do receptor exposto a um determinado conteúdo televisivo. De acordo com Arbex (2002), temos a TV revelando-se com todo o seu poder de mobilização de fantasias e de referência para nosso mundo cotidiano, submetendo o telespectador a respostas imediatas, ao passo que mantém 16 Durand definiu a noção de imaginário como sendo uma “bacia semântica” que orienta o trajeto antropológico de cada um. Trajeto antropológico “representa a afirmação na qual o símbolo deve participar de forma indissolúvel para emergir numa espécie de vaivém contínuo nas raízes inatas da representação do sapiens e, na outra “ponta”, nas várias interpelações do meio cósmico e social” (DURAND, 2001. p.90). Entenda-se por “bacia semântica”, segundo Silva (2001), representação e sentido, enquanto “trajeto antropológico” pode ser tomado como direção e conhecimento do homem. ocultas as estruturas do texto ou a concepção que está na base da apresentação das imagens mostradas. Isso explica os motivos pelos quais uma notícia, segundo Park (apud Medina, 1978, p.26), só é mesmo notícia quando chega às pessoas para as quais tem um “interesse noticioso”: “Todo público tem seu próprio universo de discurso e um fato só é fato em algum universo de discurso”. Mais uma vez vemos a importância da identificação do telespectador com o que é apresentado na televisão. É desta forma que se dá a construção de significado pela mídia. 4. A CONSTRUÇÃO DE SIGNIFICADO Os elementos que envolvem o processo de recepção da comunicação de massa e os efeitos que a recepção gera em indivíduos ou grupos são estudados há décadas. Intelectuais de várias áreas (psicologia, sociologia, antropologia, comunicação, dentre outras) criaram diversas formulações, na tentativa de explicar o processo e os efeitos da comunicação de massa17. Muitos desses pesquisadores se basearam no princípio que os significados e as interpretações da realidade são construídos socialmente. O modelo de mídia atual atua na expansão de tudo o que chega aos nossos olhos e ouvidos, por meio de representações da realidade que visam causar um impacto em nós. Dos estudos que trataram do tema de como a mídia modela significados, destacaremos Walter Lipmann.18 Com Public Opinion, Lipmann discutiu como a mídia e as interpretações que ela faz dos acontecimentos podem alterar as interpretações da realidade pelo público. DeFleur e Ball-Rokeach (1993) explicam com mais detalhes estas colocações: Lipmann concluiu que as pessoas agem não baseadas no que realmente está se passando ou que tenha ocorrido, mas naquilo que imaginam seja a situação real conseguida de descrições fornecidas pela imprensa – significados e interpretações que amiúde têm apenas limitada correspondência com o que se passou. Como resposta às descrições da imprensa, as pessoas poderiam ser levadas a ações e comportamentos, como resultante de uma construção de significado influenciada pela realidade veiculada. Mesmo sendo criada em 17 Comunicação de Massa pode ser entendida como sendo “um conjunto de fenômenos e processos que emergiram historicamente através do desenvolvimento das instituições que procuram explorar novas oportunidades de fixação e reprodução dessas formas”. (Thompson, 2002, p.289) 18 Walter Lipmann esboçou na década de 20 estudos sobre a função de construção de significado da imprensa. De acordo com DeFleur e Ball-Rokeach (1993), outros pesquisadores também trataram a mídia como agente de construção de significados: George Gerbner, com a teoria do refinamento; Donald L. Shaw e Maxwell McCombs, com a função da imprensa de estabelecimento da agenda e Melvin DeFleur e Timothy Plax, que estabeleceram a função da mídia como modeladora da linguagem. 1922, a teoria de Lipmann se aplicou igualmente aos novos veículos que surgiram na história da comunicação de massa, em especial o rádio e a televisão. Atualmente, depois de várias teorias, busca-se fazer o estudo da comunicação de massas na procura das maneiras pelas quais a realidade mostrada pelos veículos proporciona uma base para a construção de significados. As pessoas, por diversos fatores, atentam seletivamente para o conteúdo da mídia, percebendo o seu significado e adquirindo conhecimento, e se utilizam desse conhecimento para reagir a seu ambiente físico social. Não podemos afirmar que a mídia sempre utiliza-se do emprego deliberado do conteúdo para controlar essas respostas. Muitas vezes, a mídia não o faz deliberadamente, mas as respostas dadas pelo público constituem os efeitos da comunicação. A construção de significados faz com que a mídia seja tomada como agente de socialização19. Um dos aspectos da socialização tem por base os sistemas pessoais de resposta do indivíduo, como as pessoas adquirem novas formas de ação que modifiquem seus modos habituais e de resposta ao ambiente físico social. Nos dias de hoje, vemos a mídia como elemento que proporciona o contato de indivíduos com outras culturas, outras sociedades, estilos de vida, que acabam contribuindo para o estabelecimento de determinados comportamentos. A Teoria da Modelagem, formulada pelo psicólogo Albert Bandura, trata justamente disto, da fixação de modelos para a conduta social. Uma análise apurada da mídia nos mostra que não são poucos os exemplos de emprego do conteúdo com a intenção de manipular e de persuadir. DeFleur e Ball-Rokeach (1993, p. 308) deixam clara esta intenção: “Agora, em uma Era de Comunicação de Massa, a mídia proporciona canais ao alcance de populações imensas com o fim de estruturar deliberadamente os significados”. Essa construção de significados pela mídia explica, em parte, os efeitos gerados por ela nos receptores, assunto que veremos a seguir. 19 DeFleur e Ball-Rokeach (1993, p.224) definiram socialização como “processo pelo qual as crenças, atitudes e comportamento dos membros das sociedades são modeladas pelos sistemas socioculturais dos quais participam”. 4.1 Os efeitos de recepção Se partirmos do pressuposto que a imprensa “modela” as imagens em nossa mente, mostrando uma representação da realidade social, o que é mostrado, por certo, influencia nossa atuação no cotidiano e nossa conduta. Essas influências também aparecem em nossas respostas às questões apresentadas pela mídia, alterando nosso comportamento. Wolf (1987), ao estudar o surgimento de pesquisas sobre os efeitos, destaca o interesse do investigador pelas influências dos meios sobre o público. Ao analisarmos o trecho do Globo Repórter que focaliza Rio Verde, não podemos afirmar que se trata de uma intenção deliberada da emissora em utilizar o conteúdo para a construção de novos significados nos telespectadores e para uma mudança de comportamento rumo àquele alvo de persuasão apresentado: a fábrica de empregos. Apesar da estratégia de construção de significados aparecer mais claramente na propaganda, que tem a intenção deliberada de persuadir, o telejornal analisado encaminhou uma mensagem específica à população, com características que iam ao encontro das necessidades do público, que com o conteúdo e a forma com que foram estruturados foram capazes de fornecer e modificar significados e até atitudes de uma parcela de telespectadores, que foi levada à ação. Esses novos significados apontaram Rio Verde como “terra promissora para o emprego” e deram sentido às ações de uma quantidade de desempregados. No caso destas ações, ou efeitos de recepção daquele programa televisivo, a ocorrência se deu de maneira imediata, interligando a situação representada pela televisão à realidade verdadeira do Município, pelo contato direto dos telespectadores com o que foi abordado no Programa. O contato direto se deu com a chegada de centenas de pessoas à Rio Verde, horas, dias e semanas depois que o programa foi exibido. Todas as pessoas que se deslocaram à cidade agiram motivadas pelo significado construído que o Globo Repórter levou a todos os telespectadores. A realidade apresentada foi tão convincente que permitiu a ação, de fato, de quem se identificou com ela. Seguiu-se a essa ação imediata, de deslocamento físico a Rio Verde, o choque diante da realidade vista de perto. Thompson (2002) fez a classificação do que chamou de “enfoque tríplice” para analisar a comunicação de massa, composto pela produção e transmissão ou difusão das formas simbólicas; pela construção da mensagem e pela recepção e apropriação das mensagens do meio. Ao abordarmos os efeitos de recepção, nos concentraremos no último ponto do “enfoque tríplice” de Thompson, a recepção e a apropriação, que na terminologia hermenêutica, é o processo de “tornar próprio” algo que é novo, alheio e estranho. Para o autor, é necessário avaliar circunstâncias específicas (em que contextos, em que companhia, em que grau de atenção) as pessoas têm contato com o produto apresentado pela mídia. Isso contribuiria para a elucidação de como as pessoas chegam a entender as mensagens e como as incorporam em suas vidas cotidianas. Em seu estudo, Thompson (2002, p.403) destaca seis características gerais da apropriação cotidiana dos produtos massivos: 1) os modos típicos de apropriação dos produtos de comunicação de massa; 2) as características sócio-históricas dos contextos de recepção; 3) a natureza e a significância das atividades de recepção; 4) o significado das mensagens, como interpretado pelos ouvintes; 5) a elaboração discursiva das mensagens comunicativas; 6) as formas de interação e quase-interação estabelecidas através da apropriação. Das características elencadas, trataremos especificamente das formas de interação e quase-interação, na tentativa de melhor compreender os efeitos da recepção daquele Programa. Quatro foram as formas estabelecidas por Thompson (2002) para caracterizar as formas de interação ou quase-interação: interação num processo de recepção primária – como por exemplo conversas entre pessoas que estão juntas assistindo um programa de TV – entre receptores ou entre receptores e não-receptores; interação que ocorre após a elaboração discursiva das mensagens, que pode envolver pessoas que vivenciaram diretamente a recepção das mensagens ou que não estavam no momento desta recepção; a quase-interação pode ocorrer no envolvimento de receptores com as pessoas envolvidas na produção das mensagens e a estruturação de uma virtual comunidade de ouvintes que podem não interagir mutuamente (direta ou indiretamente), mas que tem em comum o partilhar das mesmas mensagens, constituindo um coletividade que pode se estender pelo tempo/espaço. Ao analisarmos o trecho do Globo Repórter sobre Rio Verde, podemos inferir que essas quatro formas de interação ou quase-interação foram vivenciados no processo de recepção, com destaque para a virtual comunidade de ouvintes, pessoas que se identificaram com o conteúdo do Programa, que estavam a procura de um emprego e que, junto com outras centenas de desempregados de diversas regiões do País, estiveram interligados numa quase-interação que se estendeu pelo tempo e pelo espaço. Além de partilharem a mesma mensagem apresentada pelo Programa, esses receptores partilhavam necessidades, desejos e sonhos semelhantes, o que caracterizava-os como uma coletividade. Ao abordar a questão da ideologia, Thompson formulou algumas premissas que podem nos guiar no sentido de melhor compreender como são os efeitos do processo de recepção das mídias e por quais razões esses efeitos acontecem. Um dos pontos de destaque é a legitimação20. No caso do conteúdo mostrado pela televisão, se ele apresentar características que o indiquem como digno de apoio, ele será legitimado pelos receptores, o que facilita a compreensão do mesmo como uma verdade: “Discursos e documentários, histórias, novelas e filmes são estruturados como narrativas que retratam relações sociais e manifestam as conseqüências de ações de modo tal que podem estabelecer e sustentar relações de poder” (Thompson, 2002, p.83) Os efeitos produzidos nos telespectadores do Globo Repórter sobre a geração de emprego e renda começaram a ser estabelecidos com o reconhecimento do conteúdo mostrado como uma verdade, desse modo ocorreu a identificação do tema como de interesse pelo receptor por meio das 20 No sentido literal da palavra e com base em Max Weber, a legitimação são as relações de dominação que podem ser estabelecidas ou sustentadas pelo fato de serem apresentadas como dignas, ou seja, como justas e dignas de apoio. estratégias adotadas, o que Thompson (2002) chama de narrativização (histórias que contam o passado e tratam o presente como parte de algo aceitável e que podem ser inventadas a fim de criar um sentido que pertença a uma comunidade). A narrativização empregada pelo Programa, com uma história com muitos elementos que a reforçavam (sons, imagens, textos, conteúdo da mensagem, estruturação do Programa), impulsionou os receptores, os quais sentiram que pertenciam ao tema abordado e desejaram satisfazer uma necessidade latente, a buscar um emprego e novas oportunidades profissionais seguindo “os caminhos do emprego no Brasil” apresentados pelo Programa. 5. AS NOTÍCIAS COMO SHOW Em nossa sociedade, cada vez mais as notícias são transformadas em show pela indústria da informação, sempre como resultado do processo de conquista da audiência e de “vender” os seus programas como produtos aos telespectadores. Para Arbex Jr. (2005, p.69) esse é o fim da fronteira entre informação e entretenimento e a constituição do espetáculo – “é a aparência que confere integridade e sentido a uma sociedade esfacelada e dividida. É a forma mais elaborada de uma sociedade que desenvolveu ao extremo o “fetichismo da mercadoria”, onde para muitos a felicidade se confunde com o consumo. Isso fez com que as notícias fossem apresentadas por “belas mulheres, ou por âncoras que funcionam como showmen”, não importando se eles sabem ou não do que se trata a notícia lida. Em Livolsi (apud Filho, 1986, p.19) temos uma clara definição do que isso constitui: Encontramos aqui talvez naquela que foi definida como “sociedade 21 do espetáculo ”, uma sociedade alinhada por estímulos emocionais, por interesses superficiais, por fatos indiferentemente grandes e pequenos, importantes ou banais, todos destinados a exaurir a atenção do grande público sem deixar marcas. Todo o fluxo comunicativo é espetáculo: as notícias chegam aos receptores praticamente sem poderes de informação/formação. O Globo Repórter analisado por esse estudo, nada mais é que a notícia transformada em show, com recursos técnicos e tecnológicos que ampliam a construção do espetáculo. O texto, as imagens e os depoimentos exibidos são peças fundamentais para a criação do espetáculo levado ao ar. Mais do que isso, o programa abusa de um recurso do momento: as metáforas que explicam o mundo e a realidade. Para Marcondes Filho (1986, p.52) a televisão 21 Em 1967, Guy Debord afirmava que a sociedade de consumo, apoiando-se nos meios de comunicação de massa, tornara-se a “sociedade do espetáculo”, fazendo referência a maneira de ser da sociedade de consumo da época. O espetáculo, segundo Debord (apud Arbex Jr., 2005, p.69), “consiste na multiplicação de ícones e imagens, principalmente através dos meios de comunicação de massa”. Rubim (2000) faz uma retomada da origem da palavra espetáculo, derivada do latim spetaculum, que representaria um significado mais neutro, algo como “tudo o que chama a atenção”, “aquilo que atrai e prende o olhar”. Cabe ressaltar que o uso mais freqüente da palavra está ligado ao conceito de Debord. transmite a ilusão da verdade – “ao ver as cenas do acontecimento, o receptor rejeita a tese de manipulação pelo fato de “ter testemunhado com os seus próprios olhos” o ocorrido”. “Até que ponto a mídia tem o poder de sedimentar como “a” realidade (isto é, como “fatos que realmente aconteceram”), na memória coletiva, as imagens que fabrica dos eventos (isto é, as imagens por ela selecionadas e editadas)?”, questiona Arbex Jr. (2005, p.37). Não sabemos responder até onde a mídia tem esse poder, mas ele existe e é inegável. A força da imagem é tratada por Martín Barbero (apud Marcondes Filho, 1988) como a responsável pelo espetáculo que a TV proporciona aos telespectadores. Segundo o autor, o espetáculo é definido pela eficácia visual e não pelos conteúdos que apresenta. A fascinação vem, então, mais da forma espetacular com que é transmitida do que do conteúdo que se transmite oralmente. Por isso a televisão trabalha com ações e cenas que possam ser facilmente interpretadas e decodificadas pelo telespectador. São cenas e um conjunto todo que trabalham na “incitação forçada de emoções, prazer, envolvimento” (Marcondes Filho, 1988, p.61). O jogo de metáforas e o reforço que as mesmas proporcionam para a sedimentação da realidade mostrada pelo Globo Repórter sobre a geração de emprego e renda em Rio Verde está presente em todo o texto e nas imagens selecionadas, como vemos nos trechos destacados: “Rio Verde é uma máquina de oportunidades”; “a produção no campo faz nascer empregos no município”; “O ambulatório da empresa é tão grande que mais parece um pequeno hospital”; “Onde há fumaça, há vagas”; “O inferno da caldeira pode ser o paraíso sonhado para quem não tem emprego”; “A cidade, fincada no coração do cerrado brasileiro, abre 3,3 novas vagas a cada mês; “Trabalho à vontade, que brota das fazendas da região”; “Mas no Sine de Rio Verde existe, ainda, um outro tipo de fila, formada não por desempregados, mas por patrões em busca de funcionários”; “Difícil de acreditar: de dez em dez minutos tem vaga sendo oferecida”; dentre outras. No texto é clara a intenção de ver a realidade que se mostra sedimentada junto ao telespectador. A linguagem televisiva demonstrou a força das imagens pela sua capacidade de fascinação. As metáforas se unem às imagens gerando uma capacidade de fascinar que permite a apresentação de cenas e sons de maneira integrada. Isso fez com que a televisão, nas últimas décadas se tornasse o meio de comunicação de maior ascensão e com maior poder de penetração em diferentes esferas de interação social, redefinindo relações, modos de vida e culturas. O espetáculo, o fascínio, o impacto e a emoção exprimem a força da televisão, mas colocam à prova suas fragilidades, como por exemplo, a relação entre a emotividade e a racionalidade de seu conteúdo. A competência do suporte som e imagem ocasionou críticas quanto à qualidade do telejornalismo. Ramonet (2004, p.22) critica a influência que a televisão exerce: “O telejornal em seu fascínio pelo “espetáculo do evento”, desconceitualizou a informação, emergindo-a novamente, pouco a pouco no lodaçal do patético”. O autor vai além em suas críticas. Ao tratar da dianteira da televisão sobre os outros meios de comunicação, o autor afirma: [...] a televisão impõe aos outros meios de informação suas próprias perversões, em primeiro lugar com o seu fascínio pela imagem. E com esta idéia básica: só o visível merece informação; o que não é visível e não tem imagem não é televisável, portanto não existe midiaticamente. (RAMONET, 2004, p.27) Parte dessa imposição da televisão aos outros meios de comunicação é atribuída pelo autor ao poder da imagem, a “rainha absoluta” que vale por mais de mil palavras. O autor cita especialistas que sugerem que a imagem, quando é forte, oblitera o som e suplanta o ouvido. Talvez seja por isso que temos um telespectador que continua confundido, desorientado, acreditando que todo o conteúdo da televisão seja verdade. Mas fica a pergunta: Por que o telespectador acredita na mensagem audiovisual da televisão? A resposta a esta pergunta é atribuída à questão da credibilidade por Ramonet (2004). Se a “verdade” televisiva tem suas bases na credibilidade, o que seria então a credibilidade? Como teria capacidade de agir sobre o receptor da mensagem televisiva? O autor expõe dois modos de “credibilização”: A credibilidade do discurso baseada no comentário em “of” e na identificação do telespectador com o apresentador que lê a informação do teleprompter. No caso do Globo Repórter, podemos inferir que os dois modos de credibilização contribuem para a aceitação do exposto pelo Programa como verdade. A presença de um apresentador (Sérgio Chapelin), que há anos é responsável por conduzir a narração do Programa, permite com maior facilidade a identificação do telespectador com o conteúdo mostrado. Essa relação é assim descrita: Estabelecia-se uma relação de confiança, de conhecimento – pelo menor virtual – entre o apresentador e o telespectador, que credibilizava a informação segundo a idéia de que uma pessoa familiar que olha nos seus olhos não pode mentir para você. (RAMONET, 2004, p.35) Aliado a esses dois modos de “credibilização” expostos por Ramonet, acrescentamos o fato da Rede Globo ser no País, há décadas, a emissora de maior audiência, que inova, que explora os recursos tecnológicos ao máximo. Soma-se a isso o fato do Programa Globo Repórter existir desde 1973 e que, por certo, com mais de 30 anos no ar já conseguiu a fidelização de milhares de telespectadores que aguardam pela chegada das noites de sexta-feira quando a emissora veicula um documentário sobre um tema específico. Como a credibilidade da televisão o que é mostrado acaba se impondo como verdade, mesmo que seja falso. Muitas vezes, o receptor – que só pode orientar-se confrontando os meios de comunicação uns com os outros – não estabelece critérios de avaliação para julgar o que é falso e o que é verdadeiro. Quando as notícias são transformadas em show, fruto da espetacularização, a busca do sensacional pode levar a “aberrações e blefagens22”, como vemos em Ramonet, que reforça que as “blefagens” e as mentiras sempre existiram nas comunicações de massa, mas se intensificaram nos últimos anos: Blefar – escreve a jornalista Annick Cojean, prêmio Albert Londres – em linguagem jornalística, é trapacear; trucar uma entrevista para dar-lhe uma força, um aspecto espetacular ou uma conclusão que talvez não teria; falsear uma reportagem mascarando alguns elementos; apresentar como realidade uma situação que é fruto da imaginação do jornalista, de suas suposições ou de observações não verificadas. (RAMONET, 2004, p.63) Marcondes Filho (1988) também chama a atenção para a facilidade que a televisão tem de manipular, aproveitando das deficiências informativas do público, de modo a confundi-los, com “ciladas lógicas e argumentativas”. 22 Termos abordados pela jornalista Annick Cojean em um artigo publicado em 25 de julho de 1990, no Le Monde, com o título: “Choc des imagens, poids des trucages” e que foi citado por Ramonet (2004). Segundo Marcondes Filho (1988, p. 89), se “consideramos que manipular é forjar cifras, falsear resultados, enganar, argumentar sofisticamente, confundir, sonegar dados, ampliar ou reduzir desmesuradamente os fatos, informações e números”, a televisão pode ser considerada com estrutura que adota esses recursos com o objetivo de manipular conteúdos. O autor afirma ainda que existem três formas de falseamento da notícia: “a visão fragmentada e personalizada dos processos sociais, o uso da técnica e da lingüística e a sonegação das informações “indesejáveis”” (Marcondes Filho, 1986, p.40). Marcondes Filho acredita também que a produção fragmentada das notícias é uma técnica mercadológica, onde as notícias são produzidas pela lógica do consumo para serem “deglutidas” pelo público. O jornalista é agente ativo na espetacularização e na transformação das notícias em show nas condições atuais de produção. Langlois (apud Ramonet, 2004, p.102) afirma: “[...] os jornalistas não têm mais tempo de investigar, de refletir, de aprofundar, de colocar os fatos num contexto”. Hoje em dia, a tecnologia fez com que a rapidez e agilidade fossem palavras de ordem no progresso das técnicas de comunicação, das transmissões, dos satélites. Além da tecnologia, a concorrência cada vez mais acirrada gera a necessidade de, segundo Ramonet (2004, p.102), “ser o primeiro, o mais espetacular, o que se traduz em fatias do mercado, e por conseguinte em receita publicitária”. E, assim, a informação televisiva se perpetua como mercadoria. Para Arbex Jr. (2005) “uma mercadoria perecível” quando a velocidade da atividade jornalística é cada vez mais importante. Medina (1978, p.137) também confere à notícia um caráter de mercadoria: “A mensagem jornalística como um produto de consumo da indústria cultural desenvolveu uma componente verbal específica, que serve para chamar a atenção e conquistar o leitor para o produto/matéria”, com destaque para a articulação entre o apelo verbal e o apelo visual. Os telejornais como “shows da vida”, coloca Marcondes Filho (1986), conseguem extrair dos fatos toda a sua explosividade e os transformam em variedades e diversão, caracterizando a programação informativa da televisão como uma teia de materiais que satisfaz a lógica capitalista. Quem não consegue vender o seu produto/programa – e para isso o espetáculo e a notícia como show são mecanismos bastante úteis – não conquista a audiência do público. Para Rubim (2000, p.65), a espetacularização tem raízes na notícia como produto e no momento em que a mercadoria passou a fazer parte da vida social, onde a divisão entre a realidade e a representação “constitui o núcleo definidor do espetáculo”. Champagne (2000) também acredita em uma realidade fabricada, com acontecimentos fabricados, em que chama a atenção a força televisiva nesse processo. Para o autor, a televisão exerce uma forma de dominação muito forte pela sua ampla difusão. As imagens são outro ponto que Champagne (2000, p. 64) ressalta: “a informação “posta em imagens “ produz um efeito de drama que é próprio para suscitar muito diretamente emoções coletivas”. As imagens exercem um efeito de evidência mais poderoso que o discurso, designando uma realidade indiscutível, mas que para o autor não passam de “produto de um trabalho mais ou menos explícito de seleção e de construção”. O autor acredita na fabricação de acontecimentos, resultados de uma mobilização espontânea ou provocada pelos meios de comunicação. Para exemplificar as nuances teóricas aqui expostas, nada melhor que observar um acontecimento real, em que a espetacularização fez com que a representação ocupasse a vez da realidade. PARTE II A INVASÃO DOS MIGRANTES DESEMPREGADOS 6. OS DADOS DO CAGED No dia 6 de fevereiro de 2004, o programa Globo Repórter, da Rede Globo de Televisão, veiculou um material especial sobre os municípios brasileiros que mais geravam emprego e renda: Rio Verde (GO); Garopaba (SC) e Rio das Ostras (RJ). Os dados para a realização desse programa foram obtidos junto ao Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Para esse local são remetidas informações coletadas pelas agências do Sistema Nacional de Empregos (SINE), existentes em praticamente todos os municípios brasileiros. Pelos dados levantados pela produção, Rio Verde aparecia entre os municípios brasileiros que mais geravam emprego e renda. Com as informações levantadas foi construída a pauta para a realização do programa com o título “Desemprego – Os caminhos alternativos do trabalho no Brasil”. De acordo com uma pesquisa feita por esta autora ao site do Ministério do Trabalho e do Emprego, as estatísticas sobre a evolução do emprego em Rio Verde em dezembro de 2003 apontavam um total de 13.386 admissões (contratações) e 10.830 desligamentos (demissões) no período dos últimos 12 meses (um ano), o que representava um saldo positivo de 2556 admissões em relação aos desligamentos naquele período. Ao se adotar o período de 12 meses contados de janeiro de 2003 a janeiro de 2004 – que antecedeu a realização do Programa - as admissões em Rio Verde foram 14.749 – o que representa 4,51% do total de admissões em Goiás -, enquanto os desligamentos ficaram em 11.800 – representando 3,89% dos desligamentos registrados no Estado naquele período. O saldo positivo de admissões nesse período foi de 2.949, se comparado aos desligamentos. Sendo assim, esses dados não nos mostram uma realidade de geração de emprego e renda de grande destaque e que merecesse um programa sobre os municípios que mais geravam emprego e renda no País, uma vez que o número de desligamentos foi alto. Ou seja, os postos de emprego existiam, mas a realidade das estatísticas já indicava que a grande maioria das pessoas que tinha trabalho formal acabava terminando o ano desligada da empresa. Os índices de 2003, que motivaram o Globo Repórter em 2004, não foram muito diferentes dos registrados nos anos seguintes. Em 2004, o saldo positivo de admissões foi de 2.434, para um total anual de 15.219 admissões e 12.785 desligamentos. Em 2005, o saldo positivo foi ainda menor: 1.163. Naquele ano foram computados 15.105 admissões contra 13.942 desligamentos. Esses números reforçam que se análises corretas fossem feitas seria facilmente percebido que o que ocorre em Rio Verde é a chamada rotatividade de mão-de-obra. As vagas existem, mas poucas são, de fato, as novas vagas. As existentes não aumentam muito de um ano para o outro e as demissões quase se aproximam da quantidade de contratações, apesar do saldo destas últimas ainda ser positivo. Os dados pesquisados no CAGED por esta autora não conferem com o apresentado pelo Programa, de que Rio Verde “abre 3,3 mil novas vagas a cada mês”. Se isso fosse verdade, Rio Verde abriria, anualmente, 39 mil e 600 vagas. Se tomarmos o número de admissões de janeiro de 2003 a janeiro de 2004, o que equivale a 14.749 e a afirmação do Programa sobre as novas vagas, estaríamos diante de um total de 24.851 vagas ociosas e não preenchidas durante o ano. Isso em uma cidade que tem pouco mais de 130 mil habitantes. Outros dados pesquisados foram sobre os valores salariais pagos no Município. Os dados do Ministério do trabalho disponibilizados na internet não confirmam os altos salários destacados no Programa. A maior média salarial registrada naquela época em Rio Verde era de R$ 588,94, para operador de máquinas fixas em geral; seguida por R$ 537,92 para a função de desossador e R$ 537,50 para a Administração Pública. Isto é, bem menos que os altos salários mostrados pelo Globo Repórter – os do casal de funcionários da granja de porcos, por exemplo. A situação do emprego no País, à época do Programa, era de grande desemprego nos grandes centros urbanos, que sofrem com o inchaço populacional. No ano de 2003, o País registrou 9.809.343 admissões, contra 9.163.910 desligamentos, o que significa um saldo positivo de 645.433 admissões em 12 meses. No ano seguinte, 2004, as admissões registradas ficaram em 11.296.496 e os desligamentos em 9773.220, resultando em um saldo positivo de 1.523.276 admissões, segundo dados do CAGED. As estatísticas de 2003 também apontam que existia uma diferença substancial no salário médio pago aos admitidos entre as regiões brasileiras, sendo que São Paulo e Rio de Janeiro apresentavam níveis salariais para os admitidos superiores ao restante do País. Para São Paulo, a média salarial dos admitidos naquele ano foi de R$ 560,93 e no Rio de Janeiro, de R$ 509,71. Esses valores médios não diferiam muito de algumas médias salariais de Rio Verde. Informações mais detalhadas sobre o perfil e algumas características de Rio Verde são importantes para a contextualização do leitor sobre a realidade local. O Município tem como base da economia o agronegócio, impulsionado pela alta produtividade de grãos e pelas agroindústrias instaladas no município: COMIGO – Cooperativa Mista dos Produtores do Sudoeste Goiano -; Kowalsky Alimentos; Perdigão; Brasilata; Grupo Orsa; Frigorífico Margen; Grupo Cereal; Cargill; unidade fabril da Brejeiro; dentre outras. Rio Verde fica a 220 quilômetros de Goiânia, capital do Estado. A arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) da cidade, em 2005, foi de mais de R$ 68 milhões, de acordo com dados da Secretaria Municipal da Fazenda. Isso coloca o Município em 6o lugar no ranking dos maiores arrecadadores de ICMS de Goiás. Nesse ambiente, está inserida a Prefeitura de Rio Verde, 2o maior empregador do Município, com mais de 3 mil funcionários, dentre os nomeados por decreto do Prefeito e efetivos, que são os concursados, segundo a Secretaria de Administração e Planejamento. A maior empregadora de Rio Verde e do Centro-Oeste brasileiro é a Perdigão, que atualmente possui mais de sete mil funcionários com carteira assinada. 