TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO CÂMARA DOS DEPUTADOS ISC ANTONIO ALVES DE CARVALHO NETO TRANSFERÊNCIAS DE RECURSOS DO ORÇAMENTO DA UNIÃO PARA ORGANIZAÇÕES NÃO-GOVERNAMENTAIS: ANÁLISE DOS PROCEDIMENTOS DE CONCESSÃO E CONTROLE Brasília – DF 2007 ANTONIO ALVES DE CARVALHO NETO TRANSFERÊNCIAS DE RECURSOS DO ORÇAMENTO DA UNIÃO PARA ORGANIZAÇÕES NÃO-GOVERNAMENTAIS: ANÁLISE DOS PROCEDIMENTOS DE CONCESSÃO E CONTROLE Monografia apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Orçamento Público promovido pelo Centro de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento (Cefor), da Câmara dos Deputados, e pelo Instituto Serzedello Corrêa (ISC), do Tribunal de Contas da União, como requisito parcial à obtenção do título de Especialista. Orientador: Me. Carlos Alberto Sampaio de Freitas. Brasília – DF 2007 Autorização Autorizo a divulgação do texto completo desta monografia no sítio da Câmara dos Deputados e do Tribunal de Contas da União, bem como a reprodução total ou parcial, exclusivamente, para fins acadêmicos e científicos. ________________________________ Antonio Alves de Carvalho Neto Brasília, DF, 24 de agosto de 2007 Ficha catalográfica elaborada pela seção de catalogação do Centro de Documentação e Informação (CEDI) da Câmara dos Deputados. Carvalho Neto, Antonio Alves de. Transferências de recursos do orçamento da União para organizações nãogovernamentais [manuscrito]: análise dos procedimentos de concessão e controle / Antonio Alves de Carvalho Neto. – 2007. 146 f. Orientador: Carlos Alberto Sampaio de Freitas Impresso por computador. Monografia (especialização) – Centro de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento (Cefor), da Câmara dos Deputados, e Instituto Serzedello Corrêa (ISC), do Tribunal de Contas da União, Curso de Pós-Graduação em Orçamento Público. 1. Controle externo. 2. Despesa pública – Fiscalização. 3. Finanças públicas. 4. Orçamento público. 5. Organização não-governamental. 6. Terceiro setor. I. Título. CDU 336.126(81) ANTONIO ALVES DE CARVALHO NETO TRANSFERÊNCIAS DE RECURSOS DO ORÇAMENTO DA UNIÃO PARA ORGANIZAÇÕES NÃO-GOVERNAMENTAIS: ANÁLISE DOS PROCEDIMENTOS DE CONCESSÃO E CONTROLE Monografia apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Orçamento Público promovido pelo Centro de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento (Cefor), da Câmara dos Deputados, e pelo Instituto Serzedello Corrêa (ISC), do Tribunal de Contas da União, como requisito parcial à obtenção do título de Especialista. Orientador: Me. Carlos Alberto Sampaio de Freitas. BANCA EXAMINADORA: _________________________________________ _________________________________________ Carlos Alberto Sampaio de Freitas Mestre em Administração – UnB Orientador Romilson Rodrigues Pereira Mestre em Economia – UnB Examinador Brasília – DF, 24 de agosto de 2007 A Rosa, com saudades, pela semente. A toda minha família, e especialmente a Valdivino, pelo cultivo. Chega a ser motivo de frustração a incapacidade que o Estado brasileiro tem revelado em solucionar questões recorrentes, plenamente identificadas, e que causam enorme prejuízo à Nação. CPMI “das Ambulâncias”, Congresso Nacional. (Brasília, 2007) RESUMO O tema do trabalho insere-se no campo das finanças públicas, no que diz respeito à programação, à execução e ao controle dos orçamentos públicos. O objetivo do trabalho, nesse contexto, é avaliar a eficácia dos procedimentos de concessão e controle das transferências de recursos do Orçamento Geral da União (OGU) para entidades privadas sem fins lucrativos, hoje mais conhecidas como Organizações Não-Governamentais (ONG), destinados à execução descentralizada de ações de interesse público. O trabalho traça um perfil de identificação e caracterização das ONGs e descreve o quadro legal e institucional em que elas se inserem, buscando oferecer uma visão geral dessas entidades e do espaço social que elas ocupam. Contempla, também, a exploração e a descrição da percepção de atores envolvidos, incluindo órgãos e instituições de controle estatal, imprensa, estudiosos e representantes das próprias organizações. No aspecto explicativo, a preocupação primordial é identificar os principais fatores que determinam ou contribuem para a ocorrência de irregularidades e desvios nas transferências executadas. Para tanto, são identificados e analisados: as normas e instrumentos legais que viabilizam o repasse dos recursos e disciplinam sua operacionalização; os problemas do processo orçamentário e de cada uma das demais fases subseqüentes do ciclo das transferências; as determinações do Tribunal de Contas da União (TCU) com vistas a saná-los; os indicativos de solução e as iniciativas em curso no Congresso Nacional e no Poder Executivo. Os resultados alcançados permitem afirmar que os procedimentos de concessão e controle das transferências de recursos do orçamento público para ONGs não são eficazes. Os órgãos e entidades públicos, a rigor, estão desaparelhados e despreparados para gerir, acompanhar e fiscalizar tais transferências. Os mecanismos de transparência atuais são insuficientes para garantir, em todo o ciclo de operacionalização das ações, o pleno atendimento do princípio constitucional da publicidade e, conseqüentemente, não favorecem um controle social mais efetivo, uma governança pública mais fortalecida e a manutenção de um adequado nível de accountability. Ao final são apresentadas oportunidades de melhorias nos procedimentos, que merecem uma reflexão mais aprofundada. PALAVRAS-CHAVE: Controle externo. Despesa pública – Fiscalização. Finanças públicas. Orçamento público. Organização Não-Governamental. Terceiro setor. ABSTRACT The main theme of this monograph is public finance, especially the areas concerning the planning, execution and control of public budgets. Hence, the monograph’s objective is to assess the efficiency of the procedures related to the concession and control processes of the public cash transfers to non-profit organizations, known as non-governmental organizations – NGOs. The work attempts to identify and characterize the NGOs and also describes the institutional and legal frameworks where these organizations operate, in order to provide a broad perspective of the NGOs and the social environment, which they are involved. Additionally, this work describes the perceptions of the main actors participating on mentioned public cash transfers process, such as, entities regulated by the government, the media, and the NGOs researchers and representatives. Another key focus of this work is to identify the main factors, which determine or contribute to misplacements or deviations in the processes of the public cash transfers to NGOs. Consequently, we describe and scan the follow: legal tools which can assure the cash transfer; the problems aroused from the budget process and from the succeeding phases of the cash transfer cycle; the Brazilian Federal Court of Accounts (TCU) determinations made to solve these problems mentioned; the initiatives and solutions addressed by the National Congress and the Executive Branch. The results achieved from the analyses allow us to state with reasonable reliance that the procedures involved with the concession and the control of public cash transfers to NGOs are not efficient. The conclusions also direct us to say that the processes of the public cash transfers are not being a fair mechanism to make public policies in an effective way. Moreover, the public entities do not have the proper tools and skills to manage and assess the public cash transfer process. Besides, in the cash transfer cycle there’s not enough accountability capable to guarantee that the constitutional principle of publicity is being pursued. Therefore in that process there is no effective social control, neither public governance and accountability enhancement. Finally, the monograph highlights the opportunities for improvements in the processes of the public cash transfers to non-profit organizations. KEYWORDS: External control. Public expenditure – Auditing. Public finance. Public budget. Non-Governmental Organization. Third Sector. LISTA DE TABELAS E ILUSTRAÇÕES Quadro 2.1 Títulos Jurídicos concedidos pelo Poder Público às ONGs ............................ 60 Tabela 2.1 Classificação das EPSFL por Natureza Jurídica – Receita Federal ............... 63 Tabela 2.2 Classificação das EPSFL por tipo de benefício fiscal – Receita Federal ........ 64 Quadro 2.2 Informações prestadas pelas ONGs na DIPJ anual – Receita Federal ......... 65 Quadro 2.3 Número de ONGs oficialmente registradas no Brasil – FASFIL – 2002....... 73 Quadro 2.4 PIB do Terceiro Setor no Brasil – R$ Bilhões – 2002 ..................................... 74 Quadro 3.1 Classificação das fontes de recursos das ONGs segundo a origem................ 76 Quadro 3.2 Transferências Voluntárias da União – 2001 a 2006....................................... 81 Gráfico 3.1 Transferências Voluntárias da União – 2001 a 2006 ...................................... 81 Quadro 3.3 Prestações de Contas não Apresentadas ........................................................ 118 Quadro 3.4 Prestações de Contas não Analisadas ............................................................. 119 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS Abong – Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais Adin – Ação direta de inconstitucionalidade APF – Administração Pública Federal Art. – Artigo Atricon – Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil CC – Código Civil Cebas – Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social CF – Constituição Federal CGU – Controladoria Geral da União CLT – Consolidação das Leis do Trabalho CNAS – Conselho Nacional de Assistência Social CNEA – Cadastro Nacional das Entidades Ambientalistas CNO – Cadastro Nacional de Organizações Não-Governamentais CNPJ – Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas COPNI – Classificação dos Objetivos das Instituições s/Fins Lucrativos ao Serviço da Família CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito CPMI – Comissão Parlamentar Mista de Inquérito CRCPJ – Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas DIPJ – Declaração de Informações Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica ENCCLA – Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro FASFIL – Fundações privadas e as Associações Sem Fins Lucrativos FOC – Fiscalização de Orientação Centralizada GIFE – Grupo de Institutos, Fundações e Empresas IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IN – Instrução Normativa IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada LC – Lei Complementar LDO – Lei das Diretrizes Orçamentárias LOA – Lei Orçamentária Anual LRF – Lei de Responsabilidade Fiscal MARE – Ministério da Administração e Reforma do Estado MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome MP – Medida Provisória MP/TCU – Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União MPOG – Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão OGU – Orçamento Geral da União ONG – Organização Não-Governamental ONU – Organização das Nações Unidas OS – Organização Social Oscip – Organização da Sociedade Civil de Interesse Público PL – Projeto de Lei PPA – Plano Plurianual Rebas – Registro de Entidade Beneficente de Assistência Social RFB – Receita Federal do Brasil Siafi – Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal STF – Supremo Tribunal Federal STN – Secretaria do Tesouro Nacional SUS – Sistema Único de Saúde TCE – Tomada de Contas Especial TCU – Tribunal de Contas da União SUMÁRIO RESUMO ................................................................................................................................... 7 ABSTRACT ............................................................................................................................... 8 LISTA DE TABELAS E ILUSTRAÇÕES ................................................................................ 9 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS .............................................................................. 10 SUMÁRIO................................................................................................................................ 12 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 14 1.1 O TEMA E SUA CONTEXTUALIZAÇÃO ..................................................................... 14 1.1.1 O Tema na visão de alguns atores ................................................................................... 15 1.1.1.1 Estudiosos e especialistas ............................................................................................. 15 1.1.1.2 Congresso Nacional...................................................................................................... 20 1.1.1.3 Tribunal de Contas da União ........................................................................................ 24 1.1.1.4 Ministério Público junto Tribunal de Contas da União................................................ 25 1.1.1.5 Imprensa ....................................................................................................................... 26 1.2 CARACTERIZAÇÃO DO PROBLEMA .......................................................................... 28 1.3 OBJETIVOS DA PESQUISA ............................................................................................ 29 1.3.1 Objetivo geral .................................................................................................................. 29 1.3.2 Objetivos específicos....................................................................................................... 29 1.4 JUSTIFICATIVA E RELEVÂNCIA ................................................................................. 30 1.5 DELIMITAÇÃO E CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS ....................................... 32 1.6 ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO ................................................................................. 34 2 CARACTERIZAÇÃO LEGAL E INSTITUCIONAL DAS ONG ................................. 36 2.1 O AMBIENTE LEGAL DAS ONGs ................................................................................. 36 2.1.1 As ONGs na Constituição Federal................................................................................... 36 2.1.2 As ONGs no Código Civil............................................................................................... 36 2.2 O AMBIENTE INSTITUCIONAL DAS ONGs................................................................ 38 2.2.1 As EPSFL: terminologias, finalidades e objetivos .......................................................... 38 2.2.2 A ambigüidade do termo e o problema de identidade das ONGs ................................... 40 2.2.3 Terceiro Setor: natureza, objetivos, conceito e critérios de inclusão .............................. 44 2.2.4 Títulos jurídicos e benefícios concedidos às entidades do Terceiro Setor ...................... 49 2.2.4.1 Título de Utilidade Pública Federal.............................................................................. 49 2.2.4.2 Registro e Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social........................ 51 2.2.4.3 Organização Social ....................................................................................................... 53 2.2.4.4 Organização da Sociedade Civil de Interesse Público.................................................. 56 2.2.4.5 Análise comparativa das qualificações de OS e Oscip................................................. 58 2.2.5 Cadastros, informações e transparência das ONGs no Brasil ......................................... 60 2.2.6 Os números do Terceiro Setor e a necessidade de tratamento diferenciado ................... 72 3 O FINANCIAMENTO PÚBLICO DAS ONG E SUAS FALHAS ................................. 75 3.1 ORIGEM DOS RECURSOS FINANCEIROS E MATERIAIS DAS ONGs.................... 75 3.1.1 ONGs que dependem fundamentalmente de subvenções governamentais ..................... 75 3.1.2 ONGs que não dependem de subvenções governamentais ............................................. 75 3.1.3 Classificação das fontes de recursos segundo a origem .................................................. 76 3.1.4 Inexistência de controle fiscal sobre as receitas das ONGs............................................. 76 3.2 O FINANCIAMENTO PÚBLICO DAS ONGs................................................................. 78 3.2.1 Volume de recursos orçamentários federais transferidos às ONGs ................................ 80 3.2.2 Normas orçamentárias sobre a transferência de recursos públicos às ONGs.................. 81 3.2.3 Instrumentos jurídicos utilizados para transferir recursos públicos às ONGs................. 90 3.2.3.1 Termo de Convênio ...................................................................................................... 90 3.2.3.2 Contrato de Repasse ..................................................................................................... 91 3.2.3.3 Termo de Parceria......................................................................................................... 92 3.2.3.4 Contrato de Gestão ....................................................................................................... 93 3.2.4 Da submissão dos recursos transferidos às ONGs ao controle estatal ............................ 95 3.2.5 A questão do sigilo bancário dos recursos transferidos às ONGs ................................. 100 3.3 FALHAS NA SISTEMÁTICA DE TRANSFERÊNCIAS PARA AS ONGs ................. 102 3.3.1 Falhas na fase de alocação e programação dos recursos no orçamento ........................ 103 3.3.2 Falhas na fase de análise técnica dos projetos apresentados pelas ONGs..................... 107 3.3.3 Falhas na fase de execução e no seu acompanhamento e fiscalização .......................... 113 3.3.4 Falhas na fase de análise de resultados e prestações de contas ..................................... 116 3.4 INDICATIVOS DE SOLUÇÃO NA SISTEMÁTICA DE CONTROLE ....................... 120 4 CONCLUSÃO.................................................................................................................... 131 4.1 O PANORAMA ATUAL DAS TRANSFERÊNCIAS ÀS ONGs................................... 131 4.2 OPORTUNIDADES DE MELHORIAS .......................................................................... 135 4.2.1 Atuação integrada dos órgãos estatais de gestão e fiscalização .................................... 135 4.2.2 Reformulação e integração dos cadastros de ONGs existentes no País ........................ 135 4.2.3 Revisão das normas relativas ao sigilo e à transparência das ONGs............................. 136 4.2.4 Controle fiscal dos recursos arrecadados pelas ONGs .................................................. 137 4.2.5 Aperfeiçoamento dos procedimentos para seleção de projetos e ONGs ....................... 137 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 139 GLOSSÁRIO.......................................................................................................................... 144 14 1 INTRODUÇÃO 1.1 O TEMA E SUA CONTEXTUALIZAÇÃO O tema deste trabalho insere-se no campo das finanças públicas, no que concerne a programação, execução e controle dos orçamentos públicos, especificamente em relação às transferências de recursos para execução de ações de caráter público por entidades privadas sem fins lucrativos, hoje mais conhecidas como Organizações Não-Governamentais (ONG). Sabe-se que o reconhecimento, o apoio e o incentivo do Estado brasileiro às entidades privadas dedicadas à prestação de serviços nas áreas da saúde, educação e assistência social às camadas mais pobres da população é prática antiga. Durante séculos, e até recentemente, tais entidades formavam a única rede de proteção social existente no País, composta quase que exclusivamente por organizações privadas cuja atuação era, direta ou indiretamente, fomentada com repasses de recursos públicos (CICONELLO, 2004:2). Até os dias atuais, essa rede de proteção social existe e atua por meio de santas casas de misericórdia, creches, orfanatos, asilos para idosos e deficientes etc. A partir do final da década de 70, com o início do processo de redemocratização e a volta de intelectuais e militantes políticos exilados, o perfil tradicional de atuação das organizações privadas começou a sofrer modificações. O processo de redemocratização, a agregação de experiências internacionais, a influência do pensamento crítico e a densidade política de alguns expoentes que retornavam do exílio, produziram uma ânsia social que se traduziu, entre outras coisas, na multiplicidade de organizações de defesa da cidadania, de minorias, do meio ambiente, sindicatos etc. Nesse contexto emerge um novo perfil dessas organizações, as quais foram assumindo novos papéis no cenário político, passando, inclusive a se envolver diretamente na execução de projetos sociais em parceria com o Poder Público (NUNES, 2006:22). As entidades criadas, dentro desse novo perfil, notadamente a partir da ECO 921, autodenominavam-se Organizações Não-Governamentais (ONG), denominação apropriada também pelas demais organizações da sociedade civil, como forma de se diferenciarem do que é governo (Primeiro Setor) ou mercado (Segundo Setor). 1 UNCED – United Nations Conference on Environment and Development, Rio de Janeiro, 1992. 15 As demandas sociais crescentes e, paradoxalmente, a insuficiência do Estado em supri-las, associadas às facilidades oferecidas pelas parcerias públicas, têm induzido à expansão dessas organizações, bem assim a quantidade e o montante das transferências de recursos públicos destinadas a apoiar as ações por elas desenvolvidas. As ONGs, em geral, ocupam o espaço em que o Poder Público é fraco ou ineficiente. O histórico, de 2001 a 2006, aponta um aumento progressivo no número de instituições privadas sem fins lucrativos apoiadas pelo governo. Por ano, cerca de duzentas entidades foram acrescentadas à lista das que recebem recursos públicos federais (TELES e OLINDA, 2006:1). Em 2006, até 21 de novembro, 4.536 entidades já teriam sido beneficiadas pela administração federal (SHINODA e KLEBER, 2006:1). De acordo com o Relatório sobre as Contas do Governo da República – Exercício de 2006, preparado pelo Tribunal de Contas da União, o governo federal transferiu uma média de R$ 2 bilhões por ano a essas entidades perfazendo, em valores atualizados pelo IPCA médio, R$ 12,5 bilhões transferidos no período de 2001 a 2006. 1.1.1 O Tema na visão de alguns atores 1.1.1.1 Estudiosos e especialistas O assunto tem sido alvo do interesse de estudiosos e especialistas. Alexandre Ciconello2 (2004:18-20) faz considerações sobre o conflito de interesses que emerge entre o papel essencial que as ONGs têm na co-gestão (elaboração, monitoramento e avaliação) das políticas públicas e seu engajamento direto na execução delas, bem como demonstra o sentimento da visão instrumental do Estado em relação ao papel das ONGs, conforme se observa no trecho a seguir: Segundo o diretor-geral da Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais, Jorge Eduardo S. Durão, ‘há atualmente uma visão neoliberal instrumental do papel das organizações da sociedade civil e, em particular das ONGs, às quais propõe que sejam atribuídas tarefas públicas não executadas pelo Estado, que foge assim às suas responsabilidades e ao papel insubstituível que lhe cabe na promoção de políticas públicas de caráter universal. Subordinado à lógica da exploração financeira a que submeteu a sociedade brasileira, o Estado, nos anos 90, tem acionado sistematicamente o discurso das parcerias com a sociedade civil como 2 Advogado pela Faculdade de Direito da USP, Mestre em Ciência Política pela UnB, coordenador da área jurídica e do escritório Brasília da Abong – Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais. 16 disfarce ideológico do abandono de responsabilidades irrenunciáveis do Estado (...)’. Cabe perguntar, por que o poder público, nos últimos anos, vem desenvolvendo uma política explícita de incentivar a parceria com organizações da sociedade civil, para a execução de políticas públicas, ao invés de prestar os serviços diretamente? O que está por trás da perspectiva de parceria entre o Estado e as organizações da sociedade civil? O que está ocorrendo em algumas áreas, é uma verdadeira terceirização da execução das políticas públicas para as organizações da sociedade civil, uma prática cada vez mais corrente para os gestores públicos, pois permite uma redução de ‘custos’ e maior agilidade na execução das políticas sociais. As organizações privadas não seguem os limites impostos pelo direito público: não precisam realizar concurso público para a contratação de pessoal; não realizam processos de licitação formais para a aquisição de bens e serviços e possuem uma maior agilidade operacional. [...] Em alguns casos, como na questão da Aids, essa ‘parceria’ é benéfica para o interesse público, em razão da característica do tema e também porque a política pública relacionada a prevenção, controle e assistência aos portadores de DSTs e Aids, foi construída com a participação de diversas ONGs, que continuam exercendo o controle social e a avaliação da política. Aliás, esse é o ponto fundamental. Como equilibrar o papel essencial das organizações da sociedade civil na co-gestão das políticas (elaboração, monitoramento e avaliação), com a sua participação na execução das políticas públicas, mediante convênios e termos de parceria. Em muitos casos, [...] essa terceirização é extremamente prejudicial, provocando distorções e confusões no papel dos diversos atores sociais, [...] que passam do papel de representantes dos usuários para o de executores das ações, mitigando o seu papel fundamental de exercer o controle social e exigir o aprimoramento dessas mesmas políticas. Paulo Modesto3 (1999:6-7), no texto Reforma do Marco Legal do Terceiro Setor no Brasil, escrito para publicação em coletânea organizada pela Unesco, no âmbito do projeto Revisão da Estrutura Jurídica e Normativa do Terceiro Setor, destaca a debilidade do sistema de controle de resultados do fomento público concedido às entidades de utilidade pública federal, bem como a deficiência da legislação básica na matéria, fatores que criam um contexto favorável para a situação de suspeição generalizada, de indefinição e de perplexidade, indiscutivelmente negativo para o desenvolvimento de um voluntariado mais efetivo entre os brasileiros, e conseqüentemente do próprio terceiro setor no País: 3 Professor de Direito Administrativo da Universidade Federal da Bahia e Membro do Ministério Público do Estado da Bahia. Ex-Assessor Especial do Ministro da Administração e Reforma do Estado. 17 A legislação básica na matéria, em especial no plano federal, é deficiente, lacônica, deixando uma enorme quantidade de temas sem cobertura legal e sob o comando da discrição de autoridades administrativas. Essa lacuna de cobertura facilitou a ocorrência de dois fenômenos conhecidos: (a) a proliferação de entidades inautênticas, quando não de fachada, vinculadas a interesses políticos menores, econômicos ou de grupos restritos; (b) o estímulo a processos de corrupção no setor público. Este estado de coisas foi facilitado ao longo do tempo por inexistir na legislação federal a diferenciação clara entre entidades de favorecimento mútuo ou de fins mútuos (dirigidos a proporcionar benefícios a um círculo restrito ou limitado de sócios, inclusive mediante a cobrança de contribuições em dinheiro, facultativas ou compulsórias) e as entidades de fins comunitários, de fins públicos ou de solidariedade social (dirigidas a oferecer utilidades concretas ou benefícios especiais à comunidade de um modo geral, sem considerar vínculos jurídicos especiais, quase sempre de forma gratuita). Aos dois tipos de entidade a legislação vigente na matéria confere o mesmo título jurídico, o título de utilidade pública, autorizando e mesmo impondo um tratamento legal mais benéfico (renúncia fiscal, previsão de subvenções sociais, contratação direta etc.), deixando ainda de prever qualquer forma mais efetiva de controle de resultados e satisfazendose basicamente com a apresentação periódica de documentos. Este caráter indiferenciado da referência às entidades do terceiro setor (qualificam-se do mesmo modo creches e clubes, escolas comunitárias e escolas privadas pagas etc.) e a debilidade do sistema de controle facilitou a ocorrência de abusos importantes e fomentou a desconfiança em atividades e relações de parceria em que confiança e probidade são valores fundamentais. Recorde-se o ‘escândalo do orçamento’, esquema de malversação de recursos públicos, descoberto por acaso, consistente na utilização por um grupo razoável de parlamentares federais de entidades filantrópicas de fachada, de papel, que eram por eles criadas através de terceiros e por sua ação parlamentar recebiam vultosas somas de recursos públicos sem qualquer compromisso efetivo com atividades relevantes em matéria social ou em benefício da coletividade. É fortalecido, a partir desse episódio, o fraseado segundo o qual existem entidades filantrópicas e ‘pilantrópicas’, neologismo empregado para referir as filantrópicas inautênticas (BARROSO LEITE, 1997:43). Neste contexto, são criadas condições para uma situação de suspeição generalizada, de indefinição e perplexidade, indiscutivelmente negativa para o desenvolvimento entre os brasileiros de um voluntariado mais efetivo no país e, conseqüentemente, do próprio terceiro setor no Brasil. 18 Belmiro Valverde4 (2006:37), em artigo publicado no jornal Gazeta do Povo – PR, ONGs, quando eu contar, você vai pasmar, de 3/12/2006, relata práticas comumente verificadas no relacionamento entre as ONGs e os governos e esclarece que desde sempre, na história administrativa brasileira, houve aproveitamento de novos modelos de gestão adotados pelo Poder Público para a malversação de recursos por parte de alguns espertos bem relacionados, tal como ocorre hoje com o modelo de parcerias públicas com o terceiro setor, que, com isso, está sendo desmoralizado, carente que está de regras claras e de controle das relações financeiras de parte a parte: Querem uma receita para utilizar dinheiro público com largueza, sem controle e sem o risco de ser levado a uma CPI? Funde uma ONG, procure seus amigos, ‘companheiros de luta’ e correligionários instalados no governo – federal, estadual ou municipal tanto faz – e celebre com eles um convênio ou contrato para fins pouco específicos. Pode ser ‘a defesa da cidadania’, a ‘redução das desigualdades’, ‘o resgate da experiência histórica’ ou a ‘inclusão digital’ por exemplo, embora nessa última matéria (apud Ernani Buchman) a lembrança do nosso querido Júlio Gomel e sua especialidade médica sejam inevitáveis. Em seguida, terceirize sem licitação (já que as ONGs não precisam se submeter a essa liturgia demorada e incômoda) os ‘trabalhos’ contratados para uma empresa constituída por outros amigos ou companheiros de luta e repasse para a mesma os recursos públicos que recebeu, ficando a ONG com uma módica comissão pelo seu ‘esforço’. Você já leu isso antes, paciente e fiel leitor? Leu sim e aqui mesmo,em um artigo intitulado “O Estado terceirizado” publicado em 2 de julho de 2006.O texto era – digamos imodestamente – profético. Confesso um erro: o de me mostrar cético em relação à possibilidade de que houvesse uma reação e o assunto acabasse numa CPI. Pois é, agora o Senado Federal instalou uma e o Tribunal de Contas da União, escandalizado com os abusos que estão sendo praticados envolvendo os governos, as empresas estatais e as ONGs, resolveu fazer uma investigação. Pois se forem mesmo fundo na devassa que ambos prometem, vão ficar muito mais escandalizados ainda e lembrarão o verso do Zeca Pagodinho: ‘quando eu contar... você vai pasmar!’ O que está acontecendo, aliás pela enésima vez na história administrativa brasileira, é a eterna luta entre alguns espertos que se aproveitam da utilização de determinadas formas mais modernas de administração pública para fugir ao controle e avançar sem escrúpulos no dinheiro da população. Explico: todas as vezes que surge no mundo algum modelo diferente de gerir os negócios públicos que lhe empreste mais flexibilidade e eficácia, ela rapidamente chega ao Brasil pela mão dos estudiosos que se entusiasmam 4 Advogado e PhD em Administração Pública pela University of Southern California, Los Angeles, USA. Professor titular da Universidade Federal do Paraná (1971-2004) e do mestrado em Organizações e Desenvolvimento da FAE Business School desde 2005. 19 com a possibilidade de – enfim – vencer a letargia irritante da administração pública. Foi assim com o modelo das autarquias, utilizadas amplamente no primeiro governo de Vargas. Autarquias, como o nome indica, são órgãos que se autogovernam e para isso dispunham de grande autonomia operacional e financeira. Não deu outra: aqui na Terra Brasilis, quase que universalmente se transformaram em cabides de emprego, com salários fora de controle e espetáculos contínuos de favoritismo explícito. Foi assim com as fundações: administradores mais espertos exportaram o modelo das fundações do Código Civil para o Estado e assim, com uma simples leis autorizatória, os governantes começaram a criar fundações indiscriminadamente, com enorme autonomia financeira e operacional. Não deu outra e os abusos se multiplicaram exponencialmente. Foi assim também com as empresas mistas e públicas, que eram públicas no seu manejo, mas tinham natureza jurídica privada. Também não deu outra e a saga dos abusos nas estatais está aí para ser degustada em uma vasta literatura. E, em todos os casos, o que aconteceu? Para ‘moralizar’ a administração e ‘coibir abusos’, acabaram criando mais controles, mais entraves, mais lentidão na administração. A emenda foi tão ruim ou pior que o soneto. Agora é o Terceiro Setor – que se compõe daquelas organizações que se ocupam de assuntos ou prestam serviços de interesse público sem pertencer ao Estado – que está sendo desmoralizado pela esperteza de alguns vivaldinos bem relacionados que já não são poucos. Está na hora de estabelecer regras claras para o relacionamento entre os governos, e as empresas estatais de um lado e as ONGs – Organizações Não Governamentais – e as Oscips – Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público de outro. E imediatamente passar a controlar a farra do boi que que instalou nas relações financeiras de parte a parte. Mas sem recorrer a mais anacronismos formalistas para ‘moralizar’ o assunto. A terceirização do Estado (CASTOR, 2007:1-2), artigo do mesmo autor, citado no anterior, destaca a atuação das “ONGs do bem”, colocadas na incômoda companhia das “ONGs do mal” que se alastram velozmente em todos os setores da administração pública, o anacronismo das normas e práticas de controle público e a terceirização do Estado: [...] Quer ainda mais, perplexo leitor? Faça como eu e recorra ao Google para ver a enxurrada de dinheiro público que está sendo utilizado sem qualquer controle, a não ser o litúrgico, formal e documental típico dos Tribunais de Contas , absolutamente desaparelhados em termos conceituais para analisar o destino final e os objetivos dos gastos com dinheiro público repassados ao Terceiro Setor, limitando-se ao controle documental. Assim, ONGs ‘do bem’, que mobilizam centenas de milhares de voluntários altruístas para emprestar talento, tempo, trabalho abnegado e entusiasmo em iniciativas do padrão ético e moral inatacável de uma Pastoral da Criança, de um Pequeno Cotolengo ou das APAEs para ficar em apenas três exemplos dos milhares possíveis , foram colocadas na companhia incômoda de ONGs 20 criadas e mantidas com propósitos de financiar os interesses políticos e doutrinários particulares de alguns grupos, que perseguem objetivos que nada têm de universais. Ou, simplesmente, para sugar discreta e eficientemente os recursos que a população entregou ao Estado para que ele os devolvesse sob a forma de serviços públicos à totalidade da nação. [...] É preciso atentar urgentemente para essa situação que custa ao contribuinte brasileiro dezenas de bilhões de reais por ano e desmoraliza o Estado. Protegidas pela ambigüidade e anacronismo das leis e das práticas de controle público e pelo silêncio cúmplice de governantes discretamente simpáticos ou associados com a prática, as ONGs ‘do mal’ se espalham velozmente em todos os setores da administração pública brasileira. E assim, os agentes do Estado se transformaram em agentes, às vezes involuntários, de interesses e apetites particularistas desse ou daquele grupo político ou, pior ainda, de grupos parasitários que vivem à custa de sugar os cofres estatais. O Estado brasileiro, como instância de intervenção sobre a realidade econômica e social já há tempo sumiu, abastardou-se, emasculou-se. E em seu lugar, está surgindo uma poderosíssima máquina clientelista e corruptora disfarçada de Terceiro Setor. É o Estado privado, que pertence a alguns grupos de interesses, o Estado Terceirizado. 1.1.1.2 Congresso Nacional No Senado Federal, o assunto já foi objeto de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), a “CPI das ONG’s” (2001-2002); foi novamente abordado em outra recente Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), a CPMI “das Ambulâncias” (2006-2007), e outra CPI já está aprovada, no Senado Federal, para investigar o repasse de recursos públicos a ONGs, com previsão de instalação em agosto de 2007. A primeira CPI concluiu que a regulamentação do setor é incipiente, que as ONGs têm proliferado e que não há mecanismos de controle das atividades dessas entidades, principalmente quanto à utilização de recursos públicos. Do relatório dessa CPI, extraem-se os seguintes trechos: [...] Ao longo da década de 90, com a proliferação de fundações e associações sem fins lucrativos, evidenciando novos perfis e perspectivas de atuação, e, ao mesmo tempo, um considerável arsenal de intervenção e transformação no campo social, mediante um volume crescente de parcerias onerosas com o Poder Público, impôs-se a necessidade de alterar as formas jurídico-associativas clássicas, o que veio materializar-se na edição da Lei nº 9.790/99, mais conhecida como Lei do Terceiro Setor. 21 A Lei nº 9.790/99, que trata da qualificação de pessoas jurídicas de direito privado como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), está longe de representar a reforma do marco legal que regula as relações entre Estado e Sociedade Civil. De fato, é apenas um pequeno passo nessa direção. (p. 19). [...] Hoje o que se vê é intolerável. Tudo leva a crer que a maioria esmagadora das ONGs evita qualificar-se como OSCIP para poder continuar a beneficiar-se do inaceitável mecanismo, que hoje prevalece, pelo qual o Poder Público distribui recursos a essas organizações por meio de convênios, sem recorrer a edital público para selecionar os melhores projetos. Em função de uma duvidosa concepção doutrinária do Direito Brasileiro, dá-se uma espécie de ‘ação entre amigos’. Há ONGs que sequer possuem sede ou endereço certo e conseguem viabilizar emendas orçamentárias, receber abundantes recursos financeiros do erário e aprovar prestações de contas sumárias [...] (p. 21). A CPMI “das Ambulâncias” adotou a estratégia de transcrever partes do relatório da primeira CPI das ONGs para deixar evidente que, de lá para cá, o Estado brasileiro pouco evoluiu em soluções para enfrentar os problemas diagnosticados. Seguem-se as transcrições: [...] É oportuno oferecer uma visão mais realista e mais bem informada sobre as ONGs do que a imagem um tanto ingênua e extremamente favorável de que elas gozam na mídia. De fato, a mídia e a opinião pública, habituaram-se a nelas enxergar apenas a face virtuosa, graças ao fato de que, real e fundamentalmente, representam elas um avanço humanístico, um fenômeno da modernidade progressista e uma complementação útil à ação do Estado. Não obstante, essa imagem pública positiva deve ser temperada com saudável visão crítica, mormente diante do considerável poder de intervenção e transformação social que algumas ONGs têm exercido. (...) (V. II, p. 537). [...] Ao lado de prestarem bons serviços à sociedade e complementarem de forma extremamente útil as ações de governo (autonomamente ou contratadas como ‘terceirização’), as ONGs não deixam de ser também um meio de vida para seus dirigentes e quadros profissionais. [...] A fiscalização sobre a fonte e a aplicação de seus recursos não é, geralmente, de conhecimento público, se é que existe. (V.II, p. 536, grifos nossos). [...] Cabe enfatizar neste ponto que muitas ONGs são, na verdade INGs. Em vez de serem “organizações não-governamentais”, são, isso sim, “indivíduos não-governamentais”. São indivíduos que encontraram uma forma criativa de garantir o próprio emprego. Daí a pergunta inevitável: como é possível a alguns indivíduos criar organizações para recepcionar abundantes recursos públicos e, com isso, pagar salários a si e a outrem? (V.II, p. 533). [...] É freqüente encontrar-se ONG que foi montada para dar emprego bem 22 remunerado a seus criadores, ou como fachada fiscalmente vantajosa ao que é, de fato, consultoria. (...) (V.II, p. 537). [...] A pergunta seria: o que impede a Administração de estabelecer a habilitação por meio de concurso entre os projetos de diversas ONGs? (V.II, p. 534, grifos nossos). [...] Hoje, a prestação de contas de “ONGs que são OSCIPs”, ou de “ONGs que são apenas ONGs”, é encaminhada diretamente ao órgão estatal convenente ou parceiro (prestação de contas específica do convênio ou termo de parceria). A realidade é que são precárias as capacidades desses órgãos em termos de Controle Interno. (V.II, p. 534-5, grifos nossos). [...] A verdade é que o Poder Público não está controlando as ONGs de modo algum, não só em razão da inépcia dos controles internos, mas também porque elas se encontram configuradas como qualquer associação da sociedade civil e suas ações são imunes à ingerência estatal, estando ao resguardo de dispositivo constitucional (art. 5º, XVIII). Não se trata, como se verá, de pretender-se a criação de nenhum mecanismo de interferência estatal no funcionamento de tais entes, como veda a Constituição da República (art. 5º, XVIII, in fine), mas sim de mera fiscalização. (...) [...] Se, por um lado, as ONGs muitas vezes se propõem a vigiar e fiscalizar a ação, ou inação do Estado, há razões de sobra para que o mesmo exerça controle vigilância sobre as ONGs. (V.II, p. 536, grifos do original). [...] Em suma: observa-se, por conseguinte, que o crescimento de importância das ONGs não foi acompanhado dos imprescindíveis mecanismos de controle estatal, como demonstrado, quiçá devido à velocidade com que se deu a recente multiplicação desse fenômeno da pósmodernidade. (V. II, p. 535, grifos nossos). Após essas transcrições, o relatório final da CPMI “das Ambulâncias” acentua: “permitimo-nos a transcrição de partes inteiras do relatório que tratam de casos específicos por aquela CPI, com o fim de evidenciarmos com a clareza a repetição, hoje, no âmbito do ‘esquema das sanguessugas’, das práticas verificadas naquela ocasião”, e arremata: O que de pronto salta aos olhos é a repetição de inúmeras práticas danosas ao patrimônio público, já identificadas na CPI acima mencionada, e que continuam ocorrendo no mesmo modus operandi. Chega a ser motivo de frustração a incapacidade que o Estado Brasileiro tem revelado em solucionar questões recorrentes, plenamente identificadas, e que causam enorme prejuízo à Nação. (V. II, p. 540). [...] A nosso ver, cabe, a partir de todos os dados já levantados naquela CPI, acrescidos de toda a reflexão que se produziu a respeito do tema no âmbito da CPMI das Ambulâncias, avançar para propostas ainda mais consistentes, que possam reverter o quadro de total descontrole de transferências voluntárias de recursos públicos para Organizações não Governamentais. (V.II, p.542, grifos nossos). 