UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
DEPARTAMENTO DE ECONOMIA
DOUTORADO EM ECONOMIA
FORMALIZAÇÃO E INTERMEDIAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO NA
AGRICULTURA BRASILEIRA: PERSPECTIVAS HISTÓRICAS E IMPLICAÇÕES
ANA CECÍLIA DE MEDEIROS NITZSCHE KRETER
Orientadora Prof. Dra. Renata Del-Vecchio
Co-Orientador Prof. Dr. Gervásio Castro de Rezende
Niterói
Estado do Rio de Janeiro – Brasil
Agosto – 2010
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
DEPARTAMENTO DE ECONOMIA
DOUTORADO EM ECONOMIA
FORMALIZAÇÃO E INTERMEDIAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO NA
AGRICULTURA BRASILEIRA: PERSPECTIVAS HISTÓRICAS E IMPLICAÇÕES
ANA CECÍLIA DE MEDEIROS NITZSCHE KRETER
Tese apresentada para o programa de doutorado em
economia da Universidade Federal Fluminense
como parte dos requisitos necessários para a
obtenção do título de Doutor em Economia.
Orientadora Prof. Dra. Renata Del-Vecchio
Co-Orientador Prof. Dr. Gervásio Castro de Rezende
Niterói
Estado do Rio de Janeiro – Brasil
Agosto – 2010
ANA CECÍLIA DE MEDEIROS NITZSCHE KRETER
FORMALIZAÇÃO E INTERMEDIAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO NA
AGRICULTURA BRASILEIRA: PERSPECTIVAS HISTÓRICAS E IMPLICAÇÕES
Tese apresentada para o programa de doutorado em
economia da Universidade Federal Fluminense
como parte dos requisitos necessários para a
obtenção do título de Doutor em Economia.
BANCA EXAMINADORA:
__________________________________
Professora Doutora Renata Del-Vecchio – UFF (orientadora)
__________________________________
Professor Doutor José Pastore – USP
__________________________________
Professor Doutor Steven Helfand – Universidade da Califórnia Riverside
__________________________________
Professor Doutor Léo da Rocha Ferreira – UERJ
__________________________________
Professora Doutora Daniele Carusi Machado – UFF
Niterói
Estado do Rio de Janeiro – Brasil
Agosto – 2010
Dedico, com muito carinho,
a meus pais, Rodolpho e Maria Luiza.
iv
RESUMO
Esta tese apresenta uma coletânea de três artigos sobre o mercado de trabalho agrícola. Dois
temas foram destaque neste estudo: a informalidade e a intermediação de mão de obra,
conhecida como empreitada. Entende-se por informalidade o não pagamento dos encargos
trabalhistas e contribuições sociais, e por intermediação de mão de obra, o sistema de
contratação de trabalhadores sazonais via intermediário.
O Artigo 1 apresenta uma perspectiva histórica sobre os direitos do trabalhador rural
no Brasil, suas relações de trabalho ao longo do século XX, e seus impactos nos salários
recebidos no campo. O Artigo 2 aprofunda a análise do papel do intermediário, através de
dois estudos realizados entre os anos de 2006 e 2010. O primeiro deles, na região de
Piracicaba (SP), e o segundo, na Alemanha. Para finalizar, o Artigo 3 replica a estrutura do
mercado de trabalho brasileiro a partir dos dados da PNAD de 2008, e simula duas
alternativas para a inclusão do trabalhador rural no sistema de seguridade social.
Os cenários apresentados no último artigo representam casos extremos de repasse dos
encargos trabalhistas e contribuições sociais dos empregados e conta própria que se
declararam informais em 2008. Mais do que refletir sobre a participação dos agentes
envolvidos (empregado e empregador), e do papel do governo federal como criador de
políticas sociais, a idéia é usar esses e futuros resultados para assegurar padrões razoáveis de
vida da população rural.
Palavras-chave: mercado de trabalho, agricultura, sazonalidade, Brasil, Alemanha.
v
ABSTRACT
This thesis presents a collection of three articles on the agricultural labor market. Two issues
were highlighted in this study: the informality and the outsourcing of labor. In this study,
informality is understood as a non payment of taxes and social contributions, and outsourcing
of labor is a system of hiring seasonal workers via a third person.
Article 1 provides a historical perspective on the rights of rural workers in Brazil, its
labor relationship throughout the twentieth century and their impact on wages earned in this
sector. Article 2 deepens the analysis of the role of an outsourcing, through two studies
conducted between 2006 and 2010: the first one in Piracicaba (SP), and second one, in
Germany. Finally, Article 3 replicates the structure of the Brazilian labor market based on the
PNAD 2008, and simulates two alternatives for the inclusion of rural workers in the social
security system.
The scenarios presented in the last article represent extreme cases of payroll transfer
taxes and social contributions of the employees and self-employed, who declared informal in
2008.
These results reflect not only the role played by those agents (employees and employers), but
also by the federal government as a policy maker. The idea is to use these results to ensure
reasonable standards of living of the rural population.
Keywords: labor market, agriculture, seasonality, Brazil, Germany.
vi
SUMÁRIO
Página
LISTA DE FIGURAS .......................................................................................................
x
LISTA DE GRÁFICOS .................................................................................................
xi
LISTA DE TABELAS ...................................................................................................
xii
INTRODUÇÃO ................................................................................................................
1
Artigo 1 – SALÁRIOS E LEGISLAÇÃO TRABALHISTA NO CAMPO:
PERSPECTIVAS HISTÓRICAS
1
Introdução................................................................................................................
4
1.1
Por que analisar os salários rurais? .........................................................................
5
2
As fontes de dados e a metodologia........................................................................
9
2.1
Descrição dos dados do Censo Demográfico de 1920 ...........................................
9
2.2
Correspondência dos municípios ...........................................................................
10
2.3
Descrição dos dados do Censo Demográfico de 1991 .........................................
11
2.4
Correspondência das categorias ocupacionais.......................................................
11
2.5
Outras fontes de dados ...........................................................................................
13
3
Legislação trabalhista e relações de trabalho.........................................................
14
3.1
As relações de trabalho nas atividades agrícolas ...................................................
14
3.2
Histórico da legislação trabalhista no campo.........................................................
19
3.2.1 1ª fase: A criação da CLT ......................................................................................
20
3.2.2 2ª fase: A criação do ETR ......................................................................................
23
o
3.2.3 3ª fase: A criação da Lei n 5.889, de 8 de junho de 1973.....................................
25
4
27
Houve impacto efetivo da legislação trabalhista nas atividades agrícolas? ..........
vii
4.1
O que dizem os Censos......................................................................................
27
4.2
O que dizem os dados de Remuneração do Trabalho Agrícola ........................
31
5
Considerações finais ..........................................................................................
35
Referências bibliográficas...........................................................................................
37
Anexo I Composição setorial da renda no Brasil, por setor de atividade, 1947 a 2007... 41
Anexo II Média dos salários rurais diários, por ocupação e por região, 1920 e 1991 ....
42
Anexo III Salários reais pagos no setor agrícola ao diarista e o salário mínimo, 1966 a
1999.............................................................................................................................
43
Artigo 2 – O MERCADO DE TRABALHO AGRÍCOLA E A INTERMEDIAÇÃO
DE MÃO DE OBRA
1
Introdução..............................................................................................................
44
2
Características do setor agrícola............................................................................
45
3
Brasil: um estudo de caso sobre o corte de cana...................................................
48
3.1
As atividades dos empreiteiros na região de Piracicaba .......................................
48
3.2
As condições de vida dos trabalhadores sazonais em São Paulo...........................
51
3.3
As relações entre os agentes entrevistados na região de Piracicaba.....................
53
3.4
Tipos de contratos estabelecidos pelos intermediários ..........................................
55
3.5
Tipos de empreitada para as usinas na região de Piracicaba .................................
56
4
Alemanha: uma visão geral sobre o fluxo migratório do Leste europeu...............
57
4.1
Uma visão histórica................................................................................................
58
4.2
Os fluxos migratórios Leste-Oeste.........................................................................
62
4.3
As políticas alemãs para o mercado de trabalho agrícola......................................
64
4.4
Como contratar um estrangeiro como trabalhador sazonal?..................................
69
5
Considerações finais ..........................................................................................
72
Referências bibliográficas...........................................................................................
77
Anexo I Direitos dos trabalhadores sazonais, 2009........................................................ 80
viii
Artigo 3 – COMO REDUZIR OS NÍVEIS DE INFORMALIDADE NA
AGRICULTURA? UM MODELO DE MICRO-SIMULAÇÃO PARA O BRASIL
1
Introdução...............................................................................................................
81
2
Metodologia...........................................................................................................
82
2.1
Os modelos de micro-simulação ...........................................................................
82
2.2
O algoritmo de conversão de renda bruta-líquida-bruta no modelo SM2.............
84
2.3
As fontes de dados utilizadas ................................................................................
88
2.3.1 A PNAD .................................................................................................................
89
2.3.2 O Sistema de Contas Nacionais (SCN)..................................................................
94
3
O sistema tributário no Brasil.................................................................................
98
3.1
Os custos sociais do trabalho no Brasil..................................................................
99
3.2
As regras para a declaração do Imposto de Renda (pessoa física) ......................
102
4
Aplicando o modelo SM2 ....................................................................................
105
4.1
Considerações específicas sobre o uso da PNAD no SM2..............................
105
4.2
Checagem dos dados........................................................................................
107
4.3
Os cenários analisados.....................................................................................
108
5
Resultados preliminares e considerações finais...............................................
110
Referências bibliográficas.........................................................................................
114
Anexo I Fluxograma de seleção dos dados da PNAD, 2008........................................ 116
Anexo II Variáveis consideradas como demais rendimentos, PNAD 2008.................
118
Anexo III Componentes dos rendimentos agregados, cenários 1, 2 e 3, Brasil e setor
agrícola, 2008.............................................................................................................
119
Anexo IV Componentes dos rendimentos médios, cenários 1, 2 e 3, Brasil e setor agrícola,
2008...........................................................................................................................
120
CONCLUSÃO .............................................................................................................
121
ix
LISTA DE FIGURAS
Página
ARTIGO 1
1
Evolução da legislação trabalhista no campo ......................................................
20
2
Direitos previstos na CLT para o trabalhador rural, 1943 ...................................
21
ARTIGO 2
1
Regiões de origem dos trabalhadores sazonais contratados pelos empreiteiros
de São Paulo.........................................................................................................
2
49
Relação entre os agentes participantes do mercado de trabalho agrícola
sazonal na região de Piracicaba ...........................................................................
54
3
Relações contratuais nas empreitadas de corte e transporte de cana ...................
55
4
Fluxo migratório do Leste europeu para a Alemanha..........................................
63
ARTIGO 3
1
Relação básica entre os valores líquidos e brutos dos rendimentos.....................
84
2
Tipos de ocupação, PNAD 2008..........................................................................
98
3
Canários analisados sobre a formalização do empregado, Brasil e setor
agrícola...............................................................................................................
x
109
LISTA DE GRÁFICOS
Página
ARTIGO 1
1
Composição setorial da renda no Brasil, por setor de atividade, 1947 a 2007 ......
2
Média da taxa de salário diário com e sem sustento, principais ocupações,
7
setor agrícola, 1920 ..............................................................................................
10
3
Média dos salários rurais diários, por ocupação, Brasil, 1920.............................
28
4
Média dos salários rurais diários, por ocupação, Brasil, 1991.............................
29
5
Média dos salários rurais diários, por ocupação e por região, 1920 e 1991 ........
31
6
Salários reais pagos no setor agrícola, Brasil, 1966 a 1999.................................
32
7
Salários reais pagos no setor agrícola ao diarista e o salário mínimo, regiões
Sudeste e Nordeste, 1966 a 1999 .........................................................................
34
ARTIGO 2
1
Participação do emprego por setor, Alemanha, 1950 a 2007...............................
59
2
Tamanho das propriedades por estado, Alemanha, 2007.....................................
60
3
Participação do emprego na agricultura, Alemanha, 1950 a 2007.......................
61
4
Emprego na agricultura e a Regra de Canto, 2007 e 2008...................................
75
xi
LISTA DE TABELAS
Página
ARTIGO 1
1
População ocupada na agricultura, 1920 a 1998....................................................
2
Compatibilização das categorias ocupacionais nos Censos Demográficos de
8
1920 e 1991..........................................................................................................
13
3
Relações de trabalho, atividades agrícolas, Brasil, 1900 a 1970 .........................
16
4
Relações de trabalho, diaristas, atividades agrícolas, Brasil, 1900 a 1970 ..........
18
ARTIGO 2
1
Custos fixos e variáveis para o cálculo da tonelada de cana cortada, 2007.........
2
Número de estrangeiros contratados na Alemanha, por programa, 1991 a
1996......................................................................................................................
3
57
66
Permissões de trabalho de acordo com as cláusulas de exceção do ASAV,
2006......................................................................................................................
67
4
Trabalhadores sazonais, por país de origem, 1991 a 2007...................................
68
5
Contratação de trabalhadores sazonais, Brasil e Alemanha, 2010.......................
76
ARTIGO 3
1
Algoritmo de conversão de renda bruta em líquida .............................................
2
Fontes de dados secundários disponíveis sobre o mercado de trabalho no
85
Brasil ....................................................................................................................
88
3
Definições básicas, PNAD 2008..........................................................................
90
4
Ocupações, PNAD 2008 ......................................................................................
91
5
Rendimento de outras fontes, PNAD 2008..........................................................
92
xii
6
Variáveis de controle, PNAD 2008 .....................................................................
93
7
Descrição dos componentes das famílias no SCN ...............................................
95
8
Correspondência da PNAD no SCN ....................................................................
97
9
Contribuição social mensal no Brasil e suas respectivas alíquotas, 2008..........
100
10 Benefício do salário-família por faixa de salário mensal, 2008.........................
100
11 Custos sociais do trabalho no Brasil, 2008 ........................................................
102
12 Checagem da PNAD pelo SCN .........................................................................
107
13 Principais componentes do rendimento, imposto, contribuições sociais e
deduções no sistema tributário no Brasil ...........................................................
110
14 Componentes dos rendimentos brutos, Brasil e setor agrícola, 2008 ................
111
15 Componentes dos rendimentos do trabalho, cenários 1, 2 e 3, Brasil, 2008......
112
16 Componentes dos rendimentos do trabalho, cenários 1, 2 e 3, Brasil e setor
agrícola, 2008.....................................................................................................
xiii
113
INTRODUÇÃO
Esta tese apresenta uma coletânea de três artigos sobre o mercado de trabalho agrícola. Dois
temas foram destaque neste estudo: a informalidade e a intermediação de mão de obra, conhecida
como empreitada. Entende-se por informalidade o não pagamento dos encargos trabalhistas e
contribuições sociais, e por intermediação de mão de obra, o sistema de contratação de
trabalhadores sazonais via intermediário. Esses temas representam duas características
recorrentes no setor agrícola, que, sob alguns aspectos, se relacionam entre si.
O Artigo 1 apresenta uma perspectiva histórica sobre os direitos do trabalhador rural no
Brasil, suas relações de trabalho ao longo do século XX, e seus impactos nos salários recebidos
no campo. Dado que os trabalhadores rurais continuam a engrossar as estatísticas de
informalidade e pobreza, a hipótese adotada foi que os direitos trabalhistas previstos em lei estão
sendo cumpridos de forma insatisfatória, mas que a criação do salário mínimo impactou
positivamente os salários das atividades agrícolas. Para isso, foram estabelecidas três fases da
evolução da legislação trabalhista com base na criação da CLT, do ETR e da Lei no 5.889. A
partir dos Censos Demográficos de 1920 e 1991, dos dados de Remuneração do Trabalho
Agrícola e da metodologia de áreas mínimas comparáveis, desenvolvida pelo IPEADATA,
verificamos que a terceira fase foi a que teve maior impacto nos níveis de salários recebidos pelo
trabalhador rural, mas que esse impacto não foi homogêneo entre as cinco regiões brasileiras. Em
relação à contratação de mão de obra, o destaque é para o Estatuto do Trabalhador Rural, que, já
em 1963, introduziu a equivalência do proprietário com o empreiteiro e o parceiro no que se
refere às reclamações trabalhistas, embora, na prática, essa equivalência não tenha sido
observada. Mesmo assim, o fato do ETR ter incluído o intermediário como um dos três principais
agentes contratantes de mão de obra sazonal já na década de 1960 sinaliza para sua importância
no mercado de trabalho agrícola.
Nesse sentido, o Artigo 2 aprofunda a análise do papel do intermediário, através de dois
estudos realizados entre os anos de 2006 e 2010. O primeiro deles, na região de Piracicaba (SP), e
1
o segundo, na Alemanha. O Artigo mostra que ainda hoje a intermediação de mão de obra na
agricultura é considerada proibida pela legislação trabalhista brasileira. Isso porque a Lei no
6.019, que dispõe sobre as empresas de trabalho temporário, se restringe às áreas urbanas. Pelo
estudo de caso com o corte de cana em Piracicaba, ficou claro que os empreiteiros não são meros
intermediários de mão de obra. Todos os contratos estabelecidos entre empreiteiros e usinas se
baseiam no sistema de empreitada. Mas, como a Justiça do Trabalho não reconhece o
intermediário como empregador, se houver fiscalização, as usinas acabam arcando com todo o
ônus da contratação. Mesmo assim, a capacidade desse intermediário de distribuir os custos fixos
de contratação de mão de obra por vários produtores e de aliviar os produtores das tarefas difíceis
de seleção e de supervisão de mão de obra é que explicam a sua existência (ilegal) na agricultura
brasileira. Na Alemanha, os produtores contam com uma estrutura pública de apoio à contratação
de mão de obra sazonal, que pode ser interpretada até como uma espécie de intermediário. Sem
dúvida, essa estrutura reduz bastante o problema de oferta de mão de obra, e conseqüentemente, a
qualidade do trabalho ofertado. Mas o intermediário, mesmo sob o papel do Estado, ainda não é
condição suficiente para garantir que todos os trabalhadores tenham carteira assinada. Por isso, o
Artigo 3 busca outras alternativas dentro da estrutura tributária vigente para a formalização do
trabalhador rural, com destaque para o sazonal.
Assim, o Artigo 3 replica a estrutura do mercado de trabalho brasileiro a partir dos dados
da PNAD de 2008 (cenário 1), e simula duas alternativas para a inclusão do trabalhador rural no
sistema de seguridade social. O cenário 2 repassa para os empregados todos os custos de
contratação, considerando que os empregadores não querem pagar além do que eles já pagam
pelo serviço de seus empregados. De forma contrária, o cenário 3 mantém o nível de salário dos
empregados, e repassa os custos de formalização para o empregador. Essas simulações foram
feitas para o Brasil e para o setor agrícola através da transformação do rendimento do trabalho
bruto em líquido utilizando o Modelo de Micro-Simulação de Siena (SM2), que já foi utilizado
amplamente pelo EUROSTAT em outros países da Europa. Para o sistema tributário do Brasil,
consideramos os custos sociais do trabalho e as regras para a declaração do Imposto de Renda
(pessoa física). Apesar dos resultados ainda serem preliminares, observamos que tanto para o
Brasil, quanto para o setor agrícola, os rendimentos do trabalho foi o componente mais
significativo no total de rendimentos, seguido do rendimentos de aposentadorias e pensões. Na
comparação dos três cenários para o setor agrícola, verificamos que, no cenário 1, os encargos
2
trabalhistas são bem inferiores à média brasileira. Já no cenário 2, os impostos e as contribuições
sociais do empregado são reduzidas. Contudo, a redução no rendimento líquido é mais acentuada
no Brasil do que no setor agrícola. Na comparação do cenário 1 com o cenário 3, apesar de não
haver diferença no rendimento líquido, o impacto do cenário 3 no custo final da mão de obra é de
5% para o Brasil e 14% para o setor agrícola, o que compromete qualquer política de repasse de
encargos trabalhistas no campo nesse cenário.
Os cenários apresentados no último capítulo representam casos extremos de repasse dos
encargos trabalhistas e contribuições sociais dos empregados e conta própria que se declararam
informais em 2008. Mais do que refletir sobre a participação dos agentes envolvidos (empregado
e empregador), e do papel do governo federal como criador de políticas sociais, a idéia é usar
esses (e principalmente futuros) resultados para assegurar padrões razoáveis de vida da população
rural.
3
Artigo 1
SALÁRIOS E LEGISLAÇÃO TRABALHISTA NO CAMPO:
PERSPECTIVAS HISTÓRICAS
1. Introdução
No início do século XX, o Brasil era predominantemente rural, e sua economia dependia em grande
parte das exportações agrícolas. Nesse momento, o emprego de tecnologia para a produção de
excedente ainda era restrito, o que aumentava a importância da mão de obra nesse processo
produtivo. Se houvesse equilíbrio entre a oferta e a demanda no mercado de trabalho agrícola, talvez
os trabalhadores rurais recebessem melhores salários. No entanto, três grupos distintos disputavam
as vagas então existentes: os brancos, os negros (ex-escravos) e os imigrantes recém chegados no
Brasil. E não havia um piso salarial que servisse de base para as diferentes atividades. Essas
questões, juntamente com a não-qualificação da mão de obra, não são novas, e poderiam servir de
justificativa para os baixos níveis de remuneração no campo no início do século XX. Contudo, quase
cem anos depois, os trabalhadores rurais continuaram a engrossar as estatísticas de pobreza no
Brasil. O presente artigo foi motivada por esta constatação, e tem como objetivo analisar os salários
recebidos nas atividades agrícolas durante esse período a partir da evolução dos direitos trabalhistas
conquistados pelo trabalhador rural. Entende-se que os salários recebidos têm uma relação direta
com a renda do domicílio e, conseqüentemente, com o grau de pobreza. A hipótese adotada no
presente estudo é que os direitos trabalhistas previstos em lei estão sendo cumpridos de forma
insatisfatória, mas que a criação do salário mínimo impactou positivamente os salários dos
trabalhadores rurais. De forma complementar, foi feita uma análise regional desses salários, dando
ênfase a singularidade entre as regiões brasileiras.
No intento de obter uma análise histórica, foram selecionados os Censos Demográficos de
1920 – o primeiro com informações sobre salário por categorias ocupacionais – e o de 1991 – o
último realizado no século XX e que nos fornece um nível desagregado das categorias ocupacionais,
o que facilitou a compatibilização com o primeiro Censo selecionado. Para o período intermediário,
quando são promulgadas as principais leis trabalhistas, foram utilizados os dados de Remuneração
do Trabalho Agrícola, publicado pela Fundação Getúlio Vargas.1 Para os anos posteriores a 1991,
1
Entende-se por promulgação a publicação de uma lei ou de um decreto pelo chefe de Estado (Michaelis, 2009).
4
fez-se uso da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), publicada pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Este artigo possui cinco seções, e se inicia com a presente introdução. Essa introdução
também é acompanhada de uma discussão teórica sobre a importância da análise dos salários rurais
à luz da legislação trabalhista. A seção dois apresenta as fontes de dados e a metodologia empregada
de compatibilização das categorias ocupacionais selecionadas, bem como as fontes de dados
secundárias. A seção três, faz-se uma descrição das diferentes formas de relações de trabalho
existentes no meio rural, e da história dos direitos conquistados pelo trabalhador do campo ao longo
do século XX. A análise da evolução do salário rural e o impacto da legislação trabalhista nos seus
níveis encontram-se na seção quatro. Finalmente, a seção cinco apresenta as principais conclusões
do artigo.
1.1. Por que analisar os salários rurais?
A análise dos salários recebidos nos diferentes setores da economia é fundamental para entender não
apenas o processo de acumulação de capital, mas também as variações que se produzem na
distribuição de renda de um determinado país. No caso das atividades agrícolas, esse indicador é
ainda mais relevante. Primeiro, por ser até hoje o setor que mais emprega mão de obra nãoqualificada. Segundo, por ser o setor que possui os rendimentos mais próximos do nível mínimo
estabelecido pelo governo (salário mínimo). E terceiro, por ser o setor que mais emprega mão de
obra informal. A combinação dessas três características faz com que o campo ainda esteja associado
aos índices mais baixos de pobreza no Brasil.
A literatura brasileira, ao abordar os salários recebidos, tem se preocupado principalmente
com os indicadores que os determinam – como em Saylor (1974), Gasques (1975 e 1981), Cunha &
Maia (1984) e Staduto (2002) – e com a dinâmica do mercado de trabalho – como em Bacha (1979),
Gasques (1980), Rezende (1985), Sabóia (1985) e Rezende & Kreter (2007). Entre os fatores
determinantes dos salários rurais, encontram-se não apenas a promulgação da Consolidação das Leis
do Trabalho (CLT), mas também o que é considerado como salário não-monetário, ou seja, a
concessão de moradia, alimentação, etc. Esses benefícios aparecem de forma bastante recorrente,
por exemplo, nos diferentes levantamentos feitos pelo Ministerio da Agricultura, Industria e
Commercio em 1911, através da distinção do salário a seco, ou com comida.
Os benefícios concedidos aos trabalhadores rurais nas primeiras décadas podem ser
interpretados como resquícios de relações de trabalho adotadas em períodos anteriores, quando o
empregado (escravo ou livre) também residia na propriedade onde trabalhava (Freyre, 2006). Por
5
isso, o termo benefício aparece neste trabalho sempre entre aspas quando referido ao período
anterior à criação da CLT. E é por isso também que as diferentes formas de pagamento no campo
(monetárias e não-monetárias) foram contempladas neste artigo.
Além dessas duas perspectivas, os salários recebidos têm sido utilizados de forma
complementar para a análise do êxodo rural inter-regional, do movimento sindical e do movimento
populista – Harding (1973), Weffort (1980), Oliveira (2002), Mattos (2004), Paulo (2004) e Corrêa
(2007). Segundo Martine & Arias (1987), cerca de 30 milhões de pessoas sairam do campo entre
1960 e 1980.
Vale lembrar que, apesar da CLT ter sido promulgada em 1943, sua extensão ao campo não
foi observada de forma clara nos anos subseqüentes, nem mesmo após a criação do Estatuto do
Trabalhador Rural (ETR), em 1963. Mesmo assim, a possibilidade de incremento nos salários
recebidos a partir da criação do salário mínimo como piso estimulou um intenso debate na academia
durante a década de 1970.
Na literatura mais recente, o setor agrícola não tem tido a mesma atenção, talvez porque esse
setor, ao longo dos anos, tenha perdido sua importância na composição da renda nacional, ou talvez
porque muitos pesquisadores consideram que a extensão da legislação trabalhista ao campo tenha
solucionado os problemas vivenciados pelos trabalhadores nas áreas rurais.2 Para o primeiro
argumento, o Gráfico 1 ilustra a mudança na composição setorial da renda nos últimos sessenta
anos. Note que, na década de 1950, a participação da agropecuária e a da indústria eram muito
semelhantes. No final da década de 1990, a participação da agropecuária na renda já estava em torno
de 7%, enquanto que a indústria participava com 31%, e o setor serviços, com 52%. Em 2007, esses
percentuais passaram a ser 6%, 28% e 66%, respectivamente.
2
Para o aprofundamento dessa abordagem, consultar Silva (1997) e Balsadi (2007).
6
Gráfico 1
Composição setorial da renda no Brasil, por setor de atividade, 1947 a 2007
90
80
70
60
%
50
40
30
20
10
0
1947
1950
1953
1956
1959
1962
1965
1968
1971
1974
1977
1980
Fonte: Ipeadata. Elaboração: Própria.
1983
1986
1989
1992
Agropecuária
1995
1998
2001
Indústria
2004
2007
Serviços
Apesar da redução de importância do setor agropecuário na composição da renda nacional, a
população economicamente ativa (PEA) agrícola ainda responde por cerca de 24% do total da PEA
nacional. Note, pela Tabela 1, que mesmo com a redução da população ocupada, a agricultura ainda
empregava quase 14 milhões de pessoas em 1998. A Tabela 1 também sinaliza para uma
acomodação no número de pessoas ocupadas nesse setor.
7
Tabela 1
População ocupada na agricultura, 1920 a 1998
Pessoal Ocupado (mil
Variação a.a. (%)
pessoas)
1920
6.312
----1940
11.343
79,71
Censo
1950
10.997
-3,05
Agropecuário
1960
15.634
42,17
1970
17.582
12,46
1975
20.346
15,72
1980
21.164
4,02
1985
23.395
10,54
1995
17.931
-23,36
PNAD
1996
13.905
-22,45
1997
13.679
-1,63
1998
13.758
0,58
Fonte: IBGE - Estatísticas Históricas do Brasil - Séries Estatísticas Retrospectivas, v.3,
Séries Econômicas, Demográficas e Sociais, 1950 a 1985 e Censo Agropecuário de 1985 e
1995/1996 e IBGE - Diretoria de Pesquisas - Departamento de Contas Nacionais.
Ano
A queda significativa do número de empregos na agricultura a patir da década de 1990
coincide com o processo mais recente de modernização da agropecuária brasileira. Vários estudos
como Ávila & Evenson (1995), Gasques & Conceição (1997), Dias & Bacha (1998), Conceição
(1998) e Rezende (2006) analisaram essa modernização como resultado de um consistente aumento
da produtividade total dos fatores.3 Deve-se considerar, contudo, que o aumento da produção e da
produtividade de maneira diferenciada entre as regiões e estados no Brasil pode ter influenciado os
níveis dos salários rurais vigentes, assim como as políticas fundiária e creditícia, o custo de vida, a
sindicalização dos trabalhadores, etc. Apesar da importância desses aspectos, o presente artigo
abordou apenas dois deles: a efetividade das instituições jurídicas e a diversidade das relações de
trabalho.
3
Entendem-se como fatores de produção na agricultura os recursos naturais (terra), o trabalho (mão de obra) e o capital.
Segundo Rezende & Kreter (2007), a agropecuária, mais do que os demais setores, é caracterizada pela maior
flexibilidade na escolha de tecnologia. Essa diversidade deu lugar ao conhecido modelo de inovação tecnológica, de
Hayami e Ruttan, onde, através dos casos americano e japonês, os autores mostram que as escolhas tecnológicas são
variadas porque os preços desses fatores de produção também variam. Nos Estados Unidos, há abundância de terra e
falta mão de obra. Já no Japão, a terra é que é o fator de produção escasso (Hayami & Ruttan, 1985). Vale lembrar que a
tecnologia empregada na agropecuária pode ser analisada não apenas de forma temporal (histórica), mas também entre
regiões e entre culturas. Normalmente as culturas voltadas para o mercado internacional costumam ser beneficiadas
pelas políticas governamentais e, conseqüentemente, tendem a empregar mais tecnologia.
8
2. As Fontes de Dados e a Metodologia
O presente trabalho utilizou como fonte de dados principal os Censos Demográficos de 1920 e 1991.
Para tanto, adotamos dois critérios básicos de adequação da metodologia desses Censos. Esses
critérios foram desenvolvidos pelo Ipeadata, e se baseam:
Na compatibilização dos municípios e das ocupações: dado que o número de municípios
instalados em ambos os Censos é diferente, a comparabilidade foi feita através da
identificação das mudanças na divisão territorial. Isto permitiu o seguimento e o
monitoramento dos municípios instalados oficialmente no Censo de 1920, e sua
correspondência no Censo de 1991. Ex.: a área territorial de Resende e Itatiaia, no Censo de
1991 correspondia a Resende em 1920. O mesmo critério de compatibilização foi aplicado
para as categorias ocupacionais; e
Na agregação dos salários por categoria ocupacional e por regiões geográficas: depois de
ter gerado a base de dados comparável, as informações foram processadas em grandes
agregados, possibilitando a elaboração de análises regionais. Os valores apresentados por
categoria ocupacional e por grandes regiões permitem uma melhor visualização e
compreensão das mudanças ocorridas no setor agrícola ao longo do século XX.
O termo salário no presente artigo se refere às taxas de salários diários das ocupações rurais,
ou seja, “o salário-base pago a força de trabalho não-qualificada no núcleo realmente capitalista de
uma economia” (Sabóia, 1985).
2.1. Descrição dos dados do Censo Demográfico de 1920
O Censo Demográfico de 1920 – o qual abrangeu os Censos de População, Agricultura e Indústria –
registrou em 1˚ de setembro um total de 1.329 municípios instalados legalmente. Entre as profissões
apresentadas no Censo, selecionamos:
- Arador
- Derribador de Madeira
- Carpinteiro
- Ferreiro
- Carroceiro
- Lenhador
- Oleiro
- Vaqueiro
- Trabalhador de Enxada
- Ordenhador
9
Dentro do universo de municípios instalados, 748 possuíam algum tipo de informação para
os trabalhadores diaristas no setor rural.4 E, para esses municípios, foram coletadas informações
sobre os salários diários com e sem sustento por categorias ocupacionais. Embora o Censo de 1920
não seja muito claro ao definir esses dois conceitos, estamos supondo que, além da remuneração em
dinheiro, o trabalhador que recebia o salário sem sustento recebia também outros benefícios – como,
por exemplo, moradia – que não foram incluídos no salário com sustento. Isso pode ser comprovado
pelo próprio número de observações. O número de trabalhadores que se auto-declararam sem
sustento foi maior, e o valor da média do rendimento também foi 29% maior se comparado com o
salário diário com sustento (ver Gráfico 2).
Portanto, como não temos uma definição exata de ambos os conceitos, vamos considerar o
salário sem sustento como sendo o total dos rendimentos recebidos pelo trabalhador diarista, sendo
em dinheiro ou em espécie. Desse ponto em diante, ao mencionarmos o salário do Censo
Demográfico de 1920, estaremos nos referindo ao salário diário sem sustento.
2.2. Correspondência dos municípios
Sendo o objetivo deste artigo analisar historicamente o comportamento dos salários recebidos nas
atividades agrícolas, o passo seguinte foi compatibilizar os municípios dos Censos Demográficos de
4
Cabe mencionar que, entre os valores coletados, não conseguimos diferenciar valores zeros dos valores missing
(valores perdidos ou ausência de informação fornecidos pelo programa SAS). Por isso, optamos por trabalhar
unicamente com os municípios que tem declarado valores positivos nos rendimentos em pelo menos uma categoria
ocupacional.
10
1920 e de 1991. Em primeiro lugar, foram identificados os municípios de 1991 no Censo
Demográfico de 1970. Em seguida, vinculou-os com os municípios do Censo de 1940 até
chegarmos à correspondência dos municípios de 1940 com os declarados no Censo Demográfico de
1920. Essa compatibilização foi criada pelo Ipeadata e faz parte do projeto de geração de áreas
mínimas comparáveis (AMCs). Após a criação das AMCs com base no Censo de 1920, foram feitas
novas agregações para compor as atuais regiões brasileiras.5
2.3. Descrição dos dados do Censo Demográfico de 1991
Para a obtenção do salário diário por ocupação, utilizamos os microdados da amostra do Censo
Demográfico de 1991. O universo de análise se restringiu aos trabalhadores que se declararam
ocupados no período de referência da pesquisa. Para gerar uma base compatível com o Censo
Demográfico de 1920, foi necessário filtrar, na amostra dos microdados do Censo de 1991, as
pessoas ocupadas. São consideradas ocupadas aquelas pessoas que declararam ter trabalhado de
maneira habitual ou eventualmente durante os últimos 12 meses anteriores à data do Censo.6
Outro aspecto fundamental na base do Censo Demográfico de 1991 foi a construção do valor
total das remunerações salariais dos ocupados. Para a construção da renda dos indivíduos, no caso
de 1991, foram agregados três tipos de rendas:
Renda por trabalho: valores brutos da ocupação principal e valores brutos das outras
atividades;
Renda por transferências: rendimentos brutos de aposentadoria ou pensão; e
Outras rendas: rendimentos brutos de outros rendimentos.7
Os valores de rendimentos para os ocupados são declarados mensalmente, de tal forma que
os valores foram divididos por trinta para se tornarem comparáveis com o Censo de 1920, que
coletou informações sobre os salários diários.
2.4. Correspondência das categorias ocupacionais
Para compatibilizar as categorias ocupacionais de 1920 e 1991, foram utilizados apenas os
municípios identificados em ambos os Censos Demográficos e que possuíam correspondência.
Como foi dito anteriormente, a partir das agregações municipais é que foram gerados os dados por
5
Para maiores informações, consultar http://www.ipeadata.gov.br.
Para este filtro foi utilizada a variável V0345.
7
As variáveis utilizadas para este filtro foram: V0356 para os valores brutos da ocupação principal; V0357 para os
valores brutos das outras atividades; V0360 para os rendimentos brutos de aposentadoria ou pensão; e V0361 para os
rendimentos brutos de outros rendimentos.
6
11
região. Entretanto, mesmo obtendo a equivalência dos salários diários dos trabalhadores no setor
agrícola e das regiões, ainda seria necessária a seleção das ocupações (mencionadas no item 2.1).
A compatibilização dessas ocupações foi feita através do universo de ocupados na área
rural.8 Ao compatibilizar as estruturas ocupacionais do Censo Demográfico de 1991 com respeito ao
Censo de 1920 obtivemos três grandes grupos de compatibilização:
Plena concordância: nesse caso, a categoria ocupacional apresentada no Censo Demográfico
de 1920 foi descrita de igual maneira em 1991, o que é o caso das seguintes ocupações:
carpinteiro, ferreiro, lenhador, oleiro e pedreiro;
Reagrupação: aqui, duas ou mais categorias ocupacionais de 1920 se encontram juntas no
Censo de 1991. Esse é o caso dos carroceiros e tropeiros que no Censo de 1920 apareceram
com informações salariais independentes, mas que em 1991 possuíram o mesmo código de
atividade. Outro exemplo de nossa base se refere às três categorias ocupacionais: arador,
roçador de mato e trabalhador de enxada, que no Censo de 1991 se encontraram agrupadas
na categoria trabalhador braçal; e
Código mais atividade: a terceira e última forma de compatibilizar as categorias
ocupacionais selecionadas foi misturar o código de ocupação com o código de atividade –
ambas variáveis presentes no Censo de 1991 – e dessa forma obter uma aproximação da
categoria ocupacional apresentada no Censo de 1920.9
Por exemplo, para obter a categoria ocupacional de derribador de madeira presente no Censo de
1920, foi necessário considerar a categoria ocupacional de serrador, mais o código de atividade de
extração de madeira, dessa maneira obtivemos uma aproximação da categoria ocupacional em 1920
(Tabela 2).