6.1 A superexposição de Rio Verde no Globo Repórter O Globo Repórter já exibiu mais de mil programas, desde a sua estréia, na década de 70, sendo apresentado há décadas por Sérgio Chapelin. “Desde então, tornou-se um dos programas jornalísticos mais assistidos na televisão brasileira, com cerca de 30 milhões de telespectadores toda semana” (Rede Globo). Deste trecho, destacamos a classificação, pela própria emissora, do Globo Repórter como um programa jornalístico. A transcrição, na íntegra, daquela parte do Programa, que se encontra nos anexos, apenas sobre a superexposição de Rio Verde, nos dá detalhes da condução do material produzido, apontando elementos significativos para uma análise do que foi exibido a milhões de telespectadores em todo o País. Percebe-se que a tônica do Programa já é dada logo no início, quando o repórter Flávio Fachel narra a fila do desemprego no Brasil e expõe, para que o telespectador viaje com ele para um “paraíso” de empregos: “Mas qual seria então o caminho para o emprego? [...] Em Rio Verde, no sudoeste de Goiás, um fenômeno está acontecendo. Na cidade, não falta emprego. Falta trabalhador”. A ênfase da mensagem é dada pela palavra fenômeno. Ao apontar esse fenômeno, da suposta falta de trabalhador, o repórter indica que o caminho para o emprego estaria em Rio Verde. Isso, agregado a outros elementos contidos no Programa e a elementos de um cotidiano de pessoas que sofrem com a falta de empregos no País, moveu milhares de desempregados numa verdadeira invasão a Rio Verde. Mais adiante, o jogo de palavras dá nova ênfase: “Na cidade, não falta emprego. Falta trabalhador”. O texto do Programa nos indica ainda outras articulações de sentido que tomaram corpo com o tom, as ênfases, as metáforas e as estruturações adotadas pelo Programa. A repetição de palavras para fixar o conteúdo é outro recurso adotado, com destaque para a palavra oportunidade. A tom poético que se percebe no Programa é usado para dar doses de força ao discurso, como vemos neste trecho: “Na estrada de terra, uma coruja parece avisar: para onde se olha, também tem chance de emprego”. As dicas do repórter vão colocando Rio Verde no caminho do emprego ao longo da narrativa e são confirmadas nas falas de vários dos empresários entrevistados no Sine. O contador Nildo Melo, quando entrevistado, fez uma espécie de convocação: “Se um contador de uma cidade de São Paulo, de uma capital, que está desempregado vier pra cá, vai ser colocado em Rio Verde”. Os salários, outro chamariz para os desempregados que se aventuraram em Rio Verde, aparecem no final da reportagem do Globo Repórter, quando é entrevistado um casal de funcionários de uma granja de porcos do Município. O casal declara que o salário do mês era equivalente a R$ 1.200,00 e que como não pagavam nem aluguel, nem energia elétrica e água, os gastos mensais se resumiam aos R$ 200,00 do supermercado. O restante, cerca de R$ 1 mil, era depositado, mês a mês, em uma poupança. Podemos inferir que as colocações que apareceram no fechamento do Programa contribuíram para a fixação, junto aos telespectadores, de mensagens referentes aos bons salários. 6.2 A trajetória do Programa A construção do Programa partiu da redação e depois foi sendo delineada quando uma equipe completa da Rede Globo chegou ao município, no final de janeiro de 2004, para a produção do Globo Repórter que mostraria a situação da geração de emprego em Rio Verde (GO). A equipe era formada pela produtora Luci Vasconcelos, a editora Isabela Dutra, o cinegrafista Willian Torgano, o técnico Adriano Moraes e o repórter Flávio Fachel - Figura 0123. 23 Todas as fotografias utilizadas neste trabalho são do acervo da Prefeitura de Rio Verde, cedidas à autora. Figura 01 Fotografia da equipe do Globo Repórter durante gravação no SINE de Rio Verde A assessoria de imprensa da Prefeitura de Rio Verde entrou em contato com a produção, por telefone, que informou que a Globo já tinha todas as informações necessárias sobre a geração de emprego em Rio Verde e que para eles não interessava “a versão oficial do assunto”. O contato foi feito por telefone, com uma ligação para o celular da produtora, cujo número foi informado por uma funcionária da TV Riviera, afiliada da Globo em Rio Verde. Mesmo com a negativa da produtora do Programa sobre a ajuda da Assessoria, o jornalista Augusto Rocha foi escalado para acompanhar a gravação no SINE, realizada em 21 de janeiro de 2004. O órgão funcionava em um prédio cedido pela administração municipal e o acompanhamento se fez para que o poder público tivesse ciência do teor do material produzido. Naquela ocasião, o jornalista Augusto Rocha relatou que a produção induziu os entrevistados a gravarem falas que iam de acordo com o que eles queriam. Para isso, ocorreu uma conversa - Figura 02 - entre os empresários e o jornalista Flávio Fachel, com clara indução de respostas. Figura 02 Repórter Flávio Fachel em conversa com empresários no SINE Uma “fila” de empresários em busca de funcionários foi simulada pela equipe para a filmagem de algumas cenas. Essa fila já havia sido previamente anunciada pelo repórter, dando parte do enfoque do Programa que a Globo apresentaria aos telespectadores, conforme trecho de entrevista concedida em 22 de janeiro de 2004, ao Programa Patrulha 97, da Rádio Morada do Sol FM, em Rio Verde, transcrito a seguir: Rio Verde está entrando no Programa como um retrato do que está acontecendo no Brasil hoje, que é o crescimento do agronegócio [...] Você sabe que um dos motivos pelos quais a gente (sic) está aqui, a gente (sic) vai tentar mostrar uma coisa engraçada aqui no SINE. A gente (sic) normalmente vê na TV ou no jornal aquela manchete dizendo “Fila de gente atrás de emprego”. Pois aqui nós vamos mostrar: “Fila de gente oferecendo emprego”. (Flávio Fachel, PROGRAMA PATRULHA 97, 22/01/2004) A Figura 03 mostra o momento da gravação das cenas, em que o repórter passa e há uma fila de empresários ao fundo. Ressaltamos que esses empresários, cadastrados no SINE da cidade, foram convidados pela produção do Programa para participar da gravação naquele dia, na sede da agência de empregos. Os mesmos empresários que participaram das gravações de cenas e entrevistas, posicionados em uma grande mesa, foram dispostos em pé, próximo à mesa de uma atendente do SINE, permitindo que aquela fila aparecesse como pano de fundo na passagem do repórter Flávio Fachel. Sendo assim, pode-se inferir que todo o cenário estruturado para as gravações daquele Programa corroboraria para o enfoque que o Globo Repórter queria dar aos fatos, o de que Rio Verde era uma cidade com empregos de sobra. Essas questões, aliadas à seleção das sonoras e cenas no processo de edição de texto e imagens da reportagem, construíram a perspectiva do sonho dos desempregados brasileiros: a “Fábrica de Empregos”. A fila, simulada para a gravação, aparece parcialmente ao fundo na Figura 03. Figura 03 Repórter Flávio Fachel durante gravação da passagem em que mostra a fila de empresários no SINE de Rio Verde Ressalta-se que a intenção de mostrar essa fila, que só existiu por solicitação do repórter para a filmagem, já era clara e confirmada pela entrevista do repórter a uma rádio local em que o mesmo mencionou que a fila de Rio Verde, formada por empresários, difere-se das de outras partes do País, compostas por desempregados. Nesse mesmo Programa de rádio, a entrevista que antecedeu a do repórter da Globo foi com o diretor do SINE, à época, Sérgio Macedo, que disse: Bem Costa Filho, podemos dizer, sem sombra de dúvidas, com toda sinceridade, que o ano de 2003, em termos de empregabilidade em Rio Verde foi um ano muito positivo. Nós tivemos muitas oportunidades de emprego e também conseguimos através dessas oportunidades de emprego, colocar uma gama muito grande de trabalhadores no mercado de trabalho. Ou seja, fazendo uma avaliação a nível (sic) de Estado, o SINE de Rio Verde foi um dos que mais empregou. A título de números, nós inscrevemos de junho do ano passado até dezembro, já que a nossa unidade ela foi informatizada em junho, um número de nove mil seiscentos e quinze trabalhadores, captamos 5888 vagas, encaminhamos 12472 pessoas, ressalvando que para cada vaga encaminhamos três candidatos. Por isso é que o número não bate, às vezes, com o número de colocados. Cada oportunidade de emprego encaminhamos três candidatos e conseguimos empregar no ano de 2003, 3821 trabalhadores, ou seja, um número bem superável (sic), bem aquém (sic) de todo o Estado de Goiás. Ainda nessa entrevista, Sérgio Macedo disse que para o ano de 2004 a meta era empregar entre 5 a 6 mil trabalhadores em Rio Verde. A falta de qualificação mínima necessária para o preenchimento das vagas também foi assunto abordado pelo diretor do SINE, destacando que a unidade de Rio Verde ofereceu cursos em sete áreas, em 2003, qualificando e capacitando 144 trabalhadores. Número muito baixo diante da quantidade que não possui a qualificação desejada pelas empresas. No ano de 2004, segundo informações do diretor da unidade, o fluxo diário de pessoas no SINE ficava entre 500 a 600 trabalhadores, com uma média de 300 a 500 contratados por mês. O número de funcionários do local, prestando atendimento ao público, era de 22 duas pessoas naquele ano. Mesmo com as referências isoladas à importância da qualificação para pleitear um novo emprego, o Programa trouxe a Rio Verde milhares de pessoas. Dezenas de ônibus chegaram à cidade. Muitas pessoas chegaram de carona e outras de carro próprio. A característica principal desses migrantes era a busca por uma nova oportunidade na vida, oportunidade esta sugerida pelo Programa. Muitos que se deslocaram para o Município sequer trouxeram dinheiro para alimentação. A sede do SINE registrou um grande aumento no fluxo de visitantes, o que gerou um certo tumulto, conforme mostra a Figura 04. Sequer existiam lugares para acomodação de todas aquelas pessoas sentadas, como comumente acontecia na agência do SINE da Cidade. Figura 04 Grande fluxo na agência do SINE de Rio Verde após a exibição do Globo Repórter O grande número de pessoas em pé dentro da Agência e até do lado de fora do órgão só contribuiu para a exaltação dos ânimos dos que esperavam encontrar uma fábrica de empregos. A Polícia Militar foi chamada pela direção do SINE para monitorar o movimento dentro e na fila fora do local, inibindo uma confusão maior. 7. CRONOLOGIA DAS REPERCUSSÕES EM JORNAIS IMPRESSOS A discussão sobre o assunto abordado pelo Globo Repórter antecedeu a exibição do Programa, com notas e matérias sobre a vinda da equipe e a geração de emprego e renda no Município. O Jornal O Popular, que circula em todo o estado de Goiás, se antecipou ao Programa, apresentando uma reportagem completa sobre a questão de emprego em Rio Verde, no caderno de Economia, com três páginas (13 a 15), com a seguinte manchete: “Fábrica de empregos – Município está entre os cinco maiores geradores de vagas de trabalho do País, mas avalanche de migrantes preocupa” (O POPULAR, 1o/02/2004, p.13). O título anuncia um enfoque diferente do mesmo assunto que foi levado ao ar na produção da Rede Globo. Na manchete da matéria impressa, a preocupação com a “avalanche” de migrantes, registrada pela cidade nos últimos anos, está presente e aparece, também, em outros trechos do texto, assinado pela jornalista Sônia Ferreira, com destaque para a falta de qualificação: “A cidade do pleno progresso é também hoje a cidade do pleno emprego. Mas as vagas estão abertas para aqueles que têm qualificação profissional.” A fila de empresários citada na reportagem do Globo Repórter também aparece no texto do Jornal: Numa estreita rua do Centro de Rio Verde, centenas de pessoas se amontoavam na frente do prédio da unidade do Sine na última quarta-feira. São duas filas. Uma de desempregados e a outra de empresários ofertando vagas. A fila daqueles que buscam empregos é maior: tem média de 500 pessoas por dia. No outro lado, a fila é menor, com média de 10 pessoas que, atendidas em outro balcão oferecem. (O POPULAR, 1o/02/04, p.13). No trecho percebemos que a fila dos que procuram emprego é considerável, enquanto a dos que oferecem emprego é composta de apenas uma dezena de empresários. Na página 14, a continuação do tema é feita com uma matéria correlata: “Migração preocupa autoridades”. Um ponto que está preocupando as autoridades municipais de Rio Verde: a chegada diária de dezenas de pessoas em busca de emprego. A maioria sem a qualificação profissional necessária, sem lugar para morar e sem dinheiro no bolso. Na rodoviária da cidade, pelo menos 30 pessoas desembarcam por dia, vindas de várias partes do País, atraídas pelas notícias de pujança da economia da região e buscam oportunidades de emprego. O prefeito de Rio Verde, Paulo Roberto Cunha, afirma que é impossível lidar com o contingente de pessoas que chega mensalmente na cidade em busca de emprego. Admite que seria mais fácil administrar a situação se a migração fosse de pessoas com experiência profissional e qualificação, o que não vem o ocorrendo. (O POPULAR, 1 /02/04, p.14) Nessa parte da reportagem, o prefeito pondera ainda sobre o custo de vida da cidade, “hoje um dos custos de vida mais elevados do Brasil” e que esse crescimento acelerado do Município traz problemas de infra-estrutura, em que o poder público não consegue acompanhar a demanda da população. Isso gera bairros novos sem asfalto, sem rede de esgoto, sem galerias pluviais, sem saúde de qualidade e uma série de outros problemas. O custo de vida na cidade é o assunto de outra matéria correlata: “Custo de vida assusta quem chega – Preço de aluguel de imóvel na cidade chega a ser mais caro que em Goiânia. O mesmo acontece com o custo de alimentação, o que assombra os novos moradores” (O POPULAR, 1o/02/04, p.15). A reportagem relata a surpresa de alguns migrantes que se mudaram para Rio Verde, com os valores de aluguel e alimentação. “Em Indiara deixou alugada por R$ 80,00 sua casa de cinco cômodos. Para morar com o marido em Rio Verde alugou um barracão de cinco cômodos por R$ 160,00”, fazendo referência à situação da entrevistada Rubiana Benvinda da Silva. O preço do quilo de comida self-service também foi alvo de pesquisa da repórter, na condução da matéria: “O quilo de comida está na faixa de R$ 15,00. Em Goiânia, a média é de R$ 12,00”, compara. Se o Programa desse ênfase ao custo de vida local e à exigência de qualificação compatível aos postos de emprego disponíveis, talvez o pior pudesse ter sido evitado. Essa preocupação, com o que o Globo Repórter poderia provocar, também já movimentava a imprensa local, sendo tema de uma matéria publicada no jornal local Folha da Cidade, o periódico quinzenal que circulou de 1o a 14 de fevereiro com a chamada: “Divulgação do “eldorado” preocupa população e exige mais do Executivo – Ao mesmo tempo em que a notícia orgulha o rio-verdense também preocupa a questão da segurança e oportunidades, além de comprometer ainda mais o orçamento do município”. (JORNAL FOLHA DA CIDADE, 1o a 14/02/2004, p.3) Posterior à veiculação do Globo Repórter o assunto continuou repercutindo na mídia, em vários jornais impressos locais de Rio Verde e da região. Várias matérias foram publicadas, narrando os problemas ocasionados pela multidão de migrantes em Rio Verde. Essa onde de migrantes mudou a rotina da cidade, com grandes filas se formando do lado externo do SINE, pessoas dormindo na rodoviária e em outros locais públicos, muitos pedindo dinheiro e comida pelas ruas da cidade, fatos praticamente inexistentes em Rio Verde até aquela ocasião. Até o aumento de pequenos furtos foi registrado. No dia 10 de fevereiro, as primeiras demonstrações de indignação com o Programa começavam a aparecer nos jornais regionais. Naquela data, o Jornal O Popular, o de maior circulação no Estado, veiculava duas cartas com teor diferente das publicadas no Diário da Manhã, mostrando a indignação de pessoas que conhecem a realidade de Rio Verde, que não é a mesma mostrada pelo Programa: Que Eldorado é esse? O último Globo Repórter divulgou apenas pequena verdade sobre Rio Verde, qual seja a oferta de empregos. Omitiu informações das pessoas desesperadas por um emprego. Em 1975, a população era de 75 mil habitantes. Tínhamos cinco promotores, cinco juízes e três delegados de polícia. Passados mais de nove anos, a estrutura da Justiça ainda é a mesma, o número de habitantes dobrou, o número de processos chega a 30 mil. A criminalidade reina. Assalto à mão armada em plena luz do dia, meninos de rua, tráfico de drogas, porte ilegal de armas, furtos em residências, estupros e em média oito homicídios por mês. Há um crescimento desordenado de bairros sem infra-estrutura, o custo de vida é elevadíssimo, falta água em toda a cidade e policiais civis e militares. Toda essa deficiência vinha sendo minimizada pelas autoridades locais. Após a veiculação da falsa idéia de Eldorado, a cidade está em pânico. Correm boatos de que mais de 30 ônibus oriundos do Maranhão, de Rondônia e do Ceará estarão desembarcando pessoas aqui, nas próximas horas. O prefeito está em apuros. Todos nós também. João Porto Silvério Júnior Promotor de justiça em Rio Verde – GO Paraíso perdido, reportagem que foi ao ar sexta-feira no Globo Repórter, colocou Rio Verde como um paraíso. É minha terra, uma cidade que cresceu muito nos últimos oito anos. Com o desenvolvimento, veio o aumento assustador de crimes, roubos, estupros. Dizer que tem empresário na fila à procura de empregados é uma grande mentira. Tem, sim, empresário à procura de escravos para trabalhar muito e receber ninharia. Na minha ingenuidade, não consegui entender qual o espírito da reportagem. Foi, no mínimo, ridícula. Luzmarina Arantes Moraes, Rio Verde – GO (O POPULAR, 10/02/04) Devemos destacar que o autor da primeira carta de indignação publicada no Jornal O Popular não é de um leitor qualquer, mas de uma autoridade, um promotor de justiça. No depoimento dele a tradução do sentimento que se instalou na cidade: “Após a veiculação da falsa idéia de Eldorado, a cidade está em pânico”. A essa opinião foram se somando outras. Na mesma data, o Jornal Diário da Manhã publicou quatro matérias sobre o assunto. A matéria principal, “Retrato do desemprego”, estampou a realidade da falta de emprego no País e a chegada de migrantes a Rio Verde, com malas, sem local para hospedar e sem dinheiro: “A Prefeitura teve de oferecer lanche para 15 pessoas que se instalaram na porta do prédio, em busca de informação sobre onde estariam as vagas relatadas” (JORNAL DIÁRIO DA MANHÃ, 10/02/04, A) “Virou uma epidemia” (DIÁRIO DA MANHÃ, 10/02/04, B), disse o prefeito ao Jornal em outra matéria publicada nesta mesma data, comentando que julgava que o Programa mostraria o potencial da cidade de uma forma diferente, sem criar as dificuldades que acabou gerando ao Município. Na mesma data, o Jornal revela, em forma de comentários, algumas das especulações que tomaram conta da cidade, movimentando boatos acerca do episódio: “Um morador de Aracaju, Sergipe, após assistir ao programa na sexta-feira, foi de carona até Rio Verde, onde chegou no domingo”; “Um grupo de mais de 60 pessoas saíram (sic) de Maceió, Alagoas, com destino à cidade goiana”; Um comboio de 15 ônibus teria saído de Porto Velho (RO), para buscar emprego na cidade”; “Passagens de ônibus para Rio Verde estariam sendo vendidas pela metade do preço em São Paulo, para que houvesse lotação nos veículos para que desempregados tentassem a sorte na cidade goiana”. “Do sonho à realidade” é o título de outra matéria, publicada em 11 de fevereiro de 2004 no Jornal Diário da Manhã: O sonho: uma cidade onde não falta emprego, com remuneração entre R$ 1 mil e R$ 2 mil, e as pessoas são contratadas já na rodoviária. A realidade: filas, muita gente procurando emprego e poucas vagas, principalmente para pessoas sem qualificação. (DIÁRIO DA MANHÃ, 11/02/04, C) A falta de dinheiro dos que chegavam é confirmada por outra informação do Jornal: “O mecânico está dormindo na rodoviária da cidade e ontem tinha apenas R$ 5,00, sem saber como voltará para São José dos Campos, em São Paulo. Como Gilmar, 40 pessoas passaram a noite na rodoviária” (DIÁRIO DA MANHÃ, 11/02/04, C). De acordo com esta matéria, no primeiro dia útil após a exibição da reportagem na televisão, cerca de 400 pessoas já haviam chegado a Rio Verde, sendo que em dias normais essa quantidade não ultrapassava 200 visitantes. Os fatos que envolveram o episódio são pitorescos. Dois amigos, provenientes da cidade de Pires do Rio (GO), seguiram de carro, um fusca, para Rio Verde. A falta de dinheiro obrigou os dois a dormir no carro, por duas noites. “Fusca vira casa” (DIÁRIO DA MANHÃ, 11/02/2004, D) relata a história dos dois amigos que aguardavam por ajuda financeira para a colocação de combustível no veículo e retorno à cidade de origem. Na mesma matéria, outro migrante, Joaquim Francisco dos Santos, desabafa: “Foi uma reportagem irresponsável, que causou um tumulto que a cidade não comportava. Ela (a reportagem) mostrou que os salários eram mais altos que os de São Paulo e não R$ 270,00 como encontrei”. O acompanhamento dos efeitos provocados pelo Globo Repórter em Rio Verde continua nos jornais regionais. No dia seguinte, outras notícias. Em 12 de fevereiro, a preocupação com a falta de recursos dos migrantes é destaque na matéria Prefeitura e Estado oferecem auxílio (JORNAL DIÁRIO DA MANHÃ, 12/02/04, E), em que mostra a solicitação do Prefeito para “que os seus secretários providenciassem alojamento e refeição aos visitantes”. Naqueles dias, o tumulto parecia não ter fim: “Funcionários que trabalham com a venda de passagens informaram à Fumdec que está prevista para hoje a chegada de 40 ônibus vindos da região Norte com destino a Rio Verde” (JORNAL DIÁRIO DA MANHÃ, 12/02/04, F) A Fumdec (Fundação Municipal de Desenvolvimento Comunitário) é o órgão da Prefeitura de Goiânia responsável pela assistência a migrantes e que possui um posto de atendimento na rodoviária da cidade visando não permitir a permanência de migrantes desempregados na Capital. Para isso realiza ações de encaminhamento dessas pessoas às suas cidades de origem. Nessa mesma matéria, um depoimento chama a atenção: “Se demorar muito eu vou roubar. Pelo menos, se eu for preso, terei comida e lugar garantidos para ficar”. Essa foi a declaração de Ricardo Silvestre à repórter do Diário da Manhã, Ludmila Viana. Ricardo, de 30 anos, veio de Araguaína (TO) para Rio Verde, percorrendo todas as empresas possíveis, sem sucesso. Ricardo dormiu por três dias na rodoviária de Rio Verde, local onde foi assaltado, ficando com a roupa do corpo e sem nenhum dinheiro. A recepção da reportagem pelos telespectadores provocou uma espécie de retomada de esperança pelos desempregados, ansiosos em conseguir um bom emprego. Alguns jornais repercutiram a chegada de milhares de correspondências eletrônicas à Prefeitura, encaminhadas não só por pessoas sem qualificação, mas por engenheiros, agências de publicidade, jornalistas, dentre outros, também vítimas do desemprego. As repercussões prosseguiram por mais de um mês depois do episódio. No mês de março, o Diário da Manhã ainda recebia solicitações de informações de oportunidades de emprego, por carta e e-mails, conforme vemos publicado na edição do dia 10 de março, na seção Carta do Leitor: “Gostaria de obter informações sobre os empregos existentes na cidade de Rio Verde. Todos, desde ajudante geral, àqueles que exigem curso superior. Rosa Maria de Almeida Bueno Camargo, São Paulo (SP) – via e-mail ([email protected])” e “Gostaria de saber mais sobre a situação de Goiás e ver a possibilidade de conseguir um emprego. Na verdade, muito interessaria a criação de uma seção de classificados só de Rio Verde, com os empregos que a cidade oferece. Diego Garcia Fonseca – via e-mail ([email protected])” (JORNAL DIÁRIO DA MANHÃ, 10/03/04) No saldo parcial do episódio, a Prefeitura de Rio Verde (envolvendo aqui todas as suas secretarias) recebeu mais de 70 mil e-mails, com pedidos de informações sobre a cidade, as vagas e até informações para o envio de currículos. Só à assessoria de imprensa, chegaram mais de 15 mil mensagens. A quantidade de e-mails foi mencionada, por meio de nota, no Jornal Diário da Manhã do dia 5 de março de 2004: Paulo Roberto Cunha (foto) recebeu 70 mil e-mails desde que Rio Verde foi saudado como novo eldorado do País, noves fora o desembarque de 5 mil desempregados. “Que isso sirva de alerta ao governo federal para a geração de empregos”, acrescenta. O volume de e-mails acabou por provocar transtornos nas caixas eletrônicas das secretarias. A quantidade de e-mails que chegavam todos os dias era tanta que o sistema travava, tornando-se lento no processo de recepção e envio de mensagens. 