23 [...] Outra face perversa do descontrole evidenciada pelos analistas do TCU é o surgimento de ‘um novo tipo de nepotismo, indireto, e até mais difícil de identificar e combater: o uso das ONG para pendurar toda sorte de favorecidos, regiamente pagos com recursos do Estado’. A existência de vínculos de políticos ou pessoas ligadas a eles com diretores e presidentes de entidades nas quais esta CPMI constatou a malversação de recursos públicos é recorrente e preocupante. Esse dado não se retira somente dos trabalhos do TCU, mas da realidade vinda à tona ao longo das investigações da Polícia Federal, Ministério Público e desta comissão. (V.II, p. 583, grifos nossos). Nas conclusões, a CPMI aventa propor a extinção das transferências voluntárias para ONGs, acordando pelo não-acolhimento da “defesa desta tese para implementação imediata, considerando a extraordinária dificuldade de aprovação de medida tão radical, fazendo, no entanto, sua clara e inequívoca manifestação nessa direção.” (V.II, p. 706): Faz-se isso, no entanto, sob a fundamentada desconfiança de que o fazemos apenas para enfrentarmos o mesmo inimigo mais adiante, quiçá em tempo bastante próximo, quando então perceberemos que passado o tempo não se solucionou o problema, como tem sido ao longo de vários anos, até aqui. (V. II, p.707-8, grifos do original). Finalmente, a CPMI chega à conclusão de que, além dos já conhecidos problemas de desvio de recursos nas transferências a outros entes públicos, no caso das ONGs, o fenômeno se repete com outros agravantes, motivado principalmente pela baixa expectativa de controle, social ou estatal, sendo, pois, necessário fortalecer as estruturas e os mecanismos de controle, não só dos órgãos oficiais – que devem ser dotados de aparelhamento compatível com o universo a ser fiscalizado –, mas também do controle social, cuja concretização deve ser viabilizada por meio de dispositivos legais, regulamentação da indicação de representantes da sociedade civil em conselhos municipais, além de ferramentas e treinamento, por parte dos órgãos federais de controle, para que os cidadãos exerçam plenamente suas prerrogativas: [...] um novo rol de idiossincrasias emergiu desse modelo. Aos já fartamente conhecidos problemas de desvio de recursos públicos verificados nas transferências voluntárias para entes públicos, igualmente presentes no universo das transferências para entidades privadas, somam-se: - Compras de bens e serviços com recursos públicos sem observação dos princípios que norteiam todas as ações da Administração; - Uso de ONGs para garantir emprego a favorecidos, inclusive a criação de ONGs para garantia do emprego e salário próprios; - Larga privatização de recursos públicos; - Ausência de prestação de contas de recursos recebidos por meio de convênios e ajustes similares; entre outros. (V.II, p.701). 24 [...] Exploremos, portanto, o que de mais relevante, para esta CPMI, está contido nos relatórios do TCU. Há uma evidência que permeia todas as irregularidades encontradas, em todos os órgãos e entidades e em todos os estados em que a fiscalização foi levada a termo: não há controle efetivo, interno ou externo. (grifos nossos). A expectativa de controle, seja ele social ou por meio de órgãos oficiais, não é panacéia que remedeie todos os males, mas é instrumento eficaz para inibir a tentação de agir em desconformidade com o direito. Conforme lembramos, controle que impeça toda e qualquer ação irregular é impossível de existir. Diante dessa impossibilidade, em nenhum país do mundo há controle sobre todos os atos administrativos, todavia é possível e necessário ampliar o alcance da fiscalização, de forma que o administrado saiba, e sinta, que está sendo acompanhado ou que existe razoável possibilidade de que seus atos venham a ser analisados quanto aos aspectos da legalidade, legitimidade, economicidade, eficiência, eficácia e efetividade. Para que isso ocorra, ainda que devam ser utilizados parâmetros estatísticos e sopesados critérios de materialidade, relevância, risco e impacto socioeconômico, exige-se sistema de controle aparelhado, treinado, valorizado e com tamanho compatível com o universo a ser fiscalizado. Devem ser acrescentados a esse aparelhamento meios mais amplos e transparentes para a concretização dos controles social e administrativo sobre os gastos públicos, especialmente os determinados nos itens 9.1 a 9.5 do Acórdão TCU 2066/2006-Plenário5 [...]. Esse ponto ficou evidenciado de forma explícita nos trabalhos do órgão de contas federal. (V.II, 585). [...] Faz-se necessário retomar, nessa conclusão, a questão da indispensável adoção de medidas fortalecedoras das estruturas e dos mecanismos de controle. Além dos aspectos relativos aos órgãos oficiais de controle, propõese a criação de dispositivos legais que fortaleçam as iniciativas de controle social da utilização dos recursos públicos, notadamente nova regulamentação para a indicação de representantes da sociedade civil em conselhos municipais, bem como a apresentação de diploma legal que regulamente a transparência a ser promovida pelo Poder Público na Administração Municipal. Concomitantemente, espera-se que os órgãos de controle federais forneçam ferramentas e treinamento para que os cidadãos possam exercer suas responsabilidades relativamente ao controle social dos recursos públicos. (V.II, 708). 1.1.1.3 Tribunal de Contas da União No âmbito do TCU, a necessidade de atenção ao tema foi enfaticamente destacada no voto condutor do Acórdão 1777/2005-TCU-Plenário, do Ministro Marcos Vinicios Vilaça, do qual colacionam-se os trechos a seguir: 5 O teor e as medidas determinadas por esse Acórdão serão abordados mais adiante, neste trabalho. 25 164. Aproveito a oportunidade para abordar assunto do qual “Oscip” é apenas uma pequena parcela. Refiro-me às Organizações NãoGovernamentais (ONGs), entidades que têm se disseminado de forma acentuada nos últimos anos. Em muitos casos, recebem recursos governamentais sem devolvê-los à sociedade na forma de ações voltadas ao interesse público. Algumas, como vem chegando ao nosso conhecimento, acabam por viver do Estado, sugando seus já limitados recursos. Os números são eloqüentes. Em 2003, o Tesouro transferiu para instituições privadas quase 1,4 bilhão de reais. Do total de ONGs, 55% são mantidas, por vezes exclusivamente, com recursos públicos. 165. O tema merece a atenção desta Corte. 166. Não se trata de propor a instituição de controles em adição aos já existentes. As ONGs, ao receber recursos públicos, por meio de convênio ou instrumento similar, ficam obrigadas a prestar contas, em atenção ao mandamento constitucional. Assim, ao menos formalmente, tais organizações sofrem a incidência da fiscalização do Poder Público. Trata-se de tornar efetivos os controles já existentes. A tarefa não é fácil. O Ministro Augusto Nardes também exprimiu a preocupação da Corte com o tema em comunicação proferida na sessão plenária de 22/11/2006, excertos transcritos a seguir: Tendo em conta o Acórdão 2066/2006 prolatado por este Plenário, na Sessão de 08 de novembro, no âmbito do TC 015.568/2005-1, trago aos meus Nobres Pares proposta no sentido de se ampliar o que ficou assentado no item 9.6.2 do aludido aresto, em função da urgente necessidade de se fiscalizar mais a fundo a regularidade da aplicação de recursos repassados a entidades privadas por meio de transferências voluntárias. Entendo que o tema está a merecer atenção especial dos órgãos de controle, tendo em vista o elevado número de convênios e outros ajustes que têm sido celebrados com Organizações Não-Governamentais sem o adequado controle, no que concerne à boa e regular aplicação desses recursos, quando da celebração de ajustes de toda ordem. [...] Verifica-se, com preocupação, o total descontrole na aplicação dessas transferências voluntárias por parte do que se conhece como Terceiro Setor. [...] (grifos do original). 1.1.1.4 Ministério Público junto Tribunal de Contas da União O Ministério Público Federal junto ao Tribunal de Contas da União (MP/TCU) revelou sua percepção por intermédio de entrevista do Procurador-Geral, Dr. Lucas Rocha Furtado, veiculada no jornal Último Segundo, em Setembro de 2004, sob o título “Recursos destinados a ONGs não são fiscalizados, diz Ministério Público” (AGÊNCIA, 2004), da qual extraímos os seguintes trechos: 26 Só em 2004, R$ 2 bilhões foram destinados a programas de governo cuja execução pode ser feita por meio de Ongs. ‘A crítica é a falta de critério da legislação para a escolha da entidade que vai receber os recursos e a falta de transparência na prestação de contas’. [...] fator que propicia o desvio de dinheiro público é o fato de que o próprio órgão repassador do dinheiro e que escolheu a Ong é quem fiscaliza o destino dos recursos. ‘O gestor tem tal recurso e diz: olha Ong, não preciso fazer licitação, lhe passo, mas quero 20%’, exemplifica o procurador. ‘Isso gera prestações de contas furadas, daí porque é tão comum em processos de prestação de contas de Ongs aparecerem notas frias’. A situação é ainda mais grave nos municípios e estados. ‘Não tenho a menor idéia de quanto eles vêm repassando às Ongs’, diz o procurador. Muitas vezes é celebrado um convênio entre a União e o município, que firma outro com uma Organização. ‘A Ong conveniada lá na ponta sequer presta contas ao órgão federal, repassador da verba’, afirma Lucas Furtado. ‘Muitas vezes, a própria Ong sub-contrata quem ela quer’ [...]. 1.1.1.5 Imprensa A imprensa, por seu turno, tem veiculado incontáveis casos de desvios de recursos públicos e de finalidades nestas parcerias, como ilustram trechos a seguir, de artigo publicado na revista Época, de 5/6/2006 (CLEMENTE, 2006:31-33). Em geral, as irregularidades noticiadas vão desde o uso ilícito das ONGs como instrumento para fazer caixa para campanhas eleitorais, promover terceirização ilegal de serviços públicos, burlando exigências de concurso público e de licitação, até a interposição fraudulenta de ONGs para driblar restrições de transferências orçamentárias a municípios inadimplentes, impostas pela LRF. Diz o artigo que: [...] “as ‘pilantrópicas’ são ONGs suspeitas de ser usadas como laranjas para burlar leis de licitações, desviar recursos, fazer caixa dois de campanhas eleitorais e propiciar enriquecimento ilícito. [...] Recentemente, apareceram indícios de que ONGs de fachada foram usadas pela quadrilha de sanguessugas que desviava recursos do Orçamento com a venda superfaturada de ambulâncias. As entidades eram usadas para driblar restrições da Lei de Responsabilidade Fiscal à transferência de dinheiro do governo federal para prefeituras inadimplentes. [...] No Estado do Rio, por exemplo, difundiu-se a prática de contratação de funcionários pelo governo estadual por intermédio de ONGs, para burlar a exigência de concurso público. ‘É uma intermediação ilegal’, diz João Batista Berthier, do Ministério Público do Trabalho do Rio. ‘Mas se tornou 27 tão disseminada e caótica que não temos estimativas sobre o número de funcionários terceirizados via ONGs. [...] A fiscalização do governo federal se limita à verificação do cumprimento de formalidades. ‘Atestamos a intenção de trabalhar pelo interesse público, e não se a organização realmente trabalha’, diz José Eduardo Elias Romão, diretor de Justiça e Classificação do Ministério da Justiça [referindo-se às análises para concessão do título de UPF ou para qualificação como Oscip, cuja incumbência é daquele Ministério]. É uma loucura. Esse modelo não combina com o Estado democrático de direito. O colunista Carlos Chagas (2007:1), em artigo publicado na Tribuna da Imprensa, RJ, 16/6/2007, destaca, dentre outros problemas da pouca transparência dessas ações, a falta de informações sobre a quem recorrer para denunciar irregularidades: [...] se existem ONGs sérias, que dedicam excelentes serviços à sociedade, também é certo que se multiplicam picaretagens de toda espécie, formadas para mamar nas tetas dos governos, muitas vezes através de amigos, parentes, correligionários, partidários e similares dos governantes. [...] E falamos apenas de partidos, mas também poderíamos falar de religiões variadas, entre tantos outros grupos sociais. [...] Acresce que essas ONGs não prestam contas às administrações públicas que as privilegiam e, em muitos casos, dedicam boa parte do dinheiro recebido para remunerar regiamente seus fundadores e dirigentes. [...] que tal a Secretaria do Tesouro mandar elencar pelo menos no plano federal quantos milhões, ou bilhões, escoam pelo ralo, a serviço de interesses muitas vezes sadios, mas, outro tanto, de escusos? E nos estados? Nos municípios? Estamos assistindo e convivendo com um dos maiores escândalos da atualidade, infelizmente passando ao largo dos meios de comunicação e demais organismos de controle social. Não haverá que generalizar, valendo repetir que ONGs da maior dignidade também funcionam entre nós, servindo para minorar agruras dos menos favorecidos. Das crianças desamparadas, por exemplo. Até dos índios, ainda que se torne necessário desbastar esse imenso cipoal, onde ONGs estrangeiras (outro capítulo de horror) atuam para erodir a soberania nacional, considerando tribos como nações e pretendendo, com toda certeza, dar passos céleres no rumo da internacionalização da Amazônia. [...] A gente nem sabe a que ministério recorrer para limitar a ação das más ONGs. Dos Transportes? Da Integração Nacional? Do Desenvolvimento ou da Fazenda? Quem sabe o ministério da Defesa? (grifos nossos). 28 1.2 CARACTERIZAÇÃO DO PROBLEMA Paralelamente ao crescimento das parcerias entre o Estado e as ONGs, órgãos de controle estatal, inclusive CPIs instaladas no Congresso Nacional, têm se deparado com inumeráveis casos de desvios e de mistura do interesse público com o privado. A imprensa tem trazido a público o uso de entidades para fins ilícitos, denunciando a existência de ONGs usadas como laranjas para burlar leis de licitações, desviar recursos públicos, fazer caixa dois de campanhas eleitorais, promover favorecimentos e propiciar enriquecimento ilícito. O senso comum dos atores envolvidos com o tema é de que há uma proliferação de ONGs, sem mecanismos de controle, principalmente controle da utilização de recursos governamentais que, em muitos casos, não são devolvidos à sociedade na forma de ações voltadas ao interesse público. Algumas acabam por sobreviver, quase que exclusivamente, de recursos estatais. A falta de critérios e de transparência na escolha das entidades contempladas e de publicidade na execução das ações e das respectivas prestações de contas, resulta no inaceitável mecanismo, que hoje prevalece, pelo qual o Poder Público distribui recursos a essas organizações, transformando o caso numa espécie de ‘ação entre amigos’. Em síntese, na visão dos atores, está ocorrendo uma verdadeira terceirização da execução de políticas públicas para organizações da sociedade civil, daí descambando para toda sorte de ilícitos, como burla às exigências legais de concurso público e de licitação, nepotismo indireto, uso político-eleitoreiro de recursos, enriquecimento ilícito, dentre outros. Em razão dessa situação, parece haver uma corrida, movida pela oportunidade vislumbrada por alguns, de aproveitar as facilidades ou as deficiências do novo modelo de transferência de serviços públicos não exclusivos do Estado a entidades do terceiro setor, e, por meio do manejo ilícito dos recursos disponibilizados, lograrem proveito indevido. A lei 9.790/99, que criou a qualificação das Oscips e o “termo de parceria” com o propósito de disciplinar as parcerias entre o setor público e as entidades privadas qualificadas está longe de representar a reforma do marco legal que regula as relações entre Estado e sociedade civil. De fato, é apenas um pequeno passo nessa direção. ONGs de toda espécie, sem qualquer qualificação, continuam a receber recursos públicos de forma indiscriminada. O relatório final da CPMI “das Ambulâncias”, no capítulo relativo ao controle das transferências voluntárias do orçamento para as ONGs (V.II, p.733), cogita, como solução da problemática, “necessariamente para a extinção” dessas transferências. 29 Diante dessa visão, cabe questionar: estaria a administração pública federal suficientemente preparada, em termos de recursos humanos, materiais e tecnológicos, para gerir o número crescente de parcerias, fiscalizar adequadamente a implementação e avaliar o atingimento de objetivos das políticas públicas pactuadas com essas organizações? Os procedimentos adotados pelos órgãos públicos para avaliação das parcerias propostas e das próprias entidades proponentes são objetivos, claros e transparentes de modo a garantir a observância dos princípios constitucionais de atuação e gestão da coisa pública, notadamente os da isonomia, impessoalidade, moralidade e eficiência? e, finalmente, existem mecanismos de transparência em todo o ciclo de operacionalização das transferências, capazes de estimular e favorecer, efetivamente, o controle social sobre os atos de gestão e sobre a implementação das ações pactuadas? 1.3 OBJETIVOS DA PESQUISA 1.3.1 Objetivo geral O objetivo deste trabalho é avaliar a eficácia dos procedimentos de concessão e controle das transferências de recursos do Orçamento Geral da União para as organizações não-governamentais, destinados à implementação de ações de interesse público. Sob a premissa de que um nível de segurança mínimo para que o Estado transfira a gestão de recursos e a execução de ações para outras entidades, com razoável garantia de efetiva implementação e regular aplicação dos recursos, só pode ser atingido com a existência de uma adequada, qualificada e organizada estrutura de recursos humanos, materiais e tecnológicos, complementada por mecanismos que efetivamente viabilizem o controle social, a consecução do objetivo geral desta pesquisa exige a exploração dos aspectos seguintes, os quais constituem seus objetivos específicos. 1.3.2 Objetivos específicos I) identificar a suficiência e a adequação da estrutura disponível para gerenciar os processos relativos ao ciclo de gestão das transferências: analisar a concessão, acompanhar a execução, avaliar a prestação de contas e os resultados das ações pactuadas; II) avaliar se os procedimentos de seleção e análise técnica dos projetos e das entidades contempladas com os recursos transferidos são suficientemente objetivos, claros e 30 transparentes para garantir a observância dos princípios norteadores da atuação pública, especialmente os da isonomia, impessoalidade, moralidade e eficiência; III) avaliar se os instrumentos e os mecanismos utilizados para fornecer a necessária transparência dos atos de gestão e da implementação das ações pactuadas, são suficientes para estimular e favorecer um efetivo controle social, contribuir para o nível de accountability e fortalecer a governança pública em toda a cadeia de execução dessas ações. 1.4 JUSTIFICATIVA E RELEVÂNCIA Apesar dos inúmeros estudos a respeito da participação das ONGs na elaboração, monitoramento e avaliação de políticas públicas, de suas formas de organização, constituição e atuação, do marco legal e dos aspectos jurídicos, tributários, administrativos e contábeis, são raros os estudos aprofundados sob o enfoque da fiscalização, especificamente no que diz respeito à eficácia dos procedimentos de concessão e controle dos recursos a elas transferidos, com ênfase na atuação dos órgãos e entidades concedentes, no controle interno e externo estatal e na disponibilização de mecanismos de transparência como forma de viabilizar o controle por parte da sociedade sobre a adequada aplicação desses recursos. A realidade de demandas sociais reprimidas, representado pelo enorme passivo social existente em nosso País, denota a relevância de se realizar pesquisa para avaliar a eficácia dos procedimentos que devem assegurar a boa e regular aplicação dos escassos recursos transferidos às ONGs, cuja finalidade é, primordialmente, auxiliar na erradicação da pobreza e da marginalização e na redução das desigualdades sociais e regionais. A pesquisa e suas possíveis contribuições são de importância, também, para as próprias ONGs e para o terceiro setor, que têm interesse em ver descolado de suas imagens as repercussões negativas dos ilícitos praticados por entidades que se auto-intitulam ONGs, mas que, muitas vezes vinculadas a interesses escusos e a finalidades ilícitas, estabelecem relações impróprias com políticos e funcionários públicos para obtenção de facilidades na liberação de repasses orçamentários. As denúncias veiculadas nos noticiários do País, envolvendo entidades desse tipo, geram desconfiança e dificultam a captação de novos recursos pelas ONGs sérias, além de comprometerem a imagem do setor como um todo. Às ONGs sérias interessa a eficiência dos procedimentos de concessão e controle dos recursos públicos, pois isso contribui para suprimir de seu contexto aquelas que, pela flexibilização de critérios de concessão e frouxidão 31 da fiscalização pelos órgãos repassadores, geram uma concorrência desleal pelos recursos e servem de fachada para que terceiros se locupletem do dinheiro público. O assunto também é pauta relevante no Congresso Nacional, que, em reação às constantes denúncias do mau uso de dinheiro público por parte de algumas ONGs, analisa vários projetos que visam moralizar a aplicação dos recursos repassados, o que poderá resultar em endurecimento de regras de concessão e fiscalização, bem como em mais complexidade nos processos de prestação de contas e de fornecimento de informações. As Consultorias de Orçamento, Fiscalização e Controle da Câmara dos Deputados e do Senado Federal têm reiteradamente enfatizado, nas notas técnicas conjuntas que subsidiam a apreciação das Leis de Diretrizes Orçamentárias (LDO) anuais, a necessidade de melhor disciplinar essas transferências, com ênfase no controle e fiscalização dos resultados. Ainda no tocante à relevância do tema no âmbito do Congresso Nacional, a pesquisa revela-se oportuna em face da premente instalação de mais uma CPI das ONGs, no Senado Federal, a segunda, em menos de 5 anos, cuja finalidade é apurar a liberação, pelo Governo Federal, de recursos públicos para ONGs e Oscips, bem como a utilização desses recursos e de outros por elas recebidos do exterior, a partir do ano de 1999 até o ano de 2006. Nesse sentido, vale ressaltar, inclusive, que um trecho desta pesquisa, ainda em elaboração, foi transcrito no relatório final da CPMI das “Ambulâncias” (V. II, p. 597-618), a título de contribuição para a reflexão sobre a questão. No Poder Executivo, que coordena a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (ENCCLA), da qual também participam cerca 60 órgãos da administração pública federal com o objetivo de apresentar, debater e fixar metas de combate à corrupção e à lavagem de dinheiro, três, das 33 metas analisadas em 2006, dizem respeito a elaboração de normas e implementação de mecanismos para disciplinar o repasse, o controle e a avaliação de resultados referentes aos recursos públicos destinados ao terceiro setor. Em relação aos Tribunais de Contas a questão é de suma importância, porque afetas às próprias atribuições finalísticas dessas instituições. A Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), deixou evidente a preocupação de seus membros com o assunto ao incluir como tema relevante, no I° Seminário sobre a Elaboração de Norma Processual no Âmbito do Promoex – Programa de Modernização do Sistema de Controle Externo dos Estados, Distrito Federal e Municípios Brasileiros, a palestra “O Controle do 32 Tribunal de Contas da União sobre Organizações Não-Governamentais e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público”, com o intuito de compartilhar as experiências do TCU nessa questão. Especificamente em relação ao TCU, cuja missão é assegurar a efetiva e regular gestão dos recursos públicos, em benefício da sociedade, o desenvolvimento da área pesquisada poderá contribuir para aperfeiçoar as metodologias de combate à corrupção, ao desvio e às fraudes verificadas na área, bem como para maximizar o potencial de contribuição para o aperfeiçoamento da gestão pública, no bojo das propostas de deliberação formuladas por seu corpo técnico e nas decisões de seus Colegiados. Nesse sentido, espera-se que o resultado da pesquisa possa fornecer importantes referenciais para estabelecimento de escopos às ações de controle e para a proposição de aperfeiçoamentos nos procedimentos e nos mecanismos de transparência em toda a cadeia de execução das ações programáticas descentralizadas para execução por meio de ONGs, favorecendo a elevação do nível de accountability e o fortalecimento da governança pública na área. 1.5 DELIMITAÇÃO E CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS O escopo da pesquisa foi delineado sob a perspectiva de avaliar se existe razoável segurança quanto à efetiva implementação das ações e a regular aplicação dos recursos públicos destinados às ONGs. Para tanto, elegeram-se como objetos de investigação os procedimentos adotados, pela administração pública federal, destinados a avaliar a concessão e a controlar a execução dos projetos financiados com esses recursos. Tais procedimentos, que visam a garantir o nível de segurança mínimo para que o Estado possa transferir a gestão de recursos e a execução de ações para outras entidades, serão avaliados sob três dimensões: a) suficiência e adequação da estrutura disponível, em termos de recursos materiais, humanos e tecnológicos para gerir os processos relativos ao ciclo completo dessas transferências, quais sejam, programação, análise técnica das proposições, acompanhamento e fiscalização da execução, avaliação das prestações de contas e dos resultados alcançados; b) qualidade dos procedimentos realizados na análise técnica das proposições e na escolha das entidades contempladas, sob os critérios da objetividade e da transparência, com vistas ao atendimento dos princípios da isonomia, impessoalidade, moralidade e eficiência, que devem, obrigatoriamente, nortear a atuação da Administração na gestão da coisa pública; e, c) acompanhamento e fiscalização das ações pactuadas, bem como 33 dos mecanismos utilizados para atender ao princípio constitucional da publicidade no fornecimento de transparência dos atos de gestão, fundamental para a elevar o nível de accountability, para governança pública e para o controle social. O trabalho assenta-se em pesquisa bibliográfica abrangendo livros e artigos de estudiosos do terceiro setor, reportagens, relatórios institucionais, legislação, jurisprudência e doutrina, estudos realizados por instituições oficiais e por entidades do próprio Setor. Também foi de grande utilidade a participação do autor, como congressista, no “2° Fórum Senado Debate Brasil – Terceiro Setor: Cenários e Perspectivas”. Buscou-se traçar um perfil de identificação e caracterização das ONGs, descrever o quadro legal e institucional em que elas se inserem, de modo a se obter uma visão geral sobre as entidades e o espaço social que elas ocupam. O escopo do estudo contempla, também, a exploração e a descrição da percepção de atores envolvidos com o tema, incluindo órgãos e instituições de controle estatal, imprensa, estudiosos do assunto e organizações representativas das próprias ONGs. Nesses aspectos, como o objetivo principal do trabalho é proporcionar maiores informações sobre assunto e descrever características do objeto de estudo, a pesquisa tem natureza exploratória e descritiva. Por fim, já no âmbito do aspecto explicativo da pesquisa, a preocupação primordial é identificar fatores que determinam ou contribuem para a ocorrência das irregularidades e dos desvios verificados nas transferências de recursos orçamentários para as ONGs. Para tanto, são identificados e analisados as normas e os instrumentos legais que viabilizam as transferências de recursos orçamentários e disciplinam a sua operacionalização, descrevem-se os problemas identificados no processo orçamentário e em cada uma das outras fases subseqüentes do processo, as determinações do TCU com vistas a saná-los, os indicativos de solução e as iniciativas em curso no Congresso Nacional e no Poder Executivo. A pesquisa, neste último aspecto, tem suporte em pesquisa documental realizada em relatórios de auditorias e acórdãos do TCU, notas técnicas e estudos das Consultorias de Orçamento, Fiscalização e Controle da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, legislação orçamentária e financeira da União, e também na experiência do autor, atuando no desenvolvimento de metodologias de fiscalização e em outros trabalhos relacionados ao tema, inclusive auditorias em recursos públicos repassados a ONGs, como Analista de Controle Externo do Tribunal de Contas da União. 34 1.6 ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO O trabalho está estruturado em quatro capítulos, incluindo a introdução. O capítulo 1, além de tratar dos aspectos metodológicos da pesquisa, traz uma visão geral do tema sob a ótica dos atores mais diretamente ligados à questão da aplicação de recursos públicos por intermédio das ONGs. No capítulo 2, procura-se familiarizar o leitor com as entidades que compõem o campo do estudo, traçando um perfil para identificar e caracterizar as ONGs e o espaço social que elas integram, o denominado terceiro setor, identificando os formatos jurídicos que essas entidades podem assumir e abordando os aspectos essenciais relativos à sua criação, organização, funcionamento e finalidade, a partir do ambiente legal da Constituição Federal e do Código Civil Brasileiro; discute-se a ambigüidade do termo ONG, no contexto das demais entidades que também se caracterizam como não-governamentais e como não-mercado, as terminologias utilizadas na área e as principais diferenciações necessárias à compreensão da natureza das organizações, em geral, que integram o universo das entidades privadas sem fins lucrativos (EPSFL). Ainda no capítulo 2, apresenta-se o terceiro setor – ambiente institucional e espaço social das EPSFL, e por conseguinte, das ONGs –, o seu conceito, a sua composição, a natureza das atividades desenvolvidas no seu âmbito, a metodologia e os critérios para que uma entidade possa ser reconhecida como integrante do setor; descrevem-se as qualificações, títulos jurídicos concedidos pelo Poder Público às entidades que integram o setor, bem como os benefícios a eles associados, trazendo um levantamento dos cadastros oficiais existentes no País, com reflexões sobre a natureza e a transparência das informações neles disponíveis. Finalizando o capítulo 2, demonstra-se a dimensão e importância econômica e social do terceiro setor, trazendo números relativos aos recursos humanos e financeiros movimentados no País e no exterior, bem como das entidades oficialmente registradas no Brasil, por área de atuação, e estimativa do número de entidades informais, de pequeno porte, a exigir um tratamento jurídico diferenciado para inclusão e estímulo das entidades nascentes. No capítulo 3, descreve-se a natureza das principais fontes de recursos das ONGs, classificando-as de acordo com as origens, enfatizando a inexistência de mecanismos legais que permitam aos doadores e contribuintes ter razoável segurança quanto à integração de suas contribuições ao caixa das ONGs e sua aplicação nos fins destinados. Demonstra-se que a 35 falta desses mecanismos favorece a utilização das ONGs para fins ilícitos, reforçando a tese, defendida no capítulo 2, de que é necessário reavaliar a questão do sigilo fiscal em relação a essas entidades para permitir, não apenas o controle, mas a ampla divulgação dos recursos arrecadados e a destinação que lhes é dada, sejam os recursos de origem pública, sejam os angariados diretamente da economia popular, de particulares, de empresas ou de outras instituições. Discute-se, ainda, a questão do sigilo bancário dos recursos públicos transferidos às ONGs. Argumenta-se que o sigilo bancário não pode ser oposto sequer ao cidadão, muito menos aos órgãos de controle estatal. Em seção específica do capítulo 3, são identificadas todas fases do ciclo de operacionalização das transferências de recursos orçamentários às ONGs, por meio de convênios, termos de parceria e instrumentos congêneres. Com base em constatações obtidas no âmbito de fiscalizações realizadas pelo TCU, de 2005 para cá, analisadas em conjunto e em confronto com os resultados da CPMI “das Ambulâncias”, descrevem-se os procedimentos e analisam-se as principais falhas identificadas em cada uma das fases, de modo a fornecer uma visão sistêmica de todo o processo. Antes da conclusão, detalham-se as determinações do TCU e as medidas e os estudos em curso nos diversos órgãos estatais e fóruns especiais, bem como as proposições da CPMI, ainda pendentes de deliberação pelo Congresso Nacional, iniciativas tomadas com vistas a melhorar o arcabouço normativo, tornar mais auditáveis e racionais os processos e dotar o Poder Público do aparelhamento necessário para operacionalizar as transferências voluntárias de recursos orçamentários, contemplando o aperfeiçoamento dos mecanismos de gestão e de controle, inclusive social, viabilizados pelo fortalecimento da governança pública e por maior transparência das ações. 36 2 CARACTERIZAÇÃO LEGAL E INSTITUCIONAL DAS ONG 2.1 O AMBIENTE LEGAL DAS ONGs 2.1.1 As ONGs na Constituição Federal Cabe destacar, inicialmente, que a expressão Organização Não-Governamental não está contemplada no ordenamento jurídico pátrio. A nossa legislação consagrou a expressão “entidade privada sem fins lucrativos” (EPSFL), ou simplesmente, “entidade sem fins lucrativos”, para se referir àquelas entidades, que, apenas recentemente, passaram a ser mais conhecidas e denominadas por ONGs. A criação de ONGs deve ser vista como o exercício de um direito consagrado constitucionalmente, que prevê a liberdade de associação para fins lícitos (art. 5°, XVII), de associação sindical e profissional (art. 8°, caput), e, ainda, a liberdade de consciência, de crença e de livre exercício de cultos religiosos (art. 5°, VI). A Carta Constitucional identifica e denomina, de forma específica, as seguintes entidades sem fins lucrativos: 1. Associações (art. 5°, XVIII e XIX); 2. Fundações Privadas (art. 150, VI, c); 3. Sindicatos (art. 8° e art. 150, VI, c); 4. Partidos Políticos (art. 17 e art. 150, VI, c); 5. Cultos Religiosos e Igrejas (art. 19, I, e art. 150, VI, b); 6. Serviços Sociais Autônomos (art. 240 e art. 62 do ADCT). 2.1.2 As ONGs no Código Civil O Código Civil brasileiro (CC, Lei 10.406, de 10/1/2002), que é a lei a quem compete definir as espécies de pessoas jurídicas de direito privado, prevê e caracteriza as seguintes espécies para constituição de uma entidade privada sem fins lucrativos: 1. Associações (arts. 44 e 53): união de pessoas que se organizam para fins nãoeconômicos; 37 2. Fundações (arts. 44 e 62): dotação especial de bens livres destinados ao fim especificado pelo instituidor, que poderá, inclusive, declarar a maneira como a fundação será administrada. 3. Organizações Religiosas (art. 44, § 1°): liberdade de criação, organização, estruturação interna e funcionamento, sendo vedado ao poder público negar-lhes reconhecimento ou registro dos atos constitutivos necessários ao seu funcionamento; 4. Partidos Políticos (art. 44, § 3°): organização e funcionamento de acordo com o disposto em lei específica. O Código prevê, ainda, o formato das entidades de fins lucrativo, as sociedades, inclusive as cooperativas, cuja característica fundamental é ser um ente coletivo que reúne pessoas em torno de um contrato no qual reciprocamente se obrigam a contribuir com bens e serviços para o exercício de atividade econômica e partilhar entre si os resultados (CC, art. 981, caput). O termo organizações da sociedade civil sem fins lucrativos, ou simplesmente organizações ou entidades sem fins lucrativos, tem sido usado para designar o conjunto dessas entidades (associações, fundações, organizações religiosas e partidos políticos). Antes de tudo, é um referencial jurídico usado freqüentemente em contextos técnicos para qualificar o estatuto legal da organização, diferenciando-as das sociedades pela finalidade lucrativa. No tocante às associações, possuem conotação de finalidade não lucrativa, que se define pela não distribuição de parcelas do patrimônio a associados e dirigentes, com aplicação integral das receitas à realização do objeto social. As associações comportam dois grupos de entidades: as de fins mútuos e as de fins comunitários, públicos ou de solidariedade social. Além das associações, que trazem esse termo integrado na sua denominação social (associação dos amigos de Vila Isabel, por exemplo), também se revestem sob essa forma jurídica as seguintes pessoas jurídicas de direito privado: Federação. Confederação. Consórcio público. Sindicato. Serviço social autônomo. 38 As fundações fazem parte de uma categoria fundamentalmente jurídica, de direito privado e sem finalidade lucrativa. Resultam da destinação, por alguém, de um patrimônio vinculado a um fim específico. A partir do Código Civil de 2002, somente podem ser constituídas fundações para fins religiosos, morais, culturais ou de assistência. São pessoas jurídicas de direito privado que se revestem sob a forma de fundação: instituídas por pessoas físicas e jurídicas; instituídas por empresas; instituídas por partidos políticos; instituídas pelo poder público; de apoio à instituições de ensino superior; de previdência privada ou complementar. Conclui-se, pois, que as ONGs, em sentido amplo, podem constituir-se por um dos quatro formatos jurídicos previstos no Código Civil, sendo mais comum o de associação ou fundação e, dentre estes, dão preferência à primeira forma, a qual não implica a existência de patrimônio prévio nem de um instituidor. Cerca de 95% das ONGs são registradas como associações (LANDIM e COTRIM, 1996, introdução, apud MENDES, 1999:12). 2.2 O AMBIENTE INSTITUCIONAL DAS ONGs 2.2.1 As EPSFL: terminologias, finalidades e objetivos As expressões entidades privadas sem fins lucrativos, organizações da sociedade civil (OSC), organizações da sociedade civil de interesse público (Oscip), organizações da sociedade civil sem fins lucrativos, entidades ou organizações filantrópicas, entidades beneficentes, organizações não-governamentais (ONG), terceiro setor, organizações sociais (OS), entidades de interesse social (EIS), são normalmente utilizadas para diferenciar as entidades que não integram o Estado ou o mercado. O emprego dessas terminologias, segundo Olak e Nascimento (2006:2), “ocorre de forma equivocada [...], já que são utilizadas normalmente como sinônimas, contribuindo para aumentar ainda mais a confusão” que leva à obscuridade e ao desconhecimento dessas organizações por parte do público em geral. 