PPGCOM ESPM // ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (08, 09 e 10 de outubro 2014)
Ter Menos E Compartilhar Mais: Uma Análise Do Consumo Colaborativo 1
Janaina de Holanda Costa Calazans2
Unicap
Rafaela Dias Lins3
Unicap
Cecília Almeida Rodrigues Lima4
Faculdade Boa Viagem
Resumo
Este artigo tem como tema o consumo colaborativo. A prática foi contextualizada a partir de
discussões teóricas que abordam a evolução da internet, as redes sociais digitais e a organização
através das ferramentas sociais; bem como uma linha evolutiva do consumo e consumismo. O
consumo colaborativo foi explicado através dos princípios necessários para o seu
funcionamento e pelos sistemas nos quais cada case abordado se enquadra. Para tanto, foram
utilizados conceitos desenvolvidos por Botsman e Rogers (2010).
Palavras-chave: Consumo; Internet; Redes sociais; Colaboração; Consumo colaborativo.
.
1. Introdução
A internet mudou de forma significativa a maneira com a qual a sociedade se relaciona.
O desenvolvimento tecnológico fez com que se tornasse possível a criação de um
inventário coletivo nunca visto antes e que exerce uma função cada vez mais importante
1
Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Comunicação, consumo e novos fluxos políticos, do 4º
Encontro de GTs - Comunicon, realizado nos dias 8, 9 e 10 de outubro de 2014.
2
Doutora em comunicação social pela Universidade Federal de Pernambuco, docente no curso de
comunicação social e no mestrado em administração da Faculdade Boa Viagem, coordenadora do curso
de publicidade e propaganda da Universidade Católica de Pernambuco. E-mail:
[email protected]
3
Possui graduação em Comunicação Social - Publicidade e Propaganda pela Universidade Católica de
Pernambuco (2013). Atualmente trabalha como analista de mídias sociais. E-mail:
[email protected].
4
Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social (PPGCOM) da Universidade
Federal de Pernambuco. Coordenadora e docente do curso de comunicação social da Faculdade Boa
Viagem. E-mail: [email protected].
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na sociedade. Compartilha-se, diariamente, através da internet, músicas, fotos, vídeos
e conhecimento. Cerca de três milhões de imagens são postadas no Flickr, setecentos
mil membros aderem ao Facebook e cinco milhões de tweets são enviados. Estima-se,
também, que a cada minuto seja feito o upload de vinte horas de conteúdo audiovisual
no YouTube.
Um dos melhores exemplos para ilustrar a colaboração através da internet é o software
de código aberto Linux. Em 1991, o seu criador postou em um fórum que estava
desenvolvendo um sistema operacional gratuito e que gostaria do feedback de outras
pessoa a fim de melhorá-lo. Cerca de vinte anos depois, o Linux é um dos mais
importantes softwares de código aberto do mundo e é utilizado por dezoito milhões de
pessoas, além de contar com 128 mil programadores voluntários que trabalham com o
intuito de aperfeiçoar a ferramenta.
Esse exemplo mostra que, com a internet, a coletividade tem ganhado força. Ainda que,
fisicamente, os indivíduos estejam distantes, ao permitir que pessoas com interesses
similares interajam, ela se transforma numa “arma de colaboração em massa”,
impulsionando um mundo de abertura, participação e de poder descentralizado.
Convocar usuários para realizar uma determinada tarefa e provê-los com um senso de
pertencimento faz com que essas pessoas saiam do comportamento hiperindividualista
para uma percepção de comunidade. Essa prática não é recente, mas agora, ao ter uma
rede e um sistema para que o compartilhamento aconteça, o consumo colaborativo vê
na internet uma plataforma capaz de reinventar e resgatar antigos valores.