7.1 Algumas repercussões no cenário nacional Após o Globo Repórter, num período de um mês, Rio Verde foi o assunto de 34 matérias publicadas (notas, chamadas de capa, editoriais, cartas dos leitores, artigos, reportagens e outros) em jornais locais, regionais e nacionais. Na maior parte do material publicado, as ações da Prefeitura de Rio Verde e do prefeito para gerar emprego e renda e, também, devolver os desempregados às cidades de origem, foram consideradas extremamente positivas. Mesmo assim, muitos culpavam a Prefeitura e queriam ser ressarcidos pelas despesas utilizadas no deslocamento à cidade. O ressarcimento em dinheiro não ocorreu, mas a Prefeitura acabou tendo de arcar com despesas de alojamento, alimentação e transporte. A superexposição rendeu a Rio Verde, também, uma reportagem de destaque no jornal O Estado de S. Paulo. Sob o título “Emprego provoca invasão em cidade goiana”, a jornalista Márcia de Chiara abordou o assunto. Ela esteve em Rio Verde no final de semana após a veiculação do programa na televisão e se deparou com a fila de desempregados na porta do Sine quando estava indo embora de Rio Verde, na segunda-feira, dia 09 de fevereiro. Acompanhada por um fotógrafo, a jornalista fez o registro da imagem dos desempregados e colheu alguns depoimentos, que resultaram em uma reportagem que descreve a situação analisada neste trabalho: A fila de candidatos, que dobrava a esquina de uma das principais avenidas da cidade, a Presidente Vargas, era o verdadeiro mapa do Brasil e o reflexo da dura realidade do País. De Porto Franco, no Maranhão, a Ubatuba, no litoral de São Paulo, não faltavam representantes de boa parte dos Estados da federação. Na sextafeira, esses brasileiros assistiram a uma reportagem sobre emprego no programa da Rede Globo de Televisão Globo Repórter, exibido em cadeia nacional. (O ESTADO DE S. PAULO, 13/02/1004, p. B3) Também foi mencionado o rápido efeito de recepção gerado pelo Programa nos telespectadores que, sem maior reflexão, deixaram suas localidades para participar de uma verdadeira corrida por emprego em Rio Verde, como analisado anteriormente: “O resultado foi imediato. A partir do fim de semana não paravam de chegar à cidade ônibus lotados de desempregados, somando cerca de 500 pessoas. Na segunda-feira a Prefeitura recebeu mais de 10 mil e-mails e quase mil telefonemas” (O Estado de S. Paulo, 13/02/1004, p. B3). No mesmo jornal, dois dias depois, a mesma jornalista escreveu uma matéria que foi chamada de capa com foto, sobre a questão da exportação de frango, com destaque para a produção de Rio Verde, com o título: “Exportação de frango deve crescer 15%” (O ESTADO DE SÃO PAULO, 15/02/2004, Capa). Essa reportagem era o real motivo da visita da jornalista daquele Jornal a Rio Verde, quando flagrou a invasão de migrantes. A jornalista Márcia de Chiara24 recorda o que presenciou em Rio Verde naquele 09 de fevereiro de 2004: “Eu presenciei uma invasão de pessoas de outros Estados a procura de empregos. Eram filas que dobravam quarteirões a procura de uma vaga”. De Chiara disse mais: Eram pessoas que tinham pegado dinheiro emprestado para comprar a passagem só de ida para Rio Verde. Havia uma mulher que tinha deixado a filha recém-nascida com a mãe para se 24 A jornalista foi entrevistada pela autora deste trabalho por e-mail em 11 de setembro de 2006. A entrevista, na íntegra, faz parte do Apêndice da dissertação. candidatar a uma vaga. Realmente era o mapa do Brasil, e do desemprego, estampado naquela imensa fila que circundava quarteirões. Os relatos das pessoas à jornalista, sobre a vinda a Rio Verde, resumiam-se à questão da falta de oportunidade de emprego em suas respectivas cidades. De Chiara considera que ao Programa “Faltou esclarecer que as pessoas precisavam ter qualificação para ocupar as vagas”. Perguntada sobre o que esses migrantes trouxeram na bagagem, a jornalista responde: “Eles trouxeram muita esperança e a certeza de um futuro melhor. Mas a frustração foi muito grande”. Quanto a abordagem do Programa, a jornalista opina dizendo que “O programa mostrou parcialmente a realidade. No ímpeto de turbinar a notícia, esqueceu de pontuar que tipo de emprego era oferecido e qual os quesitos necessários para ocupar a vaga.” (DE CHIARA). A geração de emprego e renda de Rio Verde e a realidade sobre o assunto também renderam uma entrevista ao vivo do prefeito Paulo Roberto Cunha no programa apresentado pelo jornalista Heródoto Barbeiro, na rede nacional da rádio CBN – que no horário do programa conjuga a CBN AM E FM e inúmeras afiliadas e parceiras em todo o Brasil. Foram mais de 30 emissoras de rádio retransmitindo a entrevista, feita por telefone para todo o País, no dia 11 de fevereiro de 2004. Com o agendamento de entrevista em diversos veículos de comunicação locais, regionais e nacionais, foi possível minimizar a culpa que estava sendo imputada pelos migrantes e pelos rio-verdenses ao Prefeito pela exibição daquele material no Globo Repórter. Na cidade, muitas pessoas pensaram que o Prefeito havia encomendado e pago pela reportagem. A Prefeitura entendeu, à época, que se ações não fossem feitas no sentido de minimizar a suposta culpa imputada ao poder público no episódio, seria o mesmo que confirmar que o Prefeito era o grande responsável pela vinda daqueles desempregados para Rio Verde, trazendo junto uma série de transtornos à população: pessoas sem dinheiro pedindo nas ruas e com atitudes suspeitas e a necessidade dos gastos da administração municipal com alimentação e transporte aos migrantes. A Assessoria de Imprensa teve que atuar para mostrar à população que o Prefeito não “manda” na Rede Globo e que ele, assim como a população, era vítima desse jornalismo praticado pela emissora e dessa superexposição. Esse discurso foi compreendido por jornalistas que atuaram na cobertura do episódio, conseguindo imprimir ao material publicado, a realidade sobre a questão da geração de emprego e renda no município. Isto é, que os empregos existiam, mas não na proporção divulgada pela Globo, nem com a remuneração mencionada e que o custo de vida local era extremamente alto. 7.2 Opinião especializada sobre o episódio Os efeitos da exibição da reportagem na televisão foram o assunto de várias matérias jornalísticas, sendo que uma delas era uma opinião especializada. Luís Estevam, colaborador do Jornal Opção (semanário regional) que é doutor em Economia (Unicamp), aborda em um artigo assinado perigos de se considerar Rio Verde como a “terra prometida”, sob risco de imprimir ao Município um movimento migratório desordenado, expondo ao limite a capacidade estrutural da cidade. A matéria (Jornal Opção, de 15 a 21/02/2004, p. A-26) traz: “Rio Verde não pode ser tratada como “terra prometida” e muito menos ser considerada como uma nova Serra Pelada. A divulgação feita no Globo Repórter pode ter agradado a empresários locais, mas foi um duro golpe na capacidade social do município”. O autor diz ainda que o Globo Repórter, ao abordar o mercado de trabalho acabou por contribuir para o seu estrangulamento. Outras explicações confirmam a colocação do Estevam, de que Rio Verde não pode ser considerada a “terra prometida”, basicamente em virtude de que os empregos existentes na localidade têm como alvo trabalhadores altamente técnicos e qualificados: O desenvolvimento econômico do município está baseado na utilização de mão-de-obra intensiva, e o grau de aprofundamento tecnológico das atividades econômicas exige trabalhadores cada vez mais especializados, tanto na zona rural quanto na área urbana. (Jornal Opção, 2004, p. A-26). As tentativas de entrevista com o articulista pela autora não tiveram sucesso25, não permitindo que as análises especializadas sobre a questão econômica fossem mais abrangentes. 25 A autora mandou um e-mail no dia 17 de outubro de 2006 para Luís Estevam ([email protected]) conforme endereço eletrônico indicado na página do Jornal Opção. A mensagem não foi respondida, apesar de ter sido reencaminhada em outra data. O Jornal não informou o telefone do articulista. 8. AÇÕES DA PREFEITURA PARA CONTER A CRISE Nessa parte detalharemos as ações adotadas pela Prefeitura na tentativa de solucionar os efeitos do Programa. Ressaltamos que parte desses efeitos, os negativos, poderiam ter sido evitados se o descompasso e o desencontro entre a comunicação pública e a mídia não fossem tão grandes. Os problemas gerados com a chegada dos migrantes exigiram do poder público municipal ações rápidas na tentativa de minimizar os efeitos da crise local que teve início com o Programa. No dia 11 de fevereiro, o tumulto na sede da Prefeitura, SINE e rodoviária foi tamanho que o Prefeito teve que estruturar apoio às pessoas. Muitos receberam alimentação e alojamento para que saíssem das ruas, conforme Figura 05. Figura 05 Funcionário da Prefeitura distribuindo refeições a desempregados que se aglomeravam na rodoviária de Rio Verde A Figura 06 mostra a multidão de migrantes que ocupou o hall da entrada principal da Prefeitura de Rio Verde, no dia 09 de fevereiro de 2004, exigindo que a administração municipal resolvesse o problema de cada um deles e, em especial, providenciasse uma colocação para os que tinham chegado ao Município em busca de emprego. Nessa ocasião, a conversa dos representantes da Prefeitura com os desempregados foi tensa, com ameaças de quebradeira por parte dos migrantes que queriam culpar o Executivo pelo ocorrido. Figura 06 Migrantes lotam entrada da Prefeitura de Rio Verde e fazem reivindicações Além da distribuição de alimentação, outra medida tomada pela Prefeitura foi a efetivação de parcerias com empresas de ônibus que fazem o transporte intermunicipal e interestadual para deslocamento dos migrantes às suas cidades de origem ou para outras localidades que possibilitassem um maior apoio no retorno ao domicílio de origem, de acordo com informações da assessoria de imprensa. A realização do convênio e o esforço da Prefeitura para solucionar a crise são relatados nesse trecho de uma matéria: Ontem, uma pequena multidão de migrantes à procura de empregos se reuniu na prefeitura, na rodoviária e na porta do Sine. Paulo Roberto, que estava em Goiânia em audiência com o governador, solicitou que seus secretários providenciassem alojamento e refeição para os visitantes. Outra atitude tomada pela prefeitura foi a de fazer um convênio com empresas de ônibus. Ontem, a expectativa da prefeitura era conseguir transporte para 30 pessoas. (JORNAL DIÁRIO DA MANHÃ, 10/02/04, E) No dia 09 de fevereiro de 2004, foi necessária a distribuição de senhas aos desempregados que se aglomeravam em fila do lado de fora da unidade do SINE. Apenas 170 trabalhadores, dos 300 que já estavam no local mesmo antes de sua abertura ao público, receberam as senhas para atendimento. Foram distribuídas também 100 marmitas com refeições para o almoço de alguns desempregados que se concentravam na rodoviária. A tentativa da Prefeitura de Rio Verde em devolver os migrantes aos seus locais de origem acabou provocando transtorno para outras cidades da região, em especial para a capital do Estado, Goiânia. Como os recursos para o transporte dos migrantes às cidades de domicílio eram onerosos – muitos migrantes do Sul, Sudeste e Nordeste do País – era inviável que a administração municipal arcasse com as passagens de ônibus a todos os desempregados que não possuíam dinheiro para a volta. A solução encontrada foi providenciar a passagem até Goiânia para que, de lá, os migrantes tentassem voltar aos seus estados. Com isso, um grande transtorno foi evidenciado na Capital, exigindo uma ação conjunta entre as administrações de Rio Verde, Goiânia e do Estado. O presidente da Fumdec afirma que a Prefeitura de Rio Verde, por meio de sua área de assistência social, se comprometeu a providenciar passagens para os locais de origem de quem se encontra na cidade – e não apenas para Goiânia, Itumbiara e Uberlândia, como estava sendo feito até ontem. [...] A Fumdec providenciou almoço, albergues, e abrigos municipais e conveniados para todos que chegaram de Rio Verde. O presidente do órgão acredita que, com o apoio do governo, através da Organização das Voluntárias de Goiás (OVG), conseguirá solucionar o problema o mais breve possível. (DIÁRIO DA MANHÃ, 12/02/04, F) Os episódios que envolveram Rio Verde após a exibição do Programa tiveram também alguns desdobramentos, visando as questões eleitorais sucessórias de 2004. De acordo com notícia veiculada na mídia, um adversário do prefeito Paulo Roberto Cunha teria contratado uma produtora de Anápolis para gravar cenas e sonoras em Rio Verde com a finalidade de arquivar o material para a época das eleições. A equipe se fez passar por integrantes do Programa do Ratinho do SBT, mas a farsa durou pouco e acabou em prisão, como vemos no relato: Dupla dá o golpe Eles chegaram a ir até o Sine da cidade coletar dados para uma matéria. Como estavam sem identificação, o Sine entrou em contato com a redação do programa, que esclareceu que não havia enviado equipe à cidade. A dupla foi presa próximo a Santo Antônio da Barra, o em um veículo com placa de Anápolis. Quando chegaram ao 2 o Batalhão de Polícia Militar (2 BPM), um advogado, que segundo fontes, era de um político pré-candidato à Prefeitura de Rio Verde, os aguardava. (DIÁRIO DA MANHÃ, 12/02/04, G) 8.1 Ações da Emissora para minimizar os efeitos provocados Após solicitação feita à diretoria do Globo Repórter pela Assessoria da Prefeitura a pedido do Prefeito, o jornalista William Bonner, apresentador e editor chefe do Jornal Nacional, leu uma nota, no dia 09 de fevereiro, segundafeira, três dias após a exibição do programa sobre Rio Verde, explicando aos telespectadores como enviar o currículo para o Município. A nota lida pelo apresentador dizia às pessoas que ligassem para a agência do SINE antes de se deslocarem para Rio Verde. Na mesma nota foram repassados os telefones, e-mail e endereço da agência da cidade para contato dos que estavam em busca de empregos. O prefeito cobrou do Programa sua responsabilidade sobre o que estava acontecendo em Rio Verde, mas a resposta da emissora se resumiu em uma nota. O Jornal O Mercador de 17 a 23 de fevereiro de 2004 mencionou o pedido de retratação e a nota lida em resposta à solicitação do Prefeito Paulo Roberto Cunha. A retratação solicitada pelo Prefeito não aconteceu e apenas uma nota foi lida para reparar o caos que já havia se instalado no Município. Mas os efeitos gerados fizeram com que Emissora tomasse precauções quando da exibição de novas reportagens sobre ofertas e oportunidades de emprego. Isso pode ser constatado cerca de um mês depois da exibição do Globo Repórter sobre Rio Verde, quando a emissora implantou um quadro temporário no Jornal da Globo com o retrato das cidades onde o índice de desemprego é baixo. A temática da geração de emprego foi mantida, mas dessa vez acompanhada por uma certa precaução, conforme mostra o relato: EFEITO RIO VERDE Toda terça-feira o Jornal da Globo exibe quadro que retrata as cidades brasileiras onde o índice de desemprego é baixíssimo. E isso significa vagas de trabalho... A estréia, anteontem; mostrou Franca, no interior de São Paulo, e sua forte indústria de calçados. Escaldada com a matéria sobre Rio Verde, mostrada como um novo Eldorado, a emissora se apressou em avisar que é necessário qualificação profissional e aconselhou os telespectadores a não pegar o primeiro ônibus rumo a Franca. (DIÁRIO DA MANHÃ, 11/03/2004, grifos do autor) A inserção desta nota no Jornal Nacional não evitou o mal que já estava feito. A emissora não se retratou e encontrou-se um “bode expiatório” para a invasão de migrantes a Rio Verde, a falta de qualificação. No fim, a culpa é dos próprios telespectadores. O Globo Repórter provocou efeitos imediatos no Município e em seus telespectadores. Passados dois anos, como algumas pessoas que vivenciaram o episódio o vêem? Com essa distância é possível ter uma idéia mais clara e uma avaliação crítica do acontecimento? 9. AS LEMBRANÇAS DO EPISÓDIO DOIS ANOS DEPOIS As recordações sobre os efeitos provocados pelo Programa Globo Repórter do dia 6 de fevereiro de 2004 são muitas. Essas lembranças são ainda mais reavivadas quando se percebe hoje, o agravamento da crise do agronegócio, base da economia do Município. Com essa crise, a oferta de empregos diminuiu bastante na cidade. Até mesmo os moradores da localidade sentem a retração no setor, gerada pela crise generalizada. Para um melhor aprofundamento das questões analisadas nesta dissertação, inerentes ao episódio narrado, consideramos importante reconstruir essa história não somente com os registros dos jornais impressos da época, mas por meio de depoimentos colhidos em entrevistas com personagens vinculados direta e indiretamente aos fatos. Julgamos, pela relevância do episódio para o Município, que a exploração de novos depoimentos e detalhes poderia fornecer outros elementos para análises mais precisas. A seleção de entrevistados foi feita com base em nosso recorte, em que optamos por conhecer o processo de construção do Programa em Rio Verde. Destacamos que o recorte feito engloba apenas parte dessa história e que optamos por uma vertente que traz a opinião de jornalistas e de alguns funcionários da Prefeitura que viram o episódio de perto. Assim, nos meses de agosto, setembro, outubro e novembro de 2006, várias entrevistas foram realizadas, no sentido de conhecermos detalhes do cenário pesquisado. Foram entrevistados por e-mail, por não residirem em Rio Verde, o jornalista Augusto Rocha, e a jornalista Márcia de Chiara, que mora em São Paulo onde ainda trabalha para a Agência Estado (pertencente ao mesmo grupo que é proprietário do Jornal O Estado de S. Paulo). Pessoalmente foram entrevistados o ex-coordenador do SINE de Rio Verde, Sérgio Macedo; o responsável pelo terminal rodoviário do Município, João Roberto Neves; o fotógrafo da Prefeitura de Rio Verde, Washington Oliveira e o ex-cinegrafista da Prefeitura, Adasnivon Divino. A pesquisadora tentou entrevistar um representante do Globo Repórter ou da equipe que esteve em Rio Verde, com várias tentativas por telefone e por e-mail. 9.1 Solicitações de entrevistas com a equipe do Globo Repórter O primeiro contato se deu por telefone, pelo número (21) 2461. 1500, no dia 20 de setembro de 2006. O número foi obtido junto à central telefônica da TV Anhanguera, afiliada da Rede Globo em Goiás, uma vez que a página da Empresa (www.globo.com) não traz os telefones de contato dos programas que veicula e nem de uma central de atendimento da emissora. Antes da primeira tentativa, a pesquisadora encaminhou, ainda, duas mensagens pelo site, na parte intitulada “Fale Conosco”, que apresenta campos a serem preenchidos para uma mensagem de encaminhamento automático pela própria página da Internet. As duas mensagens nunca foram respondidas, o que mostra falhas na comunicação a que a Empresa se propõe. Na ligação ao Programa, esta pesquisadora foi atendida eletronicamente, por um equipamento que pede a quem ligou que digite números para funções correspondentes sobre vários programas da Rede Globo. A maior parte dessas funções é para participação ao vivo em uma das atrações de auditório da emissora. Depois de alguns instantes e após selecionarmos a “tecla 9” para “falar com um de nossos atendentes”, a ligação foi direcionada a uma telefonista, Márcia, que nos informou, categoricamente: “Não é possível fazer um contato direto por telefone.” Depois de solicitar que o assunto fosse adiantado, pediu que mandássemos uma mensagem, solicitando a entrevista, para o e-mail [email protected]. Essa mensagem foi encaminhada no mesmo dia, 20 de setembro, sendo reencaminhada no dia 4 de outubro por falta de resposta ao primeiro encaminhamento. No dia 09 de outubro, veio a resposta, indicando que, a princípio, a Emissora poderia atender ao pedido, mas que deveria ser encaminhado um ofício ao “Projeto Globo Universidade”, informando da “forma mais clara e detalhada possível”, os dados solicitados, as entrevistas e outras informações necessárias ao trabalho. A resposta da Emissora já ressalvava também que a “empresa se reserva o direito de não disponibilizar informações por ela consideradas estratégicas para qualquer trabalho de pesquisa”. A mensagem nos aponta a burocracia e os muitos procedimentos para uma tentativa de entrevista com a equipe do Programa. Dando prosseguimento aos procedimentos indicados nessa mensagem, foi encaminhado um e-mail para o Projeto Globo Universidade ([email protected]), com um ofício em papel timbrado do Instituto de Ensino Superior de Rio Verde, assinado pelo diretor da Instituição, Fábio Buzzi Ferraz, Instituição apoiadora da pesquisa, ao invés de um ofício assinado pela orientadora do mestrado, o que demandaria um maior tempo. No ofício, enviado no dia 19 de outubro de 2006, são descritas todas as informações pertinentes à pesquisa e de relevância à Emissora, conforme orientações da equipe de internet do Globo Repórter. Um outro e-mail, cobrando uma confirmação de recebimento e uma posição sobre a solicitação da entrevista, cujas perguntas já haviam sido encaminhadas no corpo da mensagem, foi retransmitido no dia 24 de outubro de 2006 e, posteriormente, em 06 de novembro. Nenhuma das mensagens foi respondida. Cabe o questionamento: Como o telespectador pode dialogar com a Rede Globo? A trajetória apresentada nesta dissertação, da busca pela versão da emissora sobre o episódio, nos mostra o quão difícil é para o telespectador ter esse diálogo, essa resposta da emissora. Isso pode ser constatado pela experiência desta autora. A estratégia de produção televisiva não tem interesse em dialogar, dando a impressão de que são os “donos da verdade”. A falta de uma resposta da Emissora é reveladora de uma postura e de um comportamento que não condizem com um processo de comunicação mediada que deve ser transparente e que tem no telespectador a base da audiência. 9.2 Impressões do ex-coordenador do SINE O coordenador do SINE à época, Sérgio Macedo, exercia um cargo por nomeação do Prefeito, configurando uma parceria que existe em inúmeros municípios brasileiros, em que o Sistema Nacional de Empregos, órgão do Governo Federal, funciona graças ao apoio das administrações municipais. Em Rio Verde, as despesas com o aluguel do prédio onde funciona a agência de empregos local e o salário do coordenador são custeadas pela Prefeitura. Hoje, Sérgio Macedo atua na Presidência do Sindicato dos Empregados e Trabalhadores de Hotéis, Restaurantes e Serviços Gerais (SETHORESG) de Rio Verde. Em entrevista26 concedida por ele no dia 21 de setembro de 2006, foram esclarecidos alguns pontos sobre as filmagens do Programa no SINE e outros detalhes do episódio, além das opiniões dele sobre o ocorrido. Antes de apontarmos os principais trechos dessa entrevista, destacamos algumas impressões que tivemos quando conversamos com o ex-coordenador do SINE. Desde que o episódio aconteceu, o então coordenador foi alvo de críticas na cidade, indicando que ele teria tentado se promover com a situação, tirando proveito pessoal para uma suposta candidatura ao cargo de vereador do Município. Sérgio Macedo de fato foi candidato a uma vaga na Câmara Municipal de Rio Verde, nas eleições de outubro de 2004, mas não se elegeu. As críticas sobre a suposta tentativa de se promover com a inserção do SINE do Município em uma reportagem de alcance nacional sempre foram rebatidas por ele, que sempre saiu em defesa do Programa. Contudo, mesmo reticente como se percebe na íntegra da entrevista, hoje Sérgio Macedo aponta algumas falhas do Programa. O “bode expiatório” – a falta de qualificação – é citado por ele como a maior falha do Globo Repórter: Eu acredito que a maior falha que a Rede Globo deu naquela oportunidade é de não ter colocado a matéria como ela foi produzida. É, foi feita uma produção realmente mostrando o lado bom, o lado ruim, as dificuldades da cidade, as vantagens da cidade. Só que na hora de veicular a matéria divulgaram só a parte boa [...]. A que o 26 A íntegra da entrevista gravada com Sérgio Macedo faz parte do Apêndice dessa dissertação. aluguel era caro, a de que a cidade também tinha um monte de desempregados e que, às vezes, a cidade não estava conseguindo empregar aquela quantidade de pessoas e, também, foi deixada de informar sobre a qualificação que, apesar de nós termos muito emprego na época, não foi informado que a maioria dessas vagas necessitava de qualificação profissional, de pessoas mais preparadas para ocupar essas vagas. (MACEDO) O ex-coordenador, além de apontar as falhas em sua opinião, critica a Emissora que, segundo ele, está somente preocupada em ter audiência. Macedo disse que o Programa faltou com a verdade e relata que nenhum integrante da Prefeitura foi procurado pela equipe do Globo Repórter e que ele sequer foi entrevistado. Eu entendo que o Globo Repórter mesmo ou a Rede Globo, ela gosta de “Ibope”, né. Não houve entrevista com a minha pessoa [...] Então, de alguma forma a gente entende que a matéria foi capciosa, que eles queriam ter “Ibope” [...] A Rede Globo naquela oportunidade eu acho que faltou um pouco com a verdade, porque se quisesse realmente informar corretamente teria ouvido a assessoria de imprensa da Prefeitura, [...] o próprio Prefeito e também a coordenação naquela época que era a minha pessoa. (MACEDO) Sobre os efeitos provocados pela exibição do Programa em rede nacional, Macedo recorda os transtornos às linhas telefônicas, com “quase toda a cidade com seus telefones congestionados”, incluindo empresas e residências, que recebiam ligações de pessoas querendo informações sobre o Município. Em alguns trechos da entrevista, Sérgio Macedo apresenta-se contraditório. Se por um lado critica a Emissora acusando-a de “ter faltado com a verdade”, em resposta a outra pergunta disse: “Nós não discordamos que a matéria era verdadeira. Realmente tinha muito emprego. O que foi deixado de ser feito foi veicular as dificuldades que a cidade tinha”. (MACEDO). De fato, a reportagem trouxe uma verdade, que Rio Verde gerava emprego e renda, mas com exageros que mudaram significativamente a mensagem e a recepção dela pelos telespectadores. Os exageros conferiram ao município o posto de “Fábrica de Emprego”, cuja ilusão criada foi duramente confrontada pela realidade encontrada pelos migrantes. Assim como em outras localidades do País, o emprego existe, mas não há fórmula mágica nem milagres para que a vida de uma pessoa, seja ela desempregada ou não, se transforme da noite para o dia. Macedo afirma que foi evitado “um mal maior” graças ao desempenho do prefeito Paulo Roberto Cunha, numa clara intenção de protegê-lo e até porque, naquela época (em 2004), era funcionário da Prefeitura. Em outra resposta repete a defesa: “(...) mas também que Rio Verde, não aqui querendo puxar farinha, mas tinha um Prefeito ou tem um Prefeito importante que conseguiu, aí, resolver, aí, essas dificuldades sem gerar um problema maior, um problema social, aí.” (MACEDO) Quando o assunto abordado é sobre a fila de empresários em busca de trabalhadores, mostrada pelo repórter Flávio Fachel, Sérgio Macedo não confirma o relato do fotógrafo Washington Oliveira, que também acompanhou as gravações no SINE e que garante que a fila foi “simulada” para que o repórter gravasse uma passagem. Ele não se refere à fila, apenas afirma que “Realmente, público existia”. Os dados do fluxo de pessoas que passavam semanalmente pelo SINE foram repassados por Sérgio Macedo. De acordo com o ex-coordenador da Agência, o fluxo era entre 500 a 600 pessoas por semana. Sobre o aumento após a exibição da reportagem, Macedo é impreciso e diz que “esse número quase que dobrou ou quadruplicou em número de pessoas”. A quantidade de currículos recebidos por e-mail também mudou nos dias que seguiram ao Programa. Antes do Globo Repórter a média mensal era de 100 currículos por mês e nos dias depois da exibição da reportagem, mais de 50 mil e-mails chegaram ao endereço eletrônico do SINE ([email protected]). Sobre os boatos da época, Macedo se recorda dos que envolveram a administração municipal e, nesse trecho, mais uma vez, é contraditório ao voltar a afirmar que, para ele, o fato mostrado na reportagem era verdadeiro. Disseram ali que a Prefeitura comprou o Globo Repórter, que pagou para rodar aquela matéria, para divulgar aquela matéria e que na verdade nós sabemos que não teve nada disso. Rio Verde a gente não pode esconder. Naquela oportunidade era uma das cinco cidades do País que mais gerava emprego e não era fato inventado, era fato verdadeiro e tanto que não fomos nem à Prefeitura [...] Porque quando você paga para participar de alguma coisa você tem que aparecer e na verdade nem o Prefeito Paulo Roberto Cunha, nem o Sérgio Macedo, nem a própria assessoria de imprensa, ninguém participou da matéria. (MACEDO) 9.3 Impressões de integrantes da assessoria de imprensa Para o resgate de parte da história, da ação jornalística e dos fatos que envolveram a gravação do Programa e os efeitos por ele gerados, foram entrevistados, ainda, um ex-integrante da assessoria de imprensa da Prefeitura de Rio Verde, jornalista Augusto Rocha; o fotógrafo da Prefeitura de Rio Verde, Washington Oliveira - que juntos acompanharam as gravações do Programa no SINE -; e o ex-cinegrafista da Prefeitura, Adasnivon Divino. A entrevista com o jornalista Augusto Rocha foi concedida no dia 28 de agosto de 2006, por e-mail, quando comentou a resposta dada pela produtora do Globo Repórter durante um contato feito pela assessoria de imprensa, de que para o Programa “não interessava a versão oficial dos fatos”. Em seu depoimento, Rocha parece concordar, em parte, com a “independência” da emissora, o que justificaria ter deixado a versão da Prefeitura de fora da reportagem. Augusto elogia o padrão da Emissora e a excelência dos profissionais da Rede Globo enquanto tenta explicar as razões pelas quais ele considera que para a emissora não interessava a versão oficial dos fatos: Creio que esta deva ser a linha editorial da TV Globo. O próprio formato do programa talvez ajude a explicar isso. Os profissionais que trabalham na emissora têm competência reconhecida nacionalmente. Os repórteres e produtores são e devem ser excelentes. No acompanhamento que fiz da equipe do Globo Repórter isso ficou bem evidenciado. Outra hipótese que poderia explicar essa atitude é a desconfiança em relação ao trabalho do assessor de impressa, que é direcionado ao cliente/assessorado. Com certeza, a Produção não quis utilizar-se da colaboração da Assessoria de Imprensa da prefeitura porque desejou evitar uma conotação política à reportagem. Não é de hoje, que existem conflitos entre as redações e as assessorias de imprensa. Ambas as funções possuem peculiaridades e nem todos os profissionais, que estão em campos distintos, têm uma convivência salutar. (ROCHA) O elogio feito pelo jornalista nos mostra que a estratégia discursiva da Rede Globo não impressiona apenas o público. No entanto, o jornalista relata atitudes que não combinam com a excelência profissional que menciona, fazendo uma crítica superficial quando diz que ele e o fotógrafo foram recebidos com “frieza”, ficando a impressão que para a