Tribunal Central Administrativo Sul
Processo nº: 4037/2008
Acórdão de: 2015-03-12
Relator: Cristina dos Santos
Descritores: estatuto remuneratório do pessoal docente universitário
Sumário:
1.
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3.
A carreira universitária configura uma carreira específica e corpo especial – cfr. artº 16º
nº 2 d) DL 184/89, 02.06 (corpos especiais – carreiras docentes).
No diploma que rege o estatuto remuneratório da função pública, DL 353-A/89, 16.10,
dispõe o artº 28º nº 1 que “As escalas salariais dos corpos especiais são fixadas em
legislação própria”, no caso, o DL 408/89, 18.11 diploma que “estabelece regras sobre
o estatuto remuneratório do pessoal docente universitário … constante do anexo nº 1 …
” conforme artº 1º nº 1.
O artº 17º nº 2 DL 353-A/89, 16.10 (estatuto remuneratório da função pública) não é
aplicável ao estatuto remuneratório do pessoal docente universitário.
Nuno ……………….., com os sinais nos autos, inconformado com a sentença proferida
pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa dela vem recorrer, concluindo
como segue:
1.
2.
3.
A matéria de facto deve ser alargada, nos termos dos art°s 749° e 712°, n° 1, alínea b)
do C.P.C., aplicável por força do art° 140° do CPTA, de sorte a que seja incluído que " o
recorrente, antes de, por promoção, ter acedido à categoria de professor associado índice 265 - escalão 3, detinha a categoria de professor auxiliar com agregação - índice
260 - escalão 4".
Esta alteração da matéria de facto pode ocorrer, em virtude de constarem do processo
elementos que impõem tal alteração (o documento n° 2 junto com a p.i. e o acordo das
partes sobre este facto) e é imprescindível à apreciação da questão que está em causa
na acção (a condenação da Administração ao pagamento das remunerações
correspondentes ao índice salarial que resulta da aplicação do art° 17°, n° 2 do D.L. n°
353-A/89 de 16.10) e, por consequência, â questão que está em causa no recurso
(saber se, para obter aquela condenação,deve ser usada a acção administrativa comum
ou a acção administrativa especial e, neste caso, se com a tramitação de impugnação
de acto administrativo ou com a tramitação de acção de condenação à prática de acto
devido).
A acção administrativa comum pode ser utilizada para pedir a condenação da
Administração, no cumprimento do dever de prestar que não envolva a prática de
um acto administrativo e que assente num direito do interessado, como é o caso do
direito que decorre, para o recorrente do disposto no art° 17°, n° 2 do D. L. n° 353/89,
de 16.10.
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7.
A acção administrativa comum, intentada pelo recorrente, ancorou-se no art° 37°,
n° 2 alínea e) do CPTA que a sentença recorrida mal interpretou e aplicou, ao
considerar que a reacção do recorrente à actividade administrativa se tem que efectuar
por via do acto administrativo (a condenação à sua prática) e não por via da acção de
condenação ao cumprimento de deveres de prestação (pagar de acordo com o quadro
legal em matéria de promoções e posicionamentos salariais decorrentes das mesmas).
Não laçando mão da acção prevista no art° 37°, n° 2, alínea e), o recorrente podia
sindicar o acto de posicionamento salarial, por via da acção administrativa especial de
impugnação do acto administrativo.
Estando já definida a situação do recorrente, por via da actuação da Administração, não
há qualquer utilidade em dirigir-lhe pretensão a solicitar um diferente posicionamento
salarial. Assim, a ocorrer a convolação da acção comum e em acção especial, sempre
deveria ser de impugnação de acto administrativo e não de condenação à prática de
acto devido.
Também por esta razão se mostra mal interpretado e aplicado se mostra o artigo 37°,
n°2, alínea e) e ainda os art°s 46°, 68°, e 50° do C.P.T.A..
