TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
CÂMARA DOS DEPUTADOS
ISC
ANTONIO ALVES DE CARVALHO NETO
TRANSFERÊNCIAS DE RECURSOS DO
ORÇAMENTO DA UNIÃO PARA ORGANIZAÇÕES
NÃO-GOVERNAMENTAIS:
ANÁLISE DOS PROCEDIMENTOS DE CONCESSÃO E
CONTROLE
Brasília – DF
2007
ANTONIO ALVES DE CARVALHO NETO
TRANSFERÊNCIAS DE RECURSOS DO
ORÇAMENTO DA UNIÃO PARA ORGANIZAÇÕES
NÃO-GOVERNAMENTAIS:
ANÁLISE DOS PROCEDIMENTOS DE CONCESSÃO E
CONTROLE
Monografia apresentada ao Curso de Pós-Graduação em
Orçamento Público promovido pelo Centro de Formação,
Treinamento e Aperfeiçoamento (Cefor), da Câmara dos
Deputados, e pelo Instituto Serzedello Corrêa (ISC), do
Tribunal de Contas da União, como requisito parcial à
obtenção do título de Especialista.
Orientador: Me. Carlos Alberto Sampaio de Freitas.
Brasília – DF
2007
Autorização
Autorizo a divulgação do texto completo desta monografia no sítio da Câmara
dos Deputados e do Tribunal de Contas da União, bem como a reprodução total ou
parcial, exclusivamente, para fins acadêmicos e científicos.
________________________________
Antonio Alves de Carvalho Neto
Brasília, DF, 24 de agosto de 2007
Ficha catalográfica elaborada pela seção de catalogação do
Centro de Documentação e Informação (CEDI) da Câmara dos Deputados.
Carvalho Neto, Antonio Alves de.
Transferências de recursos do orçamento da União para organizações nãogovernamentais [manuscrito]: análise dos procedimentos de concessão e controle
/ Antonio Alves de Carvalho Neto. – 2007.
146 f.
Orientador: Carlos Alberto Sampaio de Freitas
Impresso por computador.
Monografia (especialização) – Centro de Formação, Treinamento e
Aperfeiçoamento (Cefor), da Câmara dos Deputados, e Instituto Serzedello Corrêa
(ISC), do Tribunal de Contas da União, Curso de Pós-Graduação em Orçamento
Público.
1. Controle externo. 2. Despesa pública – Fiscalização. 3. Finanças públicas. 4.
Orçamento público. 5. Organização não-governamental. 6. Terceiro setor. I. Título.
CDU 336.126(81)
ANTONIO ALVES DE CARVALHO NETO
TRANSFERÊNCIAS DE RECURSOS DO
ORÇAMENTO DA UNIÃO PARA ORGANIZAÇÕES
NÃO-GOVERNAMENTAIS:
ANÁLISE DOS PROCEDIMENTOS DE CONCESSÃO E
CONTROLE
Monografia apresentada ao Curso de Pós-Graduação em
Orçamento Público promovido pelo Centro de Formação,
Treinamento e Aperfeiçoamento (Cefor), da Câmara dos
Deputados, e pelo Instituto Serzedello Corrêa (ISC), do
Tribunal de Contas da União, como requisito parcial à
obtenção do título de Especialista.
Orientador: Me. Carlos Alberto Sampaio de Freitas.
BANCA EXAMINADORA:
_________________________________________
_________________________________________
Carlos Alberto Sampaio de Freitas
Mestre em Administração – UnB
Orientador
Romilson Rodrigues Pereira
Mestre em Economia – UnB
Examinador
Brasília – DF, 24 de agosto de 2007
A Rosa, com saudades, pela semente.
A toda minha família, e especialmente a Valdivino,
pelo cultivo.
Chega a ser motivo de frustração a incapacidade
que o Estado brasileiro tem revelado em
solucionar questões recorrentes, plenamente
identificadas, e que causam enorme prejuízo à
Nação.
CPMI “das Ambulâncias”, Congresso Nacional.
(Brasília, 2007)
RESUMO
O tema do trabalho insere-se no campo das finanças públicas, no que diz respeito
à programação, à execução e ao controle dos orçamentos públicos. O objetivo do trabalho,
nesse contexto, é avaliar a eficácia dos procedimentos de concessão e controle das
transferências de recursos do Orçamento Geral da União (OGU) para entidades privadas sem
fins lucrativos, hoje mais conhecidas como Organizações Não-Governamentais (ONG),
destinados à execução descentralizada de ações de interesse público. O trabalho traça um
perfil de identificação e caracterização das ONGs e descreve o quadro legal e institucional em
que elas se inserem, buscando oferecer uma visão geral dessas entidades e do espaço social
que elas ocupam. Contempla, também, a exploração e a descrição da percepção de atores
envolvidos, incluindo órgãos e instituições de controle estatal, imprensa, estudiosos e
representantes das próprias organizações. No aspecto explicativo, a preocupação primordial é
identificar os principais fatores que determinam ou contribuem para a ocorrência de
irregularidades e desvios nas transferências executadas. Para tanto, são identificados e
analisados: as normas e instrumentos legais que viabilizam o repasse dos recursos e
disciplinam sua operacionalização; os problemas do processo orçamentário e de cada uma das
demais fases subseqüentes do ciclo das transferências; as determinações do Tribunal de
Contas da União (TCU) com vistas a saná-los; os indicativos de solução e as iniciativas em
curso no Congresso Nacional e no Poder Executivo. Os resultados alcançados permitem
afirmar que os procedimentos de concessão e controle das transferências de recursos do
orçamento público para ONGs não são eficazes. Os órgãos e entidades públicos, a rigor, estão
desaparelhados e despreparados para gerir, acompanhar e fiscalizar tais transferências. Os
mecanismos de transparência atuais são insuficientes para garantir, em todo o ciclo de
operacionalização das ações, o pleno atendimento do princípio constitucional da publicidade
e, conseqüentemente, não favorecem um controle social mais efetivo, uma governança
pública mais fortalecida e a manutenção de um adequado nível de accountability. Ao final são
apresentadas oportunidades de melhorias nos procedimentos, que merecem uma reflexão mais
aprofundada.
PALAVRAS-CHAVE: Controle externo. Despesa pública – Fiscalização. Finanças
públicas. Orçamento público. Organização Não-Governamental. Terceiro setor.
ABSTRACT
The main theme of this monograph is public finance, especially the areas
concerning the planning, execution and control of public budgets. Hence, the monograph’s
objective is to assess the efficiency of the procedures related to the concession and control
processes of the public cash transfers to non-profit organizations, known as non-governmental
organizations – NGOs. The work attempts to identify and characterize the NGOs and also
describes the institutional and legal frameworks where these organizations operate, in order to
provide a broad perspective of the NGOs and the social environment, which they are
involved. Additionally, this work describes the perceptions of the main actors participating on
mentioned public cash transfers process, such as, entities regulated by the government, the
media, and the NGOs researchers and representatives. Another key focus of this work is to
identify the main factors, which determine or contribute to misplacements or deviations in the
processes of the public cash transfers to NGOs. Consequently, we describe and scan the
follow: legal tools which can assure the cash transfer; the problems aroused from the budget
process and from the succeeding phases of the cash transfer cycle; the Brazilian Federal Court
of Accounts (TCU) determinations made to solve these problems mentioned; the initiatives
and solutions addressed by the National Congress and the Executive Branch. The results
achieved from the analyses allow us to state with reasonable reliance that the procedures
involved with the concession and the control of public cash transfers to NGOs are not
efficient. The conclusions also direct us to say that the processes of the public cash transfers
are not being a fair mechanism to make public policies in an effective way. Moreover, the
public entities do not have the proper tools and skills to manage and assess the public cash
transfer process. Besides, in the cash transfer cycle there’s not enough accountability capable
to guarantee that the constitutional principle of publicity is being pursued. Therefore in that
process there is no effective social control, neither public governance and accountability
enhancement. Finally, the monograph highlights the opportunities for improvements in the
processes of the public cash transfers to non-profit organizations.
KEYWORDS: External control. Public expenditure – Auditing. Public finance.
Public budget. Non-Governmental Organization. Third Sector.
LISTA DE TABELAS E ILUSTRAÇÕES
Quadro 2.1 Títulos Jurídicos concedidos pelo Poder Público às ONGs ............................ 60
Tabela 2.1 Classificação das EPSFL por Natureza Jurídica – Receita Federal ............... 63
Tabela 2.2 Classificação das EPSFL por tipo de benefício fiscal – Receita Federal ........ 64
Quadro 2.2 Informações prestadas pelas ONGs na DIPJ anual – Receita Federal ......... 65
Quadro 2.3 Número de ONGs oficialmente registradas no Brasil – FASFIL – 2002....... 73
Quadro 2.4 PIB do Terceiro Setor no Brasil – R$ Bilhões – 2002 ..................................... 74
Quadro 3.1 Classificação das fontes de recursos das ONGs segundo a origem................ 76
Quadro 3.2 Transferências Voluntárias da União – 2001 a 2006....................................... 81
Gráfico 3.1 Transferências Voluntárias da União – 2001 a 2006 ...................................... 81
Quadro 3.3 Prestações de Contas não Apresentadas ........................................................ 118
Quadro 3.4 Prestações de Contas não Analisadas ............................................................. 119
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
Abong – Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais
Adin – Ação direta de inconstitucionalidade
APF – Administração Pública Federal
Art. – Artigo
Atricon – Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil
CC – Código Civil
Cebas – Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social
CF – Constituição Federal
CGU – Controladoria Geral da União
CLT – Consolidação das Leis do Trabalho
CNAS – Conselho Nacional de Assistência Social
CNEA – Cadastro Nacional das Entidades Ambientalistas
CNO – Cadastro Nacional de Organizações Não-Governamentais
CNPJ – Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas
COPNI – Classificação dos Objetivos das Instituições s/Fins Lucrativos ao Serviço da Família
CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito
CPMI – Comissão Parlamentar Mista de Inquérito
CRCPJ – Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas
DIPJ – Declaração de Informações Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica
ENCCLA – Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro
FASFIL – Fundações privadas e as Associações Sem Fins Lucrativos
FOC – Fiscalização de Orientação Centralizada
GIFE – Grupo de Institutos, Fundações e Empresas
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IN – Instrução Normativa
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
LC – Lei Complementar
LDO – Lei das Diretrizes Orçamentárias
LOA – Lei Orçamentária Anual
LRF – Lei de Responsabilidade Fiscal
MARE – Ministério da Administração e Reforma do Estado
MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
MP – Medida Provisória
MP/TCU – Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União
MPOG – Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão
OGU – Orçamento Geral da União
ONG – Organização Não-Governamental
ONU – Organização das Nações Unidas
OS – Organização Social
Oscip – Organização da Sociedade Civil de Interesse Público
PL – Projeto de Lei
PPA – Plano Plurianual
Rebas – Registro de Entidade Beneficente de Assistência Social
RFB – Receita Federal do Brasil
Siafi – Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal
STF – Supremo Tribunal Federal
STN – Secretaria do Tesouro Nacional
SUS – Sistema Único de Saúde
TCE – Tomada de Contas Especial
TCU – Tribunal de Contas da União
SUMÁRIO
RESUMO ................................................................................................................................... 7
ABSTRACT ............................................................................................................................... 8
LISTA DE TABELAS E ILUSTRAÇÕES ................................................................................ 9
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS .............................................................................. 10
SUMÁRIO................................................................................................................................ 12
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 14
1.1 O TEMA E SUA CONTEXTUALIZAÇÃO ..................................................................... 14
1.1.1 O Tema na visão de alguns atores ................................................................................... 15
1.1.1.1 Estudiosos e especialistas ............................................................................................. 15
1.1.1.2 Congresso Nacional...................................................................................................... 20
1.1.1.3 Tribunal de Contas da União ........................................................................................ 24
1.1.1.4 Ministério Público junto Tribunal de Contas da União................................................ 25
1.1.1.5 Imprensa ....................................................................................................................... 26
1.2 CARACTERIZAÇÃO DO PROBLEMA .......................................................................... 28
1.3 OBJETIVOS DA PESQUISA ............................................................................................ 29
1.3.1 Objetivo geral .................................................................................................................. 29
1.3.2 Objetivos específicos....................................................................................................... 29
1.4 JUSTIFICATIVA E RELEVÂNCIA ................................................................................. 30
1.5 DELIMITAÇÃO E CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS ....................................... 32
1.6 ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO ................................................................................. 34
2 CARACTERIZAÇÃO LEGAL E INSTITUCIONAL DAS ONG ................................. 36
2.1 O AMBIENTE LEGAL DAS ONGs ................................................................................. 36
2.1.1 As ONGs na Constituição Federal................................................................................... 36
2.1.2 As ONGs no Código Civil............................................................................................... 36
2.2 O AMBIENTE INSTITUCIONAL DAS ONGs................................................................ 38
2.2.1 As EPSFL: terminologias, finalidades e objetivos .......................................................... 38
2.2.2 A ambigüidade do termo e o problema de identidade das ONGs ................................... 40
2.2.3 Terceiro Setor: natureza, objetivos, conceito e critérios de inclusão .............................. 44
2.2.4 Títulos jurídicos e benefícios concedidos às entidades do Terceiro Setor ...................... 49
2.2.4.1 Título de Utilidade Pública Federal.............................................................................. 49
2.2.4.2 Registro e Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social........................ 51
2.2.4.3 Organização Social ....................................................................................................... 53
2.2.4.4 Organização da Sociedade Civil de Interesse Público.................................................. 56
2.2.4.5 Análise comparativa das qualificações de OS e Oscip................................................. 58
2.2.5 Cadastros, informações e transparência das ONGs no Brasil ......................................... 60
2.2.6 Os números do Terceiro Setor e a necessidade de tratamento diferenciado ................... 72
3 O FINANCIAMENTO PÚBLICO DAS ONG E SUAS FALHAS ................................. 75
3.1 ORIGEM DOS RECURSOS FINANCEIROS E MATERIAIS DAS ONGs.................... 75
3.1.1 ONGs que dependem fundamentalmente de subvenções governamentais ..................... 75
3.1.2 ONGs que não dependem de subvenções governamentais ............................................. 75
3.1.3 Classificação das fontes de recursos segundo a origem .................................................. 76
3.1.4 Inexistência de controle fiscal sobre as receitas das ONGs............................................. 76
3.2 O FINANCIAMENTO PÚBLICO DAS ONGs................................................................. 78
3.2.1 Volume de recursos orçamentários federais transferidos às ONGs ................................ 80
3.2.2 Normas orçamentárias sobre a transferência de recursos públicos às ONGs.................. 81
3.2.3 Instrumentos jurídicos utilizados para transferir recursos públicos às ONGs................. 90
3.2.3.1 Termo de Convênio ...................................................................................................... 90
3.2.3.2 Contrato de Repasse ..................................................................................................... 91
3.2.3.3 Termo de Parceria......................................................................................................... 92
3.2.3.4 Contrato de Gestão ....................................................................................................... 93
3.2.4 Da submissão dos recursos transferidos às ONGs ao controle estatal ............................ 95
3.2.5 A questão do sigilo bancário dos recursos transferidos às ONGs ................................. 100
3.3 FALHAS NA SISTEMÁTICA DE TRANSFERÊNCIAS PARA AS ONGs ................. 102
3.3.1 Falhas na fase de alocação e programação dos recursos no orçamento ........................ 103
3.3.2 Falhas na fase de análise técnica dos projetos apresentados pelas ONGs..................... 107
3.3.3 Falhas na fase de execução e no seu acompanhamento e fiscalização .......................... 113
3.3.4 Falhas na fase de análise de resultados e prestações de contas ..................................... 116
3.4 INDICATIVOS DE SOLUÇÃO NA SISTEMÁTICA DE CONTROLE ....................... 120
4 CONCLUSÃO.................................................................................................................... 131
4.1 O PANORAMA ATUAL DAS TRANSFERÊNCIAS ÀS ONGs................................... 131
4.2 OPORTUNIDADES DE MELHORIAS .......................................................................... 135
4.2.1 Atuação integrada dos órgãos estatais de gestão e fiscalização .................................... 135
4.2.2 Reformulação e integração dos cadastros de ONGs existentes no País ........................ 135
4.2.3 Revisão das normas relativas ao sigilo e à transparência das ONGs............................. 136
4.2.4 Controle fiscal dos recursos arrecadados pelas ONGs .................................................. 137
4.2.5 Aperfeiçoamento dos procedimentos para seleção de projetos e ONGs ....................... 137
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 139
GLOSSÁRIO.......................................................................................................................... 144
14
1 INTRODUÇÃO
1.1 O TEMA E SUA CONTEXTUALIZAÇÃO
O tema deste trabalho insere-se no campo das finanças públicas, no que concerne
a programação, execução e controle dos orçamentos públicos, especificamente em relação às
transferências de recursos para execução de ações de caráter público por entidades privadas
sem fins lucrativos, hoje mais conhecidas como Organizações Não-Governamentais (ONG).
Sabe-se que o reconhecimento, o apoio e o incentivo do Estado brasileiro às
entidades privadas dedicadas à prestação de serviços nas áreas da saúde, educação e
assistência social às camadas mais pobres da população é prática antiga. Durante séculos, e
até recentemente, tais entidades formavam a única rede de proteção social existente no País,
composta quase que exclusivamente por organizações privadas cuja atuação era, direta ou
indiretamente, fomentada com repasses de recursos públicos (CICONELLO, 2004:2). Até os
dias atuais, essa rede de proteção social existe e atua por meio de santas casas de misericórdia,
creches, orfanatos, asilos para idosos e deficientes etc.
A partir do final da década de 70, com o início do processo de redemocratização e
a volta de intelectuais e militantes políticos exilados, o perfil tradicional de atuação das
organizações privadas começou a sofrer modificações. O processo de redemocratização, a
agregação de experiências internacionais, a influência do pensamento crítico e a densidade
política de alguns expoentes que retornavam do exílio, produziram uma ânsia social que se
traduziu, entre outras coisas, na multiplicidade de organizações de defesa da cidadania, de
minorias, do meio ambiente, sindicatos etc. Nesse contexto emerge um novo perfil dessas
organizações, as quais foram assumindo novos papéis no cenário político, passando, inclusive
a se envolver diretamente na execução de projetos sociais em parceria com o Poder Público
(NUNES, 2006:22).
As entidades criadas, dentro desse novo perfil, notadamente a partir da ECO 921,
autodenominavam-se Organizações Não-Governamentais (ONG), denominação apropriada
também pelas demais organizações da sociedade civil, como forma de se diferenciarem do
que é governo (Primeiro Setor) ou mercado (Segundo Setor).
1
UNCED – United Nations Conference on Environment and Development, Rio de Janeiro, 1992.
15
As demandas sociais crescentes e, paradoxalmente, a insuficiência do Estado em
supri-las, associadas às facilidades oferecidas pelas parcerias públicas, têm induzido à
expansão dessas organizações, bem assim a quantidade e o montante das transferências de
recursos públicos destinadas a apoiar as ações por elas desenvolvidas. As ONGs, em geral,
ocupam o espaço em que o Poder Público é fraco ou ineficiente.
O histórico, de 2001 a 2006, aponta um aumento progressivo no número de
instituições privadas sem fins lucrativos apoiadas pelo governo. Por ano, cerca de duzentas
entidades foram acrescentadas à lista das que recebem recursos públicos federais (TELES e
OLINDA, 2006:1). Em 2006, até 21 de novembro, 4.536 entidades já teriam sido beneficiadas
pela administração federal (SHINODA e KLEBER, 2006:1). De acordo com o Relatório
sobre as Contas do Governo da República – Exercício de 2006, preparado pelo Tribunal de
Contas da União, o governo federal transferiu uma média de R$ 2 bilhões por ano a essas
entidades perfazendo, em valores atualizados pelo IPCA médio, R$ 12,5 bilhões transferidos
no período de 2001 a 2006.
1.1.1 O Tema na visão de alguns atores
1.1.1.1 Estudiosos e especialistas
O assunto tem sido alvo do interesse de estudiosos e especialistas. Alexandre
Ciconello2 (2004:18-20) faz considerações sobre o conflito de interesses que emerge entre o
papel essencial que as ONGs têm na co-gestão (elaboração, monitoramento e avaliação) das
políticas públicas e seu engajamento direto na execução delas, bem como demonstra o
sentimento da visão instrumental do Estado em relação ao papel das ONGs, conforme se
observa no trecho a seguir:
Segundo o diretor-geral da Associação Brasileira de Organizações Não
Governamentais, Jorge Eduardo S. Durão, ‘há atualmente uma visão
neoliberal instrumental do papel das organizações da sociedade civil e, em
particular das ONGs, às quais propõe que sejam atribuídas tarefas públicas
não executadas pelo Estado, que foge assim às suas responsabilidades e ao
papel insubstituível que lhe cabe na promoção de políticas públicas de
caráter universal. Subordinado à lógica da exploração financeira a que
submeteu a sociedade brasileira, o Estado, nos anos 90, tem acionado
sistematicamente o discurso das parcerias com a sociedade civil como
2
Advogado pela Faculdade de Direito da USP, Mestre em Ciência Política pela UnB, coordenador da área
jurídica e do escritório Brasília da Abong – Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais.
16
disfarce ideológico do abandono de responsabilidades irrenunciáveis do
Estado (...)’.
Cabe perguntar, por que o poder público, nos últimos anos, vem
desenvolvendo uma política explícita de incentivar a parceria com
organizações da sociedade civil, para a execução de políticas públicas, ao
invés de prestar os serviços diretamente? O que está por trás da perspectiva
de parceria entre o Estado e as organizações da sociedade civil?
O que está ocorrendo em algumas áreas, é uma verdadeira terceirização da
execução das políticas públicas para as organizações da sociedade civil, uma
prática cada vez mais corrente para os gestores públicos, pois permite uma
redução de ‘custos’ e maior agilidade na execução das políticas sociais. As
organizações privadas não seguem os limites impostos pelo direito público:
não precisam realizar concurso público para a contratação de pessoal; não
realizam processos de licitação formais para a aquisição de bens e serviços e
possuem uma maior agilidade operacional. [...]
Em alguns casos, como na questão da Aids, essa ‘parceria’ é benéfica para o
interesse público, em razão da característica do tema e também porque a
política pública relacionada a prevenção, controle e assistência aos
portadores de DSTs e Aids, foi construída com a participação de diversas
ONGs, que continuam exercendo o controle social e a avaliação da política.
Aliás, esse é o ponto fundamental. Como equilibrar o papel essencial das
organizações da sociedade civil na co-gestão das políticas (elaboração,
monitoramento e avaliação), com a sua participação na execução das
políticas públicas, mediante convênios e termos de parceria.
Em muitos casos, [...] essa terceirização é extremamente prejudicial,
provocando distorções e confusões no papel dos diversos atores sociais, [...]
que passam do papel de representantes dos usuários para o de executores das
ações, mitigando o seu papel fundamental de exercer o controle social e
exigir o aprimoramento dessas mesmas políticas.
Paulo Modesto3 (1999:6-7), no texto Reforma do Marco Legal do Terceiro Setor
no Brasil, escrito para publicação em coletânea organizada pela Unesco, no âmbito do projeto
Revisão da Estrutura Jurídica e Normativa do Terceiro Setor, destaca a debilidade do sistema
de controle de resultados do fomento público concedido às entidades de utilidade pública
federal, bem como a deficiência da legislação básica na matéria, fatores que criam um
contexto favorável para a situação de suspeição generalizada, de indefinição e de
perplexidade, indiscutivelmente negativo para o desenvolvimento de um voluntariado mais
efetivo entre os brasileiros, e conseqüentemente do próprio terceiro setor no País:
3
Professor de Direito Administrativo da Universidade Federal da Bahia e Membro do Ministério Público do
Estado da Bahia. Ex-Assessor Especial do Ministro da Administração e Reforma do Estado.
17
A legislação básica na matéria, em especial no plano federal, é deficiente,
lacônica, deixando uma enorme quantidade de temas sem cobertura legal e
sob o comando da discrição de autoridades administrativas. Essa lacuna de
cobertura facilitou a ocorrência de dois fenômenos conhecidos: (a) a
proliferação de entidades inautênticas, quando não de fachada, vinculadas a
interesses políticos menores, econômicos ou de grupos restritos; (b) o
estímulo a processos de corrupção no setor público.
Este estado de coisas foi facilitado ao longo do tempo por inexistir na
legislação federal a diferenciação clara entre entidades de favorecimento
mútuo ou de fins mútuos (dirigidos a proporcionar benefícios a um círculo
restrito ou limitado de sócios, inclusive mediante a cobrança de
contribuições em dinheiro, facultativas ou compulsórias) e as entidades de
fins comunitários, de fins públicos ou de solidariedade social (dirigidas a
oferecer utilidades concretas ou benefícios especiais à comunidade de um
modo geral, sem considerar vínculos jurídicos especiais, quase sempre de
forma gratuita). Aos dois tipos de entidade a legislação vigente na matéria
confere o mesmo título jurídico, o título de utilidade pública, autorizando e
mesmo impondo um tratamento legal mais benéfico (renúncia fiscal,
previsão de subvenções sociais, contratação direta etc.), deixando ainda de
prever qualquer forma mais efetiva de controle de resultados e satisfazendose basicamente com a apresentação periódica de documentos. Este caráter
indiferenciado da referência às entidades do terceiro setor (qualificam-se do
mesmo modo creches e clubes, escolas comunitárias e escolas privadas
pagas etc.) e a debilidade do sistema de controle facilitou a ocorrência de
abusos importantes e fomentou a desconfiança em atividades e relações de
parceria em que confiança e probidade são valores fundamentais. Recorde-se
o ‘escândalo do orçamento’, esquema de malversação de recursos públicos,
descoberto por acaso, consistente na utilização por um grupo razoável de
parlamentares federais de entidades filantrópicas de fachada, de papel, que
eram por eles criadas através de terceiros e por sua ação parlamentar
recebiam vultosas somas de recursos públicos sem qualquer compromisso
efetivo com atividades relevantes em matéria social ou em benefício da
coletividade. É fortalecido, a partir desse episódio, o fraseado segundo o
qual existem entidades filantrópicas e ‘pilantrópicas’, neologismo
empregado para referir as filantrópicas inautênticas (BARROSO LEITE,
1997:43). Neste contexto, são criadas condições para uma situação de
suspeição generalizada, de indefinição e perplexidade, indiscutivelmente
negativa para o desenvolvimento entre os brasileiros de um voluntariado
mais efetivo no país e, conseqüentemente, do próprio terceiro setor no
Brasil.
18
Belmiro Valverde4 (2006:37), em artigo publicado no jornal Gazeta do Povo – PR,
ONGs, quando eu contar, você vai pasmar, de 3/12/2006, relata práticas comumente
verificadas no relacionamento entre as ONGs e os governos e esclarece que desde sempre, na
história administrativa brasileira, houve aproveitamento de novos modelos de gestão adotados
pelo Poder Público para a malversação de recursos por parte de alguns espertos bem
relacionados, tal como ocorre hoje com o modelo de parcerias públicas com o terceiro setor,
que, com isso, está sendo desmoralizado, carente que está de regras claras e de controle das
relações financeiras de parte a parte:
Querem uma receita para utilizar dinheiro público com largueza, sem
controle e sem o risco de ser levado a uma CPI? Funde uma ONG, procure
seus amigos, ‘companheiros de luta’ e correligionários instalados no governo
– federal, estadual ou municipal tanto faz – e celebre com eles um convênio
ou contrato para fins pouco específicos. Pode ser ‘a defesa da cidadania’, a
‘redução das desigualdades’, ‘o resgate da experiência histórica’ ou a
‘inclusão digital’ por exemplo, embora nessa última matéria (apud Ernani
Buchman) a lembrança do nosso querido Júlio Gomel e sua especialidade
médica sejam inevitáveis. Em seguida, terceirize sem licitação (já que as
ONGs não precisam se submeter a essa liturgia demorada e incômoda) os
‘trabalhos’ contratados para uma empresa constituída por outros amigos ou
companheiros de luta e repasse para a mesma os recursos públicos que
recebeu, ficando a ONG com uma módica comissão pelo seu ‘esforço’.
Você já leu isso antes, paciente e fiel leitor? Leu sim e aqui mesmo,em um
artigo intitulado “O Estado terceirizado” publicado em 2 de julho de 2006.O
texto era – digamos imodestamente – profético. Confesso um erro: o de me
mostrar cético em relação à possibilidade de que houvesse uma reação e o
assunto acabasse numa CPI. Pois é, agora o Senado Federal instalou uma e o
Tribunal de Contas da União, escandalizado com os abusos que estão sendo
praticados envolvendo os governos, as empresas estatais e as ONGs,
resolveu fazer uma investigação. Pois se forem mesmo fundo na devassa que
ambos prometem, vão ficar muito mais escandalizados ainda e lembrarão o
verso do Zeca Pagodinho: ‘quando eu contar... você vai pasmar!’
O que está acontecendo, aliás pela enésima vez na história administrativa
brasileira, é a eterna luta entre alguns espertos que se aproveitam da
utilização de determinadas formas mais modernas de administração pública
para fugir ao controle e avançar sem escrúpulos no dinheiro da população.
Explico: todas as vezes que surge no mundo algum modelo diferente de gerir
os negócios públicos que lhe empreste mais flexibilidade e eficácia, ela
rapidamente chega ao Brasil pela mão dos estudiosos que se entusiasmam
4 Advogado e PhD em Administração Pública pela University of Southern California, Los Angeles, USA.
Professor titular da Universidade Federal do Paraná (1971-2004) e do mestrado em Organizações e
Desenvolvimento da FAE Business School desde 2005.
19
com a possibilidade de – enfim – vencer a letargia irritante da administração
pública. Foi assim com o modelo das autarquias, utilizadas amplamente no
primeiro governo de Vargas. Autarquias, como o nome indica, são órgãos
que se autogovernam e para isso dispunham de grande autonomia
operacional e financeira. Não deu outra: aqui na Terra Brasilis, quase que
universalmente se transformaram em cabides de emprego, com salários fora
de controle e espetáculos contínuos de favoritismo explícito. Foi assim com
as fundações: administradores mais espertos exportaram o modelo das
fundações do Código Civil para o Estado e assim, com uma simples leis
autorizatória, os governantes começaram a criar fundações
indiscriminadamente, com enorme autonomia financeira e operacional. Não
deu outra e os abusos se multiplicaram exponencialmente. Foi assim também
com as empresas mistas e públicas, que eram públicas no seu manejo, mas
tinham natureza jurídica privada. Também não deu outra e a saga dos abusos
nas estatais está aí para ser degustada em uma vasta literatura. E, em todos
os casos, o que aconteceu? Para ‘moralizar’ a administração e ‘coibir
abusos’, acabaram criando mais controles, mais entraves, mais lentidão na
administração. A emenda foi tão ruim ou pior que o soneto.
Agora é o Terceiro Setor – que se compõe daquelas organizações que se
ocupam de assuntos ou prestam serviços de interesse público sem pertencer
ao Estado – que está sendo desmoralizado pela esperteza de alguns
vivaldinos bem relacionados que já não são poucos. Está na hora de
estabelecer regras claras para o relacionamento entre os governos, e as
empresas estatais de um lado e as ONGs – Organizações Não
Governamentais – e as Oscips – Organizações da Sociedade Civil de
Interesse Público de outro. E imediatamente passar a controlar a farra do boi
que que instalou nas relações financeiras de parte a parte. Mas sem recorrer a
mais anacronismos formalistas para ‘moralizar’ o assunto.
A terceirização do Estado (CASTOR, 2007:1-2), artigo do mesmo autor, citado
no anterior, destaca a atuação das “ONGs do bem”, colocadas na incômoda companhia das
“ONGs do mal” que se alastram velozmente em todos os setores da administração pública, o
anacronismo das normas e práticas de controle público e a terceirização do Estado:
[...] Quer ainda mais, perplexo leitor? Faça como eu e recorra ao Google
para ver a enxurrada de dinheiro público que está sendo utilizado sem
qualquer controle, a não ser o litúrgico, formal e documental típico dos
Tribunais de Contas , absolutamente desaparelhados em termos conceituais
para analisar o destino final e os objetivos dos gastos com dinheiro público
repassados ao Terceiro Setor, limitando-se ao controle documental. Assim,
ONGs ‘do bem’, que mobilizam centenas de milhares de voluntários
altruístas para emprestar talento, tempo, trabalho abnegado e entusiasmo em
iniciativas do padrão ético e moral inatacável de uma Pastoral da Criança, de
um Pequeno Cotolengo ou das APAEs para ficar em apenas três exemplos
dos milhares possíveis , foram colocadas na companhia incômoda de ONGs
20
criadas e mantidas com propósitos de financiar os interesses políticos e
doutrinários particulares de alguns grupos, que perseguem objetivos que
nada têm de universais. Ou, simplesmente, para sugar discreta e
eficientemente os recursos que a população entregou ao Estado para que ele
os devolvesse sob a forma de serviços públicos à totalidade da nação.
[...] É preciso atentar urgentemente para essa situação que custa ao
contribuinte brasileiro dezenas de bilhões de reais por ano e desmoraliza o
Estado. Protegidas pela ambigüidade e anacronismo das leis e das práticas de
controle público e pelo silêncio cúmplice de governantes discretamente
simpáticos ou associados com a prática, as ONGs ‘do mal’ se espalham
velozmente em todos os setores da administração pública brasileira. E assim,
os agentes do Estado se transformaram em agentes, às vezes involuntários,
de interesses e apetites particularistas desse ou daquele grupo político ou,
pior ainda, de grupos parasitários que vivem à custa de sugar os cofres
estatais.
O Estado brasileiro, como instância de intervenção sobre a realidade
econômica e social já há tempo sumiu, abastardou-se, emasculou-se. E em
seu lugar, está surgindo uma poderosíssima máquina clientelista e corruptora
disfarçada de Terceiro Setor. É o Estado privado, que pertence a alguns
grupos de interesses, o Estado Terceirizado.
1.1.1.2 Congresso Nacional
No Senado Federal, o assunto já foi objeto de uma Comissão Parlamentar de
Inquérito (CPI), a “CPI das ONG’s” (2001-2002); foi novamente abordado em outra recente
Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), a CPMI “das Ambulâncias” (2006-2007),
e outra CPI já está aprovada, no Senado Federal, para investigar o repasse de recursos
públicos a ONGs, com previsão de instalação em agosto de 2007.
A primeira CPI concluiu que a regulamentação do setor é incipiente, que as ONGs
têm proliferado e que não há mecanismos de controle das atividades dessas entidades,
principalmente quanto à utilização de recursos públicos. Do relatório dessa CPI, extraem-se
os seguintes trechos:
[...] Ao longo da década de 90, com a proliferação de fundações e
associações sem fins lucrativos, evidenciando novos perfis e perspectivas de
atuação, e, ao mesmo tempo, um considerável arsenal de intervenção e
transformação no campo social, mediante um volume crescente de parcerias
onerosas com o Poder Público, impôs-se a necessidade de alterar as formas
jurídico-associativas clássicas, o que veio materializar-se na edição da Lei nº
9.790/99, mais conhecida como Lei do Terceiro Setor.
21
A Lei nº 9.790/99, que trata da qualificação de pessoas jurídicas de direito
privado como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público
(OSCIP), está longe de representar a reforma do marco legal que regula as
relações entre Estado e Sociedade Civil. De fato, é apenas um pequeno passo
nessa direção. (p. 19).
[...] Hoje o que se vê é intolerável. Tudo leva a crer que a maioria
esmagadora das ONGs evita qualificar-se como OSCIP para poder continuar
a beneficiar-se do inaceitável mecanismo, que hoje prevalece, pelo qual o
Poder Público distribui recursos a essas organizações por meio de convênios,
sem recorrer a edital público para selecionar os melhores projetos. Em
função de uma duvidosa concepção doutrinária do Direito Brasileiro, dá-se
uma espécie de ‘ação entre amigos’.
Há ONGs que sequer possuem sede ou endereço certo e conseguem
viabilizar emendas orçamentárias, receber abundantes recursos financeiros
do erário e aprovar prestações de contas sumárias [...] (p. 21).
A CPMI “das Ambulâncias” adotou a estratégia de transcrever partes do relatório
da primeira CPI das ONGs para deixar evidente que, de lá para cá, o Estado brasileiro pouco
evoluiu em soluções para enfrentar os problemas diagnosticados. Seguem-se as transcrições:
[...] É oportuno oferecer uma visão mais realista e mais bem informada sobre
as ONGs do que a imagem um tanto ingênua e extremamente favorável de
que elas gozam na mídia. De fato, a mídia e a opinião pública, habituaram-se
a nelas enxergar apenas a face virtuosa, graças ao fato de que, real e
fundamentalmente, representam elas um avanço humanístico, um fenômeno
da modernidade progressista e uma complementação útil à ação do Estado.
Não obstante, essa imagem pública positiva deve ser temperada com
saudável visão crítica, mormente diante do considerável poder de
intervenção e transformação social que algumas ONGs têm exercido. (...)
(V. II, p. 537).
[...] Ao lado de prestarem bons serviços à sociedade e complementarem de
forma extremamente útil as ações de governo (autonomamente ou
contratadas como ‘terceirização’), as ONGs não deixam de ser também um
meio de vida para seus dirigentes e quadros profissionais. [...] A fiscalização
sobre a fonte e a aplicação de seus recursos não é, geralmente, de
conhecimento público, se é que existe. (V.II, p. 536, grifos nossos).
[...] Cabe enfatizar neste ponto que muitas ONGs são, na verdade INGs. Em
vez de serem “organizações não-governamentais”, são, isso sim, “indivíduos
não-governamentais”. São indivíduos que encontraram uma forma criativa
de garantir o próprio emprego. Daí a pergunta inevitável: como é possível a
alguns indivíduos criar organizações para recepcionar abundantes recursos
públicos e, com isso, pagar salários a si e a outrem? (V.II, p. 533). [...] É
freqüente encontrar-se ONG que foi montada para dar emprego bem
22
remunerado a seus criadores, ou como fachada fiscalmente vantajosa ao que
é, de fato, consultoria. (...) (V.II, p. 537). [...] A pergunta seria: o que impede
a Administração de estabelecer a habilitação por meio de concurso entre
os projetos de diversas ONGs? (V.II, p. 534, grifos nossos).
[...] Hoje, a prestação de contas de “ONGs que são OSCIPs”, ou de “ONGs
que são apenas ONGs”, é encaminhada diretamente ao órgão estatal
convenente ou parceiro (prestação de contas específica do convênio ou
termo de parceria). A realidade é que são precárias as capacidades desses
órgãos em termos de Controle Interno. (V.II, p. 534-5, grifos nossos).
[...] A verdade é que o Poder Público não está controlando as ONGs de
modo algum, não só em razão da inépcia dos controles internos, mas
também porque elas se encontram configuradas como qualquer associação
da sociedade civil e suas ações são imunes à ingerência estatal, estando ao
resguardo de dispositivo constitucional (art. 5º, XVIII). Não se trata, como
se verá, de pretender-se a criação de nenhum mecanismo de interferência
estatal no funcionamento de tais entes, como veda a Constituição da
República (art. 5º, XVIII, in fine), mas sim de mera fiscalização. (...) [...] Se,
por um lado, as ONGs muitas vezes se propõem a vigiar e fiscalizar a ação,
ou inação do Estado, há razões de sobra para que o mesmo exerça controle
vigilância sobre as ONGs. (V.II, p. 536, grifos do original).
[...] Em suma: observa-se, por conseguinte, que o crescimento de
importância das ONGs não foi acompanhado dos imprescindíveis
mecanismos de controle estatal, como demonstrado, quiçá devido à
velocidade com que se deu a recente multiplicação desse fenômeno da pósmodernidade. (V. II, p. 535, grifos nossos).
Após essas transcrições, o relatório final da CPMI “das Ambulâncias” acentua:
“permitimo-nos a transcrição de partes inteiras do relatório que tratam de casos específicos
por aquela CPI, com o fim de evidenciarmos com a clareza a repetição, hoje, no âmbito do
‘esquema das sanguessugas’, das práticas verificadas naquela ocasião”, e arremata:
O que de pronto salta aos olhos é a repetição de inúmeras práticas danosas
ao patrimônio público, já identificadas na CPI acima mencionada, e que
continuam ocorrendo no mesmo modus operandi. Chega a ser motivo de
frustração a incapacidade que o Estado Brasileiro tem revelado em
solucionar questões recorrentes, plenamente identificadas, e que causam
enorme prejuízo à Nação. (V. II, p. 540).