equipe do Programa, os dois estavam “atrapalhando”. A idéia da “fila”, pelo que indica o ex-integrante da assessoria, teria sido do repórter Flávio Fachel. Para Rocha, o repórter conseguiu vender esse gancho e a editora concordou “meio a contragosto”. Quando perguntado sobre a abordagem do Programa, o jornalista afirma ter tido a impressão de que mesmo se a assessoria tivesse sido considerada na produção do material, o resultado permaneceria inalterado. Isso porque, de acordo com ele, “parece que a pauta já veio de ‘cima para baixo’“, com direcionamento para aquele enfoque. Nesse momento, Rocha faz um comparativo com as pautas da Revista Veja, em que, segundo ele, “Depoimentos de jornalistas, que já trabalharam nessa publicação da Editora Abril, revelam que assim que a pauta é decidida, os repórteres têm apenas que ‘confirmá-la’, embora a realidade não seja aquela que é descrita”. A postura dos empresários que participaram das gravações no SINE reforçou, segundo o entrevistado, a importância da qualificação, uma vez que alguns já temiam que as entrevistas pudessem ser usadas com outra conotação, mas que, “No entanto, a vaidade de diversos entrevistados, na ânsia de obter seus 15 segundos de fama, com certeza, contribuiu de certa maneira, para aquela abordagem.” (ROCHA). Ou seja, os empresários foram seduzidos, fascinados pela chance de aparecer na Rede Globo e de serem vistos, como já dissemos anteriormente. Para Rocha, a falha do Programa consistiu em não destacar que as vagas eram para pessoas com qualificação. Perguntado sobre se o que o Programa mostrou era a realidade local ou uma realidade “fabricada”, o jornalista respondeu: Dificilmente poderia afirmar que aquele era o retrato fiel da realidade local. Houve exageros e distorções por parte de diversas fontes ouvidas pela reportagem. Seria muita pretensão dizermos que a mídia mostra a realidade social tal como ela é. Um dos princípios básicos do jornalismo é a busca da verdade, mas isto nem sempre acontece, haja vista os interesses e as limitações dos veículos de comunicação. (ROCHA) A realidade local era diferente da realidade fabricada pelo Programa. As estatísticas da geração de emprego em 2003, no Município, motivadora daquele Globo Repórter, não eram muito diferentes do Estado de Goiás como um todo e, nem tampouco, apresentavam um saldo muito positivo de admissões em relação a um número de desligamentos tão representativo. Aliás, as estatísticas permitem outras interpretações, que não se assemelham com as feitas pela produção do Programa, que elevou Rio Verde à categoria dos maiores geradores de emprego e renda no Brasil. Uma dessas interpretações é a de que havia em Rio Verde naquela época uma grande rotatividade nos empregos. Ao passo que milhares de pessoas eram contratadas no Município, outras milhares eram demitidas para acolher a essas contratações. O fotógrafo que acompanhou o jornalista Augusto Rocha ao SINE, Washington Oliveira27, é enfático ao afirmar que o Programa falhou e que presenciou, durantes as gravações, uma verdadeira indução ao enfoque desejado. Os “15 segundos de fama”, descritos pelo jornalista Augusto Rocha são destacados pelo fotógrafo (OLIVEIRA): “Na verdade, o fato de aparecerem no Globo Repórter pesou muito. [...] Um deslumbramento, um certo deslumbramento. Eu acho que isso aí pesou, de certa forma, bastante”. A entrevista foi gravada no dia 28 de agosto de 2006, na assessoria de imprensa da Prefeitura. O fotógrafo disse que quando assistiu ao Programa ficou assustado e que “Aquilo causou à cidade uma verdadeira invasão de pessoas achando que iam chegar aqui e achar um Eldorado, o emprego fácil, o que não era verdade”. Oliveira descreve o sentimento de “revolta” dos que chegaram a Rio Verde acreditando que iam conseguir bons salários de imediato. Enquanto os migrantes ficavam “revoltados”, a população rio-verdense ficava cada vez mais assustada. Alguns detalhes da gravação no SINE foram revelados na entrevista, com contundência: [...]houve por parte da produção do Globo Repórter, pelo próprio repórter, um direcionamento nas respostas, o que eles queriam que as pessoas respondessem para que a reportagem ficasse mais interessante, para que a reportagem tivesse um maior alcance, eu diria, para as pessoas, para o Brasil inteiro achar que aqui é 27 A íntegra da entrevista faz parte do Apêndice. realmente uma cidade que oferece emprego a qualquer um. O que não é verdade. (OLIVEIRA) O fotógrafo também afirma que a fila mostrada em uma passagem do repórter foi montada: Na verdade aquela fila foi montada. Na hora não existia fila alguma ali. A fila foi montada pela produção para que fosse filmado. Na verdade não havia fila. Há a procura dos empresários, pelo funcionário, pela mão-de-obra. Mas, sem fila. Não existe fila. (OLIVEIRA) Sobre a condução do Programa, Washington Oliveira se refere à importância da checagem da informação que “tem que ser sempre bem feita”. O ex-cinegrafista da Prefeitura, Adasnivon Divino28, foi entrevistado em 11 de setembro de 2006. Para ele, a Emissora foi “irresponsável” e cometeu um “ato impensado” ao colocar aquele conteúdo, daquela forma, no ar: “Acho até que eles foram irresponsáveis com a colocação da matéria no ar, eles deveriam ter observado melhor, tipo a pauta, tudo, porque a realidade da cidade não condizia com o que o Globo Repórter colocou na matéria...”. (DIVINO). Em sua entrevista, o ex-cinegrafista da Prefeitura destaca o papel da Prefeitura e as ações empreendidas na tentativa de minimizar os transtornos com a chegada de um grande número de migrantes na cidade. Além dos gastos com as passagens e das locações de ônibus, a Prefeitura arcou com inúmeras outras despesas, descritas por ele: [...] a Prefeitura teve que se desdobrar para poder fornecer refeições para todas aquelas pessoas, que tinham muitas crianças e gente que veio mulher, mãe, filho, pai, irmão. Veio toda a família buscar uma oportunidade que não era a real. E, teve todo aquele trabalho para acomodar as pessoas, teve que comprar colchões, cobertores, tudo, porque era uma época que o clima não estava tão calor, então foi meio que uma correria... (DIVINO) 28 A entrevista na íntegra faz parte do Apêndice dessa dissertação. 9.4. O caos no Terminal Rodoviário Com a chegada dos migrantes a Rio Verde, um dos locais que mais registrou o desembarque dessas pessoas, que viajaram de ônibus, foi o Terminal Rodoviário do Município. Para melhor esclarecer o caos em que a rodoviária ficou por dias seguidos após a exibição do Globo Repórter, foi realizada uma entrevista com o responsável pelo local, João Roberto Neves29, no dia 17 de outubro de 2006. O administrador do Terminal recorda-se da chegada de pessoas vindas de várias localidades do País, sendo que muitos vendiam o que tinham para tentar a sorte em Rio Verde. Se tinha emprego aqui, à época, João Roberto tem a resposta: Tinha emprego aqui? Tinha, mas a qualificação da mão-de-obra era grande. E isso gerou um tumulto porque, ônibus que sai daqui, conexão de passagens, pessoas que vinham e pegavam até quatro a cinco ônibus para chegar até Rio Verde e que chegaram aqui querendo que nós os devolvêssemos (sic) ao local de origem sendo que nós não tínhamos como embarcar uma pessoa daqui para Bahia e lá pegar outro carro para outro lugar. Então o deslocamento foi muito transtorno, muito trabalho pra gente. (NEVES) De acordo com Neves, a média de pessoas que embarcam e desembarcam em Rio Verde fica entre 200 e 300 pessoas por dia, sendo que nos feriados essa média sobe para 400 pessoas. Depois da veiculação do Globo Repórter, o administrador da rodoviária informa que entre quatro a cinco mil pessoas desembarcaram no terminal, sem somar a esse total os que vieram de carona e de carro, que representariam cerca de 40 mil pessoas, segundo Neves. A movimentação já era grande no domingo, dia 08 de fevereiro de 2004. Nesse dia, conforme declarou Neves, já foi feito o fretamento de alguns ônibus para já, no momento do desembarque dos migrantes, ser feito o embarque deles para o local de origem. 29 Entrevista que está na íntegra no Apêndice. Rio Verde não estava preparado para isso. Então eu tinha informação e eu ficava em comunicação nas empresas, São Paulo, Uberlândia, Goiânia, Brasília, para saber como estava o movimento vindo e então eles me informavam, “Roberto, está saindo gente sem parar, tudo atrás de emprego”. São Paulo mesmo, a Nacional me ligou que estavam descendo três ônibus lotados de gente. Eu falei não embarca e eles disseram que não tinha jeito porque as pessoas já tinham comprado passagens. Então o que é que nós fizemos: contratamos um ônibus, fretamos um ônibus e já deixamos à disposição e já chegava e já fazia a lotação e mandava de volta. (NEVES, Apêndice) O fretamento dos ônibus, fato assegurado por Neves, foi feito a pedido do Prefeito de Rio Verde. Ele não poupa críticas à Emissora e em seu depoimento ele atribui a vinda dos migrantes à informação passada ao público de forma errada pela Rede Globo, que teria mencionado sobre os empregos, esquecendo-se de tratar das dificuldades, do acesso ao trabalho, da necessidade de uma mão-de-obra qualificada. Os salários praticados à época, em Rio Verde, são relembrados por Neves, que atesta que o Município tinha muita oferta de emprego com vencimentos de um salário mínimo até três salários. Acima disso, os salários altos eram para poucos postos de trabalho que exigiam uma mão-de-obra bastante qualificada. Ou seja, o sonho dos altos salários, que moveu muitos a abandonarem o que tinham em suas cidades, era para poucos. A culpa imputada à Prefeitura também foi mencionada pelo administrador do terminal: “As pessoas chegavam, ficavam bravas, diziam que a Prefeitura era a culpada, que a gente colocou aquilo para poder chamar a atenção e não foi nada disso.” (NEVES) Mesmo criticando a Emissora, Neves faz uma indagação que merece uma reflexão profunda e que não será alvo de nosso estudo pelo recorte que selecionamos: “Como uma pessoa vai se deslocar só com o dinheiro da passagem para Rio Verde para procurar emprego?”, pergunta ele. Esse deslocamento pode ser explicado pelas condições da geração de emprego e renda no Brasil, naquele momento, marcada pelo desemprego nos grandes centros urbanos e em determinadas regiões do País. De acordo com ele, a estrutura da rodoviária não era adequada para acolher tantas pessoas de uma só vez. Aquele tumulto de gente e a rodoviária não tinha estrutura para suportar aquelas pessoas, aquelas bagagens que chegavam, o guarda-volumes era pequeno, então nós passamos aqui, eu chegava quatro horas da manhã e tinha dia que saía daqui à meia-noite, atendendo o pessoal na medida do possível. (NEVES, Apêndice) A história do Terminal Rodoviário de Rio Verde jamais viveu um caos semelhante ao gerado pela invasão de migrantes naquele período. Mesmo com o caos, o administrador da rodoviária disse conhecer pessoas que vieram naquela época e que se mantém trabalhando na cidade até hoje. Quando perguntamos, informalmente, se poderia nos indicar alguma dessas pessoas para entrevistarmos, Neves não soube fornecer os contatos, limitando-se a responder que apenas encontra com essas pessoas “pelas ruas”. PARTE III COMUNICAÇÃO PÚBLICA, MIDIÁTICA E POLÍTICA 10. ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO Para entender um pouco a linha tênue que separa a questão da comunicação entre as esferas pública e privada e clarificar parte dos exemplos, precisamos antes voltar a acepção do termo democracia. Ferrari (2000, p. 164), com base na concepção da democracia liberal, sem confundi-la com o liberalismo econômico, e tendo como inspiração autores como Norberto Bobbio, Renato Treves, Carlo Rosselli e Guido Calogero, defende a democracia como um regime político que se fundamenta: a) na liberdade dos cidadãos em contraste com às interferências do poder [...]; b) na igualdade dos cidadãos perante a lei; c) na possibilidade concreta de que os próprios cidadãos se realizem tanto na vida privada quanto na vida social, em condições de igualdade, ao menos nos pontos de partida; d) na possibilidade concreta de os cidadãos participarem direta ou indiretamente do governo da coisa pública. Isso se faz necessário em razão de ser a democracia o ponto de referência para a divisão dessas esferas e das relações que se estabelecem entre elas. A democracia é diferente dos regimes totalitários justamente porque se espera que ela permita a liberdade de informação, excluindo o controle e a limitação da informação aos cidadãos. Nesta dissertação, a Prefeitura de Rio Verde representa a esfera pública e o Programa Globo Repórter a privada, ambas caracterizadas pelo perfil de fonte de informação que representam. Em uma perspectiva democrática, Ferrari (2000) defende que a televisão é, dentre as fontes informativas, a mais influente. Daí a necessidade de mantêla longe da monopolização, uma vez que a mesma pode induzir a uma recepção puramente passiva da mensagem graças a força da imagem. O autor chama a atenção ainda para os perigos tanto do monopólio das fontes informativas públicas quanto das privadas. Para ele, assim se estabelece a relação entre os interesses públicos e privados: A gestão dos interesses “privados”, sobretudo no campo econômico, tem contínuos e imediatos reflexos “públicos”, ainda que os atores econômicos privados não ocupem – como em geral não ocupam, porque não há necessidade – funções públicas. O exercício dos poderes “públicos”, ao invés, incide diariamente nas posições os interesses “privados”, não somente aqueles direitos dos titulares de tais poderes, como também, e sobretudo, aqueles de multidão de cidadãos, sejam eles favoráveis ou contrários aos governantes. Cabe ressaltar que o equilíbrio no acesso às informações pelos cidadãos se dá justamente porque existem essas duas esferas em meio às fontes informativas. Seria ainda mais prejudicial à nossa sociedade se apenas uma dessas fontes prevalecesse sobre a outra, sendo que a multiplicação das fontes de informação é fator inerente à própria democracia que vivemos. Acredito que as esferas pública e privada possam conviver no setor da informação, sendo uma o contrapeso e o controle crítico da outra. Só assim veremos o crescimento das formas e práticas de comunicação pública e privada em prol da sociedade democrática. Muito ainda há de se avançar para que esse equilíbrio seja encontrado. Na prática, a confusão maior se estabelece porque a comunicação pública, de certa maneira, não tem cumprido o seu papel, de “dar espaço àquelas vozes que, destituídas de força econômica, não têm esperança de aceder às fontes privadas”. (Ferrari, 2000, p.172). Na história da comunicação pública brasileira, ainda vemos essa fonte informativa se confundir com a comunicação política, que visa a promoção pessoal de um político ou líder partidário. Nessa fusão, a prestação de serviços públicos ao cidadão fica prejudicada e uma instituição que por ser pública deveria ser democrática acaba, por vezes, igualando-se à fonte de informação privada que, por natureza, não tem nada de democrática, uma vez que tem interesses econômicos particulares. Instala-se aí, a semente do desencontro entre essas duas esferas e suas formas de comunicação, que nasce nos interesses particulares de cada uma. 10.1 A manipulação informativa Tendo por base a visão expressa anteriormente e algumas distorções que acontecem nessas duas esferas informativas (pública e privada), podemos recorrer a Abramo (2003) quando trata da manipulação30 da realidade pela imprensa e estabelece certos padrões para que esse processo ocorra. São quatro padrões de manipulação estabelecidos pelo autor (padrão de ocultação; padrão de fragmentação; padrão de inversão e padrão global), os quais merecem ser destacados por julgarmos pontuar diretamente o programa Globo Repórter sobre a geração de emprego e renda em Rio Verde e a comunicação pública do Município. Enquanto Bobbio (2000) relaciona a manipulação informativa basicamente à supressão de informação como um dos critérios para que a mesma se concretize, Abramo faz referência a esse termo como padrão de ocultação. Devemos ressaltar que os padrões de manipulação podem e são utilizados pelos meios de comunicação e pelo poder público. No caso em questão, pela televisão e também pela assessoria de imprensa da Prefeitura de Rio Verde. Vamos nos ater, em nossas análises, ao padrão de inversão e o de ocultação porque acreditamos que eles possam nos auxiliar na compreensão da postura da produção do Programa que, ao ser procurada pela Assessoria para o repasse de alguns dados relevantes sobre a questão do emprego e renda em Rio Verde, respondeu aos jornalistas da Prefeitura que a “versão oficial” dos fatos não interessava. Pelo padrão de inversão temos que: 30 O conceito de manipulação, conforme Bobbio (at al, 2004, p.727-729) estabelece, refere-se ao manipulador tratando o manipulado como se fosse uma coisa (manejando, dirigindo, moldando crenças e comportamentos), sem contar com o consentimento ou com a vontade consciente do último. O manipulado, por sua vez, ignora ser objeto de manipulação, acreditando adotar um comportamento que ele mesmo escolheu, quando, na realidade, essa escolha foi guiada (de modo oculto) pelo manipulador. O autor trata da manipulação da informação (manipulação informativa), dando como exemplo mais simples a mentira. Outra técnica, segundo Bobbio, é a supressão da informação: “De per si, a supressão da informação não envolve a mentira: simplesmente não se publicam determinadas notícias, interpretações ou apreciações”. Fragmentado o fato em aspectos particulares, todos eles 31 descontextualizados , intervém o padrão da inversão, que opera o reordenamento das partes, a troca de lugares e de importância dessas partes, a substituição de umas por outras e prossegue, assim, com a destruição da realidade original e a criação artificial de outra realidade. (ABRAMO, 2003, p.27) Diante do Globo Repórter, acreditamos que o material que foi levado ao ar passou pelo processo de inversão, com destaque para duas das formas de inversão: da relevância dos aspectos e da forma pelo conteúdo. Ou seja, no Programa que foi exibido em rede nacional para milhares de telespectadores, o reordenamento das partes e a troca de lugares e de importância aconteceu. Mais valia a versão que o fato. A primeira forma ocorre quando o secundário é apresentado como principal e o caráter adjetivo se sobrepõe sobre o substantivo. Nesse formato, recebe destaque o detalhe, o pitoresco (podemos relembrar aqui da fila de empresários em busca de emprego no Sine de Rio Verde), enquanto o essencial (entendemos que deveria ter sido enfatizado em todo o Programa os tópicos sobre a qualificação do trabalhador e os verdadeiros níveis salariais da época) fica em segundo plano. Como o essencial não foi enfatizado, criou-se uma falsa expectativa nos telespectadores, a de que em Rio Verde além do emprego ser farto e para todos, sem distinção, a remuneração era acima da média. A segunda forma de inversão que merece destaque é a da forma pelo conteúdo. Por ser a televisão um meio de comunicação que já é automaticamente beneficiada pela força das imagens, o Programa se utilizou de artifícios retóricos, com o texto cheio de metáforas e exageros obtendo maior importância que o fato que ele reproduz. Tem-se a palavra, a frase de efeito, no lugar da informação. De acordo com Abramo (2003, p. 29): “[...]o tempo e o espaço da matéria predominando sobre a clareza da explicação; o visual harmônico sobre a veracidade ou fidelidade; o ficcional espetaculoso sobre a realidade”. Observamos que, mais uma vez a notícia como espetáculo aparece. 31 Segundo Abramo (2003) é uma decorrência da seleção de aspectos. Ainda sobre o padrão da inversão, podemos fazer uma alusão às práticas comuns às assessorias de imprensa de instituições públicas. Uma das formas de inversão é chamada de inversão da versão pelo fato, onde um dos exemplos extremos é o oficialismo – expressão de Abramo para indicar fonte oficial. É notório que muitos órgãos responsáveis pela comunicação pública utilizam-se de versões oficiais em substituição dos fatos. A versão que vale é a da autoridade, que pode ser a do Presidente da República ou a de um Prefeito, propagada pela assessoria de imprensa. Essa versão, como coloca Abramo (2003, p.31), sempre vale mais do que as versões das autoridades subalternas [...], sempre infinitamente mais do que a realidade. Assim, o oficialismo se transforma em autoritarismo”. Ao observarmos o padrão de manipulação de inversão do fato pela versão, podemos inferir que a prática atual de algumas assessorias de imprensa de administrações públicas, que produzem versões ditadas pela autoridade, é a grande responsável pelo descrédito que esses órgãos passaram a ter junto aos meios de comunicação e até mesmo perante a sociedade. Os órgãos de imprensa do poder público acabaram adquirindo certa fama de órgãos do oficialismo, perdendo a credibilidade na sugestão de temas relevantes ao debate social e mesmo como fonte de dados e de informação. Essa constatação pode ser confirmada com a recusa da produção do Globo Repórter em não querer “ouvir” a assessoria de imprensa sobre a questão da empregabilidade em Rio Verde, temendo ter como retorno apenas a versão oficial. É certo que, mesmo com a “fama” que as assessorias ficaram, o papel do produtor televisivo seria o de receber os dados que a mesma se dispôs a passar, checando, assim como em qualquer outro trabalho jornalístico, as informações. Outro fator que pode ter contribuído para a recusa em observar o lado que a assessoria tentava mostrar é o medo de que aquele órgão de imprensa pudesse estar tentando fazer uso do espaço do Programa para ações e prática da promoção pessoal do Prefeito, como não é incomum vermos acontecer. De qualquer maneira, fica claro que o pré-julgamento feito pela produção do Globo Repórter acabou influenciando no resultado final do material, que levou ao ar a milhares de telespectadores em todo o País, uma versão não “oficial” como era o desejo da emissora, mas uma versão “global” (termo referente a Rede Globo) sobre o assunto abordado. Temos então, no padrão de manipulação de inversão, um ponto comum nas práticas da comunicação pública e da mídia. Outro padrão de manipulação que queremos destacar, por ser comum a esses dois tipos de comunicação, é o de ocultação. Abramo (2003) o descreve como sendo um padrão que começa nos antecedentes, na parte preliminar da busca pela informação, quando se decide pela pauta. Nesse processo, o autor coloca que muitas vezes manipula-se a realidade quando, na tomada de decisão, selecionam-se quais fatos são ou não jornalísticos ou excluem-se fatos reais: “E o fato presente na produção jornalística, real ou ficcional, passa a tomar o lugar do fato real e compor, assim, uma realidade diferente da real, artificial, criada pela imprensa.” (ABRAMO, 2003, p.26). Para o autor, “o padrão de ocultação se refere à ausência e à presença dos fatos reais na produção da imprensa”. Em sua classificação dos padrões de manipulação, Abramo faz referência à Imprensa. Mesmo o contexto sendo outro, podemos transpor a adoção desses padrões por uma assessoria de imprensa. A ocultação de informações faz parte da rotina de muitas assessorias de imprensa, transformando-se em uma das formas de manipulação da realidade, sempre com o objetivo de divulgar apenas as informações de interesse do assessorado. É claro que nem tudo é manipulado e nem todas as assessorias agem assim, mas que ocorre, sem dúvida, no caso exemplar da comunicação pública de Rio Verde, às vezes, essa forma de manipulação. Para Abramo (2003), esse padrão é decisivo e definitivo na manipulação da realidade, sendo que a inclusão, exclusão ou omissão de um fato ou informações em uma produção jornalística passa por uma tomada de decisão que ocorre nesse processo de produção. Dependendo da escolha que se faz, entre um fato real ou uma versão, por exemplo, pode acontecer da versão ou do fato ficcional ocupar o lugar do fato real, compondo e criando assim uma realidade diferente da real, sendo ela artificial, fabricada. O padrão de ocultação adota instrumentos para ocultar e instruir, comumente, para manipular a realidade que se pretende mostrar, fabricando então, uma nova realidade. A ocultação do real serve a interesses que são traçados e definidos ainda no momento preliminar da busca da informação e que prossegue nas etapas de produção, planejamento e finalização do produto jornalístico. É importante apontar que esses dois padrões de manipulação são comuns não só à comunicação midiática, conforme vimos neste capítulo, mas à comunicação governamental. Assim, ao tomarmos a assessoria de imprensa como uma das temáticas desse trabalho, é preciso, também, conhecê-la melhor, assim como o campo da comunicação e da política. Temos, então, no padrão de manipulação de inversão e de ocultação, pontos em comum nas práticas da comunicação pública e midiática. 11. COMUNICAÇÃO E POLÍTICA A visão negativa que as pessoas possuem sobre as assessorias de administrações públicas tem sua origem, também, nas práticas políticas. Em nossa sociedade, sabemos que essas práticas, muitas vezes misturadas à corrupção e ao jogo de interesses e de poder, conferem desconfiança ao campo32 político. Por essas razões e com a ajuda da mídia, o cidadão colocou a política brasileira na berlinda. A definição desse campo político, no sentido em que Bourdieu (apud Miguel, 2002, p.166) recorre a esta expressão, é: o lugar em que se geram , na concorrência entre os agentes que nele se acham envolvidos, produtos políticos, problemas, programas, análises, comentários, conceitos, acontecimentos, entre os quais os cidadãos comuns, reduzidos ao estatuto de ‘consumidores’, devem escolher. Cabe a ressalva que para Bourdieu, a mídia está inclusa dentro do campo político, sendo que nesta dissertação, o pensamento vai ao encontro do disposto por Miguel (2003), em que mídia e política formam “dois campos diferentes, guardam certo grau de autonomia e a influência de um sobre o outro não é absoluta nem livre de resistências”, assim como ocorre em um processo de mão dupla. Da forma como isto está colocado em nossa sociedade, a mídia, cada vez mais, é a detentora de um poder de constituição de uma visibilidade que se tornou condição essencial para a geração de capital político. Em Miguel “o capital político é uma forma de capital simbólico, isto é, dependente do reconhecimento fornecido pelos próprios pares”. É claro, também, que mesmo tendo o poder de conferir visibilidade, a mídia se torna refém da esfera econômica que age sobre os meios de comunicação, apresentando, então, uma autonomia consentida, em muitos casos, pelo anunciante – onde aparecem fortemente os poderes públicos (municipais, estaduais e federal), notadamente grandes clientes nos âmbitos nacional, regional e local. 