*
O Instituto ... contra-alegou, concluindo como segue:
1.
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5.
A aprovação do Recorrente no concurso para Professor Associado do quadro de
pessoal docente do IST apenas lhe confere o direito de ser promovido para esta
categoria, mas a promoção não ocorre ipso iure, por mero efeito da lei ou da publicação
da lista de classificação final, sendo sempre necessário a prática de um acto
administrativo que defina a sua nova situação jurídico-funcional.
A Acção Administrativa Comum é o meio adequado quando está em causa uma
situação de atraso ou não pagamento pela Administração da remuneração do
funcionário sem qualquer justificação legal, mas o mesmo não se verifica quando se
peticiona a condenação da Administração na prática de um acto que posicione o
particular / requerente em determinada posição remuneratória.
O que o Recorrente efectivamente pretende com a presente acção é ver a sua situação
concreta definida, mediante a condenação da Administração a praticar um acto que o
posicione no escalão 4 do índice 285, como resulta claro do Pedido que formulou na PI.
Bem andou a Sentença recorrida quando procedeu à convolação do presente processo
numa Acção Administrativa Especial de Condenação, absolvendo o Réu, ora Recorrido,
da Instância, por não se encontrar verificado o pressuposto processual
de
"apresentação de requerimento instando a administração à satisfação da pretensão
material in judicio.
Mas se assim não se entender, verifica-se que o prazo para a apresentação da Acção
Administrativa Especial de Impugnação é, nos termos do n.° 2 do art.° 58 e 59 do
CPTA, de três meses contados do conhecimento, os quais tiveram início em 3.07.2008,
data em que o Autor / Recorrente assinou o termo de posse.
*
A Universidade ... contra-alegou, concluindo como segue:
1.
2.
3.
A douta sentença recorrida do TACL, de 15.03.2008, fez uma correcta aplicação do
regime legal aplicável, pelo que deve ser confirmada;
Tendo o A. sido nomeado, por despacho do Reitor da Universidade ..., de 29 de Maio
de 2007, professor associado, de nomeação definitiva, do quadro de pessoal docente
do Instituto ..., com efeitos à data de aceitação da nomeação, e índice de remuneração
265 e escalão 3, é necessário novo despacho administrativo a alterar a respectiva
remuneração;
Não está apenas em causa uma mera progressão de escalão por decurso do tempo,
em que poderá não ser necessária a prática de uma acto administrativo, mas antes
saber, em caso de promoção, qual o índice a que o A. tem direito, o que deve ser
definido por um acto administrativo;
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4.
5.
Tendo a situação remuneratória do A. sido definida por despacho só por novo despacho
poderá ser de novo alterada, não sendo aplicável a alínea e) do n.° 2 do artigo 37.° do
CPTA, pois não se está perante o cumprimento de mero dever de prestação;
Sendo o processo próprio a acção administrativa especial bem andou a douta Sentença
recorrida em declarar a absolvição dos RR. da instância por não se verificarem os
pressupostos definidos no artigo 67.º do CPTA.
*
Colhidos os vistos legais e entregues as competentes cópias aos Exmos. Juízes
Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência.
*
Pelo Senhor Juiz foi julgada provada a seguinte factualidade:
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2.
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4.
5.
Por concurso documental aberto por aviso n° 8411/2006, publicado no Diário da
República, II Série, nº 155, de 11 de Agosto de 2006, foi aberto concurso para o
provimento de um lugar de Professor Associado para o Departamento de Engenharia
Informática, na área científica de Metodologia e Tecnologia da Programação, no qual o
representado foi aprovado - doe. de fls. 45/76.