8
9
Variável V0346, também chamada de código da ocupação.
Variável V0347.
12
Tabela 2
Compatibilização das categorias ocupacionais nos Censos Demográficos de 1920 e 1991
Categoria Ocupacional
1920
1991*
Carpinteiro
Carpinteiro
Ferreiro
Ferreiro
Lenhador
Lenhador
Oleiro
Oleiro
Pedreiro
Pedreiro
Carroceiros
Carroceiros, Tropeiros
Tropeiros
Arador
Rocador
Trabalhador Bracal
Trabalhador da Enxada
Derribador de Madera
Serrador
Tripeiros, Peixeiros e
Ordenhador
Leiteiros
Vaqueiro
Atividade Ocupacional
1991*
Posição na Ocupação
1991*
Extração de Madeira
Criador de Gado Bovino
Pecuária
Trab. Agr. Volante / Trab.
Dom. Empregado
Fonte: IBGE - Censos Demográficos de 1920 e 1991.
* Para 1991 as ocupações se referem unicamente a área rural.
Existe um caso na nossa base onde, além do código da ocupação e de atividade, foi
necessário controlar nossa variável pela posição na ocupação.10 Esse foi o caso dos vaqueiros, onde,
para ter certeza que nos referíamos aos assalariados desta ocupação, levamos em consideração
também o tipo de trabalho (trabalhadores agrícolas volantes ou trabalhadores domésticos
empregados). A Tabela 2 mostra as variáveis utilizadas no Censo Demográfico de 1991 para obter
de forma comparável as categorias ocupacionais pertencentes ao Censo de 1920.
2.5. Outras fontes de dados
Como foi apresentado na Introdução, utilizamos outras duas fontes de dados para complementar a
análise dos salários rurais. São elas:
a Remuneração do Trabalho Agrícola, publicado semestralmente pela Fundação Getúlio
Vargas de 1966 a 2006; e
a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), publicada anualmente pelo IBGE a
partir de 1967.
Para essas duas fontes, foram utilizadas apenas as categorias ocupacionais agregadas – mão de obra
eventual (sazonal) e mão de obra permanente.
10
Variável V0349.
13
3. Legislação Trabalhista e Relações de Trabalho
O conjunto de leis, conhecido como direitos trabalhistas, é relativamente recente. Eles representam
conquistas adquiridas ao longo do século XX, mas que em grande parte se desenvolveram a margem
das atividades agrícolas. Esta seção tem como objetivo analisar as relações de trabalho existentes no
meio rural, e suas singularidades quando comparadas às cidades (3.1). Esta seção apresenta ainda
um histórico da legislação trabalhista, dando ênfase às leis que regularam e que ainda regulam o
campo (3.2).
3.1. As relações de trabalho nas atividades agrícolas
Nove horas da noite o silêncio enchia tudo e a gente se estirava nas
tábuas que serviam de cama e dormíamos um sono só, sem sonho e sem
esperanças. Sabíamos que no outro dia continuaríamos a colher cacau
para ganhar três mil e quinhentos que a despensa nos levaria.
(p. 47, Cacau, 1933, Jorge Amado)
Jorge Amado ao descrever a produção de cacau na década de trinta estava retratando uma realidade
que não fazia parte somente dos campos baianos. Até 1970, boa parte dos trabalhadores rurais
passava toda a sua vida em uma única propriedade, normalmente onde nasciam. Dos seus pais eles
herdavam as condições de moradia e a dependência em relação à providência de alimentos que não
os produzidos por eles – o que é conhecido hoje em dia como dívida de carteirinha. Esse ciclo de
renovação de mão de obra se perpetuava dentro das famílias e era fomentado por uma espécie de
pacto informal com o proprietário da fazenda.
Box 1
O que são e quando surgiram as chamadas dívidas de carteirinha?
As dívidas de carteirinha são conhecidas assim nas áreas rurais do Brasil por serem comumente dívidas
anotadas em pequenos cadernos, em formato de cadernetas. Segundo a Organização Internacional do
Trabalho (OIT), as dívidas de carteirinha representam uma das formas de servidão por dívida, que foi
definida pela Convenção sobre Escravidão assinada em Genebra, em 25 de setembro de 1926, como sendo “o
estado ou a condição resultante do fato de que um devedor se haja comprometido a fornecer, em garantia de
uma dívida, seus serviços pessoais ou os de alguém sobre o qual tenha autoridade, se o valor desses serviços
14
não for eqüitativamente avaliado no ato da liquidação da dívida ou se a duração desses serviços não for
limitada nem sua natureza definida”.
No setor agropecuário brasileiro, essa modalidade de dívida surgiu juntamente com o assalariamento
da mão de obra, já que no campo, mais do que nas cidades, boa parte do pagamento era feito em espécie. A
utilização de mercadorias como pagamento era a forma mais fácil que o produtor tinha para remunerar seus
empregados. Esses produtos poderiam ser vendidos no mercado local mais próximo ou trocados em outras
propriedades rurais. Ocorre que nem tudo que era consumido pelas famílias dos trabalhadores era produzido
nas regiões próximas. Como alternativa as mercadorias consumidas pelas famílias passaram a ser adquiridas
na cidade ou vila mais próxima pelos produtores (patrões) e a serem oferecidas em suas propriedades a um
determinado preço. Os armazéns – como eram conhecidos os estabelecimentos que estocavam os produtos
nas fazendas – eram locais de compra a crédito, onde os trabalhadores adquiriam mercadorias para si e para
as suas famílias. Eles também recebiam adiantamentos em dinheiro. O acerto do débito era feito entre o
trabalhador e o patrão no final do mês, ou por ocasião do recebimento do salário. De forma alternativa, foi
criado o pagamento em vale, que ampliava, mesmo que de maneira precária, as opções de compra. Nesse
caso, o trabalhador poderia adquirir mercadorias no armazém próprio do produtor ou em outros, onde o
produtor mantivesse conta aberta para compras a crédito. Note que algumas circunstâncias contribuíram para
que esse crédito se transformasse em dívida, dentre elas: a falta de mobilidade por parte do trabalhador para
buscar alternativas de consumo, a falta de conhecimento também por parte do trabalhador sobre o preço de
mercado do produto adquirido e a não obrigatoriedade de pagamento do salário em dinheiro. O governo
federal tentou solucionar a terceira delas através da CLT, que estabeleceu que 30% do valor do salário
deveria ser pago em dinheiro. Entretanto, mesmo hoje, que há obrigatoriedade do pagamento integral do
salário em dinheiro, a falta de mobilidade e o desconhecimento dos preços de mercado permanecem.
A Tabela 3 destaca as principais relações de trabalho existentes nas atividades agrícolas até a
década de 1970. Apesar das categorias apresentadas serem as mais relevantes, a nomenclatura
utilizada na Tabela 3 se baseou nas denominações comumente usadas no meio para caracterizar ou
classificar o status do trabalhador rural nos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro. Essas mesmas
categorias podem ser encontradas em outros estados com nomes distintos.
15
Tabela 3
Relações de trabalho, atividades agrícolas, Brasil, 1900 a 1970
Categoria
Principais Características
Trabalhadores
Proprietários Rurais
Eram os trabalhadores que executavam a Não há contrato.
maior parte de suas atividades em
estabelecimento próprio, seja sozinho, seja
com a ajuda da família.
O que era produzido, era apropriado pelo
trabalhador proprietário e pela família - em
espécie, quando consumido diretamente,
ou em dinheiro, quando o produto fosse
vendido no mercado.
Colonos
Eram os trabalhadores que residiam na
propriedade rural e que executavam tarefas
no período de safra nas culturas do café e
da cana-de-açúcar, na época de colheita ou
fora dela. Em algumas regiões, o
empreiteiro também era conhecido como
colono.
Por escrito, com os seguintes elementos:
nome da propriedade e sua localização,
nome das partes contratantes, valores dos
pagamentos, processo a ser adotado na
exploração do produto, preferência na
aquisição das safras de cereais dos
colonos, comportamento, penalidades,
número de pés ou área a ser tratada sob sua
responsabilidade e vigência do contrato.
Esse contrato era assinado pelo
proprietário, pelo colono e por duas
testemunhas.
Em dinheiro e em espécie. A remuneração
era fixa e estipulada por mil pés tratados
ou por sacas de café em côco colhida, no
caso dos cafeeiros, e por hectare de cultura
e tonelada de cana, na cana-de-açúcar. O
pagamento era estipulado no início da
safra para vigorar durante uma safra
completa. O colono não podia pleitear
reajuste.
Empreiteiros
Eram os trabalhadores contratados para a
execução de um serviço por empreitada, ou
seja, executavam uma tarefa mediante o
recebimento de uma quantidade
previamente estabelecida.
Os contratos por escrito eram praticamente
inexistentes. Eles eram feito na maior parte
das vezes por combinações verbais entre as
partes ("contratos de boca").
Normalmente o pagamento era feito por
uma quantia fixa em dinheiro, mas era
comum em certas lavouras o recebimento
da colheita total ou parcial das primeiras
safras da cultura em formação.
Parceiros
Eram todos os agricultores que pagavam
aluguel pelo uso da terra - onde faziam
suas explorações agrícolas ou possuíam
animais.
O valor do aluguel era previamente
O pagamento do parceiro ao proprietário
combinado entre agricultor e proprietário. era feito através de um percentual da
Entretanto, na maior parte das vezes, eram produção em troca do uso da terra.
contratos verbais ("contratos de boca").
Arrendatários
Assim como os parceiros, eram todos os
agricultores que pagavam aluguel pelo uso
da terra - onde faziam suas explorações
agrícolas ou possuíam animais.
Assim como os parceiros, o valor do
aluguel era previamente combinado entre
agricultor e proprietário. Entretanto, na
maior parte das vezes, eram contratos
verbais ("contratos de boca").
A forma de pagamento pelo uso da terra
era a única característica que distinguia
um arrendatário de um parceiro. No caso
do arrendatário, o pagamento era feito
através de uma quantidade fixa de dinheiro
ou de produto.
Mensalista
Eram os trabalhadores que prestavam
serviço com base em uma remuneração
mensal.
Não foi especificado.
Em dinheiro. Raramente era feito o
pagamento em espécie, a não ser o
oferecimento de moradia dentro da
propriedade e a lenha para o combustível.
Diarista
Eram os trabalhadores que prestavam
serviço com base em uma remuneração
diária.
Fonte: Ettori (1955). Elaboração: Própria.
Tipo de Contrato
Pagamento
Todas as variações de contrato referentes aos diaristas encontram-se
no Quadro 2.
A primeira categoria apresentada é a de trabalhadores proprietários rurais. De acordo com o
levantamento feito em 1955 pela Secretaria da Agricultura do estado de São Paulo, 84% desses
trabalhadores possuíam terras com área de até 99 hectares. Esse número decresce à medida que a
área aumenta. Isso porque, a produção em propriedades maiores necessitava de contratação de mão
de obra assalariada, e gerava renda independente do trabalho físico do proprietário. Essa renda, por
sua vez, variava de acordo com o tipo de mão de obra empregada e a tecnologia adotada para a
produção. Entretanto, a constatação mais relevante apresentada pela Secretaria de Agricultura foi
verificar que as propriedades paulistas com área de 10 a 99 hectares também contratavam um
16
número expressivo de assalariados em 1955. Segundo a Instituição, diversas razões podem ter
contribuído para isso, dentre elas: a) a relativa facilidade de se obter mão de obra assalariada no
estado, bem como parceiros e arrendatários; b) a baixa remuneração em vigor na região; c) o baixo
emprego de tecnologias intensivas em capital; d) a precária legislação trabalhista e tributária; e e) a
pequena oportunidade de emprego nos centros urbanos. Note que um dos entraves enfrentados pelos
proprietários era a falta de liquidez. Nesse momento o sistema bancário era incompatível com as
necessidades creditícias da agricultura, e a renda monetária proveniente da comercialização dos seus
produtos era escassa e incerta, o que limitava o uso de energia – animal ou motorizada – e o
emprego de novas tecnologias.
Os colonos representam a segunda categoria apresentada na Tabela 3, e a única, dentre as
analisadas, que aparece com recorrência de contratos por escrito. Embora o termo colono seja
comumente referido ao imigrante europeu do final do século XIX e início do século XX,
denominamos colono, ou meeiro, todo trabalhador residente na propriedade rural que executava
tarefas no período de safra nas culturas do café e da cana-de-açúcar. Além dos dispositivos
apresentados na Tabela 3, para o estado de São Paulo, os contratos incluíam ainda direitos e deveres
sociais, sendo entendido como social, a cobrança de taxas para o clube de futebol, cinema,
cerimônias religiosas e outras recreações. A inclusão desses direitos e deveres sociais deve ser
interpretada com uma certa ressalva, porque não encontramos qualquer evidência no estado de São
Paulo que apresentasse o número de contratos que previam na prática essas cláusulas. Apesar dos
colonos serem também conhecidos em algumas regiões como empreiteiros, a denominação
empreiteiro na Tabela 3 se refere ao prestador de serviço por empreitada.
Os diaristas e os mensalistas eram prestadores de serviços e podiam ser contratados tanto
pelos arrendatários e parceiros, quanto pelos proprietários rurais de grandes explorações agrícolas,
ou que operavam no sistema intensivo em mão de obra. Em algumas regiões, esses trabalhadores
também eram conhecidos como camaradas11. Os mensalistas possuíam denominações próprias
derivadas
da
função
que
exerciam dentro
da
propriedade:
mensalistas
categorizados
(administradores e fiscais), mensalistas especializados (tratoristas e motoristas) e mensalistas
comuns (carroceiros, retireiros, peões e foiceiros). Contudo, de todas as categorias apresentadas na
Tabela 3, os diaristas representavam o maior grupo de assalariados, e o que possuía a maior
diversidade nas relações de trabalho. A Tabela 4 sintetiza as singularidades de cada subcategoria de
diarista.
11
Camarada é o indivíduo empregado no serviço de campo ou das fazendas (Michaelis, 2009).
17
Tabela 4
Relações de trabalho, diaristas, atividades agrícolas, Brasil, 1900 a 1970
Subcategoria
Principais Características
Com Comida
Eram os menos representativos e costumavam ser organizados em turmas para a execução de serviços
especiais como, por exemplo, no desbravamento de terras ou na formação de agricultura em zonas novas.
A Seco
Eram os mais comuns nas atividades agrícolas e, ao contrário dos diaristas "com comida", costumavam
ser contratados avulso.
Eram os trabalhadores que residiam nas propriedades e desempenhavam trabalhos variados ou
específicos durante o ano todo.
Eram os trabalhadores que residiam nas propriedades, e que possuíam, geralmente, outra função regular,
tal como colono de café ou parceiro agrícola, mas prestavam, em ocasiões de necessidade, certos dias de
trabalho como diarista.
Eram os trabalhadores que residiam fora da propriedade rural, principalmente na zona urbana, e que se
deslocavam para o estabelecimento para prestar serviços em determinadas épocas do ano.
Permanente
Temporário
Volante
Agregado
Eram os trabalhadores que residiam na propriedade e que só prestavam serviço e recebiam o pagamento
quando eram solicitados, pois não se acham obrigados a trabalhar diariamente. Eles ficavam à disposição
do estabelecimento, em qualquer emergência e sem recebimentos.
Fonte: Ettori (1955). Elaboração: Própria.
Segundo Ettori (1955), a contratação de todas as modalidades de diaristas era feita
diretamente pelo produtor rural, a exceção dos volantes, que também eram contratados por um
encarregado da turma, conhecido já nessa época como gato. O volante é a única subcategoria que
aparece com pagamento exclusivamente em dinheiro, e com valor superior ao dos camaradas
residentes nas propriedades rurais. Eles poderiam ser contratados tanto por diárias quanto por
tarefas.
É importante lembrar que as categorias da Tabela 3 e as subcategorias da Tabela 4 aqui
apresentadas também poderiam ser combinadas entre si. Por exemplo, o parceiro ou o arrendatário,
em períodos de safra, se tornava diarista por um curto período para o dono da terra que eles
alugavam. O volante, se levasse a refeição para o trabalho, também era chamado de diarista com
comida. E assim por diante.
Além dos tipos de contrato de mão de obra, até a década de 1970 os valores das diárias e dos
salários pagos aos trabalhadores eram bastante variáveis, tanto dentro quanto fora das propriedades.
Tomemos como exemplo o colono da lavoura de café. Parte do seu pagamento era feita em espécie,
e parte em dinheiro. Entende-se como espécie todos os bens recebidos pelo colono e seus familiares
para consumo. Havia variação na quantidade, na qualidade e na composição dessa cesta de bens,
mesmo em regiões próximas. Os produtos que apareciam com mais freqüência eram: café
beneficiado, arroz, milho e lenha para combustível. O colono podia receber ainda terra para plantar
18
seus cereais (isolada ou intercalada)12, pasto para seus animais e residência. As propriedades com
áreas menores forneciam os cereais ao invés de terras para o seu cultivo.
O pagamento dos colonos em dinheiro tinha uma parte fixa e outra variável. No caso da
lavoura de café, o valor recebido era fixado por mil pés de café por ano, proporcional ao tamanho
das famílias, que, no interior de São Paulo, tinha uma média de quatro a cinco pessoas. O colono era
responsável por três carpas anuais no cafezal, além da arrumação e da esparramação dos grãos. O
pagamento variável poderia ser por outros serviços no cafezal – como adubação e combate às pragas
–, pela participação na colheita – recebendo proporcionalmente à quantidade colhida na safra – e por
outros serviços dentro da propriedade – como roça de pasto, carpa de lavouras e concerto de cercas.
Entretanto, o colono não dispunha de muitos dias ao longo do ano para tarefas que não as acordadas
no contrato. Por isso, outras categorias de assalariados eram contratadas para complementar todas as
etapas da produção agrícola.
Como podemos verificar, as relações de trabalho nas zonas rurais brasileiras até 1970 eram
as mais diversas possíveis. Pela tradição colonial, havia uma ampla flexibilidade regional, baseada
nos usos e costumes locais. Entretanto, essa flexibilidade estava longe de ser uma negociação justa
entre empregado e empregador. Pelo contrário. O sistema de contratos era flexível ao comportar e
criar diferentes categorias de emprego e modalidades de pagamento, na maioria das vezes impostas
pelo empregador. Mesmo assim, o trabalhador compactuava com o patrão um acordo de
dependência mútua, onde ele o ajudava nos momentos de crise agrícola (quebra de safra, baixa dos
preços, etc.), e era ajudado quando sua família precisava, o que costumava ocorrer em casos como o
de falecimento e o de doença.13 Ainda hoje percebemos uma linha muito tênue entre o espaço
privado e o local de trabalho nas zonas rurais do Brasil, onde o patrão, além de empregador, tem
uma função social fundamental de assistência à família do empregado. Daí a maior dificuldade de
distinguir os direitos e deveres de cada parte.
3.2. Histórico da legislação trabalhista no campo
A história dos direitos dos trabalhadores rurais se confunde ainda hoje com o que está previsto na
legislação e o que de fato é cumprido. No campo, isso ocorre principalmente pela falta de
conhecimento por parte do empregado – seja pela baixa escolaridade, seja pela dificuldade de acesso
12
Entende-se como terra intercalada a área de terra limitada pelas ruas de café, e por terra isolada, a área de terra
solteira, que poderia ser bruta ou preparada. Em todas elas, o mais comum era a utilização para o plantio de arroz, feijão
e milho.
13
O termo proprietário está sendo usado somente quando a propriedade do estabelecimento rural é condição necessária.
Nos demais casos, quando estão sendo analisadas apenas as relações de trabalho, usamos os termos empregador, patrão
ou produtor com a mesma finalidade.
19
à informação – e pelo desinteresse por parte do produtor em regularizar os contratos de trabalho em
sua propriedade. Mas é interessante observar que a própria academia não costuma considerar a
existência de uma legislação trabalhista que incluía o trabalhador rural antes de 1963. Nossa análise
começa com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), criada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de
maio de 1943, e com algumas leis e decretos especiais que poderiam ser aplicáveis aos contratos de
trabalho em atividades agrícolas. A Figura 1 apresenta as diferentes fases dos direitos trabalhistas
referente ao trabalhador rural.
Figura 1
Evolução da legislação trabalhista no campo
1ª Fase
1943
2ª Fase
1963
3ª Fase
1973
1999
Elaboração: Própria.
3.2.1. 1ª fase: A criação da CLT
Até 1963 não havia uma legislação específica para os trabalhadores rurais, mas a CLT tinha alguns
títulos e capítulos que eram explicitamente aplicáveis à eles. Isso serviu de base para o início de um
processo de inclusão do trabalhador rural e para as discussões que viriam posteriormente sobre
condições de trabalho, equipamentos de segurança, sistema previdenciário, etc. Em termos de
cumprimento, os resultados foram inexpressivos para todas as regiões do Brasil. Entretanto, existe
um dado curioso: a Secretaria de Agricultura do estado de São Paulo observou, já na década de
1950, certa recorrência nos tribunais competentes de desavenças entre diaristas e mensalistas contra
produtores, e de parceiros e empreiteiros contra proprietários. A reclamação mais comum era a
solicitação de direito a férias e repouso semanal remunerado, gozado com freqüência nos domingos.
De forma secundária, a Secretaria verificou as seguintes reivindicações: aviso prévio, contrato
individual de trabalho, remuneração (mesmo que parcial) em dinheiro, salário mínimo, indenização
por dispensa e estabilidade. As seis reivindicações que estavam previstas em lei serão analisadas
separadamente, de acordo com a Figura 2. Mas, antes de iniciar essa análise, é fundamental definir o
grupo que estava sendo considerado como trabalhador rural. De acordo com o artigo 7º da CLT,
trabalhadores rurais eram todos “aqueles que, exercendo as funções diretamente ligadas à agricultura
e à pecuária, não (eram) empregados em atividades que, pelos métodos de execução dos respectivos
trabalhos ou pela finalidade de suas operações, se (classificassem) como industriais ou comerciais”.
20
A inclusão dos colonos nessa categoria não era clara, e variava conforme o entendimento dos
tribunais locais. As jurisprudências encontradas no estado de São Paulo, por exemplo, apresentavam
controvérsias.
Figura 2
Direitos previstos na CLT para o trabalhador rural, 1943
Férias
Aviso Prévio
Contrato Individual de Trabalho
Repouso Semanal Remunerado
Remuneração
Salário Mínimo
Elaboração: Própria.
O primeiro direito previsto na CLT era o aviso prévio, aplicado à demissão sem justa causa.
A parte rescindente deveria avisar sua decisão à outra parte com antecedência mínima de oito dias,
para pagamentos semanais ou inferiores a uma semana, e trinta dias, para pagamentos quinzenais ou
mensais. Se uma das partes não concordasse com a concessão do período do aviso prévio, havia
necessidade de ressarcimento (art. 487). Por outro lado, o empregado que estava cumprindo o aviso
prévio poderia descontar duas horas de trabalho por dia do seu horário normal para uso próprio (art.
488). Ainda estava previsto a reconsideração da decisão de demissão, caso as duas partes
concordassem com a continuidade da prestação do serviço (art. 489), e a rescisão imediata do
contrato, caso uma das partes praticasse algum ato que justificasse essa rescisão durante o período
do aviso prévio (art. 490 e 491).
O segundo direito previsto se referia ao repouso semanal remunerado (Lei no 605, de 14 de
janeiro de 1949), que era entendido como um intervalo de 24 horas consecutivas de descanso,
preferencialmente aos domingos (art. 1º), exceto para os que trabalhavam em regime de parceria,
meação ou forma semelhante de participação na produção (art. 2º). Caso o empregado não
cumprisse integralmente seu horário na semana estritamente anterior e não apresentasse justificativa,
ele perderia o direito a gozar desse descanso (art. 6º). A remuneração do repouso semanal
21
correspondia a um dia de serviço (art. 7º). Os feriados civis e religiosos também eram remunerados,
sendo os feriados civis, com base na lei federal, e os religiosos, com base na lei municipal, de
acordo com a tradição local e sem ultrapassar sete dias anuais. Caso houvesse necessidade de se
trabalhar em tais dias, sem o acerto de folga em outro dia, o empregado receberia em dobro (art. 8º).
No mesmo ano, em 12 de agosto de 1949, o governo estabeleceu o Decreto no 27.048, que detalhava
os tipos de serviços que eram permitidos aos domingos e feriados nas atividades agrícolas – mais
especificamente, limpeza e alimentação dos animais em propriedades agropecuárias.
A CLT, através do art. 76º, também instituiu o direito ao salário mínimo. Foi definido como
salário mínimo “a contraprestação mínima devida e paga diretamente pelo empregador a todo
trabalhador, inclusive ao trabalhador rural, sem distinção de sexo, por dia normal de serviço, e capaz
de satisfazer, em determinada época e região do país, as suas necessidades normais de alimentação,
habitação, vestuário, higiene e transporte”, que correspondia a 30 dias ou a 240 horas de trabalho
mensais (art. 76º). Para os trabalhadores que fossem contratados por empreitada ou por tarefa, a
remuneração diária deveria ser igual ou superior à do salário mínimo por dia (art. 78º). A CLT
previa o trabalho de menores aprendizes – de 14 a 18 anos – com remuneração de até 50% do salário
mínimo (art. 80º). Para o trabalhador rural, havia a opção de pagamento in natura, ou em espécie.
Nesse caso, o salário em dinheiro não poderia ser inferior a 30% do salário mínimo. O salário em
dinheiro era determinado pelo valor total do salário mínimo menos a soma dos valores das parcelas
em espécie na região, zona ou subzona (art. 82º). Em 13 de outubro de 1961, o Decreto no 51.336
definiu o montante máximo a ser descontado no pagamento em espécie: 30% para alimentação, 23%
para habitação, 10% para vestuário, 4% para higiene e 3% para transporte, num total de até 70%. Ou
seja, oficialmente a CLT garantia para o trabalhador 30% do salário mínimo em dinheiro.
O artigo 129º da CLT previa “direito ao gozo de férias, sem prejuízo da respectiva
remuneração”, “após cada período de 12 meses de vigência do contrato de trabalho” (art. 130º). O
período de férias deveria ser gozado durante os 12 meses seguintes (art. 131º), sendo proporcional
ao número de faltas sem justificativa. Os empregados que não tivessem cometido essa modalidade
de falta, teriam direito há 20 dias úteis (art. 132º). Qualquer afastamento por parte do empregado
deveria ser registrado na Carteira Profissional (art. 133º). Contudo, algumas situações estavam
previstas sem desconto, como os dias que não houvesse trabalho e a ausência do empregado por
doença ou acidente de trabalho (art. 134º). A escolha dos dias de férias ficava a cargo do
empregador (art. 139º), e a remuneração recebida nesse período era calculada a partir da média
percebida no período correspondente ao de férias (art. 140º). No caso das remunerações em espécie,
o empregador deveria pagar a quantidade equivalente a declarada na Carteira Profissional (art.
22
140º). E todos os pagamentos deveriam ser realizados até a véspera do primeiro dia de férias (art.
141º).
A CLT também previa a firmação do contrato individual de trabalho, entendido como sendo
“o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego” (art. 442º). Esse acordo poderia
ser verbal ou por escrito, por prazo determinado ou por prazo indeterminado (art. 443º), conforme
entendimento entre as partes interessadas (art. 444º). Entretanto, a prova de que havia contrato
individual de trabalho era feita a partir dos registros na Carteira Profissional ou de instrumentos
escritos, o que inviabilizava a comprovação dos acordos verbais. Para os contratos com prazo
determinado, a vigência não poderia ser superior a quatro anos (art. 445º). Se o contrato fosse
prorrogado mais de uma vez, ele passaria a vigorar sem determinação de prazo (art. 451º). A mulher
casada e o menor que tivesse entre 18 e 21 anos poderiam participar de contratos individuais, desde
que o trabalho não acarretasse ameaça aos vínculos familiares. A decisão de pleitear a rescisão por
esse motivo era facultada ao marido ou ao pai (art. 446º). No caso dos contratos de sub-empreiteiros,
a reclamação referentes ao inadimplemento das obrigações trabalhistas recaía sobre o empreiteiro
principal (art. 455º).
O último direito previsto pela CLT ao trabalhador rural era o recebimento de um salário
como pagamento pelo serviço prestado, em moeda corrente do país (art. 463º). Esse salário era
composto de um montante fixo estipulado, mas poderia ser acrescido de comissões, gratificações,
diárias, etc. (art. 457º). O montante fixo deveria ser igual ao pagamento feito por serviço equivalente
na mesma propriedade (art. 460º e 461º). Os intervalos entre o pagamento de um salário e outro não
poderiam ser superiores a um mês (art. 459º), sendo feito sempre em dia útil e no local de trabalho,
durante o expediente, ou imediatamente após o seu encerramento (art. 465º). Para cada salário pago,
havia a necessidade de se efetuar um contra recibo assinado pelo empregado. Caso ele fosse
analfabeto, a assinatura do empregado era substituída pela sua impressão digital ou ainda pela
assinatura de uma testemunha (art. 464º). Os descontos eram permitidos apenas em casos de
adiantamentos (art. 462º).
3.2.2. 2ª fase: A criação do ETR
Como foi dito no início desta seção, a partir de 1943, parte dos atuais direitos trabalhistas já
existiam. Entretanto, em termos de cumprimento, a CLT teve pouca repercussão no campo. Por essa
razão, em 1963 o governo federal criou uma legislação única para reger as relações de trabalho nas
atividades agrícolas brasileiras, já que o Brasil da década de 1960 ainda era predominantemente
23
rural. Assim, o Estatuto do Trabalhador Rural (ETR) foi escolhido como o marco inicial da segunda
fase da evolução da legislação trabalhista no campo (apresentado na Figura 1).
O ETR confirmava os dispositivos anteriores como aviso prévio, repouso semanal
remunerado, salário mínimo, férias, contrato individual de trabalho e remuneração. A seguir,
destacamos seis pontos novos introduzidos pelo Estatuto em 1963:
1. Criação do Conselho Arbitral vinculado ao Ministério Público: criação, em cada comarca,
de um Conselho Arbitral integrado por dois representantes dos empregadores, dois dos
empregados e presidido por representante do Ministério Público, com a finalidade de
solucionar de forma conciliatória disputas resultantes da aplicação do Estatuto;
2. Extensão do prazo de reclamação: estabelecimento do prazo de dois anos para reclamação
de qualquer direito trabalhista, a partir do fim do contrato de trabalho;
3. Estabilidade: o trabalhador rural que contasse mais de dez anos de serviço efetivo na mesma
propriedade não poderia ser despedido, a não ser por motivo de falta grave repetida ou em
circunstância de força maior, devidamente comprovada;
4. Equivalência do proprietário, do empreiteiro e do parceiro: igualdade de responsabilidades
entre o proprietário, o empreiteiro e o parceiro frente as reclamações trabalhistas;
5. Carteira Profissional obrigatória: instituição da carteira de trabalho para todos os
trabalhadores rurais; e
6. Jornada de trabalho: estabelecimento de oito horas por dia para a jornada normal de
trabalho.
Houve ainda queda no percentual das deduções de 23% para 20% do salário mínimo para
habitação, e de 30% para 25%, para alimentação. As demais deduções, assim como a
obrigatoriedade de 30% do pagamento em dinheiro, permaneceram. Contudo, a maior contribuição
do Estatuto foi a criação do seguro obrigatório que ficou a cargo do Fundo de Assistência ao
Trabalhador Rural (FUNRURAL)14 a partir de 1968. Tinha direito a esse seguro todo trabalhador
que exercesse atividade agrícola. Os benefícios prestados consistiam em aposentadoria por invalidez
e por velhice, pensão por morte, auxílio-maternidade, auxílio-doença, auxílio-funeral e assistência
médica.15 Em 1972, o plano básico foi novamente substituído pelo Programa de Assistência ao
Trabalhador Rural (PRÓ-RURAL)16, e os benefícios conferidos a esses trabalhadores e a seus
dependentes passaram a ser: aposentadoria por idade e por invalidez, pensão, auxílio-funeral,
14
o
Lei n 4.214, de 1963.
É importante destacar que a concessão efetiva da maior parte dos direitos previdenciários era restrita ao chefe ou
arrimo de família. Para maiores informações, consultar Kreter (2005).
o
16
Decreto n 69.919, de 1972.
15
24
serviço social, readaptação profissional e serviço de saúde. De fato, a previdência rural foi o único
dispositivo do ETR que recebeu regulamentação17 nesta fase. Mas foi um dispositivo de extrema
importância porque foi a primeira vez que se instituiu um mecanismo governamental que dissociasse
a assistência aos trabalhadores da benevolência do patrão ou das políticas de caridade locais. O
trabalhador teria a possibilidade de assumir certa independência, caso ele fosse impossibilitado de
exercer suas tarefas cotidianas.
Pela falta de regulamentação, o impacto do ETR no campo também foi praticamente
inexpressivo. Além disso, algumas dúvidas permaneceram em relação aos dispositivos citados. A
primeira delas era como enquadrar cada categoria de trabalhador e de produtor rural dentro das
modalidades empregado e empregador, levando em consideração as singularidades regionais. Em
relação à estabilidade, não estava claro se a agricultura seguiria a mesma interpretação das leis
trabalhistas para a indústria, ou seja, se o período de tempo anterior à publicação do Estatuto
também seria contado para efeitos de estabilidade. A terceira e última dúvida se referia a outro
problema recorrente na agricultura: o pagamento do trabalhador em dias prolongados de chuva
(salário chuva), quando a tarefa era suspensa parcial ou totalmente. Boa parte dessas questões
passaram a ser prevista em 1973.
3.2.3. 3ª fase: A criação da Lei no 5.889, de 8 de junho de 1973
A última fase da evolução da legislação trabalhista no campo se inicia com a Lei no 5.889, de caráter
exclusivamente rural. Essa Lei é aplicada ainda hoje nos tribunais, ficando a cargo da CLT apenas o
que não colidir com ela (art. 1º). O primeiro ponto importante é que a definição de empregado rural
se tornou mais abrangente e passou a incluir “toda pessoa física que, em propriedade rural ou prédio
rústico, presta serviços de natureza não eventual a empregador rural, sob a dependência deste e
mediante salário” (art. 2º). Note que a identificação do trabalhador rural deixou de ser pelo critério
de exclusão – não sejam empregados em atividades classificadas como industriais ou comerciais.
Em relação à jornada de trabalho, ficou estabelecido um período mínimo de onze horas
consecutivas entre uma jornada e outra. Se a jornada for superior a seis horas, o trabalhador rural
passou a ter direito a um intervalo para repouso ou alimentação de acordo com os usos e costumes
locais (art. 5º). Também foi incluída a diferenciação entre trabalho diurno e noturno, com acréscimo
de 25% sobre a hora normal no segundo caso. Pela Lei no 5.889, considera-se trabalho noturno
aquele “executado entre as vinte e uma horas de um dia e as cinco horas do dia seguinte, na lavoura,
17
Entende-se por regulamentação a “conclusão do texto de uma lei, com os princípios que orientam o seu cumprimento”
(Michaelis, 2009).
25
e entre as vinte horas de um dia e as quatro horas do dia seguinte, na atividade pecuária” (art. 7º).
Veja que a diferença de jornada noturna entre a agricultura e a pecuária é uma forma de se adaptar
às especificidades do setor, como é o caso do trabalho do ordenhador, que tem por costume fazer a
primeira ordenha às quatro horas da manhã. Entretanto, o trabalho noturno continuou sendo vetado
ao menor de 18 anos (art. 8º).
A remuneração no valor de um salário mínimo foi estendida ao trabalhador rural maior de 16
anos. O empregado com menos de 16 passou a ter o salário fixado em 50% do valor de um salário
mínimo, e não mais negociado em até 50% (art. 11º). O menor de 14 anos continuou sendo proibido
de executar qualquer tarefa. Em 2000, a remuneração de 50% foi modificada para em pelo menos o
salário mínimo hora (Lei no 10.097).
Os descontos de até 20% do salário mínimo com habitação e de até 25% com alimentação
continuaram existindo (art. 9º), mas a partir de 1996, com a Lei no 9.300, esses descontos só
puderam ser efetuados mediante “contrato escrito celebrado entre as partes, com testemunhas e
notificação obrigatória ao respectivo sindicato de trabalhadores rurais”. Essa foi mais uma forma de
garantir ao empregado transparência no valor do seu salário.
De todos os temas abordados pela Lei no 5.889, a maior contribuição foi a inclusão do
contrato de safra, com duração de acordo com as variações estacionais e sazonais. O contrato de
safra é uma espécie de contrato por prazo determinado, “certo quanto ao fato e incerto quanto ao
tempo”. Ao safrista está previsto o direito a férias, adicional de 1/3 de férias, 13º salário, descanso
semanal remunerado, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e salário-família. Quando o
contrato de safra é prorrogado por mais de uma vez, ele se transforma automaticamente em contrato
de prazo indeterminado. Teoricamente essa modalidade cobriria toda a demanda de curto e
curtíssimo prazos existentes no setor agrícola, que ocorre principalmente nos períodos de colheita.
Na prática, a burocracia enfrentada na contratação é tão grande, que para os pequenos produtores
contratarem demora mais tempo que a execução do próprio serviço. Esse é o caso, por exemplo, da
colheita do tomate e do feijão, que são intensivas em mão de obra e que duram em média 15 dias.
Os parceiros, os meeiros e os arrendatários foram excluídos da Lei no 5.889, mas têm
previsão legal no art. 95º do Estatuto da Terra (Lei no 4.504, de 1964), que foi alterado em 2007 – no
caso do arrendamento, pela Lei no 11.443, e no caso da parceria e da meação, pela Lei no 11.443.