32 Com base em Bordieu, campo seria “um universo obedecendo a suas próprias leis”. (apud Miguel, 2002, p.166). Muitas vezes, a batalha que se trava entre as esferas pública e privada, tomadas aqui como fontes informativas, começa com o conflito de interesses entre o campo da política e da comunicação, em que os meios de comunicação se colocam como porta-vozes “imparciais” do debate político e os políticos lutam pela conquista de capital político. Esse desejo de conquista de capital político, que resulta em reconhecimento social do político e prestígio, tem na mídia, possivelmente, seu maior aliado. Os representantes políticos, eleitos pelo voto do povo em nossa organização democrática, sabiamente tentam utilizar a estrutura administrativa para o fortalecimento e a construção da imagem que desejam. Algumas práticas são comuns a essa esfera, sempre na tentativa de obter êxito nesse tipo de ação. E em meio a esses interesses particulares, como fica o papel das assessorias de imprensa governamentais? A função dessas assessorias é contribuir para que a sociedade tenha acesso às informações e aos serviços públicos de seu interesse. Para Eid (2003, p. 1) as duas principais tarefas são: “apurar e distribuir informações de interesse público, normalmente não cobertas pelos veículos de comunicação” e “ disponibilizar notícias à parcela da mídia que não tem amplo acesso às fontes”. O autor destaca o que já foi reforçado neste trabalho, ou seja: Assessoria de imprensa não é mera ferramenta de promoção do prefeito, do governador, do presidente da República, ministros, secretários de Estado ou de dirigentes e executivos de empresas estatais. É um serviço do Estado e da sociedade, que também atende aos gabinetes. (EID, 2003, p.1) Nesse âmbito é preciso deixar de lado as práticas que priorizam e privilegiam a promoção pessoal e é necessário voltar-se a um trabalho de assessoria que possa fornecer à imprensa informações com conteúdo útil, real e desejado pela sociedade ou por segmentos organizados. Está justamente nesse ponto chave o desafio das assessorias, que precisam passar, obrigatoriamente, a transmissão clara desse papel ao político ou dirigente estatal. O assessor deve deixar claro que a imagem da autoridade pode ser fortalecida ou construída positivamente no conjunto do trabalho jornalístico voltado à prestação de serviços públicos ao cidadão. Ou seja, essa imagem pode estar relacionada aos resultados obtidos com ações eficazes, com transparência na administração pública, no atendimento rápido à imprensa, na implementação de programas e projetos sociais, na boa gestão dos recursos públicos e demais ações que desejavelmente devem ser executadas por uma administração municipal, por exemplo. Só assim a assessoria de imprensa governamental será vista com outros olhos, adquirindo o posto de fonte confiável e fidedigna para a mídia. O personalismo, a figura do “prefeito forte” e da promoção pessoal apenas contribui para dificultar o trabalho de uma assessoria, que acaba sendo o órgão distribuidor de versões oficiais, releases insólitos e vazios, reduto para a produção de versões, criando assim a desconfiança e o desinteresse da Imprensa sobre o trabalho que muitas assessorias de imprensa desenvolvem. Matos (in Oliveira, 2004, p. 118) trata a comunicação pública como uma modalidade de comunicação política, uma vez que a “natureza dessa comunicação busca, no limite, a legitimidade e a representação do poder estatal no sistema político, podemos considerá-la política, como a comunicação entre partidos, candidatos, eleitores e mídia”. O termo comunicação pública é genérico e usado não apenas para referir-se à ação de tornar público um fato ou notícia, princípio de toda forma de comunicação. Para alguns autores, a exemplo de Matos, a comunicação pública é termo sinônimo da comunicação governamental. Percebe-se aqui neste ponto, com a definição estabelecida por Matos, mais uma brecha para a confusão, fusão e mistura entre a comunicação pública e a política, onde fica difícil perceber os limites de cada uma. Zemor (apud Matos in Oliveira, 2004) estabelece cinco categorias para a comunicação pública, tendo todas a informação como objetivo: a obrigação que as instituições públicas têm de informar o público; o estabelecimento de uma relação de diálogo na prestação de serviços públicos; promover a atuação administrativa; desenvolver o trabalho de comunicação interna e externa visando promover a instituição pública e divulgar ações de interesse geral. Matos (2004), com base nessas categorias, acredita que a comunicação pública seja construída como uma estratégia, ditada pelo cenário do mercado político e estatal, levada em conta no planejamento e na tomada de decisão do governo. Isso porque, para ela a comunicação pública não é e não pode ser dissociada do mercado (econômico), pois seria uma utopia acreditar nesta separação. Nessa perspectiva, temos dois mercados que se interagem e que se influenciam mutuamente: o político e o econômico. É válido destacar aqui que esta separação é praticamente impossível de acontecer, mas cabe ao Estado enquanto agente no processo de comunicação pública saber equilibrar na balança os anseios e a prestação de serviços ao cidadão e de outro lado a lógica do mercado, para não correr o risco de atender, com sua forma de comunicação, mais os grandes grupos econômicos que a sociedade. Para os assessores de imprensa, o desafio de realizar uma comunicação pública voltada à sociedade passa pela franqueza do assessor com o assessorado, pela ética e pela busca, incansável, de uma prestação de serviços públicos de qualidade, destinada aos cidadãos e fortalecedora da sociedade democrática. Mas, sabemos que o alcance desses objetivos é permeado por obstáculos, característicos do serviço público, da política e da própria comunicação. 11.1 A verdade, a mentira e o segredo na política Na política, a mentira, o segredo, a ocultação e a informação se misturam com a realidade. O poder público, por vezes, fabrica segredos e mentiras com a intenção de impor a “versão oficial” aos fatos. O ocultamento também é prática comum nessa esfera, como apontou Bobbio (2000, p. 115): “[...] o ocultamento é fenômeno comum a todas as formas de comunicação pública”. O autor afirma que mesmo o Estado mais democrático tutela uma esfera privada ou secreta dos cidadãos, onde o segredo aflora. E não estamos falando aqui do clássico segredo de Estado, que possui informações estratégicas que não podem ser compartilhadas com os cidadãos para a própria segurança deles, mas dos segredos inerentes às articulações políticas. O segredo coloca na berlinda as práticas democráticas, uma vez que a premissa da democracia de governo público em público não combina com qualquer forma de ocultação. Mas Bobbio (2000) esclarece que são justamente os escândalos33 envolvendo pessoas da administração pública que fazem com que ações de corrupção e quaisquer outros atos ilícitos sejam desenvolvidos em segredo. Ou seja, onde existe a verdade não há necessidade do segredo e da mentira. Para Hannah Arendt (2005) a “verdade fatual”34 (verdade de fato) é aquela que se ocupa dos fatos e acontecimentos e que se constitui na verdadeira textura do domínio político, sendo o resultado da convivência e ação de homens. A autora considera escassas as chances de sobrevivência da verdade de fato em meio ao assédio do poder, pois fatos e eventos são frágeis diante do mesmo e não há apenas uma pequena probabilidade de que um fato de importância, esquecido ou dissimulado pela mentira seja um dia descoberto. Arendt trata as relações entre a verdade e a política como conflituosas, em que as características do ser humano colocam a verdade frente à verdade racional de cada um, que expõe o fato à mentira ou ao que a autora chama de falsidade deliberada. A verdade racional é inflada pela opinião, a qual todos os humanos são suscetíveis, e não pela verdade de fato. Isso seria o deslocamento da verdade de fato para a opinião. O segredo também é uma das ameaças à verdade de fato: “os segredos de Estado sempre existiram; todo governo precisa classificar determinadas 33 Bobbio (2000, p.105) conceitua o que vem a ser escândalo público ou o que o suscita: “O momento que nasce o escândalo é o momento em que se torna público um ato ou uma série de atos até então mantidos em segredo ou ocultos, na medida em que não poderiam ser tornados públicos pois, caso o fossem, aquele ato ou aquela série de atos não poderiam ser concretizados”. 34 “[...] concerne aos acontecimentos e às circunstâncias nos quais muitos estão engajados; ela é estabelecida por testemunhos e repousa sobre testemunhos; ela existe somente na medida em que se fale dela, mesmo se isso se passa em privado. Ela é política por natureza”.(ARENDT apud ALMINO, 1986, p.32). informações, subtraí-las da percepção pública”. (ARENDT, 2005, p. 293). Quem ousa revelar segredos autênticos é tido como traidor. Assim, a mentira nunca ocupou tanto espaço quanto na política: A mentira às vezes é encarada com tal naturalidade na política quando se imaginam propósitos mais elevados que a justificariam (quando se age por motivos que se consideram de interesse nacional, social, de segurança, etc), que se é tentado a ver a política como a arte de mentir”. (ALMINO, 1986, p. 14) Almino (1986) refere-se à mentira como uma falsificação consciente e uma distorção da verdade de fato. A mentira “é uma forma de segredo e viceversa, pois ela, como o segredo, implica ocultação de uma verdade de fato”, num sentido empregado por Arendt e que é o ponto de partida do trabalho de Almino, O Segredo e a Informação. O autor aponta que entre os segredos e as mentiras conscientemente elaborados na política, existem os que se constituem pela força que o Estado emprega contra a publicidade do privado, com versões oficiais dos acontecimentos, e os que são fabricados pela elaboração como atos livres de cada um. Mas Almino não acredita em nenhuma causa nobre definida de maneira técnica pelo Estado que possa legitimar o segredo. Ou seja, que não existiria espaço para segredos legítimos na perspectiva democrática. Em meio à mentira e ao segredo, como ficaria a informação na comunicação pública e na política? Sabe-se que os governos possuem estruturas e mecanismos próprios para informar os cidadãos e que, muitas vezes, essa informação, para que seja consolidada como verdade e contribua para o fortalecimento da imagem do poder público, deve passar pelos meios de comunicação: Os meios de comunicação desempenham um papel fundamental não só na transmissão do saber informacional ou na imagem do poder, mas também podem ser instrumento tanto de consolidação das relações de poder quanto da desmistificação do poder. (ALMINO, 1986, p.26) O autor observa ainda, que a informação e o poder nutrem uma relação íntima, que “se refere não mais à informação como poder, mas ao caráter informacional do poder”, em que o poder é a própria informação, em suas diferentes versões, sobre ele mesmo. Deve-se ter em mente que a informação não pode ser pensada fora de um contexto social ou de uma organização, uma vez que ela depende da relação, como já mencionamos antes neste trabalho, entre o emissor e o receptor. Assim, o uso que se faz da informação, tanto na esfera pública quanto na privada, depende das relações estabelecidas entre o emissor e o receptor e dos objetivos que o emissor pretende com a informação em meio a uma mensagem que transmite. Essa informação está sujeita às interpretações e às versões. É justamente nesse flanco que entram a mentira e o segredo. Os fins estabelecem o modo como a informação será usada. É na relação entre que o emissor e o receptor que pode se dar a atribuição de significado, qualidade, valor ou mesmo alcance à informação. A prática política atual tem no domínio da informação, seja pela ocultação ou pela inversão, condição indispensável para a sobrevivência e manutenção do poder. Por isso, nota-se que o poder público e os membros da política perpetuam essa prática, afastando-se da verdade de fato, preferindo as versões e opiniões para dirigir a informação. O antagonismo entre verdade e política aparece desde Platão, passando por Hobbes e se instala nos estudos mais contemporâneos e da atualidade, justamente por ser essencial à percepção das relações entre comunicação e política e do uso que a comunicação pública faz da informação. A questão da visibilidade está diretamente ligada à imagem do poder público e a comunicação pública tem servido a esse interesse, o de formar a imagem que os detentores do poder querem passar aos cidadãos. Em Rio Verde, no final da década de 80, ainda podemos perceber na legislação a importância que a visibilidade representava para o Prefeito na conquista do capital político e como se configurava o uso da máquina administrativa com fins políticos. 12. A COMUNICAÇÃO NA LEGISLAÇÃO DE RIO VERDE Tomando por base o primeiro mandato de Paulo Roberto Cunha, atual prefeito de Rio Verde, temos a Lei no 2459, de 17 de março de 1989, que traz um artigo espantoso sobre as atribuições da Secretaria de Comunicação, à época denominada de Secretarias das Comunicações: IV – desenvolver hábil sistema de comunicação social da ação administrativa, visando criar na comunidade espírito de participação solidária ao desempenho do Prefeito (LEI No 2459, o 1989, art. 7 , grifos nossos). Pela redação, observa-se a visão que se tinha, naquela época, das competências de um departamento de comunicação pública/institucional, com distorções das funções da Secretaria. Na administração que se seguiu, do prefeito Osório Leão Santa Cruz, é sancionada a Lei no 2868, em 11 de janeiro de 1993, mantendo a Secretaria das Comunicações com as mesmas atribuições. Nesse período não se tem registro de nenhum jornalista que tenha exercido a função de assessor de imprensa ou que tenha atuado na Secretaria de Comunicação do Município. Outras funções do departamento, estipuladas nesta Lei, eram: planejamento, coordenação e execução de serviços de comunicação, relações públicas e imprensa da Prefeitura; divulgação (publicidade) de projetos, obras e da administração e instituição de programas regulares nos meios locais para as ações de divulgação a que trata o item anterior. No mandato da prefeita Nelci Spadoni (1996/2000), mais uma lei (no 3.460/97) foi editada modificando toda a composição da organização interna da Prefeitura. Por esta Lei, deixou de existir a Secretaria das Comunicações, ficando a administração das atribuições pertencentes a esta Secretaria à cargo de Fernando Lobo, genro da prefeita. Mesmo não sendo secretário de comunicação, todos os trabalhos e verbas eram gerenciados por ele, que ocupou três secretarias, em diferentes momentos, naquele mandato. A prefeita Nelci Spadoni, ainda naquele período, sancionou outras duas leis, a no 3.806/99 em 22 de abril e a no 3.823/99 em 30 de junho, reformulando a organização administrativa da Prefeitura de Rio Verde. Vemos claramente que o artigo apresentado distorce as funções e responsabilidades de uma secretaria de comunicação, vinculando-a expressamente à promoção pessoal. Em 2001, quando assume novamente a Prefeitura, Paulo Roberto Cunha cria uma nova estrutura organizacional para a administração. É recriada, então, a Secretaria Municipal de Comunicação pela Lei no 4016, que não trata das atribuições da pasta. Com a recriação da Secretaria de Comunicação foi estruturada, pela primeira vez, inclusive com sala própria, separada da Secretaria, a assessoria de imprensa. Foi após essa recriação que a assessoria passou a contar com uma autonomia maior, passando a responder diretamente ao Prefeito. Em 2002, o prefeito em exercício Evânio Silva sanciona o Regimento Interno Programático em 11 de abril, que trata dos sistemas e da estrutura organizacional da Prefeitura, estabelecendo em cada um dos capítulos as funções e atribuições das secretarias e órgãos da administração direta. Por esse Regimento, em seu capítulo VII, as atribuições da Secretaria de Comunicação foram redefinidas como sendo: responsável pelas relações públicas da Prefeitura; pela promoção de pesquisa de opinião pública sobre o desenvolvimento e “desempenho” da administração municipal; pela administração dos meios de comunicação da Prefeitura; pela recepção das autoridades que se dirijam ao Prefeito; pelo assessoramento nas questões de comunicação; pela divulgação das potencialidades turísticas do Município; pelo relacionamento com a mídia e pela organização e divulgação de eventos. Se essas competências fossem desenvolvidas com sucesso, certamente os canais de comunicação entre o poder público e os veículos de comunicação se estabeleceriam de forma mais eficaz. No caso do programa Globo Repórter que estudamos, a administração municipal não teve chance de contribuir no processo de produção e filmagem do mesmo, o que, talvez, se tivesse ocorrido, poderia ter traçado uma abordagem diferente ao Programa. Há que se acreditar, também, que em virtude de práticas de comunicação distorcidas pelo poder público em todos os âmbitos e pela existência de leis absurdas, a comunicação pública ainda é vista com desconfiança e como forma de promoção pessoal de políticos. Essa prática distorcida e o uso da máquina administrativa com fins eleitoreiros, colocou a comunicação pública na berlinda, que se tornou uma estrutura sem credibilidade e apenas um produto de versões “oficiais” dos fatos. Sabe-se que essa prática tem melhorado e que muitas administrações tem procurado estruturar equipes técnicas para o gerenciamento da comunicação pública, relegando ao passado as estruturas de trabalho formadas apenas pelo critério do apadrinhamento político. Nos dias atuais será difícil encontrar legislações sobre comunicação pública que ainda tragam artigos com clara referência à promoção pessoal e política dos administradores. Isso porque a legislação eleitoral e da administração pública evoluiu bastante no País e, hoje, o uso da máquina administrativa configura-se em crime. Com relação a Rio Verde, a tentativa de mudar esse quadro é clara, pelo menos no que tange à legislação da área que, depois de 1989, já evoluiu bastante, apresentando avanços significativos com a aprovação de novas leis e a revogação das arcaicas e distorcidas. Um exemplo desta evolução pode ser constatado pelo Regimento Interno Programático, que estabelece algumas ações e programas para cada uma das secretarias que compõem a administração municipal. Para a Secretaria de Comunicação, o Regimento estabelece em seu capítulo VII, seção I, o Programa de Comunicação Social, que prevê: divulgação e veiculação de ações governamentais; promoção de pesquisa de opinião pública; comunicação de eventos e datas comemorativas; relações públicas; divulgação de informações governamentais; coordenação de obras, instalações e sistemas de TV; manutenção da torre de reprodução de imagens de TV; elaboração e execução da agenda comunicativa; implementação da agenda social municipal; desenvolvimento de programas e projetos; dentre outros. Não pretendemos aqui, analisar a fundo como tem funcionado a aplicação desse Regimento Interno, mas apenas indicar o que já se avançou na área de Comunicação, com a evolução da própria legislação do Município. É claro que, mesmo sem análises mais profundas, a nossa observação participativa nos permite afirmar que o disposto nesse regimento é bastante audacioso e que, talvez, pelo perfil de uma administração municipal, que, de certa maneira, tem sua prática administrativa emperrada pela burocracia, seja difícil implementá-lo na íntegra. A falta de pessoal estritamente técnico também é fator que dificulta colocar em prática de todas as ações. 12. 1 Um pouco mais sobre Rio Verde O Município possui quatro instituições de ensino superior – Universidade de Rio Verde, Instituto de Ensino Superior de Rio Verde, Faculdade Almeida Rodrigues e Centro Federal Tecnológico – que abrigam mais de 9 mil estudantes universitários de toda a região. O município de Rio Verde possui apenas uma emissora de TV com sede local. É a TV Riviera, retransmissora da Rede Anhanguera de Televisão, de Goiânia, afiliada da Rede Globo. Os jornais que circulam na região são, na maioria, semanários, excetuando-se os únicos dois jornais diários do Estado, Jornal O Popular e Diário da Manhã. Uma particularidade entre os semanários é a falta de rigor na periodicidade de alguns que, às vezes deixam de circular por um tempo e depois retornam às atividades. Como jornais semanais e quinzenais que estão circulando neste ano de 2007, podemos citar: Jornal Tribuna do Sudoeste, Jornal News, Jornal Folha de Rio Verde, Jornal O Espaço e Gazeta do Sudoeste. Os semanários O Mercador e Jornal Folha da Cidade, deixaram de circular no final do ano 2006. Com relação às rádios, são quatro ao todo, sendo uma AM. São elas: Rádio AM, Rádio 96 FM Caiapó, Rádio Morada do Sol FM e Rádio Interativa FM. Há também uma rádio comunitária, que ilegalmente atua como rádio concessionária FM, a Rádio Terra. O próximo capítulo tratará da estrutura de Comunicação da Prefeitura de Rio Verde, voltada especificamente à assessoria de imprensa, responsável pelo relacionamento com a mídia local, listada anteriormente. 13 O ORGANOGRAMA – ONDE ESTÁ A ASSESSORIA? A Assessoria de Imprensa da Prefeitura de Rio Verde passou a funcionar em 1989. A sua implantação veio com a reformulação da organização administrativa da Prefeitura, quando foram reestruturadas as atribuições das secretarias municipais, por meio da Lei 2459. Até hoje, a assessoria funciona sem sua devida criação por lei ou decreto. Ou seja, existe de fato, mas não há qualquer menção ao departamento na legislação municipal e, sequer, no organograma da Prefeitura que é disponibilizado no site institucional da Prefeitura de Rio Verde35. Na prática, a assessoria de imprensa funciona vinculada à Secretaria da Comunicação, sendo que se reporta também, diretamente ao Prefeito, só que o departamento não aparece no organograma. Percebe-se, pelo organograma, o peso que a Secretaria de Comunicação possui na atual gestão municipal. A Secretaria integra o bloco das que estão ligadas diretamente ao Prefeito Municipal, composto ainda pela Secretaria de Governo e Relações Exteriores, Secretaria de Articulação Política e Procuradoria Geral do Município. No bloco em paralelo, também ligado ao Prefeito Municipal, aparecem as Coordenadorias de Convênios e de Controle Interno e a Assessoria Especial de Habitação. Logo abaixo, em um bloco integrado estão as secretarias da Fazenda, de Planejamento e Administração e de Abastecimento e Compras. As demais secretarias e outras estruturas municipais seguem em níveis abaixo deste. Pelo próprio posicionamento de cada uma das secretarias municipais nesse organograma, pode-se inferir o grau de importância de cada uma delas na atual administração. Ou seja, a área de Comunicação situa-se no topo, com atenção especial nas políticas de distribuição dos recursos do orçamento e do próprio Prefeito. A administração municipal é exercida, desde 2001, por Paulo Roberto Cunha (PP). Reeleito em 2004, o prefeito está em seu terceiro mandato à 35 O site da Prefeitura é: www.rioverdegoias.com.br. O organograma da Prefeitura se encontra em anexo. frente da administração de Rio Verde. O primeiro mandato ocorreu de 1988/1991. Por esta razão, acreditamos que o Prefeito já deveria saber um pouco mais sobre o poder da mídia e como tratá-la, o que poderia ter evitado tantos transtornos ao Município com o episódio Globo Repórter. 13.1 Estrutura da Assessoria A assessoria de imprensa ocupa uma sala dividida em quatro ambientes, com cerca de 70 metros quadrados, localizada fora do prédio da Prefeitura. Até o 1o semestre de 2006, a assessoria funcionava no mesmo prédio da administração central da Prefeitura, onde fica o gabinete do Prefeito. Por problemas com espaço para outras secretarias, foi necessária a mudança para outro local, situado na área central da cidade, mas distante da sede do poder público. O espaço antes ocupado pela Assessoria passou a ser ocupado por departamentos da Secretaria de Obras. A mudança da assessoria do prédio em que fica o Prefeito fez com que a equipe passasse a se desdobrar, ainda mais, para ter acesso às informações pertinentes às secretarias municipais e outras de relevância. Com esse distanciamento físico entre a assessoria e a Prefeitura, sede do poder executivo, algumas secretarias começaram a esquecer de encaminhar as informações sobre seus eventos, dados atualizados de programas ou projetos, prejudicando o devido acompanhamento pelo órgão de comunicação pública e, às vezes, a cobertura de fatos importantes da administração municipal. Atualmente a assessoria dispõe de seis computadores pentium, com acesso à internet pelo sistema de banda larga, um scanner e uma impressora jato de tinta, além de um aparelho de fax. Dois computadores estão equipados com gravadora de CD e com programas específicos para gravação de rádio e TV. É por meio desses programas que a assessoria executa o serviço de clipping eletrônico, gravando os telejornais locais e os programas jornalísticos das rádios, que depois são transcritos (apenas os trechos que tratam da Prefeitura ou que sejam de interesse do poder público). Ao todo são cinco jornalistas redatores; além de um jornalista, exercendo o cargo de assessor comissionado e que ocupa a Direção de Jornalismo; uma secretária; um fotógrafo e dois funcionários responsáveis pelas transcrições e gravações de programas. Dos redatores, apenas uma não possui formação superior e exerce a profissão com registro precário. Todos os funcionários que compõem a Assessoria são nomeados por Decreto do Prefeito e atuam em cargos comissionados. Apenas a secretária é concursada e, portanto, é servidora efetiva da administração municipal. Para o deslocamento dos jornalistas para a cobertura de matérias da cidade, há um carro à disposição. A estrutura de equipamentos que a Assessoria possui é suficiente para o exercício de suas funções, permitindo que os redatores tenham boas condições de trabalho. Atualmente, não é a estrutura que dificulta a atuação do departamento, mas a distância física entre a Assessoria e a sede, onde fica o Prefeito e seus principais secretários e assessores. As notícias redigidas também são encaminhadas para os veículos de comunicação cadastrados e para o mailling de contatos importantes na região, em forma de release, além de serem inseridas na página da Prefeitura na Internet. No site foi criado um espaço para uma notícia destaque, sempre acompanhada de uma foto. As outras notícias são postadas logo abaixo do destaque, com referência de data e horário de sua inserção na página, como vemos na Figura 07. Figura 07 – Página da internet pertencente à Prefeitura de Rio Verde Fonte: SITE DA PREFEITURA DE RIO VERDE. Disponível em: www.rioverdegoias.com.br. Acesso em: 03/08/2006. A Figura 07 nos mostra que o visual do site institucional tem nas fotografias destaque o chamariz para o usuário e que há uma priorização das notícias no lado direito da tela. A parte de cima permite o acesso às informações e perfis das secretarias, além de dados como emprego, arquivos, serviços on-line, Câmara Municipal, cidade, dentre outros. O acesso ao site é grande, de pessoas não só de pessoas de Rio Verde, mas de várias localidade do País. As informações são sempre atualizadas pela equipe da assessoria de imprensa, o que confere a página uma rica fonte para pesquisa de informações por parte de profissionais de diversos segmentos e alunos de todos os níveis. O número de acessos à pagina da Prefeitura de Rio Verde fica em torno de 320 mil por mês, sendo são originários de cerca de 100 mil acessantes. Essa página é, certamente, um dos grandes instrumentos de divulgação das ações da administração municipal e de fundamental apoio para a comunicação pública. 13. 