[...] A nosso ver, cabe, a partir de todos os dados já levantados naquela CPI,
acrescidos de toda a reflexão que se produziu a respeito do tema no âmbito
da CPMI das Ambulâncias, avançar para propostas ainda mais consistentes,
que possam reverter o quadro de total descontrole de transferências
voluntárias de recursos públicos para Organizações não
Governamentais. (V.II, p.542, grifos nossos).
23
[...] Outra face perversa do descontrole evidenciada pelos analistas do TCU é
o surgimento de ‘um novo tipo de nepotismo, indireto, e até mais difícil
de identificar e combater: o uso das ONG para pendurar toda sorte de
favorecidos, regiamente pagos com recursos do Estado’. A existência de
vínculos de políticos ou pessoas ligadas a eles com diretores e presidentes de
entidades nas quais esta CPMI constatou a malversação de recursos públicos
é recorrente e preocupante. Esse dado não se retira somente dos trabalhos do
TCU, mas da realidade vinda à tona ao longo das investigações da Polícia
Federal, Ministério Público e desta comissão. (V.II, p. 583, grifos nossos).
Nas conclusões, a CPMI aventa propor a extinção das transferências voluntárias
para ONGs, acordando pelo não-acolhimento da “defesa desta tese para implementação
imediata, considerando a extraordinária dificuldade de aprovação de medida tão radical,
fazendo, no entanto, sua clara e inequívoca manifestação nessa direção.” (V.II, p. 706):
Faz-se isso, no entanto, sob a fundamentada desconfiança de que o
fazemos apenas para enfrentarmos o mesmo inimigo mais adiante, quiçá
em tempo bastante próximo, quando então perceberemos que passado o
tempo não se solucionou o problema, como tem sido ao longo de vários
anos, até aqui. (V. II, p.707-8, grifos do original).
Finalmente, a CPMI chega à conclusão de que, além dos já conhecidos problemas
de desvio de recursos nas transferências a outros entes públicos, no caso das ONGs, o
fenômeno se repete com outros agravantes, motivado principalmente pela baixa expectativa
de controle, social ou estatal, sendo, pois, necessário fortalecer as estruturas e os mecanismos
de controle, não só dos órgãos oficiais – que devem ser dotados de aparelhamento compatível
com o universo a ser fiscalizado –, mas também do controle social, cuja concretização deve
ser viabilizada por meio de dispositivos legais, regulamentação da indicação de representantes
da sociedade civil em conselhos municipais, além de ferramentas e treinamento, por parte dos
órgãos federais de controle, para que os cidadãos exerçam plenamente suas prerrogativas:
[...] um novo rol de idiossincrasias emergiu desse modelo. Aos já fartamente
conhecidos problemas de desvio de recursos públicos verificados nas
transferências voluntárias para entes públicos, igualmente presentes no
universo das transferências para entidades privadas, somam-se:
- Compras de bens e serviços com recursos públicos sem observação dos
princípios que norteiam todas as ações da Administração;
- Uso de ONGs para garantir emprego a favorecidos, inclusive a criação de
ONGs para garantia do emprego e salário próprios;
- Larga privatização de recursos públicos;
- Ausência de prestação de contas de recursos recebidos por meio de
convênios e ajustes similares; entre outros. (V.II, p.701).
24
[...] Exploremos, portanto, o que de mais relevante, para esta CPMI, está
contido nos relatórios do TCU. Há uma evidência que permeia todas as
irregularidades encontradas, em todos os órgãos e entidades e em todos os
estados em que a fiscalização foi levada a termo: não há controle efetivo,
interno ou externo. (grifos nossos).
A expectativa de controle, seja ele social ou por meio de órgãos oficiais, não
é panacéia que remedeie todos os males, mas é instrumento eficaz para inibir
a tentação de agir em desconformidade com o direito. Conforme lembramos,
controle que impeça toda e qualquer ação irregular é impossível de existir.
Diante dessa impossibilidade, em nenhum país do mundo há controle sobre
todos os atos administrativos, todavia é possível e necessário ampliar o
alcance da fiscalização, de forma que o administrado saiba, e sinta, que está
sendo acompanhado ou que existe razoável possibilidade de que seus atos
venham a ser analisados quanto aos aspectos da legalidade, legitimidade,
economicidade, eficiência, eficácia e efetividade. Para que isso ocorra, ainda
que devam ser utilizados parâmetros estatísticos e sopesados critérios de
materialidade, relevância, risco e impacto socioeconômico, exige-se sistema
de controle aparelhado, treinado, valorizado e com tamanho compatível com
o universo a ser fiscalizado. Devem ser acrescentados a esse aparelhamento
meios mais amplos e transparentes para a concretização dos controles social
e administrativo sobre os gastos públicos, especialmente os determinados
nos itens 9.1 a 9.5 do Acórdão TCU 2066/2006-Plenário5 [...]. Esse ponto
ficou evidenciado de forma explícita nos trabalhos do órgão de contas
federal. (V.II, 585).
[...] Faz-se necessário retomar, nessa conclusão, a questão da indispensável
adoção de medidas fortalecedoras das estruturas e dos mecanismos de
controle. Além dos aspectos relativos aos órgãos oficiais de controle, propõese a criação de dispositivos legais que fortaleçam as iniciativas de controle
social da utilização dos recursos públicos, notadamente nova regulamentação
para a indicação de representantes da sociedade civil em conselhos
municipais, bem como a apresentação de diploma legal que regulamente a
transparência a ser promovida pelo Poder Público na Administração
Municipal. Concomitantemente, espera-se que os órgãos de controle federais
forneçam ferramentas e treinamento para que os cidadãos possam exercer
suas responsabilidades relativamente ao controle social dos recursos
públicos. (V.II, 708).
1.1.1.3 Tribunal de Contas da União
No âmbito do TCU, a necessidade de atenção ao tema foi enfaticamente destacada
no voto condutor do Acórdão 1777/2005-TCU-Plenário, do Ministro Marcos Vinicios Vilaça,
do qual colacionam-se os trechos a seguir:
5
O teor e as medidas determinadas por esse Acórdão serão abordados mais adiante, neste trabalho.
25
164. Aproveito a oportunidade para abordar assunto do qual “Oscip” é
apenas uma pequena parcela. Refiro-me às Organizações NãoGovernamentais (ONGs), entidades que têm se disseminado de forma
acentuada nos últimos anos. Em muitos casos, recebem recursos
governamentais sem devolvê-los à sociedade na forma de ações voltadas ao
interesse público. Algumas, como vem chegando ao nosso conhecimento,
acabam por viver do Estado, sugando seus já limitados recursos. Os números
são eloqüentes. Em 2003, o Tesouro transferiu para instituições privadas
quase 1,4 bilhão de reais. Do total de ONGs, 55% são mantidas, por vezes
exclusivamente, com recursos públicos.
165. O tema merece a atenção desta Corte.
166. Não se trata de propor a instituição de controles em adição aos já
existentes. As ONGs, ao receber recursos públicos, por meio de convênio ou
instrumento similar, ficam obrigadas a prestar contas, em atenção ao
mandamento constitucional. Assim, ao menos formalmente, tais
organizações sofrem a incidência da fiscalização do Poder Público. Trata-se
de tornar efetivos os controles já existentes. A tarefa não é fácil.
O Ministro Augusto Nardes também exprimiu a preocupação da Corte com o tema
em comunicação proferida na sessão plenária de 22/11/2006, excertos transcritos a seguir:
Tendo em conta o Acórdão 2066/2006 prolatado por este Plenário, na Sessão
de 08 de novembro, no âmbito do TC 015.568/2005-1, trago aos meus
Nobres Pares proposta no sentido de se ampliar o que ficou assentado no
item 9.6.2 do aludido aresto, em função da urgente necessidade de se
fiscalizar mais a fundo a regularidade da aplicação de recursos repassados a
entidades privadas por meio de transferências voluntárias.
Entendo que o tema está a merecer atenção especial dos órgãos de controle,
tendo em vista o elevado número de convênios e outros ajustes que têm sido
celebrados com Organizações Não-Governamentais sem o adequado
controle, no que concerne à boa e regular aplicação desses recursos, quando
da celebração de ajustes de toda ordem. [...] Verifica-se, com preocupação, o
total descontrole na aplicação dessas transferências voluntárias por parte
do que se conhece como Terceiro Setor. [...] (grifos do original).
1.1.1.4 Ministério Público junto Tribunal de Contas da União
O Ministério Público Federal junto ao Tribunal de Contas da União (MP/TCU)
revelou sua percepção por intermédio de entrevista do Procurador-Geral, Dr. Lucas Rocha
Furtado, veiculada no jornal Último Segundo, em Setembro de 2004, sob o título “Recursos
destinados a ONGs não são fiscalizados, diz Ministério Público” (AGÊNCIA, 2004), da qual
extraímos os seguintes trechos:
26
Só em 2004, R$ 2 bilhões foram destinados a programas de governo cuja
execução pode ser feita por meio de Ongs. ‘A crítica é a falta de critério da
legislação para a escolha da entidade que vai receber os recursos e a falta de
transparência na prestação de contas’.
[...] fator que propicia o desvio de dinheiro público é o fato de que o próprio
órgão repassador do dinheiro e que escolheu a Ong é quem fiscaliza o
destino dos recursos. ‘O gestor tem tal recurso e diz: olha Ong, não preciso
fazer licitação, lhe passo, mas quero 20%’, exemplifica o procurador. ‘Isso
gera prestações de contas furadas, daí porque é tão comum em processos de
prestação de contas de Ongs aparecerem notas frias’.
A situação é ainda mais grave nos municípios e estados. ‘Não tenho a menor
idéia de quanto eles vêm repassando às Ongs’, diz o procurador. Muitas
vezes é celebrado um convênio entre a União e o município, que firma outro
com uma Organização. ‘A Ong conveniada lá na ponta sequer presta contas
ao órgão federal, repassador da verba’, afirma Lucas Furtado. ‘Muitas vezes,
a própria Ong sub-contrata quem ela quer’ [...].
1.1.1.5 Imprensa
A imprensa, por seu turno, tem veiculado incontáveis casos de desvios de recursos
públicos e de finalidades nestas parcerias, como ilustram trechos a seguir, de artigo publicado
na revista Época, de 5/6/2006 (CLEMENTE, 2006:31-33). Em geral, as irregularidades
noticiadas vão desde o uso ilícito das ONGs como instrumento para fazer caixa para
campanhas eleitorais, promover terceirização ilegal de serviços públicos, burlando exigências
de concurso público e de licitação, até a interposição fraudulenta de ONGs para driblar
restrições de transferências orçamentárias a municípios inadimplentes, impostas pela LRF.
Diz o artigo que:
[...] “as ‘pilantrópicas’ são ONGs suspeitas de ser usadas como laranjas para
burlar leis de licitações, desviar recursos, fazer caixa dois de campanhas
eleitorais e propiciar enriquecimento ilícito.
[...] Recentemente, apareceram indícios de que ONGs de fachada foram
usadas pela quadrilha de sanguessugas que desviava recursos do Orçamento
com a venda superfaturada de ambulâncias. As entidades eram usadas para
driblar restrições da Lei de Responsabilidade Fiscal à transferência de
dinheiro do governo federal para prefeituras inadimplentes.
[...] No Estado do Rio, por exemplo, difundiu-se a prática de contratação de
funcionários pelo governo estadual por intermédio de ONGs, para burlar a
exigência de concurso público. ‘É uma intermediação ilegal’, diz João
Batista Berthier, do Ministério Público do Trabalho do Rio. ‘Mas se tornou
27
tão disseminada e caótica que não temos estimativas sobre o número de
funcionários terceirizados via ONGs.
[...] A fiscalização do governo federal se limita à verificação do
cumprimento de formalidades. ‘Atestamos a intenção de trabalhar pelo
interesse público, e não se a organização realmente trabalha’, diz José
Eduardo Elias Romão, diretor de Justiça e Classificação do Ministério da
Justiça [referindo-se às análises para concessão do título de UPF ou para
qualificação como Oscip, cuja incumbência é daquele Ministério]. É uma
loucura. Esse modelo não combina com o Estado democrático de direito.
O colunista Carlos Chagas (2007:1), em artigo publicado na Tribuna da Imprensa,
RJ, 16/6/2007, destaca, dentre outros problemas da pouca transparência dessas ações, a falta
de informações sobre a quem recorrer para denunciar irregularidades:
[...] se existem ONGs sérias, que dedicam excelentes serviços à sociedade,
também é certo que se multiplicam picaretagens de toda espécie, formadas
para mamar nas tetas dos governos, muitas vezes através de amigos,
parentes, correligionários, partidários e similares dos governantes. [...] E
falamos apenas de partidos, mas também poderíamos falar de religiões
variadas, entre tantos outros grupos sociais.
[...] Acresce que essas ONGs não prestam contas às administrações públicas
que as privilegiam e, em muitos casos, dedicam boa parte do dinheiro
recebido para remunerar regiamente seus fundadores e dirigentes.
[...] que tal a Secretaria do Tesouro mandar elencar pelo menos no plano
federal quantos milhões, ou bilhões, escoam pelo ralo, a serviço de interesses
muitas vezes sadios, mas, outro tanto, de escusos? E nos estados? Nos
municípios?
Estamos assistindo e convivendo com um dos maiores escândalos da
atualidade, infelizmente passando ao largo dos meios de comunicação e
demais organismos de controle social.
Não haverá que generalizar, valendo repetir que ONGs da maior dignidade
também funcionam entre nós, servindo para minorar agruras dos menos
favorecidos. Das crianças desamparadas, por exemplo. Até dos índios, ainda
que se torne necessário desbastar esse imenso cipoal, onde ONGs
estrangeiras (outro capítulo de horror) atuam para erodir a soberania
nacional, considerando tribos como nações e pretendendo, com toda certeza,
dar passos céleres no rumo da internacionalização da Amazônia. [...]
A gente nem sabe a que ministério recorrer para limitar a ação das más
ONGs. Dos Transportes? Da Integração Nacional? Do Desenvolvimento
ou da Fazenda? Quem sabe o ministério da Defesa? (grifos nossos).
28
1.2 CARACTERIZAÇÃO DO PROBLEMA
Paralelamente ao crescimento das parcerias entre o Estado e as ONGs, órgãos de
controle estatal, inclusive CPIs instaladas no Congresso Nacional, têm se deparado com
inumeráveis casos de desvios e de mistura do interesse público com o privado. A imprensa
tem trazido a público o uso de entidades para fins ilícitos, denunciando a existência de ONGs
usadas como laranjas para burlar leis de licitações, desviar recursos públicos, fazer caixa dois
de campanhas eleitorais, promover favorecimentos e propiciar enriquecimento ilícito.
O senso comum dos atores envolvidos com o tema é de que há uma proliferação
de ONGs, sem mecanismos de controle, principalmente controle da utilização de recursos
governamentais que, em muitos casos, não são devolvidos à sociedade na forma de ações
voltadas ao interesse público. Algumas acabam por sobreviver, quase que exclusivamente, de
recursos estatais. A falta de critérios e de transparência na escolha das entidades contempladas
e de publicidade na execução das ações e das respectivas prestações de contas, resulta no
inaceitável mecanismo, que hoje prevalece, pelo qual o Poder Público distribui recursos a
essas organizações, transformando o caso numa espécie de ‘ação entre amigos’.
Em síntese, na visão dos atores, está ocorrendo uma verdadeira terceirização da
execução de políticas públicas para organizações da sociedade civil, daí descambando para
toda sorte de ilícitos, como burla às exigências legais de concurso público e de licitação,
nepotismo indireto, uso político-eleitoreiro de recursos, enriquecimento ilícito, dentre outros.
Em razão dessa situação, parece haver uma corrida, movida pela oportunidade
vislumbrada por alguns, de aproveitar as facilidades ou as deficiências do novo modelo de
transferência de serviços públicos não exclusivos do Estado a entidades do terceiro setor, e,
por meio do manejo ilícito dos recursos disponibilizados, lograrem proveito indevido.
A lei 9.790/99, que criou a qualificação das Oscips e o “termo de parceria” com o
propósito de disciplinar as parcerias entre o setor público e as entidades privadas qualificadas
está longe de representar a reforma do marco legal que regula as relações entre Estado e
sociedade civil. De fato, é apenas um pequeno passo nessa direção. ONGs de toda espécie,
sem qualquer qualificação, continuam a receber recursos públicos de forma indiscriminada.
O relatório final da CPMI “das Ambulâncias”, no capítulo relativo ao controle das
transferências voluntárias do orçamento para as ONGs (V.II, p.733), cogita, como solução da
problemática, “necessariamente para a extinção” dessas transferências.
29
Diante dessa visão, cabe questionar: estaria a administração pública federal
suficientemente preparada, em termos de recursos humanos, materiais e tecnológicos, para
gerir o número crescente de parcerias, fiscalizar adequadamente a implementação e avaliar o
atingimento de objetivos das políticas públicas pactuadas com essas organizações? Os
procedimentos adotados pelos órgãos públicos para avaliação das parcerias propostas e das
próprias entidades proponentes são objetivos, claros e transparentes de modo a garantir a
observância dos princípios constitucionais de atuação e gestão da coisa pública, notadamente
os da isonomia, impessoalidade, moralidade e eficiência? e, finalmente, existem mecanismos
de transparência em todo o ciclo de operacionalização das transferências, capazes de estimular
e favorecer, efetivamente, o controle social sobre os atos de gestão e sobre a implementação
das ações pactuadas?
1.3 OBJETIVOS DA PESQUISA
1.3.1 Objetivo geral
O objetivo deste trabalho é avaliar a eficácia dos procedimentos de concessão e
controle das transferências de recursos do Orçamento Geral da União para as organizações
não-governamentais, destinados à implementação de ações de interesse público.
Sob a premissa de que um nível de segurança mínimo para que o Estado transfira
a gestão de recursos e a execução de ações para outras entidades, com razoável garantia de
efetiva implementação e regular aplicação dos recursos, só pode ser atingido com a existência
de uma adequada, qualificada e organizada estrutura de recursos humanos, materiais e
tecnológicos, complementada por mecanismos que efetivamente viabilizem o controle social,
a consecução do objetivo geral desta pesquisa exige a exploração dos aspectos seguintes, os
quais constituem seus objetivos específicos.
1.3.2 Objetivos específicos
I) identificar a suficiência e a adequação da estrutura disponível para gerenciar os
processos relativos ao ciclo de gestão das transferências: analisar a concessão, acompanhar a
execução, avaliar a prestação de contas e os resultados das ações pactuadas;
II) avaliar se os procedimentos de seleção e análise técnica dos projetos e das
entidades contempladas com os recursos transferidos são suficientemente objetivos, claros e
30
transparentes para garantir a observância dos princípios norteadores da atuação pública,
especialmente os da isonomia, impessoalidade, moralidade e eficiência;
III) avaliar se os instrumentos e os mecanismos utilizados para fornecer a
necessária transparência dos atos de gestão e da implementação das ações pactuadas, são
suficientes para estimular e favorecer um efetivo controle social, contribuir para o nível de
accountability e fortalecer a governança pública em toda a cadeia de execução dessas ações.
1.4 JUSTIFICATIVA E RELEVÂNCIA
Apesar dos inúmeros estudos a respeito da participação das ONGs na elaboração,
monitoramento e avaliação de políticas públicas, de suas formas de organização, constituição
e atuação, do marco legal e dos aspectos jurídicos, tributários, administrativos e contábeis, são
raros os estudos aprofundados sob o enfoque da fiscalização, especificamente no que diz
respeito à eficácia dos procedimentos de concessão e controle dos recursos a elas transferidos,
com ênfase na atuação dos órgãos e entidades concedentes, no controle interno e externo
estatal e na disponibilização de mecanismos de transparência como forma de viabilizar o
controle por parte da sociedade sobre a adequada aplicação desses recursos.
A realidade de demandas sociais reprimidas, representado pelo enorme passivo
social existente em nosso País, denota a relevância de se realizar pesquisa para avaliar a
eficácia dos procedimentos que devem assegurar a boa e regular aplicação dos escassos
recursos transferidos às ONGs, cuja finalidade é, primordialmente, auxiliar na erradicação da
pobreza e da marginalização e na redução das desigualdades sociais e regionais.
A pesquisa e suas possíveis contribuições são de importância, também, para as
próprias ONGs e para o terceiro setor, que têm interesse em ver descolado de suas imagens as
repercussões negativas dos ilícitos praticados por entidades que se auto-intitulam ONGs, mas
que, muitas vezes vinculadas a interesses escusos e a finalidades ilícitas, estabelecem relações
impróprias com políticos e funcionários públicos para obtenção de facilidades na liberação de
repasses orçamentários.
As denúncias veiculadas nos noticiários do País, envolvendo entidades desse tipo,
geram desconfiança e dificultam a captação de novos recursos pelas ONGs sérias, além de
comprometerem a imagem do setor como um todo. Às ONGs sérias interessa a eficiência dos
procedimentos de concessão e controle dos recursos públicos, pois isso contribui para
suprimir de seu contexto aquelas que, pela flexibilização de critérios de concessão e frouxidão
31
da fiscalização pelos órgãos repassadores, geram uma concorrência desleal pelos recursos e
servem de fachada para que terceiros se locupletem do dinheiro público.
O assunto também é pauta relevante no Congresso Nacional, que, em reação às
constantes denúncias do mau uso de dinheiro público por parte de algumas ONGs, analisa
vários projetos que visam moralizar a aplicação dos recursos repassados, o que poderá resultar
em endurecimento de regras de concessão e fiscalização, bem como em mais complexidade
nos processos de prestação de contas e de fornecimento de informações.
As Consultorias de Orçamento, Fiscalização e Controle da Câmara dos Deputados
e do Senado Federal têm reiteradamente enfatizado, nas notas técnicas conjuntas que
subsidiam a apreciação das Leis de Diretrizes Orçamentárias (LDO) anuais, a necessidade de
melhor disciplinar essas transferências, com ênfase no controle e fiscalização dos resultados.
Ainda no tocante à relevância do tema no âmbito do Congresso Nacional, a
pesquisa revela-se oportuna em face da premente instalação de mais uma CPI das ONGs, no
Senado Federal, a segunda, em menos de 5 anos, cuja finalidade é apurar a liberação, pelo
Governo Federal, de recursos públicos para ONGs e Oscips, bem como a utilização desses
recursos e de outros por elas recebidos do exterior, a partir do ano de 1999 até o ano de 2006.
Nesse sentido, vale ressaltar, inclusive, que um trecho desta pesquisa, ainda em elaboração,
foi transcrito no relatório final da CPMI das “Ambulâncias” (V. II, p. 597-618), a título de
contribuição para a reflexão sobre a questão.
No Poder Executivo, que coordena a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção
e à Lavagem de Dinheiro (ENCCLA), da qual também participam cerca 60 órgãos da
administração pública federal com o objetivo de apresentar, debater e fixar metas de combate
à corrupção e à lavagem de dinheiro, três, das 33 metas analisadas em 2006, dizem respeito a
elaboração de normas e implementação de mecanismos para disciplinar o repasse, o controle e
a avaliação de resultados referentes aos recursos públicos destinados ao terceiro setor.
Em relação aos Tribunais de Contas a questão é de suma importância, porque
afetas às próprias atribuições finalísticas dessas instituições. A Associação dos Membros dos
Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), deixou evidente a preocupação de seus membros
com o assunto ao incluir como tema relevante, no I° Seminário sobre a Elaboração de Norma
Processual no Âmbito do Promoex – Programa de Modernização do Sistema de Controle
Externo dos Estados, Distrito Federal e Municípios Brasileiros, a palestra “O Controle do
32
Tribunal de Contas da União sobre Organizações Não-Governamentais e Organizações da
Sociedade Civil de Interesse Público”, com o intuito de compartilhar as experiências do TCU
nessa questão.
Especificamente em relação ao TCU, cuja missão é assegurar a efetiva e regular
gestão dos recursos públicos, em benefício da sociedade, o desenvolvimento da área
pesquisada poderá contribuir para aperfeiçoar as metodologias de combate à corrupção, ao
desvio e às fraudes verificadas na área, bem como para maximizar o potencial de contribuição
para o aperfeiçoamento da gestão pública, no bojo das propostas de deliberação formuladas
por seu corpo técnico e nas decisões de seus Colegiados. Nesse sentido, espera-se que o
resultado da pesquisa possa fornecer importantes referenciais para estabelecimento de escopos
às ações de controle e para a proposição de aperfeiçoamentos nos procedimentos e nos
mecanismos de transparência em toda a cadeia de execução das ações programáticas
descentralizadas para execução por meio de ONGs, favorecendo a elevação do nível de
accountability e o fortalecimento da governança pública na área.
1.5 DELIMITAÇÃO E CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS
O escopo da pesquisa foi delineado sob a perspectiva de avaliar se existe razoável
segurança quanto à efetiva implementação das ações e a regular aplicação dos recursos
públicos destinados às ONGs. Para tanto, elegeram-se como objetos de investigação os
procedimentos adotados, pela administração pública federal, destinados a avaliar a concessão
e a controlar a execução dos projetos financiados com esses recursos.
Tais procedimentos, que visam a garantir o nível de segurança mínimo para que o
Estado possa transferir a gestão de recursos e a execução de ações para outras entidades, serão
avaliados sob três dimensões: a) suficiência e adequação da estrutura disponível, em termos
de recursos materiais, humanos e tecnológicos para gerir os processos relativos ao ciclo
completo dessas transferências, quais sejam, programação, análise técnica das proposições,
acompanhamento e fiscalização da execução, avaliação das prestações de contas e dos
resultados alcançados; b) qualidade dos procedimentos realizados na análise técnica das
proposições e na escolha das entidades contempladas, sob os critérios da objetividade e da
transparência, com vistas ao atendimento dos princípios da isonomia, impessoalidade,
moralidade e eficiência, que devem, obrigatoriamente, nortear a atuação da Administração na
gestão da coisa pública; e, c) acompanhamento e fiscalização das ações pactuadas, bem como
33
dos mecanismos utilizados para atender ao princípio constitucional da publicidade no
fornecimento de transparência dos atos de gestão, fundamental para a elevar o nível de
accountability, para governança pública e para o controle social.
O trabalho assenta-se em pesquisa bibliográfica abrangendo livros e artigos de
estudiosos do terceiro setor, reportagens, relatórios institucionais, legislação, jurisprudência e
doutrina, estudos realizados por instituições oficiais e por entidades do próprio Setor.
Também foi de grande utilidade a participação do autor, como congressista, no “2° Fórum
Senado Debate Brasil – Terceiro Setor: Cenários e Perspectivas”. Buscou-se traçar um perfil
de identificação e caracterização das ONGs, descrever o quadro legal e institucional em que
elas se inserem, de modo a se obter uma visão geral sobre as entidades e o espaço social que
elas ocupam. O escopo do estudo contempla, também, a exploração e a descrição da
percepção de atores envolvidos com o tema, incluindo órgãos e instituições de controle
estatal, imprensa, estudiosos do assunto e organizações representativas das próprias ONGs.
Nesses aspectos, como o objetivo principal do trabalho é proporcionar maiores informações
sobre assunto e descrever características do objeto de estudo, a pesquisa tem natureza
exploratória e descritiva.
Por fim, já no âmbito do aspecto explicativo da pesquisa, a preocupação
primordial é identificar fatores que determinam ou contribuem para a ocorrência das
irregularidades e dos desvios verificados nas transferências de recursos orçamentários para as
ONGs. Para tanto, são identificados e analisados as normas e os instrumentos legais que
viabilizam as transferências de recursos orçamentários e disciplinam a sua operacionalização,
descrevem-se os problemas identificados no processo orçamentário e em cada uma das outras
fases subseqüentes do processo, as determinações do TCU com vistas a saná-los, os
indicativos de solução e as iniciativas em curso no Congresso Nacional e no Poder Executivo.
A pesquisa, neste último aspecto, tem suporte em pesquisa documental realizada
em relatórios de auditorias e acórdãos do TCU, notas técnicas e estudos das Consultorias de
Orçamento, Fiscalização e Controle da Câmara dos Deputados e do Senado Federal,
legislação orçamentária e financeira da União, e também na experiência do autor, atuando no
desenvolvimento de metodologias de fiscalização e em outros trabalhos relacionados ao tema,
inclusive auditorias em recursos públicos repassados a ONGs, como Analista de Controle
Externo do Tribunal de Contas da União.
34
1.6 ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO
O trabalho está estruturado em quatro capítulos, incluindo a introdução. O
capítulo 1, além de tratar dos aspectos metodológicos da pesquisa, traz uma visão geral do
tema sob a ótica dos atores mais diretamente ligados à questão da aplicação de recursos
públicos por intermédio das ONGs.
No capítulo 2, procura-se familiarizar o leitor com as entidades que compõem o
campo do estudo, traçando um perfil para identificar e caracterizar as ONGs e o espaço social
que elas integram, o denominado terceiro setor, identificando os formatos jurídicos que essas
entidades podem assumir e abordando os aspectos essenciais relativos à sua criação,
organização, funcionamento e finalidade, a partir do ambiente legal da Constituição Federal e
do Código Civil Brasileiro; discute-se a ambigüidade do termo ONG, no contexto das demais
entidades que também se caracterizam como não-governamentais e como não-mercado, as
terminologias utilizadas na área e as principais diferenciações necessárias à compreensão da
natureza das organizações, em geral, que integram o universo das entidades privadas sem fins
lucrativos (EPSFL).
Ainda no capítulo 2, apresenta-se o terceiro setor – ambiente institucional e
espaço social das EPSFL, e por conseguinte, das ONGs –, o seu conceito, a sua composição,
a natureza das atividades desenvolvidas no seu âmbito, a metodologia e os critérios para que
uma entidade possa ser reconhecida como integrante do setor; descrevem-se as qualificações,
títulos jurídicos concedidos pelo Poder Público às entidades que integram o setor, bem como
os benefícios a eles associados, trazendo um levantamento dos cadastros oficiais existentes no
País, com reflexões sobre a natureza e a transparência das informações neles disponíveis.
Finalizando o capítulo 2, demonstra-se a dimensão e importância econômica e
social do terceiro setor, trazendo números relativos aos recursos humanos e financeiros
movimentados no País e no exterior, bem como das entidades oficialmente registradas no
Brasil, por área de atuação, e estimativa do número de entidades informais, de pequeno porte,
a exigir um tratamento jurídico diferenciado para inclusão e estímulo das entidades nascentes.
No capítulo 3, descreve-se a natureza das principais fontes de recursos das ONGs,
classificando-as de acordo com as origens, enfatizando a inexistência de mecanismos legais
que permitam aos doadores e contribuintes ter razoável segurança quanto à integração de suas
contribuições ao caixa das ONGs e sua aplicação nos fins destinados. Demonstra-se que a
35
falta desses mecanismos favorece a utilização das ONGs para fins ilícitos, reforçando a tese,
defendida no capítulo 2, de que é necessário reavaliar a questão do sigilo fiscal em relação a
essas entidades para permitir, não apenas o controle, mas a ampla divulgação dos recursos
arrecadados e a destinação que lhes é dada, sejam os recursos de origem pública, sejam os
angariados diretamente da economia popular, de particulares, de empresas ou de outras
instituições. Discute-se, ainda, a questão do sigilo bancário dos recursos públicos transferidos
às ONGs. Argumenta-se que o sigilo bancário não pode ser oposto sequer ao cidadão, muito
menos aos órgãos de controle estatal.
Em seção específica do capítulo 3, são identificadas todas fases do ciclo de
operacionalização das transferências de recursos orçamentários às ONGs, por meio de
convênios, termos de parceria e instrumentos congêneres. Com base em constatações obtidas
no âmbito de fiscalizações realizadas pelo TCU, de 2005 para cá, analisadas em conjunto e
em confronto com os resultados da CPMI “das Ambulâncias”, descrevem-se os
procedimentos e analisam-se as principais falhas identificadas em cada uma das fases, de
modo a fornecer uma visão sistêmica de todo o processo.
Antes da conclusão, detalham-se as determinações do TCU e as medidas e os
estudos em curso nos diversos órgãos estatais e fóruns especiais, bem como as proposições da
CPMI, ainda pendentes de deliberação pelo Congresso Nacional, iniciativas tomadas com
vistas a melhorar o arcabouço normativo, tornar mais auditáveis e racionais os processos e
dotar o Poder Público do aparelhamento necessário para operacionalizar as transferências
voluntárias de recursos orçamentários, contemplando o aperfeiçoamento dos mecanismos de
gestão e de controle, inclusive social, viabilizados pelo fortalecimento da governança pública
e por maior transparência das ações.
36
2 CARACTERIZAÇÃO LEGAL E INSTITUCIONAL DAS ONG
2.1 O AMBIENTE LEGAL DAS ONGs
2.1.1 As ONGs na Constituição Federal
Cabe destacar, inicialmente, que a expressão Organização Não-Governamental
não está contemplada no ordenamento jurídico pátrio. A nossa legislação consagrou a
expressão “entidade privada sem fins lucrativos” (EPSFL), ou simplesmente, “entidade sem
fins lucrativos”, para se referir àquelas entidades, que, apenas recentemente, passaram a ser
mais conhecidas e denominadas por ONGs.
A criação de ONGs deve ser vista como o exercício de um direito consagrado
constitucionalmente, que prevê a liberdade de associação para fins lícitos (art. 5°, XVII), de
associação sindical e profissional (art. 8°, caput), e, ainda, a liberdade de consciência, de
crença e de livre exercício de cultos religiosos (art. 5°, VI).
A Carta Constitucional identifica e denomina, de forma específica, as seguintes
entidades sem fins lucrativos:
1. Associações (art. 5°, XVIII e XIX);
2. Fundações Privadas (art. 150, VI, c);
3. Sindicatos (art. 8° e art. 150, VI, c);
4. Partidos Políticos (art. 17 e art. 150, VI, c);
5. Cultos Religiosos e Igrejas (art. 19, I, e art. 150, VI, b);
6. Serviços Sociais Autônomos (art. 240 e art. 62 do ADCT).
2.1.2 As ONGs no Código Civil
O Código Civil brasileiro (CC, Lei 10.406, de 10/1/2002), que é a lei a quem
compete definir as espécies de pessoas jurídicas de direito privado, prevê e caracteriza as
seguintes espécies para constituição de uma entidade privada sem fins lucrativos:
1. Associações (arts. 44 e 53): união de pessoas que se organizam para fins nãoeconômicos;
37
2. Fundações (arts. 44 e 62): dotação especial de bens livres destinados ao fim
especificado pelo instituidor, que poderá, inclusive, declarar a maneira como a fundação será
administrada.
3. Organizações Religiosas (art. 44, § 1°): liberdade de criação, organização,
estruturação interna e funcionamento, sendo vedado ao poder público negar-lhes
reconhecimento ou registro dos atos constitutivos necessários ao seu funcionamento;
4. Partidos Políticos (art. 44, § 3°): organização e funcionamento de acordo com
o disposto em lei específica.
O Código prevê, ainda, o formato das entidades de fins lucrativo, as sociedades,
inclusive as cooperativas, cuja característica fundamental é ser um ente coletivo que reúne
pessoas em torno de um contrato no qual reciprocamente se obrigam a contribuir com bens e
serviços para o exercício de atividade econômica e partilhar entre si os resultados (CC, art.
981, caput).
O termo organizações da sociedade civil sem fins lucrativos, ou simplesmente
organizações ou entidades sem fins lucrativos, tem sido usado para designar o conjunto dessas
entidades (associações, fundações, organizações religiosas e partidos políticos). Antes de
tudo, é um referencial jurídico usado freqüentemente em contextos técnicos para qualificar o
estatuto legal da organização, diferenciando-as das sociedades pela finalidade lucrativa.
No tocante às associações, possuem conotação de finalidade não lucrativa, que se
define pela não distribuição de parcelas do patrimônio a associados e dirigentes, com
aplicação integral das receitas à realização do objeto social. As associações comportam dois
grupos de entidades: as de fins mútuos e as de fins comunitários, públicos ou de solidariedade
social.
Além das associações, que trazem esse termo integrado na sua denominação
social (associação dos amigos de Vila Isabel, por exemplo), também se revestem sob essa
forma jurídica as seguintes pessoas jurídicas de direito privado:
Federação.
Confederação.
Consórcio público.
Sindicato.
Serviço social autônomo.
38
As fundações fazem parte de uma categoria fundamentalmente jurídica, de direito
privado e sem finalidade lucrativa. Resultam da destinação, por alguém, de um patrimônio
vinculado a um fim específico. A partir do Código Civil de 2002, somente podem ser
constituídas fundações para fins religiosos, morais, culturais ou de assistência.
São pessoas jurídicas de direito privado que se revestem sob a forma de fundação:
instituídas por pessoas físicas e jurídicas;
instituídas por empresas;
instituídas por partidos políticos;
instituídas pelo poder público;
de apoio à instituições de ensino superior;
de previdência privada ou complementar.
Conclui-se, pois, que as ONGs, em sentido amplo, podem constituir-se por um
dos quatro formatos jurídicos previstos no Código Civil, sendo mais comum o de associação
ou fundação e, dentre estes, dão preferência à primeira forma, a qual não implica a existência
de patrimônio prévio nem de um instituidor. Cerca de 95% das ONGs são registradas como
associações (LANDIM e COTRIM, 1996, introdução, apud MENDES, 1999:12).
2.2 O AMBIENTE INSTITUCIONAL DAS ONGs
2.2.1 As EPSFL: terminologias, finalidades e objetivos
As expressões entidades privadas sem fins lucrativos, organizações da sociedade
civil (OSC), organizações da sociedade civil de interesse público (Oscip), organizações da
sociedade civil sem fins lucrativos, entidades ou organizações filantrópicas, entidades
beneficentes, organizações não-governamentais (ONG), terceiro setor, organizações sociais
(OS), entidades de interesse social (EIS), são normalmente utilizadas para diferenciar as
entidades que não integram o Estado ou o mercado.
O emprego dessas terminologias, segundo Olak e Nascimento (2006:2), “ocorre
de forma equivocada [...], já que são utilizadas normalmente como sinônimas, contribuindo
para aumentar ainda mais a confusão” que leva à obscuridade e ao desconhecimento dessas
organizações por parte do público em geral.
39
Com efeito, o universo das entidades “sem fins lucrativos” é composto por uma
multiplicidade de organizações que, além de suas formas de constituição jurídica, há ainda as
qualificações e os títulos outorgados pelo Poder Público, normalmente confundidos com
aquelas, como é o caso das Entidades de Utilidade Pública (Federal, Estadual ou Municipal)
ou das Oscips, dentre outros, a dificultar o entendimento por parte do público em geral.
Para entender a natureza dessas organizações é importante também fazer distinção
entre dois conceitos fundamentais: “sem fins lucrativos (ou econômicos)” e “atividade
econômica”. Normalmente, o desenvolvimento de qualquer atividade econômica pode levar à
geração de excedentes (diferença positiva entre o resultado obtido e o esforço despendido),
denominado lucro ou superávit. O texto do novo Código Civil, ao definir associações como
“união de pessoas para fins não-econômicos”, causou preocupação para as organizações que
exercem alguma atividade econômica. No entanto, finalidade é diferente de atividade. Uma
associação pode, sim, exercer atividades econômicas de forma suplementar e não-exclusiva, o
que não pode é distribuir o resultado obtido. A diferença reside no fim que se pretende dar (ou
efetivamente se dá) a esse resultado: se for distribuí-lo aos associados, diz-se que a entidade
tem fins lucrativos ou econômicos; se for reaplicá-lo na consecução dos objetivos sociais, dizse que a entidade é sem fins lucrativos.