No consumo colaborativo, o bem não pertence a um indivíduo, mas a uma coletividade
que faz uso do mesmo. Ao compartilhar um produto que, durante toda sua vida útil, só
seria utilizado algumas vezes, evita-se a produção de um novo bem e essa maximização
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do uso é benéfica para a natureza. Por não haver uma moeda fixa para a prática
acontecer, a relação de oferta e demanda sofre uma flexibilização.
As pessoas que aderem ao consumo colaborativo estão usufruindo mais daquilo que
compram ou mesmo deixando de comprar, uma vez que o acesso tem se tornado mais
fácil. A sociedade já tem consciência de que a demasiada busca por bens materiais traz
consigo um alto custo para as suas relações familiares, de amizade e até mesmo com o
meio ambiente. Segundo Botsman e Rogers (2010), estamos tentando restaurar o elo
perdido entre o produtor e o consumidor e isso se dá, por exemplo, ao trocar os
supermercados por mercados centrais, onde é possível conversar com as pessoas que
plantaram os alimentos para saber qual é a melhor opção de compra.
Este artigo busca analisar o consumo colaborativo como uma prática de consumo que,
embora ainda emergente, já se manifesta em diversos exemplos de vários países, com
o suporte de ferramentas disponíveis na internet. Articula teorias sobre internet,
organização social e consumo, além de apresentar estudos de caso para facilitar a
compreensão do tema.
2. Internet: um instrumento que fortalece o coletivo
“Ninguém sabe tudo, todos sabem alguma coisa, todo o saber está na humanidade”
(LÉVY, 2007, p. 29). Ao definir o conceito de inteligência coletiva, Pierre Lévy nos
diz:
É uma inteligência distribuída por toda parte, incessantemente
valorizada, coordenada em tempo real, que resulta em uma
mobilização efetiva das competências. Acrescentemos à nossa
definição este complemento indispensável: a base e o objetivo da
inteligência coletiva são o reconhecimento e o enriquecimento
mútuos das pessoas (LÉVY, 2007, p. 28-29).
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O conceito certamente é demasiado complexo para ser resumido em poucas linhas, mas
nos interessa para discutir a noção de consumo colaborativo, prática baseada em ações
de grupos em torno de um interesse comum, coletivo. Lévy considera que foi a abertura
do ciberespaço, ou seja, a chegada e disseminação da internet, o que permitiu “conceber
formas de organização econômica e social centradas na inteligência coletiva e na
valorização do humano em sua variedade” (p. 54), entre as quais podemos incluir
práticas de consumo colaborativo.
O desenvolvimento da internet facilitou o acesso a ferramentas que proporcionam
experiências cada vez mais interativas e provocou uma mudança de paradigmas. Logo
quando a internet começou a se popularizar, entre as décadas de 80 e 90, o usuário
comum podia apenas acessar e ler o conteúdo, de maneira não muito diferente das
mídias tradicionais. Por volta do final dos anos 90, uma série de ferramentas e serviços
online passaram a permitir que o usuário se tornasse também um autor. A palavra-chave
passou a ser “colaboração”, pois, ao postar comentários e enviar imagens, a troca de
informações através do compartilhamento deu início a uma nova prática de
comunicação. O conteúdo online é atualizado pelos usuários que dele fizerem uso. A
produção de conteúdo se tornou rápida e coletiva, a partir de sites como a enciclopédia
livre Wikipedia e de redes sociais online como Orkut, Twitter e Facebook.
Há um processo permanente de construção dos perfis dos atores na internet,
principalmente em sites de redes sociais. Esse processo se dá ao publicar ou curtir uma
foto no Facebook, ao “twittar” um acontecimento pessoal ou ao deixar um comentário
em um blog. Essas ações culminam na construção de nossa reputação online, pois esse
conteúdo atingirá nossos amigos online e poderá impactá-los, de maneira positiva ou
não.
Essas ferramentas proporcionaram, assim, que atores pudessem
construir-se, interagir e comunicar com outros atores, deixando, na
rede de computadores, rastros que permitem o reconhecimento dos
padrões de suas conexões e a visualização de suas redes sociais
através desses rastros (RECUERO, 2009, p. 24).