2 Influências de teorias do jornalismo na assessoria de imprensa Pelo que se observa nos artigos destacados anteriormente (art. 7o da Lei no 2459 e arts. 35 e 36 do Regimento Interno Programático), as funções da Secretaria de Comunicação e, conseqüentemente da assessoria de imprensa da Prefeitura de Rio Verde, possuem estreita relação com o disposto na teoria organizacional. Apesar do objeto de estudo que resultou nesta teoria não ter sido baseado na prática de uma assessoria de imprensa, podemos fazer uma analogia, entre uma empresa privada de comunicação, na qual a estrutura funcional atua em consonância com as diretrizes do comando empresarial, e a comunicação pública que também obedece a uma hierarquia organizacional que parte, sem dúvida, do chefe do executivo. O jornalista sabe que seu trabalho vai passar por uma cadeia organizacional em que seus superiores hierárquicos e os seus assistentes têm certos poderes e meios de controle. O jornalista tem que antecipar-se às expectativas dos seus superiores para evitar os retoques dos seus textos (trabalho suplementar para a organização) e as reprimendas – dois meios que fazem parte do sistema de controle e que podem ter efeitos sobre a manutenção ou não do seu lugar, a escolha das suas tarefas e a sua promoção – quer dizer, nada menos do que a sua carreira profissional. (TRAQUINA, 2001, p. 77/78) Esses sentimentos e situações expressos por Traquina (2001) são compartilhados com jornalistas que trabalham na assessoria de imprensa da Prefeitura de Rio Verde. Existem as normas internas – que não estão em nenhum manual, mas que são explicadas a todos quando contratados - sobre o formato a ser dado na redação dos textos que saem do departamento. Quando essas normas não são cumpridas, o resultado é a alteração do texto produzido para deixá-lo com o perfil desejado, sempre vinculando as realizações positivas da administração pública à figura do prefeito. Vemos aqui, ainda, o ranço de uma forma de promoção pessoal da figura política. O dever da administração municipal em prestar serviços públicos de qualidade aos cidadãos, confunde-se com a personificação das realizações na figura do “idealizador”, do “patrono”, do “tocador de obras”. Isso fica ainda mais evidente nos municípios do interior. O funcionamento da cadeia organizacional da Prefeitura estabelece que a assessoria de imprensa responde diretamente ao Prefeito e, portanto, às suas expectativas e, comumente, às interferências do Secretário de Comunicação. O titular desta pasta é Alessandro Cabral que possui formação educacional restrita ao ensino médio e não apresenta qualquer formação técnica e profissional na área. Nos deparamos, aqui, com um exemplo real do apadrinhamento político, onde a ocupação de alguns cargos e funções públicas são feitos pelo critério político e não pela competência profissional. Os jornalistas da assessoria são subordinados a um Diretor de Jornalismo, cargo ocupado por um jornalista graduado pela Universidade Federal de Goiás, com mais de 20 anos de profissão. É dele o crivo final sobre os textos produzidos. Assim como em empresas de comunicação privadas, as reprimendas ou sanções influenciam os jornalistas de maneira silenciosa. Muitas vezes não são feitas ameaças diretas aos funcionários, mas fica subentendido nas relações da organização que o jornalista deve se adequar à sistemática administrativa e política da Prefeitura, sob pena de ser exonerado do cargo, uma vez que não há nenhum jornalista concursado. Os existentes exercem a função por nomeação do Prefeito, que a faz por decreto. Uma outra questão que merece reflexão é a existência da auto-censura. Os jornalistas da assessoria se inibem de escrever o que gostariam, da forma e com o enfoque desejados, representando a chamada “autonomia consentida”, conforme opinião de James Curran (apud TRAQUINA, 2001, p.77). De acordo com Curran, essa autonomia apenas é permitida quando o seu exercício profissional estiver de acordo com as normas da organização. O jornalistaassessor tem que filtrar as informações, omitir questões negativas sobre a Prefeitura e dar um enfoque ao gosto do que o prefeito gostaria de ver nos meios de comunicação e que chegasse até a comunidade local. Breed (apud TRAQUINA, 2001) estabelece alguns fatores que contribuem para o conformismo do profissional e que podem explicar esse comportamento dos jornalistas da assessoria de imprensa da Prefeitura de Rio Verde: a autoridade institucional e as sanções, as aspirações de mobilidade, a ausência de grupos de lealdade em conflito, o prazer da atividade, as notícias como valor. Transpondo esses fatores à rotina estudada, pode-se detectar a existência deles, algumas vezes de formas diferentes às que ocorrem nas redações jornalísticas. Os jornalistas que atuam em assessorias de imprensa de administrações públicas sabem que, se trabalharem em conformidade com as regras da organização, podem ter emprego garantido pelo período em que durar o mandato eletivo do administrador, que de acordo com a legislação é de quatro anos, com chances de elevação de nível salarial. As variações salariais são estipuladas por lei municipal, que rege os valores e o quantitativo dos cargos em comissão. Em Rio Verde, como não há função específica de jornalista pela legislação municipal, a gratificação de cada jornalista é definida pelo próprio Prefeito, sendo que os valores atuais estão acima de R$ 1.250,00, com níveis diferenciados entre os integrantes da equipe. Por essa razão, pode ser identificado assim, mais um fator descrito por Breed, o dos sentimentos e obrigações para com os superiores. Tendo o salário como recompensa, o mesmo se transforma em moeda de troca nas relações entre os assessores e o Prefeito, contribuindo para o que o autor chama de “aliciamento para o conformismo”. A possibilidade de ascensão salarial e profissional na administração pública depende da simpatia do Prefeito. O funcionário público que exerce cargo em comissão passa por uma peculiaridade típica do serviço público. Seus préstimos profissionais estão vinculados ao mandato eletivo do administrador. É difícil a permanência de um jornalista sem concurso de uma administração para a outra. Os cargos de assessoria funcionam como cargos de confiança. Na prática, é como se um jornalista que tivesse assessorado um determinado prefeito não pudesse desempenhar a mesma função para outro, especialmente se ambos forem de partidos opostos. A assessoria de imprensa, além de ter estreita ligação com os preceitos da teoria organizacional também sofre influências das teorias de ação política, que possui duas versões, uma de direita e a outra de esquerda: [...] na versão de esquerda, os mídia noticiosos são vistos como instrumentos que ajudam a manter o sistema capitalista; na versão de direita, servem como instrumentos que põem em causa o capitalismo. Seja de esquerda ou de direita, estas teorias defendem a posição de que as notícias são distorções sistemáticas que servem aos interesses políticos de certos agentes sociais bem específicos, que utilizam as notícias na projeção da sua visão de mundo, da sociedade, etc. (TRAQUINA, 2001, p.81) Nessa visão, a assessoria de imprensa pode ser pensada como instrumento de manutenção do sistema administrativo vigente, que produz notícias pertinentes ao poder público e ao município. Se retomarmos o artigo da Lei no 2459/89, que diz que uma das atribuições da Secretaria de Comunicação está em criar um “espírito de participação solidária ao desempenho do Prefeito”, pode-se pensar as notícias produzidas pela assessoria como distorções da realidade e que atendem aos interesses específicos de determinados agentes políticos. Os veículos de comunicação, enquanto reprodutores da versão noticiada, funcionariam como instrumentos para colocação em voga dos assuntos de interesse desses agentes. Esse papel exercido pelos veículos de comunicação concentrados em Rio Verde, justifica-se pelas verbas comerciais do poder público. Para Herman e Chomsky (apud TRAQUINA, 2001), alguns fatores explicam a submissão do jornalismo ao capitalismo, dos quais destacamos: a natureza capitalista das empresas (procura pelo lucro e a importância da Publicidade); dependência dos jornalistas de fontes governamentais; ações punitivas dos que estão na esfera do poder público e a estrutura de propriedade dos mídia. A Prefeitura de Rio Verde é um grande anunciante local, em todos os tipos de mídia, o que estabelece uma relação que envolve interesses mercantis e interesses políticos, conforme observado por Rubim (2000, p.71) no processo de produção midiatizada: A lógica dos interesses mercantis e publicitários, do sistema capitalista em geral e dos anunciantes; a lógica dos interesses de Estado e de governos, mais presentes na mídia estatal; a lógica que congrega os parâmetros de funcionamento e legitimidade do campo midiático; a lógica dos interesses político-econômicos do veículo; a lógica derivada das rotinas produtivas relativas às linguagens gramaticais midiáticas; (...) e outras lógicas de produção, que se introduzem de modo manifesto ou latente no processo produtivo da mídia, sempre na dependência do campo de forças presente e configurado em uma sociedade determinada.(RUBIM, 2000, p.71) Essas diferenciações lógicas, acima explicitadas, conseguem nos apontar o que ocorre nos bastidores e as variadas forças que regem, cada uma a sua maneira, o funcionamento da produção midiatizada. Todos os segmentos envolvidos possuem lógicas e sistemáticas de trabalho, que correm de acordo com os seus próprios interesses. As verbas a serem gastas pela Prefeitura de Rio Verde em publicidade institucional estão inclusas no orçamento anual, fixado para a Secretaria de Comunicação. Os valores, em separado, do que foi gasto nos anos anteriores não foram fornecidos pela Secretaria de Comunicação. 14. VERBAS ORÇAMENTÁRIAS PARA A COMUNICAÇÃO Para melhor compreender a influência da Prefeitura de Rio Verde nos veículos de comunicação locais, vamos expor as informações constantes das leis orçamentárias vigentes no período de 2002 a 2006, excetuando-se os valores para exercício de 2003, cujos montantes não constam da lei. A Lei no 4.208/2001, que estima a Receita e fixa a despesa para o exercício de 2002, indica o orçamento da Secretaria de Comunicação em R$ 484.000,00. Podemos observar que o orçamento da Secretaria de Comunicação ficou entre os menores, com valores próximos à Guarda Municipal (que faz a segurança de prédios públicos), com R$ 420.000,00; à Superintendência Municipal de Trânsito, com R$ 536.000,00 e à Secretaria de Governo, com R$ 447.000,00. Os valores destinados às despesas das secretarias para o exercício de 2004 apontam que a Secretaria de Comunicação teve verba naquele ano de R$ 2.700.000,00 (dois milhões e setecentos mil reais), refletindo em um aumento significativo entre 2002/2004. Com relação ao ano de 2004, o mesmo foi um ano eleitoral, em que o atual Prefeito de Rio Verde estava candidatando-se à reeleição. Nesse período, foram feitos muitos investimentos em propaganda institucional, divulgando as ações da Prefeitura durante o mandato do Prefeito, priorizando as áreas de saúde, educação, infra-estrutura e habitação. Nesse ano, Paulo Roberto Cunha foi reeleito. A Lei no 4.882/2004 fixou as despesas para o ano de 2005, designando R$ 2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil reais) para os gastos da Secretaria de Comunicação. Esse montante representa uma redução de cerca de R$ 200 mil com relação ao ano anterior. A Lei no 5.080/2005 estabelece as despesas para o ano de 2006 às unidades administrativas de Rio Verde, incluindo o Legislativo, as autarquias, as fundações e os fundos municipais. Por esta Lei, a Secretaria de Comunicação tem à sua disposição, recursos da ordem de R$ 3.205.000,00, mostrando um aumento de R$ 705 mil do ano de 2005 para 2006. A Lei no 4.099/2005 faz algumas alterações na Lei no 5.080/2005, mas nenhuma delas referentes à Secretaria de Comunicação. Um detalhe importante é que todas as leis orçamentárias trazem um artigo que permite a abertura de créditos suplementares, conforme entendimento e necessidades da administração municipal, que pode ser de até 60% do total das despesas fixadas nas leis. Art. 5º - O Poder Executivo, no interesse da Administração, poderá abrir, na vigência deste Orçamento, os créditos suplementares que se fizerem necessários, mediante utilização dos recursos definidos nos itens I, II, III e IV dos Parágrafos 1º, 2º e 4º do art. 43 da Lei Federal n. 4.320, de 17 de março de 1964, até o limite de 60% (sessenta por cento) do total das despesas fixadas nesta Lei, para atender a insuficiência das dotações orçamentárias dos órgãos da Administração. (LEI No 5.080, 2005, p.1) Com isso, os valores que temos indicados nas leis orçamentárias sobre os recursos disponibilizados a cada unidade podem não refletir a realidade dos gastos que, em muitos casos, é bastante superior ao exposto nas legislações. A linha tênue que separa a esfera pública da privada e que estabelece a influência de um campo sobre o outro tem, muitas vezes, relação com as verbas publicitárias. Esta autora procurou obter os valores suplementares com os gastos em comunicação nos anos pesquisados, mas recebeu como resposta uma suposta inviabilidade no repasse dessas informações. Segundo uma funcionária da Secretaria de Planejamento e Administração, esses dados teriam que ser levantados ano a ano, verificando-se contrato por contrato firmado entre a Secretaria de Comunicação e os veículos de comunicação para depois se apurar os gastos suplementares. Ainda de acordo com esta funcionária, a Secretaria de Planejamento não dispõe de pessoal suficiente para realização deste tipo de levantamento. Com relação às verbas orçamentárias de 2003, que não constam neste trabalho, a autora não conseguiu cópia do orçamento digitalizado e, sempre que tentou obter uma cópia impressa não teve êxito, por várias razões. Com base nos orçamentos pesquisados, pudemos formular um quadro comparativo que mostra a evolução das verbas para o setor de comunicação, conforme o Quadro 01. Quadro 01 – Comparativo das verbas orçamentárias entre 2002 e 2004 2002 2004 2005 2006 R$ 484.000,00 R$ 2.700.000,00 R$ 2.500.000,00 R$ 3.205.000,00 Podemos inferir que a importância da comunicação para a administração pública de Rio Verde foi percebida nos últimos anos, mas ao mesmo tempo fica o questionamento se essa importância não está se voltando apenas aos gastos com a realização de eventos e propagandas em rádio e TV, o que colocaria as ações e o trabalho da assessoria de imprensa em menor grau de importância e em um segundo plano na visão do chefe do poder executivo ou do Secretário de Comunicação, que é a pessoa responsável pela aplicação e pelo direcionamento dessas verbas orçamentárias. 15. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao optar por esse tema, fizemos um esforço na tentativa de conhecer as circunstâncias que ocasionaram a produção do Programa Globo Repórter que abordou a geração de emprego e renda em Rio Verde (GO) e que gerou inúmeros impactos no Município e em centenas de telespectadores. Além disso, nesta dissertação nos deparamos com a vulnerabilidade do poder público local frente aos meios de comunicação e a incapacidade ou impossibilidade do sistema de comunicação governamental de influir sobre a informação da mídia. Nesse desencontro entre os interesses da mídia e da comunicação governamental o cidadão é a maior vítima. O trecho do Programa que analisamos gerou inúmeros impactos no Município naquele momento, como a migração de centenas de pessoas; gastos de recursos não previstos pela administração municipal; crise administrativa com imagem arranhada do Executivo; superlotação na cidade, com destaque para a Agência do SINE e para a rodoviária; dentre outros. Vimos uma televisão modificadora da maneira de agir e interagir do telespectador, que saiu de casa nas horas e dias após a exibição daquele Globo Repórter rumo a Rio Verde. Os efeitos foram imediatos, com um receptor ativo que não só absorveu a mensagem, mas partiu para a ação. O conteúdo mostrado pelo Programa foi abrsorvido pelos telespectadores. Esse episódio nos mostra o poder da TV, que com imagens e sua linguagem exerce grande fascínio nas pessoas. Na construção de sentidos do Programa, o desejo de ser visto motivou entrevistados a embarcarem na fantasia apresentada a eles pelo repórter da Rede Globo. O desejo de ver novas oportunidades de trabalho ajudou na conquista da audiência do Programa em todo o País. Essa “civilização das imagens” permitiu a manipulação em meio ao anonimato da fabricação do Programa. A estrutura do texto e a concepção daquele Globo Repórter permanecem ocultas ao telespectador. A linguagem metafórica induziu os telespectadores a acreditarem que Rio Verde era uma fábrica de empregos, plena de oportunidades. Por outro lado a Emissora aparece inquestionável, numa relação em que o receptor supõe de uma verdade absoluta na produção. O tema do desemprego, que era esperado por parte dos telespectadores, ajudou no reconhecimento do que foi mostrado como verdade. As estratégias discursivas da Emissora impressionam o público. Entra aqui a questão da credibilidade da Rede Globo, que estabelece com o seu público uma relação de confiança. As notícias, assim como aquele Programa, são produzidas pela lógica do consumo. A temática, “Desemprego – Os caminhos alternativos do trabalho no País”, estava em voga. Para levá-la ao público foi feita a opção pela espetacularização, pelo show. O núcleo definidor do espetáculo deixou de estar na realidade e passou a situar-se na representação, em que entrevistados ocuparam a posição de atores. A partir daí os acontecimentos foram fabricados, a exemplo da cena da fila de empresários em busca de funcionários no SINE da Cidade. Fica demonstrado o padrão de inversão, onde o fato presente na produção toma o lugar do real, compondo assim uma realidade artificial. A análise dos dados, se tivesse sido feita de forma mais profunda pela produção, poderia ter evitado que a classificação dos municípios que mais geravam emprego e renda no País trouxesse tantos impactos, pelo menos conforme o que foi vivenciado por Rio Verde. Os casos exemplares analisados nos remetem a dois padrões de manipulação informativa: o de inversão e o de ocultação, conforme estabelecidos por Abramo (2003). No primeiro, há uma relevância de aspectos, onde o fato é fragmentado em aspectos particulares, descontextualizados, as partes são reordenadas com troca de lugares de importância das mesmas. O essencial, naquele Globo Repórter, não foi enfatizado – a importância da qualificação -, criando uma falsa expectativa no telespectador. Há a inversão também da forma pelo conteúdo, fato evidenciado no Programa, onde a palavra, a frase de efeito e as imagens assumiram mais importância que a própria informação. Outro padrão que se estabelece como ponto em comum entre a mídia e a comunicação governamental é o de ocultação, em que não se publicam determinadas interpretações e apreciações. Quando esse padrão é colocado em prática há a manipulação da realidade, com a omissão de dados e informações que são definidores de uma outra realidade, fabricada. Acreditamos que aquele Globo Repórter fez isso, quando exibiu apenas a interpretação que sua equipe de produção fez dos dados do CAGED e não pesquisou por outras informações especializadas sobre o assunto. Isso também fica claro quando a visão da assessoria de imprensa foi deixada de fora do Programa, mesmo com o contato que foi feito. A produção, talvez temendo que a sua interpretação fosse alterada, optou por não ouvir o lado “oficial”. É perceptível também que essa recusa em ouvir a Prefeitura, conforme confrontamos em nosso trabalho, tem suas bases na desconfiança gerada pelas práticas de algumas assessorias espalhadas pelo País que são usadas como ferramentas de promoção pessoal de políticos. Não é incomum a prática de manipulação pelo padrão de ocultação em algumas assessorias de imprensa que, ao invés da realidade, divulgam versões que interessam apenas a seus assessorados. Na esfera pública, essa prática é ainda mais freqüente. Pelo que estudamos nesse trabalho, acreditamos que uma comunicação pública trabalhada com profissionalismo pode contribuir significativamente para a melhoria da atuação dos meios de comunicação e para a construção de uma comunicação de massa verdadeiramente compromissada com a sociedade. Em nossa visão, a assessoria de imprensa da Prefeitura de Rio Verde poderia ter contribuído para minimizar os efeitos de recepção gerados nos telespectadores e na própria cidade. Esperamos que essa dissertação possa contribuir para que ocorra uma mudança efetiva de postura das assessorias em todo o País, capaz de transformar a imagem das mesmas, principalmente das que trabalham com o poder público. O ranço do oficialismo e da promoção pessoal pode desaparecer paulatinamente à medida que as mudanças de conduta venham a ocorrer. A comunicação governamental precisa desenvolver um trabalho técnico e sério, que começa na contratação de profissionais qualificados e com formação superior para o exercício das funções correlatas à comunicação. Para isso, o apadrinhamento deve ser apagado de vez da história das assessorias públicas. Com relação à mídia, o pré-julgamento não deve ser obstáculo na apuração de uma pauta e na produção de matérias jornalísticas. Esse processo deve ser desenvolvido com postura ética e profissional, sem preconceitos de nenhuma espécie. Jornalistas e emissoras não podem se julgar acima de tudo e de todos. Não existem donos da verdade e os que se consideram assim são facilmente induzidos ao erro e a falhas que geram efeitos negativos em nossa sociedade. REFERÊNCIAS LIVROS, ARTIGOS E CAPÍTULOS ABRAMO, Perseu. Significado Político da Manipulação na Grande Imprensa, in Padrões de Manipulação na Grande Imprensa. São Paulo: Editora da Fundação Perseu Abramo, 2003. ALMINO, João. O Segredo e a Informação – Ética e política no espaço público. São Paulo: Brasiliense, 1986. ARBEX JR., José. Showrnalismo – a notícia como espetáculo. São Paulo: Casa Amarela, 2001. ARENDT, Hannah. Entre o Passado e o Futuro. São Paulo: Perspectiva, 2005. BACHELARD, Gaston. A Poética do Espaço. São Paulo: Martins Fontes, 1998. BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola & PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Volume Dois. 5ª Edição – Brasília: Editora Universidade de Brasília: São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2004. BOBBIO, Norberto. O Futuro da Democracia. São Paulo: Editora Paz e Terra, 9ª edição, 2000. BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. CHAMPAGNE, Patrick. A visão mediática, in A Miséria do Mundo. Petrópolis: Vozes, 2000. DEFLEUR, Melvin L. & BALL-ROKEACH, Sandra. Teorias da Comunicação de Massa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1993. DEMO, Pedro. Pesquisa e Informação Qualitativa. Campinas, SP: Papirus, 2004. DURAND, Gilbert. O Imaginário – Ensaio acerca das ciências e da filosofia da imagem. Rio de Janeiro: Difel, 2001. EID, Marco Antônio de Carvalho. Entre o Poder e a Mídia: assessoria de imprensa no governo. São Paulo: M. Books, 2003. FERRARI, Vicenzo. Democracia e informação no final do século XX, in Informação e Democracia. Rio de Janeiro: Ed. da UERJ, 2000. MARCONDES FILHO, Ciro. Televisão – A vida pelo vídeo. 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REGIMENTO INTERNO PROGRAMÁTICO. Secretaria Planejamento e Administração. 2002. Rio Verde. Goiás. Municipal de RIO VERDE. Lei no 2.459/89. Reformula a Organização Administrativa de Rio Verde, Estado de Goiás, e dá outras providências. Arquivo da Agenda Executiva. ___________. Lei no 4.208/01. Estima a Receita e fixa a Despesa do Município de Rio Verde para o exercício de 2002. Arquivo da Secretaria de Planejamento e Administração. ___________. Lei no 4.739/03. Estima a Receita e fixa a Despesa do Município de Rio Verde para o exercício de 2004. Arquivo da Secretaria de Planejamento e Administração. ___________. Lei no 4.882/04. Estima a Receita e fixa a Despesa do Município de Rio Verde para o exercício de 2005. Arquivo da Secretaria de Planejamento e Administração. ___________. Lei no 5.080/05. Estima a Receita e fixa a Despesa do Município de Rio Verde para o Exercício de 2006. Arquivo da Secretaria de Planejamento e Administração. OUTRAS FONTES PROGRAMA GLOBO REPÓRTER. Rede Globo de Televisão. Desemprego: Os caminhos alternativos de trabalho no Brasil. Duração: 11m 20s. Data de exibição: 2 de fevereiro de 2004. ANEXOS PUBLICAÇÕES JORNALÍSTICAS IMPRESSAS 1. Transcrição de trecho do Programa Globo Repórter sobre Rio Verde (GO), exibido em 06/02/2004 2. Jornal O Popular – 25/01/2004 Coluna Giro 3. Tribuna Municipalista – 1 a 15/01/2004 Globo Repórter em Rio Verde 4. Jornal News – 15 a 30/01/2004 Rio Verde é destaque em programa nacional de televisão 5. Jornal O Mercador – 27/01 a 02/02/2004 Globo evidencia os contrastes entre Rio Verde e o resto do Brasil 6. Jornal O Popular – 1/02/2004 (Economia, página 13) Fábrica de empregos 7. Jornal O Popular – 1/02/2004 (Economia, página 14) Migração preocupa autoridades 8. Jornal O Popular – 1/02/2004 (Economia, página 15) Custo de vida assusta quem chega 9. Folha da Cidade – 1º a 14/02/2004 Divulgação do “eldorado” preocupa população e exige mais do executivo 10. Diário da Manhã – 10/02/2004 Retrato do desemprego 11. Diário da Manhã – 10/02/2004 “Virou uma epidemia”, diz o prefeito 12. Diário da Manhã – 10/02/2004 Comentários do dia 13. Diário da Manhã – 10/02/2004 Município com 47 indústrias 14. Diário da Manhã – 11/02/2004 Rio Verde – Do sonho à realidade 15. Diário da Manhã – 11/02/2004 Fusca vira casa 16. Diário da Manhã – 11/02/2004 Prefeitura e Estado oferecem auxílio 17. Diário da Manhã – 12/02/2004 Rio Verde - Sobrou para Goiânia 18. Diário da Manhã – 12/02/2004 Empresas entram na fila 19. Diário da Manhã – 12/02/2004 Trote – Dupla dá o golpe 20. O Estado de S. Paulo – 13/02/2004 Emprego provoca invasão em cidade goiana 21. O Mercador – 10 a 16/02/2004 O que falaram de nós: A matéria da Globo 22. O Mercador – 17 a 23/02/2004 O efeito Globo Repórter 23. O Estado de S. Paulo – 15/02/2004 Exportação de frango deve crescer 15% 24. O Estado de S. Paulo – 15/02/2004 Frango brasileiro, pronto para voar alto 25. O Popular – 15/02/2004 Frango brasileiro está pronto para vôos mais altos 26. Tribuna do Planalto – 15 a 21/02/2004 Sine recebe milhares de solicitações de emprego 27. Jornal Opção – 15 a 21/02/2004 (Economia, página A-26 e A-27) A marcha para o Sudoeste 28. Jornal Opção – 15 a 21/02/2004 (continuação, página A-28) Migrações para Goiás 29. Jornal local - 15 a 29/02/2004 Prefeitura ampara desempregados que chegam a Rio Verde 30. O Mercador – 17 a 23/02/2004 Trapalhadas de uma equipe de filmagem 31. Folha do Sudoeste – 26/02 a 03/03/2004 Detenção de cinegrafistas esquenta política 32. Diário da Manhã – 05/03/2004 (nota) 33. Diário da Manhã – 19/05/2004 Rota do emprego 34. Revista Perdigão Hoje – nº 45 (Maio/Junho 2004) Fábrica de empregos LEGISLAÇÃO 35. Lei nº 2459 da Prefeitura de Rio Verde, que dispõe sobre as competências das secretarias, com destaque para o art. 7º que trata da Secretaria de Comunicação 36. Organograma da Prefeitura de Rio Verde 37. Valores do Orçamento da Prefeitura de Rio Verde para 2002 38. Valores do Orçamento da Prefeitura de Rio Verde para 2004 39. Valores do Orçamento da Prefeitura de Rio Verde para 2005 40. Valores do Orçamento da Prefeitura de Rio Verde para 2006 1. Transcrição de trecho do Programa Globo Repórter sobre Rio Verde Nos maiores centros urbanos do país, a esperança está na fila: 1,9 milhão de pessoas procuram por um emprego na região metropolitana de São Paulo. A oferta de vagas aumenta, mas o número de desempregados cresce muito mais rápido. Mas qual seria então o caminho para o emprego? A resposta pode estar em estradas como as que cortam o interior do Brasil. A BR-060 leva até um lugar onde a lei da oferta e da procura está do lado de quem quer trabalhar. Em Rio Verde, no sudoeste de Goiás, um fenômeno está acontecendo. Na cidade, não falta emprego. Falta trabalhador. A cidade, fincada no coração do cerrado brasileiro, abre 3,3 mil novas vagas a cada mês. Rio Verde é uma máquina de oportunidades. Os rio-verdenses acordam todos os dias com boas notícias. A lista é longa. No programa de rádio mais ouvido na região, há três anos tinha só música e notícia. Agora, o roteiro nas mãos do radialista está mudando. Só em um dia, são 180 ofertas de emprego. “O programa tem uma hora, de segunda a sábado. Só para anunciar empregos, são 15 minutos, um quarto do programa. Dobra a audiência”, conta o radialista Costa Filho. Trabalho à vontade que brota das fazendas da região. Em Rio Verde, se planta arroz, algodão, feijão, milho, soja e tomate. Tem também criação de gado, aves e suínos. Em um impressionante efeito multiplicador, a produção no campo faz nascer empregos no município. São cinco mil só em uma indústria de alimentos. O ambulatório da empresa é tão grande que mais parece um pequeno hospital. Foi lá que a médica do trabalho Solange Cortez encontrou seu lugar. Ela chegou de Ribeirão Preto no mês passado para ocupar uma vaga aberta há mais de um ano. “Nunca tinha me ocorrido sair do estado de São Paulo. Eu recebi propostas de Minas, Mato Grosso do Sul e Goiás. Fiz entrevistas nas três empresas e a que mais compensou foi a de Goiás”, diz a médica. Solange descobriu que em Rio Verde ela dava as cartas. Foi recebida com um salário que era o triplo do oferecido em São Paulo. E encontrou, quem diria, a sensação que procurava desde o dia em que se formou na faculdade de medicina. “A sensação de valorização, de que valeu a pena o que você estudou, o que você fez. Você cresceu e tem alguém precisando do que você tem a oferecer. Isso é muito legal. Isso eu não senti em São Paulo e senti aqui, no interior de Goiás”, revela Solange. Onde há fumaça, há vagas. O inferno da caldeira pode ser o paraíso sonhado por quem não tem emprego. Funcionários dividindo espaço com cadeiras vazias, salários prontinhos para entrar na carteira de quem for para lá. As vagas existem porque falta trabalhador qualificado na cidade. O dono da boate mais badalada do pedaço, Lucival do Valle, bem que tenta achar, mas não encontra um gerente à altura para fazer o negócio crescer ainda mais. “Estou na contra-mão do Brasil. Tenho vagas à vontade, mas preciso de pessoas que tenham qualificação”, diz o empresário. É dia de casa lotada. Lucival precisa de garçons. “Tenho três garçons e preciso de mais sete”, ele anuncia. O trio de auxiliares disponível, na verdade, é formado por um garçom e dois novatos, que vão carregar uma bandeja na mão pela primeira vez. Lucélio Martins é auxiliar de contabilidade e ouve, meio desconfiado, as ordens para o primeiro dia de trabalho. “Estamos abrindo a casa. Hoje, estamos aguardando uma média de 600 a 700 pessoas. Quer dizer que vocês vão ter que se desdobrar. São 200 pessoas pra cada um de vocês. Divirtam-se”, diz Lucival. “Fiquei meio assustado de encarar 200 pessoas logo no primeiro dia. É meio complicado. Mas nós vamos fazer uma forcinha”, conta Lucélio. Qual o efeito da falta de garçons na estréia de Lucélio? Em menos de 15 minutos, o rosto do rapaz se transforma. E no fim da noite, o aprendiz é mais um a perceber: falta gente para trabalhar em Rio Verde. Quem trabalha na agência do Sistema Nacional do Emprego (Sine) na cidade sabe disso. A imagem que se tem das unidades do Sine são filas intermináveis de gente em busca de uma colocação. Mas no Sine de Rio Verde existe, ainda, um outro tipo de fila, formada não por desempregados, mas por patrões em busca de funcionários. Difícil de acreditar: de dez em dez minutos, tem vaga nova sendo oferecida. “Nunca tinha pensado em ficar em uma fila do Sine”, diz um deles. “Se um contador de uma cidade de São Paulo, de uma capital, que está desempregado vier pra cá, vai ser colocado em Rio Verde. Com certeza, a vida dele vai mudar, porque o campo cresce a cada dia no município”, garante o contador Nildo Melo. “Isso vale para outras situações, desde que a pessoa esteja qualificada”, observa a gerente de supermercado Adriana Moraes. “O fato de Rio Verde estar cheio de vagas de trabalho atrapalha às vezes, porque as ofertas são qualificadas. A pessoa vê que tem muitas vagas e passa a oferecer um salário melhor. O empregado sai dessa e vai para aquela e você vai ter que abrir novamente aquela vaga de antes. O problema inverso das outras cidades”, explica o orientador educacional Marcelo Souza. “No fim das contas, quem está mandando é o funcionário”, constata o empresário de farmácia Agmar Vieira. “Você tem que despertar nesse candidato tudo que você oferece de bom, senão, ele vai embora”, diz Adriana Moraes. Atrás da porteira, a situação não é diferente. Na estrada de terra, uma coruja parece avisar: para onde se olha, também tem chance de emprego. Porco e soja. Trezentas famílias tiram o sustento do trabalho oferecido pelo produtor rural Evaristo Baraúna em suas fazendas. E ele ainda está contratando gente de vários lugares do país. “Nós fornecemos moradia, alimentação, energia elétrica, água. O funcionário não gasta praticamente nada. Eu acho que no passado o êxodo rural aconteceu porque faltava conforto no campo, faltavam escolas. Hoje, a pessoa que sai da favela, da cidade, e volta para o campo encontra todo esse conforto que não tinha antigamente. É hora de fazer um outro tipo de êxodo. Eu acho que tem que inverter: hoje nós deveríamos ter o êxodo urbano para o campo”, diz Evaristo. Valdeci e Nivaílde Silva são pioneiros no tal êxodo urbano sonhado pelo fazendeiro. Chegaram da Bahia. Ele, desempregado; ela, professora, deixou a escola para trás, para acompanhar o marido no campo. Hoje, os dois têm carteira assinada como “auxiliares de maternidade”. Cuidam de filhotes de suínos. Os dois moram de graça em uma casa que fica a poucos passos da granja. Não pagam luz, nem água. Será que as contas fecham no fim do mês? “Esse mês entraram R$ 1,2 mil. Com R$ 200 a gente vai fazer supermercado e os R$ 1 mil a gente vai colocar na poupança”, conta Nivaílde. São R$ 1 mil todos os meses depositados na poupança. Economizam para comprar um carro e uma casa em uma praia da Bahia. Felicidade? Teve que ser conquistada, depois de uma dura adaptação. O primeiro dia, limpando a sujeira dos animais, a professorinha não esquece. “Deu vontade de voltar para minha vida lá, como era antes”, lembra Nivaílde. “Tive que deixar para trás a minha família, que é o principal. Sinto muita saudade”. A saudade que Nivaílde sente já mandou de volta centenas de pessoas que saíram das cidades sem vagas, seduzidas pelo campo que emprega. Só de olhar, o produtor rural Evaristo Baraúna já sabe quem vai e quem não vai agüentar a mudança do urbano para o rural. “É visível. O funcionário começa a ficar triste, a produtividade cai, fica separado em um canto, não se socializa com o pessoal. A gente busca fazer um trabalho para reconquistar essa pessoa, mas muitas vezes isso não acontece. De cada dez pessoas que vêem da cidade, eu diria que umas oito voltam porque não se acostumam a ficar no campo”, revela o fazendeiro. O casal da Bahia está no grupo dos que decidiram ficar e construir no interior do país uma vida cheia de oportunidades. “Eu acredito que essa mudança toda vale a pena, porque eu estou com a pessoa que eu amo, a gente está junto, e a partir daqui a gente vai construir uma nova família”, diz Nivaílde.” 