Outra importante diferenciação a fazer, inclusive para avaliação de legitimidade
de parcerias entre as EPFSL e o Poder Público, é no tocante à extensão dos benefícios das
atividades da entidade, isto é, o público-alvo beneficiário das ações. É necessário diferenciar
as entidades de benefício público daquelas outras tidas como de benefício mútuo. Omissão,
esta, segundo Modesto (2006:6), ainda presente na nossa legislação, e que, juntamente com
outras lacunas de cobertura legal na área, têm deixado muitos temas sob o comando da
discrição de autoridades administrativas. As EPFSL não necessariamente objetivam uma
finalidade pública. Podem ser constituídas para realizar objetivos de natureza particular, de
benefício exclusivo de seus associados, ou de uma coletividade muito restrita (CICONELLO,
2004:2). As de finalidade pública, embora sem prejuízo do benefício de suas ações virem a
atingir também seus próprios associados, possuem projetos que visam a beneficiar toda a
sociedade. Suas finalidades contemplam o alcance de objetivos para atender aos interesses e
às necessidades de pessoas indeterminadas, ou à sociedade em geral, por meio de ações de
assistência social, promoção da cidadania e da cultura. As de natureza particular contemplam
apenas pequenas parcelas da sociedade, grupos fechados, cujos associados são os próprios
beneficiários de suas ações (NUNES, 2006:28; PAES, 2006:65-66).
40
2.2.2 A ambigüidade do termo e o problema de identidade das ONGs
Restou claro que ONG, sigla para Organização Não-Governamental, não é um
formato jurídico institucional existente no ordenamento jurídico brasileiro. O Código Civil
prevê apenas cinco formatos para a constituição de uma pessoa jurídica de direito privado: as
sociedades, as associações, as fundações, as organizações religiosas e os partidos políticos.
Para se entender o conceito de ONG é necessário utilizar, numa primeira etapa, a
definição textual, tão ampla a ponto de abranger qualquer organização de natureza não-estatal:
a princípio pode ser uma empresa, um hospital, uma escola, uma igreja, uma cooperativa, um
sindicato, um partido político, um movimento social, uma fundação empresarial, um clube,
enfim, tudo aquilo que não é governo ou vinculado a ele. Numa segunda aproximação, é
necessário subtrair desse universo as entidades privadas de fins lucrativos, isto é, as
sociedades (de fins lucrativos, mercantis), inclusive as cooperativas, e as entidades que, direta
ou indiretamente, compõem o Governo.
O conjunto resultante é o das EPSFL que, para alguns – e não há unanimidade
quanto a isto – é o que se conhece por terceiro setor e todas as entidades que o integram
seriam ONGs. Em síntese: EPSFL = ONG = TERCEIRO SETOR.
Para outros, no entanto, como se verá adiante, nem todas as EPSFL são ONG, e
elas (as ONGs) não seriam o próprio terceiro setor, mas apenas parte dele. Nem mesmo todas
as EPSFL fariam parte do terceiro setor, mas tão somente aquelas de interesse público,
excluídas, portanto, as de benefício mútuo.
Neste trabalho, assumir-se-á que o termo ONG diz respeito às EPSFL, excluindo
apenas as entidades governamentais (inclusive as fundações públicas de direito privado e
entidades paraestatais) e as entidades privadas de fins lucrativos, inclusive as sociedades
cooperativas, sem distinção, a priori, daquelas de benefício público ou de benefício mútuo. O
terceiro setor será assumido como o conjunto dessas entidades.
Nesse sentido também é Paes (2006:23), para quem “em termos do direito
brasileiro, configuram-se como organizações do terceiro setor, ou ONGs – Organizações NãoGovernamentais, as entidades de interesse social sem fins lucrativos, como as associações, e
as fundações de direito privado, com autonomia e administração própria, cujo objetivo é o
atendimento de alguma necessidade social [e, portanto, não somente necessidade pública] ou
a defesa de direitos difusos ou emergentes.”
41
Segundo Mendes (1999:24), “o termo ONG, que virou moda no Brasil nos
últimos cinco ou seis anos, é importado; surgiu pela primeira vez em documentos das Nações
Unidas no final da década de 40, e referia-se a um universo extremamente amplo e pouco
definido de instituições.” Olak e Nascimento (2006:2) ponderam que o Banco Mundial
entende como ONG “qualquer organização sem fins lucrativos que é independente de
governos.” Em sentido mais restrito, todavia, o mesmo Banco conceitua as ONGs como
“organizações privadas que realizam atividades para reduzir sofrimento, promover o interesse
dos pobres, proteger o ambiente, prover serviços sociais básicos ou desenvolver
comunidades.”
Na verdade, como lembra Bava (1994:97), “as ONGs existem no Brasil há muito
tempo. Novo é o nome [...] que lhes deram o Banco Mundial e as Nações Unidas. Antes eram
conhecidas como centros de pesquisa, associações promotoras de educação popular, entidades
de assessoria a movimentos sociais.”
A novidade, segundo Luiz Mendes (1999:6) “está no formato que o segmento
vem assumindo a partir da década de 80, quando ganha corpo e visibilidade maiores e
incorpora instituições e formas organizacionais diferentes”. Para Nunes (2006:22) “a anistia
aos exilados políticos no final da década de 70 deu uma nova dimensão às ONGs”, que
agregaram ao seu cenário o pensamento critico, a experiência internacional e a densidade
política de expoentes que voltavam ao País, como Herbert de Souza (Betinho) e Rubem César
Fernandes.
Esse novo perfil das ONGs somente passou a ter reconhecimento, da mídia
brasileira, em geral, a partir da ECO 92, frente a repercussão internacional do evento e a
capacidade de mobilização dessas organizações que denunciavam os modelos vigentes de
tratamento dos ecossistemas e apresentavam propostas concretas para o desenvolvimento
auto-sustentado. O país tomou, então, conhecimento de alternativas pouco conhecidas de
cidadania ativa pelos registros da mídia aos gritos de alerta daqueles grupos, muito embora
algumas dessas se apresentassem “carregadas de ideais humanitários que se confundiam com
valores
político-partidários
de
esquerda,
quase
sempre
governamentais e de grandes corporações.” (MENDES, 1999:6).
contrários
aos
interesses
42
Na busca de identidade para as ONGs, a Abong – Associação Brasileira de
Organizações Não-Governamentais, sugeriu a adoção dos seguintes critérios6:
No tocante à especificidade das ONG’s, é preciso ressaltar aquilo que
não são: não são empresas lucrativas (seu trabalho é político e cultural), não
são entidades representativas de seus associados ou de interesses
corporativos de quaisquer segmentos da população, não são entidades
assistencialistas de perfil tradicional; e afirmar aquilo que são: servem à
comunidade, realizam um trabalho de promoção da cidadania e defesa dos
direitos coletivos (interesses públicos, interesses difusos), lutam contra a
exclusão, contribuem para o fortalecimento dos movimentos sociais e para a
formação de suas lideranças visando à constituição e ao pleno exercício de
novos direitos sociais, incentivam e subsidiam a participação popular na
formulação e implementação das políticas públicas. (grifos do original).
Para Durão (1999:5), o entendimento de um conceito amplamente democrático de
fim público das ONGs – “que trabalham pelo reconhecimento de novos direitos, por vezes
ainda não reconhecidos pelo Estado, e, portanto, sem amparo no ordenamento jurídico vigente
num determinado estágio da vida social” – foi incorporado em documento7 elaborado durante
o diálogo político, que teve como tema o Marco Legal do Terceiro Setor, no qual se gestou a
Lei 9.790/99 (Lei das Oscip), formulado nos seguintes termos:
É necessário incluir também as chamadas ONGs (organizações nãogovernamentais) cuja atuação não configura nenhum tipo de
complementaridade ou de alinhamento aos objetivos de políticas
governamentais, e nem, muitas vezes, de suplementariedade à presença do
Estado. Ao lado das instituições que complementam a presença do Estado no
desempenho dos seus deveres sociais e ao lado daquelas entidades que
intervêm no espaço público para suprir as deficiências ou a ausência da ação
do Estado, devem ser também consideradas, como de fins públicos, aquelas
organizações que promovem, desde pontos de vista situados na Sociedade
Civil, a defesa de direitos e a construção de novos direitos – o
desenvolvimento humano, social e ambientavelmente sustentável, a
expansão de idéias-valores (como a ética na política), a universalização da
cidadania, o ecumenismo (latu sensu), a paz, a experimentação de novos
padrões de relacionamento econômico e de novos modelos produtivos e a
inovação social etc.
Apesar de já bastante conhecido por parte do público em geral, o termo ONG não
remete automaticamente às entidades com as características de atuação mencionadas. Parece
6
Agenda da Abong para o Grupo de Trabalho Ministerial sobre a situação jurídica das ONG.
Documento-Base, Segunda Versão, de 29/9/97, p.12, da Sexta Rodada de Interlocução Política do Conselho do
Comunidade Solidária.
7
43
claro, no entanto, que as organizações dotadas dos perfis citados postulam, para si, a
exclusividade da denominação.
Esse propósito é facilmente constatável na literatura especializada, por meio de
expressões do tipo “as ONGs e outras entidades sem fins lucrativos” (DURÃO, 1999:4) ou
construções textuais em que as ONGs são colocadas como elemento singularizado dentro do
conjunto das outras organizações da sociedade civil, como em Ciconello (2004:1): “entre
entidades religiosas, assistenciais e filantrópicas, organizações de base, associações de bairro,
ONGs, fundações e institutos de origem empresarial, são muitas as formas e perspectivas de
atuação social das organizações sem fins lucrativos brasileiras.” (grifos nossos).
Uma identidade, singularizada pelas feições do campo e formas de atuação dessas
entidades, melhor seria obtida pela adoção de um termo menos genérico, que explicitasse com
mais propriedade o papel que elas desenvolvem. Nunes (2006:27) noticia que “nos Estados
Unidos, essa categoria abrangeria os advocacy groups, associações que lutam por uma causa.”
Falconer (1999:61), citado por Olak e Nascimento (2006:3), deixa claro, não só a
distinção pretendida para o termo ONG como também o espectro das atividades típicas que se
encaixariam no termo, ressalvando, porém, que tais atividades melhor seriam descritas por
outro termo:
O setor de ONG no Brasil [...], exclui as organizações sem fins lucrativos
tradicionais (entidades filantrópicas, religiosas, creches, asilos etc.) voltadas
exclusivamente à prestação de serviços. ‘ser ONG, tal como o conceito foi
apropriado no Brasil, significa mais do que status legal de associação
sem fins lucrativos. Implícitos no termo estão um campo e uma forma de
atuação predominantes: a defesa de direitos, através de assessoria e
capacitação de movimentos populares, e atividades melhor descritas pelo
termo inglês advocacy: mobilização popular, articulação política;
conscientização e disseminação de informação. (grifos nossos).
Uma interessante caracterização das ONGs foi criada pelo acadêmico americano
David Korten, ex-professor de Harvard e referência mundial nessa área, segunda a qual as
ONGs de primeira geração operam urgências, distribuem serviços, alimentos e remédios.
Dão o peixe; as ONGs de segunda geração empenham-se em fazer com que as comunidades
pobres encontrem a solução para os seus próprios problemas. Ensinam a pescar; e, as ONGs
de terceira geração: transitam no campo das idéias, da formação moral, da cidadania. Elas se
propõem a ser motores de mudanças políticas e sociais. (CLEMENTE, 2006:32-33).
44
Finalmente, não se pode deixar de mencionar como prática que contribui para a
falta de identidade de algumas organizações em particular, o fato de elas consignarem em seus
estatutos sociais uma extensa lista de atividades, composta de objetivos genéricos, abarcando
um amplo leque de possibilidades de atuação. Tal prática, relatada em auditorias do TCU,
permite que a ONG se torne elegível à obtenção de recursos nas dotações alocadas aos mais
diversos programas do orçamento público.
A esse respeito, devem estar atentos os órgãos públicos responsáveis pela análise
das propostas de transferências de recursos orçamentários, bem como aqueles que fiscalizam
o mérito das isenções e outros benefícios fiscais e previdenciários concedidos pelo Estado,
construindo procedimentos adequados para a detecção de desvios por meio dessa conduta.
Não basta a caracterização precisa dos objetivos e da área de atuação das ONGs que serão
beneficiadas com recursos públicos, em seus estatutos sociais. É necessário, também, que se
averigúem as condições e a capacidade das entidades para alcançar os objetivos propostos ou
subsidiados, a existência de estruturas (administrativa, técnica, operacional, experiência, etc.)
apropriadas e disponibilidade de recursos materiais, humanos e tecnológicos para realizá-los.
2.2.3 Terceiro Setor: natureza, objetivos, conceito e critérios de inclusão
Até recentemente, a ordem sociopolítica compreendia apenas dois setores, o
público e o privado, que se distinguiam um do outro, tanto pelas características, como pela
personalidade: “de um lado ficava o Estado, a Administração Pública, a sociedade; do outro, o
Mercado, a iniciativa particular e os indivíduos.” (PAES, 2006:121).
Atualmente, “junto com o Estado (Primeiro Setor) e com o Mercado (Segundo
Setor), identifica-se a existência de um Terceiro Setor [...] que não é público nem privado, no
sentido convencional desses termos;” mas que guarda uma relação simbiótica com ambos,
uma vez que deriva sua própria identidade da conjugação entre a metodologia do segundo
com as finalidades do primeiro, isto é, “O Terceiro Setor é composto por organizações de
natureza ‘privada’ (sem o objetivo do lucro) dedicadas à consecução de objetivos sociais ou
públicos, embora não seja integrante do governo” (PAES, 2006:121-122, grifos nossos).
A expressão terceiro setor começou a ser utilizada no Brasil em anos recentes,
com a idéia implícita “de um ‘setor social, em contraposição ao Estado e ao mercado”,
gerando “um discurso homogeneizado, com forte tendência a eliminar os conflitos inerentes
às dinâmicas de nossa sociedade civil [...] como se esse ‘setor’ tivesse uma suposta identidade
45
comum” (CICONELLO, 2004:5,7). Na verdade, sustenta o autor, no meio da multiplicidade
de organizações que compõem o universo das entidades sem fins lucrativos existem entidades
com “perfis, objetivos e perspectivas de atuação social bastante distintos e às vezes opostos”.
Esta pode ser a razão de não existir unanimidade, como já mencionado, no tocante ao seu
conceito e à sua composição, inclusive porque os conceitos variam conforme a ênfase dada a
um dos seus elementos ou características, tais como: diferenciação de “outros setores”,
abrangência, finalidade e natureza jurídica das organizações que o compõem (PEREIRA,
2006:1). A esse respeito, Paes (2006:123) lembra que:
É importante explicar que o Terceiro Setor tem uma grande abrangência não
só na sua forma de atuação, como com relação às entidades ou organizações
sociais que o constituem, não havendo, ainda, no âmbito do ordenamento
jurídico brasileiro, uma definição exata em lei do que seja esse setor, de que
se compõe e em que áreas atua.
No tocante ao conceito do terceiro setor, Paes (2006:122), o considera “como o
conjunto de organismos, organizações ou instituições sem fins lucrativos dotados de
autonomia e administração própria que apresentam como função e objetivo principal atuar
voluntariamente junto à sociedade civil visando ao seu aperfeiçoamento”. Por seu turno,
Nunes (2006:25), o define “como um conjunto de organizações de origem privada, dotadas de
autonomia, administração própria e finalidade não-lucrativa, cujo objetivo é promover o bemestar social através de ações assistenciais, culturais e de promoção da cidadania.”
No que tange à discussão sobre que entidades integram o terceiro setor, convém
aprofundar a exploração do significado de interesse social, interesse público e ajuda mútua, já
que esses conceitos são normalmente utilizados como critérios para identificar a finalidade
das organizações e para determinar se ações que executam qualificam-nas como integrantes,
ou não, do terceiro setor.
Como já foi visto, levando-se em conta a extensão dos benefícios da atividade da
entidade, isto é, o público-alvo beneficiário das ações, existem dois tipos fundamentais de
organizações no universo das EPSFL: as de benefício (interesse) público e as de benefício
(interesse) mútuo. A distinção entre esses dois tipos é de extrema relevância, uma vez que
repercute na relação financeira entre essas organizações e o Poder Público, fornecendo
parâmetros para uma graduação clara de benefícios e incentivos fiscais e de acesso aos
recursos públicos (BARBOSA, 2001, apud PEREIRA, 2006:3).
46
Pereira (2006:3-4), recorrendo ao dicionário, discorre que: Social é da sociedade,
relativo a ela ou que interessa a ela. Público é do, ou relativo, ou pertencente ou destinado ao
povo, à coletividade; que é do uso de todos; comum; aberto a quaisquer pessoas. Interesse é
vantagem, proveito; benefício. Aquilo que convém, que importa. Em seguida conclui que
‘interesse social’ é o gênero, no qual estão incluídas duas espécies: ‘interesse público’ e
‘ajuda mútua’, desdobrando seu raciocínio da seguinte forma:
[...] são de interesse social, ou seja, são convenientes à sociedade, tanto as
entidades de interesse (ou caráter) público, que são aquelas que objetivam o
benefício de toda a sociedade ou de segmentos do conjunto da sociedade
(entidades assistenciais, beneficentes, filantrópicas, de defesa de direitos, [...]
etc.), quanto as organizações de ajuda mútua ou de auto-ajuda, que
objetivam defender interesses coletivos, mas num círculo restrito, específico,
de pessoas, ou seja, em benefício mútuo ou interno de um determinado
grupo (associações de classe, associações de moradores, associações
comerciais, clubes sociais, recreativos e esportivos etc.).
Nunes (2006:29) vai mais longe ao avaliar que:
mesmo quando se tratar de entidades fechadas, como associação de
moradores, quando verificar que se trata de moradores com alto nível de
exclusão social, e que a ação da entidade permitiu-lhes melhorar a sua
qualidade de vida, por exemplo, reduzindo o nível de marginalidade, pode-se
dizer que essa entidade, embora cuidando de um grupo seleto de pessoas,
beneficiou a sociedade como um todo, e assim pode ser considerada como
integrante do Terceiro Setor.
Pereira (2006:1-2) informa que a metodologia baseada no “Manual sobre
Instituições sem Fins Lucrativos no Sistema de Contas Nacionais” recomendado pela ONU,
vem sendo utilizada para definir e identificar as organizações ou entidades sem fins lucrativos
que integram o terceiro setor. Segundo essa metodologia, para ser considerada integrante
do terceiro setor, uma entidade deve preencher cinco critérios simultaneamente: ser
privada; sem fins lucrativos; institucionalizada; auto-administrada; e, voluntária.
Ainda segundo o autor, dois estudos e pesquisas nacionais foram realizados, com
respaldo nesses critérios, com vistas a dimensionar – mensurar e classificar – o terceiro setor
no Brasil, quais sejam:
•
FASFIL – As Fundações privadas e as Associações Sem Fins Lucrativos no Brasil:
2002, realizado pelo IBGE e pelo IPEA, em parceria com a Abong e o GIFE (Grupo de
Institutos, Fundações e Empresas);
47
•
MAPA – Mapa do Terceiro Setor, realizado pelo Centro de Estudos do Terceiro Setor,
da Fundação Getúlio Vargas (FGV), com apoio de outras organizações, 2005.
O primeiro trabalho constitui o único levantamento nacional de organizações do
terceiro setor; o segundo, um cadastro espontâneo representando um conjunto expressivo das
ONGs brasileiras (4.589 ONGs cadastradas até julho de 2005), mas não todas.
Ao comparar os critérios utilizados nos dois trabalhos, verifica-se que “eles
discordam em alguns aspectos. Isto ocorre devido à divergência de interpretação e aplicação
dos cinco critérios recomendados pela ONU. Um bom exemplo é o fato de os sindicatos terem
sido excluídos do FASFIL e incluídos no MAPA.” (PEREIRA, 2006:2), revelando que,
mesmo partindo de um mesmo referencial metodológico, não se chega a um entendimento
unânime quanto às entidades que devem ou não integrar o terceiro setor.
A dificuldade parece estar, além da confusão que se faz entre os conceitos de
interesse social, interesse público e interesse mútuo, também na dúvida quanto ao que se deve
considerar na composição dos espaços econômicos/sociais conhecidos como primeiro,
segundo e terceiro setor: instituições ou atividades? Dito de outro modo: esses setores devem
ser vistos como um espaço de organizações ou devem ser tomados sob o prisma das
atividades desenvolvidas por elas?
Por certo, quando o conceito foi imaginado mirou-se nas finalidades, ou mais
apropriadamente, nas atividades finalísticas das instituições: governar (primeiro setor), gerar
riqueza (segundo setor), catalisar solidariedade, apoio e proteção social (terceiro setor).
Ocorre que tudo isso é ação, e o modelo, tomado apenas sob a ótica institucional, é por
demais estático para representar a dinâmica das atividades efetivamente levadas a efeito no
mundo real, isso porque, entidades pertencentes ao primeiro setor, como por exemplo, as
empresas estatais, se tomadas por suas atividades, pertencem ao segundo setor; uma empresa
do segundo setor, que cede parte de suas instalações e custeia professores para alfabetizar seus
empregados, está, no tocante a essa ação, exercendo atividade típica do terceiro setor; por fim,
uma ONG que contrata a terceirização de certas atividades de um órgão público, coisa muito
comum nos dias atuais, está, na verdade, atuando no segundo setor.
A importância de debater a adoção de critérios para a definição do terceiro setor é
indiscutível, inclusive para auxiliar os órgãos governamentais no estabelecimento de critérios
para a concessão de benefícios e para o repasse de recursos orçamentários. Não por acaso, o
48
relatório que subsidiou o Acórdão 2.066/2006–TCU–Plenário definiu o entendimento abaixo,
com o fito de orientar as atividades de controle externo (grifos nossos):
Às atividades do controle externo, interessa delimitar um conceito que
permita verificar a legitimidade das parcerias onerosas estabelecidas
pelo Estado com essas organizações, moldando-o pelo requisito basilar
da finalidade pública e pelos princípios que regem a administração pública.
Nesse sentido, independentemente das denominações ou classificações que
lhes derem, as ONG que se abrigam em tal contorno são aquelas
organizações da sociedade civil, constituídas como pessoas jurídicas de
direito privado, reguladas, quanto à sua constituição e funcionamento, por
uma das formas apropriadas previstas legalmente, e que, pelo caráter publico
[social] de suas finalidades e efetivo exercício das mesmas, se
caracterizem como Entidades de Interesse Social. (BRASIL, 2006b:4).
Segundo esse entendimento, a abrangência do que integra o terceiro setor deve ser
sopesada não apenas em função das finalidades consignadas nos estatutos ou nas naturezas
jurídicas das entidades. É necessário levar em conta o fim social das atividades desenvolvidas
por quaisquer entidades, ainda que, por suas naturezas jurídicas ou finalidades predominantes,
não se caracterizem como integrantes desse setor. Nesse sentido, também se posiciona Nunes
(2006:26, grifos nossos) ao entender que: “definir as entidades deste segmento por seus
objetivos e suas ações é adotar o critério mais racional e coerente com o ordenamento
jurídico pátrio, vez que tal tendência foi confirmada pela sobredita Lei 9.790/99 [...] elegemos
o objetivo de promover o bem-estar social, através de atividades específicas de ações
assistenciais, culturais e de promoção da cidadania como o traço distintivo de uma
entidade do Terceiro Setor.” Transcreve-se, na íntegra, a opinião de Nunes (2006:29), à
guisa de orientar a avaliação de mérito na destinação de recursos públicos:
Então, ao invés de tentar enumerar as entidades sociais pela natureza e
nomenclatura que as mesmas têm, ou ainda pela prática ou não de atividades
estatais para classificá-las como entidade de benefício público, como sugere
Sílvio Sant’ana, o critério para integrá-las ou não simplesmente na definição
de Terceiro Setor estaria nos seus objetivos e ações: quando realizarem
atividades Interesse Público, entendidas estas como as que promovem
cidadania, assistência social e cultura, estariam incluídas na definição de
integrantes do Terceiro Setor. E, mesmo quando se tratar de entidades
fechadas, como associação de moradores, quando verificar que se trata de
moradores com alto nível de exclusão social, e que a ação da entidade
permitiu-lhes melhorar a sua qualidade de vida, por exemplo, reduzindo o
nível de marginalidade, pode-se dizer que essa entidade, embora cuidando de
um grupo seleto de pessoas, beneficiou a sociedade como um todo, e assim
pode ser considerada como integrante do Terceiro Setor.
49
2.2.4 Títulos jurídicos e benefícios concedidos às entidades do Terceiro Setor
Nesta seção, se verão os certificados, os títulos e as qualificações conferidos pelo
Poder Público às entidades do terceiro setor, acompanhados da legislação e dos benefícios a
eles associados. Normalmente, esses títulos são concedidos às entidades que apresentam as
seguintes características básicas:
realização de ações voltadas para o bem-estar comum da coletividade, por meio de
atividades de assistência social, promoção da cidadania e da cultura;
manutenção de fins não-lucrativos e, caso exerçam atividades econômicas, apliquem os
resultados em seus fins sociais;
adoção de personalidade jurídica adequada aos fins sociais (associação ou fundação).
Denominados genericamente por títulos jurídicos, os certificados, títulos e
qualificações outorgados pelo Poder Público representam o reconhecimento ao trabalho social
desenvolvido pela entidade, como forma de diferenciá-la na concessão de benefícios. Assim,
designações como “Entidade de Utilidade Pública”, “Entidade Beneficente de Assistência
Social”, “Organização da Sociedade Civil de Interesse Público” e “Organização Social”
consistem apenas em títulos jurídicos e não traduzem uma forma de pessoa jurídica privada.
Essa diferenciação, segundo Modesto (1999:3), “permite inserir as entidades qualificadas em
um regime jurídico específico [...] padronizar o tratamento normativo de entidades que
apresentem características comuns relevantes, evitando o tratamento legal casuístico [...]” e “o
estabelecimento de um mecanismo de controle de aspectos da atividade das entidades
qualificadas, flexível por excelência, entre outras razões, porque o título funciona como um
instrumento que admite não apenas a concessão, mas também a suspensão e o cancelamento.”
2.2.4.1 Título de Utilidade Pública Federal
O mais antigo título jurídico existente em nosso ordenamento é o de Utilidade
Pública Federal (UPF), instituído pela Lei 91, de 1935, concebido inicialmente apenas para
dar reconhecimento estatal à instituição, conferindo-lhe maior credibilidade e poder para
angariar doações. Em face dessa situação, os mecanismos de controle eram muito parcos,
limitando-se a apresentação anual de uma “relação circunstanciada dos serviços que
houverem prestado à sociedade” (art. 4°, Lei 91/35).
Para concessão e manutenção do título, é necessário que a entidade atenda aos
seguintes requisitos:
50
comprove, por meio de relatórios trianuais, a promoção de educação, de atividades
científicas, culturais, artísticas ou filantrópicas;
demonstre normal funcionamento nos últimos três anos e constituição no País;
não remunere ou conceda vantagens a diretores, ou associados, que devem possuir folha
corrida e moralidade comprovada;
publique demonstração de superávit ou déficit, se contemplada com subvenção da União
no período anterior.
Com o passar do tempo, uma série de benefícios fiscais, como isenções e acesso a
recursos públicos, foi sendo criada, ou seja, o título, que inicialmente era apenas honorífico
passou a abrir portas para benefícios estatais, desvirtuando sua idéia original. Paralelamente,
os mecanismos de controle não evoluíram na mesma proporção, pelo que, com enorme
facilidade, o título passou a ser utilizado em manobras ilegais, tornando-se notório com os
chamados “anões do orçamento”, “esquema de malversação de recursos públicos, descoberto
por acaso, consistente na utilização por um grupo razoável de parlamentares federais de
entidades filantrópicas de fachada, de papel, que eram por eles criadas através de terceiros e
por sua ação parlamentar recebiam vultosas somas de recursos públicos sem qualquer
compromisso efetivo com atividades relevantes em matéria social ou em benefício da
coletividade.” (MODESTO, 1999:7).
A partir de então, iniciou-se um movimento para a reforma da Lei 91/35, que
resultou na edição das Leis 9.637/98 e 9.790/99. Esta última, também conhecida como novo
marco legal do terceiro setor, criou a qualificação de Organização da Sociedade Civil de
Interesse Público (Oscip) e instituiu o termo de parceria, instrumento passível de ser firmado
com o Poder Público para fomento das atividades de interesse público desenvolvidas pelas
Oscip. A outra criou a qualificação de Organização Social (OS) e instituiu o contrato de
gestão, como instrumento representativo do acordo operacional celebrado com o Poder
Público. Ambas as qualificações serão vistas detalhadamente mais adiante.
Os benefícios proporcionados pelo título de UPF são os seguintes:
permissão para receber subvenções, auxílios e contribuições da União;
receber doações de empresas, dedutíveis do imposto de renda (Lei 9.249/95, art. 13, § 2°,
III);
51
realizar sorteios para obter recursos adicionais à manutenção ou custeio da obra social
(Lei 5.768/71, art. 4°);
requisito para requerer o Registro ou o Certificado de Entidade Beneficente de Assistência
Social, vistos a seguir.
2.2.4.2 Registro e Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social
Configura o reconhecimento do Poder Público Federal de que a instituição presta
serviços de assistência social, entendida como tal aquela que atende diretamente ao público,
exercendo atividades de natureza continuada nas áreas de assistência social, saúde, educação e
cultura. Os títulos são de responsabilidade do Conselho Nacional de Assistência Social,
vinculado ao Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (CNAS/MDS),
responsável pela coordenação da assistência social no País.
O Certificado de Entidades de Fins Filantrópicos, antecessor do atual Certificado
de Entidade Beneficente de Assistência Social (Cebas), segundo Ferrarezi (2001:3-4 apud
SPOSATI, 1994:67):
Surgiu em 1959 (lei n° 3577) para responder à exigência do processo de
isenção da contribuição patronal à previdência, e foi regulamentado pelo
Decreto n° 1117 de 1962. Nesse decreto se exigiu [...] que o CNSS
[Conselho Nacional do Serviço Social] emitisse um certificado provisório de
‘entidade de fins filantrópicos’ para as entidades registradas. Exigiu a
emissão de um certificado, mas não um novo processo distinto daquele para
obtenção do registro. Portanto, uma função inicial do certificado – que era
servir de prova junto ao INSS para obter a isenção da cota patronal da
previdência – acabou se tornando mais um título exigido no processo. O
decreto parece ter sido, então, o pretexto para diferenciação entre o Registro
e o Certificado de Fins Filantrópicos.
Esta a razão de até hoje coexistirem o Registro e o Certificado Entidade
Beneficente de Assistência Social, no âmbito do CNAS/MDS, disciplinados atualmente pelo
inciso IV, art. 18, da Lei 8.742/93 regulamentada pelo Decreto 2.536/98.
Segundo as normas referidas, poderão obter Registro no Conselho Nacional de
Assistência Social (Rebas) as entidades que, sem fins lucrativos, promovam:
a proteção à família, à infância, à maternidade, à adolescência e à velhice;
o amparo às crianças e adolescentes carentes;
52
ações de prevenção, habilitação, reabilitação e integração à vida comunitária de pessoas
portadoras de deficiência;
a integração ao mercado de trabalho;
a assistência educacional ou de saúde;
o desenvolvimento da cultura;
o atendimento e o assessoramento aos beneficiários da Lei Orgânica da Assistência Social
e a defesa e garantia de seus direitos.
Somente poderá ser concedido registro à entidade cujo estatuto estabeleça que:
aplica suas rendas, seus recursos e eventual resultado operacional integralmente no
território nacional e na manutenção e no desenvolvimento de seus objetivos institucionais;
não distribui resultados, dividendos, bonificações, participações ou parcela do seu
patrimônio, sob nenhuma forma;
não percebem seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores, benfeitores ou
equivalentes, remuneração, vantagens ou benefícios, direta ou indiretamente, por qualquer
forma ou título, em razão das competências, funções ou atividades que lhes sejam
atribuídas pelos respectivos atos constitutivos;
em caso de dissolução ou extinção, destina o eventual patrimônio remanescente a
entidades congêneres registradas no CNAS ou a entidade pública.
seja declarada de utilidade pública federal (UPF).
O Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social somente poderá ser
concedido ou renovado, pelo CNAS/MDS, para entidades que preencham os critérios para a
concessão do Rebas e mais ao seguinte, cumulativamente:
estar legalmente constituída no país e em efetivo funcionamento, nos três anos
imediatamente anteriores ao requerimento;
estar previamente inscrita no Conselho Municipal de Assistência Social do município de
sua sede, se houver, ou do estado ou do Distrito Federal;
estar previamente registrada no CNAS (o requerimento do Registro pode ser feito
simultaneamente com o do Certificado);
53
aplicar anualmente, em gratuidade, pelo menos 20% da receita bruta proveniente da venda
de serviços, acrescida da receita decorrente de aplicações financeiras, de locação de bens,
de venda de bens não integrantes do ativo imobilizado e de doações particulares, cujo
montante nunca será inferior à isenção de contribuições sociais usufruídas.
Os benefícios proporcionados pelo Rebas e pelo Cebas são os seguintes:
isenção da cota patronal do INSS e das contribuições sociais (art. 55, Lei 8.212/91);
requerer benefícios concedidos pelo Poder Público dentro de sua área de atuação;
critério de elegibilidade para a obtenção de subvenções sociais, auxílios, contribuições
correntes e de capital, conforme previsto nas LDO anuais;
2.2.4.3 Organização Social
A Lei 9.637/98, que também aprovou o “Programa Nacional de Publicização”,
autorizou o Poder Executivo a transferir a execução de serviços públicos não exclusivos do
Estado a entidades especialmente qualificadas como Organizações Sociais (OS), por meio de
instrumento jurídico denominado contrato de gestão.
São requisitos para qualificação como OS (Art. 2º):
I - comprovar o registro de seu ato constitutivo, dispondo sobre:
fim social de interesse coletivo em qualquer das áreas previstas na lei: ensino, pesquisa
científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação do meio ambiente,
cultura e saúde;
finalidade não-lucrativa, com a obrigatoriedade de investimento de seus excedentes
financeiros no desenvolvimento das próprias atividades e proibição de distribuição de
bens ou de parcela do patrimônio líquido em qualquer hipótese;
previsão expressa de a entidade ter, como órgãos de deliberação superior e de direção, um
Conselho de Administração e uma Diretoria com a participação de representantes do
Poder Público e da comunidade, de notória capacidade profissional e idoneidade moral;
obrigatoriedade de publicação anual, no DOU, dos relatórios financeiros e de execução do
contrato de gestão;
previsão de incorporação integral do patrimônio, dos legados ou das doações que lhe
foram destinados, bem como dos excedentes financeiros decorrentes de suas atividades,
54
em caso de extinção ou desqualificação, ao patrimônio de outra OS qualificada no âmbito
da União, da mesma área de atuação, ou ao patrimônio da União, dos estados, do DF ou
dos municípios, na proporção dos recursos e bens por estes alocados.
II - haver aprovação, quanto à conveniência e à oportunidade de sua qualificação
como OS, do ministro ou titular de órgão supervisor ou regulador da área de atividade
correspondente ao seu objeto social e do ministro de estado da administração federal.
O modelo normativo das OS contempla alguns avanços em relação ao título de
UPF, mas também suscita algumas questões controversas que merecem destaque.
Preliminarmente, destaca-se que não é pacífico o entendimento de que a OS seja
legitimamente uma entidade privada, uma ONG, e como tal integre o terceiro setor. A
exigência de participação do Poder Público no conselho de administração da entidade, além
da previsão legal de cessão de bens, recursos e até servidores públicos para execução do
contrato de gestão, descaracteriza sua autonomia administrativa, configurando-a muito mais,
no dizer de Nunes (2006:27), como “simples ramificação do aparelho estatal.”
Em relação aos avanços, destaca-se o papel fundamental do conselho de
administração, cuja composição deve ter maioria absoluta de representantes do Poder Público
e da comunidade, controlando os atos da diretoria executiva, cujos diretores são por ele
designados e dispensados. “De certa forma, o Poder Público assenhoreia-se do controle da
entidade privada – com a colaboração da comunidade – para que ela possa vir a exercer as
atividades sociais desejadas, utilizando-se de recursos oficiais” (MEIRELLES, 1999:364).
Outro avanço diz respeito ao contrato de gestão que, se bem planejado, estabelece
limites e define metas a serem atingidas, podendo ser relevante no controle da aplicação dos
recursos nas finalidades pactuadas, cuja execução deve ser objeto de relatório anual publicado
no DOU, e não apenas relatórios financeiros.
Quanto às questões controversas, menciona-se o requisito específico de haver
aprovação, quanto à conveniência e à oportunidade da qualificação como OS, pelo Ministro
ou titular do órgão supervisor ou regulador da área de atividade correspondente ao objeto
social da entidade pretendente, assim como pelo ministro da administração, por ameaçar
violação ao princípio da impessoalidade. Embora o ato deva ser motivado, principalmente
porque decorre do poder discricionário, não se pode deixar de admitir que o alto grau de
subjetividade na qualificação aliada às previsões de uso de bens públicos, de dotações
55
orçamentárias específicas e da cessão de servidores públicos com ônus para a origem, tudo
sem licitação, embute riscos elevados de maculação do modelo.
A esse respeito é oportuna a transcrição de trecho do voto do ministro Eros Grau,
do Supremo Tribunal Federal (STF), acerca da concessão de liminar na ação direta de
inconstitucionalidade (Adin) 1.923-5, para suspender os efeitos dos arts. 1°, 5°, 11 a 15 e 20
da Lei 9.637/98:
12. [...] a celebração desse contrato de gestão com o Poder Público habilitará
a organização social ao desfrute de certas vantagens. Mais do que vantagens,
favores desmedidos, visto que essa contratação não é antecedida de licitação.
13. [...] Para recebê-los, a organização social, como observa CELSO
ANTONIO BANDEIRA DE MELO8, “não necessita demonstrar habilitação
técnica ou econômico-financeira de qualquer espécie. Basta a concordância
do Ministro da área (ou mesmo do titular do órgão que a supervisione)...”
14. Mas não é só. É facultada ainda ao Poder Executivo a “cessão especial
de servidor para as organizações sociais, com ônus para a origem” (arts. 13 a
15). Uma coisa nunca vista. Direi neste passo apenas isso, [...].
O jurista Paulo Modesto (2006:10) manifesta, ainda, preocupação quanto à falta
de previsão na lei de exigência de um tempo mínimo de atuação comprovada em sua área de
atividade das candidatas à qualificação, a exemplo da existente na legislação das entidades
filantrópicas. “Evitar-se-ia assim, com prudente cautela, a existência de entidades ad hoc, sem
maior consistência, como beneficiárias do título”, protegendo, com essa simples medida,
ensaios de erosão da credibilidade do título. Nas leis estaduais essa exigência já tem sido
admitida (v.g. LC 846, de 4/6/1998, do Estado de São Paulo, que exige comprovação de
prestação de serviços próprios pela entidade há mais de cinco anos).
Os benefícios proporcionados pela qualificação como OS são os seguintes:
a qualificação implica a automática declaração da entidade como de interesse social e de
utilidade pública, propiciando os mesmos benefícios do título de UPF (art. 11);
a entidade qualificada poderá contar ainda com recursos orçamentários e bens públicos
necessários ao cumprimento do contrato de gestão (art. 12), tudo com dispensa de
licitação (art. 12, § 3°), cessão de servidores públicos com ônus para a origem (art. 14); e,
a própria dispensa de licitação nos contratos de prestação de serviços celebrados com a
administração pública.
56
2.2.4.4 Organização da Sociedade Civil de Interesse Público
Criado pela Lei 9.790/99 e regulamentado pelo Decreto 3.100/99, a qualificação
de uma entidade como Oscip é bastante ágil (o Ministério da Justiça tem prazo de trinta dias
para deferir ou não o pedido) porque o ato é vinculado ao cumprimento dos requisitos da lei, o
que a torna automática.
Diferentemente da prática anterior, em que gestores públicos tinham poder
discricionário sobre os pedidos, a nova lei garante critérios objetivos para a qualificação,
impedindo assim o uso do título como moeda de troca política, ou a obtenção de benefícios
por grupos de pressão e intermediação de interesses.
O modelo normativo das Oscip, fruto do debate entre o Conselho da Comunidade
Solidária e entidades do terceiro setor, incorporou boa parte das inovações trazidas pela lei
das Organizações Sociais (Lei 9.637/98) e avançou um pouco mais, como será visto adiante,
de modo que a qualificação de Oscip está muito mais bem estruturada do que a de OS, que
por sua vez já era superior a de utilidade pública. Ressalte-se, ainda, que o novo modelo não
interfere nos marcos jurídicos anteriores, especialmente em relação ao título de UPF, ao
Cebas ou ao Rebas.