Além disso, outras características específicas do campo não foram abordadas pela legislação
trabalhista em vigor, como a vulnerabilidade da produção frente às intempéries – a instituição do
salário chuva – e algumas modalidades de contratação de mão de obra. A Lei no 6.019, de 1974, que
dispõe sobre o trabalho temporário, só é válida para as empresas urbanas. A empreitada nas
26
propriedades rurais também é restrita às atividades-fim, ou seja, à qualquer atividade fora do
processo produtivo, o que restringe a empreitada a colocação de cerca, a construção de celeiro, etc.
Existem alguns projetos de lei ainda hoje transitando no Congresso Nacional acerca desses entraves
no setor. Entretanto, é difícil prever quando uma nova mudanças será implementada.
4. Houve Impacto Efetivo da Legislação Trabalhista nas Atividades Agrícolas?
Esta seção tem como objetivo analisar o impacto das leis trabalhistas apresentadas na seção anterior
sobre as atividades agrícolas brasileiras. Dessa forma, utilizamos os dados dos Censos
Demográficos de 1920 e 1991 para verificar se houve mudanças nos níveis de salários recebidos,
tanto no agregado quanto por categoria ocupacional (4.1), e analisamos a evolução desses níveis
salariais a partir da década de sessenta, e a relação entre a regulamentação das leis trabalhistas e as
variações dos salários (4.2). Para essa análise, foram utilizados os dados de Remuneração do
Trabalho Agrícola da FGV.
4.1. O que dizem os Censos
Como foi apresentado na seção 2, selecionamos o Censo de 1920 por ser o primeiro a disponibilizar
a abertura dos salários por categorias ocupacionais, e o de 1991 por ser o último realizado no século
XX e por fornecer um nível desagregado de categorias ocupacionais compatível com o primeiro. A
análise dos extremos – primeiro e último Censos do século XX – é interessante porque inclui
situações antagônicas do ponto de vista jurídico, mas relativamente semelhantes do ponto de vista
do grau de informalidade. Os Gráficos 3 e 4 apresentam as médias dos salários rurais diários por
ocupação para os anos de 1920 e 1991, respectivamente. A média geral foi construída a partir das
ocupações selecionadas, e está representada em ambos os gráficos por uma linha horizontal.
De acordo com o Gráfico 3, observamos que, em 1920, das dez ocupações equivalentes,
apenas cinco se encontravam acima da média: carpinteiro, ferreiro, oleiro, pedreiro e derribador de
madeira. Não por acaso, as quatro primeiras são ocupações fundamentalmente não-rurais, e que
necessitam de qualificação técnica para exercê-la. Entretanto, a ocupação que aparece com maior
freqüência em todas as regiões é o trabalhador braçal, que, como foi apresentado na seção 3, pode
ser classificado como diarista, mensalista, colono, etc. Destacamos ainda em 1920 a elevada
variação entre os salários das ocupações selecionadas.
27
Gráfico 3
Média dos salários rurais diários, por ocupação, Brasil, 1920
8.000
7.000
6.000
Mil-Réis (Rs)
5.000
4.000
3.000
2.000
1.000
0
Carpinteiro
Ferreiro
Lenhador
Oleiro
Pedreiro
Carroceiro /
Tropeiro
Trabalhador
Bracal
Ordenhador Derribador de
Madeira
Vaqueiro
Fonte: Censo Demográfico de 1920. Elaboração: Ipeadata.
Ao compararmos os Gráficos 3 e 4, percebemos a permanência de praticamente as mesmas
ocupações acima da média, ou seja, a permanência de categorias ocupacionais sem especialização
propriamente rural como sendo as mais bem remuneradas no campo. Essa constatação corrobora a
percepção generalizada – e, de certa forma, equivocada – de que a atividade agrícola é uma
atividade não-qualificada, e que é, por isso, merecedora de salários mais baixos. Vale lembrar,
entretanto, que nem todas as pessoas estão aptas a exercer atividades agrícolas. Ao contrário dos
centros urbanos, em que a qualificação está relacionada ao grau de escolaridade e à especialização
técnica, no campo o critério de seleção é baseado na qualificação específica, ou seja, no
conhecimento do trabalhador sobre o cultivo de determinada cultura e/ou sobre o manuseio de
determinados equipamentos (Rezende e Kreter, 2007). Esse é o caso, por exemplo, dos cortadores
de cana e dos empregados na apanha do café.18
Outro ponto interessante observado no Censo Demográfico de 1991 é a distribuição das
categorias ocupacionais. Elas aparecem com pouca variação entre si e mais próxima do valor médio.
A pequena variação dos salários das categorias ocupacionais selecionadas pode ser resultado de um
processo de uniformização dos salários, ocorrido principalmente pela institucionalização do salário
18
De forma ilustrativa, podemos citar a tentativa da Prefeitura de Piracicaba (SP) no final da década de noventa de
cadastrar os desempregados do município para contratá-los na produção de cana-de-açúcar. Ao final de uma semana, dos
mil contratados, apenas dezenove permaneceram no emprego.
28
mínimo como piso para todas as atividades no Brasil. Entretanto, em termos regionais, o efeito
uniformização não é tão perceptível (Gráfico 5).
Gráfico 4
Média dos salários rurais diários, por ocupação, Brasil, 1991
2.500
Cruzeiro (Cr$)
2.000
1.500
1.000
500
0
Carpinteiro
Ferreiro
Lenhador
Oleiro
Pedreiro
Carroceiro /
Tropeiro
Trabalhador
Bracal
Ordenhador Derribador de
Madeira
Vaqueiro
Fonte: Censo Demográfico de 1991. Elaboração: Ipeadata.
O Gráfico 5 apresenta a média dos salários rurais diários por ocupação e por região para os
dois anos selecionados. Devido às mudanças de moeda entre 1920 e 1991, optamos por calcular os
salários em número índice, sendo os dados referentes ao Brasil igual a 100. Dessa forma, a média
nacional, representada no gráfico por uma linha horizontal, é significativa para os dois anos.
Ao contrário do que esperávamos, a região Norte apresentou a maior variação positiva de
salário em quase todas as categorias. Por outro lado, a região Nordeste ficou com os piores
indicadores em todas as ocupações e para todos os anos, estando sempre abaixo da média brasileira.
De forma marginal, o efeito uniformização pode ser percebido pelas quedas nos salários de 1920
para 1991 em algumas ocupações, como foi o caso do pedreiro na região Sul, e do trabalhador braçal
na região Sudeste.
Como seguimos um critério rígido para a compatibilização das ocupações, a constatação da
volatilidade dos salários rurais per se indica que a criação do salário mínimo teve impactos
diferentes entre as regiões brasileiras, e que um aumento nos níveis salariais não significa garantia
29
de pagamento dos encargos trabalhistas previstos em lei, o que é bastante coerente com os elevados
níveis de informalidade existentes ainda hoje no país.
Além da instituição do salário mínimo como piso para todas as atividades no Brasil, o
aumento nos níveis salariais rurais também pode ter sido resultado de outros fatores como, por
exemplo, custo de vida, organização dos trabalhadores, e efetividade das instituições jurídicas. Por
essa razão, a próxima seção analisa uma série anual de salários rurais, onde esse tipo de verificação
é possível.
30
Gráficos 5
Média dos salários rurais diários, por ocupação e por região, 1920 e 1991
Carpinteiro
Ferreiro
140
130
130
120
120
(Brasil = 100)
(Brasil = 100)
140
110
100
90
110
100
90
80
80
70
70
60
60
Centro-Oeste
Nordeste
Norte
Sudeste
Fonte: Censos Demográficos de 1920 e 1991. Elaboração:
Ipeadata.
Sul
1920
Centro-Oeste
Nordeste
Sudeste
Sul
1920
1991
Oleiro
140
140
130
130
120
120
(Brasil = 100)
(Brasil = 100)
Lenhador
110
100
90
110
100
90
80
80
70
70
60
60
Centro-Oeste
Nordeste
Norte
Sudeste
Fonte: Censos Demográficos de 1920 e 1991. Elaboração:
Ipeadata.
Sul
1920
Centro-Oeste
Nordeste
Norte
Sudeste
Fonte: Censos Demográficos de 1920 e 1991. Elaboração:
Ipeadata.
1991
Pedreiro
Sul
1920
1991
Carroceiro e Tropeiro
140
150
130
140
120
130
(Brasil = 100)
(Brasil = 100)
Norte
Fonte: Censos Demográficos de 1920 e 1991. Elaboração:
Ipeadata.
1991
110
100
90
80
120
110
100
90
80
70
70
60
60
Centro-Oeste
Nordeste
Norte
Sudeste
Fonte: Censos Demográficos de 1920 e 1991.
Elaboração: Ipeadata.
Sul
1920
Centro-Oeste
Nordeste
Norte
Sudeste
Fonte: Censos Demográficos de 1920 e 1991.
Elaboração: Ipeadata.
1991
Trabalhador Braçal
Sul
1920
1991
Ordenhador
150
200
140
180
(Brasil = 100)
(Brasil = 100)
130
120
110
100
90
160
140
120
100
80
80
70
60
60
Centro-Oeste
Nordeste
Norte
Sudeste
Sul
1920
Fonte: Censos Demográficos de 1920 e 1991. Elaboração:
Ipeadata.
Centro-Oeste
1991
Nordeste
Norte
Sudeste
Derribador de Madeira
Sul
1920
Fonte: Censos Demográficos de 1920 e 1991.
Elaboração: Ipeadata.
1991
Vaqueiro
180
140
130
160
(Brasil = 100)
(Brasil = 100)
120
140
120
100
110
100
90
80
80
70
60
60
Centro-Oeste
Nordeste
Norte
Fonte: Censos Demográficos de 1920 e 1991. Elaboração:
Ipeadata.
Sudeste
Sul
1920
Centro-Oeste
1991
Nordeste
Norte
Fonte: Censos Demográficos de 1920 e 1991. Elaboração:
Ipeadata.
Sudeste
Sul
1920
1991
4.2. O que dizem os dados de Remuneração do Trabalho Agrícola
A seção anterior apresentou a análise do primeiro e do último Censos do século XX, contemplando
o período anterior à legislação trabalhista e o posterior à Constituição Federal de 1988. De um modo
geral, as mudanças observadas nesse período indicam que a instituição do salário mínimo pode ter
31
impactado os níveis salariais das atividades agrícolas através do efeito uniformização. Como outros
fatores também podem ter contribuído para essas mudanças, foram selecionados os dados de salários
pagos no setor agrícola ao trabalhador eventual (safrista) e ao empregado permanente, a partir de
1966. No caso dos diaristas, foi calculado o salário mensal considerando uma folga semanal, ou seja,
tomando como base vinte e seis dias de trabalho por mês. A idéia foi verificar o comportamento dos
salários nos anos subseqüentes à promulgação das leis discutidas na seção 3.
Gráfico 6
Salários reais pagos no setor agrícola, Brasil, 1966 a 1999
(ago. 1994 = 100, Deflator: IGP-DI)
1994-1995
1984-1986
240
1973
260
220
200
180
160
140
120
100
80
19
66
19
67
19
68
19
69
19
70
19
71
19
72
19
73
19
74
19
75
19
76
19
77
19
78
19
79
19
80
19
81
19
82
19
83
19
84
19
85
19
86
19
87
19
88
19
89
19
90
19
91
19
92
19
93
19
94
19
95
19
96
19
97
19
98
19
99
60
Fonte: FGVDados. Elaboração: Própria.
Permante
Diarista
O Gráfico 6 apresenta a evolução dos salários reais pagos no setor agrícola, e destaca três
momentos distintos: 1973, 1984-1986 e 1994-1995. O primeiro deles se refere à criação da Lei no
5.889, primeira lei regulamentada de caráter estritamente rural. Note que nos dois anos subseqüentes
houve um incremento substancial nos salários, em especial no salário do diarista.19 Esse incremento
na média dos salários recebidos no setor agrícola pode ser interpretado como conseqüência da
criação da Lei no 5.889. Os anos seguintes da década de 1970 foram anos de relativa estabilidade.
A partir de 1980, os salários rurais voltaram a sofrer queda acentuada. Não por acaso, esse
período foi marcado pela elevação da taxa de juros nos Estados Unidos – principal credor do Brasil
–, pelo conseqüente aumento do endividamento externo e pelo processo de inflacionário. As áreas
19
Vale lembrar que os diaristas, apesar de serem contratados pelo sistema de diárias, recebiam na maioria das vezes a
remuneração no final de cada mês.
32
rurais, em especial na região Nordeste, sofreram com períodos de seca e quebra de produção. Esse
cenário de crise no setor agrícola, juntamente com as quedas nos salários rurais, propiciou as
sucessivas greves dos trabalhadores, reivindicando melhores salários e condições de trabalho. As
mais conhecidas ocorreram nas cidades paulistas de Guariba e Leme, entre os anos de 1984 e 1986 –
segundo destaque no Gráfico 6. Como foi amplamente documentado na época, dentre as principais
reivindicações estavam: a jornada de trabalho diária de 8 horas, a elevação do piso salarial, o
fornecimento de ferramentas, roupas e equipamentos de proteção individual, a melhoria das
condições de transporte para o local de trabalho, e o pagamento das horas de transporte e dos dias
não trabalhados por motivos alheios aos trabalhadores (Alves, 1993). No caso de São Paulo, havia
ainda reivindicações específicas do setor sucroalcooleiro, como o pagamento por metro de cana
cortada, em substituição do pagamento por tonelada.20 Nem todas as reivindicações foram atendidas,
entretanto, no segundo semestre de 1986 os salários rurais reais chegaram ao seu nível mais elevado
de toda a série.
A partir desse ano, os salários apresentaram quedas subseqüentes. Nesse momento o Brasil
vivia um acentuado processo de hiperinflação associado à perda generalizada do poder de compra. O
setor agrícola, particularmente, enfrentava a derrocada do Programa Pró-Álcool, e a política
nacional de tabelamento de preços no mercado doméstico. Esses fatores, juntamente com as duas
quebras de safra que viriam em 1990 e 1991 foram fundamentais para a derrocada da agricultura
brasileira (Rezende, 2000). Entre 1992 e 1993 foram registrados os níveis de salário mais baixos de
toda a série, tanto para o empregado permanente quanto para o trabalhador eventual. A partir de
1994, com a adoção do Real, o Brasil entra numa fase de estabilidade monetária. No setor agrícola,
o governo federal intensificou as linhas de crédito e houve nova expansão da produção. O aumento
nos níveis salariais a partir desse ano também pode ser explicado pela criação do Grupo Especial de
Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que iniciou um trabalho de
fiscalização na zona rural, através da instituição de multas pesadas e suspensão da produção para os
produtores que não pagassem todos os encargos trabalhistas previstos em lei. Mas, de que forma se
comportou os salários rurais nas diferentes regiões do Brasil? O Gráfico 7 apresenta os dados de
salários do Gráfico 6 para as regiões Nordeste e Sudeste em relação ao salário mínimo vigente. Note
que até 1973 os salários dos diaristas eram inferiores ao salário mínimo em ambas as regiões – cerca
20
Nessa modalidade de pagamento, cada metro de cana cortada teria um preço definido de acordo com o contrato
coletivo de trabalho. Ao final de cada dia, o cortador de cana receberia um recibo, explicitando a quantidade de metros
cortada por ele e o valor do metro de cana acordado para aquele eito. O valor do metro podia variar com o tipo de cana –
cana de primeiro corte, cana caída, cana enrolada, etc. Assim, o trabalhador tinha controle da sua produção, já que o
pagamento por tonelada era calculado na usina por não existir balança nos locais de produção.
33
de 70% e 48% do mínimo, respectivamente. Isso indica que nos dois casos o diarista recebia de
salário em dinheiro em média mais do que os 30% previstos na CLT. Em 1973 observamos um
incremento nos salários em ambas as regiões, que pode ser atribuído à criação da Lei no 5.889.
Entretanto, no Nordeste esse incremento não foi suficiente para elevar o salário dos diaristas a níveis
superiores ao mínimo. Isso só vai ocorrer nessa região a partir de 1983.
O Gráfico 7 apresenta ainda as trocas de moeda ocorridas a partir de 1966.21 Note que a forte
variação observada nos salários rurais a partir de 1983 coincide com a reincidência dos planos
econômicos de contenção inflacionária adotados pelo governo federal, o que não descarta a
constatação anterior de forte relação entre as greves dos trabalhadores rurais com o pico nos salários
atingido no ano de 1986.
Gráfico 7
Salários reais pagos no setor agrícola ao diarista e o salário mínimo, regiões Sudeste e
Nordeste, 1966 a 1999
(ago. 1994 = 100, Deflator: IGP-DI)
240
190
140
90
19
66
19
67
19
68
19
69
19
70
19
71
19
72
19
73
19
74
19
75
19
76
19
77
19
78
19
79
19
80
19
81
19
82
19
83
19
84
19
85
19
86
19
87
19
88
19
89
19
90
19
91
19
92
19
93
19
94
19
95
19
96
19
97
19
98
19
99
40
Salário Mínimo
Fonte: Ipeadata e FGVDados. Elaboração: Própria.
Sudeste
Mudanças de Moeda
Nordeste
Se compararmos os Gráficos 6 e 7 com os dados dos Censos de 1920 e 1991 analisados na
seção anterior, verificamos que a Lei no 5.889 foi mais importante para as atividades agrícolas do
21
Em fevereiro de 1967, a moeda passou de Cruzeiro (Cr$) para Cruzeiro Novo (NCr$), em maio de 1970, voltou para
Cruzeiro. Em agosto de 1984, os centavos foram eliminados, para retornarem em fevereiro de 1986, com os Planos
Cruzado I e Cruzado II. Em janeiro de 1989, a moeda passou novamente de Cruzado para Cruzado Novo, com os Planos
Collor I e Collor II. Em agosto de 1993, o Brasil entrou na fase de transição para o Plano Real, adotando como moeda o
Cruzeiro Real (CR$). A última mudança ocorreu em julho de 1994, com a implantação do Real (R$).
34
que a CLT e a Constituição Federal de 1988. De fato a regulamentação de leis trabalhistas teve
impacto positivo nos níveis de salários, mas não foi suficiente para garantir que os trabalhadores
rurais tivessem acesso a todos os direitos previstos em lei, como, por exemplo, a Carteira
Profissional. No campo, ao contrário dos centros urbanos, o estabelecimento de novas regras é mais
moroso. Por mais que haja um esforço por parte do MTE em fiscalizar as relações de trabalho nas
atividades agrícolas, onde há maior dificuldade, há também maior incidência de irregularidade.
5. Considerações Finais
O objetivo deste artigo foi analisar os salários recebidos nas atividades agrícolas a partir da evolução
dos direitos trabalhistas conquistados pelo trabalhador rural. Entende-se que os salários recebidos
têm uma relação direta com a renda do domicílio e, conseqüentemente, com o grau de pobreza. A
hipótese adotada no presente estudo foi que os direitos trabalhistas previstos em lei estão sendo
cumpridos de forma insatisfatória, mas que a criação do salário mínimo impactou positivamente os
salários dos trabalhadores rurais.
Inicialmente identificamos três fases distintas da evolução da legislação trabalhista no
campo. A primeira delas se refere à criação da CLT, que incluía alguns títulos e capítulos
explicitamente aplicáveis aos trabalhadores rurais. Dentre os direitos previstos em 1943 estavam o
aviso prévio, o repouso semanal remunerado, o salário mínimo, as férias, o contrato individual de
trabalho e a remuneração em moeda corrente pelos serviços prestados. Verificamos que, em termos
de cumprimento, os resultados foram inexpressivos para todas as regiões do Brasil. Entretanto, a
Secretaria de Agricultura do estado de São Paulo identificou alguns processos de empregados contra
produtores rurais nos tribunais estaduais acerca desses direitos. A segunda fase da legislação
trabalhista no campo se refere à criação do ETR em 1963. Esse Estatuto foi instituído pelo governo
federal com o objetivo de criar uma legislação única para reger as relações de trabalho nas
atividades agrícolas brasileiras. Além da confirmação dos dispositivos da CLT, o ETR ainda
propunha a criação de um Conselho Arbitral vinculado ao Ministério Público, a extensão do prazo
de reclamação, a estabilidade no emprego, já garantida nos centros urbanos, a equivalência do
proprietário, do empreiteiro e do parceiro frente às reclamações trabalhistas, a obrigatoriedade da
Carteira Profissional e o estabelecimento da jornada de trabalho de 8 horas. Contudo, a maior
contribuição do Estatuto foi a criação do seguro obrigatório (FUNRURAL), por ter sido a primeira
vez que se instituiu um mecanismo governamental que dissociasse a assistência aos trabalhadores da
benevolência do patrão ou das políticas de caridade locais. Aliás, a previdência rural foi o único
35
dispositivo do ETR que recebeu regulamentação e, por isso, o único que efetivamente existiu. A
terceira e última fase da evolução da legislação trabalhista no campo se inicia com a criação da Lei
no 5.889. Além da ampliação da definição de empregado rural, a maior contribuição da Lei no 5.889
foi a inclusão do contrato de safra como alternativa para a contratação de mão de obra de curto e
curtíssimo prazos. Na prática, observamos que a burocracia concernente a essa modalidade de
contrato é tão grande, que para os pequenos produtores se torna inviável.
Concluímos que a maior dificuldade encontrada pelo governo federal para regular o mercado
de trabalho agrícola foi o enquadramento das diferentes modalidades de relações de trabalho em
apenas duas categorias – empregador e empregado – sem levar em conta o serviço de empreitada
(terceirização de tarefas) e a intermediação de mão de obra, ambas previstas nos outros setores da
economia. Além disso, outras características específicas do campo não foram abordadas pela
legislação trabalhista, como a instituição do salário chuva.
Através da análise do Censo Demográfico de 1920, observamos que, dentre as ocupações
selecionadas, as que se encontraram com salários acima da média foram aquelas fundamentalmente
não-rurais, e que necessitam de qualificação técnica. Entretanto, a ocupação que apareceu com
maior freqüência em todas as regiões foi o trabalhador braçal, que representava diversas categorias,
como diarista, mensalista, colono, etc. No Censo de 1991, percebemos a permanência de
praticamente as mesmas ocupações acima da média, mas os salários recebidos apresentaram menor
variação, ou seja, mais próxima do valor médio. Esse processo foi identificado como uniformização
dos salários, e pode ter ocorrido principalmente pela instituição do salário mínimo como piso para
todas as atividades no Brasil. Na análise regional, a região Norte foi a que apresentou a maior
variação positiva de salário em quase todas as categorias de 1920 para 1991. Por outro lado, a região
Nordeste ficou com os piores indicadores em todas as ocupações e para todos os anos, estando
sempre abaixo da média brasileira. Constatamos também que o efeito uniformização, perceptível
nos dados agregados, apareceu de forma marginal na análise regional.
A análise do impacto da legislação trabalhista nos salários rurais foi consolidada através da
série anual de Remuneração do Trabalho Agrícola da FGV referente ao trabalhador eventual
(safrista) e ao empregado permanente. Observamos que até o ano de 1973 os salários recebidos
estavam acima dos 30% do mínimo previsto em lei, e que depois desse ano houve um incremento
substancial nos salários, em especial no salário do diarista, que pode ser interpretado como
conseqüência da criação da Lei no 5.889. Contudo, a elevação dos salários rurais a partir de 1983 e o
pico da série em 1986 podem estar relacionados às reivindicações dos trabalhadores rurais por
melhores salários e condições de trabalho. Observamos também que as trocas de moeda e a
36
hiperinflação, em especial na década de oitenta, contribuíram de maneira expressiva para a
volatilidade dos salários rurais.
A conclusão geral do presente artigo é que a legislação trabalhista, através da instituição do
salário mínimo, contribuiu para a elevação dos níveis de salários recebidos pelo trabalhador rural.
Entretanto, um aumento nos níveis salariais não significou garantia de pagamento dos encargos
trabalhistas, o que é bastante coerente com os elevados níveis de informalidade existentes ainda hoje
no país.
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40
ANEXO I
Composição setorial da renda no Brasil, por setor de atividade, 1947 a 2007
Ano
Agropecuária
1947
1948
1949
1950
1951
1952
1953
1954
1955
1956
1957
1958
1959
1960
1961
1962
1963
1964
1965
1966
1967
1968
1969
1970
1971
1972
1973
1974
1975
1976
1977
1978
1979
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
Fonte: Ipeadata.
Indústria
21,36
23,44
24,18
25,08
24,57
25,81
24,36
24,99
24,32
21,80
21,20
19,01
17,66
18,28
17,48
18,05
16,47
16,86
16,50
14,77
14,32
12,32
11,92
12,35
13,05
13,08
12,63
12,19
11,52
11,71
13,63
11,19
10,78
10,89
11,19
9,69
12,47
13,79
12,61
12,09
10,82
11,39
9,79
8,10
7,79
7,72
7,56
9,85
5,77
5,51
5,40
5,52
5,47
5,60
5,97
6,62
7,39
6,91
5,71
5,47
5,98
6,70
41
25,97
24,87
25,36
24,96
25,97
24,97
26,26
26,69
26,58
28,23
28,86
32,15
33,94
33,19
33,53
33,57
34,18
33,68
33,24
34,21
33,45
36,34
36,88
38,30
38,83
39,51
41,92
43,16
43,27
43,03
41,78
43,08
43,57
44,09
44,31
45,77
44,35
46,20
47,97
47,20
47,51
46,76
46,34
38,69
36,16
38,70
41,61
40,00
27,53
25,98
26,13
25,66
25,95
27,73
26,92
27,05
27,85
30,11
29,27
28,78
28,05
27,96
Serviços
55,68
54,56
53,01
53,33
52,81
52,51
52,79
51,93
52,75
53,34
53,72
52,16
51,30
51,48
52,05
51,74
52,63
53,04
54,28
55,44
56,65
55,86
55,84
56,22
55,33
54,20
51,35
51,24
52,40
53,09
52,72
54,80
54,44
52,73
55,16
55,61
57,11
53,46
52,89
48,69
57,59
58,64
70,36
70,34
68,93
77,50
81,82
64,25
66,70
68,50
68,47
68,82
68,58
66,67
67,10
66,33
64,77
62,97
65,02
65,75
65,97
65,34
ANEXO II
Média dos salários rurais diários, por ocupação e por região, 1920 e 1991
(1920 = Mil-Réis, 1991 = Cruzeiro)
Carpinteiro
Ferreiro
Lenhador
Oleiro
Pedreiro
Carroceiro / Tropeiro
Trabalhador Bracal
Ordenhador
Derribador de Madeira
Vaqueiro
Centro-Oeste
1920
1991
8.100
2.125
8.981
3.248
1.610
5.000
1.714
6.613
2.012
3.038
1.122
1.877
1.716
2.708
1.722
3.681
2.050
2.613
1.433
Nordeste
1920
1991
5.236
1.495
5.553
1.432
2.399
900
3.356
950
5.230
1.543
1.935
927
1.342
1.095
1.808
1.331
2.666
1.116
2.102
843
Norte
1920
7.278
7.852
4.086
5.500
7.211
2.800
1.529
3.591
3.929
1.923
Fonte: Censos Demográficos de 1920 e 1991. Elaboração: Ipeadata.
42
1991
2.334
2.159
1.600
1.781
2.286
1.730
1.995
3.172
2.581
1.218
Sudeste
1920
1991
7.342
1.965
7.222
2.583
3.841
1.567
5.084
1.557
7.156
2.419
2.966
1.674
2.513
1.573
3.018
1.957
4.503
1.619
2.803
1.274
Sul
1920
7.824
7.600
4.457
5.470
8.634
3.971
2.964
2.862
5.198
2.293
1991
2.397
2.046
1.543
1.757
2.328
1.636
1.480
1.726
1.451
1.542
Brasil
1920
6.710
6.806
3.369
4.475
6.707
2.760
2.069
2.633
3.835
2.506
1991
1.853
1.929
1.305
1.338
2.014
1.242
1.421
1.734
1.626
1.138
ANEXO III
Salários reais pagos no setor agrícola ao diarista e o salário mínimo, 1966 a 1999
(ago. 1994 = 100, Deflator: IGP-DI)
PERMANENTE
Ano
Brasil
111,69
jun-66
107,13
dez-66
118,44
jun-67
114,27
dez-67
117,09
jun-68
109,35
dez-68
123,65
jun-69
122,08
dez-69
123,52
jun-70
dez-70
128,07
jun-71
132,79
dez-71
130,79
132,58
jun-72
135,28
dez-72
145,93
jun-73
154,99
dez-73
162,56
jun-74
159,22
dez-74
173,77
jun-75
170,02
dez-75
172,83
jun-76
173,60
dez-76
176,85
jun-77
182,77
dez-77
195,24
jun-78
185,24
dez-78
193,46
jun-79
195,38
dez-79
191,13
jun-80
184,79
dez-80
179,44
jun-81
194,78
dez-81
188,21
jun-82
196,45
dez-82
180,97
jun-83
163,61
dez-83
154,43
jun-84
161,76
dez-84
173,13
jun-85
184,98
dez-85
jun-86
148,90
dez-86
181,63
jun-87
165,44
139,22
dez-87
152,52
jun-88
168,73
dez-88
174,04
jun-89
204,11
dez-89
119,53
jun-90
117,33
dez-90
121,93
jun-91
129,03
dez-91
159,85
jun-92
114,40
dez-92
170,24
jun-93
151,79
dez-93
166,13
jun-94
85,56
dez-94
103,03
jun-95
102,24
dez-95
105,75
jun-96
104,64
dez-96
105,66
jun-97
104,24
dez-97
108,01
jun-98
108,34
dez-98
106,03
jun-99
100,14
dez-99
Fonte: Ipeadata e FGVDados.
Nordeste
91,83
89,99
97,76
95,51
92,76
86,11
92,11
94,69
101,35
94,62
97,85
95,70
95,75
96,14
103,69
112,50
125,00
124,04
135,55
127,69
134,78
130,93
135,81
136,86
149,56
151,24
162,32
169,06
162,41
147,73
156,98
168,47
170,74
170,63
162,01
143,29
151,11
143,39
155,45
169,02
138,66
156,86
148,31
126,33
139,11
151,49
151,40
173,78
101,57
103,60
101,28
111,14
132,23
98,48
150,71
129,58
141,76
75,28
89,72
86,25
91,13
88,90
88,77
88,01
91,88
91,74
86,12
84,06
EVENTUAL
Sudeste
Brasil
111,69
107,13
116,56
112,57
121,65
113,45
133,75
131,20
130,91
139,54
145,90
142,75
141,42
146,95
158,09
169,35
169,76
170,49
183,82
180,61
181,67
189,36
190,13
204,51
216,60
204,16
207,10
209,62
197,66
197,64
180,70
202,49
191,33
208,06
182,58
171,63
146,39
167,52
174,10
189,68
152,72
198,36
170,86
144,08
160,52
183,61
188,19
219,02
132,85
123,59
132,44
148,05
181,03
118,25
176,92
161,54
178,63
91,47
108,67
111,00
113,56
114,86
116,15
114,81
117,90
119,65
116,27
109,12
100,67
97,48
102,65
101,11
106,35
100,93
103,01
100,26
104,30
105,11
110,39
111,97
116,05
117,66
132,63
149,99
173,61
181,65
189,08
187,56
188,33
183,06
190,10
190,35
187,72
186,48
190,51
195,00
203,49
194,24
194,02
189,43
179,02
177,95
166,98
153,20
147,50
148,05
161,92
179,04
162,44
233,86
201,73
154,48
137,46
147,93
183,95
180,46
127,85
132,57
138,67
147,29
147,97
123,81
159,73
138,80
162,63
117,92
134,48
129,70
129,39
127,21
130,12
125,41
124,70
125,30
122,21
116,48
43
Nordeste
85,18
83,56
88,96
90,46
89,35
81,74
80,70
77,72
79,87
84,74
88,82
87,92
88,09
89,09
97,18
108,29
138,16
146,59
152,48
148,85
152,29
148,83
153,38
152,82
153,24
157,54
161,40
167,14
174,02
161,86
167,68
164,70
155,73
146,47
139,82
129,12
135,24
124,95
129,23
154,62
135,37
184,63
147,10
118,76
110,88
119,54
147,16
140,36
99,33
101,55
102,85
112,84
107,90
100,02
125,88
104,37
119,14
90,08
99,99
96,85
99,49
96,38
99,83
94,97
94,15
95,26
91,49
88,20
Sudeste
98,73
92,47
99,72
98,00
113,08
109,81
108,92
107,38
115,56
113,56
116,53
122,13
130,03
129,26
148,27
173,64
188,19
195,84
200,48
202,60
203,43
200,65
213,85
217,39
210,71
212,20
214,32
212,91
214,71
205,66
201,73
193,16
184,01
185,28
166,05
159,30
143,95
150,35
174,14
187,17
175,98
262,58
231,15
168,96
161,39
176,22
220,74
207,20
147,85
149,38
167,88
175,52
187,44
128,11
182,16
162,09
193,88
135,88
166,89
156,58
152,79
151,60
151,24
150,20
149,21
151,78
145,95
138,14
Salário Mínimo
193,59
179,97
184,25
179,08
184,61
177,14
174,63
177,98
175,67
178,92
174,73
179,92
176,77
184,58
181,26
186,71
171,61
172,84
182,78
187,94
180,26
186,21
177,21
192,40
185,31
192,91
182,78
190,53
180,19
171,97
165,08
172,62
172,62
172,27
162,97
135,81
128,26
122,16
123,41
132,11
127,73
126,87
111,50
96,43
103,11
98,57
105,53
99,37
79,60
76,49
82,33
75,57
91,60
77,94
90,00
83,61
72,27
66,44
70,73
82,05
81,38
84,05
82,45
84,13
84,26
88,86
84,30
80,38
Artigo 2
O MERCADO DE TRABALHO AGRÍCOLA E A INTERMEDIAÇÃO DE
MÃO DE OBRA1
1. Introdução
Este artigo tem como objetivo apresentar uma compilação de dois estudos realizados entre os anos
de 2006 e 2010 sobre intermediação de mão de obra. O primeiro deles, na região de Piracicaba (SP),
e o segundo, na Alemanha.
A intermediação de mão de obra na agricultura, apesar de ser uma prática recorrente, ainda
hoje é proibida pela legislação trabalhista brasileira. Como apresentado em Kreter (2010), a
empreitada nas propriedades rurais é restrita às atividades-fim, ou seja, a qualquer atividade fora do
processo produtivo, quais sejam: colocação de cerca, construção de celeiro, etc. Situações como as
comumente vista entre prestadoras de serviço e montadoras de veículos automotores, por exemplo,
são impensáveis no campo, embora elas tenham muitas semelhanças quanto à divisão de tarefas nas
diferentes etapas de produção.
Na agricultura, a intermediação – ou empreitada, como é conhecida – sempre existiu, e por
ser ilegal, deve ser responsável por grande parte da informalidade e seus impactos sobre os níveis de
desigualdade e pobreza nesse setor. A intensificação da fiscalização nos últimos anos, como será
apresentado no estudo de caso em Piracicaba, melhorou as condições de trabalho e moradia dos
trabalhadores rurais. Mas, ao contrário do esperado, a mesma fiscalização, em conjunto com uma
política massiva de crédito de investimento por parte do governo federal desde a década de 1990,
vem acelerando o processo de mecanização e a conseqüente substituição dos trabalhadores sazonais
por máquinas, sem necessariamente serem absorvidos em outros setores da economia.2 Por outro
lado, é interessante notar que em países com alto grau de mecanização na agricultura, como é o caso
da Alemanha, determinadas culturas ainda demandam mão de obra em alguma etapa da produção.
Deve-se avaliar, portanto, se é possível mudar o padrão atual, em favor de um outro mais
consistente visando a manutenção dos postos de trabalho já existentes. Isso requereria uma mudança
1
Os estudos de caso presentes neste artigo foram financiados com verba da taxa de bancada do CNPq e da bolsa de
doutorado sanduíche do DAAD/Capes.
2
Cabe ressaltar que a crítica ao processo de mecanização é restrita às linhas de crédito subsidiadas para a compra de
máquinas e equipamentos. O destaque, nesse sentido, é para o programa Moderfrota. Ao contrário das décadas
anteriores, hoje em dia o setor agrícola encontra-se capitalizado suficiente para financiar novos investimentos sem a
necessidade de ajuda do governo federal.
44
política que visasse absorver em maior quantidade tanto no setor agrícola quanto em outros setores
da economia um tipo de mão de obra hoje considerado pouco qualificada, embora passível de
adquirir, a um custo relativamente baixo, a qualificação necessária para esse novo padrão de
tecnologia.
O presente artigo está dividido em cinco seções, incluindo esta introdução. A seção 2
apresenta as características do setor agrícola, dando destaque para a oferta de mão de obra e a
sazonalidade. Na seção 3 descreve os principais resultados da pesquisa de campo realizada com a
produção de cana-de-açúcar na região de Piracicaba (SP). Esta seção aborda as atividades dos
empreiteiros, as condições de vida dos trabalhadores sazonais em São Paulo, as relações entre os
agentes entrevistados na região de Piracicaba, os tipos de contratos estabelecidos pelos
intermediários e os tipos de empreitada na região de Piracicaba. A seção 4 contempla o segundo
estudo de caso do artigo: uma visão geral sobre o fluxo migratório do Leste europeu para a
Alemanha. Além de apresentar uma visão histórica do País, a seção descreve os fluxos migratórios
Leste-Oeste, as políticas alemãs para o mercado de trabalho agrícola, e o processo de contratação de
estrangeiros para o trabalho sazonal. Finalmente a seção 5 apresenta as considerações finais do
artigo.