39 Com efeito, o universo das entidades “sem fins lucrativos” é composto por uma multiplicidade de organizações que, além de suas formas de constituição jurídica, há ainda as qualificações e os títulos outorgados pelo Poder Público, normalmente confundidos com aquelas, como é o caso das Entidades de Utilidade Pública (Federal, Estadual ou Municipal) ou das Oscips, dentre outros, a dificultar o entendimento por parte do público em geral. Para entender a natureza dessas organizações é importante também fazer distinção entre dois conceitos fundamentais: “sem fins lucrativos (ou econômicos)” e “atividade econômica”. Normalmente, o desenvolvimento de qualquer atividade econômica pode levar à geração de excedentes (diferença positiva entre o resultado obtido e o esforço despendido), denominado lucro ou superávit. O texto do novo Código Civil, ao definir associações como “união de pessoas para fins não-econômicos”, causou preocupação para as organizações que exercem alguma atividade econômica. No entanto, finalidade é diferente de atividade. Uma associação pode, sim, exercer atividades econômicas de forma suplementar e não-exclusiva, o que não pode é distribuir o resultado obtido. A diferença reside no fim que se pretende dar (ou efetivamente se dá) a esse resultado: se for distribuí-lo aos associados, diz-se que a entidade tem fins lucrativos ou econômicos; se for reaplicá-lo na consecução dos objetivos sociais, dizse que a entidade é sem fins lucrativos. Outra importante diferenciação a fazer, inclusive para avaliação de legitimidade de parcerias entre as EPFSL e o Poder Público, é no tocante à extensão dos benefícios das atividades da entidade, isto é, o público-alvo beneficiário das ações. É necessário diferenciar as entidades de benefício público daquelas outras tidas como de benefício mútuo. Omissão, esta, segundo Modesto (2006:6), ainda presente na nossa legislação, e que, juntamente com outras lacunas de cobertura legal na área, têm deixado muitos temas sob o comando da discrição de autoridades administrativas. As EPFSL não necessariamente objetivam uma finalidade pública. Podem ser constituídas para realizar objetivos de natureza particular, de benefício exclusivo de seus associados, ou de uma coletividade muito restrita (CICONELLO, 2004:2). As de finalidade pública, embora sem prejuízo do benefício de suas ações virem a atingir também seus próprios associados, possuem projetos que visam a beneficiar toda a sociedade. Suas finalidades contemplam o alcance de objetivos para atender aos interesses e às necessidades de pessoas indeterminadas, ou à sociedade em geral, por meio de ações de assistência social, promoção da cidadania e da cultura. As de natureza particular contemplam apenas pequenas parcelas da sociedade, grupos fechados, cujos associados são os próprios beneficiários de suas ações (NUNES, 2006:28; PAES, 2006:65-66). 40 2.2.2 A ambigüidade do termo e o problema de identidade das ONGs Restou claro que ONG, sigla para Organização Não-Governamental, não é um formato jurídico institucional existente no ordenamento jurídico brasileiro. O Código Civil prevê apenas cinco formatos para a constituição de uma pessoa jurídica de direito privado: as sociedades, as associações, as fundações, as organizações religiosas e os partidos políticos. Para se entender o conceito de ONG é necessário utilizar, numa primeira etapa, a definição textual, tão ampla a ponto de abranger qualquer organização de natureza não-estatal: a princípio pode ser uma empresa, um hospital, uma escola, uma igreja, uma cooperativa, um sindicato, um partido político, um movimento social, uma fundação empresarial, um clube, enfim, tudo aquilo que não é governo ou vinculado a ele. Numa segunda aproximação, é necessário subtrair desse universo as entidades privadas de fins lucrativos, isto é, as sociedades (de fins lucrativos, mercantis), inclusive as cooperativas, e as entidades que, direta ou indiretamente, compõem o Governo. O conjunto resultante é o das EPSFL que, para alguns – e não há unanimidade quanto a isto – é o que se conhece por terceiro setor e todas as entidades que o integram seriam ONGs. Em síntese: EPSFL = ONG = TERCEIRO SETOR. Para outros, no entanto, como se verá adiante, nem todas as EPSFL são ONG, e elas (as ONGs) não seriam o próprio terceiro setor, mas apenas parte dele. Nem mesmo todas as EPSFL fariam parte do terceiro setor, mas tão somente aquelas de interesse público, excluídas, portanto, as de benefício mútuo. Neste trabalho, assumir-se-á que o termo ONG diz respeito às EPSFL, excluindo apenas as entidades governamentais (inclusive as fundações públicas de direito privado e entidades paraestatais) e as entidades privadas de fins lucrativos, inclusive as sociedades cooperativas, sem distinção, a priori, daquelas de benefício público ou de benefício mútuo. O terceiro setor será assumido como o conjunto dessas entidades. Nesse sentido também é Paes (2006:23), para quem “em termos do direito brasileiro, configuram-se como organizações do terceiro setor, ou ONGs – Organizações NãoGovernamentais, as entidades de interesse social sem fins lucrativos, como as associações, e as fundações de direito privado, com autonomia e administração própria, cujo objetivo é o atendimento de alguma necessidade social [e, portanto, não somente necessidade pública] ou a defesa de direitos difusos ou emergentes.” 41 Segundo Mendes (1999:24), “o termo ONG, que virou moda no Brasil nos últimos cinco ou seis anos, é importado; surgiu pela primeira vez em documentos das Nações Unidas no final da década de 40, e referia-se a um universo extremamente amplo e pouco definido de instituições.” Olak e Nascimento (2006:2) ponderam que o Banco Mundial entende como ONG “qualquer organização sem fins lucrativos que é independente de governos.” Em sentido mais restrito, todavia, o mesmo Banco conceitua as ONGs como “organizações privadas que realizam atividades para reduzir sofrimento, promover o interesse dos pobres, proteger o ambiente, prover serviços sociais básicos ou desenvolver comunidades.” Na verdade, como lembra Bava (1994:97), “as ONGs existem no Brasil há muito tempo. Novo é o nome [...] que lhes deram o Banco Mundial e as Nações Unidas. Antes eram conhecidas como centros de pesquisa, associações promotoras de educação popular, entidades de assessoria a movimentos sociais.” A novidade, segundo Luiz Mendes (1999:6) “está no formato que o segmento vem assumindo a partir da década de 80, quando ganha corpo e visibilidade maiores e incorpora instituições e formas organizacionais diferentes”. Para Nunes (2006:22) “a anistia aos exilados políticos no final da década de 70 deu uma nova dimensão às ONGs”, que agregaram ao seu cenário o pensamento critico, a experiência internacional e a densidade política de expoentes que voltavam ao País, como Herbert de Souza (Betinho) e Rubem César Fernandes. Esse novo perfil das ONGs somente passou a ter reconhecimento, da mídia brasileira, em geral, a partir da ECO 92, frente a repercussão internacional do evento e a capacidade de mobilização dessas organizações que denunciavam os modelos vigentes de tratamento dos ecossistemas e apresentavam propostas concretas para o desenvolvimento auto-sustentado. O país tomou, então, conhecimento de alternativas pouco conhecidas de cidadania ativa pelos registros da mídia aos gritos de alerta daqueles grupos, muito embora algumas dessas se apresentassem “carregadas de ideais humanitários que se confundiam com valores político-partidários de esquerda, quase sempre governamentais e de grandes corporações.” (MENDES, 1999:6). contrários aos interesses 42 Na busca de identidade para as ONGs, a Abong – Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais, sugeriu a adoção dos seguintes critérios6: No tocante à especificidade das ONG’s, é preciso ressaltar aquilo que não são: não são empresas lucrativas (seu trabalho é político e cultural), não são entidades representativas de seus associados ou de interesses corporativos de quaisquer segmentos da população, não são entidades assistencialistas de perfil tradicional; e afirmar aquilo que são: servem à comunidade, realizam um trabalho de promoção da cidadania e defesa dos direitos coletivos (interesses públicos, interesses difusos), lutam contra a exclusão, contribuem para o fortalecimento dos movimentos sociais e para a formação de suas lideranças visando à constituição e ao pleno exercício de novos direitos sociais, incentivam e subsidiam a participação popular na formulação e implementação das políticas públicas. (grifos do original). Para Durão (1999:5), o entendimento de um conceito amplamente democrático de fim público das ONGs – “que trabalham pelo reconhecimento de novos direitos, por vezes ainda não reconhecidos pelo Estado, e, portanto, sem amparo no ordenamento jurídico vigente num determinado estágio da vida social” – foi incorporado em documento7 elaborado durante o diálogo político, que teve como tema o Marco Legal do Terceiro Setor, no qual se gestou a Lei 9.790/99 (Lei das Oscip), formulado nos seguintes termos: É necessário incluir também as chamadas ONGs (organizações nãogovernamentais) cuja atuação não configura nenhum tipo de complementaridade ou de alinhamento aos objetivos de políticas governamentais, e nem, muitas vezes, de suplementariedade à presença do Estado. Ao lado das instituições que complementam a presença do Estado no desempenho dos seus deveres sociais e ao lado daquelas entidades que intervêm no espaço público para suprir as deficiências ou a ausência da ação do Estado, devem ser também consideradas, como de fins públicos, aquelas organizações que promovem, desde pontos de vista situados na Sociedade Civil, a defesa de direitos e a construção de novos direitos – o desenvolvimento humano, social e ambientavelmente sustentável, a expansão de idéias-valores (como a ética na política), a universalização da cidadania, o ecumenismo (latu sensu), a paz, a experimentação de novos padrões de relacionamento econômico e de novos modelos produtivos e a inovação social etc. Apesar de já bastante conhecido por parte do público em geral, o termo ONG não remete automaticamente às entidades com as características de atuação mencionadas. Parece 6 Agenda da Abong para o Grupo de Trabalho Ministerial sobre a situação jurídica das ONG. Documento-Base, Segunda Versão, de 29/9/97, p.12, da Sexta Rodada de Interlocução Política do Conselho do Comunidade Solidária. 7 43 claro, no entanto, que as organizações dotadas dos perfis citados postulam, para si, a exclusividade da denominação. Esse propósito é facilmente constatável na literatura especializada, por meio de expressões do tipo “as ONGs e outras entidades sem fins lucrativos” (DURÃO, 1999:4) ou construções textuais em que as ONGs são colocadas como elemento singularizado dentro do conjunto das outras organizações da sociedade civil, como em Ciconello (2004:1): “entre entidades religiosas, assistenciais e filantrópicas, organizações de base, associações de bairro, ONGs, fundações e institutos de origem empresarial, são muitas as formas e perspectivas de atuação social das organizações sem fins lucrativos brasileiras.” (grifos nossos). Uma identidade, singularizada pelas feições do campo e formas de atuação dessas entidades, melhor seria obtida pela adoção de um termo menos genérico, que explicitasse com mais propriedade o papel que elas desenvolvem. Nunes (2006:27) noticia que “nos Estados Unidos, essa categoria abrangeria os advocacy groups, associações que lutam por uma causa.” Falconer (1999:61), citado por Olak e Nascimento (2006:3), deixa claro, não só a distinção pretendida para o termo ONG como também o espectro das atividades típicas que se encaixariam no termo, ressalvando, porém, que tais atividades melhor seriam descritas por outro termo: O setor de ONG no Brasil [...], exclui as organizações sem fins lucrativos tradicionais (entidades filantrópicas, religiosas, creches, asilos etc.) voltadas exclusivamente à prestação de serviços. ‘ser ONG, tal como o conceito foi apropriado no Brasil, significa mais do que status legal de associação sem fins lucrativos. Implícitos no termo estão um campo e uma forma de atuação predominantes: a defesa de direitos, através de assessoria e capacitação de movimentos populares, e atividades melhor descritas pelo termo inglês advocacy: mobilização popular, articulação política; conscientização e disseminação de informação. (grifos nossos). Uma interessante caracterização das ONGs foi criada pelo acadêmico americano David Korten, ex-professor de Harvard e referência mundial nessa área, segunda a qual as ONGs de primeira geração operam urgências, distribuem serviços, alimentos e remédios. Dão o peixe; as ONGs de segunda geração empenham-se em fazer com que as comunidades pobres encontrem a solução para os seus próprios problemas. Ensinam a pescar; e, as ONGs de terceira geração: transitam no campo das idéias, da formação moral, da cidadania. Elas se propõem a ser motores de mudanças políticas e sociais. (CLEMENTE, 2006:32-33). 44 Finalmente, não se pode deixar de mencionar como prática que contribui para a falta de identidade de algumas organizações em particular, o fato de elas consignarem em seus estatutos sociais uma extensa lista de atividades, composta de objetivos genéricos, abarcando um amplo leque de possibilidades de atuação. Tal prática, relatada em auditorias do TCU, permite que a ONG se torne elegível à obtenção de recursos nas dotações alocadas aos mais diversos programas do orçamento público. A esse respeito, devem estar atentos os órgãos públicos responsáveis pela análise das propostas de transferências de recursos orçamentários, bem como aqueles que fiscalizam o mérito das isenções e outros benefícios fiscais e previdenciários concedidos pelo Estado, construindo procedimentos adequados para a detecção de desvios por meio dessa conduta. Não basta a caracterização precisa dos objetivos e da área de atuação das ONGs que serão beneficiadas com recursos públicos, em seus estatutos sociais. É necessário, também, que se averigúem as condições e a capacidade das entidades para alcançar os objetivos propostos ou subsidiados, a existência de estruturas (administrativa, técnica, operacional, experiência, etc.) apropriadas e disponibilidade de recursos materiais, humanos e tecnológicos para realizá-los. 2.2.3 Terceiro Setor: natureza, objetivos, conceito e critérios de inclusão Até recentemente, a ordem sociopolítica compreendia apenas dois setores, o público e o privado, que se distinguiam um do outro, tanto pelas características, como pela personalidade: “de um lado ficava o Estado, a Administração Pública, a sociedade; do outro, o Mercado, a iniciativa particular e os indivíduos.” (PAES, 2006:121). Atualmente, “junto com o Estado (Primeiro Setor) e com o Mercado (Segundo Setor), identifica-se a existência de um Terceiro Setor [...] que não é público nem privado, no sentido convencional desses termos;” mas que guarda uma relação simbiótica com ambos, uma vez que deriva sua própria identidade da conjugação entre a metodologia do segundo com as finalidades do primeiro, isto é, “O Terceiro Setor é composto por organizações de natureza ‘privada’ (sem o objetivo do lucro) dedicadas à consecução de objetivos sociais ou públicos, embora não seja integrante do governo” (PAES, 2006:121-122, grifos nossos). A expressão terceiro setor começou a ser utilizada no Brasil em anos recentes, com a idéia implícita “de um ‘setor social, em contraposição ao Estado e ao mercado”, gerando “um discurso homogeneizado, com forte tendência a eliminar os conflitos inerentes às dinâmicas de nossa sociedade civil [...] como se esse ‘setor’ tivesse uma suposta identidade 45 comum” (CICONELLO, 2004:5,7). Na verdade, sustenta o autor, no meio da multiplicidade de organizações que compõem o universo das entidades sem fins lucrativos existem entidades com “perfis, objetivos e perspectivas de atuação social bastante distintos e às vezes opostos”. Esta pode ser a razão de não existir unanimidade, como já mencionado, no tocante ao seu conceito e à sua composição, inclusive porque os conceitos variam conforme a ênfase dada a um dos seus elementos ou características, tais como: diferenciação de “outros setores”, abrangência, finalidade e natureza jurídica das organizações que o compõem (PEREIRA, 2006:1). A esse respeito, Paes (2006:123) lembra que: É importante explicar que o Terceiro Setor tem uma grande abrangência não só na sua forma de atuação, como com relação às entidades ou organizações sociais que o constituem, não havendo, ainda, no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro, uma definição exata em lei do que seja esse setor, de que se compõe e em que áreas atua. No tocante ao conceito do terceiro setor, Paes (2006:122), o considera “como o conjunto de organismos, organizações ou instituições sem fins lucrativos dotados de autonomia e administração própria que apresentam como função e objetivo principal atuar voluntariamente junto à sociedade civil visando ao seu aperfeiçoamento”. Por seu turno, Nunes (2006:25), o define “como um conjunto de organizações de origem privada, dotadas de autonomia, administração própria e finalidade não-lucrativa, cujo objetivo é promover o bemestar social através de ações assistenciais, culturais e de promoção da cidadania.” No que tange à discussão sobre que entidades integram o terceiro setor, convém aprofundar a exploração do significado de interesse social, interesse público e ajuda mútua, já que esses conceitos são normalmente utilizados como critérios para identificar a finalidade das organizações e para determinar se ações que executam qualificam-nas como integrantes, ou não, do terceiro setor. Como já foi visto, levando-se em conta a extensão dos benefícios da atividade da entidade, isto é, o público-alvo beneficiário das ações, existem dois tipos fundamentais de organizações no universo das EPSFL: as de benefício (interesse) público e as de benefício (interesse) mútuo. A distinção entre esses dois tipos é de extrema relevância, uma vez que repercute na relação financeira entre essas organizações e o Poder Público, fornecendo parâmetros para uma graduação clara de benefícios e incentivos fiscais e de acesso aos recursos públicos (BARBOSA, 2001, apud PEREIRA, 2006:3). 46 Pereira (2006:3-4), recorrendo ao dicionário, discorre que: Social é da sociedade, relativo a ela ou que interessa a ela. Público é do, ou relativo, ou pertencente ou destinado ao povo, à coletividade; que é do uso de todos; comum; aberto a quaisquer pessoas. Interesse é vantagem, proveito; benefício. Aquilo que convém, que importa. Em seguida conclui que ‘interesse social’ é o gênero, no qual estão incluídas duas espécies: ‘interesse público’ e ‘ajuda mútua’, desdobrando seu raciocínio da seguinte forma: [...] são de interesse social, ou seja, são convenientes à sociedade, tanto as entidades de interesse (ou caráter) público, que são aquelas que objetivam o benefício de toda a sociedade ou de segmentos do conjunto da sociedade (entidades assistenciais, beneficentes, filantrópicas, de defesa de direitos, [...] etc.), quanto as organizações de ajuda mútua ou de auto-ajuda, que objetivam defender interesses coletivos, mas num círculo restrito, específico, de pessoas, ou seja, em benefício mútuo ou interno de um determinado grupo (associações de classe, associações de moradores, associações comerciais, clubes sociais, recreativos e esportivos etc.). Nunes (2006:29) vai mais longe ao avaliar que: mesmo quando se tratar de entidades fechadas, como associação de moradores, quando verificar que se trata de moradores com alto nível de exclusão social, e que a ação da entidade permitiu-lhes melhorar a sua qualidade de vida, por exemplo, reduzindo o nível de marginalidade, pode-se dizer que essa entidade, embora cuidando de um grupo seleto de pessoas, beneficiou a sociedade como um todo, e assim pode ser considerada como integrante do Terceiro Setor. Pereira (2006:1-2) informa que a metodologia baseada no “Manual sobre Instituições sem Fins Lucrativos no Sistema de Contas Nacionais” recomendado pela ONU, vem sendo utilizada para definir e identificar as organizações ou entidades sem fins lucrativos que integram o terceiro setor. Segundo essa metodologia, para ser considerada integrante do terceiro setor, uma entidade deve preencher cinco critérios simultaneamente: ser privada; sem fins lucrativos; institucionalizada; auto-administrada; e, voluntária. Ainda segundo o autor, dois estudos e pesquisas nacionais foram realizados, com respaldo nesses critérios, com vistas a dimensionar – mensurar e classificar – o terceiro setor no Brasil, quais sejam: • FASFIL – As Fundações privadas e as Associações Sem Fins Lucrativos no Brasil: 2002, realizado pelo IBGE e pelo IPEA, em parceria com a Abong e o GIFE (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas); 47 • MAPA – Mapa do Terceiro Setor, realizado pelo Centro de Estudos do Terceiro Setor, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), com apoio de outras organizações, 2005. O primeiro trabalho constitui o único levantamento nacional de organizações do terceiro setor; o segundo, um cadastro espontâneo representando um conjunto expressivo das ONGs brasileiras (4.589 ONGs cadastradas até julho de 2005), mas não todas. Ao comparar os critérios utilizados nos dois trabalhos, verifica-se que “eles discordam em alguns aspectos. Isto ocorre devido à divergência de interpretação e aplicação dos cinco critérios recomendados pela ONU. Um bom exemplo é o fato de os sindicatos terem sido excluídos do FASFIL e incluídos no MAPA.” (PEREIRA, 2006:2), revelando que, mesmo partindo de um mesmo referencial metodológico, não se chega a um entendimento unânime quanto às entidades que devem ou não integrar o terceiro setor. A dificuldade parece estar, além da confusão que se faz entre os conceitos de interesse social, interesse público e interesse mútuo, também na dúvida quanto ao que se deve considerar na composição dos espaços econômicos/sociais conhecidos como primeiro, segundo e terceiro setor: instituições ou atividades? Dito de outro modo: esses setores devem ser vistos como um espaço de organizações ou devem ser tomados sob o prisma das atividades desenvolvidas por elas? Por certo, quando o conceito foi imaginado mirou-se nas finalidades, ou mais apropriadamente, nas atividades finalísticas das instituições: governar (primeiro setor), gerar riqueza (segundo setor), catalisar solidariedade, apoio e proteção social (terceiro setor). Ocorre que tudo isso é ação, e o modelo, tomado apenas sob a ótica institucional, é por demais estático para representar a dinâmica das atividades efetivamente levadas a efeito no mundo real, isso porque, entidades pertencentes ao primeiro setor, como por exemplo, as empresas estatais, se tomadas por suas atividades, pertencem ao segundo setor; uma empresa do segundo setor, que cede parte de suas instalações e custeia professores para alfabetizar seus empregados, está, no tocante a essa ação, exercendo atividade típica do terceiro setor; por fim, uma ONG que contrata a terceirização de certas atividades de um órgão público, coisa muito comum nos dias atuais, está, na verdade, atuando no segundo setor. A importância de debater a adoção de critérios para a definição do terceiro setor é indiscutível, inclusive para auxiliar os órgãos governamentais no estabelecimento de critérios para a concessão de benefícios e para o repasse de recursos orçamentários. Não por acaso, o 48 relatório que subsidiou o Acórdão 2.066/2006–TCU–Plenário definiu o entendimento abaixo, com o fito de orientar as atividades de controle externo (grifos nossos): Às atividades do controle externo, interessa delimitar um conceito que permita verificar a legitimidade das parcerias onerosas estabelecidas pelo Estado com essas organizações, moldando-o pelo requisito basilar da finalidade pública e pelos princípios que regem a administração pública. Nesse sentido, independentemente das denominações ou classificações que lhes derem, as ONG que se abrigam em tal contorno são aquelas organizações da sociedade civil, constituídas como pessoas jurídicas de direito privado, reguladas, quanto à sua constituição e funcionamento, por uma das formas apropriadas previstas legalmente, e que, pelo caráter publico [social] de suas finalidades e efetivo exercício das mesmas, se caracterizem como Entidades de Interesse Social. (BRASIL, 2006b:4). Segundo esse entendimento, a abrangência do que integra o terceiro setor deve ser sopesada não apenas em função das finalidades consignadas nos estatutos ou nas naturezas jurídicas das entidades. É necessário levar em conta o fim social das atividades desenvolvidas por quaisquer entidades, ainda que, por suas naturezas jurídicas ou finalidades predominantes, não se caracterizem como integrantes desse setor. Nesse sentido, também se posiciona Nunes (2006:26, grifos nossos) ao entender que: “definir as entidades deste segmento por seus objetivos e suas ações é adotar o critério mais racional e coerente com o ordenamento jurídico pátrio, vez que tal tendência foi confirmada pela sobredita Lei 9.790/99 [...] elegemos o objetivo de promover o bem-estar social, através de atividades específicas de ações assistenciais, culturais e de promoção da cidadania como o traço distintivo de uma entidade do Terceiro Setor.” Transcreve-se, na íntegra, a opinião de Nunes (2006:29), à guisa de orientar a avaliação de mérito na destinação de recursos públicos: Então, ao invés de tentar enumerar as entidades sociais pela natureza e nomenclatura que as mesmas têm, ou ainda pela prática ou não de atividades estatais para classificá-las como entidade de benefício público, como sugere Sílvio Sant’ana, o critério para integrá-las ou não simplesmente na definição de Terceiro Setor estaria nos seus objetivos e ações: quando realizarem atividades Interesse Público, entendidas estas como as que promovem cidadania, assistência social e cultura, estariam incluídas na definição de integrantes do Terceiro Setor. E, mesmo quando se tratar de entidades fechadas, como associação de moradores, quando verificar que se trata de moradores com alto nível de exclusão social, e que a ação da entidade permitiu-lhes melhorar a sua qualidade de vida, por exemplo, reduzindo o nível de marginalidade, pode-se dizer que essa entidade, embora cuidando de um grupo seleto de pessoas, beneficiou a sociedade como um todo, e assim pode ser considerada como integrante do Terceiro Setor. 49 2.2.4 Títulos jurídicos e benefícios concedidos às entidades do Terceiro Setor Nesta seção, se verão os certificados, os títulos e as qualificações conferidos pelo Poder Público às entidades do terceiro setor, acompanhados da legislação e dos benefícios a eles associados. Normalmente, esses títulos são concedidos às entidades que apresentam as seguintes características básicas: realização de ações voltadas para o bem-estar comum da coletividade, por meio de atividades de assistência social, promoção da cidadania e da cultura; manutenção de fins não-lucrativos e, caso exerçam atividades econômicas, apliquem os resultados em seus fins sociais; adoção de personalidade jurídica adequada aos fins sociais (associação ou fundação). Denominados genericamente por títulos jurídicos, os certificados, títulos e qualificações outorgados pelo Poder Público representam o reconhecimento ao trabalho social desenvolvido pela entidade, como forma de diferenciá-la na concessão de benefícios. Assim, designações como “Entidade de Utilidade Pública”, “Entidade Beneficente de Assistência Social”, “Organização da Sociedade Civil de Interesse Público” e “Organização Social” consistem apenas em títulos jurídicos e não traduzem uma forma de pessoa jurídica privada. Essa diferenciação, segundo Modesto (1999:3), “permite inserir as entidades qualificadas em um regime jurídico específico [...] padronizar o tratamento normativo de entidades que apresentem características comuns relevantes, evitando o tratamento legal casuístico [...]” e “o estabelecimento de um mecanismo de controle de aspectos da atividade das entidades qualificadas, flexível por excelência, entre outras razões, porque o título funciona como um instrumento que admite não apenas a concessão, mas também a suspensão e o cancelamento.” 2.2.4.1 Título de Utilidade Pública Federal O mais antigo título jurídico existente em nosso ordenamento é o de Utilidade Pública Federal (UPF), instituído pela Lei 91, de 1935, concebido inicialmente apenas para dar reconhecimento estatal à instituição, conferindo-lhe maior credibilidade e poder para angariar doações. Em face dessa situação, os mecanismos de controle eram muito parcos, limitando-se a apresentação anual de uma “relação circunstanciada dos serviços que houverem prestado à sociedade” (art. 4°, Lei 91/35). Para concessão e manutenção do título, é necessário que a entidade atenda aos seguintes requisitos: 50 comprove, por meio de relatórios trianuais, a promoção de educação, de atividades científicas, culturais, artísticas ou filantrópicas; demonstre normal funcionamento nos últimos três anos e constituição no País; não remunere ou conceda vantagens a diretores, ou associados, que devem possuir folha corrida e moralidade comprovada; publique demonstração de superávit ou déficit, se contemplada com subvenção da União no período anterior. Com o passar do tempo, uma série de benefícios fiscais, como isenções e acesso a recursos públicos, foi sendo criada, ou seja, o título, que inicialmente era apenas honorífico passou a abrir portas para benefícios estatais, desvirtuando sua idéia original. Paralelamente, os mecanismos de controle não evoluíram na mesma proporção, pelo que, com enorme facilidade, o título passou a ser utilizado em manobras ilegais, tornando-se notório com os chamados “anões do orçamento”, “esquema de malversação de recursos públicos, descoberto por acaso, consistente na utilização por um grupo razoável de parlamentares federais de entidades filantrópicas de fachada, de papel, que eram por eles criadas através de terceiros e por sua ação parlamentar recebiam vultosas somas de recursos públicos sem qualquer compromisso efetivo com atividades relevantes em matéria social ou em benefício da coletividade.” (MODESTO, 1999:7). A partir de então, iniciou-se um movimento para a reforma da Lei 91/35, que resultou na edição das Leis 9.637/98 e 9.790/99. Esta última, também conhecida como novo marco legal do terceiro setor, criou a qualificação de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) e instituiu o termo de parceria, instrumento passível de ser firmado com o Poder Público para fomento das atividades de interesse público desenvolvidas pelas Oscip. A outra criou a qualificação de Organização Social (OS) e instituiu o contrato de gestão, como instrumento representativo do acordo operacional celebrado com o Poder Público. Ambas as qualificações serão vistas detalhadamente mais adiante. Os benefícios proporcionados pelo título de UPF são os seguintes: permissão para receber subvenções, auxílios e contribuições da União; receber doações de empresas, dedutíveis do imposto de renda (Lei 9.249/95, art. 13, § 2°, III); 51 realizar sorteios para obter recursos adicionais à manutenção ou custeio da obra social (Lei 5.768/71, art. 4°); requisito para requerer o Registro ou o Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social, vistos a seguir. 2.2.4.2 Registro e Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social Configura o reconhecimento do Poder Público Federal de que a instituição presta serviços de assistência social, entendida como tal aquela que atende diretamente ao público, exercendo atividades de natureza continuada nas áreas de assistência social, saúde, educação e cultura. Os títulos são de responsabilidade do Conselho Nacional de Assistência Social, vinculado ao Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (CNAS/MDS), responsável pela coordenação da assistência social no País. O Certificado de Entidades de Fins Filantrópicos, antecessor do atual Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (Cebas), segundo Ferrarezi (2001:3-4 apud SPOSATI, 1994:67): Surgiu em 1959 (lei n° 3577) para responder à exigência do processo de isenção da contribuição patronal à previdência, e foi regulamentado pelo Decreto n° 1117 de 1962. Nesse decreto se exigiu [...] que o CNSS [Conselho Nacional do Serviço Social] emitisse um certificado provisório de ‘entidade de fins filantrópicos’ para as entidades registradas. Exigiu a emissão de um certificado, mas não um novo processo distinto daquele para obtenção do registro. Portanto, uma função inicial do certificado – que era servir de prova junto ao INSS para obter a isenção da cota patronal da previdência – acabou se tornando mais um título exigido no processo. O decreto parece ter sido, então, o pretexto para diferenciação entre o Registro e o Certificado de Fins Filantrópicos. Esta a razão de até hoje coexistirem o Registro e o Certificado Entidade Beneficente de Assistência Social, no âmbito do CNAS/MDS, disciplinados atualmente pelo inciso IV, art. 18, da Lei 8.742/93 regulamentada pelo Decreto 2.536/98. Segundo as normas referidas, poderão obter Registro no Conselho Nacional de Assistência Social (Rebas) as entidades que, sem fins lucrativos, promovam: a proteção à família, à infância, à maternidade, à adolescência e à velhice; o amparo às crianças e adolescentes carentes; 52 ações de prevenção, habilitação, reabilitação e integração à vida comunitária de pessoas portadoras de deficiência; a integração ao mercado de trabalho; a assistência educacional ou de saúde; o desenvolvimento da cultura; o atendimento e o assessoramento aos beneficiários da Lei Orgânica da Assistência Social e a defesa e garantia de seus direitos. Somente poderá ser concedido registro à entidade cujo estatuto estabeleça que: aplica suas rendas, seus recursos e eventual resultado operacional integralmente no território nacional e na manutenção e no desenvolvimento de seus objetivos institucionais; não distribui resultados, dividendos, bonificações, participações ou parcela do seu patrimônio, sob nenhuma forma; não percebem seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores, benfeitores ou equivalentes, remuneração, vantagens ou benefícios, direta ou indiretamente, por qualquer forma ou título, em razão das competências, funções ou atividades que lhes sejam atribuídas pelos respectivos atos constitutivos; em caso de dissolução ou extinção, destina o eventual patrimônio remanescente a entidades congêneres registradas no CNAS ou a entidade pública. seja declarada de utilidade pública federal (UPF). O Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social somente poderá ser concedido ou renovado, pelo CNAS/MDS, para entidades que preencham os critérios para a concessão do Rebas e mais ao seguinte, cumulativamente: estar legalmente constituída no país e em efetivo funcionamento, nos três anos imediatamente anteriores ao requerimento; estar previamente inscrita no Conselho Municipal de Assistência Social do município de sua sede, se houver, ou do estado ou do Distrito Federal; estar previamente registrada no CNAS (o requerimento do Registro pode ser feito simultaneamente com o do Certificado); 53 aplicar anualmente, em gratuidade, pelo menos 20% da receita bruta proveniente da venda de serviços, acrescida da receita decorrente de aplicações financeiras, de locação de bens, de venda de bens não integrantes do ativo imobilizado e de doações particulares, cujo montante nunca será inferior à isenção de contribuições sociais usufruídas. Os benefícios proporcionados pelo Rebas e pelo Cebas são os seguintes: isenção da cota patronal do INSS e das contribuições sociais (art. 55, Lei 8.212/91); requerer benefícios concedidos pelo Poder Público dentro de sua área de atuação; critério de elegibilidade para a obtenção de subvenções sociais, auxílios, contribuições correntes e de capital, conforme previsto nas LDO anuais; 2.2.4.3 Organização Social A Lei 9.637/98, que também aprovou o “Programa Nacional de Publicização”, autorizou o Poder Executivo a transferir a execução de serviços públicos não exclusivos do Estado a entidades especialmente qualificadas como Organizações Sociais (OS), por meio de instrumento jurídico denominado contrato de gestão. São requisitos para qualificação como OS (Art. 2º): I - comprovar o registro de seu ato constitutivo, dispondo sobre: fim social de interesse coletivo em qualquer das áreas previstas na lei: ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação do meio ambiente, cultura e saúde; finalidade não-lucrativa, com a obrigatoriedade de investimento de seus excedentes financeiros no desenvolvimento das próprias atividades e proibição de distribuição de bens ou de parcela do patrimônio líquido em qualquer hipótese; previsão expressa de a entidade ter, como órgãos de deliberação superior e de direção, um Conselho de Administração e uma Diretoria com a participação de representantes do Poder Público e da comunidade, de notória capacidade profissional e idoneidade moral; obrigatoriedade de publicação anual, no DOU, dos relatórios financeiros e de execução do contrato de gestão; previsão de incorporação integral do patrimônio, dos legados ou das doações que lhe foram destinados, bem como dos excedentes financeiros decorrentes de suas atividades, 54 em caso de extinção ou desqualificação, ao patrimônio de outra OS qualificada no âmbito da União, da mesma área de atuação, ou ao patrimônio da União, dos estados, do DF ou dos municípios, na proporção dos recursos e bens por estes alocados. II - haver aprovação, quanto à conveniência e à oportunidade de sua qualificação como OS, do ministro ou titular de órgão supervisor ou regulador da área de atividade correspondente ao seu objeto social e do ministro de estado da administração federal. O modelo normativo das OS contempla alguns avanços em relação ao título de UPF, mas também suscita algumas questões controversas que merecem destaque. Preliminarmente, destaca-se que não é pacífico o entendimento de que a OS seja legitimamente uma entidade privada, uma ONG, e como tal integre o terceiro setor. A exigência de participação do Poder Público no conselho de administração da entidade, além da previsão legal de cessão de bens, recursos e até servidores públicos para execução do contrato de gestão, descaracteriza sua autonomia administrativa, configurando-a muito mais, no dizer de Nunes (2006:27), como “simples ramificação do aparelho estatal.” Em relação aos avanços, destaca-se o papel fundamental do conselho de administração, cuja composição deve ter maioria absoluta de representantes do Poder Público e da comunidade, controlando os atos da diretoria executiva, cujos diretores são por ele designados e dispensados. “De certa forma, o Poder Público assenhoreia-se do controle da entidade privada – com a colaboração da comunidade – para que ela possa vir a exercer as atividades sociais desejadas, utilizando-se de recursos oficiais” (MEIRELLES, 1999:364). Outro avanço diz respeito ao contrato de gestão que, se bem planejado, estabelece limites e define metas a serem atingidas, podendo ser relevante no controle da aplicação dos recursos nas finalidades pactuadas, cuja execução deve ser objeto de relatório anual publicado no DOU, e não apenas relatórios financeiros. Quanto às questões controversas, menciona-se o requisito específico de haver aprovação, quanto à conveniência e à oportunidade da qualificação como OS, pelo Ministro ou titular do órgão supervisor ou regulador da área de atividade correspondente ao objeto social da entidade pretendente, assim como pelo ministro da administração, por ameaçar violação ao princípio da impessoalidade. Embora o ato deva ser motivado, principalmente porque decorre do poder discricionário, não se pode deixar de admitir que o alto grau de subjetividade na qualificação aliada às previsões de uso de bens públicos, de dotações 55 orçamentárias específicas e da cessão de servidores públicos com ônus para a origem, tudo sem licitação, embute riscos elevados de maculação do modelo. A esse respeito é oportuna a transcrição de trecho do voto do ministro Eros Grau, do Supremo Tribunal Federal (STF), acerca da concessão de liminar na ação direta de inconstitucionalidade (Adin) 1.923-5, para suspender os efeitos dos arts. 1°, 5°, 11 a 15 e 20 da Lei 9.637/98: 12. [...] a celebração desse contrato de gestão com o Poder Público habilitará a organização social ao desfrute de certas vantagens. Mais do que vantagens, favores desmedidos, visto que essa contratação não é antecedida de licitação. 13. [...] Para recebê-los, a organização social, como observa CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELO8, “não necessita demonstrar habilitação técnica ou econômico-financeira de qualquer espécie. Basta a concordância do Ministro da área (ou mesmo do titular do órgão que a supervisione)...” 14. Mas não é só. É facultada ainda ao Poder Executivo a “cessão especial de servidor para as organizações sociais, com ônus para a origem” (arts. 13 a 15). Uma coisa nunca vista. Direi neste passo apenas isso, [...]. O jurista Paulo Modesto (2006:10) manifesta, ainda, preocupação quanto à falta de previsão na lei de exigência de um tempo mínimo de atuação comprovada em sua área de atividade das candidatas à qualificação, a exemplo da existente na legislação das entidades filantrópicas. “Evitar-se-ia assim, com prudente cautela, a existência de entidades ad hoc, sem maior consistência, como beneficiárias do título”, protegendo, com essa simples medida, ensaios de erosão da credibilidade do título. Nas leis estaduais essa exigência já tem sido admitida (v.g. LC 846, de 4/6/1998, do Estado de São Paulo, que exige comprovação de prestação de serviços próprios pela entidade há mais de cinco anos). Os benefícios proporcionados pela qualificação como OS são os seguintes: a qualificação implica a automática declaração da entidade como de interesse social e de utilidade pública, propiciando os mesmos benefícios do título de UPF (art. 11); a entidade qualificada poderá contar ainda com recursos orçamentários e bens públicos necessários ao cumprimento do contrato de gestão (art. 12), tudo com dispensa de licitação (art. 12, § 3°), cessão de servidores públicos com ônus para a origem (art. 14); e, a própria dispensa de licitação nos contratos de prestação de serviços celebrados com a administração pública. 