Destaca-se, principalmente, a ampliação do reconhecimento legal de iniciativas
sociais que dão direito à nova qualificação institucional. A abrangência da nova lei alcança
tanto os tradicionais campos de atuação das organizações sem fins lucrativos (saúde, educação
e assistência social) quanto os novos campos de atuação como o desenvolvimento sustentável
e a construção de novos direitos, dentre outros. “Os artigos 2º e 3º da Lei 9.790/99 são a
referência mais avançada da nossa legislação para definir o conceito legal de público para as
organizações privadas sem fins lucrativos.” (CICONELLO, 2004:11).
A Lei das Oscip, contudo, proíbe a cumulação de títulos. Com isso afasta de seu
escopo um campo vasto de associações e fundações de interesse público, contrariando os
objetivos que embasaram sua formulação, o de destacar, dentre o enorme universo das
associações e fundações, as de interesse público. De acordo com um relatório de reunião do
Conselho da Comunidade Solidária9, realizada em 30/8/2002 (apud CICONELLO, 2004:12):
8
9
Curso de Direito Administrativo, 19° edição, Malheiros Editores, São Paulo, 2005, págs. 221-2
Comissão da Reforma do Marco Legal do Terceiro Setor – Comissão 3.
57
As entidades que hoje usufruem o título de Utilidade Pública [Federal] e do
CEBAS dificilmente irão aderir ao regime de OSCIP, já que não estarão
dispostas a abrir mão do benefício da isenção da quota patronal. Portanto, o
setor de assistência social, que é de interesse público, como afirma na Lei
9790/99, continuará a depender do sistema de convênios (já que, não sendo
Oscips, não irão celebrar termos de parceria).
Observado em qualquer caso, o princípio da universalização dos serviços (art. 3°),
podem-se qualificar como Oscip as pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos,
cujos objetivos sociais tenham pelo menos uma das seguintes finalidades:
promoção da assistência social;
promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico;
promoção gratuita da educação ou da saúde, observando-se a forma complementar de
participação das organizações;
promoção da segurança alimentar e nutricional;
defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento
sustentável;
promoção do voluntariado;
promoção do desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza;
experimentação, não-lucrativa, de novos modelos sócio-produtivos e de sistemas
alternativos de produção, comércio, emprego e crédito;
promoção de direitos estabelecidos, da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos,
da democracia e de outros valores universais; construção de novos direitos e assessoria
jurídica gratuita de interesse suplementar;
estudos e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias alternativas, produção e divulgação
de informações e conhecimentos científicos que digam respeito às atividades descritas
anteriormente.
Ainda que se dediquem, de qualquer forma, às atividades descritas anteriormente
(art. 2°), não são passíveis de qualificação:
sociedades comerciais;
sindicatos, associações de classe ou de representação de categoria profissional;
58
instituições religiosas ou voltadas para a disseminação de credos, cultos, práticas e visões
devocionais e confessionais;
organizações partidárias e assemelhadas, inclusive suas fundações;
entidades de benefício mútuo, destinadas a proporcionar bens ou serviços a um círculo
restrito de associados ou sócios;
entidades e empresas que comercializam planos de saúde e assemelhados;
instituições hospitalares privadas não gratuitas e suas mantenedoras;
escolas privadas dedicadas ao ensino formal não gratuito e suas mantenedoras;
organizações sociais (OS);
cooperativas;
fundações públicas;
fundações, sociedades civis ou associações de direito privado, criadas por órgão público
ou por fundações públicas;
organizações creditícias que tenham qualquer tipo de vinculação com o sistema financeiro
nacional a que se refere o art. 192 da Constituição Federal.
Os benefícios proporcionados pela qualificação como Oscip são os seguintes:
possibilidade de receber recursos públicos para o fomento e a execução de atividades
mediante celebração de termo de parceria (art. 9°);
possibilidade de remunerar dirigentes executivos e prestadores de serviços específicos e
de adquirir bens permanentes com recursos do termo de parceria (art. 4°, V, VI);
direito a receber doações de empresas, dedutíveis do imposto de renda (Medida Provisória
(MP) 2.158-35, de 24/8/2001, arts. 59 e 60).
2.2.4.5 Análise comparativa das qualificações de OS e Oscip
Os traços comuns dos modelos normativos das Oscip e das OS são destacados a
seguir, em síntese do jurista Paulo Modesto (2006:11-12):
Primeiro, a idéia comum de uma sobre-qualificação (nova qualificação
jurídica para pessoas jurídicas privadas sem fins lucrativos). Segundo, a
restrição expressa de distribuição de lucros ou resultados, ostensiva ou
disfarçada (através, por exemplo, de pagamento de salários acima do
59
mercado). Terceiro, a identificação das áreas sociais de atuação das entidades
como requisito de qualificação. Quarto, a exigência de existência de um
conselho de fiscalização dos administradores da entidade (Conselho de
Administração nas OS, Conselho Fiscal ou órgão equivalente nas OSCIP).
Quinto, o detalhamento de exigências estatutárias para que a entidade possa
ser qualificada. Sexto, a exigência de publicidade de vários documentos da
entidade e a previsão de realização de auditorias externas independentes.
Sétimo, a criação de instrumento específico destinado a formação de um
vínculo de parceria e cooperação das entidades qualificadas com o Poder
Público (contrato de gestão nas OS e termo de parceria nas OSCIP). Oitavo,
a possibilidade de remuneração dos diretores da entidade que respondam
pela gestão executiva, observado valores praticados no mercado
(remuneração vedada pela legislação de utilidade pública). Nono, a previsão
expressa de um processo de desqualificação e de sanções e responsabilidades
sobre os dirigentes da entidade em caso de fraude ou atuação ilícita.
Já os traços diferenciais, ainda segundo o mesmo jurista, são resumidos a seguir:
1) além da previsão genérica dos “candidatos positivos”, vale dizer, das
entidades que podem ser qualificadas, o que também consta da lei das OS, a
lei traz de forma inovadora a identificação dos “candidatos negativos”, isto
é, a especificação das entidades que não podem ser qualificadas com o título
de Oscip (art. 2º).
2) especificação detalhada dos “candidatos positivos”; por exemplo, nas
áreas de educação e saúde, consta exigência de que as entidades candidatas à
qualificação tenham como objeto social a prestação de serviços
integralmente gratuitos (art. 3º);
3) exigência de observância pela entidade de procedimentos contábeis
exigidos pelas Normas Brasileiras de Contabilidade (art. 4º, VII, a);
4) embora não indique prazo mínimo de existência da entidade, a lei
indiretamente exige isso, pois obriga a apresentação de balanço,
demonstração de resultado e declaração de isenção do Imposto de Renda;
5) expressa proibição de participação das entidades qualificadas em
campanhas de caráter político-partidário ou eleitorais, sob quaisquer meios
ou formas (art. 16);
6) proibição da cumulação do título de Oscip com outros títulos detidos pela
entidade, exceto durante o período de cinco anos posteriores à data de
vigência da lei (até março/2004), findo o qual, a entidade deverá renunciar às
qualificações anteriores se quiser manter a nova. Exceto o Registro no
CNAS e no Cadastro Nacional de Entidades Ambientalistas.
Finalmente, cabe destacar um traço fundamental que distingue as duas categorias
de qualificação, já que em seus fins as duas são semelhantes: enquanto a qualificação de OS
60
representa uma ‘privatização do público’, a de Oscip inclina-se na direção da ‘publicização do
privado’, razão porque a estruturação interna das entidades no modelo das OS é mais
intervencionista do que no modelo das Oscip. (BARRETO, 2005:9).
O quadro a seguir resume as características dos títulos jurídicos atualmente
existentes no País.
Quadro 2.1 Títulos Jurídicos concedidos pelo Poder Público às ONGs
TÍTULO JURÍDICO
ÓRGÃO
CONCEDENTE
LEGISLAÇÃO
BENEFÍCIOS
QUALIFICAÇÕES
Organização Social – OS
Lei n° 9.637/98
Ministério
Supervisor da
Área
Organização da Sociedade
Civil de Interesse Público –
OSCIP
Lei n° 9.790/99,
Ministério da
regulamentada pelo Justiça
Decreto n° 3.100/99
Recursos orçamentários, bens
públicos e cessão de servidores
públicos por meio do Contrato de
Gestão; imunidade, isenção de
tributos e contribuições sociais.
Transferências orçamentárias por
meio de termo de parceria;
doações dedutíveis do IR das PJ
doadoras; imunidade tributária
(art. 150, VI, c, da CF/88);
possibilidade de remunerar
dirigentes executivos com
recursos do termo de parceria.
TÍTULOS
Título de Utilidade Pública
Federal – UPF, Estadual,
Municipal e do Distrito
Federal
Lei n° 91/35,
regulamentada pelo
Dec. n° 50.517/61 e
suas alterações.
Ministério da
Justiça
Pode receber subvenções,
auxílios e contribuições da União;
doações dedutíveis do IR das PJ
doadores; permissão para realizar
sorteios; requisito para requerer o
REBAS e o CEBAS; imunidade
tributária (art. 150, VI, c, da
CF/88).
REGISTROS E CERTIFICADOS
Registro de Entidade
Beneficente de Assistência
Social – Rebas
Certificado de Entidade
Beneficente de Assistência
Social – Cebas
Lei n° 8.742/93,
regulamentada pelo
Decreto n° 2.536/98
e suas alterações.
Conselho
Nacional de
Assistência
Social – CNAS,
do Ministério do
Desenvolvimento
Social.
Isenção da cota patronal do INSS
e das contribuições sociais;
imunidade tributária (art. 150, VI,
c, da CF/88). Requisito para
obtenção do Cebas.
Isenção da cota patronal do INSS
e das contribuições sociais;
imunidade tributária (art. 150, VI,
c, da CF/88); requerer benefícios
do Poder Público Federal dentro
de sua área de atuação.
2.2.5 Cadastros, informações e transparência das ONGs no Brasil
Esta seção tem por objetivo trazer um levantamento dos cadastros e bancos de
dados públicos com informações sobre ONGs existentes atualmente no País, analisando, de
maneira breve, a qualidade, a suficiência e a transparência de suas informações.
61
A carência de fontes de informações oficiais sobre as ONGs tem sido uma das
queixas mais recorrentes e a causa de várias proposições legislativas com vistas à instituição
de cadastros e registros no âmbito do Poder Público. O relatório final da “CPI das ONGs”,
instalada no Senado Federal no início de 2001, enfatizou que “ao pretender investigar o
universo das Organizações Não-Governamentais – ONGs no Brasil, esta CPI deparou-se com
um panorama de incerteza [...] são vagos, incompletos ou indisponíveis os cadastros e
estatísticas sobre essas entidades”.
Neste momento, tramitam na Câmara dos Deputados quatro projetos de lei (PL)
visando à instituição de cadastros e registros obrigatórios das ONGs, um deles oriundo da CPI
antes referida – O PL n° 3877/2004, que dispõe sobre o registro, fiscalização e controle das
Organizações Não-Governamentais, e dá outras providências – ao qual tramitam apensados,
dentre outros, os seguintes projetos:
PL 2312/2003: Dispõe sobre a criação do Cadastro Nacional de Organizações NãoGovernamentais (CNO);
PL 3841/2004: Dispõe sobre as regras para registro de Organizações NãoGovernamentais – ONG’s, estabelece normas para celebração de convênio entre aquelas
e o Poder Público, e dá outras providências;
PL 3982/2004: Dispõe sobre a obrigatoriedade de cadastramento pelo Poder Executivo
de organizações não-governamentais estrangeiras que atuem ou pretendam atuar no
Brasil, e dá outras providências.
Sobre a criação de um Cadastro Nacional de ONGs, a Associação Brasileira de
Organizações Não-Governamentais (Abong) publicou nota10 manifestando preocupação com a
criação de mais um cadastro, ao invés da utilização e sistematização dos já existentes:
A Abong teme que a criação de mais um cadastro poderá, ao invés de atender
ao interesse público (maior conhecimento do universo das ONGs), criar uma
duplicidade de informações e burocracias desnecessárias, em um contexto de
inúmeros cadastros que não se comunicam. O problema não é a falta de
informações prestadas pelas associações e fundações, mas sim a falta de
interesse do poder público em utilizar e sistematizar os dados disponíveis.
(grifo nosso).
De fato, já existem no País vários cadastros e bancos de dados públicos com
informações sobre ONGs. O que lhes falta, além de qualidade e suficiência de informações, é
integração e compartilhamento delas pelos diversos órgãos e entidades interessados.
10
Nota de Esclarecimento – Cadastro Nacional de ONGs, disponível em www.abong.org.br. Acesso: 1/7/2007.
62
As duas principais bases de dados existentes no País pertencem à Receita Federal:
o Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ) e a Declaração de Informações EconômicoFiscais da Pessoa Jurídica (DIPJ). Além dessas, há também cadastros públicos de ONGs no
Ministério da Justiça (MJ) e no Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS/MDS). Estes
últimos, porém, não têm as vantagens daqueles da Receita Federal, principalmente por não
alcançarem o universo das ONGs e não terem caráter compulsório.
Há, ainda, cadastros específicos em outros órgãos, como é o caso do Cadastro
Nacional de Entidades Ambientalistas (CNEA), no Ministério do Meio Ambiente; cadastros
de fundações do Ministério Público (estes espalhados por todo o País); cadastro das ONGs
que atuam com questões relacionadas a DST/Aids, no Ministério da Saúde, dentre outros.
A constituição de qualquer organização da sociedade civil sem fins lucrativos, ou
seja, de qualquer ONG, bem como qualquer alteração estatutária ou eleição de novos
dirigentes, deve ser obrigatoriamente registrada em um Cartório de Registro Civil das Pessoas
Jurídicas (CRCPJ) da sua comarca, inclusive com a qualificação completa dos dirigentes e
representantes legais. Esse constitui o primeiro registro legal de uma ONG, condição
necessária para sua existência jurídica. Antes de iniciar suas atividades, porém, ela é ainda
obrigada a fazer sua inscrição no CNPJ, conforme dispõe a IN-RFB 748, de 28/6/2007:
Art. 10. As entidades domiciliadas no Brasil, inclusive as pessoas jurídicas
por equiparação, estão obrigadas a inscreverem no CNPJ, antes de iniciarem
suas atividades, todos os seus estabelecimentos localizados no Brasil ou no
exterior.
Uma vez que os CRCPJ estão espalhados por todas as cidades do País, o cadastro
mais qualificado é o do CNPJ, que concentra, em uma só base de dados, as informações não
apenas das ONGs, mas também de todas as demais pessoas jurídicas formalmente constituídas
no País, com detalhes da natureza jurídica, do quadro social, do setor e ramo de atividade,
endereços, inclusive das filiais, dentre outras informações, atualizadas a cada alteração social
ou estatutária da entidade.
Outra importante base de informações da Receita Federal é a DIPJ, atualizada
anualmente mediante declaração (compulsória) das receitas e despesas realizadas no exercício
anterior, dos rendimentos pagos aos dirigentes e do balanço patrimonial das entidades.
Essas bases de dados, no entanto, não estão disponíveis para acesso livre da
sociedade ou para compartilhamento de dados com outros órgãos públicos, em razão do sigilo
63
fiscal, situação muito diferente da que existe em outros países, como, por exemplo, nos
Estados Unidos, em que as informações das ONGs são públicas (NARANJO, 2006:51).
Além disso, as tabelas que estruturam as referidas bases, contêm equívocos
conceituais, e até mesmo insuficiência de parâmetros, que impedem a fácil obtenção de
informações, adequadamente classificadas e estratificadas.
As lacunas e equívocos detectados serão demonstrados a seguir, nos comentários
que se seguem as referidas tabelas.
Tabela 2.1 Classificação das EPSFL por Natureza Jurídica – Receita Federal
303-4 Serviço Notarial e Registral (Cartório)
304-2 Organização Social
305-0 Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip)
306-9 Outras Formas de Fundações Mantidas com Recursos Privados
307-7 Serviço Social Autônomo
308-5 Condomínio Edilício
309-3 Unidade Executora (Programa Dinheiro Direto na Escola)
310-7 Comissão de Conciliação Prévia
311-5 Entidade de Mediação e Arbitragem
312-3 Partido Político
313-1 Entidade Sindical
320-4 Estabelecimento, no Brasil, de Fundação ou Associação Estrangeiras
321-2 Fundação ou Associação domiciliada no exterior
399-9 Outras Formas de Associação
Fonte: Receita Federal do Brasil (www.receita.fazenda.gov.br)
Observe-se a confusão presente na tabela acima, onde a natureza jurídica das
entidades (associação, fundação, partido político, organização religiosa), é confundida com
qualificações outorgadas pelo Poder Público (Organização Social e Organização da Sociedade
Civil de Interesse Público) e até com a natureza da atividade da organização, como Comissão
de Conciliação Prévia, Entidade de Mediação e Arbitragem, Serviço Notarial e Registral
(cartório), que, neste último caso, embora seja uma atividade delegada pelo Estado e receba
dele um tratamento privilegiado, é notório que não se trata de uma entidade “sem fins
lucrativos”, pelo menos na acepção que permita considerá-la integrante do conjunto das
organizações não-governamentais ou do terceiro setor, privado, de interesse social ou público.
Atente-se, ainda, no tocante às qualificações de OS e de Oscip, que tanto uma
associação como uma fundação pode obtê-las.
64
Tabela 2.2 Classificação das EPSFL por tipo de benefício fiscal – Receita Federal
Assistência Social
Entidades IMUNES
Educacional
Sindicato de Trabalhadores
Outras
Associação Civil
Cultural
Previdência Complementar – Aberta
Previdência Complementar – Fechada
Entidades ISENTAS
Associação de Poupança e Empréstimo
Filantrópica
Sindicato
Recreativa
Científica
Outras
Fonte: Receita Federal do Brasil (www.receita.fazenda.gov.br)
Essa outra forma da Receita Federal classificar as ONGs é utilizada,
cumulativamente, com a anterior, na coleta das informações econômicas que devem ser
prestadas anualmente por essas entidades, na declaração que tem por fim atender a legislação
do imposto de renda (DIPJ). A tabela busca capturar o tipo de entidade e o tipo de benefício
fiscal a ele associado, todavia, como é possível perceber, também existem conceitos
sobrepostos, tais como assistência social, nas entidades imunes, e entidade filantrópica, nas
entidades isentas; sindicato de trabalhadores, nas entidades imunes, e sindicato, nas entidades
isentas. Ademais, a classificação está longe de contemplar o detalhamento que seria desejável,
no que diz respeito aos segmentos e às atividades fomentados com renúncia fiscal do Estado.
Para que seja possível obter o perfil das entidades que compõem o terceiro setor
no País, bem como informações qualificadas sobre a atuação delas, é imprescindível que essas
classificações sejam revistas e detalhadas em nível suficiente, considerando as várias
abordagens possíveis, além da ótica fiscal e jurídica. A adoção de um bom sistema
classificatório, padronizado e regulamentado para utilização em todos os órgãos públicos, de
todos os níveis de governo, possibilitaria a integração e o compartilhamento das bases de
dados por todos os interessados, reduzindo a burocracia, a sobreposição de exigências e de
cadastros.
Importa consignar, ainda, que um bom sistema de classificação deve permitir
diferenciar as entidades que prestam serviços a toda comunidade, de forma irrestrita e
65
incondicionalmente (de benefício ou interesse público) daquelas que exerçam atividades
apenas voltadas ao seu quadro social (de benefício ou interesse mútuo). Essa diferenciação é
importante para a avaliação de mérito na concessão de benefícios estatais e para os órgãos de
controle verificarem a legitimidade das parcerias onerosas estabelecidas com o Poder Público.
Quanto à insuficiência informativa das bases da Receita Federal, exemplifica-se a
natureza sumária das informações coletadas por meio DIPJ anual, que, além de não estarem
disponibilizadas publicamente, também não permitem qualquer inferência mais qualificada
sobre o perfil das entidades ou de seus projetos e atividades.
Quadro 2.2 Informações prestadas pelas ONGs na DIPJ anual – Receita Federal
01. Contribuições de Associados ou Sindicalizados
02. Receita da Venda de Bens ou da Prestação de Serviços
ORIGEM DE
RECURSOS
03. Rendimentos de Aplicações Financeiras de Renda Fixa
04. Ganhos Líquidos Auferidos no Mercado de Renda Variável
05. Doações e Subvenções
06. Outros Recursos
07. TOTAL
08. Ordenados, Gratific. e Outros Pagamentos, Inclusive Enc. Sociais
09. IR Retido sobre Rendimentos de Aplicações Financeiras de Renda Fixa
10. IR Retido ou Pago s/ Ganhos Líquidos Auf. no Merc. de Renda Variável
APLICAÇÃO DE
RECURSOS
11. Impostos, Taxas e Contribuições
12. Despesas de Manutenção
13. Outras Despesas
14. TOTAL
15. SUPERÁVIT / DÉFICIT
Fonte: Receita Federal do Brasil (www.receita.fazenda.gov.br): PGD - Programa Gerador da DIPJ 2007
Considera-se que esse nível de informações é adequado apenas às entidades
fechadas, de natureza muito restrita e voltadas exclusivamente para o atendimento dos
interesses de seus associados. Para as ONGs cujas fontes de recursos são doações e parcerias
privadas (particulares em geral, empresas ou outras entidades), internacional privada ou
pública, ou, principalmente, renúncias fiscais ou recursos de subvenções, convênios e
parcerias com órgãos ou entidades públicos, esse nível de detalhamento é absolutamente
insuficiente e, mais, tais informações não deveriam ficar confinadas nos arquivos magnéticos
da Receita, mas sim publicadas em página específica na Internet, abertas à inspeção pública.
Ora, se a atividade da ONG é de interesse social ou público, se seus recursos provêm da
sociedade ou são destinados à aplicação no interesse dela, não se justifica o confinamento das
66
informações relativas ao manejo dos recursos obtidos e das ações desenvolvidas sob o
pretexto do sigilo fiscal ou outro qualquer.
Essa falta de transparência e insuficiência de informações acaba por estimular o
uso das ONGs por quadrilhas, favorecendo a ocorrência de situações como a descrita a seguir:
O desvio atingiria, segundo a Secretaria de Segurança [do estado do Paraná],
mais de dois terços de todo o dinheiro arrecadado, podendo chegar a R$ 30
milhões. As duas ONGs possuem mais de cinqüenta filiais em todo o Brasil.
As doações eram pedidas via telemarketing e a coleta realizada por um
motoboy. Do total coletado, apenas 10% era usado para doações de cestas
básicas. Outros 20% serviam para o pagamento de funcionários e despesas
operacionais. O restante era desviado. (MULLER, 2006:1).
Nesse sentido, é exemplar a postura da Receita norte americana (IRS – Internal
Revenue Service), que exige informações pormenorizadas de todas as atividades das ONGs e
da procedência de seus recursos, por meio do formulário denominado Form 990, aberto à
inspeção Pública:
Nos Estados Unidos, ao contrário daqui, há um efetivo controle do Terceiro
Setor realizado pelos órgãos da Receita Federal. Esses órgãos avaliam o
desempenho e a obediência à finalidade dessas entidades, mediante cobrança
de relatórios, por parte das ONGs, neste sentido. O omissão na entrega de
tais relatórios pode acarretar a responsabilização criminal dos dirigentes das
referidas ONGs. Esse tipo de controle inexiste no Brasil. (NUNES,
2006:90).
O Form 990 (disponível na página da web CHARITIES & NON-PROFITS ORGS,
da IRS: <http://www.irs.gov/charities/charitable/article/0,,id=96099,00.html>) traz, ao longo
de oito páginas de coleta de dados, requisição das seguintes informações, dentre outras:
receitas e custos pormenorizados, evidenciando as contribuições livres e as vinculadas a
determinados fundos ou projetos; montante do fomento direto e indireto do Poder Público,
detalhando separadamente as doações, os convênios e os contratos governamentais;
receita de eventos e atividades especiais, inclusive, sorteios públicos, e as contribuições e
doações recebidas do exterior;
despesas operacionais detalhando os benefícios pagos a ou em favor de membros (com
relação dos beneficiados); dispêndios com assistência individualizada (com relação dos
beneficiados); compensações (diretas ou indiretas) a dirigentes e empregados-chaves (com
relação dos beneficiados, seus endereços e tempo semanal dedicado a ONG), além do
detalhamento por elemento de despesa (aluguel, telefone, salários, depreciação etc.);
67
quadros de detalhamento de cada um dos projetos em que os recursos foram aplicadas, os
cinco maiores salários, os cinco principais contratos com fornecedores e informações das
contribuições recebidas do exterior;
número de empregados, de associados ou afiliados; dados relativos a entidades
controladas e associadas e da movimentação de recursos e empregados entre elas.
No que diz respeito ao cadastro do Ministério da Justiça, vale ressaltar que ele está
sendo reformulado no momento, inclusive com a implantação de um novo sistema, em função
da Portaria 23, de 28/12/2006, da Secretaria Nacional de Justiça, que institui o Cadastro
Nacional de Entidades Qualificadas pelo Ministério da Justiça (CNEs/MJ).
Esse cadastro, como assinalado, tem um caráter restrito e facultativo, pois abrange
apenas as entidades de direito privado, sem fins lucrativos, cujo objeto social atenda a fins de
interesse público, que já detêm ou que estão requerendo qualificações públicas federais ou
autorização para funcionamento no Brasil (organizações estrangeiras), especificamente:
I – o título de Utilidade Pública Federal - UPF, outorgado na forma da Lei 91, de 28/8/1935,
regulamentada pelo Decreto 50.517, de 2/4/1961;
II – a qualificação como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, concedida na
forma da Lei 9.790, de 23/3/1999, regulamentada pelo Decreto 3.100, de 30/6/1999;
III – às entidades de direito privado sem fins lucrativos estrangeiras.
As entidades poderão se cadastrar nas seguintes funcionalidades:
1. inscrição para outorga do título de Utilidade Pública Federal;
2. prestação de contas anual das entidades de Utilidade Pública Federal;
3. inscrição para qualificação como Oscip;
4. renovação anual da qualificação como Oscip;
5. prestação de contas anual de entidades sem fins lucrativos estrangeiras.
O CNEs/MJ foi instituído considerando “a oportunidade de criação de um sistema
de processamento eletrônico de dados que permita a divulgação ampla e irrestrita, tanto das
ações desenvolvidas pela sociedade civil organizada, quanto dos recursos públicos utilizados
pelas entidades qualificadas ou tituladas pelo MJ [...].” (Portaria 23, SNJ/MJ, de 28/12/2007),
significa, pois, que não abrangerá, pelo menos em princípio, as demais ONGs, sem qualquer
qualificação ou título jurídico, que celebram convênios e outros instrumentos congêneres para
aplicar recursos do Orçamento Geral da União.
68
No tocante às informações, o CNEs/MJ, quando completamente implementado,
representará um grande salto de qualidade, aproximando-se, em muitos aspectos, do nível
informacional antes descrito em relação às entidades americanas, noutros até superando-o.
O novo cadastro também se destaca pelo padrão adotado para classificação das
entidades, adotando como parâmetro a COPNI – Classificação dos Objetivos das Instituições
sem Fins Lucrativos ao Serviço da Família (Classification of the Purpose of Non-Profit
Institutions Serving Households), integrante da família de classificações reconhecidas pela
Divisão de Estatísticas das Nações Unidas.
A “COPNI Ampliada”, uma adequação definida à realidade brasileira no estudo
FASFIL11, disponível no Manual do CNEs/MJ (<http://www.mj.gov.br/cnes/index.htm>),
suplanta as críticas antes expostas, de necessidade de revisão e detalhamento de um sistema
classificatório. Ganhar-se-ia muito em qualidade de informação, capacidade de consolidação e
de detalhamento se o sistema classificatório adotado pelo CNEs/MJ fosse padronizado para
utilização em todos os órgãos públicos, de todos os níveis de governo.
Consulta no sítio oficial do Ministério da Justiça, realizada no dia 28/6/2007,
revela a existência de 11.899 entidades de Utilidade Pública Federal e 4.090 Organizações da
Sociedade Civil de Interesse Público. Ou seja, em 72 anos foram criadas, em média, 165 UPF
por ano, enquanto em apenas oito anos, surgiram em média 511 Oscip por ano. Outro dado
curioso, agora obtido no Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal
(Siafi), é a imensa vantagem numérica de convênios celebrados com as Oscip em relação aos
termos de parceria, instrumento este criado pela Lei 9.790/99 destinado a regular a formação
do vínculo de cooperação entre elas e o Estado para o fomento e a execução das atividades de
interesse público, já que o convênio, na exposição de motivos da referida lei, era considerado
inadequado para regular essa relação.
O outro importante cadastro existente no País é o do CNAS/MDS. Também neste
caso, há um novo sistema de informática sendo implantado para modernizar o cadastro, que é
integrado apenas pelas entidades registradas ou certificadas como Entidade Beneficente de
Assistência Social naquele Conselho. As entidades registradas neste banco de dados estão
divididas em quatro segmentos, segundo o critério de classificação adotado pelo cadastro:
Assistência Social, Saúde, Educação e Cultura.
11
FASFIL – As Fundações privadas e as Associações Sem Fins Lucrativos no Brasil: 2002, realizado pelo IPEA
e pelo IBGE em parceria com a Abong e o GIFE (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas).
69
Consulta realizada no sítio do CNAS/MDS (<http://www.mds.gov.br/cnas/>), em
28/6/2007, mostra que o Brasil possui 21.996 entidades beneficentes de assistência social,
sendo 11.281 apenas registradas no CNAS, e 10.715, além do registro, também detêm o
Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social. Destaque-se que a coleta dessas
informações somente foi possível graças a uma determinação do TCU para que elas fossem
disponibilizadas na Internet (Acórdão 2.066/2006–Plenário). Além dos dados básicos das
entidades, nenhuma outra informação está ainda disponível para acesso público, o que,
espera-se, possa vir a ocorrer após a completa implementação do novo sistema.
No Siafi, a mais importante fonte de informações da execução orçamentária e
financeira da União, a forma como a destinação de recursos é classificada não permite que se
conheça, objetivamente, quais setores e que tipos de entidades estão sendo beneficiadas.
Coloca-se no mesmo rol recursos destinados a universidades, hospitais, partidos políticos etc.
gerando merecidas críticas de que a conta não deixa claro para onde vai o dinheiro.
Parlamentares e outros agentes públicos pronunciam cifras divergentes quando se referem aos
recursos públicos transferidos às ONGs, tudo em razão da confusa classificação adotada no
Siafi. Que ações, afinal, o governo está financiando e por intermédio de que tipo de entidade
não são questões que possam ser facilmente respondidas mediante consulta simplificada ao
sistema.
Pelo exposto, conclui-se que as mais abrangentes fontes oficiais de informações
cadastrais, econômicas e fiscais a respeito das ONGs – as bases de dados da Receita Federal –
não estão adequadamente estruturadas para informar com a qualidade desejável. Ademais, tais
informações não estão disponíveis ao público em razão do sigilo fiscal. No entanto, toda e
qualquer pessoa jurídica que se constitua no País está obrigada a se cadastrar e prestar
informações à Receita, o que lhe credencia, por excelência, como provedora de informações
para o Cadastro Nacional de ONGs. Tal hipótese deveria ser seriamente considerada no bojo
dos projetos de lei em tramitação. O cadastro da Receita, por ser o mais abrangente e ter
caráter obrigatório, deveria ter suas informações compartilhadas, integrando-se os dados de
interesse comum para evitar a exigência das mesmas informações e documentos por mais de
um órgão público. A alimentação de dados ou sua captação por outros cadastros, como os do
CNEs/MJ e do CNAS/MDS, poderiam ocorrer de forma on-line, cabendo-lhes exigir das
ONGs apenas o que fosse necessário para complementar o atendimento de necessidades
específicas, sem superposição de procedimentos ou exigências burocráticas. Bom para a
Administração, melhor ainda para as entidades.
70
Essa questão, aliás, é objeto de duas metas da ENCCLA 200712, coordenada pelo
Poder Executivo e com participação de cerca de 60 órgãos da administração federal, visando à
elaboração de normas e à implementação de mecanismos para disciplinar o repasse, o controle
e a avaliação de resultados referentes aos recursos públicos destinados ao terceiro setor:
Meta 28: Integrar bancos de dados do MJ, do TCU, da CGU, do MPOG, do
INSS e do CNAS sobre entidades do Terceiro Setor beneficiárias, diretas ou
indiretas, de recursos públicos ao Cadastro Nacional de Entidades CNEs/MJ,
objetivando ampla e irrestrita publicidade, transparência e controle social.
Meta 29: Elaborar projeto de norma estabelecendo a obrigatoriedade de
consulta prévia pelos órgãos da administração pública federal ou entidades
que recebam recursos de transferências voluntárias da União ao Cadastro
Nacional de Entidades CNEs/MJ ao firmar parcerias com o Terceiro Setor.
Com relação à questão do sigilo fiscal, a Lei 5.172/66, em seu art. 198, Código
Tributário Nacional (CTN) estabelece que “sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é
vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação
obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de
terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades”. É necessário
reinterpretar este comando, especificamente quanto ao alcance de expressões como “a
natureza e o estado de seus negócios ou atividades” e “sobre a situação econômica ou
financeira do sujeito passivo”. É claro que ao se referir a “negócios e atividades”, o CTN o
faz em relação às atividades de fins lucrativos, sujeitas à competição do mercado. Não parece
ser razoável colocar sob o manto do sigilo o manejo de recursos públicos, a destinação que
lhes é dada e os resultados obtidos, ainda que tais recursos tenham sido angariados
diretamente da economia popular, de particulares, de empresas ou de outras instituições.
A necessidade de accountability, que segundo Nakagawa (1987:17) “é a
obrigação de prestar contas dos resultados obtidos, em função das responsabilidades que
decorrem de uma delegação de poder”, não deveria ser um tema controverso em relação às
entidades do terceiro setor. Essa delegação de poderes, segundo Olak e Nascimento
(2006:22), “ocorre, via de regra, quando a sociedade contribui com estas entidades através do
pagamento de uma infinidade de impostos ao Estado (subventores destas entidades) ou
mesmo diretamente na forma de doações pecuniárias, doação de bens, serviços prestados
gratuitamente, ou, ainda, quando paga por algum tipo de serviço por elas prestado.”
12 Informações sobre a ENCCLA disponíveis no sítio <http://www.mj.gov.br/drci/>.
71
Ao consignar, em seus estatutos, a missão de desenvolver objetivos sociais ou
públicos, a entidade está assumindo responsabilidades que, em razão de sua natureza, exigem
prestação de contas quanto aos resultados obtidos:
Por desempenhar função de interesse público, espera-se que a organização
do Terceiro Setor cultive a transparência quanto ao seu portfólio de
projetos e, também, quanto aos resultados obtidos e os recursos alocados. O
diagnóstico ex-ante e a avaliação ex-post constituem instrumentos
determinantes para o êxito e o apoio a ser obtido em iniciativas futuras.
Nesse sentido, a preparação de relatórios de avaliação, e a sua
disseminação constituem importantes instrumentos de comunicação com a
sociedade.
Por muitos motivos, as ONGs não cultivam a transparência no Brasil, e essa é
uma questão que, a exemplo da reforma do marco legal do terceiro setor, tende a não avançar
com a velocidade que seria desejável, por duas possíveis razões.
A primeira nos remete à CPI dos Anões do Orçamento, na década de 90, quando
se descobriu que as emendas orçamentárias que alguns parlamentares faziam eram para ONGs
nos seus estados, dirigidas por seus familiares. De lá para cá, pouco se avançou, seja em
relação à escolha das ONGs beneficiadas com recursos orçamentários, seja nas normas
relativas a divulgação de informações e nos mecanismos que favoreçam o controle social das
ações. Infelizmente, como bem lembra Nunes (2006:150), “a política de assistência social no
Brasil ainda não se livrou do ranço assistencialista e do fisiologismo de alguns dos nossos
políticos.” Legisladores eleitos para estabelecer leis, fiscalizar e tentar estabelecer fontes de
financiamento para suprir áreas deficitárias do Estado, confundem o seu papel de parlamentar
com o de prestar serviços sociais a comunidades carentes, visando transformar a ajuda em
voto, levando à “existência de verdadeiros comitês eleitorais travestidos de entidades sociais.”
A segunda é a falta de tradição da sociedade brasileira com o controle social, o
que gera, em certa medida, uma acomodação das entidades, e do próprio Poder Público, no
tocante à adoção de mecanismos de publicação de prestação de contas e de transparência das
ações. Felizmente, segundo aponta Olak e Nascimento (2006:23), a transparência tende a
estabelecer-se como estratégia competitiva em face da necessidade de demonstrar posições
claras e resultados concretos em um contexto onde as organizações passam a competir de
forma mais direta por recursos públicos e privados.
72
2.2.6 Os números do Terceiro Setor e a necessidade de tratamento diferenciado
O objetivo desta seção é demonstrar a dimensão do terceiro setor, em termos de
recursos humanos e financeiros movimentados, tanto no País como no exterior, bem como
demonstrar a necessidade de tratamento diferenciado para as organizações de pequeno porte.
Os números têm por base o levantamento nacional de organizações sociais elaborado pelo
IPEA, o FASFIL, e o trabalho denominado Terceiro setor: retrospectiva histórica, avanços e
desafios, da professora Maria do Carmo Aboudib Varella Serpa (apud NUNES, 2006:56),
assessora pedagógica do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo, publicado em 2004,
segundo o qual:
O Terceiro Setor movimenta hoje aproximadamente US$ 1,33 trilhão
anualmente. Caso fosse um país seria a sexta economia do mundo.
Os EUA têm cerca de 32 mil fundações, dotada de um patrimônio de
aproximadamente 8,3 bilhões de dólares/ano. As contribuições individuais se
estendem além dos 100 bilhões de dólares/ano, respondendo por cerca de 90
por cento dos fundos não-governamentais doados a grupos sem fins
lucrativos operando no país. [...]
No Brasil, o Terceiro Setor representa R$ 10,9 bilhões/ano, sendo R$ 1
bilhão em doações. Dispomos de aproximadamente 300 mil ONGs, ao lado
de fundações, institutos etc., os quais empregam em torno de 1,5 milhão de
pessoas, contando com 42 milhões de voluntários.
Muito possivelmente em função das dificuldades apontadas na seção anterior, o
único levantamento nacional de organizações sociais feito até o momento no Brasil levou dois
anos para ser concluído e, de lá para cá, não foi mais atualizado. O levantamento, denominado
FASFIL, publicado em 2004 com dados referentes a 2002, foi elaborado pelo IPEA com
participação do IBGE, do GIFE e da Abong, utilizando como base o Cadastro Nacional de
Empresas, do IBGE, atualizado anualmente a partir do cadastro do CNPJ, da Receita Federal.
O resultado preliminar do levantamento alcançou 500.157 EPSFL. Subtraído
desse resultado os sindicatos, partidos políticos, entidades do sistema “S”, cartórios, entidades
de mediação e arbitragem, condomínios, etc., chegou-se a um universo de 275.895 entidades,
conforme, sendo 268.039 associações e 7.856 fundações privadas.
Informações não oficiais dão conta de que, após o levantamento, “surgiram em
média mais oito ONGs por dia” (CLEMENTE, 2006:32). Sant’ana (2006:162), citando
recente cadastro do Ministério do Trabalho, no qual ficou constatado que de cada cem
73
entidades cadastradas 33 não eram formalizadas, projetou um número de aproximadamente
370 mil organizações no terceiro setor, entre entidades formalizadas e informais, à época do
levantamento FASFIL.
Quadro 2.3 Número de ONGs oficialmente registradas no Brasil – FASFIL – 2002
ÁREA DE ATUAÇÃO
QUANTIDADE
% TOTAL
Religião
70.446
25,5
Desenvolvimento e defesa de direitos
45.161
16,4
Associações patronais e profissionais
44.581
16,2
Cultura e Recreação
37.539
13,6
Assistência social
32.249
11,7
Educação e Pesquisa
17.493
6,3
Saúde
3.798
1,4
Meio ambiente e proteção animal
1.591
0,6
322
0,1
Outras
22.715
8,2
TOTAL
275.895
100,0
Habitação
Fonte: Cadastro Geral de Empresas / IBGE – 2002. Elaboração IPEA, IBGE, GIFE e Abong - 2004
O estudo também revela que a maioria das entidades é muito jovem e de pequeno
porte. 62% delas, quase dois terços, foram criadas a partir da década de 90. Na década de 80 o
crescimento dessas organizações foi 88% superior ao da década de 70 e o da década de 90 foi
124% superior ao da década de 80. O crescimento das entidades que atuam nas áreas de meio
ambiente e de desenvolvimento de defesa de direitos também chama atenção, foram as que
mais cresceram no período de 1996–2002: 309% e 303%, respectivamente. Outro fato
interessante revelado pelo estudo é que as entidades mais novas concentram-se nas regiões
Norte e Nordeste, onde o movimento é mais recente.