2. Características do Setor Agrícola
Existem características gerais do mercado de trabalho, e características específicas para o setor
agrícola. Essas singularidades tornam-se claras quando pensamos, por exemplo, no processo de
contratação de mão de obra sazonal. Se o produtor morasse num centro urbano, ele provavelmente
deixaria um cartaz na porta do seu estabelecimento com os dizeres “procura-se trabalhador”. Mas na
zona rural, quanto mais isolada a propriedade, maior a probabilidade do cartaz nem ser visto. Claro
que esse problema pode ser amenizado com o crescimento das cidades, como já ocorre em muitas
regiões da Europa, mas a expansão dos centros urbanos está longe de ser considerada uma solução
para o processo de contratação de mão de obra no campo. Pelo contrário. Para aqueles que ainda
estão ocupados no setor agrícola, a cidade torna-se uma oportunidade para se especializar e,
conseqüentemente, adquirir salários melhores e mais estáveis em outras atividades. Assim, os
produtores enfrentam todos os anos a difícil tarefa de encontrar pessoas dispostas a trabalhar em
suas propriedades, com contrato de curtíssima duração e salários abaixo da média da região. Em
épocas de safra, quando a demanda por mão de obra aumenta consideravelmente, a situação é ainda
mais grave.
45
Além do problema da oferta de mão de obra, outro fenômeno recorrente na agricultura é a
sazonalidade. A sazonalidade está presente em todos os setores da economia. No entanto, a razão
pela qual ela ocorre e suas respectivas conseqüências variam de um setor para o outro. Na
agricultura, particularmente, a sazonalidade explica grande parte dos empregos de curta duração, e
gera os seguintes problemas: (a) desincentivo ao investimento em mão de obra, devido à alta
rotatividade; (b) concentração de demanda por mão de obra em períodos curtos, especialmente
durante a época da colheita; e (c) como já apresentado, incerteza em relação à oferta de mão de
obra, muitas vezes como um problema de assimetria de informação (Rezende e Tafner, 2006).
Destaca-se ainda a possibilidade de quebra de safra por problemas climáticos, e a perda (parcial ou
total) da produção pelo atraso em algumas de suas etapas3, além do alto custo de supervisão.
Nesse sentido, duas considerações devem ser feitas acerca da qualificação da mão de obra. Se
o trabalhador sazonal é também pequeno produtor ou agricultor familiar, não há necessidade de se
investir em qualificação específica4. Contudo, mesmo que o trabalhador sazonal não tenha
experiência, não vale a pena para o produtor investir em qualificação. A incerteza em relação à oferta
de mão de obra poderia até induzir o produtor a investir em na sua para contratá-la na safra seguinte,
como uma espécie de pacto de fidelidade para contratações futuras. Na prática, isso não é observado,
já que boa parte dos trabalhadores mora em regiões distantes do local de trabalho – às vezes, em
outros países –, e acabam não possuindo qualquer vínculo com o local de trabalho atual.
Uma alternativa encontrada pelos produtores para minimizar o problema de oferta de mão de
obra é criação do condomínio dos empregadores. Através desse sistema, o trabalhador é contratado
em caráter permanente por uma cooperativa local e trabalha ao longo do ano em diferentes
propriedades. Entretanto, esse tipo de contratação só é adequada para regiões com diversidade de
produção. Se a região for monocultora, por exemplo, a demanda por mão de obra ocorrerá
simultaneamente, o que não permitirá um sistema de rodízio entre os produtores (Rezende e Kreter,
2007).
Outra alternativa defendida em muitos países e apoiada pela FAO, é o subsídio à agricultura
familiar, que barateia o custo do capital para o setor agrícola. Nesse caso, os picos sazonais de
demanda por mão de obra seriam minimizados pela divisão do trabalho entre os membros da família.
3
Esse atraso pode ser proveniente de greve dos próprios trabalhadores contratados, ou de alguma etapa externa, como no
transporte.
4
Ao contrário da literatura tradicional, em que a qualificação é analisada a partir do histórico de educação, o presente
artigo considera como qualificação específica a atividade agrícola caracterizada pelo uso extreme da força física, como
no caso dos cortadores de cana, ou pela execução de uma determinada técnica, como no caso dos apanhadores de café.
Assim como ocorre em qualquer atividade, nem todas as pessoas que buscam emprego estão aptas a trabalhar no setor
agrícola.
46
Nos países em que o sistema de crédito é utilizado por todos os produtores, em especial o crédito para
investimento, o agricultor familiar conta ainda com a possibilidade de mecanizar algumas etapas da
produção (Rezende, 2006). Mas no Brasil, além da agricultura familiar ter acesso restrito à políticas de
crédito, ela tem pouca representatividade na produção nacional.
Por parte do empregado, é importante destacar que o trabalho sazonal é percebido como
qualquer outro trabalho temporário. Ele pode representar renda complementar para os que já possuem
uma atividade principal, ou renda principal, para aqueles que não encontram outra alternativa no
mercado de trabalho permanente. De qualquer forma, o trabalho sazonal é característico por atrair uma
população de baixa renda, que, no caso do Brasil, é proveniente de regiões de periferias, e que, no caso
da Alemanha, é proveniente de países de fronteira.
Por muito tempo, a literatura internacional acreditou que os problemas decorrentes da oferta de
mão de obra seriam resolvidos através de um extensivo processo de mecanização, também conhecido
como modelo de inovação induzida. Essa percepção teve como base o modelo de Hicks, que analisa a
renda a partir da escolha entre capital e trabalho. Hayami e Ruttan (1985) aplicaram esse modelo no
Japão e nos Estados Unidos, e concluíram que no caso americano, onde há abundância de terra e
escassez de mão de obra, foram adotadas tecnologias poupadoras de mão de obra e intensivas em
terra. De forma inversa, no caso japonês, os autores verificaram que as tecnologias implementadas na
agricultura eram intensivas em mão de obra e poupadoras de terra. Mas mesmo nos Estados Unidos,
em que houve o uso massivo de tecnologia, alguns estados, como a Califórnia, ainda precisam recorrer
aos estrangeiros para suprir a demanda do setor.5 O mesmo problema ocorre na Alemanha, onde
estrangeiros se candidatam todos os anos a uma vaga na agricultura. Nesse sentido, o caso do Brasil é
único. Não há necessidade de se recorrer a outros países para suprir a demanda de mão de obra, o
salário permanece no País, e ainda aumenta a renda dos seus respectivos domicílios. Essa combinação
poderia ser realmente positiva se boa parte dessa mão de obra não trabalhasse aquém das condições
mínimas necessárias a qualquer trabalhador.
Mas as dificuldades encontradas no mercado de trabalho agrícola não se resumem ao seu
funcionamento per se. Tanto pesquisadores quanto o próprio governo têm dificuldade de analisar o
setor pela falta de dados, justificada tanto pela grande mobilidade da mão de obra e pelo alto grau de
informalidade, quanto pela falta de informação nas pesquisas com coletas regulares. Mais uma vez,
o Brasil é uma exceção. A PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) dedica boa parte
do seu questionário sobre características do trabalho e rendimento dos moradores às atividades
5
Uma comparação entre os sistemas de intermediação de mão de obra da Califórnia, da Alemanha e do Brasil encontrase em Kreter et al. (2010). Neste artigo, apresentamos apenas os casos do Brasil e da Alemanha.
47
agrícolas. Contudo, em setembro – mês em que o questionário é aplicado – aqueles que estão
ocupados nas atividades sazonais da agricultura se encontram temporariamente fora do domicílio
(chamados, na década de 1980, como residentes ausentes), e seus dados são fornecidos por
terceiros, que muitas vezes não conseguem dar todas as informações. Isso pode ser verificado pelo
alto percentual de missing, principalmente na caracterização da mão de obra por cultura.
O estudo de caso apresentado na próxima seção trata do corte da cana no estado de São
Paulo. Ele é um exemplo interessante porque reúne não só o problema de oferta e de intermediação
de mão de obra, mas também porque apresenta muitos missings, se fosse analisado apenas pela
PNAD.
3. Brasil: Um Estudo de Caso sobre o Corte de Cana
Essa pesquisa de campo foi realizada em duas etapas entre os anos de 2006 e 2008 na região de
Piracicaba (SP). Na primeira delas, os agentes foram escolhidos tendo por base um estudo realizado
anteriormente pela UNIMEP6 e o Dossiê Mobilidade, produzido pela Pastoral do Migrante de
Guariba em 2003. Assim, foram entrevistados os seguintes agentes: Sindicato dos Empreiteiros,
Prestadores de Serviços de Mão de obra e Serviços Terceirizados na Área Rural de Capivari e
Região, Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Piracicaba e Saltinho, Central de Pastoral da Diocese
de Piracicaba, Subdelegacia do Ministério do Trabalho de Piracicaba e Grupo COSAN. Juntamente
com o Sindicato dos Empreiteiros, foi realizada ainda uma visita a dois dos alojamentos dos
empreiteiros na região. Nessa seção apresentamos os principais resultados da pesquisa.
3.1. As Atividades dos Empreiteiros na Região de Piracicaba
O Sindicato dos Empreiteiros, Prestadores de Serviços de Mão de obra e Serviços Terceirizados na
Área Rural de Capivari e Região foi criado em 2003. Sua primeira preocupação foi a de montar um
quadro de advogados para verificar a legalidade da atividade (terceirização). Em 2007, o Sindicato
possuía 139 sindicalizados, localizados nos municípios de Capivari e Rio das Pedras. A maior parte
dos associados era antigos fornecedores de cana das usinas, mas também tinham pessoas da região,
com capital, que decidiram investir na terceirização de serviços para o setor. É considerado pequeno
empreiteiro o que tem apenas uma turma7, médio, o que possui duas turmas, e grande o que possui
três ou mais (normalmente os grandes possuem cinco turmas). No caso dos grandes, para evitar o
6
Os resultados deste estudo foram apresentados sob forma de painel – O trabalho agrícola temporário assalariado na
agroindústria canavieira: o caso do corte na região de Piracicaba – no Congresso da SOBER de 2005.
7
Cada turma tem cerca de 40 trabalhadores, o equivalente à lotação de um ônibus (que os transporta para o trabalho).
48
pagamento de impostos mais pesados8, são abertas diversas empresas, com CNPJs distintos, cada
uma delas com uma ou duas turmas. Até 2006 cada empreiteiro fazia sua própria contratação. Os
contratos coletivos – ou seja, pelo sindicato – passaram a ser feitos a partir do ano seguinte. Os
custos iniciais de operação9 – principalmente o de contratação – são normalmente bancados pelos
pequenos empreiteiros. Os grandes recebem uma ajuda de custo das usinas. Os trabalhadores
contratados pelos empreiteiros vêm principalmente da Bahia (Feira de Santana e grande região), da
Paraíba (São José das Piranhas e Cajazeiras) e do Ceará, em iguais proporções (Figura 1).
Figura 1
Regiões de origem dos trabalhadores sazonais contratados pelos empreiteiros de São Paulo
Fonte: IBGE (2010).
Quando os trabalhadores são contratados pelos empreiteiros, antes da contratação é feita uma
pré-seleção ainda na origem. Todos eles recebem seguro de vida (com apólice na mão), contratação
no local de moradia com carteira assinada, exame admissional (hemograma completo e exame
clínico), registro em carteira e ônibus fretado com seguro para o transporte até São Paulo. Esse
ônibus também é vistoriado pela vigilância sanitária (NR24 – condições de higiene e segurança) e
segurado.
8
O Sindicato estava se referindo à possibilidade da utilização do SIMPLES pelas pessoas jurídicas associadas.
Estão sendo considerados como custos iniciais de operação todas as etapas necessárias para a viabilização da mão de
obra, desde a seleção na cidade de origem dos trabalhadores, à chegada dos mesmos no estado de São Paulo.
9
49
O transporte é dividido em duas etapas: o transporte da origem até o estado de São Paulo
(alojamentos), e o transporte diário dos alojamentos até o local de trabalho. O deslocamento dos
trabalhadores de sua origem só é permitido através de ônibus fretado e segurado. Normalmente o
sindicato negocia a vinda com empresas transportadoras que existem nas duas pontas do percurso.
Antes do embarque, a vigilância sanitária faz uma vistoria e concede também uma autorização. O
transporte até o local do corte da cana é feito por turmas de cerca de 40 trabalhadores. Cada turma
tem seu responsável, chamado turmeiro. Ele acompanha o grupo desde a saída do alojamento até seu
retorno. O turmeiro pode ser também um cortador de cana, sendo remunerado pelos dois serviços
realizados. Neste caso, os ônibus são fornecidos diretamente pelas usinas ou pelos empreiteiros. O
custo do transporte diário é negociado previamente no ato do contrato coletivo entre dos
empreiteiros e a usina.
O processo de contratação é iniciado com a demanda da usina com o número de
trabalhadores necessários para a próxima safra. A partir daí, os empreiteiros entram em contato com
um trabalhador conhecido na região de origem (geralmente por telefone) – norte do estado de Minas
Gerais e Nordeste. É esse trabalhador quem faz a propaganda na sua cidade. A propaganda, por sua
vez, é feita das mais variadas formas: pela rádio, na praça da igreja, na missa e até com o apoio da
prefeitura. Ex.: o padre avisa durante a celebração que num determinado horário as pessoas deverão
se reunir embaixo do pé do imbuzeiro. Com o pessoal reunido, é feita uma pré-seleção, que inclui o
exame admissional, o registro na carteira e o seguro de vida (todas as exigências do governo federal
descritas anteriormente). Os trabalhadores contratados através do Sindicado dos Empreiteiros têm
entre 18 e 40 anos, e são provenientes de cidades pequenas – de 2.000 a 5.000 habitantes. A maioria
possui até 30 anos de idade.
Um representante dos empreiteiros vai para a região de origem dos trabalhadores apenas uns
cinco dias antes. Sua primeira parada é no Ministério do Trabalho na capital do estado, ou na cidade
mais próxima da origem dos trabalhadores, quando ele dá entrada na documentação necessária para
a contratação, incluindo fotos dos alojamentos e das condições de trabalho. A autorização é
concedida em cerca de 24 horas, momento em que o empreiteiro segue viagem para efetivar a
contratação dos trabalhadores. Apesar de todas as condições de trabalho serem corroboradas com
fotos, o Ministério do Trabalho visita estes alojamentos para confirmar as condições declaradas. Por
isso, todos os alojamentos possuem na entrada, de preferência num local visível, uma cópia do
documento de vistoria da vigilância sanitária.
50
Tanto o sindicato, quanto as usinas procuram contratar trabalhadores produtivos de safras
anteriores, ou que tiveram produção mediana e bom comportamento.10 Os empreiteiros participam
como intermediários das diferentes etapas de produção – plantio, controle de pragas, queima, corte,
limpeza da área cortada e transporte. Alguns podem até participar de mais de uma delas, mas o mais
recorrente é a especialização do empreiteiro em um dos serviços. A preferência é que os migrantes
sejam alocados no corte.
O contrato com os migrantes dura cerca de 6 meses. A média de produção é de 10 toneladas
por dia, com um salário mensal de R$1.000,00. Os gastos são em torno de R$250,00 por mês, que
inclui alimentação e alojamento. Do valor restante, apenas 25% é gasto na região de trabalho em
produtos, em geral, em eletroeletrônicos. Os outros 50% retornam com eles para as cidades de
origem.
Considerando 10 toneladas cortadas por dia por trabalhador, e 26 dias trabalhados no mês,
cada turma de 40 trabalhadores corta 10.400 toneladas mensais. Admitindo que o preço acordado na
última safra foi de R$6,59 por tonelada, a usina paga R$68.536,00 por turma ao empreiteiro. O
empreiteiro ganha, por turma e por mês, cerca de R$2.750,00, 4% do total pago pela usina.
3.2. As Condições de Vida dos Trabalhadores Sazonais em São Paulo
Os alojamentos modelo visitados na região de Piracicaba abrigam os trabalhadores sazonais
migrantes contratados somente pelo Sindicato dos Empreiteiros. Esse alojamento tem capacidade
para 120 trabalhadores, mas costuma receber entre 90 e 100 todos os anos. Os dois que visitamos
possuem cozinhas e refeitórios, e se localizavam dentro de antigas vilas de fazendas, juntamente
com os trabalhadores permanentes.
Todos os serviços extras oferecidos aos trabalhadores contratados pelos empreiteiros, como
moradia e alimentação, são pagos por eles mesmos, para evitar qualquer tipo de denúncia de
escravidão por dívida. Um dos serviços recorrentes é o de alimentação. Nos alojamentos visitados,
são contratadas cerca de três cozinheiras da origem dos trabalhadores para fazer a comida “do gosto
deles”. Os salários das cozinheiras e os alimentos que elas trazem estão incluídos no rateio dos
custos. O prato oferecido é sempre o mesmo todos os dias: arroz, feijão, farinha, carne (apenas de
vaca ou porco) e molho. O molho é uma mistura com sustância, tipo batata. A salada também é
oferecida, mas quase ninguém come. Nos armazéns próximos, os trabalhadores costumam comprar
10
O Sindicato nos confirmou a existência de uma lista de trabalhadores problemáticos, ou seja, uma lista com os nomes
daqueles que pelo menos uma vez não cumpriram com todas as exigências dos contratos anteriores. Essa lista é trocada
entre as usinas e os empreiteiros. Mas o contrário não acontece. Não há divulgação dos bons trabalhadores entre os dois.
51
alimentos para lanche e objetos de utilidade. O produto mais consumido fora das refeições costuma
ser cachaça e biscoito. As cozinheiras iniciam as suas atividades às 3h30 para que a primeira
refeição possa ser servida às 5h. Neste horário, os trabalhadores comem o equivalente ao nosso
almoço e separam uma segunda refeição para levar para o campo. Além do lanche, cada trabalhador
recebe uma garrafa térmica de água e um medidor para fazer soro caseiro. Atualmente os ônibus
também são obrigados a transportar água fresca e a ter um toldo para a pausa do almoço. Note que,
apesar das refeições serem oferecidas nos locais de moradia, elas são pagas pelos próprios
trabalhadores. Não há desconto em folha (no contra-cheque). Eles se organizam e elegem um
representante. Esse representante, com o auxílio do gerente do alojamento, faz um balanço de
quanto de comida vai comprar. O valor final é rateado pelo número de pessoas que está no
alojamento. Por esse motivo, os trabalhadores podem repetir as refeições quantas vezes quiserem. A
comida é servida dentro de bacias (como as que usamos para lavar roupa). O responsável pelos
alojamentos disse receber vistorias regulares da vigilância sanitária (NR24), que concede, por sua
vez, uma autorização de funcionamento, renovado a cada safra. Cópia deste documento fica exposta
em local visível próximo à porta de entrada.11
Em relação aos quartos dos alojamentos visitados, eles abrigam de 4 a 12 trabalhadores. São
disponibilizados, para cada trabalhador, um armário e uma cama, com colchão e travesseiro. As
camas são, em sua maioria, beliches. Os quartos menores (para quatro pessoas) costumam não ser
propriamente em alojamentos, mas em pequenas casas em antigas vilas de trabalhadores, localizadas
nos canaviais. As casas destas vilas são adaptadas para os trabalhadores, e as refeições feitas num
refeitório, também localizado na mesma vila.
Nos alojamentos que possuem cozinha industrial, o acesso a essa cozinha é restrito. O mais
comum é encontrar alojamentos que possuem uma pequena cozinha disponível para os
trabalhadores. Eles só podem usá-las para tarefas simples, como fritar um ovo, mas não para
preparar refeições completas. No caso das vilas, cada casa possui uma dessas pequenas cozinhas,
com funções semelhantes.
Os sanitários, as duchas e as pias são construídos separadamente. No caso das duchas,
algumas possuem água quente, mas a maioria é com água fria. Cada trabalhador tem seu material de
higiene pessoal, mas poucos são os que usam sabonete, shampoo e pasta de dente.
11
Estas cozinhas podem ser montadas pelos empreiteiros nos moldes das cozinhas industriais, mas também existem
casos em que as refeições são terceirizadas. Os pequenos empreiteiros não possuem capital para esses investimentos,
então preferem comprar as refeições de empreiteiros maiores ou até mesmo de restaurantes.
52
Em relação ao pagamento, os trabalhadores recebem até o dia 5 de cada mês. Para evitar
assaltos, o gerente do alojamento não avisa o dia preciso. Os pagamentos também são feitos por
turmas, nos dias de escala de folga. Nunca coincide do pagamento sair para todos ao mesmo tempo.
A escala de folga é de cinco pra um, ou seja, cinco dias trabalhados para um de folga.
Todos são orientados a não deixar qualquer quantia nos alojamentos. Aproveitando essa
orientação, um banco da região passou a oferecer à esses trabalhadores uma espécie de poupança, ou
a possibilidade de enviar seus salários para as suas respectivas famílias. Mas nem todos utilizam o
recurso por não conseguirem manusear o cartão magnético. Aliás, por esse motivo, o salário é pago
em cheque. Ainda sobre o pagamento, muitos trabalhadores trocam o cheque no próprio armazém,
próximo ao alojamento. O armazém, por sua vez, é avisado sobre a data e se prepara para fornecer o
dinheiro à vista. Os trabalhadores também têm a opção de irem até o centro da cidade para efetuar as
trocas nos bancos. Mesmo comprando diversas mercadorias, a grande maioria não gasta mais que
25% do salário na cidade de trabalho. Eles buscam economizar o máximo para levar o dinheiro de
volta para as suas famílias.
3.3. As Relações entre os Agentes Entrevistados na Região de Piracicaba
Antes de iniciar propriamente esta seção, é necessário apresentar a distinção entre dois personagens,
ora tratados pela literatura como semelhantes, mas que possuem posições singulares nas relações de
trabalho agrícola sazonal: o empreiteiro e o turmeiro. O empreiteiro é aquele que assina a carteira do
trabalhador, e pode ser classificado de acordo com o tipo de empreitada – pequeno, se tem apenas
um turmeiro, médio, se tem dois ou três turmeiros, ou grande, se tem quatro ou mais. O turmeiro é o
responsável pelo grupo de trabalhadores. Cada turma tem cerca de 40, o equivalente à lotação de um
ônibus (que os transporta para o trabalho). É bastante difícil ter turmas com número inferior de
trabalhadores. A Figura 2 apresenta os cinco agentes entrevistados e as relações entre os mesmos.
A Central de Pastoral, mais especificamente a Pastoral do Migrante, se relaciona apenas com
as usinas e com o Ministério do Trabalho. É pelas usinas que ela consegue a lista dos alojamentos a
serem visitados. Os seminaristas não visitam os alojamentos dos empreiteiros pela dificuldade de
acesso à listagem com a localização dos mesmos. Após as denúncias feitas pela Pastoral do
Migrante até as usinas passaram a restringir a atuação da igreja, já que ela se tornou uma ameaça à
sua produtividade. Aliás, as denúncias é que interligam a igreja e o Ministério do Trabalho.
Outra fonte recorrente de denúncia é o Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Os filiados que
se sentem de alguma forma prejudicados fazem a denúncia pessoalmente ou por telefone. O
53
Sindicato, por sua vez, sai para verificar se a denúncia e procedente ou não. A partir do momento
que ela é constatada, faz-se necessário o registro no Ministério do Trabalho.
Figura 2
Relação entre os agentes participantes do mercado de trabalho agrícola sazonal na região de
Piracicaba
Central de
Ministério
do Trabalho
Pastoral
Ministério
Público
Federal
Usinas
Sindicato
dos
Empreiteiros
Sindicato dos
Trabalhadores
Rurais
Fonte: Elaboração própria.
O Ministério do Trabalho também verifica se a denúncia é procedente e, embora o
denunciante permaneça no anonimato, todos seus dados são registrados. O intuito é evitar
emboscadas e possíveis mortes. Por isso, o Ministério não aceita denúncias por telefone e trabalha
com a Polícia Federal. A participação do Ministério Público é conseqüência do andamento do
processo.
As usinas são réus deste processo. Aliás, independente do contratante, ou seja, empreiteiro
ou não, as usinas são as únicas autuadas e punidas. Seus contratos podem ser diretos – entre a usina
e os trabalhadores, representados pelo Sindicato –, ou indiretos – entre a usina e os empreiteiros.
54
3.4. Tipos de Contratos Estabelecidos pelos Intermediários
Na região de Piracicaba ficou claro que, quando o intermediário participa da negociação do contrato
de safra, o serviço prestado é oferecido sob a forma de empreitada, ou seja, o contrato é feito por
tarefa e não apenas com o compromisso de fornecer mão de obra. A empreitada demandada pela
usina pode ser para o corte da cana, ou para o transporte da mesma até a usina, sendo que o
trabalhador sazonal participa apenas da primeira etapa. As relações contratuais de tarefas pelo
intermediário são apresentadas na Figura 3.
De acordo com a Figura 3, é possível perceber que a usina funciona como agente central, ora
contratando os serviços dos intermediários, ora coordenando o corte de cana tanto por parte dos
fornecedores quanto em suas próprias terras. As empreitadas apresentadas neste processo, quando
são realizadas nas terras dos fornecedores, são sempre intermediadas pela usina.
No caso dos trabalhadores sazonais, como já foi dito, eles podem ser contratados diretamente
pela usina ou por um empreiteiro. Os contratos, em ambos os casos, são feitos por 6 meses no início
da safra – por volta de maio de cada ano. Nos períodos de entressafra os trabalhadores também são
contratados temporariamente. Neste caso, o contratante é normalmente a usina, os trabalhadores são
da região e a forma de remuneração é distinta da do período de corte – já que eles não podem se
basear na produção.
Figura 3
Relação contratuais nas empreitadas de corte e transporte de cana12
Trabalhador
Sazonal
I
N
T
E
R
M
E
D
I
Á
R
I
O
corte da cana
transporte da cana para
a usina
U
S
I
N
A
Fornecedor
de Cana
Fonte: Elaboração própria.
12
Além do corte e do transporte da cana, existem outros tipos de empreitada, que serão explicadas na seção seguinte.
55
3.5. Tipos de Empreitada para as Usinas na Região de Piracicaba
Os empreiteiros podem ser classificados de acordo com o tipo de serviço prestado, e, para cada tipo
de serviço, são feitos contratos distintos. O empreiteiro pode ser responsável pelo corte da cana, pelo
plantio ou pela aplicação de herbicida, ou ainda pela combinação dessas tarefas, embora a primeira
seja a mais recorrente. Essa primeira tarefa pode ser combinada com o fornecimento do trator e o
carregamento (transporte) da cana do local de corte até a usina. Existe ainda o empreiteiro que
executa as três tarefas, além de arrendar terras da usina.13 Nesse caso, ele é o conhecido fornecedor
de cana.
Para os serviços que utilizam mão de obra de outros estados, os contratos dos empreiteiros
com as usinas são feitos considerando todos os custos adicionais, ou seja, todos os custos extras que
são gerados pelo trabalhador se encontrar em outro município – transporte, alojamento, etc. Por isso,
a usina paga apenas pela empreitada, e o empreiteiro executa a tarefa. Para exemplificar a relação
do empreiteiro da região de Piracicaba com a usina, a Tabela 1 apresenta todos os custos fixos e
variáveis utilizados pelo Sindicato para o cálculo do preço da tonelada na safra 2005/2006.
Pela Tabela 1 é possível perceber que, a partir do valor base para o cálculo da tonelada, a
viagem e o alojamento estão entre os custos mais significativos. Porém, apesar do trabalhador de
outras regiões ser mais oneroso, ele possui qualidades que o torna necessário nesse processo de
produção, dentre elas a estrutura física e a experiência no roçado. A predominância de jovens
também delimita ainda mais o grupo, já que, além da probabilidade de maior produtividade, esses
jovens têm menos chance de serem reprovados nos exames admissionais.14
Nas negociações, o sindicato monta uma proposta de valor por tonelada (como a da Tabela
1) e manda para as usinas. Algumas retornam para marcar uma conversa, dizendo qual tarefa,
provavelmente, será contratada e, conseqüentemente, qual o número estimado de trabalhadores que
será necessário para tal tarefa. O contrato é fechado após os trabalhadores chegarem.
13
Para os fornecedores de cana, o mais comum é ter as terras arrendadas da usina, mas na região de Piracicaba alguns
deles têm suas próprias terras para o plantio.
14
Nas cidades de origens, os trabalhadores fazem apenas um exame pré-admissional. Hemograma, Chagas,
eletrocardiograma e exame clínico (em especial, anemia, hérnia e varizes) são feitos apenas quando eles já estão em São
Paulo.
56
Tabela 1
Custos fixos e variáveis para o cálculo da tonelada da cana cortada, 2007
DESCRIÇÃO
R$
%
Valor da base de cálculo (valor inicial por tonelada)
2,4444
33,2657
CUSTOS VARIÁVEIS
Férias
1/3 sobre férias
13o salário
FGTS
Subtotal
0,2036
0,0679
0,2036
0,2118
0,6869
2,7708
0,9240
2,7708
2,8824
9,3480
CUSTO FIXO 1
Feriados
Exame admissional e demissional
Jornada 5X1
Horas transporte
Viagem
Alojamento
PPR*
EPIS*
Cesta básica*
Subtotal
0,0682
0,0683
0,4093
0,2301
0,4167
0,6750
0,0000
0,0000
0,0000
1,8676
0,9281
0,9295
5,5701
3,1314
5,6709
9,1860
0,0000
0,0000
0,0000
25,4160
CUSTO FIXO 2
Acidente de trabalho e auxílio doença
Escritório contábil e materiais de escritório
Transporte: combustível e manutenção
Toldo para ônibus
Salários fixos
Férias sobre os salários fixos
1/3 das férias sobre os salários fixos
13o salário sobre os salários fixos
FGTS sobre os salários fixos
Subtotal
0,0417
0,0875
0,5833
0,0333
0,1953
0,0163
0,0054
0,0163
0,0169
0,9960
0,5675
1,1908
7,9381
0,4532
2,6578
0,2218
0,0735
0,2218
0,2300
13,5545
0,6111
8,3164
0,7422
10,1006
7,3481
100
LUCRO SOBRE O VALOR
TONELADA
Simples (8,10%) + ISS (2%)
INICIAL
DA
TOTAL (Preço de Venda)
Fonte: Sindicato dos Empreiteiros de Capivari (2007).
* Itens estabelecidos na negociação como responsabilidade da usina.
4. Alemanha: Uma Visão Geral sobre o Fluxo Migratório do Leste Europeu
O estudo sobre a Alemanha foi realizado entre os anos de 2009 e 2010 no Instituto para o Futuro do
Trabalho (Forschungsinstitut zur Zukunft der Arbeit), em Bonn.
57
4.1. Uma Visão Histórica
Nos últimos 20 anos a Alemanha passou por transformações políticas e econômicas nunca antes
imaginadas. O processo de reunificação começou com a possibilidade dos cidadãos da República
Democrática Alemã (DDR) cruzarem a fronteira da Hungria em setembro de 1989. Alguns meses
depois – em novembro –, o muro de Berlim caiu, e no dia 3 de outubro de 1990, a Alemanha
celebrou a reunificação. Durante a sua existência, a antiga DDR alocou uma quantidade
considerável de recursos nos setores agrícola, energético, de mineração e de processamento,
enquanto que o Oeste se concentrou nas áreas de comércio e finanças (Kirsche e Noleppa, 2000).
Também havia diferenças significativas em relação aos preços e incentivos por parte do governo.
Por exemplo, se compararmos os preços dos produtos agrícolas entre as duas Alemanhas após a
reunificação, o preço absoluto de cada produto no Leste era muito maior, apesar do preço dos
fatores ser bem menor. Até o ajuste macroeconômico de 1991, a agricultura permaneceu como
sendo o setor principal no Leste.15
Não por acaso, os estados que compunham a antiga DDR continuaram tendo as maiores
propriedades rurais – tanto apenas em tamanho médio, como também em área absoluta (Instituto
Federal de Estatística da Alemanha, 2009). Entretanto, isso não significou que o setor criou novos
postos de trabalho. O Gráfico 1 apresenta a participação do emprego por setor desde 1950. Como
apresentado abaixo, apesar das estatísticas oficiais do governo considerarem apenas o território da
antiga República Federal da Alemanha até 1990, a partir dessa data o setor agrícola no Leste não foi
suficiente para impactar significativamente a estrutura de trabalho do País. Kirsche e Noleppa
(2000) argumentam que isso aconteceu por duas razões. A primeira foi a migração. Após a
reunificação muitas pessoas do Leste foram atraídas pelas oportunidades de emprego no Oeste, em
especial por setores não agrícolas. A segunda razão foi a intervenção do governo via subsídios, que
impactou diretamente a taxa de desemprego na antiga DDR. Os autores estimam que, se essas duas
coisas não tivessem ocorrido, o desemprego no Leste poderia atingir 30% em vez de 18% como de
fato ocorreu no ano de 1990. Häger e Hagelschuer (1996) analisaram esse fenômeno profundamente,
e concluíram que apesar da migração Leste-Oeste ter sido intensa no início de 1990, somente
metade dos trabalhadores que deixaram a produção agrícola encontraram emprego em outro setor, e
a outra metade permaneceu desempregado.
15
O ajuste macroeconômico de 1991 fez parte de um conjunto de políticas adotadas após a reunificação e tinha como
objetivo adaptar a economia do Leste, até então socialista, para os padrões capitalistas presentes no Oeste.
58
Gráfico 1
Participação do emprego por setor, Alemanha, 1950 a 2007*
80
70
60
%
50
40
30
20
10
0
1950
1955
1960
1965
1970
1975
1980
1985
1990
agricultura
1995
2000
indústria
2005
serviços
Fonte: Secretaria de Migrações e Refugiados (2006). Elaboração própria.
* Até 1990, os dados incluem apenas o território da antiga República Federal da Alemanha. Entre 1950 e 1959 foram
excluídos as áreas de Berlim e Saarland. Entre 1950 e 1969 as definições não foram baseadas no Sistema Europeu de
Contas Econômicas Integradas (ESA) – discriminação pela classificação das atividades, edição de 1979. A partir de
1970, os resultados foram baseados na ESA, de acordo com a revisão 2005/2006 – discriminação seguindo a
Classificação das Atividades Econômicas, edição de 2003 (Instituto Federal de Estatística da Alemanha).
Adicionalmente a isso, foi implementada em 1990 a primeira Lei de Ajuste Agrícola, que
pretendia privatizar as terras usadas para a agricultura na antiga DDR. Até então, a agricultura do
Leste era baseada num sistema de cooperativas, onde o Estado controlava grande parte da produção
através da utilização de terras públicas. Essa Lei foi mudada várias vezes a fim de esclarecer as
regras de distribuição de terras; entretanto, algumas características permaneceram. Uma delas é o
tamanho das propriedades. O Gráfico 2 mostra a estrutura das propriedades na Alemanha, por
estado.
59
Gráfico 2
Tamanho das propriedades por estado, Alemanha, 2007
3.500
3.000
(1 milhão de hectares)
2.500
2.000
1.500
1.000
500
2-20
20-40
40-100
en
at
ng
en
dt
st
a
St
a
in
st
e
-H
ol
w
ig
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n
Br
a
g
m
be
r
ür
tte
Ba
de
nW
nd
en
bu
rg
0
100-200
200-500
>500
Fonte: Instituto Federal de Estatística da Alemanha (2010). Elaboração própria.
De acordo com o Gráfico 2, os estados do leste – Brandenburg, Mecklenburg-Vorpommern,
Sachsen, Sachsen-Anhalt e Thüringen – ainda possuem as maiores propriedades, mas em termos de
número de propriedades os estados da Baviera e Niedersachsen são os principais. A estrutura das
propriedades e a sua distribuição territorial são muito importantes para estimar o número de
empregados necessários por cultura a cada ano. Isso reforça o impacto da distribuição de terras pela
Lei de Ajuste Agrícola, como a estrutura de emprego na agricultura alemã (Gráfico 3). Antes de
1990, a mão de obra prevalecente no setor era composta por conta própria. Típico das pequenas
propriedades – parte dos conta própria são provavelmente procedentes da agricultura familiar. Note
que, durante todo o período foi considerado o território da República Federal da Alemanha. Em
outras palavras, até 1990 o Gráfico 3 mostra somente o Oeste alemão, e a partir desse ano, o Leste e
o Oeste.
60
Gráfico 3
Participação do emprego na agricultura, Alemanha, 1950 a 2007
90
80
70
%
60
50
40
30
20
10
1950
1955
1960
1965
1970
1975
1980
1985
1990
1995
2000
conta própria
2005
empregados
Fonte: Instituto Federal de Estatística da Alemanha (2010). Elaboração própria.
Hoje em dia o território da República Federal da Alemanha compreende uma área de cerca
de 357.000 km2. Apesar da alta densidade populacional, 55% dessa área ainda é usada para a
agricultura e 30% para a silvicultura (Instituto Federal de Estatística da Alemanha, 2008). Em 2007
aproximadamente 1,26 milhão de pessoas ainda trabalhavam em tempo integral ou parcial no setor
agrícola. Isso representou cerca de 3% da população economicamente ativa, ou 41,4 milhões de
pessoas em 2007 (Bundesministerium für Ernährung, Landwirtschaft und Verbraucherschutz,
2006). Dos 3%, 58% eram agricultores familiares, 14% eram empregados como não membros da
família e 28% eram trabalhadores sazonais. Regularmente, cerca de 336.200 deles trabalham
sazonalmente em propriedades rurais, mas existe um contingente de trabalhadores informais que
fazem o mesmo serviço. Sabemos que na Alemanha quase unicamente imigrantes dos países da
Europa Central e do Leste trabalham sazonalmente na agricultura (formal ou informalmente), apesar
da elevada taxa de informalidade no País e das restrições legais no mercado de trabalho por parte do
governo (Hess, 2006).
61
4.2. Os Fluxos Migratórios Leste-Oeste
A Alemanha passou por seis fases de migração após a Segunda Guerra Mundial. São elas:
De 1945 a 1950: é composta pelo movimento de refugiados e de pessoas do Leste alemão.