56 2.2.4.4 Organização da Sociedade Civil de Interesse Público Criado pela Lei 9.790/99 e regulamentado pelo Decreto 3.100/99, a qualificação de uma entidade como Oscip é bastante ágil (o Ministério da Justiça tem prazo de trinta dias para deferir ou não o pedido) porque o ato é vinculado ao cumprimento dos requisitos da lei, o que a torna automática. Diferentemente da prática anterior, em que gestores públicos tinham poder discricionário sobre os pedidos, a nova lei garante critérios objetivos para a qualificação, impedindo assim o uso do título como moeda de troca política, ou a obtenção de benefícios por grupos de pressão e intermediação de interesses. O modelo normativo das Oscip, fruto do debate entre o Conselho da Comunidade Solidária e entidades do terceiro setor, incorporou boa parte das inovações trazidas pela lei das Organizações Sociais (Lei 9.637/98) e avançou um pouco mais, como será visto adiante, de modo que a qualificação de Oscip está muito mais bem estruturada do que a de OS, que por sua vez já era superior a de utilidade pública. Ressalte-se, ainda, que o novo modelo não interfere nos marcos jurídicos anteriores, especialmente em relação ao título de UPF, ao Cebas ou ao Rebas. Destaca-se, principalmente, a ampliação do reconhecimento legal de iniciativas sociais que dão direito à nova qualificação institucional. A abrangência da nova lei alcança tanto os tradicionais campos de atuação das organizações sem fins lucrativos (saúde, educação e assistência social) quanto os novos campos de atuação como o desenvolvimento sustentável e a construção de novos direitos, dentre outros. “Os artigos 2º e 3º da Lei 9.790/99 são a referência mais avançada da nossa legislação para definir o conceito legal de público para as organizações privadas sem fins lucrativos.” (CICONELLO, 2004:11). A Lei das Oscip, contudo, proíbe a cumulação de títulos. Com isso afasta de seu escopo um campo vasto de associações e fundações de interesse público, contrariando os objetivos que embasaram sua formulação, o de destacar, dentre o enorme universo das associações e fundações, as de interesse público. De acordo com um relatório de reunião do Conselho da Comunidade Solidária9, realizada em 30/8/2002 (apud CICONELLO, 2004:12): 8 9 Curso de Direito Administrativo, 19° edição, Malheiros Editores, São Paulo, 2005, págs. 221-2 Comissão da Reforma do Marco Legal do Terceiro Setor – Comissão 3. 57 As entidades que hoje usufruem o título de Utilidade Pública [Federal] e do CEBAS dificilmente irão aderir ao regime de OSCIP, já que não estarão dispostas a abrir mão do benefício da isenção da quota patronal. Portanto, o setor de assistência social, que é de interesse público, como afirma na Lei 9790/99, continuará a depender do sistema de convênios (já que, não sendo Oscips, não irão celebrar termos de parceria). Observado em qualquer caso, o princípio da universalização dos serviços (art. 3°), podem-se qualificar como Oscip as pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujos objetivos sociais tenham pelo menos uma das seguintes finalidades: promoção da assistência social; promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico; promoção gratuita da educação ou da saúde, observando-se a forma complementar de participação das organizações; promoção da segurança alimentar e nutricional; defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável; promoção do voluntariado; promoção do desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza; experimentação, não-lucrativa, de novos modelos sócio-produtivos e de sistemas alternativos de produção, comércio, emprego e crédito; promoção de direitos estabelecidos, da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de outros valores universais; construção de novos direitos e assessoria jurídica gratuita de interesse suplementar; estudos e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias alternativas, produção e divulgação de informações e conhecimentos científicos que digam respeito às atividades descritas anteriormente. Ainda que se dediquem, de qualquer forma, às atividades descritas anteriormente (art. 2°), não são passíveis de qualificação: sociedades comerciais; sindicatos, associações de classe ou de representação de categoria profissional; 58 instituições religiosas ou voltadas para a disseminação de credos, cultos, práticas e visões devocionais e confessionais; organizações partidárias e assemelhadas, inclusive suas fundações; entidades de benefício mútuo, destinadas a proporcionar bens ou serviços a um círculo restrito de associados ou sócios; entidades e empresas que comercializam planos de saúde e assemelhados; instituições hospitalares privadas não gratuitas e suas mantenedoras; escolas privadas dedicadas ao ensino formal não gratuito e suas mantenedoras; organizações sociais (OS); cooperativas; fundações públicas; fundações, sociedades civis ou associações de direito privado, criadas por órgão público ou por fundações públicas; organizações creditícias que tenham qualquer tipo de vinculação com o sistema financeiro nacional a que se refere o art. 192 da Constituição Federal. Os benefícios proporcionados pela qualificação como Oscip são os seguintes: possibilidade de receber recursos públicos para o fomento e a execução de atividades mediante celebração de termo de parceria (art. 9°); possibilidade de remunerar dirigentes executivos e prestadores de serviços específicos e de adquirir bens permanentes com recursos do termo de parceria (art. 4°, V, VI); direito a receber doações de empresas, dedutíveis do imposto de renda (Medida Provisória (MP) 2.158-35, de 24/8/2001, arts. 59 e 60). 2.2.4.5 Análise comparativa das qualificações de OS e Oscip Os traços comuns dos modelos normativos das Oscip e das OS são destacados a seguir, em síntese do jurista Paulo Modesto (2006:11-12): Primeiro, a idéia comum de uma sobre-qualificação (nova qualificação jurídica para pessoas jurídicas privadas sem fins lucrativos). Segundo, a restrição expressa de distribuição de lucros ou resultados, ostensiva ou disfarçada (através, por exemplo, de pagamento de salários acima do 59 mercado). Terceiro, a identificação das áreas sociais de atuação das entidades como requisito de qualificação. Quarto, a exigência de existência de um conselho de fiscalização dos administradores da entidade (Conselho de Administração nas OS, Conselho Fiscal ou órgão equivalente nas OSCIP). Quinto, o detalhamento de exigências estatutárias para que a entidade possa ser qualificada. Sexto, a exigência de publicidade de vários documentos da entidade e a previsão de realização de auditorias externas independentes. Sétimo, a criação de instrumento específico destinado a formação de um vínculo de parceria e cooperação das entidades qualificadas com o Poder Público (contrato de gestão nas OS e termo de parceria nas OSCIP). Oitavo, a possibilidade de remuneração dos diretores da entidade que respondam pela gestão executiva, observado valores praticados no mercado (remuneração vedada pela legislação de utilidade pública). Nono, a previsão expressa de um processo de desqualificação e de sanções e responsabilidades sobre os dirigentes da entidade em caso de fraude ou atuação ilícita. Já os traços diferenciais, ainda segundo o mesmo jurista, são resumidos a seguir: 1) além da previsão genérica dos “candidatos positivos”, vale dizer, das entidades que podem ser qualificadas, o que também consta da lei das OS, a lei traz de forma inovadora a identificação dos “candidatos negativos”, isto é, a especificação das entidades que não podem ser qualificadas com o título de Oscip (art. 2º). 2) especificação detalhada dos “candidatos positivos”; por exemplo, nas áreas de educação e saúde, consta exigência de que as entidades candidatas à qualificação tenham como objeto social a prestação de serviços integralmente gratuitos (art. 3º); 3) exigência de observância pela entidade de procedimentos contábeis exigidos pelas Normas Brasileiras de Contabilidade (art. 4º, VII, a); 4) embora não indique prazo mínimo de existência da entidade, a lei indiretamente exige isso, pois obriga a apresentação de balanço, demonstração de resultado e declaração de isenção do Imposto de Renda; 5) expressa proibição de participação das entidades qualificadas em campanhas de caráter político-partidário ou eleitorais, sob quaisquer meios ou formas (art. 16); 6) proibição da cumulação do título de Oscip com outros títulos detidos pela entidade, exceto durante o período de cinco anos posteriores à data de vigência da lei (até março/2004), findo o qual, a entidade deverá renunciar às qualificações anteriores se quiser manter a nova. Exceto o Registro no CNAS e no Cadastro Nacional de Entidades Ambientalistas. Finalmente, cabe destacar um traço fundamental que distingue as duas categorias de qualificação, já que em seus fins as duas são semelhantes: enquanto a qualificação de OS 60 representa uma ‘privatização do público’, a de Oscip inclina-se na direção da ‘publicização do privado’, razão porque a estruturação interna das entidades no modelo das OS é mais intervencionista do que no modelo das Oscip. (BARRETO, 2005:9). O quadro a seguir resume as características dos títulos jurídicos atualmente existentes no País. Quadro 2.1 Títulos Jurídicos concedidos pelo Poder Público às ONGs TÍTULO JURÍDICO ÓRGÃO CONCEDENTE LEGISLAÇÃO BENEFÍCIOS QUALIFICAÇÕES Organização Social – OS Lei n° 9.637/98 Ministério Supervisor da Área Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP Lei n° 9.790/99, Ministério da regulamentada pelo Justiça Decreto n° 3.100/99 Recursos orçamentários, bens públicos e cessão de servidores públicos por meio do Contrato de Gestão; imunidade, isenção de tributos e contribuições sociais. Transferências orçamentárias por meio de termo de parceria; doações dedutíveis do IR das PJ doadoras; imunidade tributária (art. 150, VI, c, da CF/88); possibilidade de remunerar dirigentes executivos com recursos do termo de parceria. TÍTULOS Título de Utilidade Pública Federal – UPF, Estadual, Municipal e do Distrito Federal Lei n° 91/35, regulamentada pelo Dec. n° 50.517/61 e suas alterações. Ministério da Justiça Pode receber subvenções, auxílios e contribuições da União; doações dedutíveis do IR das PJ doadores; permissão para realizar sorteios; requisito para requerer o REBAS e o CEBAS; imunidade tributária (art. 150, VI, c, da CF/88). REGISTROS E CERTIFICADOS Registro de Entidade Beneficente de Assistência Social – Rebas Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social – Cebas Lei n° 8.742/93, regulamentada pelo Decreto n° 2.536/98 e suas alterações. Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS, do Ministério do Desenvolvimento Social. Isenção da cota patronal do INSS e das contribuições sociais; imunidade tributária (art. 150, VI, c, da CF/88). Requisito para obtenção do Cebas. Isenção da cota patronal do INSS e das contribuições sociais; imunidade tributária (art. 150, VI, c, da CF/88); requerer benefícios do Poder Público Federal dentro de sua área de atuação. 2.2.5 Cadastros, informações e transparência das ONGs no Brasil Esta seção tem por objetivo trazer um levantamento dos cadastros e bancos de dados públicos com informações sobre ONGs existentes atualmente no País, analisando, de maneira breve, a qualidade, a suficiência e a transparência de suas informações. 61 A carência de fontes de informações oficiais sobre as ONGs tem sido uma das queixas mais recorrentes e a causa de várias proposições legislativas com vistas à instituição de cadastros e registros no âmbito do Poder Público. O relatório final da “CPI das ONGs”, instalada no Senado Federal no início de 2001, enfatizou que “ao pretender investigar o universo das Organizações Não-Governamentais – ONGs no Brasil, esta CPI deparou-se com um panorama de incerteza [...] são vagos, incompletos ou indisponíveis os cadastros e estatísticas sobre essas entidades”. Neste momento, tramitam na Câmara dos Deputados quatro projetos de lei (PL) visando à instituição de cadastros e registros obrigatórios das ONGs, um deles oriundo da CPI antes referida – O PL n° 3877/2004, que dispõe sobre o registro, fiscalização e controle das Organizações Não-Governamentais, e dá outras providências – ao qual tramitam apensados, dentre outros, os seguintes projetos: PL 2312/2003: Dispõe sobre a criação do Cadastro Nacional de Organizações NãoGovernamentais (CNO); PL 3841/2004: Dispõe sobre as regras para registro de Organizações NãoGovernamentais – ONG’s, estabelece normas para celebração de convênio entre aquelas e o Poder Público, e dá outras providências; PL 3982/2004: Dispõe sobre a obrigatoriedade de cadastramento pelo Poder Executivo de organizações não-governamentais estrangeiras que atuem ou pretendam atuar no Brasil, e dá outras providências. Sobre a criação de um Cadastro Nacional de ONGs, a Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais (Abong) publicou nota10 manifestando preocupação com a criação de mais um cadastro, ao invés da utilização e sistematização dos já existentes: A Abong teme que a criação de mais um cadastro poderá, ao invés de atender ao interesse público (maior conhecimento do universo das ONGs), criar uma duplicidade de informações e burocracias desnecessárias, em um contexto de inúmeros cadastros que não se comunicam. O problema não é a falta de informações prestadas pelas associações e fundações, mas sim a falta de interesse do poder público em utilizar e sistematizar os dados disponíveis. (grifo nosso). De fato, já existem no País vários cadastros e bancos de dados públicos com informações sobre ONGs. O que lhes falta, além de qualidade e suficiência de informações, é integração e compartilhamento delas pelos diversos órgãos e entidades interessados. 10 Nota de Esclarecimento – Cadastro Nacional de ONGs, disponível em www.abong.org.br. Acesso: 1/7/2007. 62 As duas principais bases de dados existentes no País pertencem à Receita Federal: o Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ) e a Declaração de Informações EconômicoFiscais da Pessoa Jurídica (DIPJ). Além dessas, há também cadastros públicos de ONGs no Ministério da Justiça (MJ) e no Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS/MDS). Estes últimos, porém, não têm as vantagens daqueles da Receita Federal, principalmente por não alcançarem o universo das ONGs e não terem caráter compulsório. Há, ainda, cadastros específicos em outros órgãos, como é o caso do Cadastro Nacional de Entidades Ambientalistas (CNEA), no Ministério do Meio Ambiente; cadastros de fundações do Ministério Público (estes espalhados por todo o País); cadastro das ONGs que atuam com questões relacionadas a DST/Aids, no Ministério da Saúde, dentre outros. A constituição de qualquer organização da sociedade civil sem fins lucrativos, ou seja, de qualquer ONG, bem como qualquer alteração estatutária ou eleição de novos dirigentes, deve ser obrigatoriamente registrada em um Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas (CRCPJ) da sua comarca, inclusive com a qualificação completa dos dirigentes e representantes legais. Esse constitui o primeiro registro legal de uma ONG, condição necessária para sua existência jurídica. Antes de iniciar suas atividades, porém, ela é ainda obrigada a fazer sua inscrição no CNPJ, conforme dispõe a IN-RFB 748, de 28/6/2007: Art. 10. As entidades domiciliadas no Brasil, inclusive as pessoas jurídicas por equiparação, estão obrigadas a inscreverem no CNPJ, antes de iniciarem suas atividades, todos os seus estabelecimentos localizados no Brasil ou no exterior. Uma vez que os CRCPJ estão espalhados por todas as cidades do País, o cadastro mais qualificado é o do CNPJ, que concentra, em uma só base de dados, as informações não apenas das ONGs, mas também de todas as demais pessoas jurídicas formalmente constituídas no País, com detalhes da natureza jurídica, do quadro social, do setor e ramo de atividade, endereços, inclusive das filiais, dentre outras informações, atualizadas a cada alteração social ou estatutária da entidade. Outra importante base de informações da Receita Federal é a DIPJ, atualizada anualmente mediante declaração (compulsória) das receitas e despesas realizadas no exercício anterior, dos rendimentos pagos aos dirigentes e do balanço patrimonial das entidades. Essas bases de dados, no entanto, não estão disponíveis para acesso livre da sociedade ou para compartilhamento de dados com outros órgãos públicos, em razão do sigilo 63 fiscal, situação muito diferente da que existe em outros países, como, por exemplo, nos Estados Unidos, em que as informações das ONGs são públicas (NARANJO, 2006:51). Além disso, as tabelas que estruturam as referidas bases, contêm equívocos conceituais, e até mesmo insuficiência de parâmetros, que impedem a fácil obtenção de informações, adequadamente classificadas e estratificadas. As lacunas e equívocos detectados serão demonstrados a seguir, nos comentários que se seguem as referidas tabelas. Tabela 2.1 Classificação das EPSFL por Natureza Jurídica – Receita Federal 303-4 Serviço Notarial e Registral (Cartório) 304-2 Organização Social 305-0 Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) 306-9 Outras Formas de Fundações Mantidas com Recursos Privados 307-7 Serviço Social Autônomo 308-5 Condomínio Edilício 309-3 Unidade Executora (Programa Dinheiro Direto na Escola) 310-7 Comissão de Conciliação Prévia 311-5 Entidade de Mediação e Arbitragem 312-3 Partido Político 313-1 Entidade Sindical 320-4 Estabelecimento, no Brasil, de Fundação ou Associação Estrangeiras 321-2 Fundação ou Associação domiciliada no exterior 399-9 Outras Formas de Associação Fonte: Receita Federal do Brasil (www.receita.fazenda.gov.br) Observe-se a confusão presente na tabela acima, onde a natureza jurídica das entidades (associação, fundação, partido político, organização religiosa), é confundida com qualificações outorgadas pelo Poder Público (Organização Social e Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) e até com a natureza da atividade da organização, como Comissão de Conciliação Prévia, Entidade de Mediação e Arbitragem, Serviço Notarial e Registral (cartório), que, neste último caso, embora seja uma atividade delegada pelo Estado e receba dele um tratamento privilegiado, é notório que não se trata de uma entidade “sem fins lucrativos”, pelo menos na acepção que permita considerá-la integrante do conjunto das organizações não-governamentais ou do terceiro setor, privado, de interesse social ou público. Atente-se, ainda, no tocante às qualificações de OS e de Oscip, que tanto uma associação como uma fundação pode obtê-las. 64 Tabela 2.2 Classificação das EPSFL por tipo de benefício fiscal – Receita Federal Assistência Social Entidades IMUNES Educacional Sindicato de Trabalhadores Outras Associação Civil Cultural Previdência Complementar – Aberta Previdência Complementar – Fechada Entidades ISENTAS Associação de Poupança e Empréstimo Filantrópica Sindicato Recreativa Científica Outras Fonte: Receita Federal do Brasil (www.receita.fazenda.gov.br) Essa outra forma da Receita Federal classificar as ONGs é utilizada, cumulativamente, com a anterior, na coleta das informações econômicas que devem ser prestadas anualmente por essas entidades, na declaração que tem por fim atender a legislação do imposto de renda (DIPJ). A tabela busca capturar o tipo de entidade e o tipo de benefício fiscal a ele associado, todavia, como é possível perceber, também existem conceitos sobrepostos, tais como assistência social, nas entidades imunes, e entidade filantrópica, nas entidades isentas; sindicato de trabalhadores, nas entidades imunes, e sindicato, nas entidades isentas. Ademais, a classificação está longe de contemplar o detalhamento que seria desejável, no que diz respeito aos segmentos e às atividades fomentados com renúncia fiscal do Estado. Para que seja possível obter o perfil das entidades que compõem o terceiro setor no País, bem como informações qualificadas sobre a atuação delas, é imprescindível que essas classificações sejam revistas e detalhadas em nível suficiente, considerando as várias abordagens possíveis, além da ótica fiscal e jurídica. A adoção de um bom sistema classificatório, padronizado e regulamentado para utilização em todos os órgãos públicos, de todos os níveis de governo, possibilitaria a integração e o compartilhamento das bases de dados por todos os interessados, reduzindo a burocracia, a sobreposição de exigências e de cadastros. Importa consignar, ainda, que um bom sistema de classificação deve permitir diferenciar as entidades que prestam serviços a toda comunidade, de forma irrestrita e 65 incondicionalmente (de benefício ou interesse público) daquelas que exerçam atividades apenas voltadas ao seu quadro social (de benefício ou interesse mútuo). Essa diferenciação é importante para a avaliação de mérito na concessão de benefícios estatais e para os órgãos de controle verificarem a legitimidade das parcerias onerosas estabelecidas com o Poder Público. Quanto à insuficiência informativa das bases da Receita Federal, exemplifica-se a natureza sumária das informações coletadas por meio DIPJ anual, que, além de não estarem disponibilizadas publicamente, também não permitem qualquer inferência mais qualificada sobre o perfil das entidades ou de seus projetos e atividades. Quadro 2.2 Informações prestadas pelas ONGs na DIPJ anual – Receita Federal 01. Contribuições de Associados ou Sindicalizados 02. Receita da Venda de Bens ou da Prestação de Serviços ORIGEM DE RECURSOS 03. Rendimentos de Aplicações Financeiras de Renda Fixa 04. Ganhos Líquidos Auferidos no Mercado de Renda Variável 05. Doações e Subvenções 06. Outros Recursos 07. TOTAL 08. Ordenados, Gratific. e Outros Pagamentos, Inclusive Enc. Sociais 09. IR Retido sobre Rendimentos de Aplicações Financeiras de Renda Fixa 10. IR Retido ou Pago s/ Ganhos Líquidos Auf. no Merc. de Renda Variável APLICAÇÃO DE RECURSOS 11. Impostos, Taxas e Contribuições 12. Despesas de Manutenção 13. Outras Despesas 14. TOTAL 15. SUPERÁVIT / DÉFICIT Fonte: Receita Federal do Brasil (www.receita.fazenda.gov.br): PGD - Programa Gerador da DIPJ 2007 Considera-se que esse nível de informações é adequado apenas às entidades fechadas, de natureza muito restrita e voltadas exclusivamente para o atendimento dos interesses de seus associados. Para as ONGs cujas fontes de recursos são doações e parcerias privadas (particulares em geral, empresas ou outras entidades), internacional privada ou pública, ou, principalmente, renúncias fiscais ou recursos de subvenções, convênios e parcerias com órgãos ou entidades públicos, esse nível de detalhamento é absolutamente insuficiente e, mais, tais informações não deveriam ficar confinadas nos arquivos magnéticos da Receita, mas sim publicadas em página específica na Internet, abertas à inspeção pública. Ora, se a atividade da ONG é de interesse social ou público, se seus recursos provêm da sociedade ou são destinados à aplicação no interesse dela, não se justifica o confinamento das 66 informações relativas ao manejo dos recursos obtidos e das ações desenvolvidas sob o pretexto do sigilo fiscal ou outro qualquer. Essa falta de transparência e insuficiência de informações acaba por estimular o uso das ONGs por quadrilhas, favorecendo a ocorrência de situações como a descrita a seguir: O desvio atingiria, segundo a Secretaria de Segurança [do estado do Paraná], mais de dois terços de todo o dinheiro arrecadado, podendo chegar a R$ 30 milhões. As duas ONGs possuem mais de cinqüenta filiais em todo o Brasil. As doações eram pedidas via telemarketing e a coleta realizada por um motoboy. Do total coletado, apenas 10% era usado para doações de cestas básicas. Outros 20% serviam para o pagamento de funcionários e despesas operacionais. O restante era desviado. (MULLER, 2006:1). Nesse sentido, é exemplar a postura da Receita norte americana (IRS – Internal Revenue Service), que exige informações pormenorizadas de todas as atividades das ONGs e da procedência de seus recursos, por meio do formulário denominado Form 990, aberto à inspeção Pública: Nos Estados Unidos, ao contrário daqui, há um efetivo controle do Terceiro Setor realizado pelos órgãos da Receita Federal. Esses órgãos avaliam o desempenho e a obediência à finalidade dessas entidades, mediante cobrança de relatórios, por parte das ONGs, neste sentido. O omissão na entrega de tais relatórios pode acarretar a responsabilização criminal dos dirigentes das referidas ONGs. Esse tipo de controle inexiste no Brasil. (NUNES, 2006:90). O Form 990 (disponível na página da web CHARITIES & NON-PROFITS ORGS, da IRS: <http://www.irs.gov/charities/charitable/article/0,,id=96099,00.html>) traz, ao longo de oito páginas de coleta de dados, requisição das seguintes informações, dentre outras: receitas e custos pormenorizados, evidenciando as contribuições livres e as vinculadas a determinados fundos ou projetos; montante do fomento direto e indireto do Poder Público, detalhando separadamente as doações, os convênios e os contratos governamentais; receita de eventos e atividades especiais, inclusive, sorteios públicos, e as contribuições e doações recebidas do exterior; despesas operacionais detalhando os benefícios pagos a ou em favor de membros (com relação dos beneficiados); dispêndios com assistência individualizada (com relação dos beneficiados); compensações (diretas ou indiretas) a dirigentes e empregados-chaves (com relação dos beneficiados, seus endereços e tempo semanal dedicado a ONG), além do detalhamento por elemento de despesa (aluguel, telefone, salários, depreciação etc.); 67 quadros de detalhamento de cada um dos projetos em que os recursos foram aplicadas, os cinco maiores salários, os cinco principais contratos com fornecedores e informações das contribuições recebidas do exterior; número de empregados, de associados ou afiliados; dados relativos a entidades controladas e associadas e da movimentação de recursos e empregados entre elas. No que diz respeito ao cadastro do Ministério da Justiça, vale ressaltar que ele está sendo reformulado no momento, inclusive com a implantação de um novo sistema, em função da Portaria 23, de 28/12/2006, da Secretaria Nacional de Justiça, que institui o Cadastro Nacional de Entidades Qualificadas pelo Ministério da Justiça (CNEs/MJ). Esse cadastro, como assinalado, tem um caráter restrito e facultativo, pois abrange apenas as entidades de direito privado, sem fins lucrativos, cujo objeto social atenda a fins de interesse público, que já detêm ou que estão requerendo qualificações públicas federais ou autorização para funcionamento no Brasil (organizações estrangeiras), especificamente: I – o título de Utilidade Pública Federal - UPF, outorgado na forma da Lei 91, de 28/8/1935, regulamentada pelo Decreto 50.517, de 2/4/1961; II – a qualificação como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, concedida na forma da Lei 9.790, de 23/3/1999, regulamentada pelo Decreto 3.100, de 30/6/1999; III – às entidades de direito privado sem fins lucrativos estrangeiras. As entidades poderão se cadastrar nas seguintes funcionalidades: 1. inscrição para outorga do título de Utilidade Pública Federal; 2. prestação de contas anual das entidades de Utilidade Pública Federal; 3. inscrição para qualificação como Oscip; 4. renovação anual da qualificação como Oscip; 5. prestação de contas anual de entidades sem fins lucrativos estrangeiras. O CNEs/MJ foi instituído considerando “a oportunidade de criação de um sistema de processamento eletrônico de dados que permita a divulgação ampla e irrestrita, tanto das ações desenvolvidas pela sociedade civil organizada, quanto dos recursos públicos utilizados pelas entidades qualificadas ou tituladas pelo MJ [...].” (Portaria 23, SNJ/MJ, de 28/12/2007), significa, pois, que não abrangerá, pelo menos em princípio, as demais ONGs, sem qualquer qualificação ou título jurídico, que celebram convênios e outros instrumentos congêneres para aplicar recursos do Orçamento Geral da União. 68 No tocante às informações, o CNEs/MJ, quando completamente implementado, representará um grande salto de qualidade, aproximando-se, em muitos aspectos, do nível informacional antes descrito em relação às entidades americanas, noutros até superando-o. O novo cadastro também se destaca pelo padrão adotado para classificação das entidades, adotando como parâmetro a COPNI – Classificação dos Objetivos das Instituições sem Fins Lucrativos ao Serviço da Família (Classification of the Purpose of Non-Profit Institutions Serving Households), integrante da família de classificações reconhecidas pela Divisão de Estatísticas das Nações Unidas. A “COPNI Ampliada”, uma adequação definida à realidade brasileira no estudo FASFIL11, disponível no Manual do CNEs/MJ (<http://www.mj.gov.br/cnes/index.htm>), suplanta as críticas antes expostas, de necessidade de revisão e detalhamento de um sistema classificatório. Ganhar-se-ia muito em qualidade de informação, capacidade de consolidação e de detalhamento se o sistema classificatório adotado pelo CNEs/MJ fosse padronizado para utilização em todos os órgãos públicos, de todos os níveis de governo. Consulta no sítio oficial do Ministério da Justiça, realizada no dia 28/6/2007, revela a existência de 11.899 entidades de Utilidade Pública Federal e 4.090 Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público. Ou seja, em 72 anos foram criadas, em média, 165 UPF por ano, enquanto em apenas oito anos, surgiram em média 511 Oscip por ano. Outro dado curioso, agora obtido no Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi), é a imensa vantagem numérica de convênios celebrados com as Oscip em relação aos termos de parceria, instrumento este criado pela Lei 9.790/99 destinado a regular a formação do vínculo de cooperação entre elas e o Estado para o fomento e a execução das atividades de interesse público, já que o convênio, na exposição de motivos da referida lei, era considerado inadequado para regular essa relação. O outro importante cadastro existente no País é o do CNAS/MDS. Também neste caso, há um novo sistema de informática sendo implantado para modernizar o cadastro, que é integrado apenas pelas entidades registradas ou certificadas como Entidade Beneficente de Assistência Social naquele Conselho. As entidades registradas neste banco de dados estão divididas em quatro segmentos, segundo o critério de classificação adotado pelo cadastro: Assistência Social, Saúde, Educação e Cultura. 11 FASFIL – As Fundações privadas e as Associações Sem Fins Lucrativos no Brasil: 2002, realizado pelo IPEA e pelo IBGE em parceria com a Abong e o GIFE (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas). 69 Consulta realizada no sítio do CNAS/MDS (<http://www.mds.gov.br/cnas/>), em 28/6/2007, mostra que o Brasil possui 21.996 entidades beneficentes de assistência social, sendo 11.281 apenas registradas no CNAS, e 10.715, além do registro, também detêm o Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social. Destaque-se que a coleta dessas informações somente foi possível graças a uma determinação do TCU para que elas fossem disponibilizadas na Internet (Acórdão 2.066/2006–Plenário). Além dos dados básicos das entidades, nenhuma outra informação está ainda disponível para acesso público, o que, espera-se, possa vir a ocorrer após a completa implementação do novo sistema. No Siafi, a mais importante fonte de informações da execução orçamentária e financeira da União, a forma como a destinação de recursos é classificada não permite que se conheça, objetivamente, quais setores e que tipos de entidades estão sendo beneficiadas. Coloca-se no mesmo rol recursos destinados a universidades, hospitais, partidos políticos etc. gerando merecidas críticas de que a conta não deixa claro para onde vai o dinheiro. Parlamentares e outros agentes públicos pronunciam cifras divergentes quando se referem aos recursos públicos transferidos às ONGs, tudo em razão da confusa classificação adotada no Siafi. Que ações, afinal, o governo está financiando e por intermédio de que tipo de entidade não são questões que possam ser facilmente respondidas mediante consulta simplificada ao sistema. Pelo exposto, conclui-se que as mais abrangentes fontes oficiais de informações cadastrais, econômicas e fiscais a respeito das ONGs – as bases de dados da Receita Federal – não estão adequadamente estruturadas para informar com a qualidade desejável. Ademais, tais informações não estão disponíveis ao público em razão do sigilo fiscal. No entanto, toda e qualquer pessoa jurídica que se constitua no País está obrigada a se cadastrar e prestar informações à Receita, o que lhe credencia, por excelência, como provedora de informações para o Cadastro Nacional de ONGs. Tal hipótese deveria ser seriamente considerada no bojo dos projetos de lei em tramitação. O cadastro da Receita, por ser o mais abrangente e ter caráter obrigatório, deveria ter suas informações compartilhadas, integrando-se os dados de interesse comum para evitar a exigência das mesmas informações e documentos por mais de um órgão público. A alimentação de dados ou sua captação por outros cadastros, como os do CNEs/MJ e do CNAS/MDS, poderiam ocorrer de forma on-line, cabendo-lhes exigir das ONGs apenas o que fosse necessário para complementar o atendimento de necessidades específicas, sem superposição de procedimentos ou exigências burocráticas. Bom para a Administração, melhor ainda para as entidades. 70 Essa questão, aliás, é objeto de duas metas da ENCCLA 200712, coordenada pelo Poder Executivo e com participação de cerca de 60 órgãos da administração federal, visando à elaboração de normas e à implementação de mecanismos para disciplinar o repasse, o controle e a avaliação de resultados referentes aos recursos públicos destinados ao terceiro setor: Meta 28: Integrar bancos de dados do MJ, do TCU, da CGU, do MPOG, do INSS e do CNAS sobre entidades do Terceiro Setor beneficiárias, diretas ou indiretas, de recursos públicos ao Cadastro Nacional de Entidades CNEs/MJ, objetivando ampla e irrestrita publicidade, transparência e controle social. Meta 29: Elaborar projeto de norma estabelecendo a obrigatoriedade de consulta prévia pelos órgãos da administração pública federal ou entidades que recebam recursos de transferências voluntárias da União ao Cadastro Nacional de Entidades CNEs/MJ ao firmar parcerias com o Terceiro Setor. Com relação à questão do sigilo fiscal, a Lei 5.172/66, em seu art. 198, Código Tributário Nacional (CTN) estabelece que “sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades”. É necessário reinterpretar este comando, especificamente quanto ao alcance de expressões como “a natureza e o estado de seus negócios ou atividades” e “sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo”. É claro que ao se referir a “negócios e atividades”, o CTN o faz em relação às atividades de fins lucrativos, sujeitas à competição do mercado. Não parece ser razoável colocar sob o manto do sigilo o manejo de recursos públicos, a destinação que lhes é dada e os resultados obtidos, ainda que tais recursos tenham sido angariados diretamente da economia popular, de particulares, de empresas ou de outras instituições. A necessidade de accountability, que segundo Nakagawa (1987:17) “é a obrigação de prestar contas dos resultados obtidos, em função das responsabilidades que decorrem de uma delegação de poder”, não deveria ser um tema controverso em relação às entidades do terceiro setor. Essa delegação de poderes, segundo Olak e Nascimento (2006:22), “ocorre, via de regra, quando a sociedade contribui com estas entidades através do pagamento de uma infinidade de impostos ao Estado (subventores destas entidades) ou mesmo diretamente na forma de doações pecuniárias, doação de bens, serviços prestados gratuitamente, ou, ainda, quando paga por algum tipo de serviço por elas prestado.” 12 Informações sobre a ENCCLA disponíveis no sítio <http://www.mj.gov.br/drci/>. 71 Ao consignar, em seus estatutos, a missão de desenvolver objetivos sociais ou públicos, a entidade está assumindo responsabilidades que, em razão de sua natureza, exigem prestação de contas quanto aos resultados obtidos: Por desempenhar função de interesse público, espera-se que a organização do Terceiro Setor cultive a transparência quanto ao seu portfólio de projetos e, também, quanto aos resultados obtidos e os recursos alocados. O diagnóstico ex-ante e a avaliação ex-post constituem instrumentos determinantes para o êxito e o apoio a ser obtido em iniciativas futuras. Nesse sentido, a preparação de relatórios de avaliação, e a sua disseminação constituem importantes instrumentos de comunicação com a sociedade. Por muitos motivos, as ONGs não cultivam a transparência no Brasil, e essa é uma questão que, a exemplo da reforma do marco legal do terceiro setor, tende a não avançar com a velocidade que seria desejável, por duas possíveis razões. A primeira nos remete à CPI dos Anões do Orçamento, na década de 90, quando se descobriu que as emendas orçamentárias que alguns parlamentares faziam eram para ONGs nos seus estados, dirigidas por seus familiares. De lá para cá, pouco se avançou, seja em relação à escolha das ONGs beneficiadas com recursos orçamentários, seja nas normas relativas a divulgação de informações e nos mecanismos que favoreçam o controle social das ações. Infelizmente, como bem lembra Nunes (2006:150), “a política de assistência social no Brasil ainda não se livrou do ranço assistencialista e do fisiologismo de alguns dos nossos políticos.” Legisladores eleitos para estabelecer leis, fiscalizar e tentar estabelecer fontes de financiamento para suprir áreas deficitárias do Estado, confundem o seu papel de parlamentar com o de prestar serviços sociais a comunidades carentes, visando transformar a ajuda em voto, levando à “existência de verdadeiros comitês eleitorais travestidos de entidades sociais.” A segunda é a falta de tradição da sociedade brasileira com o controle social, o que gera, em certa medida, uma acomodação das entidades, e do próprio Poder Público, no tocante à adoção de mecanismos de publicação de prestação de contas e de transparência das ações. Felizmente, segundo aponta Olak e Nascimento (2006:23), a transparência tende a estabelecer-se como estratégia competitiva em face da necessidade de demonstrar posições claras e resultados concretos em um contexto onde as organizações passam a competir de forma mais direta por recursos públicos e privados. 72 2.2.6 Os números do Terceiro Setor e a necessidade de tratamento diferenciado O objetivo desta seção é demonstrar a dimensão do terceiro setor, em termos de recursos humanos e financeiros movimentados, tanto no País como no exterior, bem como demonstrar a necessidade de tratamento diferenciado para as organizações de pequeno porte. Os números têm por base o levantamento nacional de organizações sociais elaborado pelo IPEA, o FASFIL, e o trabalho denominado Terceiro setor: retrospectiva histórica, avanços e desafios, da professora Maria do Carmo Aboudib Varella Serpa (apud NUNES, 2006:56), assessora pedagógica do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo, publicado em 2004, segundo o qual: O Terceiro Setor movimenta hoje aproximadamente US$ 1,33 trilhão anualmente. Caso fosse um país seria a sexta economia do mundo. Os EUA têm cerca de 32 mil fundações, dotada de um patrimônio de aproximadamente 8,3 bilhões de dólares/ano. As contribuições individuais se estendem além dos 100 bilhões de dólares/ano, respondendo por cerca de 90 por cento dos fundos não-governamentais doados a grupos sem fins lucrativos operando no país. [...] No Brasil, o Terceiro Setor representa R$ 10,9 bilhões/ano, sendo R$ 1 bilhão em doações. Dispomos de aproximadamente 300 mil ONGs, ao lado de fundações, institutos etc., os quais empregam em torno de 1,5 milhão de pessoas, contando com 42 milhões de voluntários. Muito possivelmente em função das dificuldades apontadas na seção anterior, o único levantamento nacional de organizações sociais feito até o momento no Brasil levou dois anos para ser concluído e, de lá para cá, não foi mais atualizado. O levantamento, denominado FASFIL, publicado em 2004 com dados referentes a 2002, foi elaborado pelo IPEA com participação do IBGE, do GIFE e da Abong, utilizando como base o Cadastro Nacional de Empresas, do IBGE, atualizado anualmente a partir do cadastro do CNPJ, da Receita Federal. O resultado preliminar do levantamento alcançou 500.157 EPSFL. Subtraído desse resultado os sindicatos, partidos políticos, entidades do sistema “S”, cartórios, entidades de mediação e arbitragem, condomínios, etc., chegou-se a um universo de 275.895 entidades, conforme, sendo 268.039 associações e 7.856 fundações privadas. Informações não oficiais dão conta de que, após o levantamento, “surgiram em média mais oito ONGs por dia” (CLEMENTE, 2006:32). Sant’ana (2006:162), citando recente cadastro do Ministério do Trabalho, no qual ficou constatado que de cada cem 73 entidades cadastradas 33 não eram formalizadas, projetou um número de aproximadamente 370 mil organizações no terceiro setor, entre entidades formalizadas e informais, à época do levantamento FASFIL. Quadro 2.3 Número de ONGs oficialmente registradas no Brasil – FASFIL – 2002 ÁREA DE ATUAÇÃO QUANTIDADE % TOTAL Religião 70.446 25,5 Desenvolvimento e defesa de direitos 45.161 16,4 Associações patronais e profissionais 44.581 16,2 Cultura e Recreação 37.539 13,6 Assistência social 32.249 11,7 Educação e Pesquisa 17.493 6,3 Saúde 3.798 1,4 Meio ambiente e proteção animal 1.591 0,6 322 0,1 Outras 22.715 8,2 TOTAL 275.895 100,0 Habitação Fonte: Cadastro Geral de Empresas / IBGE – 2002. Elaboração IPEA, IBGE, GIFE e Abong - 2004 O estudo também revela que a maioria das entidades é muito jovem e de pequeno porte. 