Em 15.05.2007, os serviços do IST elaboraram "proposta de nomeação de pessoal
docente", através da qual propuseram a nomeação do representado, Nuno …………..,
para o lugar de «professor associado de nomeação definitiva do quadro // Lugar nº
8902, existente no quadro de Professores Catedráticos e Associados do Instituto ...,
conforme mapa anexo ao Despacho Reitoral nº 25663/2004, de 17/11, publicado no
Diário da República, II Série, nº 290, de 13/12/2004, deixado vago por Arlindo
……………, que passou a Professor catedrático, em 28 de Outubro de 2005. //
Remuneração mensal: €4.128,65 // índice -265, Escalão 3 // Regime de prestação de
serviço - dedicação exclusiva» - doe. de fls. 44.
Em 29.05.2007, o Reitor da UTL exarou sobre a proposta referida na alínea anterior
despacho de autorização - doe. de fls. 44.
O despacho referido na alínea anterior foi publicado no DR, II Série, nº 126, de
03.07.2007.
Em 03.07.2007, o interessado tomou posse do lugar de professor associado do quadro
do IST - doe. de fls. 10.
Facto não provado
6.
Em 18.07.2007, o interessado dirigiu ao Presidente do IST requerimento solicitando o
seu posicionamento no 4° escalão, índice 285 da categoria de professor associado com
agregação.
Nos termos do artº 662º nº 1 CPC ex vi artº 1º CPTA adita-se ao probatório o item 7. com
fundamento em documento junto aos autos, não impugnado.
7.
Antes da nomeação na categoria de professor associado de nomeação definitiva do
quadro, o A. estava posicionado na categoria de professor auxiliar com Agregação –
escalão 4 (regime de exclusividade) a que correspondia índice salarial 260. – doc.
fls.11 dos autos
DO DIREITO
Analisando o objecto da causa em função do pedido deduzido o ora Recorrente pretende
a condenação dos ora Recorridos a pagar

“(..) o valor correspondente ao diferencial mensal entre o valor efectivamente
processado e o que se considera devido pelo reconhecimento ao posicionamento
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
desde 03.07.07 no escalão 4 do índice 285 da escala salarial de professor associado
com Agregação dos docentes do ensino superior politécnico públicos, acrescido de
juros de mora …”
“… a que acrescerão as diferenças salariais e juros até que os Réus posicionemo A.
respeitando o disposto no artº 17º nº 2 DL 353-A/89 de 16.10 aquando da sua
promoção a professor associado com Agregação.”
1. acção creditícia – artº 37º nº 2 e) CPTA;
Conjugando o pedido com a respectiva substanciação exposta na petição inicial (causa de
pedir) conclui-se que o A e ora Recorrente lançou mão de uma acção administrativa comum cuja
pretensão é de conteúdo condenatório.
Efectivamente, na tese do A., o direito que se arroga concretiza-se em receber as
quantias retributivas em falta por errado enquadramento no escalão remuneratório (sustenta
que deve estar posicionado no escalão 4 do índice 285), sendo certo que tal direito decorre
directamente de normas jurídico-administrativas, no caso, o regime remuneratório no
específico sector de função pública, sustentando o A. que o diploma em causa é o DL 353-A/89,
16.10.
Como é sabido, o regime remuneratório na função pública decorre directamente da lei não
dependendo da prática de acto administrativo do órgão competente da pessoa colectiva em que o
trabalhador presta serviço, regra que não é precludida pela novidade da negociação da posição
remuneratória introduzida pelo artº 55º da Lei dos Vínculos e que se mantém no artº 38ºda LGTFT.
*
Pelo que vem dito, não acompanhamos o entendimento sufragado em 1ª Instância de que
o objecto da causa envolve a forma de acção administrativa especial de condenação à prática de
acto administrativo devido, na medida em que, tal como o A. conforma a causa na petição inicial, o
efeito pretendido através da condenação é a realização de prestações pecuniárias não satisfeitas
através do correspondente pagamento da retribuição.
Dito de outro modo, trata-se de uma acção creditícia subsumível na previsão do artº
37º nº 2 e) CPTA. (1)
Agora, como é óbvio, para chegar à conclusão condenatória por existência de lesão ou
violação de direito o Tribunal tem de passar primeiro pela formulação de um juízo de
reconhecimento da existência do direito em causa.