Além desses números, outros resultados do FASFIL revelam o vigor do terceiro
setor, destacando-se o número de empregados assalariados, 1,5 milhão, o que corresponde a
5,5% de toda a força de trabalho formalmente registrada no País e a três vezes mais que os
funcionários públicos federais na ativa naquele ano. Tal número adquire maior visibilidade se
se considerar que as FASFIL representam apenas 5% de todas instituições públicas e privadas
registradas no País, mas empregam 5,5% dos trabalhadores cadastrados.
Sant’ana (2006:163), usando os mesmo dados do IBGE (base do FASFIL),
estimou em torno de R$ 77 bilhões o PIB do terceiro setor, a níveis de 2002 – montante que
representa 2,9% do PIB nacional – distribuído nos seguintes setores:
74
Quadro 2.4 PIB do Terceiro Setor no Brasil – R$ Bilhões – 2002
SETOR
VALOR R$
% TOTAL
Educação e Saúde
47,9
62,0
Associações de Produtores Rurais
18,9
24,5
Assistência Social
6,9
9,0
Defesa de Direitos do Meio Ambiente
3,5
4,5
77,2
100,0
TOTAL
Fonte: 2° Fórum Senado Debate Brasil: Terceiro Setor – Painel 5. (SANT’ANA, 2006:163).
No tocante ao porte das entidades o retrato foi feito a partir do número de
empregados: 77% delas não possuem empregados; 7% contam com mais de 10 empregados e
apenas 1% das entidades tem mais de 100 empregados, empregando 61% da mão de obra. A
maior concentração de empregos está nas entidades que atuam nas áreas de saúde e educação.
O grande número de entidades de pequeno porte, mais de três quartos, aponta no
sentido de que a regulamentação do setor deve levar em conta esse fator, criando mecanismos
para incentivar essas pequenas entidades, simplificando o seu acesso aos benefícios e recursos
públicos, bem como os procedimentos relativos ao seu registro e à sua manutenção nos
cadastros oficiais, à prestação de contas de às informações ao fisco, a exemplo do tratamento
hoje dispensado às micro e pequenas empresas do segundo setor, que dispõem de tratamento
jurídico diferenciado, simplificado e favorecido por meio da Lei Geral das Micro e Pequenas
Empresas (LC 123/2006).
De acordo com a projeção de Sant’ana (2006:162), existiam na informalidade
algo em torno de cem mil ONGs, tendo por base a data do levantamento FASFIL (2002). Isto
representa mais de um quarto do universo dessas entidades no País, reforçando a necessidade
de um tratamento mais favorável e simplificado à inclusão legal das pequenas entidades
nascentes e de acesso aos benefícios e recursos públicos.
75
3 O FINANCIAMENTO PÚBLICO DAS ONG E SUAS FALHAS
3.1 ORIGEM DOS RECURSOS FINANCEIROS E MATERIAIS DAS ONGs
As principais fontes de recurso das ONGs são as contribuições e doações do
segundo setor (empresarial) e de particulares, as subvenções do primeiro setor (governo) e,
desde que atendam a determinados requisitos, também podem ser fomentadas por renúncia
fiscal do Estado. Para Olak e Nascimento (2006:10), as ONGs podem ser classificadas em
dois grandes grupos, de acordo com a origem dos recursos financeiros e materiais que
viabilizam as suas atividades: as que não dependem de subvenções governamentais e as que
dependem fundamentalmente desse auxílio para manter-se em funcionamento.
3.1.1 ONGs que dependem fundamentalmente de subvenções governamentais
Normalmente, dependem de subvenções governamentais as entidades de caráter
beneficente, filantrópico, caritativo, de assistência à saúde e à educação etc., que, para
viabilizar essa forma de financiamento, buscam obter os títulos jurídicos outorgados pelo
Poder Público (Utilidade Pública, Cebas, Rebas, Oscip).
As subvenções podem ser ordinárias (periódicas) ou extraordinárias (esporádicas).
Aquelas normalmente se destinam a subsidiar despesas de custeio (manutenção, salários e
materiais utilizados na atividade social), estas, em geral, destinadas a projetos específicos de
investimentos (construção, ampliação e manutenção dos bens utilizados nas atividades) ou
para realização de eventos e atividades não regulares, sujeitos, via de regra, à prestação de
contas com base em regras estabelecidas pelos órgãos subventores. Os instrumentos jurídicos
que operacionalizam essas subvenções são: convênios, termos de parceria, contratos de
gestão, contratos de repasse e outros ajustes similares, os quais serão vistos mais adiante.
3.1.2 ONGs que não dependem de subvenções governamentais
São aquelas que vivem normalmente da cobrança de mensalidades, anuidades,
taxas de serviços, etc. cobradas dos sócios ou associados (clubes, associações classistas,
entidades sindicais etc.), ou de contribuições e doações da comunidade em geral, ou ainda, de
subvenções de outras entidades privadas nacionais ou organizações internacionais (entidades
religiosas, de defesa e preservação do meio ambiente, movimentos sociais etc.).
76
3.1.3 Classificação das fontes de recursos segundo a origem
A partir das informações fornecidas por Olak e Nascimento (2006:10) e daquelas
requeridas pelo Ministério da Justiça, no “relatório circunstanciado de atividades” que visa a
atender a Lei 911/35, elaborou-se o seguinte quadro de classificação das fontes de recursos
das ONGs:
Quadro 3.1 Classificação das fontes de recursos das ONGs segundo a origem
Transferências orçamentárias: subvenções sociais, auxílios e
Pública
contribuições mediante convênios e parcerias com órgãos e
entidades públicos.
Incentivos fiscais: doação e patrocínio.
Recursos de doações, contribuições e parcerias com empresas
NACIONAL
Privada
e entidades privadas.
Recursos de doações eventuais ou sistemáticas de particulares.
Própria
Recursos decorrentes de mensalidades ou anuidades dos
membros ou associados e da prestação de serviços da entidade.
Pública
Recursos de países estrangeiros e organismos internacionais.
Privada
Recursos de entidades e organizações internacionais privadas.
INTERNACIONAL
Ressalte-se, a propósito, que, em benefício da transparência e da boa qualidade da
informação, o formato de classificação apresentado deveria ser considerado na contabilidade e
nos relatórios a serem publicados pelas organizações ou divulgados pelos órgãos públicos
responsáveis pela coleta de dados dessas organizações, especialmente a Receita Federal.
3.1.4 Inexistência de controle fiscal sobre as receitas das ONGs
Questão sensível, mas que merece reflexão, é o fato de as receitas, isto é, as
contribuições, doações e subvenções recebidas pelas ONGs não terem nenhuma espécie de
controle fiscal. Aqueles que sustentam as ONGs não têm qualquer garantia de que sua
colaboração irá realmente integrar o caixa da entidade, que será efetivamente computada na
sua contabilidade ou que terá o fim desejado pelo contribuinte.
As receitas das entidades privadas sem fins lucrativos, por não serem, a princípio,
passíveis de tributação, estão fora do controle administrativo-fiscal que é peculiar às
atividades econômicas tributáveis. Não obstante, esse importante controle deveria ser
77
executado pelo Estado, ainda que com certo custo e relutância, de modo a conferir maior
credibilidade às operações do terceiro setor e favorecer sua expansão.
Ainda que se exija rigor e detalhamento na aplicação de recursos pelas ONGs, a
efetividade dessa exigência será pálida se não houver uma sistemática que garanta a
integridade do registro da entrada dos recursos no caixa e na contabilidade das entidades. O
simples recibo de doações, hoje existente, não é suficiente para garantir ao cidadão que a sua
contribuição irá, de fato, integrar a receita da ONG e, com isso, ser aplicada em seus fins.
Recorde-se, a propósito, o caso da quadrilha, já mencionado neste trabalho, que desviou cerca
de R$ 30 milhões em arrecadações conseguidas por meio de duas ONGs de apoio a pessoas
com câncer. 70% por cento dos recursos arrecadados estavam sendo desviados para os
administradores.
Ademais, não é o fato de serem legalmente isentas ou constitucionalmente imunes
que deve servir de pretexto para a parca fiscalização fiscal sobre as atividades de captação de
recursos pelas ONGs, como bem observa Nunes (2006:92-93):
A prerrogativa dada às autoridades fiscais de fiscalizar o cumprimento dos
requisitos para a manutenção da imunidade deve ser exercida com mais
vigor, vez que a renúncia fiscal sofrida pelo Estado em favor de tais
entidades justifica uma ação coordenada nesse sentido. [...] uma auditoria
fiscal efetiva do estabelecimento [é] justificável em face da realização de
atividade tributável, porém isenta. Se o governo fiscaliza quem paga os
tributos para verificar se poderia estar contribuindo um pouco mais, por que
não fiscaliza quem se ampara em diversos requisitos legais para não
contribuir com nada?
Falhas do sistema normativo vigente, que não regulamenta nem obriga a adoção
de instrumentos efetivos para garantir a lisura e a integridade das operações no terceiro setor,
além de favorecerem a atuação de quadrilhas e de outros agentes, inclusive públicos, mediante
o uso criminoso de ONGs, terminam por desacreditar o setor como um todo, enfraquecendo-o
a credibilidade e prejudicando a atuação das entidades honestas. Taciana Gouveia (2006:2),
diretora executiva da Abong, deixa claro essas conseqüências ao declarar que “depois das
denúncias sobre o desvio de dinheiro de uma entidade ligada à luta contra o câncer, as
doações para outras organizações com o mesmo trabalho caíram.”
Instrumentos de controle que favoreçam a transparência e a atuação ética das
entidades contribuirão para a manutenção da boa imagem desse importante setor, propiciando
sua expansão em benefício da sociedade e não de quadrilhas mal intencionadas, agentes
78
públicos inescrupulosos, sonegadores e até traficantes, que se escondem sob a fachada de uma
ONG para praticar ilícitos de toda sorte. É necessário que se adotem medidas para extirpar da
sociedade as entidades que se auto-intitulam ONG, mas que não passam de falsas ONGs ou
“ONGs laranjas”, criadas para viabilizar a prática de atos ilícitos. Coibir os atos que
alimentam a suspeita generalizada que paira sobre as ONGs de servirem para promover o
enriquecimento ilícito de seus dirigentes, fazer caixa dois de campanhas eleitorais e até
lavagem de dinheiro, é uma responsabilidade irrenunciável do Estado.
A adoção de um documento fiscal obrigatório e sua ampla divulgação, para que só
se efetuem contribuições e doações mediante seu fornecimento, são medidas imprescindíveis
no contexto mencionado. Mas isto só não basta, pois, como fartamente comprovado na
experiência cotidiana, é imensa a quantidade de fraudes nos documentos emitidos pelas
empresas já obrigadas a fornecê-los. É necessário também considerar a possibilidade de se
utilizar um sistema, a exemplo do que está sendo atualmente implantado no âmbito da
administração fazendária, o SPED NF-e (Sistema Público de Escrituração Digital – Nota
Fiscal Eletrônica), para garantir a emissão eletrônica e a autenticidade digital do documento
emitido, bem como seu armazenamento na Receita Federal até, pelo menos, a confrontação do
montante emitido por entidade com a receita declarada anualmente na DIPJ.
Tais medidas, em conjunto com a adoção do sistema classificatório de fontes de
recursos apresentado no item precedente, e das demais proposições discutidas na seção 2.2.5
deste trabalho (cadastros, informações e transparência das ONGs no Brasil), constituiriam
importantes colaborações do Fisco, e de outros órgãos públicos envolvidos com a questão,
para favorecer tanto o controle estatal quanto o controle social das ONGs Afinal, “ao lado da
eficiência do controle a ser realizado pelos órgãos públicos, o melhor modelo de fiscalização
das ONGs deve ser aquele levado a efeito pela própria sociedade, pelos cidadãos, de modo
individual ou coletivo.” (OLIVEIRA, 2006:2).
3.2 O FINANCIAMENTO PÚBLICO DAS ONGs
A questão do direito ao acesso a recursos públicos para financiar as atividades das
ONGs tem sido objeto de reivindicação por parte das entidades e, de certa forma, reconhecida
pelo governo federal ao admitir como relevante o desenvolvimento de parcerias e ao destinarlhes anualmente um volume significativo de recursos.
A esse respeito Durão (1999:4) afirma:
79
Não tenho a menor dúvida de que as ONGs e outras entidades sem fins
lucrativos, cuja finalidade é e deve ser pública, devem ter acesso a fundos
públicos como ocorrem em todos os países em que o capitalismo se tornou
mais civilizado [...]. A Abong desde o governo Collor tomou uma posição
clara nesse sentido, tendo participado do debate sobre os fundos da
assistência social, com uma posição clara de exigir o acesso aos mesmos por
parte das organizações da sociedade civil, desde que assegurada, de maneira
geral, as condições de publicidade e transparência para o acesso aos mesmos.
Segundo Mendes (1999:6-7) o Ministério da Administração Federal e Reforma do
Estado (MARE), ao apresentar as organizações sociais como parte da estratégia central do
Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, identificou a importância dessas parcerias
na própria definição do escopo do projeto:
A crescente absorção de atividades sociais pelo denominado Terceiro Setor
(de serviços não-lucrativos) tem sido uma marca recorrente em processos de
reforma do Estado nas democracias contemporâneas. Trata-se de um
movimento que é portador de um novo modelo de administração pública,
baseado no estabelecimento de alianças estratégicas entre Estado e
sociedade, quer para atenuar disfunções operacionais daquele, quer para
maximizar os resultados da ação social em geral. [...] chamaremos a esse
processo de publicização. Por meio de um programa de publicização,
transfere-se para o setor público não-estatal, o denominado Terceiro Setor, a
produção dos serviços competitivos ou não-exclusivos do Estado,
estabelecendo-se um sistema de parceria entre Estado e sociedade para seu
financiamento e controle.
O financiamento público das ONGs ocorre de duas maneiras: diretamente, por
intermédio de transferências do orçamento; e indiretamente, por meio de incentivos fiscais e
renúncias tributárias, cujos recursos nem sequer transitam pelo orçamento. Nesta segunda
modalidade, apesar de os recursos serem repassados diretamente pelos contribuintes (que
abatem da base de cálculo ou do tributo que iriam pagar) ou consistirem em isenções, são
considerados de natureza pública, pois, que oriundos de renúncia fiscal do Estado.
Como o foco do presente trabalho é sobre as transferências orçamentárias para as
ONGs, esta seção elucidará, em primeiro lugar, a relevância desses valores no OGU, mediante
análise dos recursos transferidos nos últimos seis anos; explicitará as disposições legais que
disciplinam as transferências, com base na legislação orçamentária em vigor; descreverá os
instrumentos jurídicos utilizados para operacionalizá-las e os aspectos relativos à fiscalização
da aplicação dos recursos transferidos pelos órgãos repassadores, pela sociedade e pelos
órgãos de controle interno e externo estatal.
80
3.2.1 Volume de recursos orçamentários federais transferidos às ONGs
A destinação de recursos do OGU para as ONGs tem se tornado cada vez mais
relevante. Considerados apenas os convênios, contratos de repasse e termos de parceria
firmados com o Poder Público Federal para a transferência direta de recursos orçamentários,
isto é, sem computar o financiamento indireto proporcionado pela renúncia fiscal do Estado, o
terceiro setor movimentou, nos últimos anos, os seguintes montantes de recursos (Fonte:
Siafi/ONG Contas Abertas: <www.contasabertas.com.br>, em valores correntes):
2001 a Setembro/2006: R$ 10,3 bilhões;
2003 a Setembro/2006: R$ 6,9 bilhões;
Ministério da Saúde e da Ciência e Tecnologia, de 2003 a Setembro/2006: R$
2,98 bilhões;
Ministério do Trabalho: 59% das verbas destinadas ao Programa Primeiro
Emprego, entre 2004 e 2006.
Para se ter uma idéia da magnitude desses valores, frise-se que o valor transferido
de 2003 à Setembro de 2006 é três vezes superior ao que o governo colocou no orçamento
para recuperação e manutenção de rodovias em 2006 e cinco vezes mais do que pretende
investir em segurança pública, no mesmo ano.
Quanto ao crescimento do número de entidades beneficiadas, saliente-se que em
2003 a União transferiu recursos a 3.247 entidades, em 2005 esse número subiu para 4.508.
Um acréscimo de 1.261 entidades, isto é, um crescimento de mais de um terço, no período.
Em moeda de dezembro de 2006, segundo o Relatório sobre as Contas do
Governo da República elaborado pelo TCU, os valores repassados pela União às entidades do
terceiro setor, no período de 2001 a 2006, alcançaram a cifra de 12,5 bilhões de reais13,
representando 16% do total das transferências voluntárias, quando colocado lado a lado com
os recursos repassados a esse título a estados e municípios.
A média anual dos repasses ao setor ultrapassa dois bilhões de reais, conforme
demonstram o quadro e o gráfico a seguir, valores suficientemente relevantes para justificar o
aperfeiçoamento e a forma de controle sobre essas entidades, seja no tocante aos critérios de
repasse das verbas, seja sobre a qualidade dos serviços prestados.
13
Desconsiderados R$ 3,65 bilhões repassados no âmbito do SUS.
81
Quadro 3.2 Transferências Voluntárias da União – 2001 a 2006*
(R$ milhões de dez/2006**)
BENEFICIÁRIO
TOTAL
MÉDIA
%
Estados e DF
30.648
5.108
39,4
Municípios
34.652
5.775
44,6
ONGs
12.480
2.080
16,0
Total
77.780
12.963
100%
Fonte: TCU: Relatório sobre as Contas do Governo da
República – Exercício 2006.
Siafi / *Empenhos Liquidados / ** IPCA médio
Gráfico 3.1 Transferências Voluntárias da União – 2001 a 2006*
(R$ milhões de dez/2006**)
9.000
8.000
EST ADOS E DF
7.000
MUNICÍPIOS
6.000
INST IT UIÇÕES PRIVADAS
5.000
4.000
3.000
2.000
1.000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
Fonte: TCU: Relatório sobre as Contas do Governo da República 2006
Siafi / *Empenhos Liquidados / ** IPCA médio
3.2.2 Normas orçamentárias sobre a transferência de recursos públicos às ONGs
A transferência de recursos para as ONGs ocorre sob duas rubricas orçamentárias:
as transferências correntes e as transferências de capital que, conforme art. 12 da Lei
4.320, de 1964, representam a realização de dispêndio público ao qual não corresponde
contraprestação direta em bens ou serviços para o ente transferidor. As primeiras destinadas a
financiar despesas de custeio (ou de manutenção), as segundas destinadas à realização de
investimentos ou inversões financeiras, isto é, ativo fixo, das entidades beneficiadas.
As transferências correntes, segundo a mesma lei, podem compreender dotações a
título de contribuições e subvenções, sendo que esta última subdivide-se em subvenções
sociais e subvenções econômicas. As transferências de capital, por seu turno, podem
compreender dotações a título de auxílios e contribuições.
82
Observa-se que as contribuições tanto podem integrar as transferências correntes
como as de capital, conforme se destinem a despesas de custeio ou a ativo fixo. Além disso, a
Lei 4.320/64 (art. 12, § 6°) atribui-lhes um requisito especial: diferentemente das subvenções
e dos auxílios, que derivam da própria Lei do Orçamento (LOA), as contribuições necessitam
de lei específica anterior para que possam integrar o orçamento.
Assim, pode-se resumir que as transferências de recursos do orçamento público
para as ONGs podem abranger quatro naturezas: se destinadas ao atendimento de despesas de
manutenção (ou custeio) terão natureza de (1) subvenções sociais ou (2) contribuições, e serão
classificadas como transferências correntes; se destinadas a despesas de capital terão natureza
de (3) auxílio ou (4) contribuições. Nos casos (1) e (3) as transferências derivam diretamente
da LOA, são meras autorizações orçamentárias; nos casos (2) e (4) é necessário lei especial.
A Lei 4.320 traça ainda orientações básicas para a efetivação de transferências a
entidades privadas, a título de subvenções sociais, conforme apontado a seguir:
visará a prestação de serviços essenciais de assistência social, médica e educacional (art.
16, caput) ou de caráter cultural (art. 12, §3°, I);
deverá ter sempre caráter suplementar à ação da iniciativa privada e desde que a aplicação
de recursos públicos se mostre, por esse meio (suplementação), mais econômica (art. 16,
caput);
será calculada, sempre que possível, com base em unidades de serviços efetivamente
prestados ou postos à disposição dos interessados, obedecidos aos padrões mínimos de
eficiência previamente fixados (art. 16, parágrafo único); e,
somente serão concedidas subvenções à instituição cujas condições de funcionamento
forem julgadas satisfatórias pelos órgãos oficiais de fiscalização (art. 17).
Antes de abordar as normas relativas às transferências de recursos da União para o
setor privado, comporta lembrar que não existe uma norma legal específica para disciplinar o
assunto. Com esse intento, o Congresso Nacional inseriu o seguinte artigo, na LDO de 2004:
Art. 35. O Poder Executivo apresentará projeto de lei disciplinando a
destinação de recursos da União para o setor privado, inclusive Organizações
da Sociedade Civil de Interesse Público, a título de subvenções, auxílios,
contribuições correntes e de capital, e outras denominações, considerando o
disposto no art. 26 da Lei Complementar n° 101, de 4 de maio de 2000, no
prazo de 270 (duzentos e setenta) dias após a publicação desta lei.
83
Apesar do dispositivo não ter sido vetado, não há notícia, até o momento, de que o
Poder Executivo tenha cumprido a determinação legal. Assim, os limites básicos para essas
transferências, além dos fixados pelas normas contidas na Lei 4.320, de 1964, vêm sendo
estabelecidos, na ordem jurídico-constitucional posterior a 1988, pelas leis de diretrizes
orçamentárias, reproduzindo a cada ano, com pequenas variações, as disposições das LDO
anteriores. A tal propósito, é oportuno mencionar a Nota Técnica n° 67, de 12/7/2006, da
Consultoria de Orçamento do Senado Federal (RIBEIRO e ROSA: 2006:7), que, versando
sobre as “Normas de transferência de recursos públicos para ONGs e OSCIPs”, afirma:
Conforme previsão do art. 26 da LRF, as condições para transferência de
recursos da União para o setor privado, além das exigências constantes da
Lei no 4.320, de 1964, vêm sendo reiteradamente reproduzidas nas
sucessivas LDO’s, cuja eficácia se estende por um período anual, qual seja, o
de vigência de cada LDO. Tais regras, entretanto, não se têm mostrado
suficientemente claras para abranger as diferentes situações permissivas e
impeditivas.
Além do mais, [...] o Congresso Nacional vem conferindo ao Poder
Executivo a faculdade para publicar as “normas a serem observadas na
concessão de subvenções sociais, auxílios e contribuições correntes, que
definam, dentre outros aspectos, critérios objetivos de habilitação e seleção
das entidades beneficiadas e de alocação de recursos e prazo do benefício,
prevendo-se, ainda, cláusula de reversão no caso de desvio de finalidade”. A
omissão daquele Poder no atendimento a essa necessidade torna anárquico o
processo dessas transferências.
Forçoso é lembrar que as LDO’s vêm sendo desvirtuadas de suas finalidades,
na medida em que passaram a ser o estuário de normas permanentes sobre
administração orçamentária e financeira, suprindo as lacunas da anacrônica
Lei no 4.320, de 1964, naquilo em que não se adéqua às diretrizes traçadas
pela Constituição de 1988. Isso decorre da não aprovação pelo Congresso
Nacional da lei complementar prevista no § 9o do art. 165 da Lei Maior,
cujos projetos, em versões semelhantes, tramitam, há mais de uma década,
em cada uma das Casas.
A seguir, serão examinadas as disposições da LDO que orientará a elaboração do
orçamento de 2008, Lei 11.514/2007, ressaltando-se, inicialmente, uma importante inovação
trazida no art. 39 da referida lei, que é o condicionamento da liberação de recursos ao
compromisso de a entidade beneficiada disponibilizar na Internet, ou em sua sede, consulta
aos dados básicos das transferências recebidas. Tal determinação, se efetivamente cumprida,
muito contribuirá para a transparência das ações e, conseqüentemente, para o controle social
dos recursos públicos transferidos às ONGs.
84
Art. 39. Sem prejuízo das disposições contidas nos arts. 35, 36, 37 e 38 desta
Lei, a destinação de recursos a entidades privadas sem fins lucrativos
dependerá ainda de: [...]
VI - compromisso da entidade beneficiada de disponibilizar ao cidadão, por
meio da Internet ou, na sua falta, em sua sede, consulta ao extrato do
convênio ou outro instrumento utilizado, contendo, pelo menos, o objeto, a
finalidade e o detalhamento da aplicação dos recursos;
Ressalta-se que disposição no mesmo sentido, reproduzida a seguir, integrou
proposta de relatório de auditoria (TC 015.568/2005-1) submetido ao Plenário do TCU, no
final de 2006. O Ministro-relator, no entanto, dissentiu da proposta por considerar que as
entidades privadas de menor porte, localizadas nas regiões mais carentes do País, teriam
dificuldades em cumpri-la:
6.4 Determinar à Secretaria do Tesouro Nacional, com fulcro no art. 70,
parágrafo único, da CF/88, que, no prazo de 90 (noventa) dias, discipline a
obrigatoriedade:
6.4.1 das entidades recebedoras dos recursos divulgarem em seus sítios na
Internet e em locais visíveis de suas sedes sociais e dos estabelecimentos em
que exerçam suas ações, todos os convênios e instrumentos similares
celebrados com a Administração Federal, indicando os valores recebidos e os
propósitos a que se destinam, com detalhamento dos objetivos e metas a
serem alcançados;
A seguir serão comentadas e transcritas as disposições do LDO/2008, mais
relevantes ao escopo deste trabalho, dispostas na Seção III, artigos 35 a 42, que trata das
transferências para o setor privado:
Art. 35. É vedada a destinação de recursos a título de subvenções sociais
para entidades privadas, ressalvadas aquelas sem fins lucrativos, que
exerçam atividades de natureza continuada nas áreas de cultura, assistência
social, saúde e educação, observado o disposto no art. 16 da Lei no 4.320, de
1964, e que preencham uma das seguintes condições:
I - sejam de atendimento direto ao público, de forma gratuita, e estejam
registradas no Conselho Nacional de Assistência Social - CNAS;
II - sejam vinculadas a organismos internacionais de natureza filantrópica ou
assistencial;
III - atendam ao disposto no art. 204 da Constituição, no art. 61 do ADCT,
bem como na Lei no 8.742, de 7 de dezembro de 1993; ou
85
IV - sejam qualificadas como Organização da Sociedade Civil de Interesse
Público - OSCIP, com termo de parceria firmado com o Poder Público
Federal, de acordo com a Lei no 9.790, de 23 de março de 1999.
Assim como a Lei 4.320/64, também a LDO/2008 somente admite a concessão de
subvenções sociais para entidades privadas sem fins lucrativos nas áreas de assistência social,
saúde, educação e cultura. As Consultorias de Orçamento, Fiscalização e Controle da Câmara
dos Deputados e do Senado Federal, no entanto, têm reiteradamente enfatizado, em notas
técnicas conjuntas que subsidiam a apreciação das LDO, que a Lei 4.320/64 não permite
atender a área da cultura. Posicionamento este conflitante com art. 12, §3°, I, dessa mesma lei.
O dispositivo (art. 35) também estabelece, em seus incisos I a IV, os critérios para
elegibilidade das entidades que poderão habilitar-se ao recebimento das subvenções.
Art. 36. É vedada a destinação de recursos a entidade privada a título de
contribuição corrente, ressalvada a autorizada em lei específica ou destinada
à entidade sem fins lucrativos selecionada para execução, em parceria com a
administração pública federal, de programas e ações que contribuam
diretamente para o alcance de diretrizes, objetivos e metas previstas no plano
plurianual.
Parágrafo único. A transferência de recursos a título de contribuição corrente
não autorizada em lei específica dependerá de publicação, para cada entidade
beneficiada, de ato de autorização da unidade orçamentária transferidora, o
qual será acompanhado de demonstração do atendimento ao disposto no
caput deste artigo, no inciso I do art. 40 desta Lei e, também, de que a
entidade selecionada é a que melhor atende aos critérios estabelecidos para a
escolha.
A LDO reforça a necessidade de lei específica para concessão de contribuições
correntes, exceto se elas forem concedidas no âmbito de programas e ações integrantes da lei
do PPA, executados em regime de parceria com a administração pública federal. Nesse caso,
porém, há que ficar consignado no processo de concessão a inequívoca demonstração de que a
entidade selecionada é a melhor escolha, tendo por base critérios objetivos de habilitação e
seleção previamente estabelecidos.
Art. 37. É vedada a destinação de recursos a título de auxílios, previstos no
art. 12, § 6o, da Lei no 4.320, de 1964, para entidades privadas, ressalvadas
as sem fins lucrativos e desde que sejam:
I - de atendimento direto e gratuito ao público e voltadas para a educação
especial, ou representativas da comunidade escolar das escolas públicas
estaduais e municipais da educação básica ou, ainda, unidades mantidas pela
Campanha Nacional de Escolas da Comunidade - CNEC;
86
II - cadastradas junto ao Ministério do Meio Ambiente para recebimento de
recursos oriundos de programas ambientais, doados por organismos
internacionais ou agências governamentais estrangeiras;
III - voltadas para as ações de saúde e de atendimento direto e gratuito ao
público, inclusive assistência a portadores de DST/AIDS, prestadas pelas
Santas Casas de Misericórdia e por outras entidades sem fins lucrativos, e
que estejam registradas no Conselho Nacional de Assistência Social CNAS;
IV - signatárias de contrato de gestão com a Administração Pública Federal,
não qualificadas como organizações sociais nos termos da Lei no 9.637, de
15 de maio de 1998;
V - consórcios públicos legalmente instituídos;
VI - qualificadas como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público
- OSCIP, com termo de parceria firmado com o Poder Público Federal, de
acordo com a Lei no 9.790, de 1999, e que participem da execução de
programas constantes do plano plurianual, devendo a destinação de recursos
guardar conformidade com os objetivos sociais da entidade;
VII - qualificadas ou registradas e credenciadas como instituições de apoio
ao desenvolvimento da pesquisa científica e tecnológica com contrato de
gestão firmado com órgãos públicos; ou
VIII - qualificadas para o desenvolvimento de atividades esportivas que
contribuam para a capacitação de atletas de alto rendimento nas modalidades
olímpicas e paraolímpicas, desde que formalizado instrumento jurídico
adequado que garanta a disponibilização do espaço esportivo implantado
para o desenvolvimento de programas governamentais, e demonstrada, pelo
órgão concedente, a necessidade de tal destinação e sua imprescindibilidade,
oportunidade e importância para o setor público.
Assim como no caso das subvenções sociais, a LDO só permite a concessão de
auxílios para entidades privadas sem fins lucrativos. Tal como em relação às subvenções, são
estabelecidos nos incisos do art. 37 os critérios de elegibilidade das entidades que poderão
habilitar-se ao benefício.
Art. 38. A alocação de recursos para entidades privadas sem fins lucrativos, a
título de contribuições de capital, fica condicionada à autorização em lei
especial anterior de que trata o art. 12, § 6º, da Lei no 4.320, de 1964.
Aqui a LDO simplesmente repete a regra básica já contida no art. 16, § 6°, da Lei
4.320/64, ou seja, reafirma a necessidade de lei especial anterior para a concessão de
contribuições de capital, acrescentando que elas só poderão beneficiar entidades privadas sem
fins lucrativos. Não trata de critérios de elegibilidade das entidades porque, obviamente, eles
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deverão ser veiculados na lei especial que autorizar a contribuição. Todavia, no inciso II,
alíneas a, b, c, e d, do artigo seguinte, a norma trata das situações exclusivas em que tais
recursos (de capital), excetuados os auxílios, poderão ser aplicados.
Art. 39. Sem prejuízo das disposições contidas nos arts. 36, 37, 38 e 39 desta
Lei, a destinação de recursos a entidades privadas sem fins lucrativos
dependerá ainda de:
I - publicação, pelo Poder respectivo, de normas a serem observadas na
concessão de subvenções sociais, auxílios e contribuições correntes, que
definam, entre outros aspectos, critérios objetivos de habilitação e seleção
das entidades beneficiárias e de alocação de recursos e prazo do benefício,
prevendo-se, ainda, cláusula de reversão no caso de desvio de finalidade;
II - aplicação de recursos de capital, ressalvadas as situações previstas no
inciso IV do art. 38 desta Lei, exclusivamente para:
a) aquisição e instalação de equipamentos, bem como obras de adequação
física necessárias à instalação dos referidos equipamentos;
b) aquisição de material permanente;
c) reformas e conclusão de obra em andamento, cujo início tenha ocorrido
com recursos dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social, vedada a
destinação de recursos para ampliação do projeto original; ou
d) ampliação e conclusão de obras na assistência social às crianças,
adolescentes, idosos e pessoas com deficiência.
III - identificação do beneficiário e do valor transferido no respectivo
convênio ou instrumento congênere;
IV - declaração de funcionamento regular, inclusive com inscrição no CNPJ,
da entidade beneficiária nos últimos 3 (três) anos, emitida no exercício de
2008 por 3 (três) autoridades locais, e comprovante de regularidade do
mandato de sua diretoria;
V - execução na modalidade de aplicação 50 – Transferências a Instituições
Privadas sem Fins Lucrativos;
VI - compromisso da entidade beneficiada de disponibilizar ao cidadão, por
meio da Internet ou, na sua falta, em sua sede, consulta ao extrato do
convênio ou outro instrumento utilizado, contendo, pelo menos, o objeto, a
finalidade e o detalhamento da aplicação dos recursos; e
VII – apresentação da prestação de contas de recursos anteriormente
recebidos, nos prazos e condições fixados na legislação.
88
§ 1o Excepcionalmente, a declaração de funcionamento de que trata o inciso
IV deste artigo, quando se tratar das ações voltadas à educação e à
assistência social, poderá ser em relação ao exercício anterior.
§ 2o A determinação contida no inciso II deste artigo não se aplica aos
recursos alocados para programas habitacionais, conforme previsão em
legislação específica, em ações voltadas a viabilizar o acesso à moradia, bem
como elevar padrões de habitabilidade e de qualidade de vida de famílias de
baixa renda que vivem em localidades urbanas e rurais.
§ 3o Não se aplica a exigência constante do inciso V deste artigo quando a
transferência dos recursos ocorrer por intermédio de fundos estaduais e
municipais, nos termos da legislação pertinente.
§ 4o A alocação de recursos para despesas de que trata este artigo, por meio
de emendas parlamentares, dependerá ainda da observância de normas
regimentais do Congresso Nacional sobre a matéria, em especial quanto à
explicitação, na justificação da emenda, do nome da entidade que atenda às
disposições do inciso I, o número do CNPJ, o endereço, o registro no CNAS,
quando couber, e o nome e o CPF dos seus dirigentes ou responsáveis.
§ 5o É vedada a destinação de recursos a entidades privadas em que membros
do Poder Legislativo da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, ou
respectivos cônjuges ou companheiros, sejam proprietários, controladores ou
diretores.
§ 6o O Poder Executivo disponibilizará na Internet banco de dados de acesso
público para fins de consulta aos recursos do Orçamento da União
destinados às entidades privadas, contendo, no mínimo, órgão concedente,
unidade de federação, nome da entidade, número de inscrição no CNPJ,
objeto, valores e datas da liberação.
Art. 40. Será exigida contrapartida para as transferências previstas na forma
dos arts. 36, 37, 38 e 39, de acordo com os percentuais previstos no art. 44
desta Lei, considerando-se para esse fim aqueles relativos aos Municípios
onde as ações forem executadas.
§ 1o A exigência de contrapartida de que trata o caput poderá ser reduzida
mediante justificativa do titular do órgão responsável pela execução dos
respectivos programas, que deverá constar do respectivo processo de
concessão da transferência.
§ 2o A exigência de contrapartida não se aplica às entidades de assistência
social e saúde registradas no Conselho Nacional da Assistência Social CNAS.
§ 3o O ato a que se refere o § 1o deste artigo levará em consideração
diretrizes do órgão colegiado ou conselho ao qual a política pública esteja
relacionada.
89
Art. 41. É vedada a destinação de recursos dos Orçamentos Fiscal e da
Seguridade Social, inclusive de receitas próprias de órgãos e entidades da
Administração Pública Federal, para entidade de previdência complementar
ou congênere, quando em desconformidade com o disposto na Lei
Complementar no 108, de 29 de maio de 2001, e na Lei Complementar no
109, de 29 de maio de 2001.
Art. 42. Nenhuma liberação de recursos, a serem transferidos nos termos
desta Seção, poderá ser efetuada sem o prévio registro no subsistema
Cadastro de Convênios do SIAFI.
Os artigos 39 a 42 complementam os requisitos legais exigidos para destinação e
execução de transferências orçamentárias ao setor privado no OGU, merecendo destaque as
seguintes disposições:
obrigatoriedade de publicação, pelo respectivo Poder, das normas que deverão ser
observadas na concessão, com definição, dentre outros aspectos, de critérios objetivos de
habilitação e seleção das entidades, alocação de recursos e prazo do benefício (art. 39, I);
exigência de funcionamento regular da entidade beneficiária nos últimos três anos,
atestada por três autoridades locais e corroborada por inscrição no CNPJ (art. 39, IV);
quando o recurso for alocado no orçamento por meio de emenda parlamentar, esta deverá
nominar a entidade beneficiária, indicar o endereço, o número do CNPJ e do registro no
CNAS, quando couber, e o nome e CPF de seus dirigentes ou responsáveis (art. 39, § 4°);
vedação da destinação de recursos para entidades nas quais membros do Poder Legislativo
de qualquer esfera de governo, respectivos cônjuges ou companheiros sejam proprietários
controladores ou diretores (art. 39, § 5°);
disponibilização, na Internet, de bancos de dados de acesso público contendo, no mínimo,
órgão concedente, unidade da federação, nome da entidade, CNPJ, objeto valores e datas
de liberação (art. 39, § 6°);
exigência de contrapartida em percentuais idênticos aos fixados para os municípios onde
as ações serão executadas, que somente poderá ser reduzida mediante justificativa do
titular do órgão responsável pela execução do programa e considerando as diretrizes do
órgão colegiado ou conselho ao qual a política pública esteja relacionada. Tal justificativa
deverá integrar o processo de concessão da transferência (art. 40, § 1° e 3°);
Apesar de constituir um marco na tentativa de moralizar as transferências de
recursos públicos às entidades privadas, a vedação do art. 39, § 5°, ainda carece de reparos.
90
Como já visto, tais entidades revestem-se por um dos quatro formatos jurídicos previstos no
Código Civil, quais sejam, associações, fundações, organizações religiosas e partidos
políticos. Nessas entidades inexistem as figuras de “proprietários” e “controladores”. E, no
tocante a “diretores”, a expressão circunscreve-se à restrição apenas aos diretores executivos
da entidade, ou seja, aqueles que tocam o dia-a-dia. A utilização dos termos dirigentes e
administradores seria mais adequada para alcançar, inclusive, àqueles que tem maior poder de
comando e influência na organização, como os membros dos órgãos deliberativos.
Ressalte-se, finalmente, que conforme disposição do artigo 42, nenhuma liberação
de recursos a título de subvenção social, auxílio e contribuição corrente ou de capital, poderá
ocorrer sem o prévio registro no subsistema Cadastro de Convênios do Siafi, assunto que será
tratado na próxima seção.
3.2.3 Instrumentos jurídicos utilizados para transferir recursos públicos às ONGs
Para efeito de formalização e operacionalização das transferências, são utilizados
os quatro tipos de instrumentos jurídicos a seguir, sendo que apenas os três primeiros são
atualmente registrados no Cadastro de Convênios do Siafi:
Convênio
Contrato de repasse
Termo de parceria
Contrato de gestão
3.2.3.1 Termo de Convênio
O termo de convênio disciplina a transferência de recursos, do orçamento fiscal e
da seguridade social, para a execução descentralizada de programa de trabalho de
interesse recíproco em regime de mútua cooperação.