62% delas, quase dois terços, foram criadas a partir da década de 90. Na década de 80 o crescimento dessas organizações foi 88% superior ao da década de 70 e o da década de 90 foi 124% superior ao da década de 80. O crescimento das entidades que atuam nas áreas de meio ambiente e de desenvolvimento de defesa de direitos também chama atenção, foram as que mais cresceram no período de 1996–2002: 309% e 303%, respectivamente. Outro fato interessante revelado pelo estudo é que as entidades mais novas concentram-se nas regiões Norte e Nordeste, onde o movimento é mais recente. Além desses números, outros resultados do FASFIL revelam o vigor do terceiro setor, destacando-se o número de empregados assalariados, 1,5 milhão, o que corresponde a 5,5% de toda a força de trabalho formalmente registrada no País e a três vezes mais que os funcionários públicos federais na ativa naquele ano. Tal número adquire maior visibilidade se se considerar que as FASFIL representam apenas 5% de todas instituições públicas e privadas registradas no País, mas empregam 5,5% dos trabalhadores cadastrados. Sant’ana (2006:163), usando os mesmo dados do IBGE (base do FASFIL), estimou em torno de R$ 77 bilhões o PIB do terceiro setor, a níveis de 2002 – montante que representa 2,9% do PIB nacional – distribuído nos seguintes setores: 74 Quadro 2.4 PIB do Terceiro Setor no Brasil – R$ Bilhões – 2002 SETOR VALOR R$ % TOTAL Educação e Saúde 47,9 62,0 Associações de Produtores Rurais 18,9 24,5 Assistência Social 6,9 9,0 Defesa de Direitos do Meio Ambiente 3,5 4,5 77,2 100,0 TOTAL Fonte: 2° Fórum Senado Debate Brasil: Terceiro Setor – Painel 5. (SANT’ANA, 2006:163). No tocante ao porte das entidades o retrato foi feito a partir do número de empregados: 77% delas não possuem empregados; 7% contam com mais de 10 empregados e apenas 1% das entidades tem mais de 100 empregados, empregando 61% da mão de obra. A maior concentração de empregos está nas entidades que atuam nas áreas de saúde e educação. O grande número de entidades de pequeno porte, mais de três quartos, aponta no sentido de que a regulamentação do setor deve levar em conta esse fator, criando mecanismos para incentivar essas pequenas entidades, simplificando o seu acesso aos benefícios e recursos públicos, bem como os procedimentos relativos ao seu registro e à sua manutenção nos cadastros oficiais, à prestação de contas de às informações ao fisco, a exemplo do tratamento hoje dispensado às micro e pequenas empresas do segundo setor, que dispõem de tratamento jurídico diferenciado, simplificado e favorecido por meio da Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas (LC 123/2006). De acordo com a projeção de Sant’ana (2006:162), existiam na informalidade algo em torno de cem mil ONGs, tendo por base a data do levantamento FASFIL (2002). Isto representa mais de um quarto do universo dessas entidades no País, reforçando a necessidade de um tratamento mais favorável e simplificado à inclusão legal das pequenas entidades nascentes e de acesso aos benefícios e recursos públicos. 75 3 O FINANCIAMENTO PÚBLICO DAS ONG E SUAS FALHAS 3.1 ORIGEM DOS RECURSOS FINANCEIROS E MATERIAIS DAS ONGs As principais fontes de recurso das ONGs são as contribuições e doações do segundo setor (empresarial) e de particulares, as subvenções do primeiro setor (governo) e, desde que atendam a determinados requisitos, também podem ser fomentadas por renúncia fiscal do Estado. Para Olak e Nascimento (2006:10), as ONGs podem ser classificadas em dois grandes grupos, de acordo com a origem dos recursos financeiros e materiais que viabilizam as suas atividades: as que não dependem de subvenções governamentais e as que dependem fundamentalmente desse auxílio para manter-se em funcionamento. 3.1.1 ONGs que dependem fundamentalmente de subvenções governamentais Normalmente, dependem de subvenções governamentais as entidades de caráter beneficente, filantrópico, caritativo, de assistência à saúde e à educação etc., que, para viabilizar essa forma de financiamento, buscam obter os títulos jurídicos outorgados pelo Poder Público (Utilidade Pública, Cebas, Rebas, Oscip). As subvenções podem ser ordinárias (periódicas) ou extraordinárias (esporádicas). Aquelas normalmente se destinam a subsidiar despesas de custeio (manutenção, salários e materiais utilizados na atividade social), estas, em geral, destinadas a projetos específicos de investimentos (construção, ampliação e manutenção dos bens utilizados nas atividades) ou para realização de eventos e atividades não regulares, sujeitos, via de regra, à prestação de contas com base em regras estabelecidas pelos órgãos subventores. Os instrumentos jurídicos que operacionalizam essas subvenções são: convênios, termos de parceria, contratos de gestão, contratos de repasse e outros ajustes similares, os quais serão vistos mais adiante. 3.1.2 ONGs que não dependem de subvenções governamentais São aquelas que vivem normalmente da cobrança de mensalidades, anuidades, taxas de serviços, etc. cobradas dos sócios ou associados (clubes, associações classistas, entidades sindicais etc.), ou de contribuições e doações da comunidade em geral, ou ainda, de subvenções de outras entidades privadas nacionais ou organizações internacionais (entidades religiosas, de defesa e preservação do meio ambiente, movimentos sociais etc.). 76 3.1.3 Classificação das fontes de recursos segundo a origem A partir das informações fornecidas por Olak e Nascimento (2006:10) e daquelas requeridas pelo Ministério da Justiça, no “relatório circunstanciado de atividades” que visa a atender a Lei 911/35, elaborou-se o seguinte quadro de classificação das fontes de recursos das ONGs: Quadro 3.1 Classificação das fontes de recursos das ONGs segundo a origem Transferências orçamentárias: subvenções sociais, auxílios e Pública contribuições mediante convênios e parcerias com órgãos e entidades públicos. Incentivos fiscais: doação e patrocínio. Recursos de doações, contribuições e parcerias com empresas NACIONAL Privada e entidades privadas. Recursos de doações eventuais ou sistemáticas de particulares. Própria Recursos decorrentes de mensalidades ou anuidades dos membros ou associados e da prestação de serviços da entidade. Pública Recursos de países estrangeiros e organismos internacionais. Privada Recursos de entidades e organizações internacionais privadas. INTERNACIONAL Ressalte-se, a propósito, que, em benefício da transparência e da boa qualidade da informação, o formato de classificação apresentado deveria ser considerado na contabilidade e nos relatórios a serem publicados pelas organizações ou divulgados pelos órgãos públicos responsáveis pela coleta de dados dessas organizações, especialmente a Receita Federal. 3.1.4 Inexistência de controle fiscal sobre as receitas das ONGs Questão sensível, mas que merece reflexão, é o fato de as receitas, isto é, as contribuições, doações e subvenções recebidas pelas ONGs não terem nenhuma espécie de controle fiscal. Aqueles que sustentam as ONGs não têm qualquer garantia de que sua colaboração irá realmente integrar o caixa da entidade, que será efetivamente computada na sua contabilidade ou que terá o fim desejado pelo contribuinte. As receitas das entidades privadas sem fins lucrativos, por não serem, a princípio, passíveis de tributação, estão fora do controle administrativo-fiscal que é peculiar às atividades econômicas tributáveis. Não obstante, esse importante controle deveria ser 77 executado pelo Estado, ainda que com certo custo e relutância, de modo a conferir maior credibilidade às operações do terceiro setor e favorecer sua expansão. Ainda que se exija rigor e detalhamento na aplicação de recursos pelas ONGs, a efetividade dessa exigência será pálida se não houver uma sistemática que garanta a integridade do registro da entrada dos recursos no caixa e na contabilidade das entidades. O simples recibo de doações, hoje existente, não é suficiente para garantir ao cidadão que a sua contribuição irá, de fato, integrar a receita da ONG e, com isso, ser aplicada em seus fins. Recorde-se, a propósito, o caso da quadrilha, já mencionado neste trabalho, que desviou cerca de R$ 30 milhões em arrecadações conseguidas por meio de duas ONGs de apoio a pessoas com câncer. 70% por cento dos recursos arrecadados estavam sendo desviados para os administradores. Ademais, não é o fato de serem legalmente isentas ou constitucionalmente imunes que deve servir de pretexto para a parca fiscalização fiscal sobre as atividades de captação de recursos pelas ONGs, como bem observa Nunes (2006:92-93): A prerrogativa dada às autoridades fiscais de fiscalizar o cumprimento dos requisitos para a manutenção da imunidade deve ser exercida com mais vigor, vez que a renúncia fiscal sofrida pelo Estado em favor de tais entidades justifica uma ação coordenada nesse sentido. [...] uma auditoria fiscal efetiva do estabelecimento [é] justificável em face da realização de atividade tributável, porém isenta. Se o governo fiscaliza quem paga os tributos para verificar se poderia estar contribuindo um pouco mais, por que não fiscaliza quem se ampara em diversos requisitos legais para não contribuir com nada? Falhas do sistema normativo vigente, que não regulamenta nem obriga a adoção de instrumentos efetivos para garantir a lisura e a integridade das operações no terceiro setor, além de favorecerem a atuação de quadrilhas e de outros agentes, inclusive públicos, mediante o uso criminoso de ONGs, terminam por desacreditar o setor como um todo, enfraquecendo-o a credibilidade e prejudicando a atuação das entidades honestas. Taciana Gouveia (2006:2), diretora executiva da Abong, deixa claro essas conseqüências ao declarar que “depois das denúncias sobre o desvio de dinheiro de uma entidade ligada à luta contra o câncer, as doações para outras organizações com o mesmo trabalho caíram.” Instrumentos de controle que favoreçam a transparência e a atuação ética das entidades contribuirão para a manutenção da boa imagem desse importante setor, propiciando sua expansão em benefício da sociedade e não de quadrilhas mal intencionadas, agentes 78 públicos inescrupulosos, sonegadores e até traficantes, que se escondem sob a fachada de uma ONG para praticar ilícitos de toda sorte. É necessário que se adotem medidas para extirpar da sociedade as entidades que se auto-intitulam ONG, mas que não passam de falsas ONGs ou “ONGs laranjas”, criadas para viabilizar a prática de atos ilícitos. Coibir os atos que alimentam a suspeita generalizada que paira sobre as ONGs de servirem para promover o enriquecimento ilícito de seus dirigentes, fazer caixa dois de campanhas eleitorais e até lavagem de dinheiro, é uma responsabilidade irrenunciável do Estado. A adoção de um documento fiscal obrigatório e sua ampla divulgação, para que só se efetuem contribuições e doações mediante seu fornecimento, são medidas imprescindíveis no contexto mencionado. Mas isto só não basta, pois, como fartamente comprovado na experiência cotidiana, é imensa a quantidade de fraudes nos documentos emitidos pelas empresas já obrigadas a fornecê-los. É necessário também considerar a possibilidade de se utilizar um sistema, a exemplo do que está sendo atualmente implantado no âmbito da administração fazendária, o SPED NF-e (Sistema Público de Escrituração Digital – Nota Fiscal Eletrônica), para garantir a emissão eletrônica e a autenticidade digital do documento emitido, bem como seu armazenamento na Receita Federal até, pelo menos, a confrontação do montante emitido por entidade com a receita declarada anualmente na DIPJ. Tais medidas, em conjunto com a adoção do sistema classificatório de fontes de recursos apresentado no item precedente, e das demais proposições discutidas na seção 2.2.5 deste trabalho (cadastros, informações e transparência das ONGs no Brasil), constituiriam importantes colaborações do Fisco, e de outros órgãos públicos envolvidos com a questão, para favorecer tanto o controle estatal quanto o controle social das ONGs Afinal, “ao lado da eficiência do controle a ser realizado pelos órgãos públicos, o melhor modelo de fiscalização das ONGs deve ser aquele levado a efeito pela própria sociedade, pelos cidadãos, de modo individual ou coletivo.” (OLIVEIRA, 2006:2). 3.2 O FINANCIAMENTO PÚBLICO DAS ONGs A questão do direito ao acesso a recursos públicos para financiar as atividades das ONGs tem sido objeto de reivindicação por parte das entidades e, de certa forma, reconhecida pelo governo federal ao admitir como relevante o desenvolvimento de parcerias e ao destinarlhes anualmente um volume significativo de recursos. A esse respeito Durão (1999:4) afirma: 79 Não tenho a menor dúvida de que as ONGs e outras entidades sem fins lucrativos, cuja finalidade é e deve ser pública, devem ter acesso a fundos públicos como ocorrem em todos os países em que o capitalismo se tornou mais civilizado [...]. A Abong desde o governo Collor tomou uma posição clara nesse sentido, tendo participado do debate sobre os fundos da assistência social, com uma posição clara de exigir o acesso aos mesmos por parte das organizações da sociedade civil, desde que assegurada, de maneira geral, as condições de publicidade e transparência para o acesso aos mesmos. Segundo Mendes (1999:6-7) o Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE), ao apresentar as organizações sociais como parte da estratégia central do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, identificou a importância dessas parcerias na própria definição do escopo do projeto: A crescente absorção de atividades sociais pelo denominado Terceiro Setor (de serviços não-lucrativos) tem sido uma marca recorrente em processos de reforma do Estado nas democracias contemporâneas. Trata-se de um movimento que é portador de um novo modelo de administração pública, baseado no estabelecimento de alianças estratégicas entre Estado e sociedade, quer para atenuar disfunções operacionais daquele, quer para maximizar os resultados da ação social em geral. [...] chamaremos a esse processo de publicização. Por meio de um programa de publicização, transfere-se para o setor público não-estatal, o denominado Terceiro Setor, a produção dos serviços competitivos ou não-exclusivos do Estado, estabelecendo-se um sistema de parceria entre Estado e sociedade para seu financiamento e controle. O financiamento público das ONGs ocorre de duas maneiras: diretamente, por intermédio de transferências do orçamento; e indiretamente, por meio de incentivos fiscais e renúncias tributárias, cujos recursos nem sequer transitam pelo orçamento. Nesta segunda modalidade, apesar de os recursos serem repassados diretamente pelos contribuintes (que abatem da base de cálculo ou do tributo que iriam pagar) ou consistirem em isenções, são considerados de natureza pública, pois, que oriundos de renúncia fiscal do Estado. Como o foco do presente trabalho é sobre as transferências orçamentárias para as ONGs, esta seção elucidará, em primeiro lugar, a relevância desses valores no OGU, mediante análise dos recursos transferidos nos últimos seis anos; explicitará as disposições legais que disciplinam as transferências, com base na legislação orçamentária em vigor; descreverá os instrumentos jurídicos utilizados para operacionalizá-las e os aspectos relativos à fiscalização da aplicação dos recursos transferidos pelos órgãos repassadores, pela sociedade e pelos órgãos de controle interno e externo estatal. 80 3.2.1 Volume de recursos orçamentários federais transferidos às ONGs A destinação de recursos do OGU para as ONGs tem se tornado cada vez mais relevante. Considerados apenas os convênios, contratos de repasse e termos de parceria firmados com o Poder Público Federal para a transferência direta de recursos orçamentários, isto é, sem computar o financiamento indireto proporcionado pela renúncia fiscal do Estado, o terceiro setor movimentou, nos últimos anos, os seguintes montantes de recursos (Fonte: Siafi/ONG Contas Abertas: <www.contasabertas.com.br>, em valores correntes): 2001 a Setembro/2006: R$ 10,3 bilhões; 2003 a Setembro/2006: R$ 6,9 bilhões; Ministério da Saúde e da Ciência e Tecnologia, de 2003 a Setembro/2006: R$ 2,98 bilhões; Ministério do Trabalho: 59% das verbas destinadas ao Programa Primeiro Emprego, entre 2004 e 2006. Para se ter uma idéia da magnitude desses valores, frise-se que o valor transferido de 2003 à Setembro de 2006 é três vezes superior ao que o governo colocou no orçamento para recuperação e manutenção de rodovias em 2006 e cinco vezes mais do que pretende investir em segurança pública, no mesmo ano. Quanto ao crescimento do número de entidades beneficiadas, saliente-se que em 2003 a União transferiu recursos a 3.247 entidades, em 2005 esse número subiu para 4.508. Um acréscimo de 1.261 entidades, isto é, um crescimento de mais de um terço, no período. Em moeda de dezembro de 2006, segundo o Relatório sobre as Contas do Governo da República elaborado pelo TCU, os valores repassados pela União às entidades do terceiro setor, no período de 2001 a 2006, alcançaram a cifra de 12,5 bilhões de reais13, representando 16% do total das transferências voluntárias, quando colocado lado a lado com os recursos repassados a esse título a estados e municípios. A média anual dos repasses ao setor ultrapassa dois bilhões de reais, conforme demonstram o quadro e o gráfico a seguir, valores suficientemente relevantes para justificar o aperfeiçoamento e a forma de controle sobre essas entidades, seja no tocante aos critérios de repasse das verbas, seja sobre a qualidade dos serviços prestados. 13 Desconsiderados R$ 3,65 bilhões repassados no âmbito do SUS. 81 Quadro 3.2 Transferências Voluntárias da União – 2001 a 2006* (R$ milhões de dez/2006**) BENEFICIÁRIO TOTAL MÉDIA % Estados e DF 30.648 5.108 39,4 Municípios 34.652 5.775 44,6 ONGs 12.480 2.080 16,0 Total 77.780 12.963 100% Fonte: TCU: Relatório sobre as Contas do Governo da República – Exercício 2006. Siafi / *Empenhos Liquidados / ** IPCA médio Gráfico 3.1 Transferências Voluntárias da União – 2001 a 2006* (R$ milhões de dez/2006**) 9.000 8.000 EST ADOS E DF 7.000 MUNICÍPIOS 6.000 INST IT UIÇÕES PRIVADAS 5.000 4.000 3.000 2.000 1.000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 Fonte: TCU: Relatório sobre as Contas do Governo da República 2006 Siafi / *Empenhos Liquidados / ** IPCA médio 3.2.2 Normas orçamentárias sobre a transferência de recursos públicos às ONGs A transferência de recursos para as ONGs ocorre sob duas rubricas orçamentárias: as transferências correntes e as transferências de capital que, conforme art. 12 da Lei 4.320, de 1964, representam a realização de dispêndio público ao qual não corresponde contraprestação direta em bens ou serviços para o ente transferidor. As primeiras destinadas a financiar despesas de custeio (ou de manutenção), as segundas destinadas à realização de investimentos ou inversões financeiras, isto é, ativo fixo, das entidades beneficiadas. As transferências correntes, segundo a mesma lei, podem compreender dotações a título de contribuições e subvenções, sendo que esta última subdivide-se em subvenções sociais e subvenções econômicas. As transferências de capital, por seu turno, podem compreender dotações a título de auxílios e contribuições. 82 Observa-se que as contribuições tanto podem integrar as transferências correntes como as de capital, conforme se destinem a despesas de custeio ou a ativo fixo. Além disso, a Lei 4.320/64 (art. 12, § 6°) atribui-lhes um requisito especial: diferentemente das subvenções e dos auxílios, que derivam da própria Lei do Orçamento (LOA), as contribuições necessitam de lei específica anterior para que possam integrar o orçamento. Assim, pode-se resumir que as transferências de recursos do orçamento público para as ONGs podem abranger quatro naturezas: se destinadas ao atendimento de despesas de manutenção (ou custeio) terão natureza de (1) subvenções sociais ou (2) contribuições, e serão classificadas como transferências correntes; se destinadas a despesas de capital terão natureza de (3) auxílio ou (4) contribuições. Nos casos (1) e (3) as transferências derivam diretamente da LOA, são meras autorizações orçamentárias; nos casos (2) e (4) é necessário lei especial. A Lei 4.320 traça ainda orientações básicas para a efetivação de transferências a entidades privadas, a título de subvenções sociais, conforme apontado a seguir: visará a prestação de serviços essenciais de assistência social, médica e educacional (art. 16, caput) ou de caráter cultural (art. 12, §3°, I); deverá ter sempre caráter suplementar à ação da iniciativa privada e desde que a aplicação de recursos públicos se mostre, por esse meio (suplementação), mais econômica (art. 16, caput); será calculada, sempre que possível, com base em unidades de serviços efetivamente prestados ou postos à disposição dos interessados, obedecidos aos padrões mínimos de eficiência previamente fixados (art. 16, parágrafo único); e, somente serão concedidas subvenções à instituição cujas condições de funcionamento forem julgadas satisfatórias pelos órgãos oficiais de fiscalização (art. 17). Antes de abordar as normas relativas às transferências de recursos da União para o setor privado, comporta lembrar que não existe uma norma legal específica para disciplinar o assunto. Com esse intento, o Congresso Nacional inseriu o seguinte artigo, na LDO de 2004: Art. 35. O Poder Executivo apresentará projeto de lei disciplinando a destinação de recursos da União para o setor privado, inclusive Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, a título de subvenções, auxílios, contribuições correntes e de capital, e outras denominações, considerando o disposto no art. 26 da Lei Complementar n° 101, de 4 de maio de 2000, no prazo de 270 (duzentos e setenta) dias após a publicação desta lei. 83 Apesar do dispositivo não ter sido vetado, não há notícia, até o momento, de que o Poder Executivo tenha cumprido a determinação legal. Assim, os limites básicos para essas transferências, além dos fixados pelas normas contidas na Lei 4.320, de 1964, vêm sendo estabelecidos, na ordem jurídico-constitucional posterior a 1988, pelas leis de diretrizes orçamentárias, reproduzindo a cada ano, com pequenas variações, as disposições das LDO anteriores. A tal propósito, é oportuno mencionar a Nota Técnica n° 67, de 12/7/2006, da Consultoria de Orçamento do Senado Federal (RIBEIRO e ROSA: 2006:7), que, versando sobre as “Normas de transferência de recursos públicos para ONGs e OSCIPs”, afirma: Conforme previsão do art. 26 da LRF, as condições para transferência de recursos da União para o setor privado, além das exigências constantes da Lei no 4.320, de 1964, vêm sendo reiteradamente reproduzidas nas sucessivas LDO’s, cuja eficácia se estende por um período anual, qual seja, o de vigência de cada LDO. Tais regras, entretanto, não se têm mostrado suficientemente claras para abranger as diferentes situações permissivas e impeditivas. Além do mais, [...] o Congresso Nacional vem conferindo ao Poder Executivo a faculdade para publicar as “normas a serem observadas na concessão de subvenções sociais, auxílios e contribuições correntes, que definam, dentre outros aspectos, critérios objetivos de habilitação e seleção das entidades beneficiadas e de alocação de recursos e prazo do benefício, prevendo-se, ainda, cláusula de reversão no caso de desvio de finalidade”. A omissão daquele Poder no atendimento a essa necessidade torna anárquico o processo dessas transferências. Forçoso é lembrar que as LDO’s vêm sendo desvirtuadas de suas finalidades, na medida em que passaram a ser o estuário de normas permanentes sobre administração orçamentária e financeira, suprindo as lacunas da anacrônica Lei no 4.320, de 1964, naquilo em que não se adéqua às diretrizes traçadas pela Constituição de 1988. Isso decorre da não aprovação pelo Congresso Nacional da lei complementar prevista no § 9o do art. 165 da Lei Maior, cujos projetos, em versões semelhantes, tramitam, há mais de uma década, em cada uma das Casas. A seguir, serão examinadas as disposições da LDO que orientará a elaboração do orçamento de 2008, Lei 11.514/2007, ressaltando-se, inicialmente, uma importante inovação trazida no art. 39 da referida lei, que é o condicionamento da liberação de recursos ao compromisso de a entidade beneficiada disponibilizar na Internet, ou em sua sede, consulta aos dados básicos das transferências recebidas. Tal determinação, se efetivamente cumprida, muito contribuirá para a transparência das ações e, conseqüentemente, para o controle social dos recursos públicos transferidos às ONGs. 84 Art. 39. Sem prejuízo das disposições contidas nos arts. 35, 36, 37 e 38 desta Lei, a destinação de recursos a entidades privadas sem fins lucrativos dependerá ainda de: [...] VI - compromisso da entidade beneficiada de disponibilizar ao cidadão, por meio da Internet ou, na sua falta, em sua sede, consulta ao extrato do convênio ou outro instrumento utilizado, contendo, pelo menos, o objeto, a finalidade e o detalhamento da aplicação dos recursos; Ressalta-se que disposição no mesmo sentido, reproduzida a seguir, integrou proposta de relatório de auditoria (TC 015.568/2005-1) submetido ao Plenário do TCU, no final de 2006. O Ministro-relator, no entanto, dissentiu da proposta por considerar que as entidades privadas de menor porte, localizadas nas regiões mais carentes do País, teriam dificuldades em cumpri-la: 6.4 Determinar à Secretaria do Tesouro Nacional, com fulcro no art. 70, parágrafo único, da CF/88, que, no prazo de 90 (noventa) dias, discipline a obrigatoriedade: 6.4.1 das entidades recebedoras dos recursos divulgarem em seus sítios na Internet e em locais visíveis de suas sedes sociais e dos estabelecimentos em que exerçam suas ações, todos os convênios e instrumentos similares celebrados com a Administração Federal, indicando os valores recebidos e os propósitos a que se destinam, com detalhamento dos objetivos e metas a serem alcançados; A seguir serão comentadas e transcritas as disposições do LDO/2008, mais relevantes ao escopo deste trabalho, dispostas na Seção III, artigos 35 a 42, que trata das transferências para o setor privado: Art. 35. É vedada a destinação de recursos a título de subvenções sociais para entidades privadas, ressalvadas aquelas sem fins lucrativos, que exerçam atividades de natureza continuada nas áreas de cultura, assistência social, saúde e educação, observado o disposto no art. 16 da Lei no 4.320, de 1964, e que preencham uma das seguintes condições: I - sejam de atendimento direto ao público, de forma gratuita, e estejam registradas no Conselho Nacional de Assistência Social - CNAS; II - sejam vinculadas a organismos internacionais de natureza filantrópica ou assistencial; III - atendam ao disposto no art. 204 da Constituição, no art. 61 do ADCT, bem como na Lei no 8.742, de 7 de dezembro de 1993; ou 85 IV - sejam qualificadas como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público - OSCIP, com termo de parceria firmado com o Poder Público Federal, de acordo com a Lei no 9.790, de 23 de março de 1999. Assim como a Lei 4.320/64, também a LDO/2008 somente admite a concessão de subvenções sociais para entidades privadas sem fins lucrativos nas áreas de assistência social, saúde, educação e cultura. As Consultorias de Orçamento, Fiscalização e Controle da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, no entanto, têm reiteradamente enfatizado, em notas técnicas conjuntas que subsidiam a apreciação das LDO, que a Lei 4.320/64 não permite atender a área da cultura. Posicionamento este conflitante com art. 12, §3°, I, dessa mesma lei. O dispositivo (art. 35) também estabelece, em seus incisos I a IV, os critérios para elegibilidade das entidades que poderão habilitar-se ao recebimento das subvenções. Art. 36. É vedada a destinação de recursos a entidade privada a título de contribuição corrente, ressalvada a autorizada em lei específica ou destinada à entidade sem fins lucrativos selecionada para execução, em parceria com a administração pública federal, de programas e ações que contribuam diretamente para o alcance de diretrizes, objetivos e metas previstas no plano plurianual. Parágrafo único. A transferência de recursos a título de contribuição corrente não autorizada em lei específica dependerá de publicação, para cada entidade beneficiada, de ato de autorização da unidade orçamentária transferidora, o qual será acompanhado de demonstração do atendimento ao disposto no caput deste artigo, no inciso I do art. 40 desta Lei e, também, de que a entidade selecionada é a que melhor atende aos critérios estabelecidos para a escolha. A LDO reforça a necessidade de lei específica para concessão de contribuições correntes, exceto se elas forem concedidas no âmbito de programas e ações integrantes da lei do PPA, executados em regime de parceria com a administração pública federal. Nesse caso, porém, há que ficar consignado no processo de concessão a inequívoca demonstração de que a entidade selecionada é a melhor escolha, tendo por base critérios objetivos de habilitação e seleção previamente estabelecidos. Art. 37. É vedada a destinação de recursos a título de auxílios, previstos no art. 12, § 6o, da Lei no 4.320, de 1964, para entidades privadas, ressalvadas as sem fins lucrativos e desde que sejam: I - de atendimento direto e gratuito ao público e voltadas para a educação especial, ou representativas da comunidade escolar das escolas públicas estaduais e municipais da educação básica ou, ainda, unidades mantidas pela Campanha Nacional de Escolas da Comunidade - CNEC; 86 II - cadastradas junto ao Ministério do Meio Ambiente para recebimento de recursos oriundos de programas ambientais, doados por organismos internacionais ou agências governamentais estrangeiras; III - voltadas para as ações de saúde e de atendimento direto e gratuito ao público, inclusive assistência a portadores de DST/AIDS, prestadas pelas Santas Casas de Misericórdia e por outras entidades sem fins lucrativos, e que estejam registradas no Conselho Nacional de Assistência Social CNAS; IV - signatárias de contrato de gestão com a Administração Pública Federal, não qualificadas como organizações sociais nos termos da Lei no 9.637, de 15 de maio de 1998; V - consórcios públicos legalmente instituídos; VI - qualificadas como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público - OSCIP, com termo de parceria firmado com o Poder Público Federal, de acordo com a Lei no 9.790, de 1999, e que participem da execução de programas constantes do plano plurianual, devendo a destinação de recursos guardar conformidade com os objetivos sociais da entidade; VII - qualificadas ou registradas e credenciadas como instituições de apoio ao desenvolvimento da pesquisa científica e tecnológica com contrato de gestão firmado com órgãos públicos; ou VIII - qualificadas para o desenvolvimento de atividades esportivas que contribuam para a capacitação de atletas de alto rendimento nas modalidades olímpicas e paraolímpicas, desde que formalizado instrumento jurídico adequado que garanta a disponibilização do espaço esportivo implantado para o desenvolvimento de programas governamentais, e demonstrada, pelo órgão concedente, a necessidade de tal destinação e sua imprescindibilidade, oportunidade e importância para o setor público. Assim como no caso das subvenções sociais, a LDO só permite a concessão de auxílios para entidades privadas sem fins lucrativos. Tal como em relação às subvenções, são estabelecidos nos incisos do art. 37 os critérios de elegibilidade das entidades que poderão habilitar-se ao benefício. Art. 38. A alocação de recursos para entidades privadas sem fins lucrativos, a título de contribuições de capital, fica condicionada à autorização em lei especial anterior de que trata o art. 12, § 6º, da Lei no 4.320, de 1964. Aqui a LDO simplesmente repete a regra básica já contida no art. 16, § 6°, da Lei 4.320/64, ou seja, reafirma a necessidade de lei especial anterior para a concessão de contribuições de capital, acrescentando que elas só poderão beneficiar entidades privadas sem fins lucrativos. Não trata de critérios de elegibilidade das entidades porque, obviamente, eles 87 deverão ser veiculados na lei especial que autorizar a contribuição. Todavia, no inciso II, alíneas a, b, c, e d, do artigo seguinte, a norma trata das situações exclusivas em que tais recursos (de capital), excetuados os auxílios, poderão ser aplicados. Art. 39. Sem prejuízo das disposições contidas nos arts. 36, 37, 38 e 39 desta Lei, a destinação de recursos a entidades privadas sem fins lucrativos dependerá ainda de: I - publicação, pelo Poder respectivo, de normas a serem observadas na concessão de subvenções sociais, auxílios e contribuições correntes, que definam, entre outros aspectos, critérios objetivos de habilitação e seleção das entidades beneficiárias e de alocação de recursos e prazo do benefício, prevendo-se, ainda, cláusula de reversão no caso de desvio de finalidade; II - aplicação de recursos de capital, ressalvadas as situações previstas no inciso IV do art. 38 desta Lei, exclusivamente para: a) aquisição e instalação de equipamentos, bem como obras de adequação física necessárias à instalação dos referidos equipamentos; b) aquisição de material permanente; c) reformas e conclusão de obra em andamento, cujo início tenha ocorrido com recursos dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social, vedada a destinação de recursos para ampliação do projeto original; ou d) ampliação e conclusão de obras na assistência social às crianças, adolescentes, idosos e pessoas com deficiência. III - identificação do beneficiário e do valor transferido no respectivo convênio ou instrumento congênere; IV - declaração de funcionamento regular, inclusive com inscrição no CNPJ, da entidade beneficiária nos últimos 3 (três) anos, emitida no exercício de 2008 por 3 (três) autoridades locais, e comprovante de regularidade do mandato de sua diretoria; V - execução na modalidade de aplicação 50 – Transferências a Instituições Privadas sem Fins Lucrativos; VI - compromisso da entidade beneficiada de disponibilizar ao cidadão, por meio da Internet ou, na sua falta, em sua sede, consulta ao extrato do convênio ou outro instrumento utilizado, contendo, pelo menos, o objeto, a finalidade e o detalhamento da aplicação dos recursos; e VII – apresentação da prestação de contas de recursos anteriormente recebidos, nos prazos e condições fixados na legislação. 88 § 1o Excepcionalmente, a declaração de funcionamento de que trata o inciso IV deste artigo, quando se tratar das ações voltadas à educação e à assistência social, poderá ser em relação ao exercício anterior. § 2o A determinação contida no inciso II deste artigo não se aplica aos recursos alocados para programas habitacionais, conforme previsão em legislação específica, em ações voltadas a viabilizar o acesso à moradia, bem como elevar padrões de habitabilidade e de qualidade de vida de famílias de baixa renda que vivem em localidades urbanas e rurais. § 3o Não se aplica a exigência constante do inciso V deste artigo quando a transferência dos recursos ocorrer por intermédio de fundos estaduais e municipais, nos termos da legislação pertinente. § 4o A alocação de recursos para despesas de que trata este artigo, por meio de emendas parlamentares, dependerá ainda da observância de normas regimentais do Congresso Nacional sobre a matéria, em especial quanto à explicitação, na justificação da emenda, do nome da entidade que atenda às disposições do inciso I, o número do CNPJ, o endereço, o registro no CNAS, quando couber, e o nome e o CPF dos seus dirigentes ou responsáveis. § 5o É vedada a destinação de recursos a entidades privadas em que membros do Poder Legislativo da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, ou respectivos cônjuges ou companheiros, sejam proprietários, controladores ou diretores. § 6o O Poder Executivo disponibilizará na Internet banco de dados de acesso público para fins de consulta aos recursos do Orçamento da União destinados às entidades privadas, contendo, no mínimo, órgão concedente, unidade de federação, nome da entidade, número de inscrição no CNPJ, objeto, valores e datas da liberação. Art. 40. Será exigida contrapartida para as transferências previstas na forma dos arts. 36, 37, 38 e 39, de acordo com os percentuais previstos no art. 44 desta Lei, considerando-se para esse fim aqueles relativos aos Municípios onde as ações forem executadas. § 1o A exigência de contrapartida de que trata o caput poderá ser reduzida mediante justificativa do titular do órgão responsável pela execução dos respectivos programas, que deverá constar do respectivo processo de concessão da transferência. § 2o A exigência de contrapartida não se aplica às entidades de assistência social e saúde registradas no Conselho Nacional da Assistência Social CNAS. § 3o O ato a que se refere o § 1o deste artigo levará em consideração diretrizes do órgão colegiado ou conselho ao qual a política pública esteja relacionada. 89 Art. 41. É vedada a destinação de recursos dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social, inclusive de receitas próprias de órgãos e entidades da Administração Pública Federal, para entidade de previdência complementar ou congênere, quando em desconformidade com o disposto na Lei Complementar no 108, de 29 de maio de 2001, e na Lei Complementar no 109, de 29 de maio de 2001. Art. 42. Nenhuma liberação de recursos, a serem transferidos nos termos desta Seção, poderá ser efetuada sem o prévio registro no subsistema Cadastro de Convênios do SIAFI. Os artigos 39 a 42 complementam os requisitos legais exigidos para destinação e execução de transferências orçamentárias ao setor privado no OGU, merecendo destaque as seguintes disposições: obrigatoriedade de publicação, pelo respectivo Poder, das normas que deverão ser observadas na concessão, com definição, dentre outros aspectos, de critérios objetivos de habilitação e seleção das entidades, alocação de recursos e prazo do benefício (art. 39, I); exigência de funcionamento regular da entidade beneficiária nos últimos três anos, atestada por três autoridades locais e corroborada por inscrição no CNPJ (art. 39, IV); quando o recurso for alocado no orçamento por meio de emenda parlamentar, esta deverá nominar a entidade beneficiária, indicar o endereço, o número do CNPJ e do registro no CNAS, quando couber, e o nome e CPF de seus dirigentes ou responsáveis (art. 39, § 4°); vedação da destinação de recursos para entidades nas quais membros do Poder Legislativo de qualquer esfera de governo, respectivos cônjuges ou companheiros sejam proprietários controladores ou diretores (art. 39, § 5°); disponibilização, na Internet, de bancos de dados de acesso público contendo, no mínimo, órgão concedente, unidade da federação, nome da entidade, CNPJ, objeto valores e datas de liberação (art. 39, § 6°); exigência de contrapartida em percentuais idênticos aos fixados para os municípios onde as ações serão executadas, que somente poderá ser reduzida mediante justificativa do titular do órgão responsável pela execução do programa e considerando as diretrizes do órgão colegiado ou conselho ao qual a política pública esteja relacionada. Tal justificativa deverá integrar o processo de concessão da transferência (art. 40, § 1° e 3°); Apesar de constituir um marco na tentativa de moralizar as transferências de recursos públicos às entidades privadas, a vedação do art. 39, § 5°, ainda carece de reparos. 90 Como já visto, tais entidades revestem-se por um dos quatro formatos jurídicos previstos no Código Civil, quais sejam, associações, fundações, organizações religiosas e partidos políticos. Nessas entidades inexistem as figuras de “proprietários” e “controladores”. E, no tocante a “diretores”, a expressão circunscreve-se à restrição apenas aos diretores executivos da entidade, ou seja, aqueles que tocam o dia-a-dia. A utilização dos termos dirigentes e administradores seria mais adequada para alcançar, inclusive, àqueles que tem maior poder de comando e influência na organização, como os membros dos órgãos deliberativos. Ressalte-se, finalmente, que conforme disposição do artigo 42, nenhuma liberação de recursos a título de subvenção social, auxílio e contribuição corrente ou de capital, poderá ocorrer sem o prévio registro no subsistema Cadastro de Convênios do Siafi, assunto que será tratado na próxima seção. 3.2.3 Instrumentos jurídicos utilizados para transferir recursos públicos às ONGs Para efeito de formalização e operacionalização das transferências, são utilizados os quatro tipos de instrumentos jurídicos a seguir, sendo que apenas os três primeiros são atualmente registrados no Cadastro de Convênios do Siafi: Convênio Contrato de repasse Termo de parceria Contrato de gestão 3.2.3.1 Termo de Convênio O termo de convênio disciplina a transferência de recursos, do orçamento fiscal e da seguridade social, para a execução descentralizada de programa de trabalho de interesse recíproco em regime de mútua cooperação. A norma que regulamenta os convênios é a Instrução Normativa 1, de 15/1/1977 (IN STN 1/97), da Secretaria do Tesouro Nacional, que “disciplina a celebração de convênios de natureza financeira que tenham por objeto a execução de projetos ou realização de eventos e dá outras providências”. A referida norma traz, em minúcias, regras e procedimentos a serem observados em todas as fases de operacionalização dos convênios, desde as análises técnicas para 91 celebração passando pela execução física e financeira do objeto, prestação de contas e até a instauração de tomadas de contas especiais. Traz ainda as nomenclaturas e as definições utilizadas na área, as quais podem ser consultadas no glossário deste trabalho. A IN STN 1/97 é a mais completa e detalhada norma de regulamentação de transferências orçamentárias. Suas regras e seus conceitos são normalmente observados, de maneira subsidiária, nos outros tipos de instrumentos comentados nesta seção. Os convênios fundamentam-se nos planos de trabalho propostos pelas entidades, que integram o termo firmado para todos os efeitos. Referidos planos contém razões que justifiquem a celebração; descrição precisa e completa do objeto e definição quantitativa e qualitativa das metas; cronograma físico-financeiro da execução; projeto básico, licença ambiental e comprovação da plena propriedade do imóvel, quando for o caso. A movimentação dos recursos do convênio, inclusive da contrapartida aportada pela entidade convenente, deve ser realizada por meio de conta bancária aberta em seu nome e vinculada especificamente ao convênio. É proibido o pagamento de qualquer despesa não vinculada à execução do objeto e que não tenha sido incluída no plano de trabalho aprovado. 