Como nos diz a doutrina especializada, “(..) A acção de condenação pressupõe um facto
ilícito, isto é, que o direito já foi violado; a acção de simples apreciação é anterior à violação do
direito ou tudo se passa como se o fosse. (..)
Na acção de simples apreciação não se exige do réu prestação alguma (..) o autor tem
simplesmente em vista pôr fim a uma incerteza que o prejudica: incerteza sobre a existência de
um direito ou de um facto.
A acção de condenação também é uma acção de apreciação; antes de condenar na
prestação o juiz tem de apurar se o direito do autor existe. Mas a apreciação aparece aqui como
um meio para chegar a um fim último: a condenação; ao passo que na acção de simples
apreciação o fim único da actividade jurisdicional é a apreciação. (..)” (2)
Do que vem dito se conclui que o ora Recorrente usou a forma processual devida de
acção administrativa comum,.não cabendo convolar para a forma de acção administrativa
especial.
2. estatuto remuneratório
universitário;
do
pessoal
docente
Conhecendo em substituição, vejamos se o ora Recorrente tem direito ao
reposicionamento de índice e escalão remuneratório que invoca, por aplicação do regime do artº
17º nº 2 DL 353-A/89 de 16.10.
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Por via concursal o A. assumiu a categoria de professor associado de nomeação definitiva
do quadro da carreira universitária do Instituto ..., posicionado no escalão 3 (regime de
exclusividade), índice salarial 265, vindo da categoria de professor auxiliar com Agregação
posicionado no escalão 4 (regime de exclusividade), índice salarial 260.
Sustenta o Recorrente que, com reporte à data da posse de 03.07.2007, deve ser aplicado
o regime do artº 17º nº 2 DL 353-A/89 de 16.10 e nesse sentido ser posicionado no escalão 4
(dedicação exclusiva) índice salarial 285.
Todavia, não lhe assiste razão.
A carreira universitária sempre foi, e continua a ser, assumida como uma carreira
específica e corpo especial, no quadro do disposto no artº 16º nº 2 d) DL 184/89, 02.06 (corpos
especiais – carreiras docentes).
No diploma que rege o estatuto remuneratório da função pública, DL 353-A/89, 16.10,
dispõe o artº 28º nº 1 que “As escalas salariais dos corpos especiais são fixadas em
legislação própria”, que no caso é o DL 408/89, 18.11 diploma que “estabelece regras sobre o
estatuto remuneratório do pessoal docente universitário … constante do anexo nº 1 … ” conforme
artº 1º nº 1.
O que significa que o estatuto remuneratório da função pública decorrente do DL 353A/89, 16.10 não é aplicável no domínio remuneratório da docência universitária, na exacta
medida em que, como estatuído expressamente, este se rege por diploma próprio; neste sentido,
não tem fundamento a sustentada aplicabilidade do regime geral estatuído no artº 17º nº 2 DL
353-A/89, 16.10 ao caso dos presentes autos.
Neste enquadramento não resulta provado o erro de posicionamento relativamente ao
escalão 3 índice 265.
***
Termos em que acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de
Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em julgar parcialmente
procedente o recurso e, neste sentido,
A.
revogar a sentença quanto à operada convolação processual da acção comum
para acção especial e consequente absolvição da instância;
B.
conhecendo em substituição, julgar a acção improcedente
Custas a cargo do Recorrente.
Lisboa, 12.MAR.2015,
(Cristina dos Santos)
(Paulo Gouveia)
(Nuno Coutinho)
(1) Mário Aroso de Almeida, Manual de processo administrativo, Almedina/2010, págs.117 e 126.
(2) Alberto dos Reis, Comentário ao CPC, Vol. 1º, Coimbra Editora/1960, págs.19 e 20.
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