A norma que regulamenta os convênios é a Instrução Normativa 1, de 15/1/1977
(IN STN 1/97), da Secretaria do Tesouro Nacional, que “disciplina a celebração de convênios
de natureza financeira que tenham por objeto a execução de projetos ou realização de
eventos e dá outras providências”.
A referida norma traz, em minúcias, regras e procedimentos a serem observados
em todas as fases de operacionalização dos convênios, desde as análises técnicas para
91
celebração passando pela execução física e financeira do objeto, prestação de contas e até a
instauração de tomadas de contas especiais. Traz ainda as nomenclaturas e as definições
utilizadas na área, as quais podem ser consultadas no glossário deste trabalho. A IN STN 1/97
é a mais completa e detalhada norma de regulamentação de transferências orçamentárias. Suas
regras e seus conceitos são normalmente observados, de maneira subsidiária, nos outros tipos
de instrumentos comentados nesta seção.
Os convênios fundamentam-se nos planos de trabalho propostos pelas entidades,
que integram o termo firmado para todos os efeitos. Referidos planos contém razões que
justifiquem a celebração; descrição precisa e completa do objeto e definição quantitativa e
qualitativa das metas; cronograma físico-financeiro da execução; projeto básico, licença
ambiental e comprovação da plena propriedade do imóvel, quando for o caso.
A movimentação dos recursos do convênio, inclusive da contrapartida aportada
pela entidade convenente, deve ser realizada por meio de conta bancária aberta em seu nome e
vinculada especificamente ao convênio. É proibido o pagamento de qualquer despesa não
vinculada à execução do objeto e que não tenha sido incluída no plano de trabalho aprovado.
3.2.3.2 Contrato de Repasse
Segundo o Decreto 1.819, de 16/2/1996, que autorizou essa modalidade de
formalização, o contrato de repasse consiste em instrumento de transferência de recursos da
União, consignadas na lei orçamentária anual, ou referentes a créditos adicionais, para
estados, Distrito Federal ou municípios, a qualquer título, inclusive sob a forma de
subvenções, auxílios ou contribuições, realizada por intermédio de instituições ou agências
financeiras oficiais federais, que atuam como mandatárias da União.
Interessante notar que o referido decreto prevê a utilização do contrato de repasse
apenas para as transferências a estados, Distrito Federal ou municípios, sendo omisso em
relação às entidades privadas. Todavia, como pode ser constatado no cadastro de convênios
do Siafi, esse instrumento também vem sendo utilizado para transferir recursos às ONGs.
Assim, salvo pela interveniência da instituição ou agência financeira oficial, o
contrato de repasse equipara-se à figura do convênio e segue, no que couber, as disposições da
IN STN 1/97, como já assinalado.
92
3.2.3.3 Termo de Parceria
Instituído pelo art. 9° da Lei 9.790/99 e regulamentado pelo Decreto 3.100/99, “o
Termo de Parceria, [é] assim considerado o instrumento passível de ser firmado entre o Poder
Público e as entidades qualificadas como Organizações da Sociedade Civil de Interesse
Público destinado à formação de vínculo de cooperação entre as partes, para o fomento e a
execução das atividades de interesse público previstas no art. 3°” da lei que o instituiu.
As áreas passíveis de fomento são aquelas exigidas para que a entidade obtenha a
qualificação como Oscip, relacionadas no art. 3° e seus incisos, da Lei 9.790/99 (ver tópico
específico desta monografia).
A escolha da Oscip, para a celebração de termo de parceria, poderá ser feita por
meio de concursos de projetos (art. 23, Decreto 3.100/99). Essa escolha deve ser precedida de
consulta aos Conselhos de Políticas Públicas das áreas de atuação correspondentes,
(relacionadas no art. 3° e seus incisos), existentes nos respectivos níveis de governo. Os
Conselhos também deverão acompanhar e fiscalizar a execução do termo de parceria
juntamente com o órgão do Poder Público da área de atuação da atividade fomentada (art. 10,
§ 1° e art. 11, Lei 9.790/99).
A liberação de recursos financeiros necessários à execução do termo de parceria,
tal como no convênio e no contrato de repasse, far-se-á em conta bancária específica (art. 14,
Decreto 3.100/99). Por outro lado, diferentemente dos convênios e dos contratos de repasse, a
Lei 9.790/99 prevê a possibilidade de remuneração de dirigentes executivos da entidade
parceira e de prestadores de serviços específicos com recursos do termo de parceria (art. 4°,
VI), bem como a de aquisição de bens permanentes (art. 4°, V).
Segundo a Lei 9.790/99, são cláusulas essenciais do termo de parceria: a do
objeto, que conterá a especificação do programa de trabalho; a de estipulação das metas e dos
resultados a serem atingidos e os respectivos prazos de execução ou cronograma; a de
previsão expressa dos critérios objetivos de avaliação de desempenho a serem utilizadas,
mediante indicadores de resultado; a de previsão de receitas e despesas a serem realizadas em
seu cumprimento, estipulando, item por item, as categorias contábeis usadas pela organização
e o detalhamento das remunerações e benefícios de pessoal a serem pagos com recursos
oriundos ou vinculados ao termo de parceria a seus diretores, empregados e consultores; a que
estabelece as obrigações da Oscip, dentre as quais, a de apresentar ao Poder Público, ao
93
término da cada exercício, relatório sobre a execução do objeto acompanhado de prestação de
contas das receitas e das despesas efetivamente realizadas e do comparativo das metas
propostas com os resultados alcançados; e, a de publicação, na imprensa oficial do município,
do estado ou da União, conforme o alcance das atividades pactuadas, de extrato do termo de
parceria e de demonstrativo da sua execução física e financeira (art. 10, § 2° e incisos).
A avaliação dos resultados atingidos com a execução do Termo de Parceria deverá
ser realizada por uma comissão de avaliação composta por dois membros do respectivo Poder
Executivo, um da Oscip e um membro indicado pelo Conselho de Política Pública da área de
atuação correspondente, quando houver. A comissão encaminhará à autoridade competente
relatório conclusivo sobre a avaliação procedida (art. 11, § 1° e 2°, Lei 9.790/99, e art. 20,
Decreto 3.100/99).
Para obter a qualificação de Oscip, e conseqüentemente ter acesso a transferências
orçamentárias por meio de termos de parceria, a entidade é obrigada a seguir normas mínimas
de prestação de contas, previstas no art. 4°, VII, da Lei 9.790/99, tais como a observância dos
princípios fundamentais de contabilidade e das Normas Brasileiras de Contabilidade; dar
publicidade, por qualquer meio eficaz, do relatório de atividades e das demonstrações
financeiras do exercício fiscal, incluindo-se as certidões negativas de débitos junto ao INSS e
ao FGTS, colocando-os à disposição para exame de qualquer cidadão; realização de auditoria,
inclusive por auditores externos independentes nos casos em que o montante dos recursos de
um ou de vários termos de parcerias concomitantes for maior ou igual a R$ 600 mil reais (art.
19, Decreto 3.100/99); e, submeter a prestação de contas de todos os recursos e bens de
origem pública recebidos nos moldes previstos no parágrafo único do art. 70 da Constituição
Federal, ou seja, submeter-se à fiscalização mediante controle externo e pelo sistema de
controle interno do Poder Público.
3.2.3.4 Contrato de Gestão
De acordo com o art. 5° da Lei 9.637/98, que dispõe sobre a qualificação de
entidades como Organizações Sociais (OS), a criação do Programa Nacional de Publicização,
a extinção de órgãos e entidades que menciona e a absorção de suas atividades por OS,
“entende-se por contrato de gestão o instrumento firmado entre o Poder Público e a entidade
qualificada como organização social, com vistas à formação de parceria entre as partes para
fomento e execução de atividades relativas às áreas relacionadas no art. 1°.”
94
O contrato de gestão, embora assim denominado pela lei, “não se trata de um
contrato propriamente dito, porque não há interesses contraditórios. Na verdade trata-se mais
de um acordo operacional – acordo de Direito Público” (MEIRELLES, 2003:259) entre a
Administração e a entidade privada, no qual se estabelecem o programa de trabalho e as
demais condições para execução dos serviços públicos transferidos.
São passíveis de fomento as atividades dirigidas ao ensino, à pesquisa científica,
ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à
saúde e, tal como no caso das Oscip, a previsão de exercício dessas atividades deve constar
dos objetivos estatutários da entidade (art. 5° c/c arts. 1° e 2°, I, a).
A escolha da OS, para a celebração do contrato de gestão, se é que o método
adotado pode ser chamado de escolha, é um processo fechado. Segundo o art. 6° da Lei
9.637/98 e seu parágrafo único, ele é “elaborado de comum acordo entre o órgão ou entidade
supervisora e a organização social, discriminará as atribuições, responsabilidades e obrigações
do Poder Público e da organização social.” Em seguida, “deve ser submetido, após aprovação
pelo Conselho de Administração da entidade, ao Ministro de Estado ou autoridade supervisora
da área correspondente à atividade fomentada.” Na verdade, esse processo é assim,
direcionado, em decorrência da própria concepção do Programa Nacional de Publicização, no
qual as entidades são qualificadas, a priori, visando absorverem atividades públicas antes
desempenhadas pelo próprio Poder Público.
Na elaboração do contrato de gestão devem ser observados os princípios da
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade e, também, os seguintes
preceitos: I - especificação do programa de trabalho proposto pela organização social, a
estipulação das metas a serem atingidas e os respectivos prazos de execução, bem como
previsão expressa dos critérios objetivos de avaliação de desempenho a serem utilizados,
mediante indicadores de qualidade e produtividade; II - a estipulação dos limites e critérios
para despesa com remuneração e vantagens de qualquer natureza a serem percebidas pelos
dirigentes e empregados das organizações sociais, no exercício de suas funções, devendo os
Ministros de Estado ou autoridades supervisoras da área de atuação da entidade definir as
demais cláusulas (art. 7°, caput e parágrafo único).
A fiscalização da execução do contrato de gestão cabe ao órgão ou entidade
supervisora da área de fomentada, signatária do contrato, a quem a entidade executora deve
apresentar, ao término de cada exercício ou a qualquer momento, relatório pertinente da
95
execução, contendo comparativo das metas contratadas com os resultados alcançados e
prestação de contas do exercício financeiro (art. 8° e § 1°).
Os resultados atingidos devem ser analisados, periodicamente, por comissão de
avaliação indicada pela autoridade supervisora, composta por especialistas de notória
capacidade e adequada qualificação, a qual deve emitir relatório conclusivo sobre a avaliação
procedida (art. 8°, § 2° e 3°).
Poderão ser destinados recursos orçamentários e bens públicos necessários ao
cumprimento do contrato de gestão, bem como a cessão especial de servidores, com ônus para
a origem (arts. 12 e 14), devendo os responsáveis pela fiscalização da execução do contrato
dar ciência ao TCU de qualquer irregularidade ou ilegalidade que tomarem conhecimento, sob
pena de responsabilidade solidária (art. 9°) e, se houver indícios fundados de malversação de
bens ou recursos de origem pública, representar ao Ministério Público, à Advocacia-Geral da
União ou à Procuradoria da entidade para que requeira ao juízo competente a decretação de
indisponibilidade dos bens da entidade e o seqüestro dos bens dos dirigentes, bem como do
agente público ou terceiro, que possam ter enriquecido ilicitamente ou causado dano ao
patrimônio público (art. 10).
3.2.4 Da submissão dos recursos transferidos às ONGs ao controle estatal
O acompanhamento e a fiscalização das ONGs que se caracterizem como de
interesse social, ou seja, aquelas que têm como destinatário a sociedade, que “são constituídas
visando a atender os interesses e as necessidades de pessoas indeterminadas, ou à sociedade
em geral, por exemplo, nas áreas de educação, saúde, assistência social e cultura”, é realizado
pelo Ministério Público, por meio de promotoria competente, já que ao Ministério Público
cabe, por dever constitucional, defender os interesses sociais e individuais indisponíveis (CF,
art. 127, caput) e proteger o patrimônio que seja público e social e também os interesses
difusos e coletivos (CF, art. 129, III) (PAES, 2006:65-66).
A ação do Estado, direta ou indiretamente, é mais de amparo e auxílio que de
vigilância. Explico-me: o auxílio, na forma de acompanhamento, justifica-se
para fortalecer a ação dessas entidades e garantir-lhes as condições de
estabilidade e transparência que devem ser inerentes a todos os órgãos do
Estado, para que haja uma integração maior e mais estreita entre as
finalidades da entidade social e as do Estado, uma vez que ambas, ao final,
concorrem para a realização dos mesmos objetivos. (PAES, 2006:515).
96
Essa é a matriz que rege o acompanhamento das atividades das ONGs, dadas as
suas características de autonomia, de representarem pessoas unidas sob um interesse comum,
de solidariedade e da prerrogativa constitucional de ampla liberdade de associação.
Ressalvado, porém, que tal acompanhamento e fiscalização, pelo Ministério Público, não é
cabível se a associação for constituída para prestar benefícios mútuos aos seus próprios
associados, já que neste caso a determinação constitucional é de que não haja nenhuma
intervenção estatal em seu funcionamento (CF, art. 5°, XVIII).
No que tange ao manejo de recursos públicos, no entanto, as ONGs, sem exceção,
submetem-se às mesmas regras que as demais pessoas, pois o dever de prestar contas é
princípio de estirpe constitucional, ao qual está sujeita qualquer pessoa – física ou jurídica,
pública ou privada – que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens ou
valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações
de natureza pecuniária. (CF, art. 70, parágrafo único). Deste modo, a fiscalização contábil,
financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, quanto aos aspectos da legalidade,
legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, no tocante aos
recursos públicos transferidos às ONGs, é competência do Congresso Nacional, que a exerce
mediante auxílio do Tribunal de Contas da União, e pelo sistema de controle interno de cada
Poder. (CF, art. 70 c/c parágrafo único e art. 71).
Frise-se, no que diz respeito à submissão ao controle público, que “não importa
se a pessoa pertence ou não à administração pública. O que importa é a origem dos
recursos.” (CHAVES, 2007:63). Se os recursos forem públicos, o controle incidirá.
No tocante à comprovação da regular aplicação dos recursos e dos resultados
alcançados, as organizações reportam-se, primariamente, ao órgão ou à entidade que os
repassou, bem como ao órgão central do sistema de controle interno (a CGU, no caso do
Poder Executivo Federal), cujos responsáveis, se tomarem conhecimento de qualquer
irregularidade ou ilegalidade, darão ciência ao Tribunal de Contas da União, sob pena de
responsabilidade solidária (CF, art. 74, II, e § 1°).
A Constituição prevê ainda o controle social dos recursos transferidos, ao deixar
assente que “qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para,
na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da
União.” (CF, art. 74, § 2°).
97
Ressalte-se que a atuação do órgão ou entidade transferidor dos recursos, ou da
CGU, não impede a concomitante atuação de qualquer outro órgão federal de controle, seja o
TCU, seja o Ministério Público ou qualquer outro legalmente competente. O TCU, pode,
inclusive, realizar a fiscalização direta – e faz isso com muita freqüência – dos recursos
transferidos às ONGs, independentemente de ter havido, ou não, a fiscalização pelo órgão
repassador ou pela CGU. Tal competência decorre do inciso IV, art. 71, da CF:
IV. realizar, por iniciativa própria, da Câmara dos Deputados, do Senado
Federal, de comissão técnica ou de inquérito, inspeções e auditorias de
natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nas
unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e
demais entidades referidas no inciso II. (grifo nosso).
Todas essas normas, por determinação do art. 75 da CF, aplicam-se, no que
couber, às instituições de controle dos estados e dos municípios, sendo pertinente, pois,
inferir, que a sistemática de controle dos recursos orçamentários repassados às ONGs por
esses entes da Federação seguem esses mesmos preceitos com as devidas adaptações às suas
estruturas administrativas.
A seguir, para cada um dos instrumentos jurídicos utilizados na transferência de
recursos orçamentários, a indicação dos órgãos responsáveis, primariamente, pela fiscalização
da regular aplicação. Em regra, essa responsabilidade é do que repassa os recursos, aos quais
também as prestações de contas devem ser apresentadas, não cabendo, exceto no caso do
contrato de gestão, como se verá adiante, prestações de contas sistemáticas ao TCU, que, no
entanto, tem competência, assim como a CGU, para fazer a fiscalização direta (grifos nossos).
Convênio – IN STN 1/97:
Art. 23. A função gerencial fiscalizadora será exercida pelo
[órgão/entidade] concedente, dentro do prazo regulamentar de
execução/prestação de contas do convênio, ficando assegurado a seus
agentes qualificados o poder discricionário de reorientar ações e de acatar,
ou não, justificativas com relação às disfunções porventura havidas na
execução.
Contrato de Repasse – Decreto 1.819/96:
Art. 3° A transferência dos recursos pelos mandatários será efetuada
mediante contrato de repasse, do qual constarão os direitos e obrigações das
partes, inclusive quanto à obrigatoriedade de prestação de contas perante o
Ministério competente para a execução do programa ou projeto.
98
Contrato de Gestão – Lei 9.637/98:
Art. 8° A execução do contrato de gestão celebrado por organização social
será fiscalizada pelo órgão ou entidade supervisora da área de atuação
correspondente à atividade fomentada.
Termo de Parceria – Lei 9.790/99:
Art. 11. A execução do objeto do Termo de Parceria será acompanhada e
fiscalizada por órgão do Poder Público da área de atuação
correspondente à atividade fomentada, e pelos Conselhos de Políticas
Públicas das áreas correspondentes de atuação existentes, em cada nível de
governo.
No tocante ao contrato de gestão, celebrado com as entidades qualificadas como
OS, o TCU firmou entendimento, por meio da Decisão 592/1998 – Plenário, de que as contas
anuais das entidades têm de ser submetidas a julgamento pelo Tribunal. Portanto, este é o
único caso em que uma organização privada tem suas contas ordinárias submetidas
sistematicamente à apreciação direta pelo TCU.
Nos demais casos, o modo de atuação do TCU para verificação da regularidade da
aplicação dos recursos transferidos opera-se, basicamente, por meio de dois procedimentos: o
julgamento de tomadas de contas especiais e as fiscalizações, de iniciativa própria e por
solicitação do Congresso Nacional ou decorrentes de representações e denúncias.
Tomada de Contas Especiais (TCE)
São instauradas pelos próprios órgãos transferidores dos recursos nos casos de
omissão no dever de prestar contas ou de dano ao erário, bem como por recomendação da
CGU ou por determinação do TCU. A TCE, após análise da regularidade formal pela CGU,
deve ser imediatamente encaminhada ao Tribunal, para julgamento, se o seu valor ultrapassar
R$ 23.000,00 (valor para 2007, fixado pela Decisão Normativa TCU n° 80/2006). Se o débito
for de valor inferior, a TCE deve ser anexada ao processo de tomada de contas anuais do
órgão ou da entidade que transferiu os recursos, para julgamento em conjunto.
Fiscalizações
Para exercício de suas competências constitucionais de órgão de controle externo
da administração pública e da gestão dos recursos públicos federais, o regimento interno do
TCU prevê as modalidades de fiscalização que são levadas a efeito por meio de seu corpo
técnico. Dentre essas modalidades estão previstas as inspeções e as auditorias, ambas
99
destinadas a verificar a legalidade, a legitimidade e a economicidade dos atos e fatos
administrativos praticados por qualquer responsável sujeito à jurisdição do TCU. Essas
fiscalizações, como visto, tanto podem decorrer de iniciativa própria do Tribunal, de
solicitação do Congresso Nacional, ou ainda para apurar denúncias ou representações.
Na execução de suas inspeções e auditorias, o TCU vem utilizando uma nova
metodologia de trabalho denominada Fiscalização de Orientação Centralizada (FOC). O
procedimento dessa metodologia inclui preparação centralizada, execução descentralizada e
consolidação de resultados, e tem por objetivo avaliar, de forma abrangente e integrada, um
tema, um programa ou uma ação de governo, visando a traçar um quadro geral das situações
verificadas, identificar irregularidades mais comuns e relevantes e propor aperfeiçoamento
nos mecanismos de controle, no arcabouço legal ou no modelo de execução do programa ou
da ação, de responsabilidade de um ou de vários órgãos federais
Denúncias
O TCU aprecia denúncias sobre irregularidades ou ilegalidades apresentadas por
qualquer cidadão, associação, sindicato ou partido político, desde que observadas as
disposições de seu regimento interno, tal como determina a Constituição (art. 74, § 2°).
No resguardo dos direitos e das garantias individuais, o Tribunal dá tratamento
sigiloso às denúncias formuladas, as quais são apuradas mediante os procedimentos mais
adequados à comprovação dos fatos, notadamente o procedimento de inspeção, com a
finalidade de apurar sua procedência. Uma vez coligidas as provas, os demais atos do
processo serão públicos, assegurando-se aos acusados a oportunidade de ampla defesa e
demais garantias constitucionais do processo.
Representações
São as denúncias formais assinadas por autoridades ou agentes públicos ou, ainda,
aquelas de outras origens que devam reverter-se desta forma por força de lei específica. São
dirigidas aos Colegiados e aos ministros-relatores do TCU acerca de irregularidade,
ilegalidade ou omissão verificada em assuntos de sua competência.
Como no caso da denúncia, uma representação provoca a mobilização do corpo
técnico do Tribunal para efetuar as diligências necessárias a apuração dos fatos, inclusive
mediante a realização de auditorias e inspeções.
100
3.2.5 A questão do sigilo bancário dos recursos transferidos às ONGs
Uma questão importante a ressaltar, no tocante à atuação dos órgãos de controle
interno e externo, é a necessidade de acesso integral aos dados da movimentação da conta
bancária específica que acolhe os recursos oriundos dos ajustes celebrados com o Poder
Público e aos seus correspondentes registros contábeis.
Cumpre lembrar que o extrato bancário constitui um dos elementos obrigatórios
da prestação de contas. Ocorre que, como fartamente demonstra Queiroz (2004:114-117), na
ocorrência de fraudes eles podem não estar disponíveis, ou, se disponíveis, podem estar
adulterados ou darem a falsa impressão de conformidade com os demais elementos da
prestação de contas. Assim, a obtenção de cópias, tanto de extratos quanto de microfilmes dos
cheques sacados, diretamente junto à instituição bancária, é procedimento de auditoria
indispensável para a realização de um exame confiável.
Gerentes de instituições financeiras federais às vezes têm se negado a fornecer
essas informações, sob a alegação de que as ONGs são entidades privadas e que, portanto, as
contas movimentadas sob sua titularidade estão protegidas pelo sigilo bancário.
Ora, se a legislação condiciona a celebração dos ajustes ao compromisso de o
convenente movimentar os recursos em conta bancária específica, inócuo seria tal requisito de
controle se a ele for vedado o acesso dos órgãos responsáveis pela fiscalização dos recursos.
Nunes (2006:132) afirma que “não há que se falar em violação do dever de sigilo
quando se tratar de contas públicas.” Claramente, outra não é a natureza das contas que,
abertas especificamente para tal fim em função de um instrumento jurídico firmado com o
Poder Público, recebem as liberações e movimentam os recursos orçamentários transferidos,
ainda que sob a titularidade de entidades privadas. Nunes ainda diz mais:
Apesar da forma como a questão ainda vem sendo tratada em nosso País, o
sigilo de dinheiro público é juridicamente inadmissível, pois, na verdade, o
assunto deve ser de conhecimento de toda a sociedade. A própria natureza
pública dessas contas indica a impossibilidade de segredos.
O jurista Hugo de Brito Machado (apud Nunes, 2006:133), adverte:
O direito ao sigilo pertence ao cidadão, ao particular, tanto o sigilo bancário
como o sigilo de transações comerciais. Em princípio, o que é privado está
protegido pelo sigilo, que só excepcionalmente pode ser quebrado. Já na
coisa pública dá-se o inverso. O princípio é o da publicidade, e só
101
excepcionalmente prevalece o sigilo. A publicidade sempre foi tida como um
princípio administrativo, porque se entende que o Poder Público, por ser
público, deve agir com a maior transparência possível, a fim de que os
administrados tenham, a toda hora, conhecimento do que os administradores
estão fazendo.
Com efeito, nossa Constituição estabelece como regra e dever a transparência da
Administração, levada a efeito pela submissão ao princípio da publicidade presente em vários
de seus dispositivos (art. 5°, XIV, XXXIII, XXXIV, LXXII, e art. 37, caput), excetuado,
apenas, quando for imprescindível à defesa da intimidade, ao interesse social ou à segurança
da sociedade e do Estado.
O “sigilo bancário existe para proteger o particular, não o administrador da coisa
pública” (NUNES, 2006:133) até porque, nos termos do art. 5°, LXXIII, da Constituição
Federal, “qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato
lesivo ao patrimônio público [...]”. Há que se inferir, pois, que a Constituição não facultaria
tal direito se indisponíveis os meios para seu exercício.
Se ao cidadão não pode ser oposto o sigilo bancário de contas públicas, muito
menos aos órgãos de controle. Este é o entendimento do TCU em várias de suas decisões
(Acórdãos TCU 241/1995, 298/2002, 201/2003, todos da 1ª Câmara), segundo as quais os
cheques sacados contra tais contas não foram emitidos por pessoa física com o intuito de
atender a interesse particular, senão que se trata de conta que movimenta recursos públicos
provenientes do Orçamento da União, repassados com finalidade específica, devidamente
avençada nos instrumentos jurídicos que viabilizam o repasse.
A conduta de negar o fornecimento de informações relativas às contas bancárias
abertas com o fim específico de movimentar transferências orçamentárias efetivadas às
ONGs, inclusive as respectivas contrapartidas aportadas, sob alegação de que elas são
entidades privadas e que, portanto, estariam protegidas pelo sigilo bancário não deve
prosperar. Essa atitude caracteriza inaceitável obstáculo às ações de controle.
Caso tal negativa ou omissão ocorra no âmbito de diligências efetivadas em
fiscalizações do TCU, caracteriza-se sonegação de informação tipificada nos arts. 42 e 87 de
sua Lei Orgânica (Lei 8.443/92), cabendo ao técnico responsável pela ação de controle
representar ao ministro-relator do feito, encaminhando proposta das sanções cabíveis.
102
3.3 FALHAS NA SISTEMÁTICA DE TRANSFERÊNCIAS PARA AS ONGs14
Esta seção descreve e analisa os problemas identificados em cada uma das fases
do ciclo de operacionalização das transferências de recursos orçamentários às ONGs, trazendo
uma visão sistêmica do processo. Os problemas e as irregularidades descritos decorrem
principalmente de constatações obtidas no âmbito de fiscalizações realizadas sob a sistemática
de FOC, em 2005 e 2006, analisados em conjunto e em confronto com os resultados da CPMI
“das Ambulâncias” (doravante simplesmente CPMI).
Para os fins desta análise, o ciclo de operacionalização das transferências foi
dividido em quatro fases contemplando os seguintes eventos e atividades: 1) planejamento,
alocação e programação dos recursos no OGU; 2) análise técnica dos projetos apresentados
pelas ONGs e celebração dos instrumentos jurídicos para transferência dos recursos; 3)
execução física do objeto avençado e execução financeira dos recursos por parte da ONG e
seu acompanhamento e fiscalização por parte do órgão ou entidade concedente; e, 4)
apresentação da prestação de contas e sua análise.
Auditorias do TCU têm evidenciado uma correlação do tipo causa-efeito entre os
problemas identificados nas duas primeiras fases do ciclo de operacionalização das
transferências e as irregularidades praticadas nas duas outras fases. Os resultados da CPMI
corroboram tal situação, que decorre principalmente de fatores condicionantes ou
circunstanciais presentes naquelas fases.
Por fatores condicionantes deve-se entender um ambiente previamente estruturado
para a prática de fraudes, tais como desestruturação de um processo, metodologia ou unidade
organizacional, tendo por propósito a facilitação, aparentemente incauta, isto é, a “preparação
do terreno” em fases precedentes de processos plurifásicos, como é o caso em estudo, com
vistas ao desvio ou malversação de recursos em momento ou fase subseqüente.
Fatores circunstanciais, por sua vez, resultam de um estado ou condição de uma
situação, não necessariamente intencional, na qual o ilícito é praticado tirando-se proveito da
oportunidade, da desordem estabelecida em razão de situações de emergência, do
aproveitamento de facilitação incauta, de controles negligenciados ou em conseqüência de
amadorismos organizacionais, tais como sistemas e processos mal definidos e/ou sem
14
Partes dos textos desta seção e da próxima, bem como seus reflexos nas conclusões, integram estudo elaborado
pelo autor, em auxílio ao Ministro-relator das Contas do Governo da República – Exercício de 2006, área
103
integração; processos sem gestores claramente designados, gerentes ou responsáveis; sistemas
de delegação e responsabilidades obscuros, dentre outros.
A presença de tais fatores se caracteriza, dentre outras práticas e circunstâncias,
pela inércia ou pela resistência à implementação de sistemas, métodos e recomendações; pela
implementação imperfeita ou ‘equivocada’ de determinações, bem como por projetos de
melhorias organizacionais, processos e métodos de trabalho, com prazos de implementação
inexplicavelmente longos.
Cumpre ressaltar, que a estrutura administrativa e operacional dos órgãos e
entidades concedentes destinada à análise de proposições, ao acompanhamento e fiscalização
dos recursos transferidos às ONGs é a mesma utilizada para operacionalizar as transferências
voluntárias a estados e municípios. Assim, em princípio, as análises aqui expendidas também
se aplicam a estes entes.
3.3.1 Falhas na fase de alocação e programação dos recursos no orçamento
Nesta fase, as dotações destinadas às transferências são alocadas diretamente pela
proposta de orçamento elaborada pelo Poder Executivo, ou por meio de emendas
parlamentares – individuais ou coletivas – na etapa de apreciação e aprovação da proposta
pelo Poder Legislativo. Tais dotações podem ser consignadas de duas formas no OGU:
contemplação nominal da entidade (estado, município ou ONG), por meio da proposta do
Poder Executivo ou de emenda dos parlamentares;
não há contemplação explícita, mas o programa orçamentário destina recursos para a
região onde se localiza o pretendente e prevê a aplicação por meio de órgão ou entidade
estadual, municipal ou de ONG (conforme § 7º, art. 7º, da Lei 11.439/2006, LDO 2007,
essa previsão é identificada pelas seguintes modalidades de aplicação: 30 – governo
estadual, 40 – administração municipal, e 50 – entidade privada sem fins lucrativos).
Os critérios para essas alocações, tanto no âmbito da elaboração da proposta pelo
Poder Executivo quanto no âmbito do Poder Legislativo, no curso das alterações da proposta
por meio de emendas parlamentares, devem ser construídos a partir dos valores democráticos
que privilegiem a cidadania, a dignidade da pessoa humana e visem a alcançar os objetivos
temática “Transferências voluntárias da União: aspectos relacionados à programação, execução e controle”.
104
fundamentais previstos no art. 3º, da Constituição Federal, devendo ainda ser observados os
princípios de atuação da administração pública insculpidos no art. 37 da Constituição.
A sistemática de alocação, no entanto, apresenta problemas que, combinados com
os procedimentos das fases subseqüentes de operacionalização das transferências, fomentam a
ocorrência de irregularidades, o desvio, a ineficiência e até mesmo a montagem de
“esquemas” criminosos, como os trazidos à luz pela CPMI (V.II, p.13-14) “objetivando a
percussão e a apropriação de recursos públicos em larga e profusa escala”.
Parlamento e Orçamento Público andam juntos desde suas origens. Na concepção,
um razão de ser do outro, como forma de limitação ao poder absoluto. A Carta Magna, de
1215, inaugurou, na Inglaterra, o sentimento de que o poder real deveria ser exercido dentro
de limites estabelecidos por pressupostos legais, dentre os quais o de submeter ao Conselho
dos Comuns (o Parlamento) a votação das despesas e a autorização para a cobrança dos
tributos necessários ao seu financiamento.
Destarte, orçamento e parlamento – ancorados em valores, princípios e regras
jurídicas – têm se constituído em indispensáveis instrumentos de combate a arbitrariedades, o
que lhes justifica a perenidade e a importância crescente que têm assumido na manutenção do
Estado democrático de direito. Reconhecer a existência desses valores, como substrato e
limites claros ao exercício do poder, inclusive pelo próprio Parlamento, contribui para a
definição dos contornos das ações programadas no orçamento público, permitindo-se
estabelecer critérios para reconhecer os eventuais desvios ocorridos em seu manejo, para além
das fronteiras valorativas estabelecidas. Ricardo Lobo Torres (2000:109, grifos nossos) bem
traduz esse entendimento, ao afirmar que:
O direito orçamentário, embora instrumental, não é insensível aos valores
nem cego para com os princípios jurídicos. Apesar de não ser fundante de
valores, o orçamento se move no ambiente axiológico, eis que
profundamente marcado por valores éticos e jurídicos que impregnam as
próprias políticas públicas. A lei orçamentária serve de instrumento para a
afirmação da liberdade, para a consecução da justiça e para a garantia e
segurança dos direitos fundamentais.
A nossa Constituição é explícita no que diz respeito a esses valores, trazendo os
critérios em que deve se fundamentar o planejamento governamental, os objetivos que deve
perseguir e os parâmetros com que deve ser executado, respectivamente, em seus artigos 1º,
3° e 37. No contexto da presente análise destacam-se os objetivos republicanos de erradicação
105
da pobreza e da marginalização e de redução das desigualdades sociais e regionais, além dos
princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, aos quais a
administração pública deve obediência.
Na alocação de subvenções sociais, por exemplo, o cumprimento aos preceitos da
Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS, Lei 8.742, de 1993) deveriam ser priorizados em
benefício da democratização da gestão da política de assistência social, com os recursos sendo
canalizados exclusivamente por intermédio dos fundos de assistência social, de onde, então,
seriam distribuídos às entidades, com base em planos e metas anteriormente traçados com
efetiva participação e deliberação dos Conselhos de Políticas Públicas.
Para Nunes (2006:80), a alocação de recursos pautada nessa diretriz “é uma forma
de dar efetividade aos preceitos constitucionais que determinam a descentralização da gestão
administrativa e a participação da comunidade na política da assistência social.” Desse modo,
as alocações para subvenções sociais, abertas ou subscritas diretamente para determinadas
entidades, seriam restringidas, diminuindo as possibilidades de ocorrência de irregularidades.
Diz ainda Nunes que “há uma tendência nacional de extinção das chamadas subvenções
sociais dos orçamentos do Estado, talvez em face da triste constatação de que constituem
focos de desvio de dinheiro público, corrupção e clientelismo.” (NUNES, 2006:81).
Reconheça-se a dificuldade de que tal prática venha a ocorrer em sua plenitude,
pois “a política de assistência social no Brasil ainda não se livrou do ranço assistencialista e
do fisiologismo de alguns dos nossos políticos.” Legisladores confundem o seu papel de
parlamentar com o de prestar serviços sociais a comunidades carentes, visando transformar a
ajuda em voto, levando à “existência de verdadeiros comitês eleitorais travestidos de
entidades sociais.” (NUNES, 2006:150).
Com certeza, a adoção dessa diretriz não inibirá, de imediato, a ocorrência de
desvios, ineficiências e outras irregularidades quando da execução, mas ajustará o modelo das
subvenções sociais aos preceitos da Constituição e da LOAS. Isso permitirá aos órgãos de
controle concentrar a atenção no aperfeiçoamento do modelo, por meio do desenvolvimento
de metodologias de acompanhamento e fiscalização dos fundos de assistência social e do
aperfeiçoamento de mecanismos que permitam um controle social mais efetivo.
A questão da falta de critérios para emendar o orçamento tem sido objeto de
debates e críticas por parte de vários segmentos simetricamente informados da sociedade. O
106
próprio Congresso Nacional, por meio da CPI do Orçamento, em 1993, trouxe a lume os
problemas dessa sistemática que, a julgar pelos acontecimentos constatados pela “CPMI das
Ambulâncias”, ainda persistem sublevando a ordem institucional. De acordo com o relatório
dessa CPMI (V.II, p.544, grifos nossos):
merece registro o fato de que a mazela ora enfrentada não é nova ou
desconhecida. Como já referido anteriormente, a CPI do orçamento, em
1993, debruçou-se exatamente sobre esse mesmo tema, tendo produzido
importantes resultados legislativos, mas que, como percebemos, não
impediram que fossem engendradas novas maneiras de sangrar os recursos
que devem ser aplicados em favor dos mais carentes.
A atual forma de estruturação dos programas de governo já define quando as
ações poderão ser implementadas com a participação de ONGs (PPA, Cadastro de Ações).
Seria de todo conveniente que também já definisse os critérios de elegibilidade para seleção
das entidades, observadas rigorosamente as disposições da LDO e a pertinência com o PPA,
materializando, assim, um planejamento mais consistente e fornecendo referenciais para
eventuais emendas por parte do Poder Legislativo, durante a apreciação da proposta, bem
como critérios objetivos para aferição posterior da legitimidade das parcerias estabelecidas,
para o acompanhamento da execução e para avaliação dos resultados alcançados.
A faculdade de propor emendas é uma competência legítima do parlamentar,
desde que o objeto pretendido se coadune com o programa de governo no qual é inserido e
atenda tanto ao objetivo de reduzir desigualdades sociais e regionais quanto a critérios
técnicos aplicáveis a todos os projetos de determinada ação governamental. O que parece ser
necessário é a definição de critérios técnicos claros para a inclusão de emendas, de modo que
elas possam realmente contribuir com a execução de políticas públicas.
No que diz respeito à liberação dos recursos consignados no orçamento, há que se
mencionar o risco de sua utilização como instrumento de barganha política implícito na
sistemática de contingenciamento e na execução seletiva dos denominados restos a pagar. O
represamento levado a efeito por meio desses instrumentos provoca a competição pelos
recursos programados, expondo alguns integrantes do Poder Legislativo a barganhas políticas
por parte do Poder Executivo, com vistas à composição de maiorias no Congresso.
Primeiro o parlamentar precisa que sua emenda seja empenhada e liquidada
e depois que a despesa seja efetivamente paga. É, sem dúvida, um grande
instrumento de convencimento, pois o grau de discricionariedade nas duas
etapas é elevado. [...] Não basta fazer lobby para que a despesa conste do
107
orçamento. É preciso, também, gastar tempo e empregar pessoas destinadas
a percorrer ministérios para pressionar, primeiro, pela liquidação da despesa
e, depois, pelo seu efetivo pagamento. As oportunidades de corrupção nesse
sistema são inúmeras, aumentando ainda mais os custos de transação. (LIMA
e MIRANDA, 2006:353-354).
3.3.2 Falhas na fase de análise técnica dos projetos apresentados pelas ONGs
Nesta fase, em função dos recursos programados no OGU, a entidade (estado,
município ou ONG) submete seu plano de trabalho ao órgão gestor dos recursos dos
programas, que o analisará tecnicamente, com vistas à formalização do convênio ou
instrumento congênere.
Quando há contemplação nominal da entidade no OGU, deverá ela apenas
elaborar o plano de trabalho e apresentar no órgão federal responsável pela descentralização.
Se não há contemplação nominal, mas o programa orçamentário destina recursos para a região
onde se localiza a entidade, esta deverá:
1º) avaliar as necessidades locais e a viabilidade de execução nas diversas áreas das demandas
sociais contempladas em suas atribuições: saúde, educação, cultura etc.;
2º) verificar os programas em que essas necessidades se encaixam e os órgãos repassadores;
3º) elaborar solicitação das transferências, mediante apresentação de planos de trabalho.
O órgão responsável pelos recursos do programa deve efetuar as análises técnicas
das proposições de modo a garantir a verificação prévia de sua adequabilidade à ação
orçamentária, da prioridade de intervenção, da avaliação quanto à necessidade local, à
oportunidade, à conveniência, à viabilidade técnica e à exeqüibilidade dos objetos propostos
com base no exame de seus custos, nas condições do proponente para sua consecução, dentre
outros critérios técnicos objetivamente aferíveis e fundamentados em legislação própria (LRF,
PPA, LDO, LOAS, etc.) integrantes do conjunto de exigências e procedimentos adotados pelo
órgão ou entidade concedente, previamente publicados (PLDO/2008, art. 40, I).