3.2.3.2 Contrato de Repasse Segundo o Decreto 1.819, de 16/2/1996, que autorizou essa modalidade de formalização, o contrato de repasse consiste em instrumento de transferência de recursos da União, consignadas na lei orçamentária anual, ou referentes a créditos adicionais, para estados, Distrito Federal ou municípios, a qualquer título, inclusive sob a forma de subvenções, auxílios ou contribuições, realizada por intermédio de instituições ou agências financeiras oficiais federais, que atuam como mandatárias da União. Interessante notar que o referido decreto prevê a utilização do contrato de repasse apenas para as transferências a estados, Distrito Federal ou municípios, sendo omisso em relação às entidades privadas. Todavia, como pode ser constatado no cadastro de convênios do Siafi, esse instrumento também vem sendo utilizado para transferir recursos às ONGs. Assim, salvo pela interveniência da instituição ou agência financeira oficial, o contrato de repasse equipara-se à figura do convênio e segue, no que couber, as disposições da IN STN 1/97, como já assinalado. 92 3.2.3.3 Termo de Parceria Instituído pelo art. 9° da Lei 9.790/99 e regulamentado pelo Decreto 3.100/99, “o Termo de Parceria, [é] assim considerado o instrumento passível de ser firmado entre o Poder Público e as entidades qualificadas como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público destinado à formação de vínculo de cooperação entre as partes, para o fomento e a execução das atividades de interesse público previstas no art. 3°” da lei que o instituiu. As áreas passíveis de fomento são aquelas exigidas para que a entidade obtenha a qualificação como Oscip, relacionadas no art. 3° e seus incisos, da Lei 9.790/99 (ver tópico específico desta monografia). A escolha da Oscip, para a celebração de termo de parceria, poderá ser feita por meio de concursos de projetos (art. 23, Decreto 3.100/99). Essa escolha deve ser precedida de consulta aos Conselhos de Políticas Públicas das áreas de atuação correspondentes, (relacionadas no art. 3° e seus incisos), existentes nos respectivos níveis de governo. Os Conselhos também deverão acompanhar e fiscalizar a execução do termo de parceria juntamente com o órgão do Poder Público da área de atuação da atividade fomentada (art. 10, § 1° e art. 11, Lei 9.790/99). A liberação de recursos financeiros necessários à execução do termo de parceria, tal como no convênio e no contrato de repasse, far-se-á em conta bancária específica (art. 14, Decreto 3.100/99). Por outro lado, diferentemente dos convênios e dos contratos de repasse, a Lei 9.790/99 prevê a possibilidade de remuneração de dirigentes executivos da entidade parceira e de prestadores de serviços específicos com recursos do termo de parceria (art. 4°, VI), bem como a de aquisição de bens permanentes (art. 4°, V). Segundo a Lei 9.790/99, são cláusulas essenciais do termo de parceria: a do objeto, que conterá a especificação do programa de trabalho; a de estipulação das metas e dos resultados a serem atingidos e os respectivos prazos de execução ou cronograma; a de previsão expressa dos critérios objetivos de avaliação de desempenho a serem utilizadas, mediante indicadores de resultado; a de previsão de receitas e despesas a serem realizadas em seu cumprimento, estipulando, item por item, as categorias contábeis usadas pela organização e o detalhamento das remunerações e benefícios de pessoal a serem pagos com recursos oriundos ou vinculados ao termo de parceria a seus diretores, empregados e consultores; a que estabelece as obrigações da Oscip, dentre as quais, a de apresentar ao Poder Público, ao 93 término da cada exercício, relatório sobre a execução do objeto acompanhado de prestação de contas das receitas e das despesas efetivamente realizadas e do comparativo das metas propostas com os resultados alcançados; e, a de publicação, na imprensa oficial do município, do estado ou da União, conforme o alcance das atividades pactuadas, de extrato do termo de parceria e de demonstrativo da sua execução física e financeira (art. 10, § 2° e incisos). A avaliação dos resultados atingidos com a execução do Termo de Parceria deverá ser realizada por uma comissão de avaliação composta por dois membros do respectivo Poder Executivo, um da Oscip e um membro indicado pelo Conselho de Política Pública da área de atuação correspondente, quando houver. A comissão encaminhará à autoridade competente relatório conclusivo sobre a avaliação procedida (art. 11, § 1° e 2°, Lei 9.790/99, e art. 20, Decreto 3.100/99). Para obter a qualificação de Oscip, e conseqüentemente ter acesso a transferências orçamentárias por meio de termos de parceria, a entidade é obrigada a seguir normas mínimas de prestação de contas, previstas no art. 4°, VII, da Lei 9.790/99, tais como a observância dos princípios fundamentais de contabilidade e das Normas Brasileiras de Contabilidade; dar publicidade, por qualquer meio eficaz, do relatório de atividades e das demonstrações financeiras do exercício fiscal, incluindo-se as certidões negativas de débitos junto ao INSS e ao FGTS, colocando-os à disposição para exame de qualquer cidadão; realização de auditoria, inclusive por auditores externos independentes nos casos em que o montante dos recursos de um ou de vários termos de parcerias concomitantes for maior ou igual a R$ 600 mil reais (art. 19, Decreto 3.100/99); e, submeter a prestação de contas de todos os recursos e bens de origem pública recebidos nos moldes previstos no parágrafo único do art. 70 da Constituição Federal, ou seja, submeter-se à fiscalização mediante controle externo e pelo sistema de controle interno do Poder Público. 3.2.3.4 Contrato de Gestão De acordo com o art. 5° da Lei 9.637/98, que dispõe sobre a qualificação de entidades como Organizações Sociais (OS), a criação do Programa Nacional de Publicização, a extinção de órgãos e entidades que menciona e a absorção de suas atividades por OS, “entende-se por contrato de gestão o instrumento firmado entre o Poder Público e a entidade qualificada como organização social, com vistas à formação de parceria entre as partes para fomento e execução de atividades relativas às áreas relacionadas no art. 1°.” 94 O contrato de gestão, embora assim denominado pela lei, “não se trata de um contrato propriamente dito, porque não há interesses contraditórios. Na verdade trata-se mais de um acordo operacional – acordo de Direito Público” (MEIRELLES, 2003:259) entre a Administração e a entidade privada, no qual se estabelecem o programa de trabalho e as demais condições para execução dos serviços públicos transferidos. São passíveis de fomento as atividades dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde e, tal como no caso das Oscip, a previsão de exercício dessas atividades deve constar dos objetivos estatutários da entidade (art. 5° c/c arts. 1° e 2°, I, a). A escolha da OS, para a celebração do contrato de gestão, se é que o método adotado pode ser chamado de escolha, é um processo fechado. Segundo o art. 6° da Lei 9.637/98 e seu parágrafo único, ele é “elaborado de comum acordo entre o órgão ou entidade supervisora e a organização social, discriminará as atribuições, responsabilidades e obrigações do Poder Público e da organização social.” Em seguida, “deve ser submetido, após aprovação pelo Conselho de Administração da entidade, ao Ministro de Estado ou autoridade supervisora da área correspondente à atividade fomentada.” Na verdade, esse processo é assim, direcionado, em decorrência da própria concepção do Programa Nacional de Publicização, no qual as entidades são qualificadas, a priori, visando absorverem atividades públicas antes desempenhadas pelo próprio Poder Público. Na elaboração do contrato de gestão devem ser observados os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade e, também, os seguintes preceitos: I - especificação do programa de trabalho proposto pela organização social, a estipulação das metas a serem atingidas e os respectivos prazos de execução, bem como previsão expressa dos critérios objetivos de avaliação de desempenho a serem utilizados, mediante indicadores de qualidade e produtividade; II - a estipulação dos limites e critérios para despesa com remuneração e vantagens de qualquer natureza a serem percebidas pelos dirigentes e empregados das organizações sociais, no exercício de suas funções, devendo os Ministros de Estado ou autoridades supervisoras da área de atuação da entidade definir as demais cláusulas (art. 7°, caput e parágrafo único). A fiscalização da execução do contrato de gestão cabe ao órgão ou entidade supervisora da área de fomentada, signatária do contrato, a quem a entidade executora deve apresentar, ao término de cada exercício ou a qualquer momento, relatório pertinente da 95 execução, contendo comparativo das metas contratadas com os resultados alcançados e prestação de contas do exercício financeiro (art. 8° e § 1°). Os resultados atingidos devem ser analisados, periodicamente, por comissão de avaliação indicada pela autoridade supervisora, composta por especialistas de notória capacidade e adequada qualificação, a qual deve emitir relatório conclusivo sobre a avaliação procedida (art. 8°, § 2° e 3°). Poderão ser destinados recursos orçamentários e bens públicos necessários ao cumprimento do contrato de gestão, bem como a cessão especial de servidores, com ônus para a origem (arts. 12 e 14), devendo os responsáveis pela fiscalização da execução do contrato dar ciência ao TCU de qualquer irregularidade ou ilegalidade que tomarem conhecimento, sob pena de responsabilidade solidária (art. 9°) e, se houver indícios fundados de malversação de bens ou recursos de origem pública, representar ao Ministério Público, à Advocacia-Geral da União ou à Procuradoria da entidade para que requeira ao juízo competente a decretação de indisponibilidade dos bens da entidade e o seqüestro dos bens dos dirigentes, bem como do agente público ou terceiro, que possam ter enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público (art. 10). 3.2.4 Da submissão dos recursos transferidos às ONGs ao controle estatal O acompanhamento e a fiscalização das ONGs que se caracterizem como de interesse social, ou seja, aquelas que têm como destinatário a sociedade, que “são constituídas visando a atender os interesses e as necessidades de pessoas indeterminadas, ou à sociedade em geral, por exemplo, nas áreas de educação, saúde, assistência social e cultura”, é realizado pelo Ministério Público, por meio de promotoria competente, já que ao Ministério Público cabe, por dever constitucional, defender os interesses sociais e individuais indisponíveis (CF, art. 127, caput) e proteger o patrimônio que seja público e social e também os interesses difusos e coletivos (CF, art. 129, III) (PAES, 2006:65-66). A ação do Estado, direta ou indiretamente, é mais de amparo e auxílio que de vigilância. Explico-me: o auxílio, na forma de acompanhamento, justifica-se para fortalecer a ação dessas entidades e garantir-lhes as condições de estabilidade e transparência que devem ser inerentes a todos os órgãos do Estado, para que haja uma integração maior e mais estreita entre as finalidades da entidade social e as do Estado, uma vez que ambas, ao final, concorrem para a realização dos mesmos objetivos. (PAES, 2006:515). 96 Essa é a matriz que rege o acompanhamento das atividades das ONGs, dadas as suas características de autonomia, de representarem pessoas unidas sob um interesse comum, de solidariedade e da prerrogativa constitucional de ampla liberdade de associação. Ressalvado, porém, que tal acompanhamento e fiscalização, pelo Ministério Público, não é cabível se a associação for constituída para prestar benefícios mútuos aos seus próprios associados, já que neste caso a determinação constitucional é de que não haja nenhuma intervenção estatal em seu funcionamento (CF, art. 5°, XVIII). No que tange ao manejo de recursos públicos, no entanto, as ONGs, sem exceção, submetem-se às mesmas regras que as demais pessoas, pois o dever de prestar contas é princípio de estirpe constitucional, ao qual está sujeita qualquer pessoa – física ou jurídica, pública ou privada – que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens ou valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária. (CF, art. 70, parágrafo único). Deste modo, a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, quanto aos aspectos da legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, no tocante aos recursos públicos transferidos às ONGs, é competência do Congresso Nacional, que a exerce mediante auxílio do Tribunal de Contas da União, e pelo sistema de controle interno de cada Poder. (CF, art. 70 c/c parágrafo único e art. 71). Frise-se, no que diz respeito à submissão ao controle público, que “não importa se a pessoa pertence ou não à administração pública. O que importa é a origem dos recursos.” (CHAVES, 2007:63). Se os recursos forem públicos, o controle incidirá. No tocante à comprovação da regular aplicação dos recursos e dos resultados alcançados, as organizações reportam-se, primariamente, ao órgão ou à entidade que os repassou, bem como ao órgão central do sistema de controle interno (a CGU, no caso do Poder Executivo Federal), cujos responsáveis, se tomarem conhecimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade, darão ciência ao Tribunal de Contas da União, sob pena de responsabilidade solidária (CF, art. 74, II, e § 1°). A Constituição prevê ainda o controle social dos recursos transferidos, ao deixar assente que “qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União.” (CF, art. 74, § 2°). 97 Ressalte-se que a atuação do órgão ou entidade transferidor dos recursos, ou da CGU, não impede a concomitante atuação de qualquer outro órgão federal de controle, seja o TCU, seja o Ministério Público ou qualquer outro legalmente competente. O TCU, pode, inclusive, realizar a fiscalização direta – e faz isso com muita freqüência – dos recursos transferidos às ONGs, independentemente de ter havido, ou não, a fiscalização pelo órgão repassador ou pela CGU. Tal competência decorre do inciso IV, art. 71, da CF: IV. realizar, por iniciativa própria, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de comissão técnica ou de inquérito, inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nas unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e demais entidades referidas no inciso II. (grifo nosso). Todas essas normas, por determinação do art. 75 da CF, aplicam-se, no que couber, às instituições de controle dos estados e dos municípios, sendo pertinente, pois, inferir, que a sistemática de controle dos recursos orçamentários repassados às ONGs por esses entes da Federação seguem esses mesmos preceitos com as devidas adaptações às suas estruturas administrativas. A seguir, para cada um dos instrumentos jurídicos utilizados na transferência de recursos orçamentários, a indicação dos órgãos responsáveis, primariamente, pela fiscalização da regular aplicação. Em regra, essa responsabilidade é do que repassa os recursos, aos quais também as prestações de contas devem ser apresentadas, não cabendo, exceto no caso do contrato de gestão, como se verá adiante, prestações de contas sistemáticas ao TCU, que, no entanto, tem competência, assim como a CGU, para fazer a fiscalização direta (grifos nossos). Convênio – IN STN 1/97: Art. 23. A função gerencial fiscalizadora será exercida pelo [órgão/entidade] concedente, dentro do prazo regulamentar de execução/prestação de contas do convênio, ficando assegurado a seus agentes qualificados o poder discricionário de reorientar ações e de acatar, ou não, justificativas com relação às disfunções porventura havidas na execução. Contrato de Repasse – Decreto 1.819/96: Art. 3° A transferência dos recursos pelos mandatários será efetuada mediante contrato de repasse, do qual constarão os direitos e obrigações das partes, inclusive quanto à obrigatoriedade de prestação de contas perante o Ministério competente para a execução do programa ou projeto. 98 Contrato de Gestão – Lei 9.637/98: Art. 8° A execução do contrato de gestão celebrado por organização social será fiscalizada pelo órgão ou entidade supervisora da área de atuação correspondente à atividade fomentada. Termo de Parceria – Lei 9.790/99: Art. 11. A execução do objeto do Termo de Parceria será acompanhada e fiscalizada por órgão do Poder Público da área de atuação correspondente à atividade fomentada, e pelos Conselhos de Políticas Públicas das áreas correspondentes de atuação existentes, em cada nível de governo. No tocante ao contrato de gestão, celebrado com as entidades qualificadas como OS, o TCU firmou entendimento, por meio da Decisão 592/1998 – Plenário, de que as contas anuais das entidades têm de ser submetidas a julgamento pelo Tribunal. Portanto, este é o único caso em que uma organização privada tem suas contas ordinárias submetidas sistematicamente à apreciação direta pelo TCU. Nos demais casos, o modo de atuação do TCU para verificação da regularidade da aplicação dos recursos transferidos opera-se, basicamente, por meio de dois procedimentos: o julgamento de tomadas de contas especiais e as fiscalizações, de iniciativa própria e por solicitação do Congresso Nacional ou decorrentes de representações e denúncias. Tomada de Contas Especiais (TCE) São instauradas pelos próprios órgãos transferidores dos recursos nos casos de omissão no dever de prestar contas ou de dano ao erário, bem como por recomendação da CGU ou por determinação do TCU. A TCE, após análise da regularidade formal pela CGU, deve ser imediatamente encaminhada ao Tribunal, para julgamento, se o seu valor ultrapassar R$ 23.000,00 (valor para 2007, fixado pela Decisão Normativa TCU n° 80/2006). Se o débito for de valor inferior, a TCE deve ser anexada ao processo de tomada de contas anuais do órgão ou da entidade que transferiu os recursos, para julgamento em conjunto. Fiscalizações Para exercício de suas competências constitucionais de órgão de controle externo da administração pública e da gestão dos recursos públicos federais, o regimento interno do TCU prevê as modalidades de fiscalização que são levadas a efeito por meio de seu corpo técnico. Dentre essas modalidades estão previstas as inspeções e as auditorias, ambas 99 destinadas a verificar a legalidade, a legitimidade e a economicidade dos atos e fatos administrativos praticados por qualquer responsável sujeito à jurisdição do TCU. Essas fiscalizações, como visto, tanto podem decorrer de iniciativa própria do Tribunal, de solicitação do Congresso Nacional, ou ainda para apurar denúncias ou representações. Na execução de suas inspeções e auditorias, o TCU vem utilizando uma nova metodologia de trabalho denominada Fiscalização de Orientação Centralizada (FOC). O procedimento dessa metodologia inclui preparação centralizada, execução descentralizada e consolidação de resultados, e tem por objetivo avaliar, de forma abrangente e integrada, um tema, um programa ou uma ação de governo, visando a traçar um quadro geral das situações verificadas, identificar irregularidades mais comuns e relevantes e propor aperfeiçoamento nos mecanismos de controle, no arcabouço legal ou no modelo de execução do programa ou da ação, de responsabilidade de um ou de vários órgãos federais Denúncias O TCU aprecia denúncias sobre irregularidades ou ilegalidades apresentadas por qualquer cidadão, associação, sindicato ou partido político, desde que observadas as disposições de seu regimento interno, tal como determina a Constituição (art. 74, § 2°). No resguardo dos direitos e das garantias individuais, o Tribunal dá tratamento sigiloso às denúncias formuladas, as quais são apuradas mediante os procedimentos mais adequados à comprovação dos fatos, notadamente o procedimento de inspeção, com a finalidade de apurar sua procedência. Uma vez coligidas as provas, os demais atos do processo serão públicos, assegurando-se aos acusados a oportunidade de ampla defesa e demais garantias constitucionais do processo. Representações São as denúncias formais assinadas por autoridades ou agentes públicos ou, ainda, aquelas de outras origens que devam reverter-se desta forma por força de lei específica. São dirigidas aos Colegiados e aos ministros-relatores do TCU acerca de irregularidade, ilegalidade ou omissão verificada em assuntos de sua competência. Como no caso da denúncia, uma representação provoca a mobilização do corpo técnico do Tribunal para efetuar as diligências necessárias a apuração dos fatos, inclusive mediante a realização de auditorias e inspeções. 100 3.2.5 A questão do sigilo bancário dos recursos transferidos às ONGs Uma questão importante a ressaltar, no tocante à atuação dos órgãos de controle interno e externo, é a necessidade de acesso integral aos dados da movimentação da conta bancária específica que acolhe os recursos oriundos dos ajustes celebrados com o Poder Público e aos seus correspondentes registros contábeis. Cumpre lembrar que o extrato bancário constitui um dos elementos obrigatórios da prestação de contas. Ocorre que, como fartamente demonstra Queiroz (2004:114-117), na ocorrência de fraudes eles podem não estar disponíveis, ou, se disponíveis, podem estar adulterados ou darem a falsa impressão de conformidade com os demais elementos da prestação de contas. Assim, a obtenção de cópias, tanto de extratos quanto de microfilmes dos cheques sacados, diretamente junto à instituição bancária, é procedimento de auditoria indispensável para a realização de um exame confiável. Gerentes de instituições financeiras federais às vezes têm se negado a fornecer essas informações, sob a alegação de que as ONGs são entidades privadas e que, portanto, as contas movimentadas sob sua titularidade estão protegidas pelo sigilo bancário. Ora, se a legislação condiciona a celebração dos ajustes ao compromisso de o convenente movimentar os recursos em conta bancária específica, inócuo seria tal requisito de controle se a ele for vedado o acesso dos órgãos responsáveis pela fiscalização dos recursos. Nunes (2006:132) afirma que “não há que se falar em violação do dever de sigilo quando se tratar de contas públicas.” Claramente, outra não é a natureza das contas que, abertas especificamente para tal fim em função de um instrumento jurídico firmado com o Poder Público, recebem as liberações e movimentam os recursos orçamentários transferidos, ainda que sob a titularidade de entidades privadas. Nunes ainda diz mais: Apesar da forma como a questão ainda vem sendo tratada em nosso País, o sigilo de dinheiro público é juridicamente inadmissível, pois, na verdade, o assunto deve ser de conhecimento de toda a sociedade. A própria natureza pública dessas contas indica a impossibilidade de segredos. O jurista Hugo de Brito Machado (apud Nunes, 2006:133), adverte: O direito ao sigilo pertence ao cidadão, ao particular, tanto o sigilo bancário como o sigilo de transações comerciais. Em princípio, o que é privado está protegido pelo sigilo, que só excepcionalmente pode ser quebrado. Já na coisa pública dá-se o inverso. O princípio é o da publicidade, e só 101 excepcionalmente prevalece o sigilo. A publicidade sempre foi tida como um princípio administrativo, porque se entende que o Poder Público, por ser público, deve agir com a maior transparência possível, a fim de que os administrados tenham, a toda hora, conhecimento do que os administradores estão fazendo. Com efeito, nossa Constituição estabelece como regra e dever a transparência da Administração, levada a efeito pela submissão ao princípio da publicidade presente em vários de seus dispositivos (art. 5°, XIV, XXXIII, XXXIV, LXXII, e art. 37, caput), excetuado, apenas, quando for imprescindível à defesa da intimidade, ao interesse social ou à segurança da sociedade e do Estado. O “sigilo bancário existe para proteger o particular, não o administrador da coisa pública” (NUNES, 2006:133) até porque, nos termos do art. 5°, LXXIII, da Constituição Federal, “qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público [...]”. Há que se inferir, pois, que a Constituição não facultaria tal direito se indisponíveis os meios para seu exercício. Se ao cidadão não pode ser oposto o sigilo bancário de contas públicas, muito menos aos órgãos de controle. Este é o entendimento do TCU em várias de suas decisões (Acórdãos TCU 241/1995, 298/2002, 201/2003, todos da 1ª Câmara), segundo as quais os cheques sacados contra tais contas não foram emitidos por pessoa física com o intuito de atender a interesse particular, senão que se trata de conta que movimenta recursos públicos provenientes do Orçamento da União, repassados com finalidade específica, devidamente avençada nos instrumentos jurídicos que viabilizam o repasse. A conduta de negar o fornecimento de informações relativas às contas bancárias abertas com o fim específico de movimentar transferências orçamentárias efetivadas às ONGs, inclusive as respectivas contrapartidas aportadas, sob alegação de que elas são entidades privadas e que, portanto, estariam protegidas pelo sigilo bancário não deve prosperar. Essa atitude caracteriza inaceitável obstáculo às ações de controle. Caso tal negativa ou omissão ocorra no âmbito de diligências efetivadas em fiscalizações do TCU, caracteriza-se sonegação de informação tipificada nos arts. 42 e 87 de sua Lei Orgânica (Lei 8.443/92), cabendo ao técnico responsável pela ação de controle representar ao ministro-relator do feito, encaminhando proposta das sanções cabíveis. 102 3.3 FALHAS NA SISTEMÁTICA DE TRANSFERÊNCIAS PARA AS ONGs14 Esta seção descreve e analisa os problemas identificados em cada uma das fases do ciclo de operacionalização das transferências de recursos orçamentários às ONGs, trazendo uma visão sistêmica do processo. Os problemas e as irregularidades descritos decorrem principalmente de constatações obtidas no âmbito de fiscalizações realizadas sob a sistemática de FOC, em 2005 e 2006, analisados em conjunto e em confronto com os resultados da CPMI “das Ambulâncias” (doravante simplesmente CPMI). Para os fins desta análise, o ciclo de operacionalização das transferências foi dividido em quatro fases contemplando os seguintes eventos e atividades: 1) planejamento, alocação e programação dos recursos no OGU; 2) análise técnica dos projetos apresentados pelas ONGs e celebração dos instrumentos jurídicos para transferência dos recursos; 3) execução física do objeto avençado e execução financeira dos recursos por parte da ONG e seu acompanhamento e fiscalização por parte do órgão ou entidade concedente; e, 4) apresentação da prestação de contas e sua análise. Auditorias do TCU têm evidenciado uma correlação do tipo causa-efeito entre os problemas identificados nas duas primeiras fases do ciclo de operacionalização das transferências e as irregularidades praticadas nas duas outras fases. Os resultados da CPMI corroboram tal situação, que decorre principalmente de fatores condicionantes ou circunstanciais presentes naquelas fases. Por fatores condicionantes deve-se entender um ambiente previamente estruturado para a prática de fraudes, tais como desestruturação de um processo, metodologia ou unidade organizacional, tendo por propósito a facilitação, aparentemente incauta, isto é, a “preparação do terreno” em fases precedentes de processos plurifásicos, como é o caso em estudo, com vistas ao desvio ou malversação de recursos em momento ou fase subseqüente. Fatores circunstanciais, por sua vez, resultam de um estado ou condição de uma situação, não necessariamente intencional, na qual o ilícito é praticado tirando-se proveito da oportunidade, da desordem estabelecida em razão de situações de emergência, do aproveitamento de facilitação incauta, de controles negligenciados ou em conseqüência de amadorismos organizacionais, tais como sistemas e processos mal definidos e/ou sem 14 Partes dos textos desta seção e da próxima, bem como seus reflexos nas conclusões, integram estudo elaborado pelo autor, em auxílio ao Ministro-relator das Contas do Governo da República – Exercício de 2006, área 103 integração; processos sem gestores claramente designados, gerentes ou responsáveis; sistemas de delegação e responsabilidades obscuros, dentre outros. A presença de tais fatores se caracteriza, dentre outras práticas e circunstâncias, pela inércia ou pela resistência à implementação de sistemas, métodos e recomendações; pela implementação imperfeita ou ‘equivocada’ de determinações, bem como por projetos de melhorias organizacionais, processos e métodos de trabalho, com prazos de implementação inexplicavelmente longos. Cumpre ressaltar, que a estrutura administrativa e operacional dos órgãos e entidades concedentes destinada à análise de proposições, ao acompanhamento e fiscalização dos recursos transferidos às ONGs é a mesma utilizada para operacionalizar as transferências voluntárias a estados e municípios. Assim, em princípio, as análises aqui expendidas também se aplicam a estes entes. 3.3.1 Falhas na fase de alocação e programação dos recursos no orçamento Nesta fase, as dotações destinadas às transferências são alocadas diretamente pela proposta de orçamento elaborada pelo Poder Executivo, ou por meio de emendas parlamentares – individuais ou coletivas – na etapa de apreciação e aprovação da proposta pelo Poder Legislativo. Tais dotações podem ser consignadas de duas formas no OGU: contemplação nominal da entidade (estado, município ou ONG), por meio da proposta do Poder Executivo ou de emenda dos parlamentares; não há contemplação explícita, mas o programa orçamentário destina recursos para a região onde se localiza o pretendente e prevê a aplicação por meio de órgão ou entidade estadual, municipal ou de ONG (conforme § 7º, art. 7º, da Lei 11.439/2006, LDO 2007, essa previsão é identificada pelas seguintes modalidades de aplicação: 30 – governo estadual, 40 – administração municipal, e 50 – entidade privada sem fins lucrativos). Os critérios para essas alocações, tanto no âmbito da elaboração da proposta pelo Poder Executivo quanto no âmbito do Poder Legislativo, no curso das alterações da proposta por meio de emendas parlamentares, devem ser construídos a partir dos valores democráticos que privilegiem a cidadania, a dignidade da pessoa humana e visem a alcançar os objetivos temática “Transferências voluntárias da União: aspectos relacionados à programação, execução e controle”. 104 fundamentais previstos no art. 3º, da Constituição Federal, devendo ainda ser observados os princípios de atuação da administração pública insculpidos no art. 37 da Constituição. A sistemática de alocação, no entanto, apresenta problemas que, combinados com os procedimentos das fases subseqüentes de operacionalização das transferências, fomentam a ocorrência de irregularidades, o desvio, a ineficiência e até mesmo a montagem de “esquemas” criminosos, como os trazidos à luz pela CPMI (V.II, p.13-14) “objetivando a percussão e a apropriação de recursos públicos em larga e profusa escala”. Parlamento e Orçamento Público andam juntos desde suas origens. Na concepção, um razão de ser do outro, como forma de limitação ao poder absoluto. A Carta Magna, de 1215, inaugurou, na Inglaterra, o sentimento de que o poder real deveria ser exercido dentro de limites estabelecidos por pressupostos legais, dentre os quais o de submeter ao Conselho dos Comuns (o Parlamento) a votação das despesas e a autorização para a cobrança dos tributos necessários ao seu financiamento. Destarte, orçamento e parlamento – ancorados em valores, princípios e regras jurídicas – têm se constituído em indispensáveis instrumentos de combate a arbitrariedades, o que lhes justifica a perenidade e a importância crescente que têm assumido na manutenção do Estado democrático de direito. Reconhecer a existência desses valores, como substrato e limites claros ao exercício do poder, inclusive pelo próprio Parlamento, contribui para a definição dos contornos das ações programadas no orçamento público, permitindo-se estabelecer critérios para reconhecer os eventuais desvios ocorridos em seu manejo, para além das fronteiras valorativas estabelecidas. Ricardo Lobo Torres (2000:109, grifos nossos) bem traduz esse entendimento, ao afirmar que: O direito orçamentário, embora instrumental, não é insensível aos valores nem cego para com os princípios jurídicos. Apesar de não ser fundante de valores, o orçamento se move no ambiente axiológico, eis que profundamente marcado por valores éticos e jurídicos que impregnam as próprias políticas públicas. A lei orçamentária serve de instrumento para a afirmação da liberdade, para a consecução da justiça e para a garantia e segurança dos direitos fundamentais. A nossa Constituição é explícita no que diz respeito a esses valores, trazendo os critérios em que deve se fundamentar o planejamento governamental, os objetivos que deve perseguir e os parâmetros com que deve ser executado, respectivamente, em seus artigos 1º, 3° e 37. No contexto da presente análise destacam-se os objetivos republicanos de erradicação 105 da pobreza e da marginalização e de redução das desigualdades sociais e regionais, além dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, aos quais a administração pública deve obediência. Na alocação de subvenções sociais, por exemplo, o cumprimento aos preceitos da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS, Lei 8.742, de 1993) deveriam ser priorizados em benefício da democratização da gestão da política de assistência social, com os recursos sendo canalizados exclusivamente por intermédio dos fundos de assistência social, de onde, então, seriam distribuídos às entidades, com base em planos e metas anteriormente traçados com efetiva participação e deliberação dos Conselhos de Políticas Públicas. Para Nunes (2006:80), a alocação de recursos pautada nessa diretriz “é uma forma de dar efetividade aos preceitos constitucionais que determinam a descentralização da gestão administrativa e a participação da comunidade na política da assistência social.” Desse modo, as alocações para subvenções sociais, abertas ou subscritas diretamente para determinadas entidades, seriam restringidas, diminuindo as possibilidades de ocorrência de irregularidades. Diz ainda Nunes que “há uma tendência nacional de extinção das chamadas subvenções sociais dos orçamentos do Estado, talvez em face da triste constatação de que constituem focos de desvio de dinheiro público, corrupção e clientelismo.” (NUNES, 2006:81). Reconheça-se a dificuldade de que tal prática venha a ocorrer em sua plenitude, pois “a política de assistência social no Brasil ainda não se livrou do ranço assistencialista e do fisiologismo de alguns dos nossos políticos.” Legisladores confundem o seu papel de parlamentar com o de prestar serviços sociais a comunidades carentes, visando transformar a ajuda em voto, levando à “existência de verdadeiros comitês eleitorais travestidos de entidades sociais.” (NUNES, 2006:150). Com certeza, a adoção dessa diretriz não inibirá, de imediato, a ocorrência de desvios, ineficiências e outras irregularidades quando da execução, mas ajustará o modelo das subvenções sociais aos preceitos da Constituição e da LOAS. Isso permitirá aos órgãos de controle concentrar a atenção no aperfeiçoamento do modelo, por meio do desenvolvimento de metodologias de acompanhamento e fiscalização dos fundos de assistência social e do aperfeiçoamento de mecanismos que permitam um controle social mais efetivo. A questão da falta de critérios para emendar o orçamento tem sido objeto de debates e críticas por parte de vários segmentos simetricamente informados da sociedade. O 106 próprio Congresso Nacional, por meio da CPI do Orçamento, em 1993, trouxe a lume os problemas dessa sistemática que, a julgar pelos acontecimentos constatados pela “CPMI das Ambulâncias”, ainda persistem sublevando a ordem institucional. De acordo com o relatório dessa CPMI (V.II, p.544, grifos nossos): merece registro o fato de que a mazela ora enfrentada não é nova ou desconhecida. Como já referido anteriormente, a CPI do orçamento, em 1993, debruçou-se exatamente sobre esse mesmo tema, tendo produzido importantes resultados legislativos, mas que, como percebemos, não impediram que fossem engendradas novas maneiras de sangrar os recursos que devem ser aplicados em favor dos mais carentes. A atual forma de estruturação dos programas de governo já define quando as ações poderão ser implementadas com a participação de ONGs (PPA, Cadastro de Ações). Seria de todo conveniente que também já definisse os critérios de elegibilidade para seleção das entidades, observadas rigorosamente as disposições da LDO e a pertinência com o PPA, materializando, assim, um planejamento mais consistente e fornecendo referenciais para eventuais emendas por parte do Poder Legislativo, durante a apreciação da proposta, bem como critérios objetivos para aferição posterior da legitimidade das parcerias estabelecidas, para o acompanhamento da execução e para avaliação dos resultados alcançados. A faculdade de propor emendas é uma competência legítima do parlamentar, desde que o objeto pretendido se coadune com o programa de governo no qual é inserido e atenda tanto ao objetivo de reduzir desigualdades sociais e regionais quanto a critérios técnicos aplicáveis a todos os projetos de determinada ação governamental. O que parece ser necessário é a definição de critérios técnicos claros para a inclusão de emendas, de modo que elas possam realmente contribuir com a execução de políticas públicas. No que diz respeito à liberação dos recursos consignados no orçamento, há que se mencionar o risco de sua utilização como instrumento de barganha política implícito na sistemática de contingenciamento e na execução seletiva dos denominados restos a pagar. O represamento levado a efeito por meio desses instrumentos provoca a competição pelos recursos programados, expondo alguns integrantes do Poder Legislativo a barganhas políticas por parte do Poder Executivo, com vistas à composição de maiorias no Congresso. Primeiro o parlamentar precisa que sua emenda seja empenhada e liquidada e depois que a despesa seja efetivamente paga. É, sem dúvida, um grande instrumento de convencimento, pois o grau de discricionariedade nas duas etapas é elevado. [...] Não basta fazer lobby para que a despesa conste do 107 orçamento. É preciso, também, gastar tempo e empregar pessoas destinadas a percorrer ministérios para pressionar, primeiro, pela liquidação da despesa e, depois, pelo seu efetivo pagamento. As oportunidades de corrupção nesse sistema são inúmeras, aumentando ainda mais os custos de transação. (LIMA e MIRANDA, 2006:353-354). 