2. Jornal O Popular – 25/01/04 – Coluna Giro 3. Tribuna Municipalista – 1 a 15/01/2004 4. Jornal News – 15 a 30/01/2004 5. Jornal O Mercador – 27/01/2004 02/02/2004 6. Jornal O Popular – 1/02/2004 (Economia, página 13) 7. Jornal O Popular – 1/02/2004 (Economia, página 14) 8. Jornal O Popular – 1/02/2004 (Economia, página 15) 9. Folha da Cidade – 1º a 14/02/2004 10. Diário da Manhã – 10/02/2004 11. Diário da Manhã – 10/02/2004 12. Diário da Manhã – 10/02/2004 13. Diário da Manhã – 10/02/2004 14. Diário da Manhã – 11/02/2004 15. Diário da Manhã – 11/02/2004 12. Diário da Manhã – 11/02/2004 17. Diário da Manhã – 12/02/2004 19. Diário da Manhã – 12/02/2004 20. O Estado de S. Paulo – 13/02/2004 21. O Mercador – 10 a 16/02/2004 22. O Mercador – 17 a 23/02/2004 23. O Estado de S. Paulo – 15/02/2004 24. O Estado de S. Paulo – 15/02/2004 25. O Popular – 15/02/2004 26. Tribuna do Planalto – 15 a 21/02/04 27. Jornal Opção – 15 a 21/02/2004 29. Jornal local – 15 a 29/02/2004 30. O Mercador – 17 a 23/02/2004 31. Folha do Sudoeste - 26/02 a 03/03/2004 32. Diário da Manhã – 05/03/2004 33. Diário da Manhã – 19/05/2004 34. Revista Perdigão Hoje – nº 45 (Maio/Junho 2004) 35. Lei nº 2459 da Prefeitura de Rio Verde 36. Organograma da Prefeitura de Rio Verde Fonte: PREFEITURA DE RIO VERDE. Estrutura Organizacional. Disponível em: http://www.rioverdegoias.com.br/arquivos/organograma2006.pdf. 37. Valores do Orçamento da Prefeitura de Rio Verde para 2002 UNIDADE ADMINISTRATIVA Câmara Municipal Gabinete do Prefeito Secretaria de Planejamento e Administração Assessoria Especial de Habitação Secretaria de Governo Secretaria de Articulação Política Procuradoria Geral do Município Secretaria Municipal de Comunicação Secretaria Municipal da Fazenda Secretaria Municipal de Ação Urbana Secretaria Municipal de Obras Secretaria Municipal de Transportes Secretaria de Abastecimento e Compras Secretaria de Agricultura e Meio Ambiente Secretaria Municipal de Esportes Secretaria Industrial, do Comércio e Turismo Secretaria de Cultura, Ciências e Tecnologia Secretaria Municipal de Saúde Secretaria Municipal de Educação Secretaria Municipal de Promoção Social Guarda Municipal Superintendência Municipal de Trânsito Órgãos Externos TOTAL GERAL Fonte: LEI No 4.208/2001 RECURSOS R$ 2.705.000,00 R$ 617.000,00 R$ 3.039.500,00 R$ 1.656.300,00 R$ 447.000,00 R$ 220.300,00 R$ 1.401.000,00 R$ 484.000,00 R$ 2.403.000,00 R$ 1.952.000,00 R$ 4.220.000,00 R$ 2.289.350,00 R$ 1.097.000,00 R$ 2.612.000,00 R$ 2.191.500,00 R$ 1.921.000,00 R$ 1.289.700,00 R$ 9.600.000,00 R$ 15.900.000,00 R$ 5.452.700,00 R$ 420.000,00 R$ 536.000,00 R$ 1.036.000,00 R$ 63.490.850,00 38. Valores do Orçamento da Prefeitura de Rio Verde para 2004 UNIDADE ADMINISTRATIVA Câmara Municipal Gabinete do Prefeito Sec. Planejamento e Administração Assessoria Especial de Habitação Secretaria de Governo Secretaria de Articulação Política Procuradoria Geral do Município Secretaria Municipal de Comunicação Secretaria Municipal da Fazenda Secretaria Municipal de Ação Urbana Secretaria Municipal de Obras Secretaria Municipal de Transportes Secretaria de Compras e Abastecimento Secretaria Municipal de Agricultura e Meio Ambiente Secretaria Municipal de Esporte Secretaria Municipal de Indústria, Comércio. e Turismo Secretaria Municipal de Cultura, Ciências e Tecnologia Secretaria Municipal de Saúde Secretaria Municipal de Educação Secretaria Municipal de Promoção Social Entidades Desconcentradas Controle Interno IPARV FEMBOM FESURV FMACL FUMDAE FUNDEF PROCON Superintendência Municipal de Trânsito Superintendência de Parques e Jardins Fundo Municipal de Saúde TOTAL Fonte: LEI No 4.739/2003. RECURSOS R$ 4.706.759,74 R$ 850.000,00 R$ 12.699.915,26 R$ 800.000,00 R$ 280.000,00 R$ 280.000,00 R$ 4.000.000,00 R$ 2.700.000,00 R$ 1.600.000,00 R$ 10.600.000,00 R$ 11.592.025,00 R$ 2.300.000,00 R$ 450.000,00 R$ 1.000.000,00 R$ 1.000.000,00 R$ 1.000.000,00 R$ 1.000.000,00 R$ 12.351.300,00 R$ 20.585.500,00 R$ 5.500.000,00 R$ 900.000,00 R$ 100.000,00 R$ 4.000.000,00 R$ 450.000,00 R$ 28.000.000,00 R$ 850.000,00 R$ 150.000,00 R$ 10.137.703,67 R$ 100.000,00 R$ 3.756.680,00 R$ 949.000,00 R$ 12.964.160,00 R$ 157.653.043,67 39. Valores do Orçamento da Prefeitura de Rio Verde para 2005 UNIDADE ADMINISTRATIVA Câmara Municipal PODER EXECUTIVO Gabinete do Prefeito Secretaria de Planejamento e Administração Assessoria Especial de Habitação Secretaria de Governo Secretaria de Articulação Política Procuradoria Geral do Município Secretaria de Comunicação Secretaria da Fazenda Secretaria de Ação Urbana Secretaria de Obras Secretaria de Transportes Secretaria de Compras e Abastecimento Secretaria de Agricultura e Meio Ambiente Secretaria de Esportes Secretaria de Indústria, Comércio e Turismo Secretaria de Ciências, Tecnologia e Cultura Secretaria de Saúde Secretaria de Educação Secretaria de Promoção Social Coordenadoria de Controle Interno Entidades Desconcentradas FEMBOM – Fundo Municipal para o Corpo de Bombeiros FUMDAE – Fundo Municipal de Des. da Agricultura FUNDEF – Fundo Nacional de Dês. do Ens. Funda. FMPDC – Fundo de Proteção e Defesa do Consumidor FMS – Fundo Municipal de Saúde FMAS – Fundo Municipal de Assistência Social FMDCA – Fundo Mun. dos Dir. da Criança e Adolescente FMAM – Fundo de Meio Ambiente de Rio Verde FUNDAÇÕES FESURV – Universidade de Rio Verde FAS – Fundação Altair Coelho de Lima FMC – Fundação Municipal de Cultura AUTARQUIAS/SUPERINTENDÊNCIAS IPARV - Previdência IPARV - Assistência SMT – Superintendência Municipal de Trânsito SUPARQUE – Superintendência de Parques e Jardins TOTAL DESPESAS ÓRGÃOS/UNIDADES RESERVA DE CONTINGÊNCIA TOTAL GERAL Fonte: LEI No 4.882/2004 RECURSOS 5.505.165,21 1.800.000,00 8.060.000,00 1.500.000,00 450.000,00 400.000,00 4.326.810,33 2.500.000,00 2.400.000,00 8.314.834,79 8.329.336,12 4.980.000,00 475.000,00 1.060.000,00 1.170.000,00 1.100.000,00 1.100.000,00 11.489.709,13 12.767.760,36 4.000.000,00 200.000,00 900.000,00 267.500,00 60.000,00 13.692.091,74 235.500,00 13.155.810,60 1.438.300,00 38.500,00 67.304,23 36.000.000,00 1.562.876,00 153.240,00 3.915.000,00 3.379.000,00 2.162.401,44 1.122.160,00 160.078.299,95 300.000,00 160.378.299,95 40. Valores do Orçamento da Prefeitura de Rio Verde para 2006 UNIDADE ADMINISTRATIVA RECURSOS Câmara Municipal 6.385.607,13 PODER EXECUTIVO Gabinete do Prefeito 3.030.000,00 Secretaria de Planejamento e Administração 6.234.829,60 Assessoria Especial de Habitação 2.664.000,00 Secretaria de Governo e Relações Exteriores 3.612.591,00 Secretaria de Articulação Política 1.400.000,00 Procuradoria Geral do Município 1.272.000,00 Secretaria de Comunicação 3.205.000,00 Secretaria da Fazenda 4.885.000,000 Secretaria de Ação Urbana 12.475.370,56 Secretaria de Obras 27.167.868,72 Secretaria de Transportes 12.077.272,00 Secretaria de Compras e Abastecimento 582.000 Secretaria de Agricultura e Meio Ambiente 4.072.745,58 Secretaria de Desporto e Lazer 3.064.000,00 Secretaria de Indústria e Comércio 970.000,00 Secretaria de Ciências, Tecnologia e Cultura 2.723.000,00 Secretaria de Educação 19.454.547,37 Secretaria de Promoção Social 5.156.488,40 Coordenadoria de Controle Interno 260.000,00 Subprefeitura de Riverlândia 400.000,00 Subprefeitura de Ouroana 400.000,00 Subprefeitura de Lagoa do Bauzinho 500.000,00 FEMBOM – Fundo Municipal para o Corpo de Bombeiros 350.000,00 FUNDEF – Fundo Nacional de Des. Do Ensino. Funda. 16.688.222,00 FMPDC – Fundo de Proteção e Defesa do Consumidor 250.000,00 FMS – Fundo Municipal de Saúde 33.270.180,67 FMAS – Fundo Municipal de Assistência Social 1.692.208,52 FMDCA – Fundo Mun.dos Direitos da Criança e Adolescente 140.000,00 FMAM – Fundo de Meio Ambiente de Rio Verde 290.000,00 FESURV – Universidade de Rio Verde 43.176.614,00 FAZ – Fundação Altair Coelho de Lima 1.795.000,00 FMC – Fundação Municipal de Cultura 300.000,00 AUTARQUIAS/SUPERINTENDÊNCIAS IPARV - Previdência 4.307.000,00 IPARV - Assistência 3.685.000,00 SMT – Superintendência Municipal de Trânsito 7.357.885,00 SUPARQUE – Superintendência de Parques e Jardins 1.510.000,00 SUPERTURISMO – Superintendência Municipal de Turismo 678.600,00 TOTAL DESPESAS ÓRGÃOS/UNIDADES 237.483.030,55 RESERVA DE CONTINGÊNCIA 2.398.818,49 TOTAL GERAL 239.881.849,04 Fonte: LEI No 5.080/2005. APÊNDICE ENTREVISTAS TRANSCRITAS 1. AUGUSTO ROCHA 2. MÁRCIA DE CHIARA 3. WASHINGTON OLIVEIRA 4. ADASNIVON DIVINO 5. SÉRGIO MACEDO 6. JOÃO ROBERTO NEVES DOCUMENTOS 7. CÓPIA DO OFÍCIO ENCAMINHADO AO PROJETO GLOBO UNIVERSIDADE 8. CÓPIA DA MENSAGEM RESPONDIDA PELA EQUIPE DE INTERNET DO GLOBO REPÓRTER 1. AUGUSTO ROCHA Entrevista com o jornalista Augusto Rocha, ex-integrante da assessoria de imprensa da Prefeitura de Rio Verde e que, à época, acompanhou a equipe do Globo Repórter nas gravações no Sine, concedida no dia 28 de agosto de 2006, por e-mail. (Com quem foi feito e como foi o contato telefônico entre a assessoria de imprensa da Prefeitura, por seu intermédio, com a Produção do Globo Repórter, em janeiro de 2004, para apoio durante as gravações? ) - O contato não foi feito por mim. Eu estava em minha mesa, quando de repente, uma colega pede para eu e o fotógrafo Washington Oliveira irmos ao Sine para acompanharmos a visita da Produção do Globo Repórter. A única informação que me foi passada pela colega foi que eles não queriam saber da versão oficial da prefeitura sobre a geração de empregos no município. (A que você atribui a recusa da produção do Programa em aceitar a colaboração da assessoria de imprensa da Prefeitura com o repasse de informações sobre a geração de emprego e renda no Município? Porque não quiseram “ouvir” a assessoria?) - Creio que esta deva ser a linha editorial da TV Globo. O próprio formato do programa talvez ajude a explicar isso. Os profissionais que trabalham na emissora têm competência reconhecida nacionalmente. Os repórteres e produtores são e devem ser excelentes. No acompanhamento que fiz da equipe do Globo Repórter isso ficou bem evidenciado. Outra hipótese que poderia explicar essa atitude é a desconfiança em relação ao trabalho do assessor de impressa, que é direcionado ao cliente/assessorado. Com certeza, a Produção não quis utilizar-se da colaboração da Assessoria de Imprensa da prefeitura porque desejou evitar uma conotação política à reportagem. Não é de hoje, que existem conflitos entre as redações e as assessorias de imprensa. Ambas as funções possuem peculiaridades e nem todos os profissionais, que estão em campos distintos, têm uma convivência salutar. (A decisão da assessoria foi a de que você acompanhasse a equipe durante algumas gravações do Programa na cidade. Em quais locais você acompanhou a equipe e que relato você faz do que presenciou durante as gravações?) - Só acompanhei a equipe do Globo Repórter no Sine. Fomos apresentados aos profissionais. No começo, a impressão que tive foi de certa ‘frieza’ por parte deles. Parecia que eu e o fotógrafo estávamos ‘atrapalhando’. Tive essa sensação inicial, mas depois tivemos conversas informais interessantes com os integrantes da equipe. Presenciei as entrevistas com os empresários. Eles relataram que diversas vagas tinham que ser preenchidas por trabalhadores fora de Rio Verde, às vezes, fora do Estado, e até fora do Centro-Oeste. Os empregadores destacaram bem essa questão em suas respostas. Segundo eles, em diversas áreas estava faltando qualificação. Desse modo, tinham que buscar profissionais em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e no Distrito Federal. Um dado que chamou a atenção do repórter Flávio Fachel, do Globo Repórter, foi o fato de saber que diversas vagas não eram preenchidas há meses. Assim que soube disso, ele sugeriu, à editora Isabela Dutra, que havia duas filas no Sine. Uma fila de pessoas que procuravam emprego e outra de empresários procurando trabalhadores. Tive impressão que a editora concordou meio a contragosto. O repórter conseguiu ‘vender’ esse ‘gancho’ para a pauta. (Se a assessoria tivesse sido levada em consideração você acha que a abordagem do Programa poderia ter sido diferente?) - É difícil dizer isso porque parece que a pauta já veio de ‘cima para baixo’. A intenção do programa, ao que tudo indica, estava centrada e totalmente direcionada para aquele enfoque. O episódio até me lembrou as pautas da revista Veja. Depoimentos de jornalistas, que já trabalharam nessa publicação da Editora Abril, revelam que assim que a pauta é decidida, os repórteres têm apenas que ‘confirmá-la’, embora a realidade não seja aquela que é descrita. Os empresários que estavam no Sine destacaram bem a questão da qualificação. Eles temiam que as entrevistas pudessem ser usadas de um modo que desse a impressão de que na cidade ‘chovia’ emprego. No entanto, a vaidade de diversos entrevistados, na ânsia de obter seus 15 segundos de fama, com certeza, contribuiu de certa maneira, para aquela abordagem. Então, dificilmente, a edição do Globo Repórter seria diferente mesmo tendo o suporte da Assessoria de Imprensa. (A exibição do Programa provocou efeitos imediatos em Rio Verde. Quais efeitos você se recorda?) - O efeito imediato foi a chegada de trabalhadores de diversas regiões do País. Havia pessoas que ganhavam entre R$ 800 a R$ 1.200 reais na sua cidade e queriam saber como era a ‘cidade dos empregos’. Na Assessoria de Imprensa da Prefeitura de Rio Verde, recebemos inúmeros e-mails e ligações. Isso ocorreu em diversas repartições públicas e empresas da cidade. O prédio, onde se localiza a prefeitura, contou com o reforço da Polícia Militar. A rodoviária nunca esteve tão cheia. (O que faltou ao Programa Globo Repórter de 6 de fevereiro contar aos telespectadores sobre Rio Verde?) - Faltou destacar que as vagas eram para pessoas com qualificação profissional. Essa informação era essencial e não poderia ter ficado de fora. (Diante do que você presenciou nas gravações, você considera o Programa um retrato de uma realidade local ou uma realidade fabricada? Por quê?) - Dificilmente poderia afirmar que aquele era o retrato fiel da realidade local. Houve exageros e distorções por parte de diversas fontes ouvidas pela reportagem. Seria muita pretensão dizermos que a mídia mostra a realidade social tal como ela é. Um dos princípios básicos do jornalismo é a busca da verdade, mas isto nem sempre acontece, haja vista os interesses e as limitações dos veículos de comunicação. (Como foi a conduta do poder público na tentativa de conter a crise desencadeada com a exibição do Programa?) -A prefeitura forneceu alimentação, abrigo e passagens aos migrantes. O governo do Estado também fez uma contrapartida nas passagens. O Município procurou mostrar aos veículos de comunicação do Estado, e de repercussão nacional, o que estava acontecendo. A Assessoria de Imprensa da prefeitura informou à produção do Jornal Nacional, da TV Globo, o que aconteceu na cidade com a exibição do programa. Isso gerou notas no Jornal Nacional e também no Jornal da Globo, e mostrou que as vagas eram para profissionais com qualificação. 2. MÁRCIA DE CHIARA Entrevista com a jornalista Márcia de Chiara, repórter do jornal O Estado de São Paulo que esteve em Rio Verde para realizar uma reportagem sobre as exportações de frango no País e a produtividade nesse setor no Município. A repórter, que presenciou a fila na porta do Sine, efeito da reportagem do Globo Repórter, redigiu uma matéria extra ao Jornal, publicada no dia 09 de fevereiro de 2004. A entrevista foi feita por e-mail, respondido no dia 11 de setembro de 2006. (O que você presenciou em Rio Verde em fevereiro de 2004 no SINE?) - Eu presenciei uma invasão de pessoas de outros Estados a procura de empregos. Eram filas que dobravam quarteirões a procura de uma vaga. (Qual era a alegação daquelas pessoas para terem deixado suas cidades de origem e se aventurado em Rio Verde?) - Falta de oportunidade de emprego em suas respectivas cidades. (O que você considera que faltou ao Programa Globo Repórter “Desemprego - Os caminhos alternativos do trabalho no Brasil”, exibido em 6 de fevereiro de 2004, que colocava Rio Verde entre os cinco municípios que mais geravam emprego e renda no País?) - Faltou esclarecer que as pessoas precisavam ter qualificação para ocupar as vagas. (Que sentimentos aqueles desempregados trouxeram junto com a mala para Rio Verde?) - Eles trouxeram muita esperança e a certeza de um futuro melhor. Mas a frustração foi muito grande. (A realidade mostrada pelo Programa era a realidade do Município, à época?) - O programa mostrou parcialmente a realidade. No ímpeto de turbinar a notícia, esqueceu de pontuar que tipo de emprego era oferecido e qual os quesitos necessários para ocupar a vaga. (Que relatos inerentes ao fato você se recorda?) - Vários foram os relatos comoventes. Eram pessoas que tinham pegado dinheiro emprestado para comprar a passagem só de ida para Rio Verde. Havia uma mulher que tinha deixado a filha recém-nascida com a mãe para se candidatar a uma vaga. Realmente era o mapa do Brasil, e do desemprego, estampado naquela imensa fila que circundava quarteirões. 3. WASHINGTON OLIVEIRA Entrevista com o fotógrafo da Prefeitura de Rio Verde, Washington Oliveira, que acompanhou o jornalista Augusto Rocha durante as gravações do Programa no SINE e que percorreu vários pontos da cidade após a exibição do Globo Repórter fazendo o registro fotográfico das situações encontradas, pautado pela assessoria de imprensa. A entrevista foi gravada no dia 28 de agosto de 2006. (No dia 6 de fevereiro de 2004 o Globo Repórter exibiu um programa especial mostrando os cinco municípios que mais geravam emprego e renda no País. Você assistiu o Programa?) - Eu assisti o Programa e fiquei de certa forma assustado. Não esperava que fosse daquela forma. Aquilo causou à cidade uma verdadeira invasão de pessoas achando que iam chegar aqui e achar um Eldorado, o emprego fácil, o que não era verdade. (Nas horas que se seguiram à exibição desse programa, o que aconteceu com Rio Verde e com o movimento da cidade? O que você se recorda?) - A cidade se transformou, a população teve um aumento significativo em dois dias. Eu não sei dizer. Na rodoviária havia mil pessoas ou mais. As pessoas sem nada, com a cara e a coragem, esperando chegar aqui e já conseguir emprego e sair trabalhando. O que na verdade não ia acontecer. (Quais as medidas você percebeu sendo tomadas quando essas pessoas foram chegando a Rio Verde?) - O poder público já de imediato providenciando o local para essas pessoas se alojarem, dormirem, se alimentarem e providenciando também a volta dessas pessoas às suas cidades, às suas terras porque aqui não tinha como elas ficarem. (Alguns lugares também registraram um maior movimento, como na Rodoviária. Que relatos você se recorda dos migrantes que vieram?) - O pessoal tinha, de certa forma, uma certa revolta, achando que de acordo com a reportagem eles iam chegar aqui e achar, iam conseguir bons salários. Então, havia uma certa revolta com o pessoal, muita gente e a medida que iam chegando gente iam sendo encaminhadas a outro ônibus para voltarem. Isso causou uma certa revolta. O pessoal ficou bem chateado. (Como foi com os rio-verdenses, com os moradores dessa cidade. Como é que as pessoas receberam esse Programa e como é que elas se colocaram com esses migrantes chegando?) - Eu acho que o pessoal de Rio Verde ficou muito assustado. Não esperava essa invasão, essa grande migração de gente, de um dia para noite. Acho que ninguém esperava isso. É lógico que ao ver a cidade na TV o povo se sentiu orgulhoso, como é normal, mas eles não esperavam que o efeito colateral dessa reportagem fosse essa quantidade de pessoas na cidade. (Você esteve no Sine acompanhando o jornalista que à época era integrante da assessoria de imprensa nas filmagens que o Globo Repórter fez na agência de Rio Verde, que funcionava em um prédio da Prefeitura. O que você presenciou durante essas filmagens ou gravações do Sine?) - Bem, houve um grupo de empresários que foram convidados a participar da reportagem e houve por parte da produção do Globo Repórter, pelo próprio repórter, um direcionamento nas respostas, o que eles queriam que as pessoas respondessem para que a reportagem ficasse mais interessante, para que a reportagem tivesse um maior alcance, eu diria, para as pessoas, para o Brasil inteiro achar que aqui é realmente uma cidade que oferece emprego a qualquer um. O que não é verdade. (O que você acha que pode ter levado aquelas pessoas que estavam lá concordarem com o que se passou no Sine naquele dia?) - Na verdade, o fato de aparecerem no Globo Repórter pesou muito. Eu acho que pesou muito. Um deslumbramento, um certo deslumbramento. Eu acho que isso aí pesou, de certa forma, bastante. Mas, a pessoa queria mostrar a cidade, queria mostrar que na cidade tem emprego, queria mostrar que é uma cidade próspera, mas não esperava que fosse daquela forma. (Naquele mesmo local, no Sine, o repórter faz uma passagem mostrando uma fila. Aquela fila estava ali? O que você presenciou na gravação daquele momento específico?) - Na verdade aquela fila foi montada. Na hora não existia fila alguma ali. A fila foi montada pela produção para que fosse filmado. Na verdade não havia fila. Há a procura dos empresários, pelo funcionário, pela mão-de-obra. Mas, sem fila. Não existe fila. (Você também esteve presente em um outro episódio provocado pelo Programa, uma invasão de mais de 50 pessoas no hall da Prefeitura. O que aquelas pessoas queriam lá aquele dia e como elas agiram?) - Na verdade houve até um engano por parte das pessoas. Eles quiseram jogar a responsabilidade da reportagem em cima do poder público que não tinha nada a ver. O poder público sequer participou da reportagem. E eles realmente chegaram dispostos a invadir a Prefeitura e foram contidos e chegaram bem revoltados, achando que a Prefeitura era a responsável pelo fato da reportagem ter sido veiculada. (Que lições ficaram do Globo Repórter em Rio Verde?) - Eu acho que a checagem da informação tem que ser sempre bem feita. Faltou um pouco, acho que o Globo Repórter teve uma certa, não sei se má-fé. Mas acho que a lição é que a gente precisa ter muito cuidado na informação, muito cuidado no que diz, porque realmente o efeito pode ser devastador. (O episódio também provocou na cidade uma onda de boatos. Você se recorda de algum desses boatos?) - Teve alguns boatos. A chegada de ônibus, de muitos ônibus do Norte. Que na rodoviária teve duas mil pessoas de uma vez só, o que não foi verdade. Teve uma porção de coisas. Eu não me lembro mais. 4. ADASNIVON DIVINO Entrevista com o cinegrafista Adasnivon Divino, que à época era cinegrafista da Prefeitura de Rio Verde e que fez o registro de várias cenas de sonoras sobre o episódio da invasão de migrantes a Rio Verde. O cinegrafista informou que, não se sabe como, as fitas que continham esse material foram perdidas. A entrevista foi gravada no dia 11 de setembro de 2006. (Você percorreu alguns pontos da cidade após a exibição do Globo Repórter e um deles foi a rodoviária onde você produziu um material coletando alguns depoimentos. O que você se recorda daqueles depoimentos gravados?) - Adriana, é um..., a gente chegou lá, eu e o fotógrafo da Prefeitura, e como era uma situação muito assim, de migrantes vindo, a rodoviária estava cheia, crianças, famílias todas descendo dos ônibus, um atrás do outro e o pessoal, sabe, tudo sem alimentação, tudo preocupado, sabe. A administração já estava “caçando” um jeito de encaminhar essas pessoas para suas regiões, porque não tinha como atender aquele montante que chegou de uma hora para a outra, que viu a exibição do Globo Repórter de uma coisa que não estava, a cidade não estava preparada para receber aquela quantidade de migrantes que chegou na cidade de Rio Verde naqueles três dias, três, quatro dias, com ônibus chegando um atrás do outro. (Você acha que o que o Globo Repórter mostrou ao Brasil naquele 6 de fevereiro de 2004 era a realidade de Rio Verde naquela época?) - Adriana, Rio Verde, tá, tem se desenvolvido, tá, as indústrias estão vindo, mas não. Naquela época estava tendo a divulgação do Globo Repórter. Acho até que eles foram irresponsáveis com a colocação da matéria no ar, eles deveriam ter observado melhor, tipo a pauta, tudo, porque a realidade da cidade não condizia com o que o Globo Repórter colocou na matéria dele, porque foi o pessoal, todo o pessoal que estava desempregado, o pessoal que estava desempregado em outros estados, que estavam desesperados. E a conotação do Globo Repórter foi a seguinte, vai para Rio Verde porque Rio Verde está desenvolvendo e tudo, e está precisando de trabalhadores e daí o pessoal todo veio. Tá certo que estava precisando de trabalhadores, mas com uma certa qualificação para entrar nas empresas, quer dizer, passar por uma triagem e tudo, isso a cidade naquela época tinha condições mas não pra, igual chegou, vamos por 15, 20 ônibus, que chegou nesses três dias e um pessoal tipo praticamente desqualificado para as exigências das empresas que estavam precisando em Rio Verde. Então eu acho que foi um ato impensado da produção do Programa Globo Repórter. (Você acha que aquele Programa trouxe mais prejuízos ou mais pontos positivos para a cidade?) - No meu ponto de vista, muitas vezes eu andando pelas ruas, eu ainda encontro famílias que arrumaram alguma coisa, mas eu acho que naquele momento, o Programa foi negativo. (E com relação ao que sobrou para o poder público cuidar?) - Inclusive eu acompanhei todo o processo que a Prefeitura teve que intervir e até se prejudicar nos projetos dela porque teve que locar ônibus, dar dinheiro para comprar passagens, comprar passagens para mandar o pessoal de volta da cidade para suas origens e, sem falar, em alimentação que foi assim uma coisa de momento que a Prefeitura teve que se desdobrar para poder fornecer refeições para todas aquelas pessoas, que tinham muitas crianças e gente que veio mulher, mãe, filho, pai, irmão. Veio toda a família buscar uma oportunidade que não era a real. E, teve todo aquele trabalho para acomodar as pessoas, teve que comprar colchões, cobertores, tudo, porque era uma época que o clima não estava tão calor, então foi meio que uma correria, com alimentação, foi meio complicado para a administração ter que resolver aquele problema muito grande em torno de duas horas, porque o pessoal tinha que arrumar um local para dormir, tinha que arrumar um local para comer, tinha café-da-manhã, tinha lanche, tudo, tinha que resolver tudo para poder acomodar esse pessoal até que eles tivessem condições para voltar para suas origens. 