Aproximadamente 8 milhões de refugiados migraram para a Alemanha nesse período;
De 1950 a 1961 (ano em que o muro de Berlim foi construído): um número grande de
fugitivos e Übersiedler migraram da DDR para o Oeste. Esse período também testemunhou
o primeiro movimento de imigração dos Aussiedler provenientes da então União Soviética,
resultado de acordos especiais celebrados entre o Chanceler Adenauer e as autoridades
soviéticas;16
Do final da década de 1950 a 1973: foi caracterizada pelos altos fluxos migratórios de
estrangeiros. Esses Gastarbeit, como eles acabaram sendo chamados, se mudaram para a
Alemanha no âmbito dos acordos de contratação bilateral com a Itália, Grécia, Iugoslávia,
Turquia, Espanha, Portugal, Marrocos e Tunísia. Dentre todos os países, destaque para a
Turquia. Esses acordos foram suspensos devido à primeira crise do petróleo em 1973;
De 1973 até o fim da década de 1970: foi marcado pelas conseqüências da proibição da
contratação de mão de obra, mas que gerou novas formas de contratação: dos membros das
famílias dos Gastarbeit. A ida das famílias contribuiu para estender a estadia deles no País;
De 1980 a 1988: foi caracterizado por dois desdobramentos bem diferentes: (a) pela
consolidação de fluxos migratórios dos Aussiedler, principalmente da Polônia, da União
Soviética e da Romênia; e (b) pelo acentuado aumento no número de requerentes de asilo
provenientes da Turquia, Polônia e Romênia. Para o primeiro grupo, o governo alemão se
baseou em políticas de apoio para a inserção desses países na economia de mercado e
possibilidade de cooperação econômica;17 e
De 1988 em diante: foi marcado por uma série de eventos, como: afluxo crescente de
Aussiedler da Europa Oriental, movimentos migratórios de Übersiedler provenientes da
antiga DDR, e um movimento mais amplo vindo da Polônia e da ex-União Soviética,
aumento no número de requerentes de asilo da ex-Iugoslávia, da África e da Ásia (Figura 4).
16
Übersiedler eram os alemães do Leste que migraram da antiga DDR para o Oeste alemão. Já os aussiedler eram os
alemães ou pessoas de origem alemã, que imigraram da Europa Central e Oriental para a Alemanha.
17
Os países que compõem a Europa Central e do Leste são chamados de MOE-Staaten.
62
Figura 4
Fluxo migratório do Leste europeu para a Alemanha
Fonte: Instituto Federal de Estatística da Alemanha (2010). Elaboração própria.
Na Alemanha, a falta de oferta de mão de obra não é explicada apenas pela assimetria de
informação. Além dos salários pagos no setor agrícola não serem atrativos se comparados com os
outros setores, o País conta ainda com uma ampla rede de assistência social. A diferença entre o que
um alemão desempregado ganha do governo, e o que é pago pelo setor agrícola é mínimo – em
alguns casos, não há diferença no rendimento líquido. Por isso, não há grande interesse por parte dos
alemães em trabalhar na agricultura. Mas, aproveitando esses postos de trabalho temporário, a
Alemanha decidiu assinar acordos para importação de mão de obra de países de fronteira, sob
condições específicas, como permissão limitada à permanência no país de destino, estabelecimento
de uma remuneração mínima18, pagamento de contribuições sociais, etc. Essa foi uma tentativa de
evitar a entrada de imigrantes ilegais, adotada também por outros países europeus.
Apesar da migração mais significativa ter ocorrido depois da queda do muro, é sabido que
antes de 1989 alguns grupos tinham permissão de entrar na Alemanha para trabalhar
18
Embora a Alemanha tenha um mínimo recebido por atividade e por setor, não há um salário mínimo nacional como no
Brasil.
63
temporariamente (Eichhorst, 2000). Entretanto, desde 1990 o governo alemão desenvolveu políticas
de restrição dos fluxos migratórios Leste-Oeste, incluindo novas regras para regular o mercado de
trabalho e também para controlar o processo de contratação de mão de obra.19
4.3. As Políticas Alemãs para o Mercado de Trabalho Agrícola
Os acordos assinados pela Alemanha sobre a contratação de mão de obra do Leste europeu para o
setor agrícola faz parte de um grande programa criado em 1990, que oferece postos de trabalho
temporários no País. Essa política foi seguida por outros países da Europa, mas não com as mesmas
dimensões que na Alemanha.20 Assim, esse programa contemplava cinco formas de contratação: (a)
por vínculo a projetos; (b) trabalhadores da fronteira; (c) Gastarbeit; (d) enfermeiros; e (e)
trabalhadores sazonais.
O primeiro programa permitiu que empresas alemãs pudessem subcontratar empresas
estrangeiras para a execução de partes de projetos, com seus respectivos empregados. Esse programa
incluiu diversos setores da economia – como o de construção civil – mas não o setor agrícola. A
permanência do empregado na Alemanha dependia diretamente do contrato entre as empresas alemã
e estrangeira. Havia um limite máximo anual de contratações, que variava de ano para ano, e
também de acordo com a procedência de cada país: em 1992, 100 mil empregados entraram na
Alemanha com o contrato com vínculo a projetos. Em 1993 e 1994 a quota foi reduzida para 50 mil,
em resposta a pleitos de empresas alemãs sobre concorrência desleal. A quota chegou a ser
aumentada de novo nos anos seguintes, mas alguns critérios obrigatórios foram introduzidos. Esses
critérios deveriam ser satisfeitos antes da concessão do visto de trabalho. Por exemplo, as empresas
contratantes eram obrigadas a garantir que as empresas subcontratadas pagariam aos seus
empregados o piso salarial da categoria, de modo a equiparar os salários dos estrangeiros com o dos
alemães. Por outro lado, como os contratos entre as empresas subcontratadas e seus empregados
eram feitos em outro país, os encargos trabalhistas, como as contribuições sociais, deveriam ser
recolhidas nos países de origem. Isso significa que, mesmo tentando assegurar o piso salarial, o
custo total da mão de obra era muito mais baixo se comparado ao empregado alemão. O programa
por vínculo a projetos foi praticamente direcionado à indústria da construção civil e atividades
relacionadas a elas. Em julho de 1997, a concessão dessa forma de visto de trabalho foi suspensa
19
Está sendo considerado como atividade agrícola não só aquela desenvolvida dentro da propriedade rural, mas também
as atividades da indústria de processamento (cadeia agroindustrial), como, por exemplo, a produção de derivados do
leite.
20
Como a Alemanha é um país de fronteira com o Leste europeu, esses programas são uma tentativa de controle da
imigração na fronteira.
64
após uma intervenção legal da Comissão Européia. A Comissão alegou que esse tipo de contratação
viola o princípio da liberdade de contratação de serviços por excluir outros membros da UE dos
acordos bilaterais. Entretanto, os outros quatro programas persistem até hoje, inclusive o de
trabalhadores sazonais.
O segundo programa – denominado de trabalhadores da fronteira – foi criado para os
moradores da Polônia e da República Tcheca que vivem em um raio de até 50 km da fronteira
alemã. Esse grupo tem permissão para trabalhar na Alemanha, se a Secretaria do Trabalho local
identificar que os residentes das cidades que demandam mão de obra não estão disponíveis para
essas vagas. Além disso, a atividade demandante deve ser a principal do estrangeiro e não pode ser
na indústria da construção civil. Os trabalhadores da fronteira têm que continuar a residir nos seus
países de origem e voltar para casa diariamente. De forma alternativa, eles podem trabalhar na
Alemanha por no máximo 2 dias por semana com pernoite. Atividades em tempo parcial não são
permitidas. A instituição dos contratos é obrigatória, assim como o piso salarial da categoria.
Os Gastarbeit fazem parte do terceiro programa. O conceito geral do Gastarbeit é bem
conhecido na Alemanha desde o fim da Segunda Guerra Mundial, mas as regras do programa
passaram por algumas mudanças. Desde 1990 esse programa permite aos jovens do Leste europeu e
alemães ir para outros países para melhorar as suas aptidões profissionais ou fluência na língua
estrangeira através de estadias de trabalho. Eles recebem pelo trabalho salário médio da categoria no
respectivo país. Os participantes devem ter entre 18 e 40 anos, ter concluído algum treinamento
profissional, e ter conhecimento básico do idioma do país de destino. Mas não há critérios de
admissão específicos sobre a avaliação da formação do jovem durante a sua estadia de trabalho.
O quarto programa é específico para enfermeiros estrangeiros. A maior parte deles é
proveniente da Iugoslávia. O quinto e último programa foi criado para preencher as vagas de curta
duração. Esse programa permite que estrangeiros ocupem os postos de trabalho sazonais, desde que
nenhum alemão queira ocupar essas vagas. Desde o final de 1993 a contratação de pessoas do Leste
europeu no âmbito desse programa tem sido limitada à agricultura e ao processamento de produtos
agrícolas, aos hotéis e restaurantes, e aos trabalhadores de feiras de negócios, porque até essa data,
muitos empregadores alemães usavam o programa de trabalho sazonal para contratar estrangeiros
para postos regulares – por exemplo, para preencher as vagas de empregados em férias na
construção civil. Com essa limitação, a agricultura e o processamento de produtos agrícolas
passaram a representar as principais atividades desse programa, com contratos de até 3 meses. Os
demais setores poderiam ainda contratar por um período um pouco maior. Outra característica do
programa é que a grande maioria dos estrangeiros contratados vem da Polônia. É importante
65
destacar que os trabalhos sazonais sempre representaram o principal programa dos cinco criados
pelo governo, e ainda hoje é responsável por criar de 200 a 300 mil postos de trabalho na Alemanha
por ano. A Tabela 2 apresenta o número de contratações nos primeiros anos de cada um desses
programas para o Leste europeu.
Tabela 2
Número de estrangeiros contratados na Alemanha, por programa, 1991 a 1996
Programa
Trabalhadores com vínculo a
projetos (1)
Trabalhadores da fronteira (1)
Gastarbeit (2)
Enfermeiros (2)
Trabalhadores sazonais (2) (3)
Total
1991
1992
1993
1994
1995
1996
51.770
7.000
2.234
90.000
93.592
12.400
5.057
1.455
212.000
67.270
11.200
5.771
506
164.377
39.070
8.000
5.529
412
140.656
47.565
8.500
5.478
367
176.590
44.020
7.500
4.351
398
203.856
151.004
324.504
249.124
193.667
238.500
260.125
Fonte: Hönekopp (2003).
(1) Pessoas ocupadas, média anual com base mensal.
(2) Posições de trabalho.
(3) Volume anual de trabalho.
De acordo com a Tabela 2, o programa de trabalhadores sazonais foi o mais significativo em
termos de política pública de geração de emprego para estrangeiros nos anos de 1990. Depois disso,
esse programa se tornou cada vez mais representativo – não só em termos de participação dentro dos
cinco programas para o Leste europeu, mas também se comparado com outras permissões de
trabalho do Anwerbestoppausnahmeverordnung (ASAV). A Tabela 3 apresenta o número de
permissões de acordo com as cláusulas de exceção.
66
Tabela 3
Permissões de trabalho de acordo com as cláusulas de exceção do ASAV, 2006
Nacionalidade
Trabalhadores
sazonais
212.883
5.645
1.084
1.455
117
Polônia
Eslováquia
República Tcheca
Hungria
Eslovênia
Estônia
Letônia
Lituânia
Total Declarado
4
221.188
Outros
8.796
1.451
1.269
1.022
61
57
48
102
12.806
Total
221.679
7.096
2.353
2.477
178
57
48
106
233.994
Fonte: Secretaria de Migrações e Refugiados (2006). Elaboração própria.
Não há informação detalhada por cada categoria. A desagregação mais próxima que
conseguimos da Secretaria do Trabalho na Alemanha a partir dos dados da Tabela 3 foi o país de
origem dos contratados para os trabalhos sazonais – agricultura, processamento de produtos
agrícolas e feira de negócios. Essa compilação de 1991 a 2007 se encontra na Tabela 4.
67
Tabela 4
Trabalhadores sazonais, por país de origem, 1991 a 2007
69.644 3.514.841
Total Declarado
Eslovênia
República Tcheca
6.984 7.781 12.027
5.753 3.465 3.939
5.574 5.443 3.722
5.732 6.255 3.391
5.839 6.365 2.347
4.665 5.534 2.182
5.101 6.158 2.031
5.943 8.375 3.235
6.157 10.054 2.913
5.913 10.654 2.791
5.069 9.578 2.235
4.680 8.995 1.974
4.598 7.502 1.625
4.785 6.778 1.232
4.647 5.122 1.087
4.402
7.235
5.346
2.458
2.841
3.516
3.572
3.200
3.485
4.139
4.783
4.227
3.504
2.784
2.305
1.806
1.800
2.907
3.853
2.272
3.879
4.975
4.961
6.236
7.499
11.842
18.015
22.233
24.599
27.190
33.083
51.190
56.893
1.114
601
600
559
466
359
302
311
264
257
223
195
159
141
119
71
70
131
188
203
236
332
825
1.349
1.492
1.434
1.249
1.320
1.293
1.182
128.688
212.442
181.037
155.217
192.766
220.894
225.951
231.810
230.345
263.805
286.940
307.182
318.549
333.690
329.795
303.492
299.657
81.440 108.059
61.403
281.627
5.670
11.375
4.222.260
46.731
Bulgária
Romênia
41.466
78.594
136.882
143.861
136.659
170.576
196.278
202.198
209.398
205.439
229.135
243.405
259.615
271.907
286.623
279.197
236.267
228.807
Eslováquia
32.214
37.430
Hungria
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
Total
Croácia
Iugoslávia (2)
13.478
27.988
Ano
Polônia
CSFR (1)
Nacionalidade
Fonte: Secretaria do Trabalho da Alemanha (2009).
(1) Até 1992, esses dados se referem à Tchecoslováquia (CSFR). A partir de 1993, esses dados
foram separados em Eslováquia e República Tcheca.
(2) Até 1992, esses dados se referem à Iugoslávia. A partir de 1993, os dados não foram mais
disponibilizados.
De acordo com a Secretaria do Trabalho, alguns critérios deveriam ser seguidos para a
contratação de trabalhadores sazonais. São eles:
O trabalhador sazonal pode ser contratado durante a rotação de culturas;
O salário pode ser pago por produto ou por peso;
As atividades são ao ar livre, com periodicidade regular, não importando as condições do
tempo;
Normalmente as atividades executadas pelo trabalhador sazonal exigem pouca qualificação,
mas muito esforço físico; e
68
Os trabalhadores sazonais devem ser transportados todos os dias de seus alojamentos para os
locais de trabalho nas áreas rurais.
No geral, os salários são inferiores aqueles pagos nos demais setores, e têm um baixo
reconhecimento social – determinado principalmente pela baixa qualificação.
4.4. Como contratar um estrangeiro como trabalhador sazonal?
De acordo com a Secretaria do Trabalho, a agricultura familiar era muito mais comum em épocas
anteriores na Alemanha. Hoje em dia as propriedades rurais alemãs são grandes produtoras, e
funcionam como uma indústria, sendo responsável pelas diferentes etapas de produção, incluindo as
que adicionam valor até o produto final. Esse tipo de empresa agrícola realiza, portanto, a seleção,
embalagem, rotulagem, transporte e venda dos seus produtos. Assim, quando se fala em mercado de
trabalho agrícola na Alemanha nos referimos a todas as etapas de produção.
Devido ao aumento no número de trabalhadores sazonais no mercado de trabalho (Tabela 4),
o governo decidiu iniciar uma política de substituição de mão de obra estrangeira por
desempregados alemães. Essa política foi iniciada com a safra 2006/2007. A idéia era fazer com que
os então desempregados dependessem menos da assistência social, começando com contratos de
curta duração – podendo ser renovados nas safras seguintes ou substituídos por contratos de longa
duração. O governo federal percebeu nessa política benefícios para ambos os lados: o trabalhador
teria a possibilidade de retornar para o mercado de trabalho, e o governo importaria menos mão de
obra – além de diminuir os gastos com a assistência social e a taxa de desemprego. O governo ainda
defende que a mão de obra nacional é mais barata, já que os produtores não precisam pagar os
alguns custos de contratação. Mas, na prática, a substituição proposta pelo governo não foi tão
simples assim.
Os atuais desempregados alemães alegam que o tipo de atividade exige esforço físico
demasiado, e os salários recebidos são muito próximos ao que eles já ganham de assistência social.
O desinteresse por parte dos alemães também pode ser verificado pela opinião dos agricultores.
Segundo eles, os alemães que são contratados para atividades sazonais na agricultura não executam
as tarefas de forma satisfatória. Foram identificadas situações em que eles abandonam o trabalho
antes do final do contrato, além de faltar confiança, motivação e até força física. Por outro lado, o
governo reconhece que mesmo que os desempregados migrem para o setor agrícola, eles não serão
suficientes para atender toda a demanda. Essa é a razão pela qual o governo alemão ainda tem que
pensar na contratação de estrangeiros, especialmente para períodos específicos, como o de colheita.
As leis que regulam esse mercado são: gesetzliche Regelungen und Verordnungen (Sozialgesetzbuch
69
Drittes Buch – SGB III), Eckpunkteregelung des Bundesministerium für Arbeit und Soziales
(BMAS) mit Garantieregelung (SGB III), e Vermittlungsabsprachen mit ausländischen
Partnerverwaltungen. Na agricultura, além dos alemães, dois grupos de estrangeiros podem ser
contratados:
Trabalhadores dos novos países membros da UE (Polônia, Eslováquia, Eslovênia, República
Tcheca, Hungria e Romênia)21; e
Trabalhadores de países de terceiro mundo (Croácia).
O processo de contratação dos dois grupos é idêntico. A única diferença é que no segundo, o
governo alemão exige também visto de trabalho. Eles são contratados sob as seguintes condições:
Para os estrangeiros, deve haver um acordo entre as Secretarias do Trabalho da Alemanha e
do país ofertante de mão de obra;
A vaga ocupada pelo estrangeiro não deve gerar impactos adversos no mercado de trabalho
alemão; e
Alemães e estrangeiros devem ter iguais condições de trabalho e salário – o que corresponde
à remuneração entre 3,30€ e 7,50€ por hora.22
Os estrangeiros são autorizados a trabalhar na Alemanha durante 4 meses por ano, no entanto
os produtores só podem usar mão de obra estrangeira por 8 meses. Isso significa que os produtores
têm que compartilhar seu calendário anual entre, pelo menos, 4 meses com mão de obra nacional e 8
meses com mão de obra estrangeira. Para algumas culturas, como o tabaco, vinho, frutas, legumes e
lúpulo, o período de contratação cai de 8 para 6 meses ao ano. Nesse caso, os produtores podem
contratar estrangeiros durante todo o ano.
Logo que os produtores sabem quantos trabalhadores eles querem contratar, eles entram em
contato com a Secretaria do Trabalho na Alemanha. Em seguida a Secretaria autoriza o
recrutamento e calcula quantos estrangeiros o produtor está autorizado a contratar.
21
A Alemanha só assinou acordo com esses novos países membros da EU. A única exceção é a Bulgária, que o acordo é
restrito aos hotéis e aos serviços de bufê.
22
O salário pode variar de estado para estado, e também do tipo de cultura.
70
Box 1
Como calcular a quantidade de estrangeiros contratados permitida por produtor?
A Eckpunktregelung (Regra de Canto)!
Como foi apresentado nessa seção, o governo mudou a regra de contratação, a fim de promover a
inserção de alemães no setor agrícola. Com a adoção dessa política, alguns passos devem ser seguidos. O
primeiro é verificar quantos estrangeiros foram contratados no ano civil anterior. Note que o governo
considera para a regra ano civil e não ano safra. Com base no total, os produtores estão autorizados a
contratar apenas 80% do número de trabalhadores contratados no ano anterior. Se a demanda do produtor for
superior a 80%, ele precisará obter uma permissão especial da Secretaria do Trabalho. A Secretaria verifica a
taxa de desemprego na região de demanda de mão de obra, e pode conceder a contratação de até 90%. Para os
pequenos produtores, é possível contratar até 4 estrangeiros sem a permissão da Secretaria. Outra exceção é
condicional à taxa de desemprego regional. Se essa taxa estiver abaixo de 20% da taxa nacional, os
produtores dessa região estão autorizados a contratar até 90% de estrangeiros sem permissão especial da
Secretaria do Trabalho.
Está claro que essa política pública tem como objetivo reduzir o desemprego e não depender tanto de
mão de obra estrangeira na produção agrícola!
Todas as formalidades contratuais são tratadas pela Secretaria do Trabalho, tanto para os
alemães quanto para os estrangeiros. Em ambos os casos, a Secretaria usa um contrato padrão, com
os dados do produtor e do futuro empregado.23 Se a contratação for feita fora da Alemanha, a
Secretaria transmite ao órgão responsável do país de origem a sua demanda. Esse órgão publica a
oferta de emprego na Alemanha e faz a primeira seleção dos candidatos. A demanda do produtor é
geralmente dirigida a um trabalhador conhecido ou indicado por alguém de confiança do produtor.
Para cada estrangeiro contratado, a Secretaria do Trabalho cobra 60€ por trabalhador, que
corresponde a um dos itens dos custos de contratação. O trabalhador recebe um visto de permissão
para 120 dias.24 Como apresentado, a Secretaria do Trabalho só contrata mão de obra provenientes
de países que assinaram o acordo de cooperação – novos países membros da EU e a Croácia.
Algumas considerações devem ser feitas sobre o pagamento das contribuições sociais para a
contratação dos trabalhadores sazonais. São elas:
23
É importante destacar que até 2004 alguns países que enviavam trabalhadores para a Alemanha – como no caso da
Polônia – dividiam com a Secretaria do Trabalho alemã parte do processo de contratação. Hoje em dia, devido à Leis
mais rígidas de entrada de estrangeiros no País, isso não é mais possível.
24
A Secretaria do Trabalho concede um visto de permanência maior para os estrangeiros que vão para a Alemanha
trabalhar nas feiras de negócios, mas essa prorrogação não é válida para o setor agrícola.
71
Seguro para trabalhadores originários de países-membro da UE: é obrigatório possuir o
Cartão Europeu do Seguro Saúde (European Health Insurance Card). A contribuição é paga
no país de origem, embora a Alemanha exija que uma espécie de registro de controle.
Existem ainda regras específicas, como as referentes aos conta própria, mas como elas não se
referem aos sazonais, não serão mencionadas no presente artigo;
Seguro saúde (Krankenversicherung): se o estrangeiro não tem o Cartão Europeu do Seguro
Saúde, o produtor tem que pagar o seguro saúde separadamente. Caso o produtor não pague,
ele se torna responsável por todos os custos do empregado (acidente, tratamento após o
acidente, e todas as situações que geralmente são cobertas pelo seguro saúde regular);
Seguro contra acidentes (Unfallversicherung): pago na Alemanha para todos os
trabalhadores sazonais; e
Contribuições sociais (Sozialversicherung): incluído nos contratos dos trabalhadores
sazonais apenas se a duração for superior a 2 meses.
5. Considerações Finais
Este artigo teve como objetivo apresentar uma compilação de dois estudos realizados entre os anos
de 2006 e 2010 sobre intermediação de mão de obra. No estudo de caso sobre o corte de cana na
região de Piracicaba, verificamos que as diferentes atividades na produção de cana-de-açúcar –
plantio, controle de pragas, queima, corte, limpeza da área cortada e transporte – são quase sempre
intermediadas por um prestador de serviço, chamado de empreiteiro. Essa intermediação é bastante
heterogênea, inclusive para a mesma região, ou seja, o mesmo agente ora contrata e supervisiona,
ora só supervisiona, e ora apenas paga pelo serviço prestado.
A legalidade do empreiteiro é questionada tanto pelas usinas, como pelo Ministério do
Trabalho, mas o Sindicato dos Empreiteiros de Capivari sobrevive até os dias de hoje com base na
Lei no 6.019, que diz que “a contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formandose o vínculo diretamente com o tomador de serviços, salvo no caso de trabalho temporário”. Até a
visita ao Sindicato, acreditávamos que a dificuldade da instauração do trabalho sazonal na
agricultura estivesse na classificação da tarefa do trabalhador contratado. Caso fosse caracterizado
como atividade meio, estava assegurada a viabilidade jurídica. Do contrário, os trabalhadores se
encontrariam em situação ilegal. Contudo, a Lei no 6.019, que dispõe sobre as empresas de trabalho
temporário, se restringe às áreas urbanas. Não há, portanto, a menor possibilidade de se contratar
temporários e de se prestar serviço no setor agrícola.
72
É importante observar que, após a visita a região de Piracicaba, ficou claro que os
empreiteiros não são meros intermediários de mão de obra. Na verdade, todos os contratos
estabelecidos entre empreiteiros e usinas se baseiam no sistema de empreitada, como apresentado na
Tabela 1. No ato do contrato, a usina tem uma estimativa de quantos trabalhadores serão necessários
para executar tal tarefa, mas a decisão de contratação e a responsabilidade da execução é do
empreiteiro.
Por isso, se a Lei no 6.019 fosse aplicável ao campo, o sistema de empreitada poderia ser
executado a partir do cumprimento das atividades acordadas. O empreiteiro poderia ser considerado
como um empregador rural, assim como a usina, já que, pela definição, “empregador rural é a
pessoa física ou jurídica, proprietária ou não, que explore atividade agroeconômica, em caráter
permanente ou temporário, diretamente ou através de prepostos com auxílio de empregados”,
respondendo por todas as obrigações contratuais. Assim como no caso do empregador rural, essas
atividades poderiam ser agrícolas, pastoris, hortigranjeiras, bem como extração de produtos
primários animais ou vegetais; e o que definiria se a atividade é rural ou não, seria o local de
execução da atividade – devendo ser em estabelecimento rural ou em prédio rústico. Essa é a
interpretação verificada na atuação do Sindicato dos Empreiteiros. Mas a jurisprudência dos
tribunais não entende de forma diferente.
Em relação à produção, observamos que o controle é feito pela quantidade produzida pelo
campeão. Campeão é o nome dado ao trabalhador que mais cortou cana naquele dia. Ele acompanha
o transporte até a usina e confere quanto ele próprio cortou. Os demais trabalhadores receberão
proporcional à ele, já que eles fazem a estimativa por trabalhador e por quadra. Os empreiteiros de
Capivari se encontram bastante organizados, com contratos padronizados, serviços básicos
oferecidos na própria sede, e estrutura de transporte e alojamento para os trabalhadores sazonais.
Apenas 20% dos que prestam este tipo de serviço na região ainda não é sindicalizado.
O sistema de empreitada na região de Piracicaba é um bom exemplo de como as relações de
trabalho podem beneficiar produtores, trabalhadores sazonais e os próprios intermediários.
Entretanto, sabemos que o sistema apresentado neste artigo é uma exceção dentro das condições
atuais oferecidas aos trabalhadores. O governo brasileiro deveria aproveitar a disponibilidade de um
contingente de sua própria população para suprir a demanda doméstica de mão de obra nas
atividades agrícolas. Nesse sentido, a legalização do intermediário e a redução da burocracia para os
contratos de safra poderiam representar não só o aumento no grau de formalização, mas também a
redução da pobreza nas áreas rurais através do impacto na renda domiciliar per capita.
73
Como destaca Vandeman et al. (1991), a capacidade desse intermediário de distribuir os
custos fixos de contratação de mão de obra por vários produtores e de aliviar esses produtores das
tarefas difíceis de seleção e de supervisão de mão de obra é que explicam sua prevalência na
agricultura. Vandeman (1988) destaca ainda que a quantidade de trabalhadores contratados e suas
respectivas jornadas de trabalho não são suficientes para garantir um nível médio de produção, o
que, segundo a autora, reforça a importância da existência de um intermediário, que se
responsabiliza pelo cumprimento da tarefa. Entretanto, nos dois estudos apresentados, não há meios
legais de se viabilizar o intermediário. No caso do Brasil, mesmo ilegal, o intermediário continua
existindo. No caso da Alemanha, os produtores contam com uma estrutura pública de apoio à
contratação de mão de obra sazonal, que pode ser interpretada até como uma espécie de
intermediário. Sem dúvida, essa estrutura reduz bastante o problema de oferta de mão de obra, e
conseqüentemente, da qualidade do trabalho ofertado. Mas também foi observado que os produtores,
em ambos os países, tendem a dirigir suas demandas aos trabalhadores conhecidos ou indicados por
alguém de confiança.25 Esse aspecto só reforça a importância da mão de obra na agricultura frente
aos demais setores porque, se o trabalhador fizer algo de errado ou entrar em greve, o produtor
poderá perder parte (ou toda) a sua produção daquele ano.
Outro aspecto merecedor de destaque é que o intermediário, mesmo sob o papel do Estado,
pode contribuir para a formalização, mas não é condição suficiente para garantir que todos os
trabalhadores tenham carteira assinada. No campo, o trabalhador não tem margem de negociação de
salário, nem opção de alimentação ou alojamento, o que contribui fortemente para condições de
trabalho precárias e salários abaixo da média nacional.
Com o intuito de reduzir ainda mais o número de trabalhadores informais na agricultura – em
especial os estrangeiros – e a taxa de desemprego no País, o governo alemão estabeleceu a Regra de
Canto a partir da safra 2006/2007. Em setembro de 2009, a Secretaria do Trabalho publicou os
primeiros resultados dessa política (Gráfico 4), que se mostraram bastante satisfatórios sob o ponto
de vista das metas estabelecidas. Novamente observamos uma forte intervenção do governo federal,
mas que dentre algumas safras, poderá esbarrar na falta de oferta de mão de obra nacional para o
setor.
25
Na cana, particularmente, os empreiteiros compartilham com as usinas a lista de trabalhadores que já apresentaram
algum tipo de problema. Contudo, a lista com os nomes dos trabalhadores bons é mantida em segredo.
74
Gráfico 4
Emprego na agricultura e a Regra de Canto, 2007 e 2008
350
300
Número (1.000)
250
200
150
100
50
0
Janeiro
Fevereiro
Março
Abril
Maio
Junho
Julho
Agosto
2007
Setembro
2008
Outubro
Novembro
Dezembro
Regra de Canto
Fonte: Secretaria do Trabalho da Alemanha (2009). Elaboração própria.
Por fim, a Tabela 5 apresenta as principais características da contratação de trabalhadores sazonais
no Brasil e na Alemanha. Algumas delas são bastante semelhantes, como a idade de admissão, o tipo
de trabalho executado, e o local da assinatura do contrato. Mas duas características também chamam
a atenção. A primeira delas se refere aos custos com transporte – cidade de origem ao local de
trabalho e do alojamento ao local de execução da tarefa –, alimentação e alojamento. Todos esses
itens podem ser negociados nos contratos de trabalho na Alemanha, e variam de acordo com o
salário pago por hora e a localização da cidade de origem do trabalhador. No Brasil, a
responsabilidade desses custos é bem definida: todos os custos com transporte ficam a cargo do
produtor, e aqueles com alojamento e comida, a cargo dos sazonais.
A segunda característica se refere ao pagamento do seguro saúde na Alemanha. Até 2004,
não era obrigatório para os trabalhadores sazonais que tivessem contratos de até 3 meses, se eles
viessem de países não pertencentes a UE – o que representava praticamente todos os países que
tinham acordos com a Alemanha. Se o contrato fosse superior a 3 meses, o trabalhador entraria na
Lei de exceção ASAV.
75
Tabela 5
Contratação de trabalhadores sazonais, Brasil e Alemanha, 2010*
Característica
Lei
Origem dos trabalhadores*
Idade*
Tipo de contrato
Duração do contrato
Tipo de trabalho*
Alemanha
gesetzliche Regelungen und
Verordnungen
(Sozialgesetzbuch Drittes Buch
– SGB III), Eckpunkteregelung
des Bundesministerium für
Arbeit und Soziales (BMAS)
mit Garantieregelung (SGB
III), e Vermittlungsabsprachen
mit
ausländischen
Partnerverwaltungen.
A maior parte vem de fora do
País, em especial da Polônia,
Romênia, Eslováquia e Croácia.
A partir de 18 anos. A idade
predominante é de 20 a 39 anos,
mas a idade não pode ser
considerada uma barreira de
entrada.
Para o estrangeiro tem uma Lei
de exceção (ASAV), válida
para a agricultura e outros
setores.
Até 3 meses por trabalhador
estrangeiro, mas o proprietário
pode contratar estrangeiros por
até 8 meses.
Normalmente
atividades
referentes à colheita e ao
processamento de produtos
agrícolas.
Brasil
Lei no 5.889, de 8 de junho de
1973, e a CLT, para o que não
colidir com ela.
Somente de dentro do País, em
especial do estado de Minas
Gerais, e das regiões Norte e
Nordeste.
A partir de 18 anos, mas a
maior parte deles tem menos de
30 anos, é homem, e trabalha
em média por 5 safras.
Válido
somente
agricultura.
para
a
Não há restrição.
Nas diferentes etapas de
produção – plantio, controle de
pragas, queima, corte, limpeza
da área cortada e transporte.
Mas o mais comum é no corte
da cana.
Grandes
produtores.
Os
pequenos não têm conseguem
arcar com os custos de
contratação da forma como a
Lei exige.
Oficialmente o salário é
baseado no salário mínimo, mas
sem contrato os trabalhadores
aceitam receber menos.
Tipo de propriedade rural
Pequenos e médios produtores
(para os padrões brasileiros),
produzindo para os mercados
local e regional.
Salário
Entre 3,30€ e 7,50€ por hora,
que é uma remuneração baixa
para o País. Estrangeiros e
alemães devem receber o
mesmo, mas os ilegais recebem
ainda menos.
O produtor envia sua demanda Os produtores são responsáveis
à Secretaria do Trabalho. A pela contratação de sua mão de
Secretaria se responsabiliza por obra.
todo o processo de contratação.
Forma de contratação
76
Onde o contrato de trabalho Na cidade de origem. Se o
trabalhador for estrangeiro, ele
é assinado?
já deve ter o visto de trabalho.
Custo fixo de 60€ por
Custos de contratação
trabalhador, pago à Secretaria
do Trabalho.
Até 2004, os contratos com
Contribuições sociais
duração inferior a 3 meses não
incluíam o pagamento de
contribuições sociais.
Custos
com
transporte É negociado entre o produtor e
(cidade de origem ao local de o trabalhador no início do
trabalho e do alojamento ao contrato.
local de execução da tarefa)
Custos com alojamento e É negociado entre o produtor e
o trabalhador no início do
alimentação
contrato.
Na cidade de origem.
Custo variável. Depende do
local de origem do trabalhador.
As mesmas contribuições pagas
aos trabalhadores permanentes.
Custos pagos pelos produtores.
Custos
pagos
trabalhadores.
pelos
Fonte: Elaboração própria.
* No caso do Brasil, se refere às características específicas da produção de cana-de-açúcar.
No caso do Brasil, oficialmente o sazonal tem os mesmos direito que os trabalhadores
permanentes. Na prática, os custos de contratação são relativamente altos se comparado ao período
em que a tarefa é executada e, a associação com a dificuldade de fiscalização, contribui de forma
expressiva para os atuais 80% de informalidade na agricultura. Na expectativa de adequar a
legislação trabalhista ao padrão de produção agrícola brasileiro, existem alguns projetos de lei
transitando no Congresso Nacional. Entretanto, é difícil prever o desdobramento dessas propostas.
Enquanto isso, a expansão da mecanização é motivada pelo atrativo mercado de crédito de
investimento, uma dupla perda para o trabalhador agrícola.
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78
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Contract Choice in California Agriculture. American Journal of Agricultural Economics,
vol.73, n.3, pp.681-692, agosto de 1991.
79
ANEXO I
Direitos dos trabalhadores sazonais, 2009*
PARCELAS
Vigência do Contrato
Despedida sem justa causa Pedido de demissão antes do
antes do término do contrato
término do contrato
Na rescisão ou término do
contrato
É direito
Fundamento
É direito
Fundamento
É direito
Fundamento
È direito
Fundamento
Salário
Descanso semanal remunerado
Sim
Sim
-
D. 3.048/99
Art. 81
-
Sim
D. 3.048/99
Art. 81
-
Salário-família
D. 3.048/99 Art.
81
Auxílio-doença (até 15 dias)
Sim
Salário-maternidade
Sim
13º salário proporcional
Não
Art. 78/CLT
L. 605/Art. 2º
D. 3.048/99
Art. 81
D. 3048/99
Art. 71
D. 3.048/99
Art. 93
-
Férias proporcional
Não
-
Sim
Sim
Sim
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
Sim
L. 4.090/62
Sim
Sim
L. 4.090/62
Sim
Art. 146/CLT
Sim
Sim
Art. 147/CLT
Sim
Art. 7º-XVII/CF
Sim
Não
Não
Não
Não
Não
Sim
Sim
L. 8.036/90
Art. 59/CLT
L. 5.889/73
-
-
Adicional constitucional de 1/3 das férias
Não
-
Sim
FGTS
Indenização ref. a 50% do prazo restante
Multa de 40% do FGTS
Estabilidade provisória
Aviso prévio
Seguro desemprego
Horas extras
Adicional noturno
Sim
Não
Não
Não
Não
Não
Sim
Sim
Sim
Sim
Sim
Não
Não
Sim
Sim
Sim
Licença paternidade
Sim
L. 8.036/90
Art. 59/CLT
L. 5.889/73
Art.
10/ADCT/CF
Art. 7ºXVII/CF
L. 8.036/90
Art. 479/CLT
L. 8.036/90
L. 7.998/90
Art. 59/CLT
L. 5.889/73
-
-
Não
Não
Não
Não
Não
Não
Sim
Sim
L. 4.090/62
Súmula 261
do TST
Art. 7ºXVII/CF
Art. 59/CLT
L. 5.889/73
-
-
Sim
Fonte: CNA.
* Siglas: D = Decreto; L = Lei; CF = Constituição Federal; CLT = Consolidação das Leis do Trabalho; e Art. = Artigo.
80
Artigo 3
COMO REDUZIR OS NÍVEIS DE INFORMALIDADE NA
AGRICULTURA?