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Essa característica é de extrema importância para a prática do consumo colaborativo,
pois, no seu contexto, segundo Botsman e Rogers (2010), os indivíduos serão definidos
pela reputação, pela comunidade e por aquilo que podemos acessar, pelo modo como
compartilhamos e pelo que doamos.
Conforme Shirky (2008) aponta, essas ferramentas sociais online passaram a permitir
uma coordenação de grupos em grande escala e a um baixo custo. Com a diminuição
dos esforços necessários – a exemplo de tempo, dinheiro e empenho – a organização
do esforço em grupo ficou mais fácil e eficiente. Essa queda dos custos transacionais
está permitindo que grupos informais ajam com um grande alcance, podendo realizar
tarefas complexas e grandiosas, sem uma hierarquia definida e sem motivo de lucro.
Tudo isso se dá porque, com a internet, ficou mais fácil se reunir.
Para Shirky (2008), a internet foi a primeira grande rede de comunicação a fazer da
comunicação grupal parte inerente de seu repertório. Por ter a “comunicação ponta a
ponta” como uma de suas lógicas básicas, ela transforma-se num meio para levar e
trazer a informação. Logo, ao invés de limitar nossas comunicações a ferramentas de
“um para um” ou “um para muitos”, a internet possibilita a criação de ferramentas de
“muitos para muitos”, sustentando e acelerando a cooperação e a ação coletiva.
Contudo, é importante ressaltar que a internet e as ferramentas sociais apenas
facilitaram a coordenação de ações em grupo. O engajamento e a vontade já existiam
anteriormente à rede, mas agora as barreiras para as ações coordenadas foram
derrubadas, fazendo com que a sociedade adote uma nova postura.
Todas essas mudanças resultam em uma revolução – que está em curso – na maneira
de produzir e consumir conteúdo. Revolução essa que não seria possível sem a internet
e a atuação das pessoas. Essa atuação se dá através da participação simétrica e da
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produção amadora. A participação simétrica diz respeito à capacidade dos indivíduos
de receber e repassar informações e a produção amadora é um resultado dessa nova
capacidade de disseminar, o que nos mostra que o estado de “consumidor” atualmente
é mais um comportamento temporário do que uma identidade permanente.
3. Consumo: entre o consumismo e o consumo colaborativo
O ato de consumir está presente em todas as sociedades, seja para atender a
necessidades mais básicas ou supérfluas. Para Slater (apud Barbosa, 2008, p.32), o
consumo se tornou o foco central da vida social e as aspirações e identidades são
definidas e orientadas em relação ao consumo ao invés do trabalho e cidadania. Logo,
o valor social das pessoas passou a ser aferido pelo o que elas têm e não pelo o que elas
são. Campbell (apud Barbosa, 2008, p.53) complementa, dizendo que a demasiada
aquisição de bens da sociedade moderna ocorre porque os consumidores adquirem um
produto a fim de experimentar os prazeres concebidos na imaginação de cada um, mas
já que a realidade nunca corresponde aos nossos desejos, cada compra leva a uma nova
desilusão que, por sua vez, serve de motivação para que um novo objeto de desejo seja
adquirido.
A partir do momento que o consumo se torna o propósito da existência dos indivíduos,
temos a passagem do consumo para o consumismo e este, por sua vez, está associado
ao desejo sempre crescente e à rápida substituição dos bens (BAUMAN, 2007). Com a
rápida mudança dos desejos dos consumidores, há uma constante demanda por novas
mercadorias, que estão sendo trocadas cada vez mais rapidamente. Na vida “agorista”
dos cidadãos da era consumista, “o motivo da pressa é, em parte, o impulso de adquirir
e juntar. Mas o motivo mais premente que torna a pressa de fato imperativa é a
necessidade de descartar e substituir” (BAUMAN, 2007, p.50).