5. SÉRGIO MACEDO Entrevista com Sérgio Macedo, coordenador da Agência do SINE de Rio Verde à época das gravações e exibições do Globo Repórter. A entrevista foi gravada no dia 21 de setembro de 2006. (No dia 6 de fevereiro de 2004, o Globo Repórter exibiu um programa especial e apontou Rio Verde como uma das cidades que mais gerava emprego e renda no Município. Como foi feito à época aquele contato do Programa com o Sine? Foi antes da equipe chegar a Rio Verde ou quando da gravação?) - Na verdade eles procuraram a agência de emprego na época, dizendo que através de noticiários, que Rio Verde tinha bastante emprego e que era uma das cidades que mais geravam oportunidade de emprego naquela época. A gente manteve contato, informou a Prefeitura também. E daí foi. A equipe veio, fez uma produção que a gente entende muito boa, mas deixando naquela oportunidade algumas informações sem serem divulgadas né e deu no que deu. As pessoas, muitas foram empregadas, outras não. Graças ao trabalho do nosso atual Prefeito, Paulo Roberto Cunha, houve possibilidade de resolver e muitas das pessoas que não vieram, que não conseguiram trabalho retornaram aos seus estados e assim foi né. Rio Verde continua, a gente entende, gerando muito emprego e muitas pessoas buscando trabalho no seu dia-a-dia. (O que você acha que ocorreu ou o que você acha que faltou ao Programa que fez com que aquele “boom” de pessoas chegasse a Rio Verde poucas horas depois da exibição do Programa?) - Eu acredito que a maior falha que a Rede Globo deu naquela oportunidade é de não ter colocado a matéria como ela foi produzida. É, foi feita uma produção realmente mostrando o lado bom, o lado ruim, as dificuldades da cidade, as vantagens da cidade. Só que na hora de veicular a matéria divulgaram só a parte boa, né. A que o aluguel era caro, a de que a cidade também tinha um monte de desempregados e que, às vezes, a cidade não estava conseguindo empregar aquela quantidade de pessoas e, também, foi deixada de informar sobre a qualificação que, apesar de nós termos muito emprego na época, não foi informado que a maioria dessas vagas necessitava de qualificação profissional, de pessoas mais preparadas para ocupar essas vagas. Então, o Globo Repórter deixou de veicular isso. Tanto que eles admitiram o erro, que na terça-feira seguinte, o Jornal Nacional, através da Fátima Bernardes36, apresentou uma matéria, até com cenas de Rio Verde, informando que as pessoas não deveriam vir antes de manter contato com a cidade, para mandar os seus currículos, saber como que, de fato, era a cidade e o que era a cidade e, através dessa reportagem da terça-feira a gente conseguiu evitar que inúmeras e mais inúmeras pessoas viessem a Rio Verde. Sabe-se que naquela oportunidade nós tivemos quase toda a cidade com seus telefones congestionados. Todas as empresas, todos os lugares, inclusive residências, recebiam ligações de trabalhadores querendo informações sobre o que era Rio Verde, se aquilo que foi veiculado era verdadeiro. Nós não discordamos que a matéria era verdadeira. Realmente tinha muito emprego. O que foi deixado de ser feito foi veicular as dificuldades que a cidade tinha. O Prefeito estava aí, trabalhando incansavelmente para melhorar a infra-estrutura da cidade que ele recebeu, bem dizer, falida e estava em fase de recuperação da cidade. E o jornalista não soltou essa parte. Mas é o que a gente sempre fala, que eles admitiram o erro, tanto que na terça-feira eles corrigiram a matéria, tanto que evitou-se um maior número de pessoas vindo para Rio Verde. (O setor de comunicação da Prefeitura à época quando soube da vinda da equipe entrou em contato com a produtora para auxiliar a equipe do Globo Repórter. Mesmo assim, a equipe não procurou a prefeitura e nem sequer gravou com um de seus representantes, o que inclui você, que na ocasião era coordenador do Sine. Por que você acha que a reportagem foi conduzida dessa forma e nem você foi entrevistado?) - Eu entendo que o Globo Repórter mesmo ou a Rede Globo, ela gosta de “Ibope”, né. Não houve entrevista com a minha pessoa e como coordenador imaginávamos que deveríamos ter sido entrevistados para explicar melhor para 36 Na verdade isso foi feito na segunda-feira seguinte, por William Bonner. as pessoas. Foram entrevistadas pessoas que não tinham nada a ver, trabalhadores ou contadores, e em momento nenhum pessoas da Prefeitura ou o Prefeito. Então, de alguma forma a gente entende que a matéria foi capciosa, que eles queriam ter “Ibope” como já fizeram em outras cidades né, que a gente viu, outras cidades que eles veicularam matérias e tiveram problemas devido à matéria, à má informação. A Rede Globo naquela oportunidade eu acho que faltou um pouco com a verdade, porque se quisesse realmente informar corretamente teria ouvido a assessoria de imprensa da Prefeitura, que não foi, o próprio Prefeito e também a coordenação naquela época que era a minha pessoa. Então eu acho que faltou um pouco com a verdade. É aquilo que eu disse. Na terça-feira eles entenderam um pouco e corrigiram um pouco das falhas que cometeram que, graças ao bom desempenho do Paulo Roberto Cunha nós evitamos um mal maior. Porque o número de pessoas que chegou e os que viriam poderíamos ter tido aí uma invasão, um problema sério na cidade, porque não estava preparada para receber tanta gente. (Você também esteve acompanhando as filmagens naquele dia no Sine. Como foi feita a condução das gravações das cenas e com aquelas pessoas que estavam lá? Aquela fila mostrada existia?) - Realmente, público existia. O Sine da época que nós administrávamos era uma constância de gente em busca de emprego. Sobre a condução das entrevistas é o procedimento que a gente vê. Saber que emprego a pessoa está buscando, há quanto tempo ele estava desempregado, como ele funcionava naquela ocasião, como que eram os encaminhamentos. Então assim, muito, a matéria em si foi feita de forma correta, só que na hora de veicular eles não veicularam como foi dito e colocou só a parte que interessava a eles. A parte que interessava à cidade eles não colocaram. (Então você acha que na verdade aquele programa mostrou uma pauta pronta ou que a pauta foi construída com os dados levantados na redação somados à realidade encontrada na cidade?) - Eu acredito que foi isso mesmo porque se fosse feita uma matéria mais voltada à realidade da cidade poderíamos ter evitado a vinda de muitas pessoas que devido estarem desempregadas veêm uma matéria daquela e não querem nem saber, pegam o ônibus e vem. Então se tivesse feito uma matéria mais programada, mais organizada, da forma que foi feito na terça-feira, nós teríamos, às vezes, vindo pessoas, empregado essas pessoas, mas não ter havido a invasão de quantas pessoas vieram e que tiveram problema de conseguir trabalho e até mesmo de conseguir voltar. Porque muitas pessoas tinham, o pouco que tinham investiram vindo para a cidade, mas também, Rio Verde, não aqui querendo puxar farinha, mas tinha um Prefeito ou tem um Prefeito importante que conseguiu resolver essas dificuldades sem gerar um problema maior, um problema social. (Com a exibição do Programa o que aconteceu com a rotina da agência do Sine que até convocou um reforço policial?) - Nós recebíamos em média, na agência do Sine, umas 500, 600 pessoas por semana. É lógico que no dia da matéria esse número quase que dobrou ou quadruplicou em número de pessoas aí. Vieram as pessoas que aqui já estavam mais aquelas que vieram de outra forma, mas conseguimos atender a todos, resolver o problema. É lógico que a segurança foi chamada porque o ser humano, às vezes altera de função, e a gente pediu um reforço para dar segurança até mesmo à equipe de funcionários que tinha e evitar que fosse feita uma baderna. Porque nessa época veio muito baderneiro também. Mas não precisou a polícia tomar nenhuma atitude mais séria, mais drástica, as pessoas se controlaram, se organizaram e graças a Deus a gente atendeu todos os que vieram naquela oportunidade. (Muitos boatos surgiram na época. Boatos envolvendo a Prefeitura, boatos de quantitativo de pessoas. O que você se recorda que tenha circulada pela cidade naquela ocasião?) - Boatos você vê que no meio político eles surgem todos os dias e você vê pessoas que não tem o compromisso com a cidade que aproveitam do momento para falar mal. Disseram ali que a Prefeitura comprou o Globo Repórter, que pagou para rodar aquela matéria, para divulgar aquela matéria e que na verdade nós sabemos que não teve nada disso. Rio Verde a gente não pode esconder. Naquela oportunidade era uma das cinco cidades do País que mais gerava emprego e não era fato inventado, era fato verdadeiro e tanto que não fomos nem à Prefeitura, porque se a Prefeitura tivesse tido algum problema com a vinda desse pessoal ela teria participado da matéria, tanto que não participou, né. Porque quando você paga para participar de alguma coisa você tem que aparecer e na verdade nem o Prefeito Paulo Roberto Cunha, nem o Sérgio Macedo, nem a própria assessoria de imprensa, ninguém participou da matéria. Apesar de nós termos acompanhado a matéria, eu acho que nós, no momento em que você é visitado, por um repórter, não vejo porque você omitir uma informação desde que isso seja programado para ser informado. Foram os boatos que surgiram na época, mas não era da forma que as pessoas diziam e que realmente a gente conseguiu sanar e que realmente a Prefeitura tinha um compromisso sério e tem esse compromisso sério até hoje, tanto que o Prefeito Paulo não mede esforços para ajudar a empregar as pessoas, tanto que o Sine hoje continua ainda empregando muita gente, mesmo a gente sabendo que não emprega da forma como empregava, porque a gente sabe, tem a crise no campo, vê os problemas do dia-a-dia, então por isso que, às vezes, o número de emprego diminui, mas é por isso que o Prefeito está aí, brigando para poder aumentar esse número de emprego e ter mais gente trabalhando. (Hoje, ao observar aquele episódio, que lições Rio Verde absorveu daquele momento?) - Eu acho que tudo o que se vai fazer, antes de ser feito você tem que realmente exigir para que seja da forma com que está sendo feito. Eu acredito que no âmbito geral todas as partes aprenderam, mas eu acredito que Rio Verde também ganhou muito com isso, apesar de todas as dificuldades que foram passadas queira sim, queira não, Rio Verde hoje é reconhecida nacionalmente. Então, eu não vejo que a matéria foi cem por cento prejudicial. Teve as suas dificuldades, mas teve também os seus ganhos. Então eu acho que as lições foram aprendidas e eu acredito que agora, tanto o atual coordenador como a própria Prefeitura, no momento em que for feito uma matéria novamente, vão exigir a forma que será feita. Que, ou a matéria é feita dessa forma ou então não é feita. (O Sine também trabalhava com recebimento de currículos por e-mail. O que aconteceu depois da exibição do Programa?) - É, nós tivemos após a veiculação do Programa, a média de currículos que nós recebíamos girava em torno de, vamos supor, 100 currículos por mês. Na veiculação da matéria eu acredito que nós devemos ter recebido em torno de mais, entre e-mails e currículos em torno de 50 mil. Então, muito currículo, muito e-mail, tanto que nós ficamos aí um tempão “baixando” os e-mails para poder retirar os currículos, para ver o que a gente fazia para poder ajudar as pessoas. Mas de uma forma foi importante também. Deu-se a oportunidade de ver muito currículo para suprir às vezes aquela necessidade das vagas. Então, às vezes, muito emprego com bons salários e currículos bons é fácil, às vezes de você estar conseguindo esse trabalho. 6. JOÃO ROBERTO NEVES Entrevista feita com o responsável pelo terminal rodoviário de Rio Verde, João Roberto Neves, no dia 17 de outubro de 2006. (No dia 6 de fevereiro de 2004 a Rede Globo colocou um Programa Globo Repórter no ar dizendo que Rio Verde estava entre os cinco municípios que mais geravam emprego e renda no Brasil. Você, como administrador da estação rodoviária, do que se recorda a partir do momento que esse programa foi mostrado a todo Brasil?) - O que eu tenho a recordar é todo o transtorno, o movimento de gente que deu aqui no terminal rodoviário. Pessoas que vinham de toda parte do Brasil, principalmente do Nordeste, São Paulo, atrás de emprego. Muitos vendiam o que tinham para tentar a sorte. Só que chegavam aqui e a realidade era outra. Tinha emprego aqui? Tinha, mas a qualificação da mão-de-obra era grande. E isso gerou um tumulto porque, ônibus que sai daqui, conexão de passagens, pessoas que vinham e pegavam até quatro a cinco ônibus para chegar até Rio Verde e que chegaram aqui querendo que nós os devolvêssemos (sic) ao local de origem sendo que nós não tínhamos como embarcar uma pessoa daqui para Bahia e lá pegar outro carro para outro lugar. Então o deslocamento foi muito transtorno, muito trabalho pra gente. (Hoje você tem em média um fluxo de pessoas na rodoviária e como esse fluxo de pessoas ficou e se modificou naqueles dias de programa?) - O fluxo hoje é normal, é rotineiro. Vamos falar assim, é em média duzentos e cinqüenta, trezentas pessoas dia que embarcam e desembarcam no terminal, com destino a Goiânia, Brasília, São Paulo, Uberlândia e outras cidades da região, seja Jataí, São Simão, Iporá, então nós temos esse movimento aqui, entre 300 até quatrocentos quando chegam feriados. Uma média de um dia para o outro dá umas trezentas e cinqüenta pessoas. São pessoas rotineiras. Agora quando chega final do ano, as pessoas que migraram para Rio Verde, que trabalham em Rio Verde, que moram em outras cidades, em outros estados e que retornam para suas famílias, então para Dezembro o movimento é muito grande para o terminal. (E depois da veiculação daquele Programa, como é que ficou esse fluxo, o movimento? Quantas pessoas desembarcaram em Rio Verde naqueles dias posteriores ao Programa?) - Uma média de quatro a cinco mil pessoas. Se não me engano, foi no domingo, eu fretei ônibus para ficar parado já na plataforma de embarque. O pessoal desembarcava e já embarcava de volta porque não tinha passagem e não tinha como nós alojarmos esse tanto de gente. Rio Verde não estava preparado para isso. Então eu tinha informação e eu ficava em comunicação nas empresas, São Paulo, Uberlândia, Goiânia, Brasília, para saber como estava o movimento vindo e então eles me informavam, “Roberto, está saindo gente sem parar, tudo atrás de emprego”. São Paulo mesmo a Nacional me ligou que estavam descendo três ônibus lotados de gente. Eu falei não embarca e eles disseram que não tinha jeito porque as pessoas já tinham comprado passagens. Então o que é que nós fizemos: contratamos um ônibus, fretamos um ônibus e já deixamos à disposição e já chegava e já fazia a lotação e mandava de volta. Se não me engano, para São Paulo mesmo foram três ônibus fretados que mandaram gente embora. E isso deixando gente em Uberlândia, Ribeirão Preto, para se deslocarem para outro local. (E hoje você vendo aquele episódio do Globo Repórter e dos efeitos que ele gerou em Rio Verde, por que ele provocou aquilo na população? Você acha que ocorreu alguma falha ou não do Programa e por que houve aquela invasão em Rio Verde?) - Eu creio que houve uma má informação. A Rede Globo é uma empresa conceituada, mas ela falhou quando ela falou só de emprego. Ela teria que ter falado em dificuldade, o acesso ao trabalho, a mão-de-obra qualificada que exigia. Então ela falou que Rio Verde era um “Eldorado”, tem emprego. Então começaram a chegar desempregados. Tinha pessoas que não tinham como colocar para fazer um serviço. Tinha uma que falou aqui: “Eu quero serviço!”. Mas que serviço? Com salário alto, não queria ganhar dois salários, não queria ganhar um salário. E Rio Verde aquela época tinha muito emprego de um salário e meio até três salários tinha, nessa faixa, até para quem não tinha mão-de-obra qualificada. Mas a partir disso a mão-de-obra cobrada era a altamente qualificada. E isso gerou aquele tumulto. As pessoas chegavam, ficavam bravas, diziam que a Prefeitura era a culpada, que a gente colocou aquilo para poder chamar a atenção e não foi nada disso. A gente, eu mesmo, não tinha noção daquela matéria. Eu assustei à noite quando eu vi aquela matéria na televisão. Aí, quando foi no outro dia, começou telefonema. O da rodoviária congestionou, não parava de tocar. O pessoal chegava aqui e falava: “Eu vendi o que eu tinha para vir para cá”. Outros falavam: “Eu vendi bicicleta, vendi carro, vendi geladeira”. Então essa era a história que eles contavam. Então eu procuro: Como uma pessoa vai se deslocar só com o dinheiro da passagem para Rio Verde para procurar emprego. É difícil de acreditar também. Teve muita exploração até do pessoal que veio para cá explorar para depois retornar ao seu local. (E com relação à cidade, como ficou com a chegada dessas quatro a cinco mil pessoas? O que você se recorda de ter presenciado e que te chamou a atenção?) - Quando eu disse quatro a cinco mil pessoas, eu disse aqui pelo terminal, que chegaram de ônibus, mas o movimento na cidade nesses cinco dias após, a cidade, nós tivemos um fluxo de quarenta mil pessoas dentro de Rio Verde. Muitas pessoas vinham de carro, muitas de ônibus também. Uma coisa que me chamou muita atenção foi uma mulher aqui. Ela chegou e eu tentando, porque eu não tinha carro naquela hora para Belo Horizonte, eu não tinha carro para São Paulo. Nós estávamos tentando contratar empresa, contratar carro, todo mundo desprevenido, não tinha como pegar dinheiro aquela hora e comprar passagens. Tinha empresa aqui que só vendia passagem à vista. Teve uma empresa que disse: “Olha Roberto, até Uberlândia eu te atendo no que for preciso. Se tiver que locar um, dois, três ônibus eu te atendo”. Daí eu cheguei no pessoal e disse que tinha uma empresa que me atenderia até Uberlândia e perguntei quem gostaria de ir até Uberlândia e de lá se deslocar até suas cidades de origem que eu tinha como mandá-los. E chegou uma senhora, eu não sei por que, todo mundo já tinham concordado, mais de cinqüenta pessoas já tinha concordado em ir até Uberlândia para de lá deslocarem até seus locais de origem, e daí ela chegou e tumultuou todo mundo. Disse que não, que a Prefeitura era responsável, que a Prefeitura tinha que bancar tudo, que nós éramos culpados daquilo, que o Prefeito foi muito irresponsável na época, que a comunicação falhou, que colocamos aquilo para chamar a atenção, mostrar Rio Verde. Daí eu falei, não minha senhora, não é nada disso. Eu tenho como atender agora esse pessoal que está aqui ou eles vão ter que ir para um alojamento no Centro de Treinamento João XXIII para ficarem lá, que não é uma estrutura boa, mas é a que nós temos para disponibilizar, ou eles entram nesse carro agora, que eu estou fretando, e que vai levá-los até Uberlândia. De lá tem gente que vai para Belo Horizonte, outros para o Sul de Minas. De todo jeito eu não tenho carro que vá para essas outras localidades saindo aqui de Rio Verde. E ela me tumultuou muito, gerando aquela polêmica, o pessoal revoltou na ocasião, eu tive que chamar até a polícia para poder dar um reforço para a gente porque ficou muito cansativo, o pessoal muito agressivo, pessoas muito agressivas, que estavam passando fome, e isso foi, marcou o nosso diaa-dia. Aquele tumulto de gente e a rodoviária não tinha estrutura para suportar aquelas pessoas, aquelas bagagens que chegavam, o guarda-volumes era pequeno, então nós passamos aqui, eu chegava quatro horas da manhã e tinha dia que saía daqui à meia-noite, atendendo o pessoal na medida do possível. (Você se recorda da história de Rio Verde, em seus mais de 150 anos, que tenha ocorrido outra situação como essa, onde a rodoviária esteve com essa superlotação e a cidade também?) - Não. Que eu me recorde não. Eu nunca presenciei isso aqui. A única vez que a gente vê um tumulto no terminal rodoviário é final de ano, como eu falei para você. Geralmente no dia 22 e 23 de dezembro. O movimento maior desse terminal ele gera nessa época. Que tem anos aqui em Rio Verde, de embarcar 800 pessoas aqui do terminal nessa época. Já teve um ano aqui de embarcar mil e duzentas pessoas aqui no dia 23 de dezembro. Mas nada igual ao que tivemos aqui com aquele Globo Repórter, em que nós vivemos aquele tumulto cerca de dez dias. A gente disponibilizou alimentação, a gente teve doação. Muitas pessoas nos ajudaram com alimentação porque a gente não dava conta, a Prefeitura não tinha estrutura para fornecer aquele tanto de marmitas para o pessoal. Muitos empregaram, muitos estão aqui trabalhando em Rio Verde. Conheço gente que veio e que se manteve na cidade, mas muitos retornaram. 7. CÓPIA DO UNIVERSIDADE OFÍCIO ENCAMINHADO AO PROJETO GLOBO Administração Habilitação em Marketing Habilitação em Comércio Exterior Habilitação em Administração de Empresas Habilitação em Sistemas de Informações Gerenciais Reconhecimento Portaria nº 2.243– DOU de 27/06/2005. Turismo – Reconhecimento Portaria nº 2.244 – DOU de 27/06/2005. Direito – Autorização Portaria Nº 3674 – DOU de 09/12/2003 Enfermagem – Autorização Portaria N º 202 – DOU de 14/01/2004 Comunicação Social Hab. Publicidade e Propaganda – Autorização Portaria Nº 2.417 – DOU de 11/08/2004 ______________________________________________________________________ Rio Verde, 19 de Outubro de 2006. OFÍCIO 0042/2006 – Diretoria Geral Projeto Globo Universidade, Encaminho este ofício conforme indicação feita em resposta a um e-mail de minha autoria encaminhado ao Programa Globo Repórter no dia 4 de outubro e respondido pela equipe de internet do Programa em 9 de Outubro. Este documento tem o referendo da Instituição de Ensino Superior onde leciono, apoiadora desta pesquisa. Caso haja necessidade, a confirmação de dados pode ser feita na Universidade de Marília (UNIMAR), com a Secretária de Pós-Graduação, Rosângela, ou com a Coordenadora do Curso de Mestrado em Comunicação, Professora Doutora Suely Flory, por meio de e-mail [email protected], ou por telefone (14) 2105.4075. Sou jornalista, com especialização em Assessoria em Comunicação (UFG) e mestranda em Comunicação pela Universidade de Marília (UNIMAR), na linha de pesquisa Produção e Recepção de Mídia. Estou em fase final de redação de minha dissertação de mestrado, que versa sobre o tema: A Superexposição de Rio Verde (GO) na Mídia, tendo como orientadora a professora Doutora Carly Batista de Aguiar (Universidade Estadual de Londrina/UNIMAR). Nesse trabalho, em uma de suas partes, o tema abordado e analisado é o programa do Globo Repórter exibido em 6 de fevereiro de 2004, onde foram mostradas as cinco cidades que mais geravam emprego e renda, à época, de acordo com dados do CAGED/MTE. Rio Verde foi uma das cidades mostradas e, após a exibição do Programa, o Município foi “invadido” por milhares de migrantes à procura de emprego, vindos de todas as partes do País. __________________________________________________________________________________________________________ ____ AESGO – ASSOCIAÇÃO DE ENSINO SUPERIOR DE GOIÁS - Faculdade Objetivo Rua 12 de Outubro, Quadra 64 – Lote 02 – Jardim Adriana – Rio Verde – GO – CEP.: 75906-577 Telefone (0XX) 64 3621 3539 - Fax (0XX) 64 3621 4543 Em minha dissertação faço a análise daquele Programa, recontando a história por meio de arquivos de jornais impressos (locais, regionais e nacional) que trouxeram matérias sobre o episódio e por meio de entrevistas de pessoas que participaram ativamente das filmagens em Rio Verde, acompanhando a equipe da Rede Globo, e que atuaram no controle à crise gerada pela invasão dos migrantes. Para completar e mesmo permitir que as análises feitas na dissertação contemplem todos os lados envolvidos no episódio, não resultando apenas em uma análise parcial, é essencial que possa entrevistar algum representante do Programa. Isso é imprescindível até para que sejam atendidos os preceitos do exercício da profissão de jornalista. Sendo assim, a posição do Globo Repórter e de sua equipe me permitirá analisar com mais propriedade os fatos, coletando a opinião/versão dos que atuaram na produção do Programa em questão. Venho, então, solicitar apoio no sentido de responder uma entrevista por e-mail ser encaminhada a um representante do Globo Repórter ou aas profissionais abaixo indicados, componentes da equipe que esteve em Rio Verde em Janeiro de 2004: - Flávio Fachel (repórter); - Isabela Dutra (editora) e - Luci Vasconcelos (produtora). As entrevistas têm a finalidade de reconstrução dessa história e serão utilizadas no corpo do trabalho na íntegra ou apenas trechos. Ressalta-se que esta pesquisadora se compromete a publicar, em anexo, a íntegra de todas as entrevistas respondidas pelo Globo Repórter/Equipe. A previsão para a defesa desta dissertação é para março de 2007, sendo que a qualificação está marcada para dezembro próximo. Seguem as perguntas: 1) O que a pauta apresentava sobre Rio Verde e o que, de fato, motivou a realização daquele Programa, exibido no dia 6 de fevereiro de 2004? 2) Após a exibição do Programa, os efeitos de recepção foram imediatos. Centenas de pessoas chegaram à cidade em busca das vagas apresentadas pelo Programa, o que ocasionou um certo caos no Município que tem pouco mais de 130 mil habitantes. A produção do Globo Repórter tomou conhecimento dessa situação e o que foi feito para minimizar os efeitos, em Rio Verde, gerados pela exibição do material à milhares de telespectadores? 3) O Globo Repórter acredita que houve ou não falha na condução da reportagem, provocando uma migração instantânea de desempregados a Rio Verde? 4) Quais as medidas tomadas pelo Programa na tentativa de conter a chegada de migrantes à Rio Verde (GO)? 5) O Programa mostra uma fila de empresários em busca de funcionários no Sine de Rio Verde. O que motivou aquela cena e o que o Programa pretendia passar aos telespectadores ao mostrar aquela fila? Ela foi produzida? 6) A Prefeitura de Rio Verde não foi procurada e nem foi “ouvida” pela reportagem. Por quê? 7) Aquele Programa do dia 6 de fevereiro de 2004 foi concebido na redação do Globo Repórter, apenas com dados do CAGED e fazendo com que a equipe fosse a campo para seguir a pauta pronta ou foi feita a verificação in loco das informações, norteando assim a condução da pauta caso baseada na realidade local? 8) O que faltou ao Programa dizer aos milhares de telespectadores que assistiram a um cenário de geração de emprego e renda mostrado, para que não houvesse a migração imediata a Rio Verde de pessoas em busca de emprego e sem qualificação? 9) O Globo Repórter teve alguma informação de que as outras quatro cidades passaram pelas situações semelhantes a Rio Verde (GO), registrando um movimento imediato de chegada de migrantes? Aguardo um retorno. Atenciosamente, Adriana Souza Campos Professora Universitária IESRIVER Fábio Buzzi Ferraz OBSERVAÇÃO: Contato - (64)8411.4077/(64)3621.3539 (manhã/noite) e-mail para resposta: [email protected] Diretor Geral IESRIVER 8. CÓPIA DA MENSAGEM RESPONDIDA PELA EQUIPE DE INTERNET DO GLOBO REPÓRTER ! " # $ % &' ' ' ) * + , , ( ! !# + *& ( %-. /%$-01- -01%-2.1, !" # $ % ! & $ & " $ ! * + % ? ! . ! + @ ) & ! #& + / 0 1213 45 6678232923 * : ; + * < +* 3 . & = & ! > AAA! & # % , - ' ( ) , , 3 4 5 ' 5 " ' 6 /%$-01- -01%-2.1, Olá! Há uns 15 dias encaminhei esse mesmo e-mail solicitando uma entrevista cujas perguntas estão encaminhadas abaixo. Até o momento não consegui nenhum retorno, seja para o encaminhamento das respostas às perguntas feitas, seja para uma negativa para tal solicitação. Peço, novamente, uma resposta urgente a esta solicitação. Rio Verde, 4 de outubro de 2006. Adriana Souza Campos Boa tarde! Sou jornalista e estou fazendo mestrado em Comunicação na Universidade de Marília, na linha de pesquisa Produção e Recepção de Mídia. O tema do meu trabalho versa sobre um programa do Globo Repórter que foi exibido no dia 6 de fevereiro de 2004 sobre as cinco cidades que mais geravam emprego e renda no País. Para a minha dissertação, em que abordo a superexposição de Rio Verde no referido programa, é essencial que entreviste algumas pessoas da equipe que esteve no Município ou, pelo menos, com um responsável do Globo Repórter, para ver o lado de quem produziu o programa e como se deu a condução da reportagem. A equipe que esteve em Rio Verde e que gostaria de entrevistar é composta por Flávio Fachel (repórter), Isabela Dutra (editora) e Luci Vasconcelos (produtora). Essa entrevista seria feita por e-mail. Encaminho, então, as perguntas, para que possam ser repassadas e respondidas por esses três profissionais, ou por um representante do Globo Repórter. Aguardo um retorno, com urgência. Adriana Souza Campos (64)8411.4077 Seguem as perguntas: 1) O que a pauta apresentava sobre Rio Verde e o que, de fato, motivou a realização daquele Programa, exibido no dia 6 de fevereiro de 2004? 2) Após a exibição do Programa, os efeitos de recepção foram imediatos. Centenas de pessoas chegaram à cidade em busca das vagas apresentadas pelo Programa, o que ocasionou um certo caos no Município que tem pouco mais de 130 mil habitantes. A produção do Globo Repórter tomou conhecimento dessa situação e o que foi feito para minimizar os efeitos, em Rio Verde, gerados pela exibição do material à milhares de telespectadores? 3) O Globo Repórter acredita que houve ou não falha na condução da reportagem, provocando uma migração instantânea de desempregados a Rio Verde? 4) O Programa mostra uma fila de empresários em busca de funcionários no Sine de Rio Verde. Segundo pessoas que estiveram no local no dia da gravação, a fila foi produzida pela equipe do Globo Repórter. O que motivou aquela cena e o que o Programa pretendia passar aos telespectadores ao mostrar aquela fila? 5) A Prefeitura de Rio Verde não foi procurada e nem foi “ouvida” pela reportagem. Por que? 6) Aquele Globo Repórter foi concebido na redação do Globo Repórter, fazendo com que a equipe fosse a campo para seguir a pauta pronta ou a intenção era verificar a realidade in loco, alterando a condução da pauta caso a realidade encontrada não fosse a mesma? 7) O que faltou ao Programa dizer aos milhares de telespectadores que assistiram a um cenário de geração de emprego e renda mostrado, para que não houvesse a migração imediata a Rio Verde de pessoas em busca de emprego e sem qualificação?