UM MODELO DE MICRO-SIMULAÇÃO PARA O BRASIL1
1. Introdução
Em setembro de 2009, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou a
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) com a qual foi possível calcular o
percentual de informalidade nas atividades agrícolas para o ano de 2008. Entende-se por
informalidade o não recolhimento da contribuição para um instituto de previdência.2
Apesar do aumento da fiscalização federal e da mobilização da Justiça do Trabalho no
intuito de punir com mais rigor os produtores que não cumprem a legislação trabalhista no
campo, para o ano de 2008 a informalidade presente nas relações de trabalho continuou próxima
dos 80%, pouco se diferenciando dos 86% calculados a partir da mesma pesquisa para o ano de
1998.3 Esse percentual, além de significativo, indica que os esforços de diferentes agentes do
governo não estão sendo suficientes para melhorar as condições de vida dos trabalhadores rurais.
Em outras palavras, os resultados dessas ações estão muito aquém do necessário para garantir as
condições mínimas de vida desse contingente. O objetivo do presente artigo é apresentar
alternativas para a redução dos níveis de informalidade nas atividades agrícolas através da
flexibilização dos encargos trabalhistas e, conseqüentemente, da pobreza nas áreas rurais do país.
Flexibilizar, nesse caso, não significa perda de direitos para os trabalhadores. Pelo contrário. Os
resultados apresentados neste artigo podem servir de base para futuros estudos sobre políticas de
inclusão do trabalhador rural no sistema de seguridade social. Nesse sentido, a hipótese adotada
1
Artigo elaborado com o apoio financeiro do Projeto Nemesis (http://www.nemesis.org.br), em parceria como
Departamento de Economia Política da Universidade de Siena (Itália). Uma versão preliminar está no prelo como
texto para discussão na Universidade de Siena: http://www.econ-pol.unisi.it/dipartimento/en/frontpage.
2
Note que o termo setor informal foi utilizado pela primeira vez pela Organização das Nações Unidas (ONU), mais
especificamente pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), para descrever as atividades dos trabalhadores
pobres que executavam suas tarefas sob condições não reconhecidas, registradas, protegidas ou reguladas pelas
autoridades públicas na África em 1972 (Vargha, 1992). De lá pra cá esse termo foi sendo incorporado pelas
diferentes áreas da ciência, e hoje em dia raramente se analisa o mercado de trabalho sem falar de informalidade. O
cálculo da informalidade a partir da contribuição previdenciária é uma das alternativas possíveis na PNAD.
3
Para o cálculo da informalidade foram usadas as variáveis V4747 e V4711, que se referem à contribuição para um
instituto de previdência – federal, estadual ou municipal. Outra possibilidade de análise da informalidade pela
PNAD é a verificação da assinatura da carteira de trabalho (V4706). Pela legislação brasileira, essas duas condições
são necessárias. Entretanto, optamos pela primeira porque é sabido que alguns empregadores, apesar de assinar a
carteira de seus empregados, atrasam com o pagamento da contribuição social. Além disso, como será visto na seção
3, a contribuição social é o que conta para efeito do Imposto de Renda.
81
aqui é que há um problema estrutural de regulação, e que para se reduzir o cenário atual de
informalidade, faz-se necessária uma revisão na legislação trabalhista vigente.
A proposta do presente estudo foi possível a partir da análise dos rendimentos mensais de
cada indivíduo. Assim, pelos microdados da PNAD recompomos os agregados do setor famílias
das Contas Econômicas Integradas (CEI), utilizando as regras do Imposto de Renda (IR) e a
legislação trabalhista. Após a checagem desses agregados, doravante chamado de realidade,
foram simulados mais dois cenários alternativos para o Brasil e para o setor agrícola, quais
sejam: a formalização via empregador – onde apenas o empregador paga os encargos trabalhistas
– e a formalização via empregado – onde o empregador não abre mão de gastar o montante atual
pelo serviço prestado, cabendo, portanto, ao empregado pagar todos os encargos trabalhistas.
Utilizamos como base de dados a PNAD do ano de 2008, os dados da CEI do Sistema de Contas
Nacionais (SCN) de 2006, e as regras da declaração do IR de 2009, que tem como ano base
fiscal o ano-calendário de 2008, além da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e da Lei no
5.8894, que estatui as normas reguladoras do trabalho rural no Brasil.
A passagem da condição de cada indivíduo empregado de informal para formal foi feita
através do Modelo de Micro-Simulação de Siena (SM2), que é um modelo robusto de conversão
de rendimento bruto em líquido, a nível domiciliar e individual – e que já foi utilizado
amplamente pelo EUROSTAT em outros países da Europa.5
O presente artigo está organizado em cinco seções, incluindo esta introdução. A segunda
seção apresenta uma descrição detalhada da metodologia, das bases de dados empregadas, e da
compatibilização da PNAD com a CEI para a checagem dos resultados do cenário 1, doravante
chamado de realidade. A seção três descreve o sistema tributário brasileiro vigente em 2008, o
que inclui os custos sociais do trabalho e as regras para a declaração do imposto de renda. A
aplicação do modelo SM2 é feita na seção quatro, onde também são apresentadas as
considerações adotadas para o uso da PNAD e descritos os cenários propostos tanto para o Brasil
quanto para o setor agrícola. Finalmente a seção cinco apresenta os resultados preliminares e
considerações finais sobre o presente estudo.
2. Metodologia
2.1. Os Modelos de Micro-Simulação
Os modelos de micro-simulação são amplamente utilizados como parte integrante do processo de
avaliação e elaboração de políticas públicas tributárias e sociais, especialmente nos Estados
4
5
Lei de 8 de junho de 1973.
Para a descrição detalhada do SM2, consultar Betti et al. (2010).
82
Unidos, Canadá, Reino Unido e em vários outros países do norte da Europa (Martini e Trivellato,
1997). Ao longo das últimas três décadas, a micro-simulação passou de uma descrição do
impacto distributivo dos sistemas fiscal e de transferência de renda para uma complexa
ferramenta de avaliação de propostas de mudanças para o sistema já existente.
Exemplos bem conhecidos de modelos fiscais incluem: o TAXBEN elaborado pelo
Instituto de Estudos Fiscais (Institute for Fiscal Studies) do Reino Unido; o STINMOD, que é
um modelo de micro-simulação do Imposto de Renda e do sistema de transferências construído
pelo Centro Nacional de Modelagem Sócio-Econômica (National Centre for Social and
Economic Modelling) da Austrália; o TRIM (Modelo de Transferência de Renda), que é um
modelo de micro-simulação mais abrangente do Instituto Urbano (Urban Institute) de
Washington DC, Estados Unidos; o SPSD/M (Modelo e Base de Dados de Simulação de
Políticas Sociais) desenvolvido pela Agência de Estatística do Canadá (Statistics Canada) para
avaliar as interações financeiras entre o governo e os indivíduos; e o Euromod (Sutherland, 2001;
Sutherland et al., 2008), representando um modelo integrados de diversos países para a União
Européia.6 Esses modelos foram desenvolvidos para simular impostos, encargos sociais,
benefícios e outras transferências recebidas que sejam relevantes para a transformação de renda
bruta em líquida, e vice-versa, contemplando as especificidades do sistema fiscal de cada país.
O presente artigo trata de alguns aspectos puramente estatísticos de modelagem de
rendimento individual e domiciliar. O Modelo de Micro-Simulação de Siena (SM2), adotado
neste artigo, foi desenvolvido como uma ferramenta versátil para transformar informações sobre
renda – coletadas de pesquisas domiciliares ou outras fontes – em formas padronizadas
necessárias para diversas análises, dentre elas, a simulação de mudanças fiscais (Verma et al.,
2003, Betti et al., 2010). Para isso, o sistema SM2 é composto de dois núcleos principais: (a) um
conjunto padronizado de rotinas, que pode lidar com uma grande diversidade de formas de
entrada de dados e sistemas fiscais; e (b) rotinas elaboradas para cada país, que considera
parâmetros específicos do sistema tributário nacional. Esse modelo foi oficialmente adotado por
alguns membros da União Européia, como Portugal, Itália, Turquia, Grécia e Espanha. Este
artigo é a primeira aplicação prática fora da Europa.
Embora o SM2 permita a conversão de renda bruta em líquida a nível nacional, nosso
foco é o mercado de trabalho agrícola. Como foi mencionado na seção anterior, o objetivo é criar
alternativas para realocar trabalhadores rurais do mercado informal para o sistema de seguridade
social no Brasil, o que é possível através da análise da incidência dos encargos trabalhistas nos
salários.
6
Para
maiores
informações,
consultar:
http://www.ifs.org.uk/
para
o
Reino
Unido,
http://www.canberra.edu.au/centres/natsem/ para a Austrália, http://www.urban.org/ para os Estados Unidos,
http://www.statcan.gc.ca/ para o Canadá, e http://www.iser.essex.ac.uk/research/euromod para a União Européia.
83
2.2. O Algoritmo de Conversão de Renda Bruta-Líquida-Bruta do Modelo SM2
A Figura 1 mostra a relação básica entre as formas bruta e líquida de rendimento, quando estão
envolvidos mais de um componente do rendimento e possivelmente mais de um indivíduo na
unidade fiscal7, como proposto por Betti et al. (2010). As relações entre o rendimento bruto
tributável para um componente específico, Hi, e as quantidades, como o rendimento bruto (Gi) e
a renda após o IRRF (XSTi) são geralmente simples – depende apenas do i, do componente do
rendimento em questão, que é determinado de forma independente de outros componentes e de
outras pessoas na unidade fiscal. O mesmo se aplica à relação entre Hi (rendimento bruto
tributável) e Ni (rendimento líquido por componente) que são tributados separadamente a uma
alíquota fixa ou variada de acordo com o valor unitário desse componente. Os componentes
isentos de tributação também são separados. Às vezes, a aplicação da regra de tributação
depende da relação do componente analisado com outras fontes de renda, mas em sua grande
maioria esses componentes estão simplemente sob a forma de limites máximos.
Figura 1
Relação básica entre os valores líquidos e brutos dos rendimentos
Gi
Contribuições Sociais
Deduções na Fonte
XSi, XTi,
XSTi
Hi
Tributação
separada
Tributação conjunta
Isento de
tributação
Ni
Fonte: Betti et al. (2010).
7
Entende-se como unidade fiscal a declaração de dois ou mais indivíduos para o Imposto de Renda. O exemplo
mais recorrente é a declaração conjunta de pessoas casadas. Todas as formas de declaração conjunta estão na seção
3.2.
84
No entanto, todos ou a maioria dos rendimentos tributáveis são agrupados em componentes
e em pessoas nas unidades fiscais para determinar o montante de imposto devido. A relação entre
Hi e Ni para os componentes do grupo é mais complexa do que parece na Figura 1. Em todo o
caso, a transformação de Hi em Ni é menos problemática se as regras tributárias forem uma
função de Hi, ou seja, do rendimento bruto tributável. Essas relações estão especificadas com
mais detalhe na Tabela 1.
Mas para chegar em Hi a partir de Ni é preciso se adotar soluções interativas. 8 As entradas da
Tabela 1 têm as seguintes interpretações: as duas últimas linhas definem as medidas de
rendimento de acordo com as linhas anteriores; já as colunas se referem ao rendimento total e ao
rendimento por componente.
Tabela 1
Algoritmo de conversão de renda bruta em líquida
1
Medida de Renda
RENDIMENTO BRUTO (2)
2
Contribuição para o INSS
3
RENDIMENTO BRUTO TRIBUTÁVEL
Total
G = ∑Gi ←
Por Componente(1)
Gi
Si = Si(Gi)
H = ∑Hi ←
4 Componentes de deduções específicas
1.1. Agregação por componentes e indivíduos em unidade fiscal
5
RENDIMENTO TRIBUTÁVEL
Y = ∑Yi ←
6
Deduções comuns
D0 = D0(H)
7
Rendimento tributável (0)
Y0 = Y - D0
8
Imposto devido (0)
W0 = W0(Y0)
9
Isenções tributárias comuns
C0 = C0(Y0)
10
IMPOSTO DEVIDO
W = W0 - C0
11
12
13
Componentes específicos de isenções tributárias
TOTAL PAGO
TOTAL LÍQUIDO
C = ∑Ci ←
X=W-C
N=H-X
14
Alíquota de imposto (0)
Hi = Gi - Si
Di = Di(Hi)
Yi= Hi - Di
Ci = Ci(Yi)
R0 = X/H
ALÍQUOTA DE IMPOSTO = IMPOSTO
15 DEVIDO / RENDIMENTO TRIBUTÁVEL
R = W/Y
1.2. Desagregação – rendimento pessoal por componente
16
Alíquota proporcional por componente
17
LÍQUIDO POR COMPONENTE
Xi= R * Yi - Ci
Ni = Hi - Xi
Fonte: Elaboração própria.
(1)
As relações funcionais nesta coluna podem ser um pouco mais complexas ou variadas.
(2)
A renda bruta, que inclui a contribuição dos empregadores para a seguridade social (SS),
é: GG=G+SS(G1)
8
Estas soluções serão detalhadas na próxima seção.
85
Contribuições sociais. As contribuições sociais Si, quando aplicáveis ao componente, são
geralmente uma função do rendimento bruto (Gi), mas no caso do rendimento do trabalho, sem a
contribuição do empregador (veja nota (2) da Tabela 1). A relação funcional Si(Gi) é específica
para o componente e para o país. Por isso, o SM2 tem uma subrotina nos programas de
aplicação, onde a relação funcional é calculada separadamente da estrutura comum apresentada
na Tabela 1. No entanto, algumas situações mais complexas podem ser incorporadas pelo
modelo, mantendo a estrutura básica. Mais especificamente, o SM2 pode permitir a dependência
de Si para qualquer componente particular i em qualquer conjunto de componentes do
rendimento. No sistema francês, por exemplo, as contribuições de associados para uma série de
componentes podem estar sujeitas a um limite máximo comum.
Deduções. Os rendimentos (líquidos) tributáveis (linha 7 da Tabela 1) são obtidos subtraindo do
rendimento tributável bruto a parte que está isenta do imposto – as deduções. Essas deduções são
determinadas em função do rendimento tributável bruto. Elas podem ser de dois tipos: (i)
deduções específicas aplicáveis aos componentes do rendimento particular Di (linha 4); e (ii)
deduções comuns aplicáveis aos rendimentos (tributáveis restantes) de todas as fontes em
conjunto (linha 6). No caso (i), a relação funcional Di(Hi) é específica para o componente i, ou
seja, Di depende da renda bruta tributável Hi para o componente em questão. De um modo geral,
o modelo pode permitir a dependência de Di para qualquer componente particular i em qualquer
conjunto de componentes do rendimento, ou seja, uma relação funcional da fórmula Di = Di(HI),
– mais genericamente como Di = Di(HI, GI) – em que o I se refere a um conjunto de
componentes do rendimento (normalmente incluindo o i particular). No caso (ii), uma relação
funcional da fórmula D0(H) é, em termos de rendimento total bruto, tributável, ou seja, de todos
os componentes juntos. Ambos os tipos de função são, evidentemente, específicos de cada país.
Novamente, no SM2 essas relações podem ser especificadas separadamente da estrutura comum
representada na Tabela 1.
Agregação. Após a retirada das deduções específicas do componente, é necessário somar os
rendimentos dos indivíduos na mesma unidade tributável e por componente, que são tratados em
conjunto para efeito de tributação. Alguns componentes do rendimento podem ser excluídos
desse “agrupamento” comum e tributados separadamente; esse tipo de situação é o adotado no
presente modelo.
Isenções tributárias. O imposto devido inicial é calculado em função do rendimento tributável
total (linha 8). Ele é determinado pelo ano-calendário do Imposto de Renda de cada país,
normalmente aplicado aos rendimentos obtidos a partir de diferentes fontes. Esse imposto é
normalmente reduzido por isenções tributárias. As isenções tributárias são baseadas, na sua
maioria, em características individuais (mãe solteira, pensionista, etc.) ou são dadas como
86
compensação de despesas particulares (médicas, educacionais, etc.), ou seja, não são específicas
a uma fonte de renda particular. Nós nos referimos a elas como isenções tributárias comuns
(linha 9), nas quais são normalmente expressas como uma função do total do rendimento
tributável. O resultado é uma expressão mais precisa do imposto total devido (linha 10).
Adicionalmente às isenções tributárias comuns, há também componentes específicos de isenções
tributárias (linha 11). Geralmente, eles são baseados no rendimento tributável líquida para o
componente em questão. No entanto, a relação funcional pode ser mais complexa, envolvendo
outros componentes de renda e/ou outras formas de rendimento (bruto, bruto tributável, etc.).
Imposto pago e rendimento líquido. As deduções das isenções tributárias do montante do
imposto devido (conforme definido na linha 10) nos dá o imposto a ser pago (linha 12), ou seja,
o imposto total a ser pago é igual ao imposto devido menos todas as isenções tributárias (as
comuns e as específicas). Da mesma forma, o rendimento líquido total é igual ao rendimento
bruto tributável total menos o imposto pago (linha 13). Essas duas quantidades, imposto pago e
rendimento líquido (linhas 12 e 13), se referem nessa fase ao rendimento total, e não ao
rendimento de cada componente.
Alíquota de imposto. É a alíquota efetiva de imposto aplicada aos componentes agregadas. A
alíquota de imposto na Tabela 1 foi definida de duas formas. A primeira (linha 14), é uma
medida descritiva que representa a razão entre o montante total do imposto a ser pago, e do
rendimento bruto tributável (linha 12 / linha 3), e que é, portanto, um indicativo da carga
tributária geral. A segunda forma (linha 15) fornece uma medida mais analítica no seguinte
sentido: é a razão entre o montate do imposto devido total – antes de levar em conta quaisquer
componentes específicos de isenções tributárias (linha 11) – e o rendimento tributável total após
a dedução dos componentes de deduções específicas (linha 4). Ao eliminar todos os aspectos dos
componentes específicos, que são os de isenções tributárias e de deduções, o R pode ser visto
como uma alíquota comum aplicável a todos os rendimentos tributáveis, independente da fonte,
que foram agrupadas e estão sujeitos a um calendário fiscal comum.
O parâmetro R tem duas funções. Em primeiro lugar, fornece um meio de desagregação do
imposto total e dos rendimentos líquidos em componentes, quando necessário for. Em segundo
lugar, o R é o parâmetro de interação do rendimento líquido para o bruto, como descrito em Betti
et al. (2010).
Desagregação dos impostos e do rendimento líquido por componente. Essa alíquota de imposto
comum pode ser vista como uma alíquota aplicável para cada componente individualmente, e
não apenas uma alíquota média aplicável ao rendimento total. Isso permite a decomposição da
alíquota paga por componentes do rendimento (linha 16) e, conseqüentemente, a decomposição
do rendimento líquido total em componentes (linha 17). Geralmente, uma decomposição como
87
essa requer menos informação do que a repartição do rendimento bruto por cada componente
individualmente.
2.3. As Fontes de Dados Utilizadas
Existem sete fontes secundárias com periodicidade regular que podem ser usadas para analisar o
mercado de trabalho. Essas fontes são classificadas em: registros administrativos ou pesquisas
domiciliares. Segundo o MDA (2007, p.7), “os registros administrativos referem-se a cadastros
que, por obrigação legal, são preenchidos pelas empresas com informações referentes ao
empreendimento e a seus empregados, enquanto as pesquisas domiciliares resultam de
questionários aplicados no domicílio”. A Tabela 2 apresenta suas principais características.
Tabela 2
Fontes de dados secundários disponíveis sobre o mercado de trabalho no Brasil
1.1. Pesquisas domiciliares
Publicação
Censo
Demográfico
Censo
Agropecuário
PNAD
Instituição
IBGE
Periodicidade
decenal
Abrangência
Todos os municípios brasileiros.
Início da Série
1872
IBGE
decenal
Todos os municípios brasileiros.
1920
IBGE
PME
IBGE
PED
DIEESE
anual, exceto em Todas as Unidades da Federação,
anos de Censo grandes regiões e Brasil.
Demográfico
mensal
Regiões
metropolitanas
de
Recife,
Salvador,
Belo
Horizonte, Rio de Janeiro, São
Paulo e Porto Alegre.
mensal
Distrito Federal e regiões
metropolitanas de São Paulo,
Porto Alegre, Recife, Salvador e
Belo Horizonte.
1967
1980
1984
1.2. Registros administrativos
Publicação
RAIS
Instituição
MTE
Periodicidade
anual
CAGED
MTE
mensal
Abrangência
Início da Série
Todos os empregos formais do
1975
setor privado e os vínculos
empregatícios do setor público.
Todos os empregos formais do
1965
setor privado.
Fonte: Elaboração própria.
De acordo com a Tabela 2, o Brasil possui sete pesquisas regulares sobre mercado de
trabalho. As duas primeiras são os Censos e têm a vantagem de serem significativos a nível
municipal, abrangendo os setores formal e informal. Como desvantagem encontra-se a
periodicidade, que não permite a construção de séries temporais. A terceira pesquisa (PNAD) é a
mais usada nas análises sobre mercado de trabalho agrícola. Seu questionário anual segue o
88
Censo predecessor, com a vantagem de ser publicada anualmente – exceto nos anos de Censo.
Pela restrição da amostra, sua principal desvantagem é a abrangência, que para análises gerais é
estadual e para análises específicas – como o estudo de uma determinada cultura – é nacional.9 A
Pesquisa Mensal de Emprego (PME) e a Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), apesar de
serem mensais, só abrangem as regiões metropolitanas e, por isso, não se adequam ao estudo em
questão. A RAIS (Relação Anual de Informações Sociais) e o CAGED (Cadastro Geral de
Empregados e Desempregados) são os dois principais registros administrativos criados para
operacionalizar ações de caráter fiscalizador do governo federal. Ambos oferecerem
desagregações por setor de atividade (CNAE 1.0) e por ocupação (CBO 2002), mas se
restringem ao emprego formal.
Para este artigo foram selecionados os dados da PNAD 2008 e, de forma complementar,
o Sistema de Contas Nacionais (SCN), como apresentado a seguir.
2.3.1. A PNAD
Como Barros et al. (2007) destacaram, pesquisas domiciliares com abrangência nacional são
utilizadas no mundo inteiro como uma das principais fontes de informação para estudos sobre
desigualdade de renda. Essas pesquisas também são importantes para servir de base para
modelos de simulação de políticas públicas. O Banco Mundial, bem como o Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), apontaram a PNAD como a melhor fonte de
informação sobre o Brasil.10
A PNAD é uma pesquisa domiciliar, implementada em 1967 pelo IBGE. Trata-se de uma
pesquisa anual que tem a vantagem de adotar a mesma metodologia por toda a década. Mas essa
não foi a razão pela qual a PNAD foi escolhida como fonte de dados principal para o presente
estudo, mas sim pela sua cobertura – setores formal e informal, áreas urbanas e rurais – e pelas
características de trabalho e renda dos moradores dos domicílios. Para o modelo SM2,
organizamos os dados em quatro grupos de variáveis: definições básicas, indentificação do
domicílio e da família, ocupações e composição do rendimento.
Definições básicas. A primeira definição básica se refere ao período de referência. Embora a
PNAD ofereça quatro opções – semana de referência, 358 dias, mês de referência e ano de
referência –, escolhemos a primeira. A segunda se refere ao rendimento total e rendimento per
capita. Nesse caso, foram utilizados ambos os conceitos: unidade domiciliar e família. Note que
cada família tem que ter pelo menos duas pessoas, não importando se em um mesmo domicílio
vivem uma ou mais famílias juntas. Existe apenas uma exceção: aqueles que moram sozinhos
9
Até 2003, a PNAD não incluía a área rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá.
Barros et al. (2007) destacaram três estudos que mencionam a PNAD: Deninger e Squire (1996), Banco Mundial
(2005) e PNUD (2005).
10
89
também são contados como domicílio e família. Assim, na mesma unidade domiciliar é possível
identificar: (a) quantas pessoas moram juntas no mesmo domicílio; (b) quem é a pessoa de
referência na unidade domiciliar (pessoa de referência); (c) quem é a pessoa de referência em
cada família (pessoa de referência secundária); (d) quantas famílias moram juntas na mesma
unidade domiciliar (número de famílias); e (e) quem é quem em cada unidade domiciliar
(número de ordem). No último caso, o número um é dado sempre à pessoa de referência. Depois
dela, vêm seus familiares – cônjuge, filho(s) – se mais de um, do mais velho para o mais novo –,
outro(s) parente(s), agregado(s), pensionista(s), empregado(s) doméstico(s) e parente(s) do
empregado(s) doméstico(s). A descrição das definições básicas encontra-se na Tabela 3. Se a
unidade domiciliar tiver mais de uma família, a(s) família(s) secundária(s) segue(m) a mesma
ordem apresentada para a família principal. É importante destacar que a ordem das famílias é
dada pela variável número da família.
Tabela 3
Definições básicas, PNAD 2008
Nomenclatura
Semana de
referência
Unidade domiciliar
Família
Dependência
doméstica
Normas de
convivência
Morador
Pessoa de referência
Pessoa de referência
secundária
Número da família
Número de ordem
Cônjuge
Descrição
De 21 a 27 de setembro de 2008.
Os domicílios são classificados em dois grupos: os domicílios particulares e os
domicílios coletivos. O primeiro deles é a moradia onde o relacionamento é ditado
por laços de parentesco, de dependência doméstica ou por normas de convivência.
São eles: casas, apartamentos, as unidades em apart-hotéis, casas de cômodos e
cortiços ou cabeças-de-porco. Também são particulares os domicílios situados em
edifícios em construção, embarcações, veículos, barracas, tendas, grutas e
estabelecimentos comerciais, desde que estejam servindo de moradia. Já o
domicílio coletivo é a moradia onde prevalece o cumprimento de normas
administrativas. São domicílios coletivos os estabelecimentos destinados a prestar
serviços de hospedagem (hotéis, pensões e similares) ou as instituições que
possuem locais para residência e alojamento das pessoas institucionalizadas
(orfanatos, asilos, casas de detenção, hospitais, etc.). São incluídos ainda os
alojamentos de trabalhadores em canteiros de obras.
É o conjunto de pessoas ligadas por laços de parentesco, dependência doméstica
ou normas de convivência, que more na mesma unidade domiciliar. A pessoa que
mora só em uma unidade domiciliar também é considerada família.
É a relação estabelecida entre a pessoa de referência e os empregados domésticos
e agregados da família.
São as regras estabelecidas para o convívio de pessoas que moram juntas, sem
estarem ligadas por laços de parentesco ou dependência doméstica.
É a pessoa que tem a unidade domiciliar como local de residência habitual, na
data da entrevista.
É a pessoa responsável pela unidade domiciliar ou que assim for considerada
pelos demais moradores. Note que a pessoa de referência não é necessariamente a
pessoa que está respondendo o questionário.
É a pessoa de referência da família. Em cada unidade domiciliar, o número da
pessoa de referência secundária se refere ao número da família.
É o número de famílias que vivem na mesma unidade domiciliar.
É o número de ordem de cada morador.
É a pessoa que vive conjugalmente com a pessoa de referência na unidade
90
Filho
Outro parente
Agregado
Pensionista
Empregado
doméstico
Parente do
empregado
doméstico
domiciliar, existindo, ou não, o vínculo matrimonial.
É a pessoa que é filho, enteado, filho adotivo ou de criação da pessoa de
referência na unidade domiciliar ou do seu cônjuge.
É a pessoa que tem qualquer grau de parentesco com a pessoa de referência na
unidade domiciliar ou com o seu cônjuge, exclusive aqueles relacionados
anteriormente.
É a pessoa que não é parente da pessoa de referência da unidade domiciliar ou do
seu cônjuge e não paga hospedagem nem alimentação na unidade domiciliar.
É a pessoa que não é parente da pessoa de referência na unidade domiciliar nem
do seu cônjuge e paga pela sua hospedagem e/ou alimentação na unidade
domiciliar.
É a pessoa que presta serviços domésticos remunerados em dinheiro ou somente
em benefícios, a membro da unidade domiciliar.
É a pessoa que é parente do empregado doméstico e não presta serviços
domésticos remunerados a membro(s) da unidade domiciliar.
Fonte: IBGE (2008a). Elaboração própria.
Identificação do domicílio e da família. A identificação do domicílio é possível pelas variáveis
número de série (V0103) e número de controle (V0102). A identificação da família dentro da
mesma unidade domiciliar é feita pela variável V0403, que corresponde ao número da família,
como explicado na Tabela 3.
Ocupações. De acordo com a PNAD, é possível distinguir dois grupos de ocupação: as agrícolas
e as não agrícolas. O primeiro grupo inclui os empregados, os empregados temporários, os conta
própria, os empregadores, os trabalhadores não remunerado (membro da unidade domiciliar ou
outros), e os trabalhadores na produção para o próprio consumo. O segundo grupo inclui os
empregados, os empregados domésticos, os conta própria, os empregadores, os trabalhadores não
remunerado (membro da unidade domiciliar ou outros), e os trabalhadores na construção para o
próprio uso. Nesse grupo encontram-se também os militares e os funcionários públicos
estatutários. A Tabela 4 apresenta a descrição de cada ocupação. Na análise, consideramos não
só a ocupação principal, mas também a segunda, a terceira, e assim por diante.
Tabela 4
Ocupações, PNAD 2008
Nomeclatura
Empregado
Empregado
temporário
Empregado
doméstico
Descrição
É a pessoa que trabalha para um empregador (pessoa física ou jurídica),
geralmente obrigando-se ao cumprimento de uma jornada de trabalho e recebendo
em contrapartida uma remuneração em dinheiro, mercadorias, produtos ou
benefícios (moradia, comida, roupas, etc.).
É a pessoa que trabalha como empregada temporária em empreendimento do ramo
que compreende as atividades da agricultura, silvicultura, pecuária, extração
vegetal, pesca, pisicultura e caça ou nos serviços auxiliares deste ramo.
É a pessoa que trabalha prestando serviço doméstico remunerado, em dinheiro ou
benefícios, em uma ou mais unidades domiciliares. Estão incluídas nesta categoria
ocupações como a empregada doméstica, a faxineira, o motorista, a babá, o
mordomo, etc.
91
Conta própria
Empregador
Trabalhador não
remunerado
(membro da unidade
domiciliar)
Trabalhador não
remunerado (outros)
Trabalhador na
produção para o
próprio consumo
Trabalhador na
construção para o
próprio uso
Militar
Funcionário público
estatutário
É a pessoa que trabalha explorando o seu próprio empreendimento, sozinha ou
com sócio, sem ter empregado e contando, ou não, com a ajuda de trabalhador não
remunerado.
É a pessoa que trabalha explorando o seu próprio empreendimento, com pelo
menos um empregado.
É a pessoa que trabalha sem remuneração, durante pelo menos uma hora na
semana, em ajuda a membro da unidade domiciliar que era empregado na
produção de bens primários (que compreende as atividades da agricultura,
silvicultura, pecuária, extração vegetal ou mineral, caça, pesca e pisicultura), conta
própria ou empregador.
É a pessoa que trabalha sem remuneração, durante pelo menos uma hora na
semana: em ajuda a instituição religiosa, beneficente ou de cooperativismo, ou
ainda como aprendiz ou estagiário.
É a pessoa que trabalha, durante pelo menos uma hora na semana, na produção de
bens, do ramo que compreende as atividades da agricultura, silvicultura, pecuária,
extração vegetal, pesca e pisicultura, para a própria alimentação de pelo menos um
membro da unidade domiciliar.
É a pessoa que trabalha, durante pelo menos uma hora na semana, na construção
de edificações, estradas privativas, poços e outras benfeitorias (exceto as obras
destinadas unicamente à reforma) para o próprio uso de pelo menos um membro
da unidade domiciliar.
É a pessoa que é militar do Exército, Marinha de Guerra ou Aeronáutica, inclusive
aquele que presta serviço militar obrigatório.
É a pessoa que é empregada regida pelo Estatuto dos Funcionários Públicos
(federais, estaduais, municipais ou de autarquias).
Fonte: IBGE (2008a). Elaboração própria.
Composição do rendimento. Normalmente costuma-se relacionar rendimento com renda do
trabalho, mas existe uma série de receitas que derivam de outras fontes. Todos esses rendimentos
estão sendo considerados. Para o rendimento do trabalho, a PNAD identifica o rendimento de
cada um – primeiro (ou principal), segundo, terceiro ou mais. A Tabela 5 apresenta uma parte
das receitas de outras fontes. Além delas, há também os juros de poupança, os investimentos, os
dividendos, os programas sociais, etc.
Tabela 5
Rendimento de outras fontes, PNAD 2008
Nomenclatura
Aposentadoria de
instituto de
previdência ou do
governo federal
Pensão de instituto
de previdência ou do
governo federal
Outro tipo de
aposentadoria
Outro tipo de pensão
Descrição
É o valor do rendimento mensal, em setembro de 2008 recebido de jubilação,
reforma ou aposentadoria do Plano de Seguridade Social da União ou de instituto
de previdência federal (INSS), estadual ou municipal, inclusive do FUNRURAL.
É o valor do rendimento mensal, em setembro de 2008, recebido de pensão das
forças armadas, do Plano de Seguridade Social da União ou de instituto de
previdência federal (INSS), estadual ou municipal.
É o valor do rendimento mensal, em setembro de 2008, recebido de
complementação ou suplementação de aposentadoria paga por entidade
seguradora ou de participação em fundo de pensão.
É o valor do rendimento mensal, em setembro de 2008, recebido de pensão de
caixa de assistência social, entidade seguradora ou fundo de pensão, na qualidade
de beneficiária de outra pessoa, e de pensão alimentícia (espontânea ou judicial).
92
Abono de
permanência
Aluguel
Doação recebida de
não morador
É o valor do rendimento mensal, em setembro de 2008, recebido de abono de
permanência em serviço (benefício que é concedido à pessoa que, embora tenha
tempo de serviço suficiente para se aposentar, permanece trabalhando sem
requerê-la). Este benefício é comumente chamado de “pé-na-cova”.
É o valor do rendimento mensal, em setembro de 2008, recebido do aluguel,
inclusive sublocação ou arrendamento de móveis, imóveis, máquinas,
equipamentos, animais, etc.
É o valor do rendimento mensal, em setembro de 2008, recebido de doação ou
mesada, sem contrapartida de serviços prestados, provenientes de pessoas não
moradoras na unidade domiciliar.
Fonte: IBGE (2008a). Elaboração própria.
Além desses quatro grupamentos de variáveis, foram selecionadas algumas variáveis da PNAD
para a checagem dos resultados. À exceção da V9120, as demais variáveis são chamadas de
derivadas por terem sido geradas pelo IBGE a partir do questionário original, como uma espécie
de apêndice da pesquisa. A Tabela 6 apresenta as variáveis derivadas selecionadas.
Tabela 6
Variáveis de controle, PNAD 2008
Descrição
V4711 = Contribuição para um instituto de previdência em qualquer
trabalho na semana de referência para pessoas de 10 anos ou mais de idade
V4707 = Horas habitualmente trabalhadas por semana em todos os
trabalhos da semana de referência para pessoas de 10 anos ou mais de idade
V9120 = Era contribuinte de alguma entidade de previdência privada, no
mês de referência (pessoa de 10 anos ou mais de idade)
V4719 = Rendimento mensal de todos os trabalhos para pessoas de 10 anos
ou mais de idade
V4720 = Rendimento mensal de todas as fontes para pessoas de 10 anos ou
mais de idade
V4721 = Rendimento mensal domiciliar para todas as unidades
domiciliares*
V4742 = Rendimento mensal domiciliar per capita
V4722 = Rendimento mensal familiar para todas as unidades domiciliares*
V4750 = Rendimento mensal familiar per capita
V4724 = Número de componentes da família**
V4741 = Número de componentes do domícilio**
V4713 = Condição de atividade no trabalho principal do período de
referência de 365 dias para pessoas de 10 anos ou mais de idade
(economicamente ativas?)
V4814 = Condição de ocupação no período de referência de 365 dias das
pessoas de 10 anos ou mais de idade (ocupadas?)
Característica da Variável
Dummy (sim ou não)
Unidade
Dummy (sim ou não)
Valor (R$)
Valor (R$)
Valor (R$)
Valor (R$)
Valor (R$)
Valor (R$)
Unidade
Unidade
Dummy (sim ou não)
Dummy (sim ou não)
Fonte: IBGE (2008a). Elaboração própria.
* Exclusive o rendimento das pessoas cuja condição na unidade domiciliar era pensionista,
empregado doméstico ou parente do empregado doméstico e das pessoas de menos de 10 anos de
idade.
** Exclusive as pessoas cuja condição na unidade domiciliar era pensionista, empregado
doméstico ou parente do empregado doméstico.
93
2.3.2. O Sistema de Contas Nacionais (SCN)
O SCN é uma consolidação dos agregados do produto, da renda e da despesa nacionais em um
dado ano. Esse sistema utiliza diversas pesquisas disponíveis, inclusive a própria PNAD, para
estimar os agregados do Brasil. Apesar dos conceitos utilizados por ambos não serem
semelhantes, ainda é possível compará-los nesse nível agregado. Isso significa que podemos
analisar o nível e a composição da renda das famílias, mas não a forma como a renda é
distribuída entre elas.11 O SCN constitui a fonte de informação mais completa sobre a renda das
famílias, e essa é a principal razão para a sua seleção neste estudo.
O SCN é composto basicamente de cinco blocos, que “se articulam e são totalmente
consistentes porque utilizam os mesmos conceitos, definições, classificações e regras contábeis”
(IBGE, 2008b, p. 18). Ainda segundo o IBGE (2008b), esses blocos são:
Contas Econômicas Integradas (CEI), nas quais apresenta todo o conjunto de contas dos setores
institucionais e do resto do mundo.
Tabela Recursos e Usos (TRU), que agrupa as atividades econômicas e os produtos (bens e
serviços) de acordo com o tipo de operação econômica, produção, consumo intermediário,
consumo final, e os componentes do valor adicionado.