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Enquanto os consumidores se mantiverem insatisfeitos, desejando sempre uma nova
compra e mantendo os seus anseios pela rápida substituição dos bens, a cultura
consumista será mantida, ainda que os custos atrelados a ela sejam altos para as nossas
relações sociais e para o meio ambiente.
Após a crise mundial de 2008, uma parte da população percebeu que tanto a natureza
quanto a economia não aguentariam mais o modelo de comprar, usar, jogar fora e
comprar novos produtos. Uma parcela dos consumidores está ficando mais consciente
de que o consumo excessivo baseado em recursos não renováveis é prejudicial, tirando
mais proveito dos produtos que já possuem. As preocupações ambientais e a
conscientização dos custos está gradativamente afastando a sociedade de formas de
consumismo centralizadas, abrindo espaço para o compartilhamento, agregação,
abertura e cooperação (BOTSMAN; ROGERS, 2010).
Nesse contexto, consumir não é mais uma prática apenas de aquisição, mas uma
atividade dinâmica na qual a contribuição e a colaboração são essenciais para obter
aquilo que se deseja. O modelo de propriedade individual vai sendo, aos poucos,
substituído pela “mentalidade de uso”, com a qual as pessoas pagam pelo benefício que
o produto proporciona, não necessariamente pela sua posse. Tais consumidores não
querem o CD ou DVD, mas sim a música e o filme que ali estão gravados, ou seja, elas
querem as experiências, não os produtos. Assim, “à medida que as nossas posses se
desmaterializam, tonando-se intangíveis, nossas percepções de propriedade estão
mudando, criando uma linha pontilhada entre ‘o que é meu’, ‘o que é seu’ e ‘o que é
nosso’” (BOSTMAN; ROGERS, p. 91, 2010).
As práticas colaborativas possibilitam que os indivíduos ajam em conjunto, a fim de
alcançar um objetivo final que seja proveitoso para todos. É uma via de mão dupla,
onde você precisa ajudar para ser ajudado. No consumo colaborativo, o par provedor é
aquele que fornece bens para o aluguel, empréstimo ou compartilhamento. O par
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usuário usufrui destes serviços. As duas funções podem ser realizadas pela mesma
pessoa em momentos distintos.
O consumo colaborativo é o equilíbrio entre as necessidades individuais, da
comunidade e do planeta. As pessoas continuarão comprando e as empresas
continuarão vendendo, mas o que muda com essa prática é a maneira como essas
transições ocorrem, deixando de ser baseadas na posse exclusiva de bens para o uso
compartilhado, onde uma mentalidade colaborativa se faz presente
Botsman e Rogers (2010) analisam diversas práticas de consumo colaborativo e
concluem que todas compartilham de quatro princípios básicos que são: massa crítica,
capacidade ociosa, crença nos bens comuns e confiança entre estranhos.
A massa crítica é compreendida como a existência de um impulso suficiente em um
sistema para torná-lo autossustentável. Quanto mais pessoas dispuserem de itens que
desejam trocar, por exemplo, mais opções estarão disponíveis e maiores serão as
chances do par interessado encontrar o que procura. Dessa forma, a massa crítica será
alcançada quando houver “mercadorias suficientes para que todos encontrem alguma
coisa de que gostem e tenham a sensação de terem escolhido bem” (BOTSMAN;
ROGERS, 2010, p. 77).
A capacidade ociosa diz respeito ao uso que é feito de determinado produto ao longo
de sua vida útil e ao uso que poderia ser feito, caso a sua capacidade de uso fosse
maximizada. A furadeira é um ótimo exemplo de um bem que é adquirido e, raramente,
é usado. O que a maioria das pessoas querem é o buraco, não a furadeira, então a sua
posse perde sentido após o uso. Caso a sua capacidade de uso fosse maximizada, evitarse-ia a produção de uma nova furadeira e de um novo produto ocioso.