Do ponto de vista do controle, esta é a fase mais efetiva e menos onerosa no ciclo
das transferências: a antecedente. É nela que deve ocorrer a depuração e a validação do plano
de trabalho, que representa o planejamento das ações a serem executadas. A efetividade do
controle nas demais fases, quais sejam, acompanhamento e fiscalização da execução
(concomitante) e análise da prestação de contas e avaliação de resultados (subseqüente),
depende fundamentalmente dos parâmetros estabelecidos nesta primeira fase.
108
As transferências para ONGs é uma questão crítica que tem sido reiteradamente
objeto de determinações do TCU aos órgãos concedentes, principalmente em relação a duas
irregularidades que embutem elevados riscos desvio e ineficiência, além de representarem um
abuso na prática de atos discricionários, quais sejam:
a) a aprovação de proposições sem adequada avaliação da qualificação técnica e capacidade
operacional (administrativa, gerencial, etc.) da entidade para executar os objetos propostos; e
b) a ausência de critérios objetivos previamente estabelecidos e divulgados, bem como de
justificativa para a escolha das ONGs beneficiadas.
Citam-se, a propósito, trechos do relatório do Ministro-relator do Acórdão TCU
2.066/2007–Plenário, decorrente da consolidação de auditorias realizadas sobre convênios
celebrados por oito órgãos federais com dez ONGs, em oito estados, no período de 1999 a
2005, envolvendo recursos no montante de R$ 150,7 milhões:
3.2.38 [...] questão que merece ser destacada é a ausência de critérios
transparentes para a escolha das ONG que receberão recursos por meio de
convênios e instrumentos similares. Não há publicação de edital para
habilitação e seleção das entidades que prestarão serviços à comunidade,
nem sequer a utilização dos títulos jurídicos atribuídos pelo Poder Público
como critério avaliativo na escolha das entidades convenentes, embora, é
bom que se destaque, a qualificação ou título jurídico, seja qual for, não elide
a avaliação técnica das proposições e a aferição da legitimidade das parcerias
e do interesse público recíproco nelas envolvido.
No mesmo sentido o voto do Ministro-relator do Acórdão TCU 641/2007–
Plenário, decorrente da consolidação de auditorias em 46 convênios, contratos de repasse e
instrumentos similares celebrados por dezessete órgãos federais com 21 prefeituras e duas
ONGs sediadas nos estados de AC, AL, BA, CE, ES, MG, PA, PE, PI, PR, RN, RO, SC, SE,
SP, no período de 2003 a 2005, envolvendo recursos de R$ 15,3 milhões:
10. Esta amostragem é significativa para evidenciar defeitos que, de
alguma forma, comprometem a eficácia na implementação de políticas
públicas preordenadas ao atingimento de objetivos sociais, uma vez que se
pode verificar o não atendimento a critérios objetivos de seleção e aprovação
das propostas, prescindindo de uma adequada avaliação de indicadores
sociais e econômicos aptos a orientar uma aplicação mais eficaz do dinheiro
público.
Ressalte-se que a obrigatoriedade de observância de determinados critérios é
estabelecida legalmente, e mesmo assim negligenciada. Além da LDO, há outros dispositivos,
como por exemplo, o Decreto 93.872, de 1986, que em seu art. 60 enumera uma série de
109
condicionantes para que uma entidade possa ser contemplada com recursos orçamentários,
dentre os quais, a de ter sido considerada em condições de funcionamento satisfatório pelo
órgão competente de fiscalização, dispor de patrimônio ou renda regular, não dispor de
recursos próprios suficientes à manutenção ou ampliação dos serviços.
Nunes (2006:82) informa que, em Pernambuco, a Promotoria de Justiça, quando
solicitada, expede atestados, mediante visitas do próprio Promotor e/ou assistente social do
quadro do Ministério Público, que fazem verificação de livros, quadro técnico, colaboradores,
cumprimento de disposições estatutárias e infra-estrutura em geral para subsidiar o processo
de análise de repasse de determinados tipos de recursos pelo Governo daquele Estado.
Infelizmente, no âmbito da União, não se verificou a aferição da qualificação
técnica e da capacidade operacional das entidades em nenhuma das auditorias realizadas pelo
TCU, pesquisadas neste trabalho. Ademais, as proposições aprovadas não apresentam
consistência, não permitem adequada compreensão dos meios e dos objetivos propostos. Os
objetos não são definidos com precisão. Faltam especificações completas de seus elementos
característicos, descritas de forma detalhada, objetiva e clara, de modo a permitir a
identificação exata do que se pretende realizar ou obter. A descrição das metas, via de regra, é
feita de forma genérica, de difícil entendimento. Não trazem informações, qualitativas e
quantitativas, de modo a permitir avaliar os objetivos que se pretende atingir, como as ações
serão realizadas e o que se obterá concretamente em termos de produtos ou serviços a serem
prestados à comunidade.
Um padrão de irregularidades, caracterizado pela superficialidade e insuficiência
das avaliações técnicas das propostas de convênios e ajustes similares, se estabeleceu em
praticamente todos os órgãos da administração federal, conforme revela o relatório do
Acórdão TCU 2.261/2005–Plenário, decorrente de consolidação de auditorias realizadas pela
4ª, 5ª e 6ª Secretarias de Controle Externo e pelas Secretarias de Controle Externo nos Estados
de São Paulo e Rio Grande do Sul, em 109 convênios celebrados por 14 órgãos federais com
ONGs, no período de 1998 a 2004, envolvendo recursos de R$ 42,7 milhões, que levou,
inclusive, a situações de desvio de finalidade na aplicação de recursos do OGU, viabilizadas
pela prática de apresentação e aprovação de planos de trabalho com objetivos de cunho
excessivamente abrangente e de caráter difuso:
3.4.1 Irregularidades recorrentes nos processos examinados. O padrão
adotado consiste em análises meramente superficiais e tão-somente pro
110
forma, tendo sido constatado, inclusive, pareceres com datas posteriores ou
incompatíveis com as datas de celebração dos convênios.
3.4.2 Os pareceres técnicos se limitam quase sempre a reescrever o plano de
trabalho, sem qualquer análise crítica. Nunca se examina o mérito do
convênio. Os pareceres jurídicos se resumem basicamente na conferência
das certidões de regularidade fiscal.
3.4.3 Ressalvadas raras exceções, não se procede a qualquer avaliação
quanto à necessidade local, oportunidade, conveniência, viabilidade técnica e
exeqüibilidade dos objetos propostos.
3.4.4 A auditoria também não conseguiu encontrar nenhum caso em que os
custos dos objetos propostos tenham sido analisados e documentados [...].
Isto leva à celebração de convênios com custos superdimensionados [...].
Outro fator que contribui para a realização de análises superficiais dos planos de
trabalho, é a liberação de recursos concentrada apenas no final do exercício, gerando acúmulo
de planos de trabalho a serem examinados em exíguo espaço de tempo, resultando em
avaliações imperfeitas, efetuadas a “toque de caixa”, sob pressões políticas com vistas à
liberação dos recursos, empenhamento e/ou inscrição em restos a pagar.
As deficiências dessas avaliações potencializam a ocorrência de irregularidades
nas fases subseqüentes do ajuste, configurando uma correlação, do tipo causa-efeito, entre a
negligência nesta fase e as irregularidades praticadas nas demais. Ou seja, a atuação irregular
dos convenentes, em boa parte, é facilitada pela ação dos concedentes. Foi o que apontou o
relatório do Acórdão TCU 2.066/2006–Plenário:
3.2.29 Não é difícil inferir, em face da quantidade e semelhança das
sistêmicas falhas concentradas na fase de análise das proposições e
pactuação dos convênios, que o que se tem caracterizado tão somente como
“irregularidades formais”, na verdade constituem acintosas omissões, ou até
mesmo ações deliberadas para dificultar a efetividade do controle nas fases
subseqüentes, tornando inviável a avaliação objetiva da execução dos
convênios, dos resultados alcançados e das respectivas prestações de contas.
3.2.30 Está claro, com base não apenas nesta, mas também em outras FOC
consolidadas no âmbito desta Secretaria [Adfis], que falhas aparentemente
formais verificadas na fase de análise das proposições e pactuação de
convênios – como a descentralização de ações a entidades que não dispõem
de condições para executá-las, objetos sem definição precisa, metas sem
descrição qualitativa e quantitativa do que se pretende realizar ou obter,
custos não avaliados, entre outras – se não tem o objetivo de facilitar,
terminam por propiciar enormes facilidades à ocorrência de irregularidades
na fase de execução e na montagem posterior de prestação de contas.
111
No mesmo sentido apontou o relatório final da CPMI:
A apreciação das propostas de convênios firmados com prefeituras
municipais e OSCIPs envolvidas com o Grupo Planam, bem assim a
fiscalização e as análises das respectivas prestações de contas, além de terem
sido viciadas, em muitos casos, pelo desvio de conduta dos servidores
cooptados pela quadrilha, foram procedidas burocraticamente, apenas com o
fito de cumprir formalidades, em completo descompromisso com os fins
mais elevados do uso da coisa pública e com o zelo que se exige ao lidar
com ela (V.I, p.20).
Paralelamente ao desvio de conduta de gestores públicos e parlamentares, e
até como conseqüência dele, essa irregularidade está na gênese dos
problemas envolvendo convênios. Tal característica é recorrente e dificulta
sobremaneira a fiscalização por parte dos órgãos competentes (V.II, p.556557). [...] Diante da realidade vivida por esta Comissão resta a legítima
dúvida se estamos verdadeiramente diante de falhas ou de ações deliberadas
para inviabilizar a fiscalização (V.II, p.584).
Como já mencionado, a presença de fatores indutores de corrupção e de fraudes,
sejam eles condicionantes ou circunstanciais, tem por sintoma a inércia ou a resistência à
implementação de sistemas, métodos e recomendações; a implementação imperfeita,
‘equivocada’, de determinações, bem como a existência de projetos de melhorias
organizacionais, processos ou métodos de trabalho com prazos de implementação
inexplicavelmente longos.
A tal respeito, menciona-se trecho do relatório da CPMI (V.II, p. 653) sobre “a
existência de esquemas articulados que agem em detrimento do interesse público no que
concerne às transferências voluntárias, e, de outro lado, que toda a sorte de normas definidas
para estas contratações não só foi incapaz de impedir ilícitos como, de fato, os alimentou.”
Acrescente-se a esses esforços normativos e regulatórios dos poderes Legislativo
e Executivo, as incontáveis determinações do TCU e recomendações da CGU, com vistas à
obrigatoriedade de estrita observância a dispositivos legais e, nada obstante, a situação
persiste ao longo do tempo, gerando um efeito de recursividade nas irregularidades e
inovando-se o modus faciendi a cada tentativa de correção dos problemas.
Tal recursividade, repousada na inércia de se adotar providências efetivas e na
resistência não-explícita de se implementar soluções, favorece a atuação de mal intencionados
no processo. Só a esse grupo, aos mal intencionados, interessa a manutenção desse estado de
coisas, que permite a cada um levar a parte que considera “legítima” nos recursos
112
operacionalizados: do agente patrocinador (alocação e liberação dos recursos), passando pelo
agente executor (prefeitos, dirigentes de ONGs etc.) e até os demais agentes vinculados à
cadeia de execução das transferências (fornecedores, lobistas, responsáveis por processos de
aquisição, atestação, fiscalização etc.), como bem ilustra o excerto da denúncia formulada
pelo Ministério Público Federal (MPF), que integra o relatório final da CPMI (V.I, p.13-14):
O “esquema” foi estabelecido de forma circular e retro-alimentante. Atuou
na origem da verba federal, logo após a votação do orçamento da União,
monitorou a liberação dos recursos, interferiu ilicitamente em todas as fases
da licitação e na execução do objeto licitado, controlou os gastos com a
aquisição de veículos, equipamentos médicos e hospitalares e distribuiu
ilicitamente parte desta verba arrecadada. Atuou, pois em toda a seqüência
de atos administrativos, de sua fase antecedente e preparatória, qual seja, de
apresentação de emendas junto à Comissão Mista de Orçamento do
Congresso Nacional, à aprovação dos planos de trabalho e projetos técnicos
perante o Fundo Nacional de Saúde, na assinatura dos convênios, na
liberação dos recursos, na adjudicação do processo de licitação, na
liquidação das despesas e na prestação de contas.
Isto é, nenhuma etapa de tramitação do processo, político ou burocrático,
fugiu ao controle da organização criminosa, de modo que foi estabelecido
um domínio permanente sobre todo o fluxo de recursos federais destinado à
execução de parcela substancial da política pública de saúde (e de outros
programas governamentais, v.g., de inclusão digital).
No que diz respeito às oportunidades de fraudes e corrupção no sistema, ressaltese que elas são maximizadas, ou até mesmo intencionalmente condicionadas, pelas indicações
e nomeações políticas de integrantes da estrutura de órgãos públicos, em cargos estratégicos,
como demonstrou o recente escândalo dos “sanguessugas”, em relação à assessora especial do
Ministério da Saúde, figura central no esquema criminoso investigado pela CPMI.
No tocante à disponibilidade de recursos materiais, humanos e tecnológicos, o
quadro que se constata na administração pública federal é de desaparelhamento para o bom
desempenho das atividades, tanto desta como de todas as demais fases das transferências. O
relatório da CPMI compilou os seguintes problemas, detectados pelos órgãos de controle (V.
II, p.19) e apontados pelos ministros do Planejamento (V.II, p.632-633) e do Controle e da
Transparência (V.II, p.639-640):
a) ausência ou deficiência nos sistemas informatizados de gestão de convênios; processo de
controle manual, lento, na celebração e no acompanhamento dos convênios;
113
b) falta de especificações técnicas pré-definidas e de parâmetros de custos pré-estabelecidos
para adequada análise das propostas;
c) corpo funcional insuficiente nos órgãos repassadores, em quantidade e qualidade, para
execução de análise acurada das propostas;
d) propostas apresentadas no encerramento do exercício (pressão para aprovação com vistas
à liberação de recursos ou inscrição em restos a pagar).
3.3.3 Falhas na fase de execução e no seu acompanhamento e fiscalização
Nesta fase os recursos empenhados são liberados para uma conta bancária do
convenente, vinculada especificamente ao convênio, contrato de repasse ou outro ajuste
celebrado, na qual também deve ser depositada a contrapartida financeira acordada.
A gestão da referida conta submete-se a disposições específicas (art. 20, IN STN
1/97), devendo os recursos liberados, enquanto não empregados na sua finalidade, ser objeto
de aplicação financeira e a sua movimentação ser realizada, exclusivamente, mediante cheque
nominativo, ordem bancária, transferência eletrônica disponível ou outra modalidade de saque
autorizada pelo Banco Central, em que fique identificada a sua destinação e, no caso de
pagamento, o credor.
O convenente, então, tomará todas as providências a seu cargo, com vistas a
concretizar o projeto, a atividade ou o evento pactuado. Promoverá os procedimentos
licitatórios, as contratações, as aquisições e as demais atividades necessárias à sua
consecução. O órgão ou entidade concedente, por sua vez, tem o dever legal de acompanhar e
fiscalizar in loco todas essas atividades, verificando o adequado cumprimento do objeto
pactuado e a legalidade dos procedimentos adotados.
Quando a liberação de recursos estiver prevista para ocorrer em mais de uma
parcela, a legislação exige que as parcelas subseqüentes à primeira somente sejam liberadas
quando tiver havido comprovação da boa e regular aplicação da parcela anteriormente
recebida.
As auditorias do TCU destacam que a negligência nos procedimentos da fase
preliminar de avaliação técnica das propostas e das condições técnicas e operacionais das
entidades convenentes para executá-las, associado à falta de acompanhamento, de fiscalização
e de transparência na execução reduz, praticamente a zero, a expectativa de controle em
relação à boa e regular aplicação dos recursos.
114
Ora, se em fase anterior deixaram de ser estabelecidos os parâmetros de controle,
como especificações técnicas, custos, metas quantitativas e qualitativas e, na fase de
execução, o acompanhamento e a fiscalização por parte dos órgãos concedentes é
praticamente inexistente, a malversação, o desvio e a apropriação de recursos, dentre outros
crimes contra a administração pública, têm campo fértil para prosperar.
A esse respeito, o relatório do Acórdão TCU 2.066/2006–Plenário, destacou:
3.3.10 Agora se constata que também a fase de acompanhamento e
fiscalização da execução está sendo negligenciada pelos entes concedentes,
aprofundando ainda mais a já pouca expectativa de controle por parte das
entidades convenentes e impedindo a adoção de medidas tempestivas para
corrigir a série de conseqüências nefastas que daí pode resultar, tais como o
risco de descumprimento do objeto por inexecuções, execuções parciais ou
imperfeitas, a malversação e o desperdício dos recursos transferidos.
Tal situação é agravada, mais uma vez, pelo fato de os órgãos concedentes não
disporem de estrutura suficiente. Situação, aliás, já há muito apontada pelo TCU, conforme
deixou assente o voto do Ministro-relator do Acórdão TCU 788/2006–Plenário:
9. Constata-se, aliás, que, entre os achados das fiscalizações de orientação
centralizada, os de maior relevância dizem respeito a deficiências já
identificadas em deliberações anteriores deste Tribunal e nos estudos acerca
do tema promovidos pela Controladoria-Geral da União. A recorrência
dessas falhas na transferência de recursos federais por convênios e contratos
de repasse aponta para deficiências estruturais dos órgãos repassadores,
controles inexistentes ou ineficientes e falta de servidores habilitados a
analisar e fiscalizar a descentralização de recursos em número compatível
com o volume de instrumentos celebrados.
Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo (Dinheiro público pelo ralo), de
7/8/2006, o Ministro-chefe da Controladoria-Geral da União, Jorge Hage, concordou com as
conclusões do TCU:
Esse desaparelhamento dos órgãos é uma questão histórica”, disse o
Ministro, acrescentando que o “o governo federal descentralizou a execução
orçamentária ao longo dos anos, mas não cuidou do aparelhamento adequado
da administração pública para acompanhar a aplicação dos recursos
transferidos a Estados e municípios. A descentralização foi uma opção
correta, mas deveria ter sido acompanhada da montagem de uma estrutura
que permitisse aos órgãos públicos verificar, até mesmo in loco, se o
dinheiro está sendo aplicado de acordo com os convênios assinados.
115
O relatório da CPMI, por sua vez, relaciona os seguintes problemas, em relação a
esta fase (V.II, p. 640), com base em informações, prestadas pelo Ministro do Controle e da
Transparência, encontradas de maneira mais repetida pelas equipes de auditoria da CGU:
a) fiscalização não-confiável devido à falta de parâmetros adequados, que deveriam constar
do Plano de Trabalho;
b) ausência de fiscalização, ou fiscalizações tecnicamente deficientes, resultado inevitável da
situação, independentemente da carência de pessoal adequado nos ministérios
repassadores, que é outra realidade determinante do problema;
c) existência de elevado percentual de servidores terceirizados nos ministérios, em níveis
intoleráveis, inclusive atuando em áreas críticas como acompanhamento da execução e
prestação de contas de convênios.
O resultado do quadro descrito, como é de se inferir, é uma pluralidade de falhas,
fraudes, desvios e outras irregularidades praticadas contra o tesouro público, resultando em
prejuízo à sociedade, que custeia tais ações, e, que deveria ser beneficiária de seus produtos.
Locupletam-se grupos privilegiados, por um variado cardápio de irregularidades, tais como:
transferência dos recursos da conta específica para outras contas; realização de saques, em
espécie, ou saque total dos recursos sem correspondência com o cronograma físico-financeiro;
utilização dos recursos em finalidade diversa da prevista e para despesas de manutenção do
próprio convenente; remuneração indevida de funcionários e dirigentes de ONGs; realização
de despesas sem comprovação ou comprovadas mediante notas fiscais falsas, “frias” e
“clonadas”; pagamentos por fornecimentos não realizados, simulações de fornecimentos,
falsas medições e atestação de obras e serviços, superfaturamento quantitativo e qualitativo;
compras sem licitação, direcionamento de licitação, simulação e fraude nos processos
licitatórios; falta de aporte da contrapartida ou falsa comprovação desta; inexecução do
objeto, execução parcial, imperfeita ou viciada, desvio dos recursos e inexistência do objeto
pago; utilização do ajuste para promoção pessoal e para fins eleitoreiros, dentre outras.
Enfim, materializa-se aqui, nesta fase, toda a sorte de ilícitos que as falhas da
sistemática permitem, sejam elas resultado de ações ardilosamente planejadas desde as fases
anteriores do processo, como no caso do escândalo dos “anões do orçamento” ou do mais
recente “sanguessugas”, seja em função das deficiências materiais, humanas e tecnológicas, já
exaustivamente apontadas, dos órgãos repassadores, dentre as quais, controles inexistentes ou
ineficientes, mecanismos de transparência insuficientes, ausência ou deficiência nos sistemas
116
informatizados, falta de servidores habilitados para analisar e fiscalizar a descentralização dos
recursos em número compatível com o volume de instrumentos celebrados.
3.3.4 Falhas na fase de análise de resultados e prestações de contas
A prestação de contas é a última fase da transferência, e constitui-se em obrigação
legal de a entidade comprovar a boa e regular aplicação dos recursos públicos a ela confiados,
na forma disciplinada pelo Estado.
Caso a prestação de contas não seja apresentada no prazo convencionado, e,
depois de notificada a apresentá-la, a entidade não o fizer, o órgão ou entidade concedente
tem o dever legal de registrar a omissão no Siafi e determinar a instauração da competente
tomada de contas especial com o objetivo de apurar responsabilidades e quantificar os danos
causados ao Erário.
Recebida a prestação de contas, o prazo legal para análise e aprovação (ou não),
por parte do órgão ou entidade concedente, é de até sessenta dias.
Com base no acompanhamento e fiscalização in loco realizados na etapa anterior,
bem como em outros instrumentos de avaliação do programa ou ação de governo ao qual a
transferência se vincula, deverá a unidade técnica do órgão repassador avaliar, e consignar em
seu parecer, o atingimento dos objetivos previstos no convênio ou instrumento congênere,
bem como os resultados alcançados.
As já mencionadas auditorias do TCU apontam que as análises das prestações de
contas são superficiais, até mesmo deficientes, em dissonância com as informações e
elementos presentes no processo, revelando que os pareceres são meramente pro forma,
apenas para cumprir ritos legais e que não há procedimentos de avaliação dos resultados
alcançados em termos de benefícios, impactos econômicos ou sociais ou, ainda, no tocante à
satisfação do público-alvo em relação aos objetos implementados. Enfim, as análises de
resultado, que deveriam constar dos pareceres sobre as prestações de contas, não permitem
que se tenha qualquer idéia sobre a eficácia e a efetividade das ações executadas. O relatório
do Acórdão TCU 2.066/2006–Plenário, evidencia bem essa situação:
3.3.3 As avaliações técnicas da execução e atingimento dos objetivos dos
convênios (IN STN n. 1/1997, art. 30, § 1º, inciso I) são superficiais,
realizadas sobre relatórios apresentados pelas convenentes, sem evidência de
averiguações mais aprofundadas quanto à consistência das informações
117
recebidas. Baseiam-se tão somente nas informações corriqueiras das
prestações de contas, sem suporte em relatórios de fiscalização e/ou
acompanhamento local da execução do objeto.
Além do expressivo número de convênios e instrumentos similares aprovados
pelos órgãos repassadores, nos quais auditorias do TCU encontraram irregularidades graves,
há, ainda, os casos em que tais prestações de contas não são analisadas de modo algum, seja
porque a entidade omitiu-se no dever de prestar contas, seja porque os órgãos/entidades
concedentes, em função das deficiências já apontadas, não procederam às análises das
prestações de contas apresentadas.
Tal situação, aliás, constitui uma, dentre as demais analisadas no relatório do voto
que motivou o Acórdão TCU 788/2006–Plenário:
48. [...] iv) não cumprimento dos prazos estipulados pelo art. 31 da IN/STN
01/97 para conclusão da análise das prestações de contas apresentadas, o que
propicia que convenentes que não estejam com situação de fato regularizada
quanto à transferência de recursos anteriormente feita continuem a celebrar
convênios com a Administração Pública Federal, em decorrência de não se
fazer tempestivamente o registro da inadimplência no Siafi.
Já no relatório sobre as Contas do Governo da República de 2005 (p.164-6), o
Tribunal de Contas manifestou preocupação quanto ao fato de muitos entes da Federação e
ONGs continuarem recebendo recursos federais sem que tenham prestado contas ou tenham
tido suas contas analisadas. Tal descaso também foi alvo atenção da CPMI (V.II, p.561) ao
analisar relatório de auditoria produzido pelo TCU:
Como bem lembra a equipe de auditoria, ‘a mera apresentação da prestação
de contas não autoriza a liberação de novas parcelas, pois a boa e regular
aplicação da parcela anteriormente transferida só se comprova por meio de
minuciosa análise e conseqüente aprovação e não somente com sua
apresentação.’
Esse tipo de irregularidade demonstra não apenas a desestruturação dos órgãos e
entidades que gerenciam a execução dos programas de governo, mas também uma razoável
disposição para expor os recursos públicos a um nível de risco intolerável, por parte daqueles
que continuam a realizar transferências de recursos cuja boa e regular aplicação não será
capaz de averiguar.
O relatório final da CPMI (V.II, p.640), por sua vez, cita como principais
problemas desta fase:
118
a) análises superficiais das prestações de contas, em função de que as propostas não são
adequadamente formuladas, e da ausência de fiscalização;
b) ausência de informações suficientes sobre os processos licitatórios nas prestações de
contas;
c) baixa utilização de meios eletrônicos que permitam o cruzamento de dados críticos.
Em 31/12/2006, havia 478 convênios, contratos de repasse e termos de parceria
celebrados com ONGs, cuja vigência já se encontrava expirada desde 31/12/2005, sem que as
prestações de contas, relativas a um montante de R$ 107,75 milhões tenham, sequer, sido
apresentadas aos órgãos e entidades que transferiram os recursos.
O atraso médio na entrega dessas prestações de contas, em toda a administração
pública federal, supera três anos, chamando a atenção o caso do Ministério da Ciência e
Tecnologia que responde por um quarto dos recursos repassados e pelo maior número de
instrumentos sem contas apresentadas.
Quadro 3.3 Prestações de Contas não Apresentadas
Convênios e outros ajustes celebrados com ONGs
ÓRGÃO SUPERIOR CONCEDENTE
QTDE.
VALOR
(R$ Milhões)
%
ATRASO
MÉDIO
(Meses)
Ministério da Ciência e Tecnologia
158
27,05
25%
26
Ministério da Integração Nacional
52
20,48
19%
53
Ministério do Desenvolvimento Social e C. Fome
20
15,79
15%
128
Ministério do Desenvolvimento Agrário
81
15,21
14%
20
Ministério da Educação
31
9,76
9%
33
Ministério da Saúde
18
5,11
5%
33
Ministério do Meio Ambiente
35
3,50
3%
21
Ministério do Turismo
6
2,44
2%
20
Ministério da Cultura
10
1,94
2%
28
Ministério da Agricultura
5
1,78
2%
59
Presidência da República
5
1,35
1%
22
Ministério do Esporte
4
1,01
1%
19
Outros (oito órgãos)
53
2,33
2%
46
478
107,75
100%
41
Total
Fonte: Siafi
Atraso computado a partir de 60 dias da data de expiração do convênio, conforme IN-STN 01/97
No que diz respeito às prestações de contas já apresentadas, mas ainda não
analisadas pelos órgãos transferidores, havia, em 31/12/2006, 6.522 processos nessa situação,
119
representando R$ 1,9 bilhões que, somando-se às prestações de contas não apresentadas,
ultrapassa o montante de R$ 2 bilhões, cuja aplicação o governo desconhece os resultados.
Quadro 3.4 Prestações de Contas não Analisadas
Convênios e outros ajustes celebrados com ONGs
ÓRGÃO SUPERIOR CONCEDENTE
Ministério da Saúde
QTDE.
VALOR
(R$ Milhões)
%
ATRASO
MÉDIO
(Meses)
259
554,96
29%
32
Ministério da Ciência e Tecnologia
1.028
418,23
22%
27
Ministério do Trabalho e Emprego
63
246,52
13%
33
3.101
209,99
11%
54
Ministério do Esporte
432
98,89
5%
58
Ministério do Turismo
228
92,07
5%
39
Ministério do Desenvolvimento Agrário
229
78,87
4%
23
Ministério da Agricultura
245
55,65
3%
28
Ministério da Cultura
226
47,03
2%
49
Ministério da Integração Nacional
144
44,33
2%
47
Ministério do Meio Ambiente
80
23,90
1%
30
Presidência da República
82
11,79
0,5%
17
Ministério do Desenvolvimento Social e C. Fome
13
10,53
0,5%
36
392
22,22
1%
34
6.522
1.914,98
100%
35
Ministério da Educação
Outros (onze órgãos)
Total
Fonte: Siafi
Atraso computado a partir de 120 dias da data de expiração do convênio, conforme IN-STN 01/97
Em termos médios, a idade dos processos pendentes de análises em toda a
administração pública federal, chega a quase três anos e, mais uma vez, chama atenção o caso
do Ministério da Ciência e Tecnologia, com mais de um quarto do volume de recursos.
Essa demora na análise das prestações de contas, de responsabilidade dos órgãos e
entidades repassadores constituem um gargalo, na verdade um óbice, à atuação da CGU, do
TCU, do MPF e da AGU, no exercício de suas respectivas competências, uma vez que a
atuação destes deve ser precedida dos seguintes procedimentos, de maneira simplificada
(NÓBREGA, 2006:3-4, com adaptações): 1. Conclusão dos órgãos e entidades repassadores
quanto à correta e regular aplicação dos recursos; 2. Em caso de irregularidades, cobrança
para que os convenentes supram as irregularidades constatadas; 3. Não supridas tais
irregularidades, registro da inadimplência no Siafi; 4. Se ainda assim não supridas as
irregularidades, instauração de tomadas de contas especiais (TCE) pelos órgãos e entidades
repassadores; 5. Conclusão da TCE, identificando prejuízo à União e a responsabilidade por
120
esse prejuízo; 6. Remessa da TCE para que a CGU aprecie a sua regularidade formal; 7.
Remessa da TCE pela CGU ao TCU para julgamento das contas e imputações decorrentes
(ressarcimento do dano ou prejuízo e multas aos responsáveis). Somente com esse julgamento
é que o MPF será acionado, por meio de representações (notitia criminis) encaminhadas pelo
TCU, para promover as ações cabíveis (penais e de improbidade administrativa), bem como
também a AGU para promoção das ações executivas, face aos acórdãos proferidos pelo TCU.
Resta claro que a repressão aos atos de corrupção e desvios está absolutamente
comprometida, uma vez que, ao se chegar aos últimos elos dessa cadeia de procedimentos, já
estará presente o manto da prescrição e, ainda que não, a extinção da punibilidade, na grande
maioria dos casos, provavelmente ocorrerá, dada a necessidade de procedimentos específicos
nos órgãos que atuam na fase final.
3.4 INDICATIVOS DE SOLUÇÃO NA SISTEMÁTICA DE CONTROLE
Sem a pretensão de esgotar o detalhamento das medidas que se fazem necessárias,
mencionam-se as oportunidades de melhorias, algumas já determinadas pelo TCU, outras já
deliberadas pelo Congresso Nacional, outras, ainda, apontadas pela CPMI, em estudo no
âmbito do Poder Executivo e em fóruns especiais.
As medidas visam a melhorar o arcabouço normativo, racionalizar e tornar mais
objetivos e auditáveis os processos, dotar o Poder Público da estruturação mínima necessária,
em termos de recursos humanos, materiais e tecnológicos para o aperfeiçoamento dos
mecanismos de gestão, de controle e de transparência das ações. Em síntese, objetivam uma
elevação do nível de accountability, viabilizado por um sistema de governança pública mais
fortalecido e de controle social mais efetivo.
Tais medidas, em seu conjunto, têm por pano de fundo a maximização da
expectativa de controle, a transparência e a publicidade das ações, a redução da impunidade e
o aumento do comprometimento dos atores envolvidos com a eficiência e a efetividade da
implementação das políticas públicas.
No tocante à estruturação mínima necessária para que órgãos e entidades da
administração pública exerçam adequado controle da aplicação das verbas transferidas, o
TCU prolatou o Acórdão TCU 788/2006–Plenário, nos seguintes termos:
121
9.1. determinar ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão que, em
conjunto com os órgãos e entidades da Administração Pública Federal
(Direta e Indireta) que realizem transferências voluntárias de recursos
mediante convênios, acordos, ajustes, contratos de repasse ou instrumentos
congêneres, em especial a Caixa Econômica Federal (CEF), a Fundação
Nacional de Saúde (Funasa), o Fundo Nacional de Saúde, o Ministério da
Integração Nacional, a Companhia do Desenvolvimento dos Vales do São
Francisco e do Parnaíba (Codevasf), o Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento, o Ministério do Desenvolvimento Agrário, o Ministério dos
Esportes, o Ministério da Cultura e o Fundo Nacional de Desenvolvimento
da Educação (FNDE), elabore estudo técnico com vistas a dotar os órgãos e
entidades repassadores de recursos públicos federais da estrutura mínima
necessária ao bom e regular cumprimento de seus fins, a ser apresentado a
este Tribunal no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, o qual deverá comportar,
para cada órgão ou entidade:
9.1.1. identificação da estrutura de recursos humanos e materiais atualmente
disponível para o cumprimento dessa finalidade;
9.1.2. identificação da estrutura de recursos humanos e materiais mínimos
necessários à sua boa atuação nas três etapas de controle da transferência
voluntária de recursos públicos federais (o exame e aprovação dos pedidos, o
acompanhamento concomitante da execução e a análise das prestações de
contas), tomando-se como parâmetro, sobretudo, o montante anual de
recursos repassados e o objeto da atuação de cada órgão ou entidade;
9.1.3. as providências a serem adotadas pelo órgão ou entidade e pelo
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão para dotar o órgão ou
entidade dos recursos mínimos mencionados no item 9.1.2;
9.1.4. o cronograma de implementação dessas providências, contemplando
toda a programação e o prazo de conclusão;
9.2. recomendar ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão que
avalie a possibilidade de criação ou modificação de sistema de informática
que permita o acompanhamento on-line pelo menos em parte dos convênios,
acordos, ajustes, contratos de repasse ou outros instrumentos congêneres,
compreendendo a sinalização automática daqueles que mostrem
comportamento discrepante; [...]
Cônscio de que fiscalizar e acompanhar a grande quantidade de ações públicas
descentralizadas por meio de transferências aos diversos entes da Federação e às milhares de
ONGs, mesmo com a estruturação determinada no Acórdão precedente continuará sendo
tarefa difícil de executar se não contar com a participação da sociedade, o Tribunal considerou
imprescindível ampliar os mecanismos de transparência para oferecer aos cidadãos os meios
122
adequados para que exerçam o controle social dessas ações. Assim, prolatou o Acórdão TCU
2.066/2006–Plenário, com o seguinte teor:
9.1. determinar ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão que,
para possibilitar a transparência que deve ser dada às ações públicas, como
forma de viabilizar o controle social e a bem do princípio da publicidade
insculpido no art. 37 da Constituição Federal de 1988 c/c o art. 5º, inciso
XXXIII, da mesma Carta Magna, no prazo de 180 (cento e oitenta dias),
apresente a este Tribunal estudo técnico para implementação de sistema de
informática em plataforma web que permita o acompanhamento on-line de
todos os convênios e outros instrumentos jurídicos utilizados para transferir
recursos federais a outros órgãos/entidades, entes federados e entidades do
setor privado, que possa ser acessado por qualquer cidadão via rede mundial
de computadores, contendo informações relativas aos instrumentos
celebrados, especialmente os dados da entidade convenente, o parlamentar e
a emenda orçamentária que alocaram os recursos, se houver, o objeto
pactuado, o plano de trabalho detalhado, inclusive custos previstos em nível
de item/etapa/fase, as licitações realizadas com dados e lances de todos os
licitantes, o status do cronograma de execução física com indicação dos bens
adquiridos, serviços ou obras executados, o nome, CPF e dados de
localização dos beneficiários diretos, quando houver, os recursos transferidos
e a transferir, a execução financeira com as despesas executadas
discriminadas analiticamente por fornecedor e formulário destinado à coleta
de denúncias;
9.1.1. página do referido sistema deverá ser disponibilizada em local visível
dos sítios de todos os órgãos/entidades que realizem transferências
voluntárias, permitindo filtrar consultas aos instrumentos celebrados por
cidade, estado, entidade convenente, número do ajuste, objeto, entre outros
critérios de pesquisa, com vistas a maior acessibilidade e transparência
possível;
9.1.2. com o intuito de exibir dados de todos os instrumentos celebrados no
âmbito da administração pública federal (direta e indireta), deverá ser
disponibilizada em portal específico página do mesmo sistema, permitindo
acesso aos filtros de consultas do item precedente, além de outros que a
característica consolidadora da página exigir;
9.1.3. as denúncias recebidas na forma do item 9.1 deverão ser objeto de
tratamento prioritário nos órgãos/entidades concedentes, reportando-se as
constatações e as providências tomadas à Controladoria-Geral da União e ao
Tribunal de Contas da União;
9.2. determinar ao Conselho Nacional de Assistência Social do Ministério do
Desenvolvimento Social que, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, para
viabilizar a transparência necessária ao controle social, disponibilize, em sua
página na rede mundial de computadores, as informações relativas aos títulos
jurídicos sob sua responsabilidade (Registro e Cebas), incluindo o CNPJ, o
123
nome da entidade, a atividade de interesse social desenvolvida por ela, a data
de sua fundação e seus dados completos de localização, inclusive sítio na
rede mundial de computadores, quando houver, e-mail e telefones, nome,
cargo e CPF dos integrantes de seus órgãos internos (conselhos e diretoria
executiva), data de concessão, prazo de validade e discriminação dos
benefícios associados ao título concedido com sua situação (regular,
suspenso ou cancelado), e formulário destinado ao registro de denúncias;
9.3. determinar ao Ministério da Justiça que, no prazo de 120 (cento e vinte)
dias, para complementar as informações atualmente fornecidas e viabilizar
efetivamente o controle social, disponibilize em sua página na rede mundial
de computadores a atividade de interesse social desenvolvida pela entidade
qualificada como Oscip ou de Utilidade Pública Federal, a data de sua
fundação e seus dados completos de localização, inclusive sítio na rede
mundial de computadores, quando houver, e-mail e telefones, nome, cargo e
CPF dos integrantes de seus órgãos internos (conselhos e diretoria
executiva), data de concessão, prazo de validade e discriminação dos
benefícios associados ao título concedido com sua situação (regular,
suspenso ou cancelado), e formulário destinado ao registro de denúncias; [...]
O Ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão declarou à CPMI (V.II, p.635),
que está trabalhando com prioridade no projeto para a criação e implementação do sistema
informatizado de controle de convênios de modo atender, integralmente, à determinação do
Acórdão TCU 2.066/2006–Plenário. Por meio das Notas Técnicas 59/2006-SE e 12/2007-SE,
o Ministério informou ao Tribunal os estudos e as medidas que estão sendo adotados com
vistas ao cumprimento das decisões.
Esses estudos estão sendo desenvolvidos sob coordenação do Ministério e com a
participação da CGU, do Ministério da Fazenda e da Secretaria de Relações Institucionais da
Presidência da República, contemplando as seguintes diretrizes:
informatização do processo, melhora no acompanhamento, promoção da transparência do
processo e aperfeiçoamento da prestação de contas;
melhora na qualidade dos projetos e parametrização dos objetos;
redução do quantitativo de convênios;
adequação de recursos humanos (concedente e convenente).
Os estudos referidos prevêem as seguintes medidas principais:
criação do Portal dos Convênios, de uso obrigatório para a celebração de convênios,
contratos de repasse, termos de parceria e ajustes similares;
124
padronização dos convênios, inclusive mediante obrigatoriedade de projetos e orçamentos
padronizados, bem como formulários para apresentação on-line de projetos, planos de
trabalho e prestação de contas;
obrigatoriedade da utilização de contrato de repasse em obras que atendam a determinados
critérios;
ampliação da atividade da Secretaria Federal de Controle Interno na fiscalização da
execução dos convênios, além da implementação de parcerias com tribunais de contas
estaduais e municipais; e
elaboração e implantação de plano de capacitação dos servidores.