Tabela tridimensional das operações financeiras e dos estoques de ativos e passivos financeiros,
na qual estão diretamente representadas as relações entre os setores institucionais (de quem a
quem).
Tabeça de algumas operações dos setores institucionais, que são apresentadas de acordo com sua
função.
Tabelas de população e emprego.
Dentre esses blocos, selecionamos a CEI por ela apresentar uma visão geral do conjunto
da economia, e o setor famílias. Além desse setor, a CEI é composta por mais quatro setores,
quais sejam: empresas não-financeiras, empresas financeiras, administração pública e
instituições sem fins lucrativos à serviço das famílias. Somente através da tabela da CEI, é
possível comparar os usos – todas as ofertas de bens e serviços – e os recursos – todas as suas
respectivas demandas. Conseqüentemente, os saldos são obtidos através da diferença entre
recursos e usos. A Tabela 7 apresenta a descrição dos componentes selecionados no SCN.
11
Para o SCN, o setor família representa não só todas as famílias brasileiras (domicílios), mas também um grupo
razoável de empresas – todas elas, exceto as 100 mil maiores.
94
Tabela 7
Descrição dos componentes das famílias no SCN
6.1. Ocupações, ordenados, salários e rendimentos
Componente
Descrição
Ocupações com vínculo As ocupações com vínculo reúnem os assalariados com carteira de trabalho
formal
assinada, os funcionários públicos estatutários, os militares e os
empregadores (sócios e proprietários) de empresas formalmente
constituídas.
Ocupações sem vínculo As ocupações sem vínculo formal constituem-se dos assalariados sem
formal
carteira de trabalho assinada e dos trabalhadores autônomos.
Autônomos
Agregam os trabalhadores por conta própria, os trabalhadores nãoremunerados e os empregadores informais, ou seja, proprietários de
empresas não constituídas em sociedade, portanto, que pertencem ao setor
institucional famílias.
Ordenados e salários Correspondem ao valor dos salários e ordenados recebidos em contrapartida
(D.11)
do trabalho, quer em moeda ou em mercadorias. Os salários são
contabilizados em bruto, isto é, antes de qualquer dedução para previdência
social a cargo dos assalariados ou recolhimento de imposto de renda. Os
salários e ordenados incluem: importâncias pagas no período a título de
salários, remuneração de férias, honorários, comissões sobre vendas, ajudas
de custo, gratificações, participações nos lucros, retiradas de sócios e
proprietários dentro dos limites fixados pelas autoridades fiscais, e auxílioalimentação, nos casos em que foi possível distingui-lo no conjunto de
despesas das empresas.
Rendimento misto bruto Os trabalhadores por conta própria e os empregadores recebem rendimento
ou de autônomos (B.3)
misto, e não remuneração de empregados. A denominação rendimento misto
é devida à natureza do ganho do trabalhador, que não pode ser especificada
como rendimento do trabalho e do capital.
6.2. Contribuições sociais
Componente
Descrição
Contribuições
sociais Referem-se às contribuições previdenciárias dos empregadores registradas
(efetivas)
dos nos documentos contábeis das administrações públicas e das instituições que
empregadores (D.121 e gerenciam a previdência complementar, em contrapartida dos pagamentos
D.6111)
realizados pelo setor famílias.
Contribuição social dos Referem-se às contribuições previdenciárias obrigatórias dos empregados
empregados (D.6112)
regidos por regimes próprios ou pelo regime geral de previdência, do INSS,
registradas nos documentos contábeis das administrações públicas, como
também às contribuições voluntárias dos empregados registradas nos
documentos contábeis das instituições que gerenciam a previdência
complementar, em contrapartida dos pagamentos realizados pelas famílias.
Contribuição social dos Referem-se às contribuições previdenciárias dos não-assalariados
não-assalariados (D.6113) (autônomos) registradas nos documentos contábeis do INSS e das
instituições que gerenciam a previdência complementar, em contrapartida
dos pagamentos realizados pelos empregados autônomos, classificados no
setor famílias.
6.3. Benefícios
Componente
Descrição
Benefícios de seguridade Referem-se aos benefícios previdenciários pagos pelas administrações
social
em
numerário públicas, através do regime geral de previdência do INSS, bem como aos
(D.621)
benefícios de natureza social, pagos pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador
(FAT) por conta do abono salarial e do seguro-desemprego, tendo como
contrapartida o setor famílias.
Benefícios sociais com Referem-se aos saques do FGTS e do fundo remanescente do PIS/PASEP,
constituição de fundos bem como os benefícios previdenciários pagos pelas administrações
(D.622)
públicas aos seus funcionários (famílias), exceto os benefícios considerados
dentro do circuito das contribuições sociais imputadas. Mostra, também, os
95
benefícios pagos pelas empresas que gerenciam a previdência complementar
às famílias.
Benefícios de assistência Refere-se ao valor dos benefícios assistenciais pagos pelas administrações
social
em
numerário públicas às famílias, realizados fora de um esquema de seguro social, e tem
(D.624)
como objetivo a transferência direta de renda. As fontes destas informações
são os documentos contábeis das administrações públicas.
6.4. Rendas de propriedade
Componente
Descrição
Juros (D.41)
O juro é uma forma de remuneração recebida pelos proprietários de
determinados ativos financeiros (depósitos, títulos exceto ações,
empréstimos e outros créditos) que representa direitos dos credores. Os juros
devem ser registrados pelo montante contratualmente previsto no momento
em que se tornam uma obrigação para o devedor, isto é, no momento
devido, e registrados na base de direitos constatados (regime de
competência). Devem, ainda, ser registrados pelo valor nominal.
Dividendos e retiradas Representam todas as rendas que as empresas, em vista dos resultados de
(D.42)
sua atividade, decidem distribuir, sob a forma de dividendos e outros
rendimentos, aos detentores do seu capital (os acionistas). Os dividendos
devem ser registrados no momento em que são efetivamente pagos.
Rendimentos
de São os rendimentos primários provenientes da aplicação das provisões
propriedade atribuído a técnicas. As provisões técnicas constituídas pelas empresas de seguros,
detentores de apólices de apesar de serem detidas e geridas pelas seguradoras, são consideradas ativos
seguros (D.44)
dos detentores das apólices de seguro ou beneficiários, no caso de provisões
para sinistro. Essas provisões são investidas pelas seguradoras sob a forma
de ativos financeiros, terrenos ou edifícios, e seus rendimentos são
distribuídos pelos segurados proporcionalmente aos prêmios pagos.
Rendas da terra e direitos São as rendas recebidas pelos proprietários de terra e de ativos do subsolo
do subsolo (D.45)
como contrapartida da cessão do direito de seu uso, tais como: foros,
laudêmios, arrendamentos e royalties pagos às administrações públicas pela
exploração de recursos hídricos, minerais e pela extração de petróleo e gás
natural. Esta operação é composta pelas remunerações de um direito de uso
e não pela transferência de propriedade. O produto desta última não é uma
operação de renda e sim de capital.
6.5. Impostos e transferências
Componente
Descrição
Impostos correntes sobre a Compreendem todos os pagamentos obrigatórios cobrados periodicamente
renda, patrimônio, etc. pelo Estado, que incidem sobre a renda e o patrimônio dos agentes
(D.5)
econômicos. Seu valor corresponde à arrecadação líquida, ou seja, deduzidas
as devoluções e restituições.
Outras
transferências Referem-se às operações ligadas à cobertura de seguros de responsabilidade
correntes:
prêmios civil, incêndio, inundação, acidente, roubo e outros riscos, incluindo, ainda,
líquidos de seguro não- o seguro de reembolso de despesas de assistência médico-hospitalar. São os
vida (D.71)
chamados seguros elementares.
Outras
transferências São pagamentos que, em função de contratos de seguro contra danos, as
correntes: indenizações de comseguros não-vida (D.72)
panhias de seguros são obrigadas a efetuar para cobertura de sinistros
sofridos por pessoas ou bens e, no caso específi co do seguro-saúde, para
cobertura das despesas com assistência médico-hospitalar.
Outras
transferências São operações de repartição que não foram classificadas em outros itens e
correntes: transferências para as quais não se julgou relevante criar categorias separadas.
correntes diveresas (D.75) Compreendem: contribuições voluntárias (com exceção das transferências
de capital) às instituições sem fins de lucro a serviço das famílias;
pagamento de multas e indenizações por infração de regulamentos, bem
como multas por atraso no pagamento de impostos; pagamento, pelas
famílias, de taxas e emolumentos obrigatórios quando da utilização de
determinados serviços não-mercantis das administrações públicas (por
exemplo, custos de emissão de passaporte, carteira de motorista, etc.);
96
pagamentos, pelas empresas, de taxas e emolumentos semelhantes (por
exemplo, para obtenção de alvará); contribuições internacionais,
pagamentos a organismos internacionais e remessas de residentes para nãoresidentes e vice-versa.
Ajustamento pela variação Esta operação representa um ajuste com o objetivo de mostrar a alocação, na
das participações líquidas poupança das famílias, da variação dos seus ativos oriundos da variação do
das famílias nos fundos de patrimônio dos fundos de pensão, FGTS e PIS/PASEP.
pensões,
FGTS
e
PIS/PASEP (D.8)
Fonte: IBGE (2008c). Elaboração própria.
A fim de validar os resultados da PNAD, a Tabela 8 apresenta a correspondência entre os
componentes do SCN e as agregações da PNAD.
Tabela 8
Correspondência da PNAD no SCN
7.1. Ocupações
Categoria
GG
Empregado
Empregado temporário
Calculado
Empregado doméstico
Empregador
---Militar
---Funcionário público estatutário
---Conta própria
---Aposentadorias e pensões
---Constituição de fundos
---Assistência social
7.2. Renda e rendimento
Categoria
Juros
Dividendos e retiradas
SI (empregador)
G
D.121 ou D.6111
SI
D.6112
D.11
-------------------
Rendimentos de propriedade atribuído a detentores de apólices de
seguros
Renda da terra
Total (rendas de propriedade)
Impostos correntes sobre a renda, patrimônio, etc.
Prêmios líquidos de seguro não-vida
Indenizações de seguro não-vida
Transferências correntes diversas
Fundos de pensão, FGTS e PIS/PASEP
Fonte: Elaboração própria.
97
B.3
D.621
D.622
D.624
------D.6113
----------
Recebidos
D.41
D.42
Pagos
D.41
----
D.44
----
---D.4
-------
D.45
D.4
D.5
D.71
----
D.72
D.75
D.8
D.75
----
3. O Sistema Tributário no Brasil
Para descrever o sistema tributário no Brasil, esta seção foi dividida em duas partes. A primeira
contempla os custos sociais do trabalho, e a segunda, as regras de declaração do Imposto de
Renda. Em ambos os casos, consideramos sete das onze ocupações mencionadas na Tabela 4
(seção 2.3.1). A principal razão para excluir as outras quatro categorias é que todas elas não são
remuneradas.
Como foi apresentado na seção anterior, a PNAD agrupa todas essas onze ocupações em
dois setores: agrícola e não agrícola (ver Figura 2). Algumas delas são específicas de cada setor.
Isso acontece, por exemplo, com o trabalhador temporário no setor agrícola, e com o trabalhador
doméstico no setor não agrícola. No entanto, de acordo com Kreter (2010), a legislação
trabalhista brasileira distingue o trabalhador temporário e do trabalhador sazonal. De acordo com
a Lei no 5.889 (de 8 de junho de 1973), todas as atividades agrícolas que ocorrem de tempos em
tempos são obrigatoriamente reguladas pela lei do trabalho rural. Isso inclui, por exemplo, as
atividades de plantio e colheita. E, de forma bem explícita, a legislação brasileira coloca que as
atividades temporárias são restritas às empresas urbanas (Lei no 6.019, de 3 de janeiro de 1974).
Por isso, embora haja essa distinção entre sazonal e temporário, a PNAD considera o temporário
exclusivamente no setor agrícola. Essa é a razão pela qual chamamos excepcionalmente sazonal
de temporário neste artigo.
Figura 2
Tipos de ocupação, PNAD 200812
Posição na ocupação no trabalho principal da semana de referência
Agrícola:
Não Agrícola:
Empregado
Empregado temporário
Conta própria
Empregador
Trabalhador não remunerado de membro
da unidade familiar
Outro trabalhador não remunerado
Trabalhador na produção para o próprio
consumo
Empregado
Empregado doméstico
Conta própria
Empregador
Trabalhador não remunerado de membro
da unidade familiar
Outro trabalhador não remunerado
7 Trabalhador na construção para o próprio
Fonte: IBGE (2008a). Elaboração própria.
12
O fluxograma completo de seleção de variáveis da PNAD encontra-se no ANEXO I.
98
3.1. Os Custos Sociais do Trabalho no Brasil
Desde 1943, quando a CLT foi promulgada, o mercado de trabalho segue regras estatutárias.13
Pela CLT prever regras gerais e rígidas, a maioria dos itens presentes nos contratos de trabalho
não são passíveis de negociação entre empregador e empregado, salvo se for para uma condição
melhor para o empregado do que a estabelecida em lei. De uma forma geral, isso significa que as
mesmas regras são aplicadas para todos os setores e todas as categorias. Por exemplo, como
Pastore (2006) apontou, de acordo com a CLT, as paradas para o almoço devem ser de uma hora.
Se o trabalhador quiser ter apenas trinta minutos de almoço para ir para casa trinta minutos mais
cedo, a legislação não permite. Esse é um pequeno exemplo de que regras rígidas não significam
sempre benefício para o trabalhador.
Quanto aos custos sociais do trabalho, embora o Brasil tenha uma regulamentação
específica para os funcionários públicos e militares, o INSS é o maior sistema, que inclui os
empregadores, todos os empregados privados e os conta própria. Seus segurados são chamados
de celetistas. As regras para cada categoria estão descrita a seguir.14
Contribuição social (Lei no 8.029, de 12 de abril de 1990). Todo celetista tem que recolher a
contribuição para o INSS. A Tabela 9 apresenta a alíquota de aplicação, que é proporcional ao
valor do salário mensal. Note que, para os empregados, é obrigatório o pagamento de ambos os
lados: do empregado (seguindo a Tabela 9) e do empregador. No último caso, o percentual é fixo
em 12%.15
FGTS (Lei no 5.107, de 13 de setembro de 1966). O Fundo de Garantia por Tempo de Serviço foi
criado pelo governo federal para proteger todo celetista demitido sem justa causa. O FGTS é
constituído de conta vinculada, aberta em nome do empregado, a partir do primeiro depósito do
empregador. A contribuição do FGTS recolhida pelo empregador é fixa em 8,0% do valor do
salário pago para o empregado.
Férias (artigo 129 a 145, da CLT). Após cada período de doze meses de vigência do contrato de
trabalho, todo empregado tem direito ao gozo de um período de férias, sem prejuízo de
remuneração. Além da remuneração mensal, a qual o empregado tem direito durante o período
13
De acordo com Pastore (2006), “o quadro legal no campo do trabalho é formado por 46 dispositivos
constitucionais, 922 artigos da CLT, mais de 100 leis subsidiárias, 153 normas do Ministério do Trabalho, 114
normas do Ministério da Previdência, 68 convenções da OIT ratificadas pelo Brasil, 363 enunciados, 375
orientações jurisprudenciais e 119 precedentes normativos do Tribunal Superior do Trabalho”.
14
Desde 1940 o governo brasileiro estabeleceu um valor específico como salário mínimo nacional. Esse valor é o
menor salário que um empregador pode pagar legalmente a seu empregado pelo tempo e esforço gastos na
produção de bens e serviços. De 1o de abril de 2007 a 29 de fevereiro de 2008, o salário mínimo foi de R$ 380.
Entretanto, para o SM2, consideramos R$ 415 como salário mínimo por esse ter sido o valor ajustado pelo governo
federal em 1o de março de 2008, e que permaneceu ao longo do resto do ano – inclusive no mês de setembro,
quando os questionários da PNAD foram aplicados.
15
Não consideramos os tributos especiais para as pequenas e médias empresas, conhecido como Simples.
99
de férias, o empregador deve pagar um adicional que corresponde a 1/3 do valor do salário do
empregado.
Tabela 9
Contribuição social mensal no Brasil e suas respectivas alíquotas, 2008
Salário Mensal
Empregado ou empregado doméstico
Até R$ 911,70
De R$ 911,71 a R$ 1.519,50
De R$ 1.519,51 a R$ 3.038,99
Mais de R$ 3.038,99
Conta própria ou empregador
R$ 415,00 (valor mínimo)
De R$ 415,00 a R$ 3.038,99
Mais de R$ 3.038,99 (valor máximo)
Alíquota Aplicada (%)
8,00
9,00
11,00
11,00 de R$ 3.038,99
11,00
20,00
20,00 de R$ 3.038,99
Fonte: INSS (2010).
13o salário (artigo 7, da Constituição Federal). O 13o salário é uma gratificação natalina que o
empregado faz jus na proporção de 1/12 avos por mês ou fração acima de 15 dias de exercício
durante o ano – corresponde ao valor da remuneração percebida em dezembro. É importante
destacar que o empregador precisa recolher também o FGTS sobre o 13o salário.
Salário-educação (artigo 212, § 5º, da Constituição Federal). O salário-educação foi estabelecido
em 1964 e é definido como uma contribuição social destinada ao financiamento de programas,
projetos e ações voltados para o financiamento da educação básica pública. É calculada com base
na alíquota de 2,5% sobre o valor total das remunerações pagas ou creditadas pelos
empregadores, a qualquer título, aos empregados.
Salário-família (Lei no 4.266, de 3 de outubro de 1963). É um benefício pago aos empregados,
exceto os domésticos, com salário mensal de até R$ 710,08 para auxiliar no sustento dos filhos
de até 14 anos de idade ou inválidos de qualquer idade (para saber o valor do benefício, consultar
a Tabela 10). O benefício é encerrado quando o filho completa 14 anos, em caso de falecimento
do filho, por ocasião de desemprego do empregado e, no caso do filho inválido, quando da
cessão da incapacidade. Quem financia esse benefício é a Previdência Social.
Tabela 10
Benefício do salário-família por faixa de salário mensal, 2008
Salário-Família
Até R$ 472,43
De R$ 472,44 a R$ 710,08
Mais de R$ 710,08
Benefício (R$/por filho)
24,23
17,07
----
Fonte: INSS (2010).
100
Seguro acidente de trabalho (artigo 7, 195 e 201 da Constituição Federal). O SAT é um seguro
garantido ao empregado de acordo com a atividade preponderante da empresa. A alíquota é
fixada com base no grau de risco dessa atividade – 1% (risco leve), 2% (risco médio) ou 3%
(risco grave). Os empregadores são responsáveis pelo pagamento, que deve constar na folha de
salários, mas a administração é feita pela Previdência Social. Pela Lei no 8.213, acidente do
trabalho é todo aquele ocasionado em função da prestação do serviço à empresa ou pelo
desempenho da atividade do segurado, o qual acarreta lesão corporal ou perturbação functional
que dê ensejo à morte ou à perda de capacidade, total ou parcial, para o trabalho. Também são
consideradas como originadas de acidentes do trabalho as doenças profissionais e, de forma
geral, as doenças surgidas em decorrência do trabalho em condições especiais ou a ele
diretamente relacionadas.
Sistema “S”. Existe um grupo de contribuições que são específicas de cada setor da economia.
As mais importantes são: o Serviço Social da Indústria (SESI), o Serviço Social do Comércio
(SESC), e o Serviço Social do Transporte (SEST), todos eles com alíquota de 1,5%; e o Serviço
Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
(SENAC), o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR), e o Serviço Nacional de
Aprendizagem do Transporte (SENAT), com alíquota de 1,0%.
SEBRAE (Lei no 8.029, de 12 de abril de 1963). O Serviço de Apoio às Micro e Pequenas
Empresas foi criado com o objetivo de atender a execução da política governamental de apoio a
essas empresas, sendo exigida como tributo complementar às contribuições para o Sistema “S”.
A alíquota aplicada é de 0,60%.
INCRA (Lei no 2.613, de 12 de abril de 1955). A contribuição ao INCRA foi instituída para
custear as atividades do Serviço Social Rural (SSR) e, apesar de ter como foco as atividades
agrícolas, todas as empresas têm que pagar 0,2%, mesmo as não-agrícolas.
A Tabela 11 apresenta um resumo de todos os custos sociais do trabalho, por categoria.
101
Tabela 11
Custos sociais do trabalho no Brasil, 2008*
Custos Sociais
do Trabalho
INSS
FGTS
Férias + 1/3
13. salário
FGTS sobre o 13. salário
Salário-educação
Salário-família
SAT
SESI/SESC/SEST
SENAI/SENAC/SENAT
SEBRAE
INCRA
Empregado
EE
X
ER
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
Empregado
Temporário
EE
ER
X
X
X
X
X
X
Empregado
Doméstico
EE
ER
X
X
Empregador
ou Conta
Própria
X
opcional
X
X
opcional
X
Fonte: Elaboração própria.
* EE representa a contribuição social do empregado, e ER a contribuição social do empregador.
3.2. As Regras para a Declaração do Imposto de Renda – Pessoa Física
Esta seção traz um resumo do Manual de Preenchimento do Imposto de Renda, Pessoa Física,
2009 (ano-calendário 2008), publicado pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB).16
Existem duas formas de se fazer a declaração do IR: (a) pelo modelo completo, que podem ser
utilizadas todas as deduções legais, desde que comprovadas; ou (b) pelo modelo simplificado.
No segundo caso, é utilizado um desconto de 20% dos rendimentos tributáveis, limitado a R$
12.194,86. Esse desconto substitui todas as deduções legais da declaração completa, sem a
necessidade de comprovação.
Quem declara obrigatoriamente Imposto de Renda? Quem recebeu rendimentos tributáveis em
2008, cuja soma foi superior a R$ 16.473,72 – tais como, rendimentos do trabalho assalariado,
não-assalariado, proventos de aposentadoria, pensões, aluguéis, atividade rural; quem recebeu
rendimentos isentos, não-tributáveis ou tributados exclusivamente na fonte em 2008, cuja soma
foi superior a R$ 40.000,00; quem teve posse ou propriedade de bens ou direitos, em 31 de
dezembro de 2008, inclusive terra nua, cujo valor total foi superior a R$80.000,00; quem
realizou em 2008 alienação de bens ou direitos em que foi apurado ganho de capital, sujeito à
incidência do imposto, ou operações em bolsa de valores, de mercadorias, de futuros e
assemelhadas; e ainda quem teve em 2008 receita bruta em valor superior a R$ 82.368,60
relativamente à atividade rural.
16
Este
manual
pode
ser
acessado
http://www.receita.gov.br/Publico/programas/irpf/2009/Orientacoes/Instrucoesmodelocompleto2009.pdf
102
em:
Situações individuais. Existem oito categorias de declaração de IR individual. A primeira se
chama contribuinte casado. Nessa categoria é possível apresentar a declaração em separado ou
em conjunto com o cônjuge. Se for feita em conjunto, a declaração deve constar o nome de uma
das pessoas do casal com o rendimento de ambos, inclusive os provenientes de bens gravados
com cláusula de incomunicabilidade ou inalienabilidade, e as pensões de gozo privativo. Se eles
optarem por fazer a declaração em separado, cada cônjuge deve incluir na sua declaração os
rendimentos próprios e 50% dos rendimentos produzidos pelos bens comuns, compensando 50%
do imposto pago ou retido sobre esses rendimentos; ou um dos cônjuges inclui na sua declaração
os rendimentos próprios e o total dos rendimentos produzidos pelos bens comuns, compensando
o total do imposto pago ou retido na fonte, independentemente de qual dos cônjuges tenha
sofrido a retenção ou efetuado o recolhimento. Nesse caso, o outro cônjuge inclui na sua
declaração somente os seus rendimentos próprios. A segunda categoria chama-se contribuinte
com companheiro. Assim como a primeira, é possível apresentar a declaração em separado ou
em conjunto. Se o casal fizer em conjunto, a declaração deve ser apresentada em nome de um
deles. Nela devem ser incluídos os rendimentos de ambos, inclusive os provenientes de bens
gravados com cláusula de incomunicabilidade ou inalienabilidade, e as pensões de gozo
privativo. Se eles fizerem em separado, cada um deve incluir na sua declaração os rendimentos
próprios e 50% dos rendimentos produzidos pelos bens em condomínio, salvo estipulação
contrária em contrato escrito, quando deve ser adotado o percentual nele previsto. Pode ser
compensado o imposto pago ou retido, na mesma proporção dos rendimentos tributáveis
produzidos pelos bens em condomínio. A terceira categoria é a do contribuinte viúvo. O
contribuinte deve apresentar a declaração com o seu número de inscrição no CPF, abrangendo os
rendimentos próprios. No curso do inventário, o viúvo pode optar por tributar 50% dos
rendimentos produzidos pelos bens comuns na sua declaração ou integralmente na declaração do
espólio. A quarta categoria é a do contribuinte separado de fato, que segue as mesmas regras do
contribuinte casado. O contribuinte separado judicialmente ou divorciado é a quinta categoria,
que apresenta declaração na condição de solteiro, caso não esteja casado ou vivendo em união
estável em 31/12/2008. E as três últimas categorias seguem as mesmas regras. São elas:
contribuinte menor, contribuinte menor emancipado e contribuinte incapaz.
Rendimentos declarados.17 O rendimento individual é composto de todas as receitas possíveis
provenientes do trabalho, com ou sem vínculo empregatício, tais como: (a) salários e ordenados
(inclusive férias), de reserva ou de reforma, pensões civis e militares, gratificações e
participações no lucro, verbas de representação e remuneração de estagiários e de residentes; (b)
17
Se o rendimento não está em Real, os valores devem ser convertidos para a moeda brasileira. Mas, como a
PNAD não declara rendimentos em outra moeda, não estamos apresentando a tabela de conversão do Banco
Central.
103
benefícios recebidos de entidades de previdência privada, de Plano Gerador de Benefício Livre
(PGBL) e de Fundo de Aposentadoria Programada Individual (FAPI); (c) despesas ou encargos
pagos pelos empregadores em favor do empregado, como aluguéis, contribuições
previdenciárias, imposto de renda, seguro de vida, despesas de locomoção; (d) 25% dos
rendimentos do trabalho assalariado recebidos em moeda estrangeira por servidores de
autarquias ou repartições do governo brasileiro situadas no exterior; (e) rendimentos de profi
ssões, de ocupações e de prestação de serviços (inclusive de representante comercial autônomo);
(f) honorários de autônomos, como médico, dentista, engenheiro, advogado, veterinário,
professor, economista, contador, jornalista, pintor, escultor, escritor e leiloeiro; (g) direitos
autorais; (h) 10%, no mínimo, dos rendimentos recebidos pelos garimpeiros, de empresas
legalmente habilitadas, pela venda de metais preciosos, pedras preciosas e semipreciosas, por
eles extraídos; (i) 40%, no mínimo, do rendimento do trabalho individual no transporte de carga
e de serviços com trator, máquina de terraplenagem, colheitadeira e assemelhados, quando o
veículo ou a máquina utilizada for de propriedade do contribuinte ou locado e conduzido
exclusivamente por ele; e (j) 60%, no mínimo, do rendimento do trabalho individual no
transporte de passageiros, quando o veículo for de propriedade do contribuinte ou locado e
conduzido exclusivamente por ele.
Bens declarados. São considerados bens declarados: (a) todas as propriedades, como prédios
(residências e comerciais), galpões, apartamentos, casas, terrenos, terra nua, salas ou conjuntos,
construções, benfeitorias, lojas, etc., incluindo propriedades financiadas; (b) todos os bens
móveis, como veículos (caminhão, automóvel, moto, etc.), aeronave, embarcação, linha
telefônica, etc., incluindo os bens móveis financiados; (c) jóias, quadros, objetos de arte, etc.; (d)
outros bens e direitos, que custaram R$ 5.000,00 ou mais; (e) conta corrente, conta de poupança
e outros investimentos, que somados chegam a R$ 140,00 ou mais; e (f) ações, ouro e outras
operações financeiras, que somadas chegam a R$ 1.000,00 ou mais.
Deduções. Assim como em outros países, no Brasil é possível fazer deduções de algumas
despesas na declaração do Imposto de Renda. São elas: (a) despesas com instrução própria do
contribuinte ou de seus dependentes, no Brasil ou no exterior; (b) despesas com médicos,
dentistas, psicólogos, fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais, no Brasil ou no exterior; (c)
despesas com hospitais, clínicas e laboratórios, no Brasil ou no exterior; (d) despesas com
pensão alimentícia, no Brasil ou no exterior; (e) despesas com contribuições a entidades de
previdência privada; (f) Fundo de Aposentadoria Programada Individual (FAPI); (g) despesas
com advogados, engenheiros, arquitetos e demais profissionais liberais; (h) aluguéis de imóveis;
(i) despesas com arrendamento rural; (j) doações em espécie; e (k) doações em bens e direitos. O
contribuinte que não declarar todos os bens está sujeito a multa de 20% do valor não declarado.
104
Dependente. O contribuinte pode deduzir R$ 1.655,88 por pessoa considerada dependente,
mesmo que a relação de dependência tenha existido por menos de doze meses no ano-calendário
2008, como nos casos de nascimento ou falecimento. A SRFB considera como dependente: (a)
companheiro(a) com o qual o(a) contribuinte tenha filho ou viva há mais de cinco anos, ou
cônjuge; (b) filho(a) ou enteado(a) até 21 anos de idade; (c) filho(a) ou enteado(a) uiversitário(a)
ou cursando escola técnica de 2o grau, até 24 anos; (d) filho(a) ou enteado(a) em qualquer idade,
quando incapacitado física e/ou mentalmente para o trabalho; (e) irmão(ã), neto(a) ou bisneto(a)
sem arrimo dos pais, do(a) qual o contribuinte detém a guarda judicial, até 21 anos; (f) irmão(ã),
neto(a) ou bisneto(a) sem arrimo dos pais, com idade de 21 até 24 anos, se ainda estiver cursando
estabelecimento de nível superior ou escola técnica de 2 o grau, desde que o contribuinte tenha
detido a guarda judicial até os 21 anos; (g) irmão(ã), neto(a) ou bisneto(a) sem arrimo dos pais,
do qual o contribuinte detém a guarda judicial, em qualquer idade, quando incapacitado física
e/ou mentalmente para o trabalho; (h) pais, avós e bisavós que, em 2008, tenham recebido
rendimentos de até R$ 16.473,72, tributáveis ou não; (i) menor pobre, até 21 anos, que o
contribuinte crie e eduque e do qual detenha a guarda judicial; e (j) a pessoa absolutamente
incapaz, da qual o contribuinte seja tutor ou curador.
Limites de dedução. Existem algumas regras sobre os limites permitidos para a declaração do
Imposto de Renda. São elas: (a) a previdência social pública pode ser deduzida integralmente;
(b) a previdência social privada ou o Fundo de Aposentadoria Programada Individual (FAPI)
pode ser deduzido em até 12% do total do rendimento tributável; e (c) como apresentado no item
anterior, o contribuinte pode deduzir até R$ 1.655,88 por pessoa considerada dependente.
Imposto de Renda Retido na Fonte. Se o rendimento anual do trabalho for inferior a R$
16.473,72, não há IRRF. Se o rendimento anual estiver entre R$16.473,73 e R$ 32.919,00, o
contribuinte paga a alíquota de 15,0% e pode deduzir até R$ 2.471,06. Mas se o rendimento
anual do trabalho for maior que R$ 32.919,00, a alíquota paga pelo contribuinte é de 27,5%, com
dedução de até R$ 6.585,93.
4. Aplicando o Modelo SM2
4.1. Considerações específicas sobre o uso da PNAD no SM2
Para replicar a estrutura do mercado de trabalho brasileiro em 2008, algumas considerações
foram adotadas na implantação do modelo SM2. Sobre renda e rendimento, foram:
Todas as variáveis usadas estão sendo convertidas para mensais. No caso da PNAD,
apesar dela ter quatro tipos de recorte temporal – semana de referência, 358 dias, mês de
referência e ano de referência –, a principal razão de ter escolhido a primeira opção foi a
105
qualidade da informação disponível, muito superior às demais. Além disso, comparamos
as variáveis da semana de referência e dos 358 dias, e os resultados foram semelhantes.18
Para as variáveis referentes ao rendimento individual, consideramos para sem declaração
ou não aplicável rendimento igual a R$ 0 (zero). Estamos conscientes de que essa
suposição subestima as rendas familiar e domiciliar per capita e, conseqüentemente,
sobreestima os níveis de pobreza. Entretanto, é importante destacar que essa consideração
foi adotada para apenas 1% dos indivíduos, o que não implica impactos significativos nos
resultados como um todo. Por exemplo, no caso da variável V4718 representou 0,77%,
da variável V1252, 0,10%, da variável V9982, 0,08%, e de todas as demais variáveis de
rendimento juntas representou também 0,08%.
Na construção das rendas familiar e domiciliar para o cálculo dos níveis de pobreza,
consideramos o rendimento mensal em valor dos produtos e mercadorias. Dessa forma,
reconstruímos as variáveis V4650 e V9532 calculadas pelo IBGE. Vale lembrar que para
efeito de simulação, esse rendimento é excluído da análise porque é considerado não
tributável.
As considerações sobre o trabalho foram:
Além do trabalho principal, consideramos, se declarado, o segundo e o terceiro trabalho
na semana de referência. Como a PNAD não informa quanto tempo essas atividades
secundárias foram exercidas, adotamos para elas a mesma duração da principal.
Para a condição de formal ou informal, consideramos apenas se o indivíduo era
contribuinte para um instituto de previdência (federal, estadual ou municipal), ao invés de
considerar se ele tinha carteira de trabalho assinada.19 A principal razão é que, para a
declaração do Imposto de Renda, o pagamento da contribuição é mais importante do que
a assinatura da carteira per se. Além disso, dessas duas variáveis, apenas a contribuição
para um instituto de previdência aparece nos três trabalhos, o que permite uma análise
mais homogênea dos encargos trabalhistas.
As considerações sobre os custos sociais do trabalho foram:
Como foi apresentado na seção anterior, a alíquota do SAT depende da atividade
principal da empresa. Estou considerando para o SAT apenas os empregados de
empresas. Também não estou considerando os autônomos (por exemplo, os médicos). O
grau de risco varia entre 1 e 3%. Estou considerando 2%.
18
Outra razão que contribuiu para a conversão dos dados foi a declaração do tempo de trabalho. Embora a PNAD
pergunte separadamente quantos meses e quantos anos o indivíduo está na ocupação principal, mais de 50%
declarou o tempo de trabalho para o número de anos.
19
As duas opções estão disponíveis na PNAD.
106
Excluímos o repouso semanal remunerado da relação de custos sociais do trabalho por
ela ser específica de algumas categorias (como, por exemplo, de porteiros) e pela
informação não estar disponível na PNAD.
Por questões metodológicas, algumas deduções não são passíveis de identificação na
PNAD, e por essa razão, apesar de aparecerem na declaração do imposto de renda, foram
excluídas do modelo. Dentre elas, destacam-se todos os honorários de autônomos
(médicos, dentistas, advogados, etc.), pensão alimentícia, salário educação, salário
família, etc. De acordo com EUROSTAT (2003), a inclusão dessas despesas no modelo
representam uma variação de menos de 1% (EUROSTAT 2003 e 2004).
4.2. Checagem dos dados
Na seção 2 foram apresentadas as variáveis da PNAD selecionadas e seus componentes
referentes no Sistema de Contas Nacionais (Tabela 8). Apesar da primeira base de dados ser do
ano de 2008, e a segunda, de 2006, na comparação dos agregados, os resultados foram bastante
semelhantes (Tabela 12).
Tabela 12
Checagem da PNAD pelo SCN
Componente
Custos sociais do trabalho
Contribuições sociais
Rendimento bruto
Impostos
Rendimento líquido
Contas Nacionais
R$*
%
1.771.937
100,0
304.784
17,2
1.467.153
82,8
81.950
4,6
1.385.203
78,2
PNAD/SCN
PNAD a partir do SM2
(%)
R$*
%
1.755.338
100,0
99,1
297.675
17,0
97,7
1.457.663
83,0
99,4
89.775
5,1
109,5
1.367.888
77,9
98,7
Fonte: IBGE (2008a e 2008b). Elaboração própria.
* Valores em R$ 1.000.000.
O componente calculado que apresentou a maior variação entre a PNAD e o SCN foi os
impostos. Esse resultado já era esperado, dado que a PNAD agrupa em uma única variável
(V1273) os juros de caderneta de poupança e de outras aplicações financeiras, dividendos e
programas sociais, ou seja, rendimentos tributáveis e não tributáveis sob a ótica do governo.20
Barros et al. (2007) argumentam ainda que a PNAD inclui os rendimentos de ativos recebidos,
mas não desconta os pagos, como é o caso dos juros. Esses foram os principais fatores que
contribuiram para superestimar o montante arrecadado com impostos no ano de 2008. A exceção
dos impostos, os demais componentes obtiveram percentuais acima do esperado. Nesse caso, os
20
Os demais rendimentos considerados no modelo SM2 estão disponíveis no Anexo II.
107
resultados podem ser atribuídos fundamentalmente ao alto grau de informalidade – onde o
rendimento do trabalho bruto acabou sendo igual ao líquido. Limitamos, assim, a aplicação das
regras tributárias mais complexas no SM2 ao restrito grupo de indivíduos que declararam ter
recebido rendimentos que não do trabalho em 2008.
Se compararmos os percentuais da PNAD/SCN da Tabela 12 com os dos demais países
que utilizaram a mesma metodologia (EUROSTAT, 2003 e 2004), o Brasil foi o que alcançou os
resultados mais próximos das Contas Nacionais. Vale lembrar que além de ser a primeira vez
que o modelo foi aplicado a um país fora da União Européia, o presente estudo foi também o
primeiro a analisar um setor específico, a simular cenários com sistemas tributários distintos e a
usar uma pesquisa domiciliar de âmbito nacional sem tratamento metodológico prévio de
padronização de dados. Isso porque o SM2 foi criado originalmente para atender a uma demanda
do EUROSTAT de cálculo de transformação de rendimentos brutos em líquidos a partir de uma
base de dados construída, o EU-SILC21. Destaca-se, portanto, não só a qualidade desse modelo
de micro-simulação, como também dos dados da PNAD.