3.3.2 Falhas na fase de análise técnica dos projetos apresentados pelas ONGs Nesta fase, em função dos recursos programados no OGU, a entidade (estado, município ou ONG) submete seu plano de trabalho ao órgão gestor dos recursos dos programas, que o analisará tecnicamente, com vistas à formalização do convênio ou instrumento congênere. Quando há contemplação nominal da entidade no OGU, deverá ela apenas elaborar o plano de trabalho e apresentar no órgão federal responsável pela descentralização. Se não há contemplação nominal, mas o programa orçamentário destina recursos para a região onde se localiza a entidade, esta deverá: 1º) avaliar as necessidades locais e a viabilidade de execução nas diversas áreas das demandas sociais contempladas em suas atribuições: saúde, educação, cultura etc.; 2º) verificar os programas em que essas necessidades se encaixam e os órgãos repassadores; 3º) elaborar solicitação das transferências, mediante apresentação de planos de trabalho. O órgão responsável pelos recursos do programa deve efetuar as análises técnicas das proposições de modo a garantir a verificação prévia de sua adequabilidade à ação orçamentária, da prioridade de intervenção, da avaliação quanto à necessidade local, à oportunidade, à conveniência, à viabilidade técnica e à exeqüibilidade dos objetos propostos com base no exame de seus custos, nas condições do proponente para sua consecução, dentre outros critérios técnicos objetivamente aferíveis e fundamentados em legislação própria (LRF, PPA, LDO, LOAS, etc.) integrantes do conjunto de exigências e procedimentos adotados pelo órgão ou entidade concedente, previamente publicados (PLDO/2008, art. 40, I). Do ponto de vista do controle, esta é a fase mais efetiva e menos onerosa no ciclo das transferências: a antecedente. É nela que deve ocorrer a depuração e a validação do plano de trabalho, que representa o planejamento das ações a serem executadas. A efetividade do controle nas demais fases, quais sejam, acompanhamento e fiscalização da execução (concomitante) e análise da prestação de contas e avaliação de resultados (subseqüente), depende fundamentalmente dos parâmetros estabelecidos nesta primeira fase. 108 As transferências para ONGs é uma questão crítica que tem sido reiteradamente objeto de determinações do TCU aos órgãos concedentes, principalmente em relação a duas irregularidades que embutem elevados riscos desvio e ineficiência, além de representarem um abuso na prática de atos discricionários, quais sejam: a) a aprovação de proposições sem adequada avaliação da qualificação técnica e capacidade operacional (administrativa, gerencial, etc.) da entidade para executar os objetos propostos; e b) a ausência de critérios objetivos previamente estabelecidos e divulgados, bem como de justificativa para a escolha das ONGs beneficiadas. Citam-se, a propósito, trechos do relatório do Ministro-relator do Acórdão TCU 2.066/2007–Plenário, decorrente da consolidação de auditorias realizadas sobre convênios celebrados por oito órgãos federais com dez ONGs, em oito estados, no período de 1999 a 2005, envolvendo recursos no montante de R$ 150,7 milhões: 3.2.38 [...] questão que merece ser destacada é a ausência de critérios transparentes para a escolha das ONG que receberão recursos por meio de convênios e instrumentos similares. Não há publicação de edital para habilitação e seleção das entidades que prestarão serviços à comunidade, nem sequer a utilização dos títulos jurídicos atribuídos pelo Poder Público como critério avaliativo na escolha das entidades convenentes, embora, é bom que se destaque, a qualificação ou título jurídico, seja qual for, não elide a avaliação técnica das proposições e a aferição da legitimidade das parcerias e do interesse público recíproco nelas envolvido. No mesmo sentido o voto do Ministro-relator do Acórdão TCU 641/2007– Plenário, decorrente da consolidação de auditorias em 46 convênios, contratos de repasse e instrumentos similares celebrados por dezessete órgãos federais com 21 prefeituras e duas ONGs sediadas nos estados de AC, AL, BA, CE, ES, MG, PA, PE, PI, PR, RN, RO, SC, SE, SP, no período de 2003 a 2005, envolvendo recursos de R$ 15,3 milhões: 10. Esta amostragem é significativa para evidenciar defeitos que, de alguma forma, comprometem a eficácia na implementação de políticas públicas preordenadas ao atingimento de objetivos sociais, uma vez que se pode verificar o não atendimento a critérios objetivos de seleção e aprovação das propostas, prescindindo de uma adequada avaliação de indicadores sociais e econômicos aptos a orientar uma aplicação mais eficaz do dinheiro público. Ressalte-se que a obrigatoriedade de observância de determinados critérios é estabelecida legalmente, e mesmo assim negligenciada. Além da LDO, há outros dispositivos, como por exemplo, o Decreto 93.872, de 1986, que em seu art. 60 enumera uma série de 109 condicionantes para que uma entidade possa ser contemplada com recursos orçamentários, dentre os quais, a de ter sido considerada em condições de funcionamento satisfatório pelo órgão competente de fiscalização, dispor de patrimônio ou renda regular, não dispor de recursos próprios suficientes à manutenção ou ampliação dos serviços. Nunes (2006:82) informa que, em Pernambuco, a Promotoria de Justiça, quando solicitada, expede atestados, mediante visitas do próprio Promotor e/ou assistente social do quadro do Ministério Público, que fazem verificação de livros, quadro técnico, colaboradores, cumprimento de disposições estatutárias e infra-estrutura em geral para subsidiar o processo de análise de repasse de determinados tipos de recursos pelo Governo daquele Estado. Infelizmente, no âmbito da União, não se verificou a aferição da qualificação técnica e da capacidade operacional das entidades em nenhuma das auditorias realizadas pelo TCU, pesquisadas neste trabalho. Ademais, as proposições aprovadas não apresentam consistência, não permitem adequada compreensão dos meios e dos objetivos propostos. Os objetos não são definidos com precisão. Faltam especificações completas de seus elementos característicos, descritas de forma detalhada, objetiva e clara, de modo a permitir a identificação exata do que se pretende realizar ou obter. A descrição das metas, via de regra, é feita de forma genérica, de difícil entendimento. Não trazem informações, qualitativas e quantitativas, de modo a permitir avaliar os objetivos que se pretende atingir, como as ações serão realizadas e o que se obterá concretamente em termos de produtos ou serviços a serem prestados à comunidade. Um padrão de irregularidades, caracterizado pela superficialidade e insuficiência das avaliações técnicas das propostas de convênios e ajustes similares, se estabeleceu em praticamente todos os órgãos da administração federal, conforme revela o relatório do Acórdão TCU 2.261/2005–Plenário, decorrente de consolidação de auditorias realizadas pela 4ª, 5ª e 6ª Secretarias de Controle Externo e pelas Secretarias de Controle Externo nos Estados de São Paulo e Rio Grande do Sul, em 109 convênios celebrados por 14 órgãos federais com ONGs, no período de 1998 a 2004, envolvendo recursos de R$ 42,7 milhões, que levou, inclusive, a situações de desvio de finalidade na aplicação de recursos do OGU, viabilizadas pela prática de apresentação e aprovação de planos de trabalho com objetivos de cunho excessivamente abrangente e de caráter difuso: 3.4.1 Irregularidades recorrentes nos processos examinados. O padrão adotado consiste em análises meramente superficiais e tão-somente pro 110 forma, tendo sido constatado, inclusive, pareceres com datas posteriores ou incompatíveis com as datas de celebração dos convênios. 3.4.2 Os pareceres técnicos se limitam quase sempre a reescrever o plano de trabalho, sem qualquer análise crítica. Nunca se examina o mérito do convênio. Os pareceres jurídicos se resumem basicamente na conferência das certidões de regularidade fiscal. 3.4.3 Ressalvadas raras exceções, não se procede a qualquer avaliação quanto à necessidade local, oportunidade, conveniência, viabilidade técnica e exeqüibilidade dos objetos propostos. 3.4.4 A auditoria também não conseguiu encontrar nenhum caso em que os custos dos objetos propostos tenham sido analisados e documentados [...]. Isto leva à celebração de convênios com custos superdimensionados [...]. Outro fator que contribui para a realização de análises superficiais dos planos de trabalho, é a liberação de recursos concentrada apenas no final do exercício, gerando acúmulo de planos de trabalho a serem examinados em exíguo espaço de tempo, resultando em avaliações imperfeitas, efetuadas a “toque de caixa”, sob pressões políticas com vistas à liberação dos recursos, empenhamento e/ou inscrição em restos a pagar. As deficiências dessas avaliações potencializam a ocorrência de irregularidades nas fases subseqüentes do ajuste, configurando uma correlação, do tipo causa-efeito, entre a negligência nesta fase e as irregularidades praticadas nas demais. Ou seja, a atuação irregular dos convenentes, em boa parte, é facilitada pela ação dos concedentes. Foi o que apontou o relatório do Acórdão TCU 2.066/2006–Plenário: 3.2.29 Não é difícil inferir, em face da quantidade e semelhança das sistêmicas falhas concentradas na fase de análise das proposições e pactuação dos convênios, que o que se tem caracterizado tão somente como “irregularidades formais”, na verdade constituem acintosas omissões, ou até mesmo ações deliberadas para dificultar a efetividade do controle nas fases subseqüentes, tornando inviável a avaliação objetiva da execução dos convênios, dos resultados alcançados e das respectivas prestações de contas. 3.2.30 Está claro, com base não apenas nesta, mas também em outras FOC consolidadas no âmbito desta Secretaria [Adfis], que falhas aparentemente formais verificadas na fase de análise das proposições e pactuação de convênios – como a descentralização de ações a entidades que não dispõem de condições para executá-las, objetos sem definição precisa, metas sem descrição qualitativa e quantitativa do que se pretende realizar ou obter, custos não avaliados, entre outras – se não tem o objetivo de facilitar, terminam por propiciar enormes facilidades à ocorrência de irregularidades na fase de execução e na montagem posterior de prestação de contas. 111 No mesmo sentido apontou o relatório final da CPMI: A apreciação das propostas de convênios firmados com prefeituras municipais e OSCIPs envolvidas com o Grupo Planam, bem assim a fiscalização e as análises das respectivas prestações de contas, além de terem sido viciadas, em muitos casos, pelo desvio de conduta dos servidores cooptados pela quadrilha, foram procedidas burocraticamente, apenas com o fito de cumprir formalidades, em completo descompromisso com os fins mais elevados do uso da coisa pública e com o zelo que se exige ao lidar com ela (V.I, p.20). Paralelamente ao desvio de conduta de gestores públicos e parlamentares, e até como conseqüência dele, essa irregularidade está na gênese dos problemas envolvendo convênios. Tal característica é recorrente e dificulta sobremaneira a fiscalização por parte dos órgãos competentes (V.II, p.556557). [...] Diante da realidade vivida por esta Comissão resta a legítima dúvida se estamos verdadeiramente diante de falhas ou de ações deliberadas para inviabilizar a fiscalização (V.II, p.584). Como já mencionado, a presença de fatores indutores de corrupção e de fraudes, sejam eles condicionantes ou circunstanciais, tem por sintoma a inércia ou a resistência à implementação de sistemas, métodos e recomendações; a implementação imperfeita, ‘equivocada’, de determinações, bem como a existência de projetos de melhorias organizacionais, processos ou métodos de trabalho com prazos de implementação inexplicavelmente longos. A tal respeito, menciona-se trecho do relatório da CPMI (V.II, p. 653) sobre “a existência de esquemas articulados que agem em detrimento do interesse público no que concerne às transferências voluntárias, e, de outro lado, que toda a sorte de normas definidas para estas contratações não só foi incapaz de impedir ilícitos como, de fato, os alimentou.” Acrescente-se a esses esforços normativos e regulatórios dos poderes Legislativo e Executivo, as incontáveis determinações do TCU e recomendações da CGU, com vistas à obrigatoriedade de estrita observância a dispositivos legais e, nada obstante, a situação persiste ao longo do tempo, gerando um efeito de recursividade nas irregularidades e inovando-se o modus faciendi a cada tentativa de correção dos problemas. Tal recursividade, repousada na inércia de se adotar providências efetivas e na resistência não-explícita de se implementar soluções, favorece a atuação de mal intencionados no processo. Só a esse grupo, aos mal intencionados, interessa a manutenção desse estado de coisas, que permite a cada um levar a parte que considera “legítima” nos recursos 112 operacionalizados: do agente patrocinador (alocação e liberação dos recursos), passando pelo agente executor (prefeitos, dirigentes de ONGs etc.) e até os demais agentes vinculados à cadeia de execução das transferências (fornecedores, lobistas, responsáveis por processos de aquisição, atestação, fiscalização etc.), como bem ilustra o excerto da denúncia formulada pelo Ministério Público Federal (MPF), que integra o relatório final da CPMI (V.I, p.13-14): O “esquema” foi estabelecido de forma circular e retro-alimentante. Atuou na origem da verba federal, logo após a votação do orçamento da União, monitorou a liberação dos recursos, interferiu ilicitamente em todas as fases da licitação e na execução do objeto licitado, controlou os gastos com a aquisição de veículos, equipamentos médicos e hospitalares e distribuiu ilicitamente parte desta verba arrecadada. Atuou, pois em toda a seqüência de atos administrativos, de sua fase antecedente e preparatória, qual seja, de apresentação de emendas junto à Comissão Mista de Orçamento do Congresso Nacional, à aprovação dos planos de trabalho e projetos técnicos perante o Fundo Nacional de Saúde, na assinatura dos convênios, na liberação dos recursos, na adjudicação do processo de licitação, na liquidação das despesas e na prestação de contas. Isto é, nenhuma etapa de tramitação do processo, político ou burocrático, fugiu ao controle da organização criminosa, de modo que foi estabelecido um domínio permanente sobre todo o fluxo de recursos federais destinado à execução de parcela substancial da política pública de saúde (e de outros programas governamentais, v.g., de inclusão digital). No que diz respeito às oportunidades de fraudes e corrupção no sistema, ressaltese que elas são maximizadas, ou até mesmo intencionalmente condicionadas, pelas indicações e nomeações políticas de integrantes da estrutura de órgãos públicos, em cargos estratégicos, como demonstrou o recente escândalo dos “sanguessugas”, em relação à assessora especial do Ministério da Saúde, figura central no esquema criminoso investigado pela CPMI. No tocante à disponibilidade de recursos materiais, humanos e tecnológicos, o quadro que se constata na administração pública federal é de desaparelhamento para o bom desempenho das atividades, tanto desta como de todas as demais fases das transferências. O relatório da CPMI compilou os seguintes problemas, detectados pelos órgãos de controle (V. II, p.19) e apontados pelos ministros do Planejamento (V.II, p.632-633) e do Controle e da Transparência (V.II, p.639-640): a) ausência ou deficiência nos sistemas informatizados de gestão de convênios; processo de controle manual, lento, na celebração e no acompanhamento dos convênios; 113 b) falta de especificações técnicas pré-definidas e de parâmetros de custos pré-estabelecidos para adequada análise das propostas; c) corpo funcional insuficiente nos órgãos repassadores, em quantidade e qualidade, para execução de análise acurada das propostas; d) propostas apresentadas no encerramento do exercício (pressão para aprovação com vistas à liberação de recursos ou inscrição em restos a pagar). 3.3.3 Falhas na fase de execução e no seu acompanhamento e fiscalização Nesta fase os recursos empenhados são liberados para uma conta bancária do convenente, vinculada especificamente ao convênio, contrato de repasse ou outro ajuste celebrado, na qual também deve ser depositada a contrapartida financeira acordada. A gestão da referida conta submete-se a disposições específicas (art. 20, IN STN 1/97), devendo os recursos liberados, enquanto não empregados na sua finalidade, ser objeto de aplicação financeira e a sua movimentação ser realizada, exclusivamente, mediante cheque nominativo, ordem bancária, transferência eletrônica disponível ou outra modalidade de saque autorizada pelo Banco Central, em que fique identificada a sua destinação e, no caso de pagamento, o credor. O convenente, então, tomará todas as providências a seu cargo, com vistas a concretizar o projeto, a atividade ou o evento pactuado. Promoverá os procedimentos licitatórios, as contratações, as aquisições e as demais atividades necessárias à sua consecução. O órgão ou entidade concedente, por sua vez, tem o dever legal de acompanhar e fiscalizar in loco todas essas atividades, verificando o adequado cumprimento do objeto pactuado e a legalidade dos procedimentos adotados. Quando a liberação de recursos estiver prevista para ocorrer em mais de uma parcela, a legislação exige que as parcelas subseqüentes à primeira somente sejam liberadas quando tiver havido comprovação da boa e regular aplicação da parcela anteriormente recebida. As auditorias do TCU destacam que a negligência nos procedimentos da fase preliminar de avaliação técnica das propostas e das condições técnicas e operacionais das entidades convenentes para executá-las, associado à falta de acompanhamento, de fiscalização e de transparência na execução reduz, praticamente a zero, a expectativa de controle em relação à boa e regular aplicação dos recursos. 114 Ora, se em fase anterior deixaram de ser estabelecidos os parâmetros de controle, como especificações técnicas, custos, metas quantitativas e qualitativas e, na fase de execução, o acompanhamento e a fiscalização por parte dos órgãos concedentes é praticamente inexistente, a malversação, o desvio e a apropriação de recursos, dentre outros crimes contra a administração pública, têm campo fértil para prosperar. A esse respeito, o relatório do Acórdão TCU 2.066/2006–Plenário, destacou: 3.3.10 Agora se constata que também a fase de acompanhamento e fiscalização da execução está sendo negligenciada pelos entes concedentes, aprofundando ainda mais a já pouca expectativa de controle por parte das entidades convenentes e impedindo a adoção de medidas tempestivas para corrigir a série de conseqüências nefastas que daí pode resultar, tais como o risco de descumprimento do objeto por inexecuções, execuções parciais ou imperfeitas, a malversação e o desperdício dos recursos transferidos. Tal situação é agravada, mais uma vez, pelo fato de os órgãos concedentes não disporem de estrutura suficiente. Situação, aliás, já há muito apontada pelo TCU, conforme deixou assente o voto do Ministro-relator do Acórdão TCU 788/2006–Plenário: 9. Constata-se, aliás, que, entre os achados das fiscalizações de orientação centralizada, os de maior relevância dizem respeito a deficiências já identificadas em deliberações anteriores deste Tribunal e nos estudos acerca do tema promovidos pela Controladoria-Geral da União. A recorrência dessas falhas na transferência de recursos federais por convênios e contratos de repasse aponta para deficiências estruturais dos órgãos repassadores, controles inexistentes ou ineficientes e falta de servidores habilitados a analisar e fiscalizar a descentralização de recursos em número compatível com o volume de instrumentos celebrados. Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo (Dinheiro público pelo ralo), de 7/8/2006, o Ministro-chefe da Controladoria-Geral da União, Jorge Hage, concordou com as conclusões do TCU: Esse desaparelhamento dos órgãos é uma questão histórica”, disse o Ministro, acrescentando que o “o governo federal descentralizou a execução orçamentária ao longo dos anos, mas não cuidou do aparelhamento adequado da administração pública para acompanhar a aplicação dos recursos transferidos a Estados e municípios. A descentralização foi uma opção correta, mas deveria ter sido acompanhada da montagem de uma estrutura que permitisse aos órgãos públicos verificar, até mesmo in loco, se o dinheiro está sendo aplicado de acordo com os convênios assinados. 115 O relatório da CPMI, por sua vez, relaciona os seguintes problemas, em relação a esta fase (V.II, p. 640), com base em informações, prestadas pelo Ministro do Controle e da Transparência, encontradas de maneira mais repetida pelas equipes de auditoria da CGU: a) fiscalização não-confiável devido à falta de parâmetros adequados, que deveriam constar do Plano de Trabalho; b) ausência de fiscalização, ou fiscalizações tecnicamente deficientes, resultado inevitável da situação, independentemente da carência de pessoal adequado nos ministérios repassadores, que é outra realidade determinante do problema; c) existência de elevado percentual de servidores terceirizados nos ministérios, em níveis intoleráveis, inclusive atuando em áreas críticas como acompanhamento da execução e prestação de contas de convênios. O resultado do quadro descrito, como é de se inferir, é uma pluralidade de falhas, fraudes, desvios e outras irregularidades praticadas contra o tesouro público, resultando em prejuízo à sociedade, que custeia tais ações, e, que deveria ser beneficiária de seus produtos. Locupletam-se grupos privilegiados, por um variado cardápio de irregularidades, tais como: transferência dos recursos da conta específica para outras contas; realização de saques, em espécie, ou saque total dos recursos sem correspondência com o cronograma físico-financeiro; utilização dos recursos em finalidade diversa da prevista e para despesas de manutenção do próprio convenente; remuneração indevida de funcionários e dirigentes de ONGs; realização de despesas sem comprovação ou comprovadas mediante notas fiscais falsas, “frias” e “clonadas”; pagamentos por fornecimentos não realizados, simulações de fornecimentos, falsas medições e atestação de obras e serviços, superfaturamento quantitativo e qualitativo; compras sem licitação, direcionamento de licitação, simulação e fraude nos processos licitatórios; falta de aporte da contrapartida ou falsa comprovação desta; inexecução do objeto, execução parcial, imperfeita ou viciada, desvio dos recursos e inexistência do objeto pago; utilização do ajuste para promoção pessoal e para fins eleitoreiros, dentre outras. Enfim, materializa-se aqui, nesta fase, toda a sorte de ilícitos que as falhas da sistemática permitem, sejam elas resultado de ações ardilosamente planejadas desde as fases anteriores do processo, como no caso do escândalo dos “anões do orçamento” ou do mais recente “sanguessugas”, seja em função das deficiências materiais, humanas e tecnológicas, já exaustivamente apontadas, dos órgãos repassadores, dentre as quais, controles inexistentes ou ineficientes, mecanismos de transparência insuficientes, ausência ou deficiência nos sistemas 116 informatizados, falta de servidores habilitados para analisar e fiscalizar a descentralização dos recursos em número compatível com o volume de instrumentos celebrados. 3.3.4 Falhas na fase de análise de resultados e prestações de contas A prestação de contas é a última fase da transferência, e constitui-se em obrigação legal de a entidade comprovar a boa e regular aplicação dos recursos públicos a ela confiados, na forma disciplinada pelo Estado. Caso a prestação de contas não seja apresentada no prazo convencionado, e, depois de notificada a apresentá-la, a entidade não o fizer, o órgão ou entidade concedente tem o dever legal de registrar a omissão no Siafi e determinar a instauração da competente tomada de contas especial com o objetivo de apurar responsabilidades e quantificar os danos causados ao Erário. Recebida a prestação de contas, o prazo legal para análise e aprovação (ou não), por parte do órgão ou entidade concedente, é de até sessenta dias. Com base no acompanhamento e fiscalização in loco realizados na etapa anterior, bem como em outros instrumentos de avaliação do programa ou ação de governo ao qual a transferência se vincula, deverá a unidade técnica do órgão repassador avaliar, e consignar em seu parecer, o atingimento dos objetivos previstos no convênio ou instrumento congênere, bem como os resultados alcançados. As já mencionadas auditorias do TCU apontam que as análises das prestações de contas são superficiais, até mesmo deficientes, em dissonância com as informações e elementos presentes no processo, revelando que os pareceres são meramente pro forma, apenas para cumprir ritos legais e que não há procedimentos de avaliação dos resultados alcançados em termos de benefícios, impactos econômicos ou sociais ou, ainda, no tocante à satisfação do público-alvo em relação aos objetos implementados. Enfim, as análises de resultado, que deveriam constar dos pareceres sobre as prestações de contas, não permitem que se tenha qualquer idéia sobre a eficácia e a efetividade das ações executadas. O relatório do Acórdão TCU 2.066/2006–Plenário, evidencia bem essa situação: 3.3.3 As avaliações técnicas da execução e atingimento dos objetivos dos convênios (IN STN n. 1/1997, art. 30, § 1º, inciso I) são superficiais, realizadas sobre relatórios apresentados pelas convenentes, sem evidência de averiguações mais aprofundadas quanto à consistência das informações 117 recebidas. Baseiam-se tão somente nas informações corriqueiras das prestações de contas, sem suporte em relatórios de fiscalização e/ou acompanhamento local da execução do objeto. Além do expressivo número de convênios e instrumentos similares aprovados pelos órgãos repassadores, nos quais auditorias do TCU encontraram irregularidades graves, há, ainda, os casos em que tais prestações de contas não são analisadas de modo algum, seja porque a entidade omitiu-se no dever de prestar contas, seja porque os órgãos/entidades concedentes, em função das deficiências já apontadas, não procederam às análises das prestações de contas apresentadas. Tal situação, aliás, constitui uma, dentre as demais analisadas no relatório do voto que motivou o Acórdão TCU 788/2006–Plenário: 48. [...] iv) não cumprimento dos prazos estipulados pelo art. 31 da IN/STN 01/97 para conclusão da análise das prestações de contas apresentadas, o que propicia que convenentes que não estejam com situação de fato regularizada quanto à transferência de recursos anteriormente feita continuem a celebrar convênios com a Administração Pública Federal, em decorrência de não se fazer tempestivamente o registro da inadimplência no Siafi. Já no relatório sobre as Contas do Governo da República de 2005 (p.164-6), o Tribunal de Contas manifestou preocupação quanto ao fato de muitos entes da Federação e ONGs continuarem recebendo recursos federais sem que tenham prestado contas ou tenham tido suas contas analisadas. Tal descaso também foi alvo atenção da CPMI (V.II, p.561) ao analisar relatório de auditoria produzido pelo TCU: Como bem lembra a equipe de auditoria, ‘a mera apresentação da prestação de contas não autoriza a liberação de novas parcelas, pois a boa e regular aplicação da parcela anteriormente transferida só se comprova por meio de minuciosa análise e conseqüente aprovação e não somente com sua apresentação.’ Esse tipo de irregularidade demonstra não apenas a desestruturação dos órgãos e entidades que gerenciam a execução dos programas de governo, mas também uma razoável disposição para expor os recursos públicos a um nível de risco intolerável, por parte daqueles que continuam a realizar transferências de recursos cuja boa e regular aplicação não será capaz de averiguar. O relatório final da CPMI (V.II, p.640), por sua vez, cita como principais problemas desta fase: 118 a) análises superficiais das prestações de contas, em função de que as propostas não são adequadamente formuladas, e da ausência de fiscalização; b) ausência de informações suficientes sobre os processos licitatórios nas prestações de contas; c) baixa utilização de meios eletrônicos que permitam o cruzamento de dados críticos. Em 31/12/2006, havia 478 convênios, contratos de repasse e termos de parceria celebrados com ONGs, cuja vigência já se encontrava expirada desde 31/12/2005, sem que as prestações de contas, relativas a um montante de R$ 107,75 milhões tenham, sequer, sido apresentadas aos órgãos e entidades que transferiram os recursos. O atraso médio na entrega dessas prestações de contas, em toda a administração pública federal, supera três anos, chamando a atenção o caso do Ministério da Ciência e Tecnologia que responde por um quarto dos recursos repassados e pelo maior número de instrumentos sem contas apresentadas. Quadro 3.3 Prestações de Contas não Apresentadas Convênios e outros ajustes celebrados com ONGs ÓRGÃO SUPERIOR CONCEDENTE QTDE. VALOR (R$ Milhões) % ATRASO MÉDIO (Meses) Ministério da Ciência e Tecnologia 158 27,05 25% 26 Ministério da Integração Nacional 52 20,48 19% 53 Ministério do Desenvolvimento Social e C. Fome 20 15,79 15% 128 Ministério do Desenvolvimento Agrário 81 15,21 14% 20 Ministério da Educação 31 9,76 9% 33 Ministério da Saúde 18 5,11 5% 33 Ministério do Meio Ambiente 35 3,50 3% 21 Ministério do Turismo 6 2,44 2% 20 Ministério da Cultura 10 1,94 2% 28 Ministério da Agricultura 5 1,78 2% 59 Presidência da República 5 1,35 1% 22 Ministério do Esporte 4 1,01 1% 19 Outros (oito órgãos) 53 2,33 2% 46 478 107,75 100% 41 Total Fonte: Siafi Atraso computado a partir de 60 dias da data de expiração do convênio, conforme IN-STN 01/97 No que diz respeito às prestações de contas já apresentadas, mas ainda não analisadas pelos órgãos transferidores, havia, em 31/12/2006, 6.522 processos nessa situação, 119 representando R$ 1,9 bilhões que, somando-se às prestações de contas não apresentadas, ultrapassa o montante de R$ 2 bilhões, cuja aplicação o governo desconhece os resultados. Quadro 3.4 Prestações de Contas não Analisadas Convênios e outros ajustes celebrados com ONGs ÓRGÃO SUPERIOR CONCEDENTE Ministério da Saúde QTDE. VALOR (R$ Milhões) % ATRASO MÉDIO (Meses) 259 554,96 29% 32 Ministério da Ciência e Tecnologia 1.028 418,23 22% 27 Ministério do Trabalho e Emprego 63 246,52 13% 33 3.101 209,99 11% 54 Ministério do Esporte 432 98,89 5% 58 Ministério do Turismo 228 92,07 5% 39 Ministério do Desenvolvimento Agrário 229 78,87 4% 23 Ministério da Agricultura 245 55,65 3% 28 Ministério da Cultura 226 47,03 2% 49 Ministério da Integração Nacional 144 44,33 2% 47 Ministério do Meio Ambiente 80 23,90 1% 30 Presidência da República 82 11,79 0,5% 17 Ministério do Desenvolvimento Social e C. Fome 13 10,53 0,5% 36 392 22,22 1% 34 6.522 1.914,98 100% 35 Ministério da Educação Outros (onze órgãos) Total Fonte: Siafi Atraso computado a partir de 120 dias da data de expiração do convênio, conforme IN-STN 01/97 Em termos médios, a idade dos processos pendentes de análises em toda a administração pública federal, chega a quase três anos e, mais uma vez, chama atenção o caso do Ministério da Ciência e Tecnologia, com mais de um quarto do volume de recursos. Essa demora na análise das prestações de contas, de responsabilidade dos órgãos e entidades repassadores constituem um gargalo, na verdade um óbice, à atuação da CGU, do TCU, do MPF e da AGU, no exercício de suas respectivas competências, uma vez que a atuação destes deve ser precedida dos seguintes procedimentos, de maneira simplificada (NÓBREGA, 2006:3-4, com adaptações): 1. Conclusão dos órgãos e entidades repassadores quanto à correta e regular aplicação dos recursos; 2. Em caso de irregularidades, cobrança para que os convenentes supram as irregularidades constatadas; 3. Não supridas tais irregularidades, registro da inadimplência no Siafi; 4. Se ainda assim não supridas as irregularidades, instauração de tomadas de contas especiais (TCE) pelos órgãos e entidades repassadores; 5. Conclusão da TCE, identificando prejuízo à União e a responsabilidade por 120 esse prejuízo; 6. Remessa da TCE para que a CGU aprecie a sua regularidade formal; 7. Remessa da TCE pela CGU ao TCU para julgamento das contas e imputações decorrentes (ressarcimento do dano ou prejuízo e multas aos responsáveis). Somente com esse julgamento é que o MPF será acionado, por meio de representações (notitia criminis) encaminhadas pelo TCU, para promover as ações cabíveis (penais e de improbidade administrativa), bem como também a AGU para promoção das ações executivas, face aos acórdãos proferidos pelo TCU. Resta claro que a repressão aos atos de corrupção e desvios está absolutamente comprometida, uma vez que, ao se chegar aos últimos elos dessa cadeia de procedimentos, já estará presente o manto da prescrição e, ainda que não, a extinção da punibilidade, na grande maioria dos casos, provavelmente ocorrerá, dada a necessidade de procedimentos específicos nos órgãos que atuam na fase final. 3.4 INDICATIVOS DE SOLUÇÃO NA SISTEMÁTICA DE CONTROLE Sem a pretensão de esgotar o detalhamento das medidas que se fazem necessárias, mencionam-se as oportunidades de melhorias, algumas já determinadas pelo TCU, outras já deliberadas pelo Congresso Nacional, outras, ainda, apontadas pela CPMI, em estudo no âmbito do Poder Executivo e em fóruns especiais. As medidas visam a melhorar o arcabouço normativo, racionalizar e tornar mais objetivos e auditáveis os processos, dotar o Poder Público da estruturação mínima necessária, em termos de recursos humanos, materiais e tecnológicos para o aperfeiçoamento dos mecanismos de gestão, de controle e de transparência das ações. Em síntese, objetivam uma elevação do nível de accountability, viabilizado por um sistema de governança pública mais fortalecido e de controle social mais efetivo. Tais medidas, em seu conjunto, têm por pano de fundo a maximização da expectativa de controle, a transparência e a publicidade das ações, a redução da impunidade e o aumento do comprometimento dos atores envolvidos com a eficiência e a efetividade da implementação das políticas públicas. No tocante à estruturação mínima necessária para que órgãos e entidades da administração pública exerçam adequado controle da aplicação das verbas transferidas, o TCU prolatou o Acórdão TCU 788/2006–Plenário, nos seguintes termos: 121 9.1. determinar ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão que, em conjunto com os órgãos e entidades da Administração Pública Federal (Direta e Indireta) que realizem transferências voluntárias de recursos mediante convênios, acordos, ajustes, contratos de repasse ou instrumentos congêneres, em especial a Caixa Econômica Federal (CEF), a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), o Fundo Nacional de Saúde, o Ministério da Integração Nacional, a Companhia do Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, o Ministério do Desenvolvimento Agrário, o Ministério dos Esportes, o Ministério da Cultura e o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), elabore estudo técnico com vistas a dotar os órgãos e entidades repassadores de recursos públicos federais da estrutura mínima necessária ao bom e regular cumprimento de seus fins, a ser apresentado a este Tribunal no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, o qual deverá comportar, para cada órgão ou entidade: 9.1.1. identificação da estrutura de recursos humanos e materiais atualmente disponível para o cumprimento dessa finalidade; 9.1.2. identificação da estrutura de recursos humanos e materiais mínimos necessários à sua boa atuação nas três etapas de controle da transferência voluntária de recursos públicos federais (o exame e aprovação dos pedidos, o acompanhamento concomitante da execução e a análise das prestações de contas), tomando-se como parâmetro, sobretudo, o montante anual de recursos repassados e o objeto da atuação de cada órgão ou entidade; 9.1.3. as providências a serem adotadas pelo órgão ou entidade e pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão para dotar o órgão ou entidade dos recursos mínimos mencionados no item 9.1.2; 9.1.4. o cronograma de implementação dessas providências, contemplando toda a programação e o prazo de conclusão; 9.2. recomendar ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão que avalie a possibilidade de criação ou modificação de sistema de informática que permita o acompanhamento on-line pelo menos em parte dos convênios, acordos, ajustes, contratos de repasse ou outros instrumentos congêneres, compreendendo a sinalização automática daqueles que mostrem comportamento discrepante; [...] Cônscio de que fiscalizar e acompanhar a grande quantidade de ações públicas descentralizadas por meio de transferências aos diversos entes da Federação e às milhares de ONGs, mesmo com a estruturação determinada no Acórdão precedente continuará sendo tarefa difícil de executar se não contar com a participação da sociedade, o Tribunal considerou imprescindível ampliar os mecanismos de transparência para oferecer aos cidadãos os meios 122 adequados para que exerçam o controle social dessas ações. Assim, prolatou o Acórdão TCU 2.066/2006–Plenário, com o seguinte teor: 9.1. determinar ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão que, para possibilitar a transparência que deve ser dada às ações públicas, como forma de viabilizar o controle social e a bem do princípio da publicidade insculpido no art. 37 da Constituição Federal de 1988 c/c o art. 5º, inciso XXXIII, da mesma Carta Magna, no prazo de 180 (cento e oitenta dias), apresente a este Tribunal estudo técnico para implementação de sistema de informática em plataforma web que permita o acompanhamento on-line de todos os convênios e outros instrumentos jurídicos utilizados para transferir recursos federais a outros órgãos/entidades, entes federados e entidades do setor privado, que possa ser acessado por qualquer cidadão via rede mundial de computadores, contendo informações relativas aos instrumentos celebrados, especialmente os dados da entidade convenente, o parlamentar e a emenda orçamentária que alocaram os recursos, se houver, o objeto pactuado, o plano de trabalho detalhado, inclusive custos previstos em nível de item/etapa/fase, as licitações realizadas com dados e lances de todos os licitantes, o status do cronograma de execução física com indicação dos bens adquiridos, serviços ou obras executados, o nome, CPF e dados de localização dos beneficiários diretos, quando houver, os recursos transferidos e a transferir, a execução financeira com as despesas executadas discriminadas analiticamente por fornecedor e formulário destinado à coleta de denúncias; 9.1.1. página do referido sistema deverá ser disponibilizada em local visível dos sítios de todos os órgãos/entidades que realizem transferências voluntárias, permitindo filtrar consultas aos instrumentos celebrados por cidade, estado, entidade convenente, número do ajuste, objeto, entre outros critérios de pesquisa, com vistas a maior acessibilidade e transparência possível; 9.1.2. com o intuito de exibir dados de todos os instrumentos celebrados no âmbito da administração pública federal (direta e indireta), deverá ser disponibilizada em portal específico página do mesmo sistema, permitindo acesso aos filtros de consultas do item precedente, além de outros que a característica consolidadora da página exigir; 9.1.3. as denúncias recebidas na forma do item 9.1 deverão ser objeto de tratamento prioritário nos órgãos/entidades concedentes, reportando-se as constatações e as providências tomadas à Controladoria-Geral da União e ao Tribunal de Contas da União; 9.2. determinar ao Conselho Nacional de Assistência Social do Ministério do Desenvolvimento Social que, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, para viabilizar a transparência necessária ao controle social, disponibilize, em sua página na rede mundial de computadores, as informações relativas aos títulos jurídicos sob sua responsabilidade (Registro e Cebas), incluindo o CNPJ, o 123 nome da entidade, a atividade de interesse social desenvolvida por ela, a data de sua fundação e seus dados completos de localização, inclusive sítio na rede mundial de computadores, quando houver, e-mail e telefones, nome, cargo e CPF dos integrantes de seus órgãos internos (conselhos e diretoria executiva), data de concessão, prazo de validade e discriminação dos benefícios associados ao título concedido com sua situação (regular, suspenso ou cancelado), e formulário destinado ao registro de denúncias; 9.3. determinar ao Ministério da Justiça que, no prazo de 120 (cento e vinte) dias, para complementar as informações atualmente fornecidas e viabilizar efetivamente o controle social, disponibilize em sua página na rede mundial de computadores a atividade de interesse social desenvolvida pela entidade qualificada como Oscip ou de Utilidade Pública Federal, a data de sua fundação e seus dados completos de localização, inclusive sítio na rede mundial de computadores, quando houver, e-mail e telefones, nome, cargo e CPF dos integrantes de seus órgãos internos (conselhos e diretoria executiva), data de concessão, prazo de validade e discriminação dos benefícios associados ao título concedido com sua situação (regular, suspenso ou cancelado), e formulário destinado ao registro de denúncias; [...] O Ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão declarou à CPMI (V.II, p.635), que está trabalhando com prioridade no projeto para a criação e implementação do sistema informatizado de controle de convênios de modo atender, integralmente, à determinação do Acórdão TCU 2.066/2006–Plenário. Por meio das Notas Técnicas 59/2006-SE e 12/2007-SE, o Ministério informou ao Tribunal os estudos e as medidas que estão sendo adotados com vistas ao cumprimento das decisões. Esses estudos estão sendo desenvolvidos sob coordenação do Ministério e com a participação da CGU, do Ministério da Fazenda e da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República, contemplando as seguintes diretrizes: informatização do processo, melhora no acompanhamento, promoção da transparência do processo e aperfeiçoamento da prestação de contas; melhora na qualidade dos projetos e parametrização dos objetos; redução do quantitativo de convênios; adequação de recursos humanos (concedente e convenente). Os estudos referidos prevêem as seguintes medidas principais: criação do Portal dos Convênios, de uso obrigatório para a celebração de convênios, contratos de repasse, termos de parceria e ajustes similares; 124 padronização dos convênios, inclusive mediante obrigatoriedade de projetos e orçamentos padronizados, bem como formulários para apresentação on-line de projetos, planos de trabalho e prestação de contas; obrigatoriedade da utilização de contrato de repasse em obras que atendam a determinados critérios; ampliação da atividade da Secretaria Federal de Controle Interno na fiscalização da execução dos convênios, além da implementação de parcerias com tribunais de contas estaduais e municipais; e elaboração e implantação de plano de capacitação dos servidores. O conjunto de medidas em curso modificará substancialmente o atual modelo de transferências orçamentárias da União, tanto em relação às ONGs como em relação aos estados e municípios. Dando início à concretização dessa estratégia, o Poder Executivo federal expediu o Decreto 6.170, de 25 de julho de 2007 (DOU 26/7/2007), alterando as normas e os procedimentos básicos relativos às transferências de recursos mediante convênios e instrumentos similares, cujas inovações e pontos relevantes são destacados a seguir: 1. instituição do SICONV – Sistema de Gestão de Convênios e do Portal dos Convênios, por meio do qual “a celebração, a liberação de recursos, o acompanhamento da execução e a prestação de contas dos convênios serão registrados, que será aberto ao público via Internet, por meio de página específica”, tendo o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG) como órgão central do sistema, ao qual compete estabelecer as diretrizes e normas a serem seguidas pelos órgãos setoriais (aqueles que realizarem transferências voluntárias de recursos) e demais usuários (art.13, §§1° e 2°); Poder Legislativo (mesas da Câmara e do Senado), Ministério Público, TCU e CGU têm acesso nato ao SICONV, podendo nele incluir informações (art.13, §3°); 2. criação da modalidade de descentralização “termo de cooperação” entre órgãos e entidades da administração pública federal, direta e indireta, para executar programa de governo, envolvendo projeto, atividade, aquisição de bens ou evento, mediante portaria ministerial (art.1°, §1°, III), vedada a celebração de convênios (art.2°, III); 3. criação do conceito de “padronização” de objetos, entendido como tal “o estabelecimento de critérios, por parte do concedente, especialmente quanto às características do objeto e a seu custo, a serem seguidos em todos os convênios ou contratos de repasse com o mesmo objeto.” (art.1°, §1°, IX); os órgãos e entidades concedentes publicarão em até 120 dias da data de publicação do Decreto, a relação dos objetos padronizáveis, devendo revê-la e 125 republicá-la anualmente (art.16 e parágrafo único); os objetos padronizáveis poderão ser adquiridos e distribuídos pelos próprios órgãos concedentes (art.15); 4. vedação de ajustes com estados e municípios de valor inferior a R$ 100 mil, permitido, para alcance desse limite, o consorciamento entre órgãos e entidades da administração pública direta e indireta daqueles entes e a pactuação que englobe vários programas e ações federais num mesmo ajuste (art.2°, I, c/c parágrafo único, I e II); 5. vedação de ajustes com ONGs que tenham como dirigentes membros de Poder, do Ministério Público, do TCU, ou de servidor público vinculado ao órgão concedente, bem como respectivos cônjuges, companheiros ou parentes até o 2° grau (art.2°, II, a e b); 6. obrigatoriedade de prévio cadastramento no SICONV das ONGs que pretendam celebrar convênio com órgãos ou entidades da administração publica federal, podendo o cadastro ser feito em qualquer um deles, ocasião em que a entidade comprovará os requisitos exigidos, apenas uma vez, permitindo a celebração de convênios com qualquer dos outros, enquanto estiver válido o cadastramento (art.3°); 7. previsão de chamamento público com o objetivo de selecionar projetos ou ONGs, do qual será dada ampla publicidade, especialmente por intermédio da divulgação na primeira página do sítio oficial do órgão ou entidade concedente, bem como no Portal de Convênios, contendo os critérios objetivos estabelecidos para a aferição da qualificação técnica e capacidade operacional da entidade para a gestão do convênio (arts. 4° e 5°); 8. obrigatoriedade, em qualquer convênio, de cláusula indicando a forma pela qual a execução do objeto será acompanhada pelo concedente, que deverá ser suficiente para garantir a plena execução física daquele (art.6° e parágrafo único); obras só poderão ser realizadas mediante contratos de repasse, salvo quando o concedente dispuser de estrutura para acompanhar a execução do convênio (art.8°); 9. explicitação de que as ONGs não se sujeitam à Lei de Licitações, devendo, no mínimo, realizarem cotação prévia de preços no mercado antes da celebração de contratos, observados os princípios da impessoalidade, moralidade e economicidade (art.11); 10. previsão de possibilidade de execução financeira do convênio, por parte do convenente, diretamente no Siafi, de acordo com normas a serem expedidas conjuntamente pelos Ministros da Fazenda e do Planejamento, Orçamento e Gestão (art.10, §8° e art.18); 11. obrigatoriedade de uma conta específica para cada instrumento de transferência (art.10, §3°, I), exclusivamente no Banco do Brasil ou na Caixa Econômica, que poderão atuar como mandatários da União para execução [financeira do convênio] e fiscalização (art.10), devendo figurar no contrato de repasse, como interveniente, a instituição pública 126 ou privada que ficar responsável pelo acompanhamento da regular aplicação dos recursos transferidos, nos casos em que o agente financeiro federal não detiver a capacidade técnica necessária para tal (parágrafo único, art.8°); 12. obrigatoriedade de depósito da contrapartida financeira na conta específica do convênio ou nos cofres da União, na hipótese dele ser executado diretamente no Siafi, em conformidade com o cronograma de desembolso (§1°, art.7°); 13. obrigatoriedade de identificação do beneficiário final em todos os pagamentos realizados à conta específica dos recursos recebidos da União e de depósito em sua conta bancária (§1°, art.10); excepcionalmente, e observados os limites a serem fixados no ato conjunto a ser expedido pelos Ministros da Fazenda e do Planejamento, poderão ser realizados pagamentos a beneficiários finais pessoas físicas que não possuam conta bancária, mediante mecanismo que permita a identificação, pelo banco, do beneficiário do pagamento (§2°, art.10); fornecedores e prestadores de serviços terão os pagamentos realizados exclusivamente mediante crédito em conta bancária de sua titularidade (§3°, II, art.10); as informações de toda a movimentação da conta específica serão transferidas ao Siafi e ao Portal dos Convênios, conforme normas a serem expedias no ato conjunto dos Ministros da Fazenda e do Planejamento (§3°, III, art.10); 14. redução dos prazos para apresentação e apreciação das prestações de contas. Antes, o convenente tinha prazo de até 60 dias, contados da data de expiração do convênio, para apresentar a prestação de contas. Agora deve apresentá-la em até 30 dias da data do último pagamento realizado (art.10, §6°); o concedente, que antes tinha prazo de até 60 dias para apreciar as contas recebidas (contados da data de seu recebimento), ganhou um prazo maior, deve agora apreciá-las em até 90 dias (art.10, §7°). O objetivo principal das novas regras, conforme nota divulgada no sítio oficial do MPOG (BRASIL, 2007) é “dar mais transparência para a sociedade dos convênios assinados com recursos públicos e desta forma inibir o desvio.” Na mesma nota, o Ministro do Planejamento e o Ministro-Chefe da CGU esclarecem que as medidas poderão trazer redução de aproximadamente 15 mil processos de convênios por ano (a cada ano são realizados cerca de 32 mil convênios) gerando economia operacional de cerca de R$ 1,5 bilhão. O CNAS/MDS e o Ministério da Justiça já estão contemplando, nos sistemas atualmente em implantação nos respectivos órgãos, as informações relativas ao atendimento aos itens 9.2 e 9.3 do Acórdão TCU n.