O conjunto de medidas em curso modificará substancialmente o atual modelo de
transferências orçamentárias da União, tanto em relação às ONGs como em relação aos
estados e municípios. Dando início à concretização dessa estratégia, o Poder Executivo
federal expediu o Decreto 6.170, de 25 de julho de 2007 (DOU 26/7/2007), alterando as
normas e os procedimentos básicos relativos às transferências de recursos mediante convênios
e instrumentos similares, cujas inovações e pontos relevantes são destacados a seguir:
1. instituição do SICONV – Sistema de Gestão de Convênios e do Portal dos Convênios, por
meio do qual “a celebração, a liberação de recursos, o acompanhamento da execução e a
prestação de contas dos convênios serão registrados, que será aberto ao público via
Internet, por meio de página específica”, tendo o Ministério do Planejamento, Orçamento
e Gestão (MPOG) como órgão central do sistema, ao qual compete estabelecer as
diretrizes e normas a serem seguidas pelos órgãos setoriais (aqueles que realizarem
transferências voluntárias de recursos) e demais usuários (art.13, §§1° e 2°); Poder
Legislativo (mesas da Câmara e do Senado), Ministério Público, TCU e CGU têm acesso
nato ao SICONV, podendo nele incluir informações (art.13, §3°);
2. criação da modalidade de descentralização “termo de cooperação” entre órgãos e
entidades da administração pública federal, direta e indireta, para executar programa de
governo, envolvendo projeto, atividade, aquisição de bens ou evento, mediante portaria
ministerial (art.1°, §1°, III), vedada a celebração de convênios (art.2°, III);
3. criação do conceito de “padronização” de objetos, entendido como tal “o estabelecimento
de critérios, por parte do concedente, especialmente quanto às características do objeto e a
seu custo, a serem seguidos em todos os convênios ou contratos de repasse com o mesmo
objeto.” (art.1°, §1°, IX); os órgãos e entidades concedentes publicarão em até 120 dias da
data de publicação do Decreto, a relação dos objetos padronizáveis, devendo revê-la e
125
republicá-la anualmente (art.16 e parágrafo único); os objetos padronizáveis poderão ser
adquiridos e distribuídos pelos próprios órgãos concedentes (art.15);
4. vedação de ajustes com estados e municípios de valor inferior a R$ 100 mil, permitido,
para alcance desse limite, o consorciamento entre órgãos e entidades da administração
pública direta e indireta daqueles entes e a pactuação que englobe vários programas e
ações federais num mesmo ajuste (art.2°, I, c/c parágrafo único, I e II);
5. vedação de ajustes com ONGs que tenham como dirigentes membros de Poder, do
Ministério Público, do TCU, ou de servidor público vinculado ao órgão concedente, bem
como respectivos cônjuges, companheiros ou parentes até o 2° grau (art.2°, II, a e b);
6. obrigatoriedade de prévio cadastramento no SICONV das ONGs que pretendam celebrar
convênio com órgãos ou entidades da administração publica federal, podendo o cadastro
ser feito em qualquer um deles, ocasião em que a entidade comprovará os requisitos
exigidos, apenas uma vez, permitindo a celebração de convênios com qualquer dos outros,
enquanto estiver válido o cadastramento (art.3°);
7. previsão de chamamento público com o objetivo de selecionar projetos ou ONGs, do qual
será dada ampla publicidade, especialmente por intermédio da divulgação na primeira
página do sítio oficial do órgão ou entidade concedente, bem como no Portal de
Convênios, contendo os critérios objetivos estabelecidos para a aferição da qualificação
técnica e capacidade operacional da entidade para a gestão do convênio (arts. 4° e 5°);
8. obrigatoriedade, em qualquer convênio, de cláusula indicando a forma pela qual a
execução do objeto será acompanhada pelo concedente, que deverá ser suficiente para
garantir a plena execução física daquele (art.6° e parágrafo único); obras só poderão ser
realizadas mediante contratos de repasse, salvo quando o concedente dispuser de estrutura
para acompanhar a execução do convênio (art.8°);
9. explicitação de que as ONGs não se sujeitam à Lei de Licitações, devendo, no mínimo,
realizarem cotação prévia de preços no mercado antes da celebração de contratos,
observados os princípios da impessoalidade, moralidade e economicidade (art.11);
10. previsão de possibilidade de execução financeira do convênio, por parte do convenente,
diretamente no Siafi, de acordo com normas a serem expedidas conjuntamente pelos
Ministros da Fazenda e do Planejamento, Orçamento e Gestão (art.10, §8° e art.18);
11. obrigatoriedade de uma conta específica para cada instrumento de transferência (art.10,
§3°, I), exclusivamente no Banco do Brasil ou na Caixa Econômica, que poderão atuar
como mandatários da União para execução [financeira do convênio] e fiscalização
(art.10), devendo figurar no contrato de repasse, como interveniente, a instituição pública
126
ou privada que ficar responsável pelo acompanhamento da regular aplicação dos recursos
transferidos, nos casos em que o agente financeiro federal não detiver a capacidade
técnica necessária para tal (parágrafo único, art.8°);
12. obrigatoriedade de depósito da contrapartida financeira na conta específica do convênio
ou nos cofres da União, na hipótese dele ser executado diretamente no Siafi, em
conformidade com o cronograma de desembolso (§1°, art.7°);
13. obrigatoriedade de identificação do beneficiário final em todos os pagamentos realizados à
conta específica dos recursos recebidos da União e de depósito em sua conta bancária
(§1°, art.10); excepcionalmente, e observados os limites a serem fixados no ato conjunto a
ser expedido pelos Ministros da Fazenda e do Planejamento, poderão ser realizados
pagamentos a beneficiários finais pessoas físicas que não possuam conta bancária,
mediante mecanismo que permita a identificação, pelo banco, do beneficiário do
pagamento (§2°, art.10); fornecedores e prestadores de serviços terão os pagamentos
realizados exclusivamente mediante crédito em conta bancária de sua titularidade (§3°, II,
art.10); as informações de toda a movimentação da conta específica serão transferidas ao
Siafi e ao Portal dos Convênios, conforme normas a serem expedias no ato conjunto dos
Ministros da Fazenda e do Planejamento (§3°, III, art.10);
14. redução dos prazos para apresentação e apreciação das prestações de contas. Antes, o
convenente tinha prazo de até 60 dias, contados da data de expiração do convênio, para
apresentar a prestação de contas. Agora deve apresentá-la em até 30 dias da data do último
pagamento realizado (art.10, §6°); o concedente, que antes tinha prazo de até 60 dias para
apreciar as contas recebidas (contados da data de seu recebimento), ganhou um prazo
maior, deve agora apreciá-las em até 90 dias (art.10, §7°).
O objetivo principal das novas regras, conforme nota divulgada no sítio oficial do
MPOG (BRASIL, 2007) é “dar mais transparência para a sociedade dos convênios assinados
com recursos públicos e desta forma inibir o desvio.” Na mesma nota, o Ministro do
Planejamento e o Ministro-Chefe da CGU esclarecem que as medidas poderão trazer redução
de aproximadamente 15 mil processos de convênios por ano (a cada ano são realizados cerca
de 32 mil convênios) gerando economia operacional de cerca de R$ 1,5 bilhão.
O CNAS/MDS e o Ministério da Justiça já estão contemplando, nos sistemas
atualmente em implantação nos respectivos órgãos, as informações relativas ao atendimento
aos itens 9.2 e 9.3 do Acórdão TCU n.º 2066/2006-Plenário, ou seja, a disponibilização dos
127
dados das entidades reconhecidas, qualificadas ou certificadas, bem como dos integrantes de
seus órgãos internos na Internet, cujo objetivo também é viabilizar o controle social.
O TCU, por seu turno, conforme determinação do item 9.6.1 do Acórdão TCU
2066/2006–Plenário, adotou medida de cunho interno, endereçada ao seu corpo técnico,
visando ao combate a análises pro forma das propostas de convênios e instrumentos similares,
nas quais fique evidenciado o descompromisso por parte do servidor responsável (Ordem de
Serviço Segecex n° 26, de 9/11/2006, da Secretaria-Geral de Controle Externo):
Art. 1º Ficam as unidades técnicas vinculadas à Segecex orientadas a,
quando da realização de auditorias em convênios, termos de parceria,
acordos, ajustes e outros instrumentos utilizados para transferir recursos
federais a Organizações Não-Governamentais, concentre esforços na
avaliação do controle preventivo que deve ser exercido pelo órgão/entidade
concedente, na fase de análise técnica das proposições e celebração dos
instrumentos, atentando quanto a eventuais desvios de conduta e/ou
negligência funcional de agentes e gestores públicos, caracterizados pela
falta ou insuficiência de análises técnicas, especialmente a avaliação da
capacidade da entidade convenente para consecução do objeto proposto e
para realizar atribuições legalmente exigidas na gestão de recursos públicos
e para prestar contas, propondo, entre outras medidas ao seu alcance, a
responsabilização pessoal por ato de gestão temerária, instauração de
processo disciplinar, inabilitação para o exercício de cargo em comissão ou
função de confiança, multas e solidariedade no débito quando a conexão dos
fatos assim permitir, especialmente quando não presentes os pressupostos
basilares para a celebração: a legitimidade da parceria e a existência de
interesse público convergente entre os entes concedentes e convenentes.
Os esforços no combate à corrupção e ao desvio de dinheiro público levaram o
TCU também a instituir serviço, denominado Serviço de Gestão de Informações Estratégicas
para as Ações de Controle Externo (SGI), destinado a auxiliar na coordenação de rede interna
de produção e gestão de informações estratégicas, bem como para interagir com outros órgãos
e entidades da administração pública com o objetivo de estabelecer rede de intercâmbio e de
compartilhamento de informações e conhecimentos estratégicos que apóiem as ações de
controle externo.
Por intermédio do SGI, o TCU tem participação essencial na Estratégia Nacional
de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro – ENCCLA 2007, da qual também
participam 60 órgãos da administração pública federal, na busca da implementação das
seguintes metas, correlacionadas com a questão objeto da presente análise:
128
Meta 1: Elaborar anteprojeto de lei para uniformizar e acelerar a
comunicação, pelos órgãos de fiscalização e controle da Administração
Pública, de indícios de ilícitos aos órgãos de investigação, inteligência e
persecução penal.
Meta 2: Elaborar anteprojeto de lei para aperfeiçoar a troca de informações
sigilosas entre órgãos e entidades públicos de controle, prevenção e combate
à corrupção e à lavagem de dinheiro e de recuperação de ativos.
Meta 22: Expandir o sistema de monitoramento e controle de transferências
voluntárias de recursos federais, inclusive com a informatização das
prestações de contas.
Meta 27: Elaborar anteprojeto de lei para disciplinar repasse, controle e
avaliação de resultados referentes aos recursos públicos destinados ao
Terceiro Setor.
Meta 28: Integrar bancos de dados do MJ, do TCU, da CGU, do MPOG, do
INSS e do CNAS sobre entidades do Terceiro Setor beneficiárias, diretas ou
indiretas, de recursos públicos ao Cadastro Nacional de Entidades CNEs/MJ,
objetivando ampla e irrestrita publicidade, transparência e controle social.
Meta 29: Elaborar projeto de norma estabelecendo a obrigatoriedade de
consulta prévia pelos órgãos da administração pública federal ou entidades
que recebam recursos de transferências voluntárias da União ao Cadastro
Nacional de Entidades CNEs/MJ ao firmar parcerias com o Terceiro Setor.
Meta 31: Elaborar ato normativo que somente permita a contratação, com
recursos de transferências voluntárias da União, de empresas cadastradas e
adimplentes no SICAF.
De volta ao relatório final da CPMI, observa-se que ele sinaliza diversas medidas
que, se implementadas, trarão significativas melhorias não só no contexto das transferências
voluntárias da União mas também em todo o espectro de manejo dos recursos públicos.
Dentre as medidas sinalizadas merecem destaque:
a necessidade de aprovação da nova lei de finanças públicas, que viria a substituir a Lei n.º
4.320/64, trazendo melhor normatização da forma e conteúdo do PPA, da LDO e do
processo de elaboração da LOA;
compilação do arcabouço legal em texto que seja dirigido especificamente ao Poder
Executivo Municipal, com o fim de regulamentar de maneira clara o acesso à informação
sobre os atos da administração pública relativamente a esses entes da Federação;
criação de lei federal que discipline as normas gerais de instalação de conselhos
municipais, particularmente concedendo ao Ministério Público a função de coordenar o
processo de eleição dos representantes da sociedade civil que deles participarão, bem
129
como outros aspectos do funcionamento, composição, organização e instalação desses
conselhos objetivando aumentar sua eficácia;
aprovação do projeto de lei 6.735/2006, que tipifica o crime de malversação de recursos
públicos, pois estão ali tipificadas e categorizadas como crime, a maior parte das
irregularidades verificadas na execução dos convênios e ajustes similares;
aprovação do projeto de lei do Senado 00231/2006, com a proposta de emenda elaborada
pelo TCU, visando a tratar do instituto da inelegibilidade em função da malversação de
recursos públicos.
Além dessas medidas, também merece destaque a recente aprovação da Resolução
1-CN/2006, que traz nova disciplina ao processo orçamentário, na qual sobressai a instituição
do Comitê de Admissibilidade de Emendas parlamentares ao OGU (art.25), estrutura técnica
de grande relevância para a verificação do cumprimento das condições previstas na Lei n.º
4.320/64 e da conformação das emendas ao PPA, à LDO e à LRF, somadas às condições de
aprovação previstas no art. 166, § 3º, da Constituição Federal.
Por fim, menciona-se ainda o Projeto de Lei Complementar encaminhado ao
Congresso Nacional pelo Poder Executivo, para regulamentar a parte final do inciso XIX, do
art. 37 da Constituição Federal, definindo as áreas de atuação das fundações que poderão ser
instituídas ou autorizadas pelo Poder Público (PLP-92/2007-Câmara dos Deputados).
O referido PLP cria a figura jurídica da Fundação Estatal de direito privado, sem
finalidade lucrativa, a ser instituída ou autorizada mediante lei específica, para o desempenho
de atividade estatal que não seja exclusiva de Estado, nas áreas de saúde, assistência social,
cultura, desporto, ciência e tecnologia, meio ambiente, previdência complementar do servidor
público, comunicação social e promoção do turismo nacional.
De acordo com os documentos disponibilizados na página Projeto Fundação
Estatal, no sítio oficial do MPOG, um dos objetivos do novo modelo é revisar o marco legal
das OS, para solucionar pontos da Lei 9.637/98 que estão sendo questionados quanto à
constitucionalidade, conforme já explanado no presente trabalho.
As principais características da nova formatação jurídica da Fundação Estatal de
direito privado, conforme o material indicado, são as seguintes:
1. estará dentro da estrutura do Estado, na administração pública indireta, ao lado das
autarquias, autarquias fundacionais e empresas estatais. Será um modelo próprio para a
130
atuação direta do Estado em setores em que for considerada importante a prestação de
serviços pelo Estado, especialmente nas áreas sociais, de atendimento direto ao cidadão;
2. estará sujeita aos mesmos controles das demais entidades da administração pública
indireta: supervisão ministerial, controle da CGU e controle do TCU, que terão como
principal critério para o exercício do controle as informações do contrato estatal de
serviços firmado entre a fundação e seu órgão supervisor, uma vez que ele estabelece os
resultados que a fundação deve alcançar;
3. será tratada como uma prestadora de serviços do ente supervisor, com autonomia
administrativa, gerencial, financeira e orçamentária; suas receitas advirão do contrato que
firmar com o Poder Público, podendo também captar verbas de novos parceiros e oferecer
serviços a terceiros; estará fora do Siafi, observará as regras de contabilidade das
entidades privadas;
4. terá claras exigências para manutenção em cargos de direção: profissionalização,
competência e compromisso com o cumprimento das metas acordadas no contrato;
5. seus empregados serão públicos, mas contratados sob o regime da Consolidação das Leis
do Trabalho (CLT), mediante concurso público; terão segurança no emprego (só serão
demitidos quando houver motivação averiguada em processo administrativo);
6. poderá remunerar seus empregados com salários compatíveis com os de mercado. Os
servidores públicos cedidos à fundação poderão receber complementação salarial para
equiparar seu salário aos dos empregados da fundação;
7. sujeitar-se-á à Lei n° 8.666/93, mas poderá ter um regulamento próprio para fins de
licitação e contratos;
8. Será o primeiro modelo na administração pública em que a sociedade vai participar do
sistema de governança. Terá um Conselho Social, de natureza consultiva, composto por
representantes da sociedade civil, que elegerá um membro, com direito a voto, para o
Conselho de Administração;
9. não poderá ser criada fundação estatal para realizar a gestão de outros órgãos e entidades
públicos, ou seja, como “entidade de apoio”. A fundação estatal somente será criada para
exercício das atividades-fim pré-definidas na Lei Complementar.
131
4 CONCLUSÃO
4.1 O PANORAMA ATUAL DAS TRANSFERÊNCIAS ÀS ONGs
Reitera-se, inicialmente, que esta pesquisa teve por objetivo avaliar a eficácia dos
procedimentos de concessão e controle das transferências de recursos do orçamento público
para ONGs, partindo-se da premissa de que um nível mínimo de segurança para efetivá-las só
pode ser razoavelmente garantido se presentes as seguintes condicionantes:
a) adequada e suficiente estrutura, em termos de recursos materiais, humanos e tecnológicos
para gerir os processos de todo o ciclo de operacionalização das transferências, quais
sejam: programação, análise técnica das proposições, fiscalização e acompanhamento da
execução, avaliação das prestações de contas e dos resultados alcançados;
b) boa qualidade dos procedimentos de análise técnica das proposições e de escolha das
entidades, baseados em critérios objetivos e transparentes, especificações técnicas prédefinidas e parâmetros de custos pré-estabelecidos, de modo a dar fiel cumprimento aos
princípios da isonomia, da impessoalidade, da moralidade e da eficiência;
c) acompanhamento e fiscalização das ações pactuadas, bem como adoção de adequados
mecanismos de transparência dos atos de gestão para atender ao princípio constitucional
da publicidade, fundamental para o exercício do controle social, para a melhoria da
governança pública e para a elevação do nível de accountability.
O estabelecimento dessas condicionantes pressupõe que a descentralização da
execução de políticas públicas exige coordenação, monitoramento e controle das ações por
parte dos órgãos e entidades diretamente responsáveis pelos respectivos programas. Esses
órgãos ou entidades devem ser dotados de suficiência administrativa e operacional para
concretizar os objetivos de governo planejados e agir, primariamente, na tomada de decisões
para a correção de desvios e na recuperação de eventuais prejuízos ao erário.
É necessário ter presente que esses órgãos e entidades não são meros executores
de transferências de recursos do orçamento. São gestores de programas e, portanto, devem
zelar pelo cumprimento dos objetivos e das metas neles estabelecidos, missão difícil de se
realizar sem um adequado quadro de pessoal e demais recursos suficientes para permitir
acompanhar a efetiva e a eficaz implementação das ações. Não basta alcançar metas de
execução orçamentária, é necessário ter controle sobre a qualidade do gasto.
132
O planejamento, nesse contexto, constitui elemento imprescindível para se fixar
padrões de controle e aferição de resultados, sem o que, resta absolutamente comprometida a
atuação dos órgãos que, por dever constitucional, cumprem zelar pelo patrimônio público,
como é o caso, dentre outros, do Tribunal de Contas da União, do Ministério Público, da
Controladoria-Geral da União e da Advocacia-Geral da União (AGU).
Finalmente, as condicionantes estabelecidas reconhecem que o exercício de todas
essas atribuições deve pautar-se por atos e mecanismos que favoreçam seu questionamento,
no que diz respeito à adequação aos critérios de atuação pública constitucionalmente
estabelecidos, seja pela transparência e publicidade das ações, seja pela garantia de
informações, métodos, sistemas e processos fidedignos que permitam a atuação eficaz dos
órgãos de controle estatal, bem como da sociedade, no exercício do controle social.
Não é esse, porém, o quadro que surge das análises empreendidas nesta pesquisa.
O estudo aponta falhas estruturais que maculam todo o processo de descentralização de ações
mediante transferências do Orçamento Geral da União para ONGs, demonstrando a
necessidade de urgentes reparos em toda a sistemática. O Estado, a rigor, está desestruturado
para acompanhar e fiscalizar essas ações.
As anomalias se iniciam pela inclusão de emendas parlamentares ao OGU, que
muitas vezes não obedece a critérios técnicos condizentes com os objetivos dos programas em
que são inseridas. No momento da alocação de verbas, nenhuma verificação é realizada com
base em critérios técnicos quanto às justificativas, necessidade local, prioridade de
intervenção, especificações, custos etc., desvirtuando a atividade de planejamento.
A busca de espaço no orçamento para as emendas dos parlamentares termina por
estabelecer uma relação ambígua entre o Executivo e o Legislativo. Este reestima as receitas
para acomodar as emendas. Aquele promove o contingenciamento da execução orçamentária,
forçando a competição pelos recursos e viabilizando a execução seletiva em troca de apoio
político. O resultado é o enfraquecimento do Parlamento, em prejuízo de toda a sociedade.
Os órgãos e entidades repassadores estão desestruturados para o bom desempenho
de suas atribuições, em todas as fases do ciclo de operacionalização das transferências, desde
o exame e aprovação dos projetos, ao acompanhamento concomitante da execução e à análise
das prestações de contas. Faltam-lhes adequados recursos materiais, humanos e tecnológicos:
não há servidores habilitados e qualificados para acompanhar e fiscalizar a descentralização
133
das ações em número compatível com o volume de instrumentos celebrados; os sistemas
informatizados inexistem ou são deficientes; os controles são ineficientes ou ausentes; os
mecanismos de transparência são insuficientes.
Também não há critérios técnicos objetivos e transparentes definidos, tais como
especificações, referenciais de custo, parâmetros fundamentados em indicadores sociais e
econômicos aptos a orientar uma aplicação mais eficaz do dinheiro público, justificar a
seleção de propostas e a escolha das entidades que serão contempladas com os recursos. Por
essa razão, procedimentos que deveriam constituir a depuração e a validação do planejamento
das ações às vezes se resumem à escolha de emendas ou entidades, sem avaliação técnica
adequada para subsidiar a formalização do convênio ou outro ajuste.
As análises das propostas apresentadas pelos convenentes são negligenciadas; por
vezes inócuas, sem qualquer efetividade, sugerindo um padrão de análise tão-somente pro
forma. Em conseqüência, as proposições aprovadas não apresentam consistência. Descrições
genéricas, de difícil entendimento, não trazem informações, qualitativas e quantitativas, que
permitam avaliar os objetivos almejados, como as ações serão realizadas e o que se obterá
concretamente em termos de produtos ou serviços a serem prestados à comunidade.
Desse modo, não é possível afirmar que estejam sendo fielmente observados os
princípios da isonomia, da impessoalidade, da moralidade e da eficiência, na seleção dos
projetos e na escolha das entidades.
Todos esses problemas terminam por inviabilizar a atuação do próprio repassador
dos recursos e dos órgãos de controle, interno e externo, nas fases subseqüentes do ciclo, isto
é, no acompanhamento e fiscalização da execução (controle concomitante), na análise da
prestação de contas e na avaliação dos resultados (controle subseqüente), uma vez que os
critérios e parâmetros de atuação deixaram de ser objetivamente definidos na fase antecedente
da cadeia de controle.
Na verdade, observa-se uma correlação, do tipo causa-efeito, entre as negligências
das fases afetas ao planejamento das ações e as irregularidades que irão se materializar nas
demais (execução e prestação de contas). A precária atuação dos órgãos e entidades
repassadores na fase de avaliação das propostas termina por facilitar a atuação irregular das
entidades nas fases seguintes e na montagem posterior de prestações de contas.
134
O acompanhamento e a fiscalização da execução das ações, quando realizados,
são tecnicamente deficientes, em razão da falta de parâmetros que deveriam constar dos
planos de trabalho. Os pareceres técnicos quanto à execução física e atingimento dos
objetivos, bem como quanto à correta e regular aplicação dos recursos denotam, também, um
padrão de análises meramente pro forma. Não existem procedimentos de avaliação dos
resultados alcançados em termos de benefícios, impactos econômicos ou sociais, ou ainda,
relativos à satisfação do público-alvo em relação aos objetos implementados. Chama a
atenção, ainda, o expressivo número de convênios e ajustes similares aprovados pelos órgãos
e entidades concedentes, nos quais auditorias do TCU encontraram graves irregularidades.
Em razão dos fatos descritos, a expectativa de controle em relação à boa e regular
aplicação dos recursos é quase nula. O resultado, como é de se inferir, é uma pluralidade de
falhas, fraudes, desvios e outras irregularidades contra os cofres públicos. Materializa-se, na
fase de execução das ações, toda a sorte de ilícitos que as falhas da sistemática permitem,
sejam elas resultado de ações ardilosamente planejadas desde as fases anteriores do processo
(fatores condicionantes), sejam fruto de deficiências materiais, humanas e tecnológicas dos
órgãos e entidades repassadores (fatores circunstanciais ou intencionalmente condicionados).
As prestações de contas se acumulam nos órgãos repassadores, carentes de
pessoal e meios para analisá-las. Convenentes se omitem no dever de prestar contas. O atraso
médio na entrega de prestações de contas, em toda a administração pública federal, supera 3
anos, e é quase a mesma, a idade média dos processos já recebidos mas ainda não analisados.
Com isso, o governo desconhece os resultados da aplicação de mais de R$ 2 bilhões.
Constatou-se, também, que são insuficientes os mecanismos de transparência
atualmente existentes, assim, o princípio constitucional da publicidade não é atendido em todo
o ciclo de operacionalização das ações, o que constitui empecilho para um controle social
mais efetivo, uma governança pública mais fortalecida e para estabelecer e preservar um
adequado nível de accountability.
Por todo o exposto, pode-se afirmar que não são eficazes os procedimentos de
concessão e controle das transferências de recursos do orçamento público para ONGs. Tais
procedimentos, assim como a estrutura disponível para operacionalizá-los, bem como os
instrumentos e mecanismos de transparência dos atos de gestão são insuficientes para garantir
a efetiva implementação das ações e a regular aplicação dos recursos transferidos.
135
4.2 OPORTUNIDADES DE MELHORIAS
Apesar de reconhecer o potencial de solução embutido nas medidas em curso,
decorrentes de determinações do TCU, de recomendações da CGU, de propostas da CPMI, de
iniciativas do Poder Executivo, bem como daquelas que ainda dependem do processo
legislativo para trazer sua contribuição, conforme explanado na seção 3.4 (Indicativos de
solução na sistemática de controle), mencionam-se, a seguir, alguns aspectos tangenciados na
pesquisa que, por representarem oportunidades de melhorias no processo de transferências de
recursos do orçamento público para as ONG, merecem maior aprofundamento.
4.2.1 Atuação integrada dos órgãos estatais de gestão e fiscalização
É necessário buscar formas de atuação integrada, simultânea e tempestiva dos
órgãos e entidades públicos, respeitadas as respectivas competências, em detrimento da
atuação seqüencial e compartimentada, hoje vigente, em que um aguarda a conclusão da ação
do outro para poder agir. Para tanto, deve-se procurar eliminar redundância de esforços, de
sistemas, de bases de dados; constituir grupos de trabalho com as instâncias especializadas em
cada órgão, realmente envolvidas no trato das questões, para desenhar soluções e estratégias
de atuação integrada; compartilhar conhecimentos e informações na busca de encontrar
sinergias e expandir metodologias. Todas essas são oportunidades de melhorias que devem ser
exploradas pelos órgãos e entidades públicos que fazem a gestão e o controle de recursos
públicos, direta ou indiretamente, destinados às ONGs.
4.2.2 Reformulação e integração dos cadastros de ONGs existentes no País
A pesquisa demonstrou que existem vários cadastros e bancos de dados públicos
com informações sobre ONGs no País, faltando-lhes, porém, qualidade e suficiência de
informações que permitam o compartilhamento ou a integração com os diversos órgãos e
entidades interessados.
A Receita Federal, o Ministério da Justiça e o Conselho Nacional de Assistência
Social detêm os cadastros mais importantes do País. A normalização desses bancos de dados,
com vistas a sua integração e seu compartilhamento por todos os órgãos e entidades públicos,
constitui contribuição valiosa, não apenas para evitar
“duplicidade de informações e
burocracias desnecessárias”, como disse a Abong, mas também para melhorar a atuação da
administração pública em relação a todos os processos relacionados ao terceiro setor.
136
Não é demais lembrar que o único levantamento nacional de organizações sociais
realizado no Brasil, levou dois anos para ser concluído, justamente em função dessa limitação.
Razão porque, oportuna é a meta 28 do ENCCLA 2007, citada nesse trabalho, ressalvando-se,
porém, que esse qualificado fórum também deveria considerar a discussão das bases de dados
da Receita Federal em seus estudos, inclusive com vistas a atender o anseio do Poder
Legislativo no que tange aos PL para criação de um do Cadastro Nacional de ONGs (CNO).
4.2.3 Revisão das normas relativas ao sigilo e à transparência das ONGs
Conforme destaca o voto do Acórdão TCU 641/2007-Plenário, “É de fundamental
importância a implementação e a difusão de mecanismos de controle social, pois este sim, alia
eficácia e tempestividade no controle de políticas públicas custeadas por intermédio de
recursos oriundos de convênios, contratos de repasse e termos de parceria.” Contudo, como
se viu neste trabalho, a questão da transparência das ONGs emerge como uma das mais
importantes no contexto de todas as discussões que envolvem o terceiro setor, e não apenas no
que diz respeito ao manejo de recursos transferidos do orçamento público.
Por muitos motivos, no entanto, as ONGs não cultivam a transparência no Brasil,
apesar de suas finalidades consignarem o desenvolvimento de objetivos sociais ou públicos, a
exigir publicidade quanto ao portfólio de seus projetos, resultados obtidos e recursos
alocados, especialmente se considerado que suas ações têm como destinatário a sociedade, de
quem também provém seu financiamento, mediante o pagamento de “impostos ao Estado
(subventores dessas entidades) ou mesmo diretamente na forma de doações pecuniárias,
doação de bens, serviços prestados gratuitamente, ou, ainda, quando paga por algum tipo de
serviço por elas prestado.” (OLAK e NASCIMENTO, 2006:2).
Destarte, cabe refletir a respeito da aplicação do sigilo fiscal previsto no art. 198
do CTN a essas entidades, especialmente quanto a disponibilização pública, pela própria
Receita Federal, inclusive por meio da Internet, das origens e aplicações de recursos por elas
captados, além de outros detalhes relativos aos seus projetos e atividades, tal como já ocorre
em outros países, como por exemplo, nos EUA, onde tais informações são legalmente sujeitas
à inspeção pública e publicadas na Internet.
Pelos mesmos fundamentos, as normas relativas ao sigilo bancário das contas que
movimentam dinheiro público nessas entidades e seus correspondentes registros contábeis
merecem revisão, especialmente no que diz respeito ao acesso dos órgãos de controle interno
137
e externo estatal às suas informações. Se a legislação condiciona a transferência de recursos
públicos à sua movimentação em conta específica, inócuo seria tal requisito de controle se a
ele for vedado o acesso dos órgãos responsáveis pela fiscalizar a aplicação desses recursos.
Ademais, “o sigilo bancário existe para proteger o particular, não o administrador da coisa
pública” (NUNES, 2006:133) até porque, nos termos do art. 5°, LXXIII, da Constituição
Federal, “qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato
lesivo ao patrimônio público [...]”.
4.2.4 Controle fiscal dos recursos arrecadados pelas ONGs
Questão sensível, mas que merece reflexão, é o fato de as receitas, isto é, as
contribuições, doações e subvenções recebidas pelas ONGs não terem nenhuma espécie de
controle fiscal. Aqueles que com elas contribuem, não têm nenhuma garantia de que sua
contribuição irá realmente integrar o caixa da entidade, será efetivamente computado na sua
contabilidade e terá o fim desejado pelo contribuinte.
A adoção de um documento fiscal, para fornecimento obrigatório aos doadores e
contribuintes, minimizaria o uso fraudulento de ONGs na arrecadação e desvio de recursos da
economia popular, como no caso das duas ONGs, descobertas pela polícia do Paraná, que por
meio de cinqüenta filiais, equipes de telemarketing e motoboys arrecadava recursos para
apoiar pessoas com câncer desviando 70% da arrecadação, cerca de R$ 30 milhões.
A emissão e a autenticidade desse documento fiscal seria garantida por autoridade
fazendária, por meio de um sistema como o que está sendo atualmente implantado no âmbito
do Sistema Público de Escrituração Digital/Nota Fiscal Eletrônica – SPED/NF-e, armazenado
e acessível para consulta na Receita Federal até, pelo menos, a confrontação com os valores
informados na declaração anual de informações econômico-fiscais da pessoa jurídica (DIPJ)
apresentada pela ONG emitente.
4.2.5 Aperfeiçoamento dos procedimentos para seleção de projetos e ONGs
O recente Decreto 6.170, de 25/7/2007, alterando normas e procedimentos básicos
em relação às transferências de recursos mediante convênios e instrumentos similares, criou a
possibilidade de “chamamento público, a critério do órgão ou entidade concedente, visando à
seleção de projetos ou entidades que tornem mais eficaz o objeto do ajuste.”
138
Infelizmente tal disposição pode ter o mesmo destino daquela constante no art. 23,
do Decreto 3.100/99, que prevê a possibilidade de escolha de Oscip para celebração de termo
de parceria por meio de publicação de edital de concursos de projetos: o esquecimento.
A questão merece ser acompanhada com rigor pelos órgãos de controle, pois
representa um dos maiores riscos de manutenção do uso das ONGs para desviar dinheiro
público e praticar a corrupção e o clientelismo.
Lembra-se, a propósito, que o TCU inclina-se no sentido de que a escolha deve se
basear em critérios objetivos, previamente fixados, que garantam isonomia e impessoalidade.
É o que se depreende da recomendação dirigida à Secretaria do Tesouro Nacional, no
Acórdão TCU 2.066/2006–Plenário:
9.4.2. de ser formalmente justificada pelo gestor, com indicação dos motivos
determinantes e demonstração do interesse público envolvido na parceria, a
escolha de determinada entidade privada para a celebração de convênio,
acordo, ajuste e outro instrumento jurídico utilizado para transferir recursos
públicos federais, especialmente quando tal escolha não se der por meio de
concurso de projetos ou de outro critério inteiramente objetivo;
A decisão do TCU assenta-se no fato de que todo ato administrativo deve ser
motivado, especialmente os resultantes do poder discricionário. São precisamente estes atos
que devem estar embasados na clara demonstração do interesse público. Assim, há
necessidade de se refletir sobre norma de controle endereçada aos órgãos e entidades
transferidores no sentido de que os critérios para escolha das ONG e projetos deverão garantir
a observância dos princípios da isonomia e da impessoalidade, devendo o gestor formalmente
justificar e demonstrar o interesse público envolvido nas parcerias resultantes das escolhas
que não forem realizadas por meio do chamamento público previsto no Decreto 6.170.
Nesse contexto, cabe refletir ainda, a exemplo da lei das Oscips (Lei 9.790/99),
sobre a consulta e o acompanhamento dos repasses pelos conselhos de políticas públicas das
áreas correspondentes de atuação. Ora, se as ONGs desenvolvem ações de interesse público, é
também pertinente, do mesmo modo que as Oscips, o acompanhamento local das ações por
para dos conselhos de política pública, bem como pelo Ministério Público. Para que esse
acompanhamento se viabilize, os conselhos e o Ministério Público devem ser comunicados da
liberação de recursos e dos fins a que se destinam.
139
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144
GLOSSÁRIO
Accountability: obrigação de prestar contas dos resultados obtidos, em função das
responsabilidades que decorrem de uma delegação de poderes.
Auxílios: são transferências de capital destinadas a investimento ou inversões
financeiras que outras entidades de direito público ou privado devam realizar,
independentemente de contraprestação direta em bens ou serviços, derivada diretamente
da Lei Orçamentária (Lei 4.320/64, art. 12, § 6°).
Concedente: órgão da administração pública federal direta, autárquica ou fundacional,
empresa pública ou sociedade de economia mista, responsável pela transferência dos
recursos financeiros ou pela descentralização dos créditos orçamentários destinados à
execução do objeto do convênio (IN-STN N° 01/97, art. 1°, § 1°, II).
Contribuições: são transferências correntes (quando destinadas a cobrir despesas de
custeio ou manutenção) ou de capital (quando destinadas a investimento ou inversões
financeiras) que outras entidades de direito público ou privado devam realizar,
independentemente de contraprestação direta em bens ou serviços, derivadas de lei
especial anterior (Lei 4.320/64, art. 12, § 6°).
Convenente: órgão da administração pública direta, autárquica ou fundacional, empresa
pública ou sociedade de economia mista, de qualquer esfera de governo, ou organização
particular com a qual a administração federal pactua a execução de programa,
projeto/atividade ou evento mediante a celebração de convênio (IN-STN N° 01/97, art.
1°, § 1°, III).
Convênio: instrumento qualquer que discipline a transferência de recursos públicos e
tenha como partícipe órgão da administração pública federal direta, autárquica ou
fundacional, empresa pública ou sociedade de economia mista que estejam gerindo
recursos dos orçamentos da União, visando à execução de programas de trabalho,
projeto/atividade ou evento de interesse recíproco, em regime de mútua cooperação (INSTN N° 01/97, art. 1°, § 1°, I).
145
Fiscalização de Orientação Centralizada – FOC: sistemática de fiscalização do
TCU, cujo procedimento inclui preparação centralizada, execução descentralizada e
consolidação de resultados, com o objetivo avaliar, de forma abrangente e integrada, um
tema, programa ou ação de governo, visando a traçar um quadro geral das situações
verificadas, identificar
irregularidades mais comuns e relevantes e propor
aperfeiçoamento nos mecanismos de controle, no arcabouço legal e/ou no modelo de
execução de programa/ação, de responsabilidade de um ou de vários órgãos federais
Meta (de convênio): parcela quantificável do objeto (IN-STN N° 01/97, art. 1°, § 1°,
XII).
Objeto (de convênio): o produto final do convênio, observados o programa de trabalho
e as suas finalidades (IN-STN N° 01/97, art. 1°, § 1°, XI).
Subvenções: espécie do gênero transferência, destinadas a cobrir despesas de custeio
(manutenção) de entidades públicas ou privadas. Subdivide-se em subvenções sociais
ou subvenções econômicas (Lei 4.320/64, art. 12, § 3°).
Subvenções econômicas: são as transferências correntes que se destinem a empresas
públicas ou privadas de caráter industrial, comercial, agrícola ou pastoril (Lei 4.320/64,
art. 12, § 3°, II).
Subvenções sociais: são as transferências correntes que se destinem a cobrir despesas
de custeio (manutenção) de instituições públicas ou privadas de caráter assistencial ou
cultural, sem finalidade lucrativa (Lei 4.320/64, art. 12, § 3°, I).
Termo aditivo (de convênio): instrumento que tenha por objetivo a modificação de
convênio já celebrado, formalizado durante sua vigência, vedada a alteração da natureza
do objeto aprovado (IN-STN N° 01/97, art. 1°, § 1°, X).
Transferências correntes: dotação para despesas (de custeio ou de manutenção das
entidades beneficiadas) às quais não corresponda contraprestação direta em bens ou
serviços, inclusive para contribuições e subvenções destinadas a atender à manutenção
de outras entidades de direito público ou privado (Lei 4.320/64, art. 12, § 2°).
Transferências de capital: dotações para investimentos ou inversões financeiras que
outras pessoas de direito público ou privado devam realizar, independentemente de
contraprestação direta em bens ou serviços, constituindo essas transferências auxílios ou
146
contribuições, segundo derivem diretamente da Lei do Orçamento ou de lei especial
anterior, bem como as dotações para amortização da dívida pública (Lei 4.320/64, art.
12, § 6°).
Transferências voluntárias: "a entrega de recursos correntes ou de capital a outro ente
da Federação, a título de cooperação, auxílio ou assistência financeira, que não decorra
de determinação constitucional, legal ou os destinados ao Sistema Único de Saúde."
(LC 101/2000). Transferências voluntárias são os recursos financeiros repassados pela
União aos Estados, Distrito Federal e Municípios em decorrência da celebração de
convênios, acordos, ajustes ou outros instrumentos similares cuja finalidade é a
realização de obras e/ou serviços de interesse comum.
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ANTONIO ALVES DE CARVALHO NETO TRANSFERÊNCIAS DE