4.3. Os cenários analisados
A partir da legislação trabalhista e das regras do IR vigentes em 2008, foram simulados três
cenários para dois grupos populacionais – Brasil e setor agrícola. A Figura 3 ilustra esses
cenários, e apresenta a atribuição dos agentes envolvidos a fim de formalizar o empregado e o
conta própria. Note que, em termos de contribuição social, esses dois grupos são completamente
diferentes. O primeiro depende do empregador para regularizar a sua situação no mercado de
trabalho. Já o segundo grupo tem autonomia para decidir se participa ou não do sistema de
seguridade social. O salário também pode explicar parte da informalidade em ambos os casos. A
dependência do empregado sobre a escolha de ser formal geralmente ocorre em estratos de renda
mais baixos, onde não há muito poder de barganha sobre as condições do trabalho. A situação
dos conta própria é um pouco diferente. Por eles não possuírem contrato de trabalho, e pelo
recolhimento do INSS poder ser feito em atraso, a não contribuição pode ser um reflexo da
decisão de se ganhar mais no presente e comprometer a renda no futuro. Assim, apesar do
modelo SM2 ter como base todos os setores e todas as ocupações informadas na PNAD, as
alternativas de tributação propostas na Figura 3 (cenários 2 e 3) se referem exclusivamente aos
empregados e aos conta própria. Mas, antes de simular qualquer proposta de formalização de
mão de obra, reproduzimos o sistema tributário vigente (cenário 1). Note que parte de seus
21
O EU-SILC é uma base de dados cross-section sobre rendimento, pobreza, exclusão social e condições de
moradia dos países da União Européia. Essa base foi criada pelo EUROSTAT a partir dos dados já existentes em
cada país – pesquisas domiciliares ou registros administrativos. Para maiores informações, consultar:
http://epp.eurostat.ec.europa.eu/portal/page/portal/microdata/eu_silc
108
resultados já foram apresentados na Tabela 12, e seu principal objetivo foi testar a eficácia do
modelo SM2 para o caso brasileiro. Nesse cenário, consideramos os formais e os informais. Para
os formais, o rendimento do trabalho líquido foi menor do que o bruto – ou seja, N<H. No caso
dos informais, N=H. Para todos os cenários, assumimos a hipótese de que o salário declarado na
PNAD para todos os indivíduos é o bruto.
Figura 3
Cenários analisados sobre a formalização do empregado, Brasil e setor agrícola
RENDIMENTO
DO TRABALHO
INFORMAL
CENÁRIO 1
Realidade
Contribuições
Sociais, Impostos
e Deduções
Contribuições
Sociais, Impostos
e Deduções
Salário Líquido
para o
Trabalhador
(Ni)
(Ni)
CENÁRIO 2
Custos pagos somente
pelo empregado
CENÁRIO 3
Custos pagos somente
pelo empregador
Fonte: Elaboração própria.
O cenário 2 reflete a seguinte situação: nos casos de informalidade, os empregadores não
querem pagar além do que eles já pagam pelo serviço de seus empregados, por isso, todos os
encargos trabalhistas foram descontados do atual salário (área cinza da Figura 3). Por isso,
incluímos as contribuições sociais e os impostos pagos dos então informais até chegar nos seus
respectivos rendimentos líquidos. No caso dos formais, mantivemos a estrutura original do
cenário 1.
De forma contrária, o cenário 3 mantém o nível de salário dos empregados, e repassa os
custos de formalização para o empregador, como as contribuições sociais (S1 ou S2). Em outras
palavras, o cenário 3 é uma política que certamente beneficiaria grupos de baixa renda, que a
princípio representam a maior parte dos informais e que não teriam poder de barganha para
109
manter seus salários. A Tabela 13 apresenta um resumo de como os componentes selecionados
na PNAD foram implementados no SM2.
Tabela 13
Principais componentes do rendimento, imposto, contribuições sociais e
deduções no Sistema Tributário no Brasil
N
Componentes do
Rendimento
1 Rendimento do trabalho
2
3
4
5
6
7
8
9
Rendimento do trabalho
por conta própria
Outros rendimentos do
trabalho
Rendimento de aluguel
Rendimento em espécie /
bens
Aposentadorias e pensões
Rendimento de abono
permanência
Rendimento de doação de
não morador
Outros rendimentos
Contribuições Sociais
Imposto
(Si)
Incluído na
Componentes de
Agregação Deduções Específicas
Comum
(Di)
Empregador S0(G1)
Empregado S1(G1)
IRRF
Sim
D1(Y1)
S2(G2)
IRRF
Sim
D2(Y2)
Não
Não
Não
Não
IRRF
Não
Não
Não
Não
Não
IRRF
Não
Não
Não
Não
Não
Não
Não
Não
Não
Não
Não
Não
Não
Não
Não
Não
Não
Fonte: Elaboração própria.
5. Resultados Preliminares e Considerações Finais
Os resultados desta seção são preliminares e foram resumidos em três tabelas.22
A Tabela 14 apresenta os componentes dos rendimentos brutos dos indivíduos declarados
na PNAD. Tanto para o Brasil, quanto para o setor agrícola, os rendimentos do trabalho foram
em 2008 o componente mais significativo, com 76% e 95% de participação no total de
rendimentos, respectivamente. Note que os empregados do setor agrícola – e conseqüentemente
seus familiares – são muito mais dependentes do salário. Isso sugere que qualquer proposta de
mudança no sistema tributário terá um impacto mais expressivo nas atividades agrícolas. O
segundo componente de maior destaque na Tabela 14 são os rendimentos de aposentadorias e
pensões, com 20% e 3%. Apesar do baixo percentual no setor agrícola, a soma desses dois
componentes ultrapassa 95% em ambos os casos. Ainda sobre a aposentadoria, boa parte dos 3%
calculados para o setor agrícola pode representar o benefício da aposentadoria rural,
implementada pelo governo federal desde 1992.23 Essa verificação, porém, será contemplada em
22
As tabelas completas encontram-se nos Anexos III e IV.
A aposentadoria rural foi criada pelo governo federal com o objetivo de incluir no sistema previdenciário os
trabalhadores rurais que tivessem em idade para se aposentar, mas que não tivessem contribuido para o INSS. Esse
23
110
projetos futuros, onde analisaremos, além da aposentadoria rural, o impacto de outros programas
sociais no campo.
Outra verificação pertinente sobre os resultados apresentados na Tabela 14 se refere aos
rendimentos dos conta própria no setor agrícola. Tanto para essa categoria, quanto para as
categorias outros rendimentos do trabalho, rendimentos em espécie e abono permanência,
obtivemos valor total igual a R$ 0 (zero). No caso do abono permanência, esse resultado já era
esperado, mas dos rendimentos em espécie e principalmente dos rendimentos dos conta própria,
não. Em outras palavras, isso significa que para o setor agrícola só teremos resultados das
simulações para os empregados.
Tabela 14
Componentes dos rendimentos brutos, Brasil e setor agrícola, 2008
(R$ 1 000 000)
Var
Componentes do Rendimento
H1
H2
H3
H4
H5
H6
H7
H8
H9
Rendimento do trabalho (empregado)
Rendimento do trabalho (conta própria)
Outros rendimentos do trabalho
Aluguel
Rendimento em espécie / bens
Aposentadorias e pensões
Abono permanência
Doação de não morador
Outros rendimentos
Total
Brasil
R$
770.580
337.650
347
24.565
223
286.746
162
7.465
29.539
1.457.277
%
52,9
23,2
0,0
1,7
0,0
19,7
0,0
0,5
2,0
100
Setor Agrícola
R$
%
26.451
94,9
0
0,0
0
0,0
132
0,5
7
0,0
909
3,3
0
0,0
26
0,1
340
1,2
27.865
100
Fonte: IBGE (2008a). Elaboração própria.
A Tabela 15 apresenta os rendimentos totais líquidos para os três cenários. Essa tabela
exemplifica a composição dos cenários 2 e 3. A passagem do cenário 1 para 3 é facilmente
percebida, já que os custos de formalização foram incididos diretamente sobre os salários
declarados. Os rendimentos do trabalho de todos os empregados que se encontravam fora do
sistema de seguridade social foram considerados rendimentos líquidos (note que o N1 continuou
com o mesmo valor), ou seja, esses trabalhadores não tiveram perdas salariais. Entre os cenários
1 e 3 também não houve mudança no montante pago de impostos. O maior impacto ocorreu no
componente contribuições sociais, que pelas regras vigentes seria repassado para os empregados
e empregadores (cerca de 18% para cada um). Mas, como supusemos que o aumento do custo da
benefício – sem contribuição compulsória – é concedido ainda hoje. Para maiores informações, consultar Kreter
(2004).
111
mão de obra foi pago apenas pelo empregador, a diferença total – R$ 51.530 bilhões, ou cerca de
24% – foram somadas ao SS.
Para o cenário 2, os rendimentos brutos dos empregados formais foi repetido, com seus
respectivos encargos e contribuições sociais. Para os informais, descontamos do salário bruto
todos os custos de formalização. Por isso, pode-se dizer que a diferença apresentada em tax1, S1,
SS e GG nos cenários 2 e 3 se referem exclusivamente aos informais. No caso do cenário 2, o
repasse dos custos para o empregado gerou, na prática, uma queda de quase 12% do salário final
do empregado. Como as regras do sistema tributário permaneceram as mesmas, e dado que elas
são proporcionais ao H1 de cada trabalhador, o resultado foi que além do empregado sofrer
perdas salariais, o empregador pagou menos encargos e contribuições e o governo recolheu
impostos. A exceção do empregador, todos saíram perdendo.
Tabela 15
Componentes dos rendimentos do trabalho, cenários 1, 2 e 3, Brasil, 2008
(R$ 1 000 000)
Var
N1
tax1
H1
S1
SS
GG
Componente
Rendimento líquido
Impostos
Rendimento bruto
Contribuição do empregado
Contribuição do empregador
Encargos trabalhistas +
contribuições sociais
Cen 1
712.022
58.558
770.580
58.231
213.201
Brasil
Cen 2
627.619
32.773
660.392
51.630
179.304
Cen 3
712.022
58.558
770.580
58.231
264.731
1.042.012
891.326
1.093.542
Fonte: IBGE (2008a). Elaboração própria.
A Tabela 16 compara os cenários 1, 2 e 3 do Brasil com o do setor agrícola. Nela, em vez
de apresentarmos os valores totais, como feito até agora, optamos por mostrar as médias dos
salários, a fim de dimensionar o impacto de cada cenário no montante recebido pelo empregado.
Entretanto, as tendências verificadas nas Tabelas 14 e 15 permaneceram. Três considerações
podem ser feitas.
A primeira delas é que os encargos trabalhistas (tax1) do setor agrícola são bem
inferiores à média brasileira. Assim, pela Tabela 16, contratar mão de obra no campo é menos
oneroso que em outros setores. Esse resultado já era esperado. A maior parte dos empregados
contratados no setor agrícola é composta de temporários, e pela Tabela 11 (seção 3) percebemos
que alguns encargos comuns para os empregados permanentes são excluídos dos temporários.
Mas isso não pode ser interpretado simplesmente como uma vantagem na contratação de mão de
obra no campo. De acordo com os rendimentos do trabalho declarados na PNAD 2008, os níveis
112
salariais no setor agrícola foram maiores do que a média do Brasil. Esse resultado contradiz com
o apresentado por Kreter (2010) a partir das séries de salários da Remuneração do Trabalho
Agrícola da FGV, e precisará ser revisto. O alto grau de informalidade poderia explicar um
incremento no salário líquido do conta própria ou de alguns empregados dos centros urbanos,
mas é pouco provável que explique a remuneração do trabalhador rural.
Tabela 16
Média dos componentes dos rendimentos do trabalho, cenários 1, 2 e 3,
Brasil e setor agrícola, 2008
(R$)
Var
COMPONENTE
N1
tax1
H1
S1
SS
Rendimento líquido
Impostos
Rendimento bruto
Contribuição do empregado
Contribuição do empregador
Encargos trabalhistas +
GG
contribuições sociais
Cen 1
301,38
24,79
326,17
24,65
90,24
Brasil
Cen 2
265,66
13,87
279,53
21,85
75,90
Cen 3
301,38
24,79
326,17
24,65
112,05
441,06
377,28
462,87
Setor Agrícola
Cen 1
Cen 2
Cen 3
490,74
464,93
490,74
7,54
3,19
7,54
498,28
468,12
498,28
25,21
22,62
25,21
84,77
76,12
172,34
608,26
566,86
695,83
Fonte: IBGE (2008a). Elaboração própria.
O cenário 2 confirma o já identificado na Tabela 15: o custo total da mão de obra (GG) é
menor do que no cenário 1. Proporcionalmente os impostos e as contribuições sociais do
empregado são reduzidas, em especial para o setor agrícola. Contudo, a redução no rendimento
líquido é mais acentuada no Brasil (12%) do que no setor agrícola (5%), o que novamente pode
ser percebido como reflexo da Tabela 11 (seção 3), já que mantivemos a mesma estrutura
tributária.
No cenário 3, os quatro primeiros componentes da Tabela 16 (N1, tax1, H1 e S1) foram
mantidos, passando os custos de formalização do empregado somente para o empregador. Note
que incluir o empregado no sistema de seguridade social além de ser mais oneroso para o setor
agrícola (103%) do que para o Brasil (24%), para o trabalhador rural, não há diferença no
rendimento líquido (que foi um dos pressupostos adotados nesse cenário). Na prática, o impacto
do cenário 3 no custo final da mão de obra é de 5% para o Brasil e 14% para o setor agrícola, o
que compromete qualquer política de repasse de encargos trabalhistas no campo.
Os cenários apresentados nesta seção representam casos extremos de repasse dos
encargos trabalhistas e contribuições sociais dos empregados e conta própria que se declararam
informais em 2008. Essas simulações, juntamente com o cenário 1, foram elaboradas em caráter
experimental, no intuito de reproduzir através da PNAD os agregados das Contas Nacionais, e de
verificar o comportamento dos componentes dos rendimentos do trabalho para futuras propostas
113
de inclusão dos informais no sistema de seguridade social brasileiro. Essas propostas são
fundamentais para o setor agrícola, que, como apresentado no início do presente artigo, ainda
hoje possui cerca de 80% de trabalhadores sem carteira assinada. Mais do que refletir sobre a
participação dos agentes envolvidos (empregado e empregador), e do papel do governo federal
como criador de políticas sociais, a idéia é usar esses (e principalmente futuros) resultados para
assegurar padrões razoáveis de vida da população rural.
Referências Bibliográficas
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BETTI, G.; DONATIELLO, G.; VERMA, V. The Siena Micro Simulation Model (SM2) for netgross conversion of EU-SILC income variables. International Journal of
Microsimulation, v.3, n.2, 2010. (no prelo)
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model; model description and application to the ECHP data for France, Italy and
Spain). Luxembourg: EUROSTAT, 2004. (EU-SILC 133/04)
EUROSTAT. Income in EU-SILC: net/gross/net conversion draft report on common structure of
the model (model description and application to the ECHP data for Spain).
Luxembourg: EUROSTAT, 2003. (EU-SILC 122/03)
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios (compact disc). Rio de Janeiro, 2008a.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Sistema de Contas
Nacionais: Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 2008b. (Série Relatórios Metodológicos,
v.24)
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Sistema de Contas
Nacionais: Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 2008c. (Série Relatórios Metodológicos,
v.27)
INSTITUTO NACIONAL DE SEGURIDADE SOCIAL (INSS). Tabelas de atualização
monetária dos salários-de-contribuição para apuração do salário de benefício. Rio
de Janeiro: IBGE, 2010. Disponível em: http://www.previdenciasocial.gov.br/
114
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Queiroz”, Universidade de São Paulo.
KRETER, A. C. Salários e legislação trabalhista no campo: perspectivas históricas. Niterói:
UFF, 2010. (mimeo)
MARTINI, A.; TRIVELLATO, U. The role of survey data in micro-simulation models for social
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MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO (MDA). Mercado de trabalho agrícola
no Brasil. Brasília: MDA/DIEESE, 2007. (NEAD Estudos)
PASTORE, J. Reforma trabalhista: o que pode ser feito? São Paulo: Cadernos de Economia da
FECOMERCIO,
nov.
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http://www.josepastore.com.br/artigos/rt/rt_136.htm
PNUD.
World
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2005
(WIID).
Disponível
em:
<http://www.wider.unu.edu/wiid/wiid-introduction.htm>.
SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL (SRFB). Manual de preenchimento do
Imposto de Renda pessoa física: modelo completo. Brasília: SRFB, 2009.
SUTHERLAND, H. EUROMOD: an integrated European benefits-tax model (Final Report).
Örebro: Örebro University, 2001. (Working Paper n.EM9/01)
SUTHERLAND, H.; FIGARI, F.; LELKES, O.; LEVY, H.; LIETZ, C.; MANTOVANI, D.;
ALARI, P. Improving the capacity and usability of EUROMOD (Final Report).
Örebro: Örebro University, 2008. (Working Paper n.EM4/08)
VARGHA, C. Study on international labour standards and micro-enterprises. Genebra: ILO,
1992.
VERMA, V.; BETTI, G.; BALLINI, F.; NATILLI, M.; GALGANI, S. Personal income in the
gross and net forms: applications of the Siena Micro-Simulation Model (SM2).
Siena: Università degli Studi di Padova, 2003. (Working Paper n.54)
115
ANEXO I
Fluxograma de seleção dos dados da PNAD 2008
Moradores de 10 anos ou mais de idade
(semana de referência)
Trabalhou na semana de
referência? (V9001)
1 Sim
Esteve afastado temporariamente do
trabalho remunerado que tinha na
semana de referência? (V9002)
3 Não
2 Sim
4 Não
Posição na ocupação no trabalho principal da semana de
referência (trabalho principal)
Agrícola (V9008):
Não Agrícola (V9029):
01, 02, 03 Empregado
04 Empregado temporário
05, 06, 07 Conta própria
08, 09, 10 Empregador
11 Trabalhador não remunerado de
membro da unidade familiar
12 Outro trabalhador não remunerado
13 Trabalhador na produção para o próprio
consumo
1 Empregado
2 Empregado doméstico
3 Conta própria
4 Empregador
5 Trabalhador não remunerado de membro da
unidade familiar
6 Outro trabalhador não remunerado
7 Trabalhador na construção para o próprio uso
Se não for
empregado:
Era contribuinte para um instituto de previdência?
(V9059)
1 Sim
3 Não
Se for
setor
privado:
Se for empregado,
defina: (V9032)
2 Setor privado
4 Setor público
Se for setor público,
defina:
Militar (V9034) ou
Funcionário público
estatutário (V9035)
Neste trabalho (trabalho principal):
Número de horas habitualmente trabalhadas por semana (V9058)
Número de anos contados até a data de referência (V9611)
Número de meses contados até a data de referência (V9612)
Rendimento mensal (V4718)
CONTINUA NA PÁGINA SEGUINTE …
116
Neste trabalho (trabalho principal):
Número de horas habitualmente trabalhadas por semana (V9058)
Número de anos contados até a data de referência (V9611)
Número de meses contados até a data de referência (V9612)
Rendimento mensal (V4718)
Número de trabalhos que tinha na semana de referência (V9005)
1 Um (trabalho principal, informações acima)
3 Dois (trabalho secundário, informações abaixo)
5 Três ou mais (três trabalhos ou mais, informações abaixo)
What kind of occupation did you have? (V9092)
(trabalho secundário)
1 Empregado
2 Trabalhador doméstico
3 Conta própria
4 Empregador
5 Trabalhador não remunerado de membro da
unidade domiciliar
6 Outro trabalhador não remunerado
Se não for
empregado:
Neste trabalho (três trabalhos ou mais):
Era contribuinte para um instituto de previdência?
(V9103)
Número de horas habitualmente trabalhadas por semana
(V9105)
Rendimento mensal em dinheiro (V1022)
Se for empregado, defina: (V9093)
1 Setor privado
3 Setor público
Se for
setor
privado:
Se for setor público, defina:
Militar (V9095) ou
Funcionário público estatutário (V9096)
Era contribuinte para um instituto de
previdência? (V9099)
1 Sim
3 Não
Neste trabalho (trabalho secundário):
Número de horas habitualmente trabalhadas por semana(V9101)
Rendimento mensal em dinheiro (V9982)
117
ANEXO II
Variáveis consideradas como demais rendimentos, PNAD 2008
Descrição
Variável (R$)
Variável (dummy)
V1252
V1251
Pensão de instituto de previdência ou do governo federal
V1255
V1254
Outro tipo de aposentadoria
V1258
V1257
Outro tipo de pensão
V1261
V1260
Abono permanência
V1264
V1263
Aluguel
V1267
V1266
Doação de não morador
V1270
V1269
Aposentadoria de instituto de previdência ou do governo
federal
Juros de caderneta de poupança
Investmentos
R$ = V1273
Dividendos
Dummy = V1272
Programas sociais
Outros rendimentos
Fonte: IBGE (2008a). Elaboração própria.
118
ANEXO III
Componentes dos rendimentos agregados, cenários 1, 2 e 3, Brasil e setor agrícola, 2008
(R$ 1 000 000)
Impostos
Contr.
Sociais
Bruto
Líquido
Componente
Rendimento do trabalho (empregado)
Rendimento do trabalho (conta própria)
Outros rendimentos do trabalho
Aluguel
Rendimento em espécie / bens
Aposentadorias e pensões
Abono permanência
Doação de não morador
Outros rendimentos
Rendimento do trabalho (empregado)
Rendimento do trabalho (conta própria)
Outros rendimentos do trabalho
Aluguel
Rendimento em espécie / bens
Aposentadorias e pensões
Abono permanência
Doação de não morador
Outros rendimentos
ENCARGOS TRAB. + CONTR. SOCIAIS
Contribuição do empregador
Contribuição do empregado
Contribuição do conta própria
TOTAL BRUTO
Rendimento do trabalho
Rendimento de trabalhador por conta própria
Rendimento de aluguel
Aposentadorias e pensões
TOTAL LÍQUIDO
Var
Cen 1
712.022
332.683
347
22.442
223
265.305
162
7.465
29.539
770.580
337.650
347
24.565
223
286.746
162
7.465
29.539
1.754.333
213.201
58.231
25.624
1.457.277
58.558
4.968
2.123
21.441
1.370.187
N1
N2
N3
N4
N5
N6
N7
N8
N9
H1
H2
H3
H4
H5
H6
H7
H8
H9
GG
SS
S1
S2
H
tax1
tax2
tax4
tax6
N
Fonte: IBGE (2008a). Elaboração própria.
119
Brasil
Cen 2
627.619
306.904
347
22.442
223
265.305
162
7.465
29.539
660.392
310.388
347
24.565
223
286.746
162
7.465
29.539
1.573.055
179.304
51.630
22.295
1.319.826
32.773
3.484
2.123
21.441
1.260.005
Cen 3
712.022
332.683
347
22.442
223
265.305
162
7.465
29.539
770.580
339.417
347
24.565
223
286.746
162
7.465
29.539
1.848.330
253.587
69.375
66.325
1.459.043
58.558
6.734
2.123
21.441
1.370.187
Setor Agrícola
Cen 1
Cen 2
Cen 3
26.050
24.680
26.050
0
0
0
0
0
0
129
129
129
7
7
7
895
895
895
0
0
0
26
26
26
340
340
340
26.451
24.849
26.451
0
0
0
0
0
0
132
132
132
7
7
7
909
909
909
0
0
0
26
26
26
340
340
340
33.702
31.505
38.351
4.500
4.041
8.112
1.338
1.201
2.375
0
0
0
27.865
26.263
27.865
400
169
400
0
0
0
3
3
3
14
14
14
27.448
26.078
27.448
ANEXO IV
Componentes dos rendimentos médios, cenários 1, 2 e 3, Brasil e setor agrícola, 2008
(R$)
Impostos
Contr.
Sociais
Bruto
Líquido
Componente
Rendimento do trabalho (empregado)
Rendimento do trabalho (conta própria)
Outros rendimentos do trabalho
Aluguel
Rendimento em espécie / bens
Aposentadorias e pensões
Abono permanência
Doação de não morador
Outros rendimentos
Rendimento do trabalho (empregado)
Rendimento do trabalho (conta própria)
Outros rendimentos do trabalho
Aluguel
Rendimento em espécie / bens
Aposentadorias e pensões
Abono permanência
Doação de não morador
Outros rendimentos
ENCARGOS TRAB. + CONTR. SOCIAIS
Contribuição do empregador
Contribuição do empregado
Contribuição do conta própria
TOTAL BRUTO
Rendimento do trabalho
Rendimento de trabalhador por conta própria
Rendimento de aluguel
Aposentadorias e pensões
TOTAL LÍQUIDO
Var
Cen 1
301,38
140,82
0,15
9,50
0,09
112,30
0,07
3,16
12,50
326,17
142,92
0,15
10,40
0,09
121,37
0,07
3,16
12,50
742,57
90,24
35,49
24,65
10,85
616,84
36,86
24,79
2,10
579,97
N1
N2
N3
N4
N5
N6
N7
N8
N9
H1
H2
H3
H4
H5
H6
H7
H8
H9
GG
SS
S1
S2
H
tax1
tax2
tax4
tax6
N
Fonte: IBGE (2008a). Elaboração própria.
120
Brasil
Cen 2
265,66
129,91
0,15
9,50
0,09
112,30
0,07
3,16
12,50
279,53
131,38
0,15
10,40
0,09
121,37
0,07
3,16
12,50
665,84
75,90
31,29
21,85
9,44
558,66
25,32
13,87
1,47
533,34
Cen 3
301,38
140,82
0,15
9,50
0,09
112,30
0,07
3,16
12,50
326,17
143,67
0,15
10,40
0,09
121,37
0,07
3,16
12,50
782,36
107,34
57,44
29,36
28,07
617,58
37,61
24,79
2,85
579,97
Setor Agrícola
Cen 1
Cen 2
Cen 3
490,74
464,93
490,74
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
2,43
2,43
2,43
0,13
0,13
0,13
16,86
16,86
16,86
0,00
0,00
0,00
0,49
0,49
0,49
6,41
6,41
6,41
498,28
468,12
498,28
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
2,48
2,48
2,48
0,13
0,13
0,13
17,12
17,12
17,12
0,00
0,00
0,00
0,49
0,49
0,49
6,41
6,41
6,41
634,89
593,50
722,47
84,77
76,12
152,81
25,21
22,62
44,73
25,21
22,62
44,73
0,00
0,00
0,00
524,92
494,75
524,92
7,85
3,49
7,85
7,54
3,19
7,54
0,00
0,00
0,00
517,07
491,26
517,07
CONCLUSÃO
Esta tese apresentou uma coletânea de três artigos sobre o mercado de trabalho agrícola. Dois temas
foram destaque neste estudo: a informalidade e a intermediação de mão de obra, conhecida como
empreitada.
O Artigo 1 teve como objetivo analisar os salários recebidos nas atividades agrícolas a partir
da evolução dos direitos trabalhistas conquistados pelo trabalhador rural. Inicialmente identificamos
três fases distintas da evolução da legislação trabalhista no campo. A primeira delas se referiu à
criação da CLT, que incluía alguns títulos e capítulos explicitamente aplicáveis aos trabalhadores
rurais. Verificamos que, em termos de cumprimento, os resultados foram inexpressivos para todas as
regiões do Brasil. Entretanto, a Secretaria de Agricultura do estado de São Paulo identificou alguns
processos de empregados contra produtores rurais nos tribunais estaduais acerca desses direitos. A
segunda fase da legislação trabalhista no campo foi caracterizada pela criação do ETR, que, além de
confirmar os dispositivos da CLT, esse Estatuto ainda propunha outros benefícios ao trabalhador
rural, como a estabilidade no emprego e o estabelecimento da jornada de trabalho de 8 horas, já
garantidos nos centros urbanos. Contudo, o ETR foi fundamental para a criação do seguro
obrigatório (FUNRURAL). A terceira e última fase da evolução da legislação trabalhista no campo
se iniciou com a criação da Lei no 5.889. Além da ampliação da definição de empregado rural, a
maior contribuição da Lei no 5.889 foi a inclusão do contrato de safra como alternativa para a
contratação de mão de obra de curto e curtíssimo prazos. Na prática, observamos que a burocracia
concernente a essa modalidade de contrato é tão grande, que para os pequenos produtores, seguir
todas as exigências estabelecidas pela lei, torna sua produção inviável, não só pelo custo per se, mas
também pelo tempo gasto em cumpri-la.
Concluímos que a maior dificuldade encontrada pelo governo federal para regular o mercado
de trabalho agrícola foi o enquadramento das diferentes modalidades de relações de trabalho em
apenas duas categorias – empregador e empregado – sem levar em conta o serviço de empreitada
(terceirização de tarefas) e a intermediação de mão de obra, ambas previstas nos outros setores da
121
economia. Além disso, outras características específicas do campo não foram abordadas pela
legislação trabalhista, como a instituição do salário chuva. A análise do impacto da legislação
trabalhista nos salários rurais foi consolidada através da série anual de Remuneração do Trabalho
Agrícola da FGV referente ao trabalhador eventual (safrista) e ao empregado permanente.
Observamos que até o ano de 1973 os salários recebidos estavam acima dos 30% do mínimo
previsto em lei, e que depois desse ano houve um incremento substancial nos salários, em especial
no salário do diarista, que pode ser interpretado como conseqüência da criação da Lei no 5.889.
Contudo, a elevação dos salários rurais a partir de 1983 e o pico da série em 1986 podem estar
relacionados às reivindicações dos trabalhadores rurais por melhores salários e condições de
trabalho. Observamos também que as trocas de moeda e a hiperinflação, em especial na década de
oitenta, contribuíram de maneira expressiva para a volatilidade dos salários rurais.
A conclusão geral do Artigo 1 foi que a legislação trabalhista, através da instituição do
salário mínimo, contribuiu para a elevação dos níveis de salários recebidos pelo trabalhador rural.
Entretanto, um aumento nos níveis salariais não significou garantia de pagamento dos encargos
trabalhistas, o que é bastante coerente com os elevados níveis de informalidade existentes ainda hoje
no país.
Nesse sentido, o Artigo 2 aprofundou a análise do papel do intermediário, através de dois
estudos realizados entre os anos de 2006 e 2010 na região de Piracicaba (SP) e na Alemanha. No
estudo de caso sobre o corte de cana na região de Piracicaba, verificamos que as diferentes
atividades na produção de cana-de-açúcar são quase sempre intermediadas por um prestador de
serviço, chamado de empreiteiro. Esse agente desempenha diferentes tarefas: ora contrata e
supervisiona, ora só supervisiona, e ora apenas paga pelo serviço prestado.
A legalidade do empreiteiro é questionada tanto pelas usinas, como pelo Ministério do
Trabalho, mas o Sindicato dos Empreiteiros de Capivari sobrevive até os dias de hoje com base na
Lei no 6.019, mesmo sabendo que essa lei se restringe às áreas urbanas. Não há, portanto, a menor
possibilidade de se contratar temporários e de se prestar serviço no setor agrícola.
É importante observar que os empreiteiros da região de Piracicaba não são meros
intermediários de mão de obra. Na verdade, todos os contratos estabelecidos entre empreiteiros e
usinas se baseiam no sistema de empreitada. A decisão de contratação e a responsabilidade da
execução são exclusivas do empreiteiro. Por isso, se a Lei no 6.019 fosse aplicável ao campo, o
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sistema de empreitada poderia ser executado a partir do modelo que já existe nessa região, com a
diferença de que os empreiteiros responderiam por todas as obrigações contratuais.
O sistema de empreitada na região de Piracicaba é um bom exemplo de como as relações de
trabalho podem beneficiar produtores, trabalhadores sazonais e os próprios intermediários.
Entretanto, sabemos que o sistema apresentado neste artigo é uma exceção dentro das condições
atuais oferecidas aos trabalhadores. Nesse sentido, a legalização do intermediário e a redução da
burocracia para os contratos de safra, como já existe na Alemanha, poderiam representar não só o
aumento no grau de formalização, mas também a redução da pobreza nas áreas rurais. A
intermediação de mão de obra, como existe atualmente no Brasil, é lamentável tanto pelo aspecto
social, quanto pelo aspecto econômico. Mas isso não significa que a presença do intermediário de
um modo geral seja ruim. Pelo contrário. A sua capacidade de distribuir os custos fixos por vários
produtores e de aliviar esses produtores das tarefas difíceis de seleção e de supervisão de mão de
obra é que explicam sua prevalência ainda hoje na agricultura.
No caso da Alemanha, também não há intermediação de mão de obra. Entretanto, os
produtores contam com uma estrutura pública de apoio à contratação, que pode ser interpretada até
como uma espécie de intermediário. Sem dúvida, essa estrutura reduz bastante o problema de oferta
de mão de obra, e conseqüentemente, da qualidade do trabalho ofertado. Entretanto, no caso da
Alemanha, acabou gerando um outro problema: a migração ilegal de estrangeiros. Para tentar
reduzir a informalidade, o governo alemão estabeleceu a Regra de Canto a partir da safra 2006/2007,
que teve como objetivo incentivar a contratação da população local a partir do nível de desemprego
da região. Os primeiros resultados dessa política se mostraram bastante satisfatórios sob o ponto de
vista das metas estabelecidas, mas nos próximos anos o governo federal poderá esbarrar na falta de
oferta de mão de obra nacional para o setor, e a entrada ilegal de estrangeiros poderá aumentar.
Ao compararmos o sistema de contratação de trabalhadores sazonais no Brasil e na
Alemanha, observamos que em muitos aspectos eles são bastante semelhantes, tais como a idade de
admissão, o tipo de trabalho executado, e o local da assinatura do contrato. Mas esses sistemas se
divergem quanto aos custos com transporte, alimentação e alojamento. No caso da Alemanha, todos
esses itens podem ser negociados nos contratos de trabalho, e variam de acordo com o salário pago
por hora e a localização da cidade de origem do trabalhador. No Brasil, a responsabilidade é
exclusiva do produtor.
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O Artigo 2 termina destacando a importância da formalização do intermediário no processo
de contratação de mão de obra, e as dificuldades ainda hoje enfrentadas pelos trabalhadores no
campo. O caso alemão mostra que a presença do Estado contribui para o maior equilíbrio entre a
oferta e a demanda de mão de obra, mas que isso não é condição suficiente para garantir a legalidade
de todos os trabalhadores. No campo, o trabalhador não tem margem de negociação de salário, nem
opção de alimentação ou alojamento, o que contribui fortemente para condições de trabalho
precárias e salários abaixo da média nacional.
Como o objetivo de reduzir a informalidade nas atividades agrícolas, o Artigo 3 simulou dois
cenários para a inclusão do trabalhador rural no sistema de seguridade social, além da reprodução do
sistema atual (cenário 1). No primeiro deles (cenário 2), todos os custos de contratação foram
repassados para os empregados. De forma contrária, o segundo (cenário 3) manteve o nível de
salário dos empregados, e repassou os custos de formalização para o empregador. Essas simulações
foram feitas para o Brasil e para o setor agrícola através da transformação do rendimento do trabalho
bruto em líquido utilizando o Modelo de Micro-Simulação de Siena (SM2).
Apesar dos resultados ainda serem preliminares, observamos que tanto para o Brasil, quanto
para o setor agrícola, a variável rendimentos do trabalho foi o componente mais significativo no
total de rendimentos, seguido do rendimentos de aposentadorias e pensões. Na comparação dos três
cenários para o setor agrícola, verificamos que, no cenário 1, os encargos trabalhistas são bem
inferiores à média brasileira. Já no cenário 2, os impostos e as contribuições sociais do empregado
são reduzidas. Contudo, a redução no rendimento líquido é mais acentuada no Brasil do que no setor
agrícola. Notamos, assim, que os empregados do setor agrícola são muito mais dependentes do
salário. Isso sugere que qualquer proposta de mudança no sistema tributário terá um impacto mais
expressivo nas atividades agrícolas. No caso dos rendimentos de aposentadorias e pensões, boa
parte do resultado obtido para o setor agrícola pode representar o benefício da aposentadoria rural.
Essa verificação, porém, será contemplada em projetos futuros, onde analisaremos, além da
aposentadoria rural, o impacto de outros programas sociais no campo, como o Programa Bolsa
Família.
Na comparação dos cenários 1, 2 e 3 para o Brasil e o setor agrícola, verificamos que os
encargos trabalhistas do setor agrícola são bem inferiores à média brasileira. Esse resultado já era
esperado, já que parte dos encargos comuns para os empregados permanentes são excluídos nos
contratos de curta duração. Mas isso não pode ser interpretado simplesmente como uma vantagem
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na contratação de mão-de-obra no campo. Em 2008, os níveis salariais no setor agrícola foram
maiores do que a média do Brasil.
Os cenários apresentados no Artigo 3 representam casos extremos de repasse dos encargos
trabalhistas e contribuições sociais dos empregados e conta própria que se declararam informais em
2008. Essas simulações, juntamente com o cenário 1, foram elaboradas em caráter experimental, no
intuito de verificar o comportamento dos componentes dos rendimentos do trabalho para futuras
propostas de inclusão dos informais no sistema de seguridade social brasileiro. Essas propostas são
fundamentais para o setor agrícola, que, como apresentado no desde o Artigo 1, ainda hoje possui
cerca de 80% de trabalhadores sem carteira assinada. Mais do que refletir sobre a participação dos
agentes envolvidos, e do papel do governo federal como criador de políticas sociais, a idéia é usar
esses e futuros resultados para assegurar padrões razoáveis de vida da população rural.
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