º 2066/2006-Plenário, ou seja, a disponibilização dos 127 dados das entidades reconhecidas, qualificadas ou certificadas, bem como dos integrantes de seus órgãos internos na Internet, cujo objetivo também é viabilizar o controle social. O TCU, por seu turno, conforme determinação do item 9.6.1 do Acórdão TCU 2066/2006–Plenário, adotou medida de cunho interno, endereçada ao seu corpo técnico, visando ao combate a análises pro forma das propostas de convênios e instrumentos similares, nas quais fique evidenciado o descompromisso por parte do servidor responsável (Ordem de Serviço Segecex n° 26, de 9/11/2006, da Secretaria-Geral de Controle Externo): Art. 1º Ficam as unidades técnicas vinculadas à Segecex orientadas a, quando da realização de auditorias em convênios, termos de parceria, acordos, ajustes e outros instrumentos utilizados para transferir recursos federais a Organizações Não-Governamentais, concentre esforços na avaliação do controle preventivo que deve ser exercido pelo órgão/entidade concedente, na fase de análise técnica das proposições e celebração dos instrumentos, atentando quanto a eventuais desvios de conduta e/ou negligência funcional de agentes e gestores públicos, caracterizados pela falta ou insuficiência de análises técnicas, especialmente a avaliação da capacidade da entidade convenente para consecução do objeto proposto e para realizar atribuições legalmente exigidas na gestão de recursos públicos e para prestar contas, propondo, entre outras medidas ao seu alcance, a responsabilização pessoal por ato de gestão temerária, instauração de processo disciplinar, inabilitação para o exercício de cargo em comissão ou função de confiança, multas e solidariedade no débito quando a conexão dos fatos assim permitir, especialmente quando não presentes os pressupostos basilares para a celebração: a legitimidade da parceria e a existência de interesse público convergente entre os entes concedentes e convenentes. Os esforços no combate à corrupção e ao desvio de dinheiro público levaram o TCU também a instituir serviço, denominado Serviço de Gestão de Informações Estratégicas para as Ações de Controle Externo (SGI), destinado a auxiliar na coordenação de rede interna de produção e gestão de informações estratégicas, bem como para interagir com outros órgãos e entidades da administração pública com o objetivo de estabelecer rede de intercâmbio e de compartilhamento de informações e conhecimentos estratégicos que apóiem as ações de controle externo. Por intermédio do SGI, o TCU tem participação essencial na Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro – ENCCLA 2007, da qual também participam 60 órgãos da administração pública federal, na busca da implementação das seguintes metas, correlacionadas com a questão objeto da presente análise: 128 Meta 1: Elaborar anteprojeto de lei para uniformizar e acelerar a comunicação, pelos órgãos de fiscalização e controle da Administração Pública, de indícios de ilícitos aos órgãos de investigação, inteligência e persecução penal. Meta 2: Elaborar anteprojeto de lei para aperfeiçoar a troca de informações sigilosas entre órgãos e entidades públicos de controle, prevenção e combate à corrupção e à lavagem de dinheiro e de recuperação de ativos. Meta 22: Expandir o sistema de monitoramento e controle de transferências voluntárias de recursos federais, inclusive com a informatização das prestações de contas. Meta 27: Elaborar anteprojeto de lei para disciplinar repasse, controle e avaliação de resultados referentes aos recursos públicos destinados ao Terceiro Setor. Meta 28: Integrar bancos de dados do MJ, do TCU, da CGU, do MPOG, do INSS e do CNAS sobre entidades do Terceiro Setor beneficiárias, diretas ou indiretas, de recursos públicos ao Cadastro Nacional de Entidades CNEs/MJ, objetivando ampla e irrestrita publicidade, transparência e controle social. Meta 29: Elaborar projeto de norma estabelecendo a obrigatoriedade de consulta prévia pelos órgãos da administração pública federal ou entidades que recebam recursos de transferências voluntárias da União ao Cadastro Nacional de Entidades CNEs/MJ ao firmar parcerias com o Terceiro Setor. Meta 31: Elaborar ato normativo que somente permita a contratação, com recursos de transferências voluntárias da União, de empresas cadastradas e adimplentes no SICAF. De volta ao relatório final da CPMI, observa-se que ele sinaliza diversas medidas que, se implementadas, trarão significativas melhorias não só no contexto das transferências voluntárias da União mas também em todo o espectro de manejo dos recursos públicos. Dentre as medidas sinalizadas merecem destaque: a necessidade de aprovação da nova lei de finanças públicas, que viria a substituir a Lei n.º 4.320/64, trazendo melhor normatização da forma e conteúdo do PPA, da LDO e do processo de elaboração da LOA; compilação do arcabouço legal em texto que seja dirigido especificamente ao Poder Executivo Municipal, com o fim de regulamentar de maneira clara o acesso à informação sobre os atos da administração pública relativamente a esses entes da Federação; criação de lei federal que discipline as normas gerais de instalação de conselhos municipais, particularmente concedendo ao Ministério Público a função de coordenar o processo de eleição dos representantes da sociedade civil que deles participarão, bem 129 como outros aspectos do funcionamento, composição, organização e instalação desses conselhos objetivando aumentar sua eficácia; aprovação do projeto de lei 6.735/2006, que tipifica o crime de malversação de recursos públicos, pois estão ali tipificadas e categorizadas como crime, a maior parte das irregularidades verificadas na execução dos convênios e ajustes similares; aprovação do projeto de lei do Senado 00231/2006, com a proposta de emenda elaborada pelo TCU, visando a tratar do instituto da inelegibilidade em função da malversação de recursos públicos. Além dessas medidas, também merece destaque a recente aprovação da Resolução 1-CN/2006, que traz nova disciplina ao processo orçamentário, na qual sobressai a instituição do Comitê de Admissibilidade de Emendas parlamentares ao OGU (art.25), estrutura técnica de grande relevância para a verificação do cumprimento das condições previstas na Lei n.º 4.320/64 e da conformação das emendas ao PPA, à LDO e à LRF, somadas às condições de aprovação previstas no art. 166, § 3º, da Constituição Federal. Por fim, menciona-se ainda o Projeto de Lei Complementar encaminhado ao Congresso Nacional pelo Poder Executivo, para regulamentar a parte final do inciso XIX, do art. 37 da Constituição Federal, definindo as áreas de atuação das fundações que poderão ser instituídas ou autorizadas pelo Poder Público (PLP-92/2007-Câmara dos Deputados). O referido PLP cria a figura jurídica da Fundação Estatal de direito privado, sem finalidade lucrativa, a ser instituída ou autorizada mediante lei específica, para o desempenho de atividade estatal que não seja exclusiva de Estado, nas áreas de saúde, assistência social, cultura, desporto, ciência e tecnologia, meio ambiente, previdência complementar do servidor público, comunicação social e promoção do turismo nacional. De acordo com os documentos disponibilizados na página Projeto Fundação Estatal, no sítio oficial do MPOG, um dos objetivos do novo modelo é revisar o marco legal das OS, para solucionar pontos da Lei 9.637/98 que estão sendo questionados quanto à constitucionalidade, conforme já explanado no presente trabalho. As principais características da nova formatação jurídica da Fundação Estatal de direito privado, conforme o material indicado, são as seguintes: 1. estará dentro da estrutura do Estado, na administração pública indireta, ao lado das autarquias, autarquias fundacionais e empresas estatais. Será um modelo próprio para a 130 atuação direta do Estado em setores em que for considerada importante a prestação de serviços pelo Estado, especialmente nas áreas sociais, de atendimento direto ao cidadão; 2. estará sujeita aos mesmos controles das demais entidades da administração pública indireta: supervisão ministerial, controle da CGU e controle do TCU, que terão como principal critério para o exercício do controle as informações do contrato estatal de serviços firmado entre a fundação e seu órgão supervisor, uma vez que ele estabelece os resultados que a fundação deve alcançar; 3. será tratada como uma prestadora de serviços do ente supervisor, com autonomia administrativa, gerencial, financeira e orçamentária; suas receitas advirão do contrato que firmar com o Poder Público, podendo também captar verbas de novos parceiros e oferecer serviços a terceiros; estará fora do Siafi, observará as regras de contabilidade das entidades privadas; 4. terá claras exigências para manutenção em cargos de direção: profissionalização, competência e compromisso com o cumprimento das metas acordadas no contrato; 5. seus empregados serão públicos, mas contratados sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), mediante concurso público; terão segurança no emprego (só serão demitidos quando houver motivação averiguada em processo administrativo); 6. poderá remunerar seus empregados com salários compatíveis com os de mercado. Os servidores públicos cedidos à fundação poderão receber complementação salarial para equiparar seu salário aos dos empregados da fundação; 7. sujeitar-se-á à Lei n° 8.666/93, mas poderá ter um regulamento próprio para fins de licitação e contratos; 8. Será o primeiro modelo na administração pública em que a sociedade vai participar do sistema de governança. Terá um Conselho Social, de natureza consultiva, composto por representantes da sociedade civil, que elegerá um membro, com direito a voto, para o Conselho de Administração; 9. não poderá ser criada fundação estatal para realizar a gestão de outros órgãos e entidades públicos, ou seja, como “entidade de apoio”. A fundação estatal somente será criada para exercício das atividades-fim pré-definidas na Lei Complementar. 131 4 CONCLUSÃO 4.1 O PANORAMA ATUAL DAS TRANSFERÊNCIAS ÀS ONGs Reitera-se, inicialmente, que esta pesquisa teve por objetivo avaliar a eficácia dos procedimentos de concessão e controle das transferências de recursos do orçamento público para ONGs, partindo-se da premissa de que um nível mínimo de segurança para efetivá-las só pode ser razoavelmente garantido se presentes as seguintes condicionantes: a) adequada e suficiente estrutura, em termos de recursos materiais, humanos e tecnológicos para gerir os processos de todo o ciclo de operacionalização das transferências, quais sejam: programação, análise técnica das proposições, fiscalização e acompanhamento da execução, avaliação das prestações de contas e dos resultados alcançados; b) boa qualidade dos procedimentos de análise técnica das proposições e de escolha das entidades, baseados em critérios objetivos e transparentes, especificações técnicas prédefinidas e parâmetros de custos pré-estabelecidos, de modo a dar fiel cumprimento aos princípios da isonomia, da impessoalidade, da moralidade e da eficiência; c) acompanhamento e fiscalização das ações pactuadas, bem como adoção de adequados mecanismos de transparência dos atos de gestão para atender ao princípio constitucional da publicidade, fundamental para o exercício do controle social, para a melhoria da governança pública e para a elevação do nível de accountability. O estabelecimento dessas condicionantes pressupõe que a descentralização da execução de políticas públicas exige coordenação, monitoramento e controle das ações por parte dos órgãos e entidades diretamente responsáveis pelos respectivos programas. Esses órgãos ou entidades devem ser dotados de suficiência administrativa e operacional para concretizar os objetivos de governo planejados e agir, primariamente, na tomada de decisões para a correção de desvios e na recuperação de eventuais prejuízos ao erário. É necessário ter presente que esses órgãos e entidades não são meros executores de transferências de recursos do orçamento. São gestores de programas e, portanto, devem zelar pelo cumprimento dos objetivos e das metas neles estabelecidos, missão difícil de se realizar sem um adequado quadro de pessoal e demais recursos suficientes para permitir acompanhar a efetiva e a eficaz implementação das ações. Não basta alcançar metas de execução orçamentária, é necessário ter controle sobre a qualidade do gasto. 132 O planejamento, nesse contexto, constitui elemento imprescindível para se fixar padrões de controle e aferição de resultados, sem o que, resta absolutamente comprometida a atuação dos órgãos que, por dever constitucional, cumprem zelar pelo patrimônio público, como é o caso, dentre outros, do Tribunal de Contas da União, do Ministério Público, da Controladoria-Geral da União e da Advocacia-Geral da União (AGU). Finalmente, as condicionantes estabelecidas reconhecem que o exercício de todas essas atribuições deve pautar-se por atos e mecanismos que favoreçam seu questionamento, no que diz respeito à adequação aos critérios de atuação pública constitucionalmente estabelecidos, seja pela transparência e publicidade das ações, seja pela garantia de informações, métodos, sistemas e processos fidedignos que permitam a atuação eficaz dos órgãos de controle estatal, bem como da sociedade, no exercício do controle social. Não é esse, porém, o quadro que surge das análises empreendidas nesta pesquisa. O estudo aponta falhas estruturais que maculam todo o processo de descentralização de ações mediante transferências do Orçamento Geral da União para ONGs, demonstrando a necessidade de urgentes reparos em toda a sistemática. O Estado, a rigor, está desestruturado para acompanhar e fiscalizar essas ações. As anomalias se iniciam pela inclusão de emendas parlamentares ao OGU, que muitas vezes não obedece a critérios técnicos condizentes com os objetivos dos programas em que são inseridas. No momento da alocação de verbas, nenhuma verificação é realizada com base em critérios técnicos quanto às justificativas, necessidade local, prioridade de intervenção, especificações, custos etc., desvirtuando a atividade de planejamento. A busca de espaço no orçamento para as emendas dos parlamentares termina por estabelecer uma relação ambígua entre o Executivo e o Legislativo. Este reestima as receitas para acomodar as emendas. Aquele promove o contingenciamento da execução orçamentária, forçando a competição pelos recursos e viabilizando a execução seletiva em troca de apoio político. O resultado é o enfraquecimento do Parlamento, em prejuízo de toda a sociedade. Os órgãos e entidades repassadores estão desestruturados para o bom desempenho de suas atribuições, em todas as fases do ciclo de operacionalização das transferências, desde o exame e aprovação dos projetos, ao acompanhamento concomitante da execução e à análise das prestações de contas. Faltam-lhes adequados recursos materiais, humanos e tecnológicos: não há servidores habilitados e qualificados para acompanhar e fiscalizar a descentralização 133 das ações em número compatível com o volume de instrumentos celebrados; os sistemas informatizados inexistem ou são deficientes; os controles são ineficientes ou ausentes; os mecanismos de transparência são insuficientes. Também não há critérios técnicos objetivos e transparentes definidos, tais como especificações, referenciais de custo, parâmetros fundamentados em indicadores sociais e econômicos aptos a orientar uma aplicação mais eficaz do dinheiro público, justificar a seleção de propostas e a escolha das entidades que serão contempladas com os recursos. Por essa razão, procedimentos que deveriam constituir a depuração e a validação do planejamento das ações às vezes se resumem à escolha de emendas ou entidades, sem avaliação técnica adequada para subsidiar a formalização do convênio ou outro ajuste. As análises das propostas apresentadas pelos convenentes são negligenciadas; por vezes inócuas, sem qualquer efetividade, sugerindo um padrão de análise tão-somente pro forma. Em conseqüência, as proposições aprovadas não apresentam consistência. Descrições genéricas, de difícil entendimento, não trazem informações, qualitativas e quantitativas, que permitam avaliar os objetivos almejados, como as ações serão realizadas e o que se obterá concretamente em termos de produtos ou serviços a serem prestados à comunidade. Desse modo, não é possível afirmar que estejam sendo fielmente observados os princípios da isonomia, da impessoalidade, da moralidade e da eficiência, na seleção dos projetos e na escolha das entidades. Todos esses problemas terminam por inviabilizar a atuação do próprio repassador dos recursos e dos órgãos de controle, interno e externo, nas fases subseqüentes do ciclo, isto é, no acompanhamento e fiscalização da execução (controle concomitante), na análise da prestação de contas e na avaliação dos resultados (controle subseqüente), uma vez que os critérios e parâmetros de atuação deixaram de ser objetivamente definidos na fase antecedente da cadeia de controle. Na verdade, observa-se uma correlação, do tipo causa-efeito, entre as negligências das fases afetas ao planejamento das ações e as irregularidades que irão se materializar nas demais (execução e prestação de contas). A precária atuação dos órgãos e entidades repassadores na fase de avaliação das propostas termina por facilitar a atuação irregular das entidades nas fases seguintes e na montagem posterior de prestações de contas. 134 O acompanhamento e a fiscalização da execução das ações, quando realizados, são tecnicamente deficientes, em razão da falta de parâmetros que deveriam constar dos planos de trabalho. Os pareceres técnicos quanto à execução física e atingimento dos objetivos, bem como quanto à correta e regular aplicação dos recursos denotam, também, um padrão de análises meramente pro forma. Não existem procedimentos de avaliação dos resultados alcançados em termos de benefícios, impactos econômicos ou sociais, ou ainda, relativos à satisfação do público-alvo em relação aos objetos implementados. Chama a atenção, ainda, o expressivo número de convênios e ajustes similares aprovados pelos órgãos e entidades concedentes, nos quais auditorias do TCU encontraram graves irregularidades. Em razão dos fatos descritos, a expectativa de controle em relação à boa e regular aplicação dos recursos é quase nula. O resultado, como é de se inferir, é uma pluralidade de falhas, fraudes, desvios e outras irregularidades contra os cofres públicos. Materializa-se, na fase de execução das ações, toda a sorte de ilícitos que as falhas da sistemática permitem, sejam elas resultado de ações ardilosamente planejadas desde as fases anteriores do processo (fatores condicionantes), sejam fruto de deficiências materiais, humanas e tecnológicas dos órgãos e entidades repassadores (fatores circunstanciais ou intencionalmente condicionados). As prestações de contas se acumulam nos órgãos repassadores, carentes de pessoal e meios para analisá-las. Convenentes se omitem no dever de prestar contas. O atraso médio na entrega de prestações de contas, em toda a administração pública federal, supera 3 anos, e é quase a mesma, a idade média dos processos já recebidos mas ainda não analisados. Com isso, o governo desconhece os resultados da aplicação de mais de R$ 2 bilhões. Constatou-se, também, que são insuficientes os mecanismos de transparência atualmente existentes, assim, o princípio constitucional da publicidade não é atendido em todo o ciclo de operacionalização das ações, o que constitui empecilho para um controle social mais efetivo, uma governança pública mais fortalecida e para estabelecer e preservar um adequado nível de accountability. Por todo o exposto, pode-se afirmar que não são eficazes os procedimentos de concessão e controle das transferências de recursos do orçamento público para ONGs. Tais procedimentos, assim como a estrutura disponível para operacionalizá-los, bem como os instrumentos e mecanismos de transparência dos atos de gestão são insuficientes para garantir a efetiva implementação das ações e a regular aplicação dos recursos transferidos. 135 4.2 OPORTUNIDADES DE MELHORIAS Apesar de reconhecer o potencial de solução embutido nas medidas em curso, decorrentes de determinações do TCU, de recomendações da CGU, de propostas da CPMI, de iniciativas do Poder Executivo, bem como daquelas que ainda dependem do processo legislativo para trazer sua contribuição, conforme explanado na seção 3.4 (Indicativos de solução na sistemática de controle), mencionam-se, a seguir, alguns aspectos tangenciados na pesquisa que, por representarem oportunidades de melhorias no processo de transferências de recursos do orçamento público para as ONG, merecem maior aprofundamento. 4.2.1 Atuação integrada dos órgãos estatais de gestão e fiscalização É necessário buscar formas de atuação integrada, simultânea e tempestiva dos órgãos e entidades públicos, respeitadas as respectivas competências, em detrimento da atuação seqüencial e compartimentada, hoje vigente, em que um aguarda a conclusão da ação do outro para poder agir. Para tanto, deve-se procurar eliminar redundância de esforços, de sistemas, de bases de dados; constituir grupos de trabalho com as instâncias especializadas em cada órgão, realmente envolvidas no trato das questões, para desenhar soluções e estratégias de atuação integrada; compartilhar conhecimentos e informações na busca de encontrar sinergias e expandir metodologias. Todas essas são oportunidades de melhorias que devem ser exploradas pelos órgãos e entidades públicos que fazem a gestão e o controle de recursos públicos, direta ou indiretamente, destinados às ONGs. 4.2.2 Reformulação e integração dos cadastros de ONGs existentes no País A pesquisa demonstrou que existem vários cadastros e bancos de dados públicos com informações sobre ONGs no País, faltando-lhes, porém, qualidade e suficiência de informações que permitam o compartilhamento ou a integração com os diversos órgãos e entidades interessados. A Receita Federal, o Ministério da Justiça e o Conselho Nacional de Assistência Social detêm os cadastros mais importantes do País. A normalização desses bancos de dados, com vistas a sua integração e seu compartilhamento por todos os órgãos e entidades públicos, constitui contribuição valiosa, não apenas para evitar “duplicidade de informações e burocracias desnecessárias”, como disse a Abong, mas também para melhorar a atuação da administração pública em relação a todos os processos relacionados ao terceiro setor. 136 Não é demais lembrar que o único levantamento nacional de organizações sociais realizado no Brasil, levou dois anos para ser concluído, justamente em função dessa limitação. Razão porque, oportuna é a meta 28 do ENCCLA 2007, citada nesse trabalho, ressalvando-se, porém, que esse qualificado fórum também deveria considerar a discussão das bases de dados da Receita Federal em seus estudos, inclusive com vistas a atender o anseio do Poder Legislativo no que tange aos PL para criação de um do Cadastro Nacional de ONGs (CNO). 4.2.3 Revisão das normas relativas ao sigilo e à transparência das ONGs Conforme destaca o voto do Acórdão TCU 641/2007-Plenário, “É de fundamental importância a implementação e a difusão de mecanismos de controle social, pois este sim, alia eficácia e tempestividade no controle de políticas públicas custeadas por intermédio de recursos oriundos de convênios, contratos de repasse e termos de parceria.” Contudo, como se viu neste trabalho, a questão da transparência das ONGs emerge como uma das mais importantes no contexto de todas as discussões que envolvem o terceiro setor, e não apenas no que diz respeito ao manejo de recursos transferidos do orçamento público. Por muitos motivos, no entanto, as ONGs não cultivam a transparência no Brasil, apesar de suas finalidades consignarem o desenvolvimento de objetivos sociais ou públicos, a exigir publicidade quanto ao portfólio de seus projetos, resultados obtidos e recursos alocados, especialmente se considerado que suas ações têm como destinatário a sociedade, de quem também provém seu financiamento, mediante o pagamento de “impostos ao Estado (subventores dessas entidades) ou mesmo diretamente na forma de doações pecuniárias, doação de bens, serviços prestados gratuitamente, ou, ainda, quando paga por algum tipo de serviço por elas prestado.” (OLAK e NASCIMENTO, 2006:2). Destarte, cabe refletir a respeito da aplicação do sigilo fiscal previsto no art. 198 do CTN a essas entidades, especialmente quanto a disponibilização pública, pela própria Receita Federal, inclusive por meio da Internet, das origens e aplicações de recursos por elas captados, além de outros detalhes relativos aos seus projetos e atividades, tal como já ocorre em outros países, como por exemplo, nos EUA, onde tais informações são legalmente sujeitas à inspeção pública e publicadas na Internet. Pelos mesmos fundamentos, as normas relativas ao sigilo bancário das contas que movimentam dinheiro público nessas entidades e seus correspondentes registros contábeis merecem revisão, especialmente no que diz respeito ao acesso dos órgãos de controle interno 137 e externo estatal às suas informações. Se a legislação condiciona a transferência de recursos públicos à sua movimentação em conta específica, inócuo seria tal requisito de controle se a ele for vedado o acesso dos órgãos responsáveis pela fiscalizar a aplicação desses recursos. Ademais, “o sigilo bancário existe para proteger o particular, não o administrador da coisa pública” (NUNES, 2006:133) até porque, nos termos do art. 5°, LXXIII, da Constituição Federal, “qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público [...]”. 4.2.4 Controle fiscal dos recursos arrecadados pelas ONGs Questão sensível, mas que merece reflexão, é o fato de as receitas, isto é, as contribuições, doações e subvenções recebidas pelas ONGs não terem nenhuma espécie de controle fiscal. Aqueles que com elas contribuem, não têm nenhuma garantia de que sua contribuição irá realmente integrar o caixa da entidade, será efetivamente computado na sua contabilidade e terá o fim desejado pelo contribuinte. A adoção de um documento fiscal, para fornecimento obrigatório aos doadores e contribuintes, minimizaria o uso fraudulento de ONGs na arrecadação e desvio de recursos da economia popular, como no caso das duas ONGs, descobertas pela polícia do Paraná, que por meio de cinqüenta filiais, equipes de telemarketing e motoboys arrecadava recursos para apoiar pessoas com câncer desviando 70% da arrecadação, cerca de R$ 30 milhões. A emissão e a autenticidade desse documento fiscal seria garantida por autoridade fazendária, por meio de um sistema como o que está sendo atualmente implantado no âmbito do Sistema Público de Escrituração Digital/Nota Fiscal Eletrônica – SPED/NF-e, armazenado e acessível para consulta na Receita Federal até, pelo menos, a confrontação com os valores informados na declaração anual de informações econômico-fiscais da pessoa jurídica (DIPJ) apresentada pela ONG emitente. 4.2.5 Aperfeiçoamento dos procedimentos para seleção de projetos e ONGs O recente Decreto 6.170, de 25/7/2007, alterando normas e procedimentos básicos em relação às transferências de recursos mediante convênios e instrumentos similares, criou a possibilidade de “chamamento público, a critério do órgão ou entidade concedente, visando à seleção de projetos ou entidades que tornem mais eficaz o objeto do ajuste.” 138 Infelizmente tal disposição pode ter o mesmo destino daquela constante no art. 23, do Decreto 3.100/99, que prevê a possibilidade de escolha de Oscip para celebração de termo de parceria por meio de publicação de edital de concursos de projetos: o esquecimento. A questão merece ser acompanhada com rigor pelos órgãos de controle, pois representa um dos maiores riscos de manutenção do uso das ONGs para desviar dinheiro público e praticar a corrupção e o clientelismo. Lembra-se, a propósito, que o TCU inclina-se no sentido de que a escolha deve se basear em critérios objetivos, previamente fixados, que garantam isonomia e impessoalidade. É o que se depreende da recomendação dirigida à Secretaria do Tesouro Nacional, no Acórdão TCU 2.066/2006–Plenário: 9.4.2. de ser formalmente justificada pelo gestor, com indicação dos motivos determinantes e demonstração do interesse público envolvido na parceria, a escolha de determinada entidade privada para a celebração de convênio, acordo, ajuste e outro instrumento jurídico utilizado para transferir recursos públicos federais, especialmente quando tal escolha não se der por meio de concurso de projetos ou de outro critério inteiramente objetivo; A decisão do TCU assenta-se no fato de que todo ato administrativo deve ser motivado, especialmente os resultantes do poder discricionário. São precisamente estes atos que devem estar embasados na clara demonstração do interesse público. Assim, há necessidade de se refletir sobre norma de controle endereçada aos órgãos e entidades transferidores no sentido de que os critérios para escolha das ONG e projetos deverão garantir a observância dos princípios da isonomia e da impessoalidade, devendo o gestor formalmente justificar e demonstrar o interesse público envolvido nas parcerias resultantes das escolhas que não forem realizadas por meio do chamamento público previsto no Decreto 6.170. Nesse contexto, cabe refletir ainda, a exemplo da lei das Oscips (Lei 9.790/99), sobre a consulta e o acompanhamento dos repasses pelos conselhos de políticas públicas das áreas correspondentes de atuação. Ora, se as ONGs desenvolvem ações de interesse público, é também pertinente, do mesmo modo que as Oscips, o acompanhamento local das ações por para dos conselhos de política pública, bem como pelo Ministério Público. Para que esse acompanhamento se viabilize, os conselhos e o Ministério Público devem ser comunicados da liberação de recursos e dos fins a que se destinam. 139 REFERÊNCIAS AGÊNCIA Brasil. Recursos destinados a Ongs não são fiscalizados, diz Ministério Público. Último Segundo, Rio de Janeiro, 2 set. 2004. Disponível em: <http://ultimosegundo.ig.com.br/materias/brasil/1729001729500/1729416/1729416_1.xml>. Acesso em: 03 jul. 2006. BARBOSA, Maria Nazaré Lins. Terceiro setor no panorama internacional: aspectos jurídicos. Artigo publicado em material didático do curso de Direito do Terceiro Setor, Gvpec, da EAESP-FGV. São Paulo, 2° semestre de 2001. BARRETO, Lucas Hayne Dantas. Terceiro setor: uma análise comparativa das organizações sociais e organizações da sociedade civil de interesse público. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 779, 21 ago. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7165>. Acesso em: 03 ago. 2006. BAVA, Silvio Caccia. 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Auxílios: são transferências de capital destinadas a investimento ou inversões financeiras que outras entidades de direito público ou privado devam realizar, independentemente de contraprestação direta em bens ou serviços, derivada diretamente da Lei Orçamentária (Lei 4.320/64, art. 12, § 6°). Concedente: órgão da administração pública federal direta, autárquica ou fundacional, empresa pública ou sociedade de economia mista, responsável pela transferência dos recursos financeiros ou pela descentralização dos créditos orçamentários destinados à execução do objeto do convênio (IN-STN N° 01/97, art. 1°, § 1°, II). Contribuições: são transferências correntes (quando destinadas a cobrir despesas de custeio ou manutenção) ou de capital (quando destinadas a investimento ou inversões financeiras) que outras entidades de direito público ou privado devam realizar, independentemente de contraprestação direta em bens ou serviços, derivadas de lei especial anterior (Lei 4.320/64, art. 12, § 6°). Convenente: órgão da administração pública direta, autárquica ou fundacional, empresa pública ou sociedade de economia mista, de qualquer esfera de governo, ou organização particular com a qual a administração federal pactua a execução de programa, projeto/atividade ou evento mediante a celebração de convênio (IN-STN N° 01/97, art. 1°, § 1°, III). Convênio: instrumento qualquer que discipline a transferência de recursos públicos e tenha como partícipe órgão da administração pública federal direta, autárquica ou fundacional, empresa pública ou sociedade de economia mista que estejam gerindo recursos dos orçamentos da União, visando à execução de programas de trabalho, projeto/atividade ou evento de interesse recíproco, em regime de mútua cooperação (INSTN N° 01/97, art. 1°, § 1°, I). 145 Fiscalização de Orientação Centralizada – FOC: sistemática de fiscalização do TCU, cujo procedimento inclui preparação centralizada, execução descentralizada e consolidação de resultados, com o objetivo avaliar, de forma abrangente e integrada, um tema, programa ou ação de governo, visando a traçar um quadro geral das situações verificadas, identificar irregularidades mais comuns e relevantes e propor aperfeiçoamento nos mecanismos de controle, no arcabouço legal e/ou no modelo de execução de programa/ação, de responsabilidade de um ou de vários órgãos federais Meta (de convênio): parcela quantificável do objeto (IN-STN N° 01/97, art. 1°, § 1°, XII). Objeto (de convênio): o produto final do convênio, observados o programa de trabalho e as suas finalidades (IN-STN N° 01/97, art. 1°, § 1°, XI). Subvenções: espécie do gênero transferência, destinadas a cobrir despesas de custeio (manutenção) de entidades públicas ou privadas. Subdivide-se em subvenções sociais ou subvenções econômicas (Lei 4.320/64, art. 12, § 3°). Subvenções econômicas: são as transferências correntes que se destinem a empresas públicas ou privadas de caráter industrial, comercial, agrícola ou pastoril (Lei 4.320/64, art. 12, § 3°, II). Subvenções sociais: são as transferências correntes que se destinem a cobrir despesas de custeio (manutenção) de instituições públicas ou privadas de caráter assistencial ou cultural, sem finalidade lucrativa (Lei 4.320/64, art. 12, § 3°, I). Termo aditivo (de convênio): instrumento que tenha por objetivo a modificação de convênio já celebrado, formalizado durante sua vigência, vedada a alteração da natureza do objeto aprovado (IN-STN N° 01/97, art. 1°, § 1°, X). Transferências correntes: dotação para despesas (de custeio ou de manutenção das entidades beneficiadas) às quais não corresponda contraprestação direta em bens ou serviços, inclusive para contribuições e subvenções destinadas a atender à manutenção de outras entidades de direito público ou privado (Lei 4.320/64, art. 12, § 2°). Transferências de capital: dotações para investimentos ou inversões financeiras que outras pessoas de direito público ou privado devam realizar, independentemente de contraprestação direta em bens ou serviços, constituindo essas transferências auxílios ou 146 contribuições, segundo derivem diretamente da Lei do Orçamento ou de lei especial anterior, bem como as dotações para amortização da dívida pública (Lei 4.320/64, art. 12, § 6°). Transferências voluntárias: "a entrega de recursos correntes ou de capital a outro ente da Federação, a título de cooperação, auxílio ou assistência financeira, que não decorra de determinação constitucional, legal ou os destinados ao Sistema Único de Saúde." (LC 101/2000). Transferências voluntárias são os recursos financeiros repassados pela União aos Estados, Distrito Federal e Municípios em decorrência da celebração de convênios, acordos, ajustes ou outros instrumentos similares cuja finalidade é a realização de obras e/ou serviços de interesse comum.