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A crença nos bens comuns é a base para que pessoas se organizem para cuidar de
recursos que a elas interessam. O Creative Commons, organização não governamental
sem fins lucrativos, por exemplo, encoraja o compartilhamento e a colaboração através
de conteúdo livre como filmes, músicas e fotos, porém o autor pode se respaldar de
determinados direitos sobre o conteúdo. Desde o seu lançamento, em 2002, mais de
100 milhões de licenças já foram concedidas.
Essa experiência mostra que a cada nova pessoa que faz uso do consumo colaborativo,
melhor funciona o sistema para todos e, as pessoas que fazem uso criam valor para
outras, ainda que essa não fosse a intenção. Portanto, “ao ceder valor para a
comunidade, permitimos que o nosso próprio valor social se expanda em troca”
(BOTSMAN, ROGERS, 2010, p. 90).
Uma boa parte dos sistemas de consumo colaborativo requer que confiemos em
estranhos, seja para compartilhar uma carona no Liftshare ou para acreditar na
descrição de um produto no Ebay. Logo, é necessário que haja um sistema de reputação
que permita saber os interesses, preferências e ações passadas dos pares, tirando o
anonimato da transação. Isso culmina na criação de um ambiente propício para a criação
da confiança, da familiaridade, fundindo comércio e comunidade.
Para Botsman e Rogers (2010), todos os exemplos de consumo colaborativo – seja
empréstimo, troca, prestação de serviço, aluguel ou compartilhamento – podem ser
organizados em três categorias: sistema de produtos e serviços, redistribuição de
mercados e estilos de vida colaborativos.
4. Sistemas de consumo colaborativo
4.1 Sistema de Protos e Serviços
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Sistemas de produtos e serviços expandem a tradicional ideia de uso compartilhado de
produtos, como aluguéis de filmes, roupas ou carros. Esse princípio está sendo aplicado
a outros setores do mercado e já é possível alugar desde aviões particulares a tablets. O
mercado de aluguel de bens já movimenta mais de 225 bilhões de dólares nos Estados
Unidos e equivale a mais de 600 bilhões de dólares ao redor do mundo.
A diferença entre o aluguel tradicional e o consumo colaborativo está justamente no
processo pelo qual o consumidor tem que passar. Com a internet e a tecnologia de que
hoje dispomos, toda a papelada, filas de espera e restrições por parte das empresas dão
lugar a sistemas com interfaces que recriam este processo de forma diferenciada e
proporcionam ao par interessado acesso aos produtos de maneira rápida, fácil e fluida.
O sistema de produtos e serviços também funciona para bens mais pessoais como obras
de arte, itens de beleza e estética e, até mesmo, bolsas, como a empresa brasileira
BoBAGS, cujo principal serviço é aluguel de bolsas.
De acordo com Botsman e Rogers (2010), toda a variedade de sistemas de produtos e
serviços pode ser categorizada em dois modelos: o de “uso” e o de “vida longa”. No
modelo de uso, um indivíduo ou uma empresa possui um bem que pode ser desfrutado
por diversas pessoas. Este serviria para produtos com uma grande capacidade ociosa
como um carro ou ferramentas para reparos no lar; produtos de uso limitado devido à
sazonalidade como bolsas da moda; itens que satisfazem uma necessidade temporária
como vestidos de festa; produtos que perdem a sua atração e valor depois de usufruídos
como livros e DVDs ou até mesmo produtos que requerem um alto investimento para
a sua obtenção como uma foto copiadora.
No modelo de “longa vida”, enquadram-se produtos cuja manutenção e reparo são
partes integrantes do seu ciclo de vida, reduzindo a necessidade de uma nova compra
ou do seu descarte. Produtos eletrônicos como câmeras fotográficas e tablets que
precisam de assistência técnica especializada ou, até mesmo, móveis e tapetes, que
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dependem de manutenção para continuar com uma boa aparência, permanecendo
atrativos para o dono.
As novas tecnologias assumem um papel fundamental no consumo colaborativo. Ao
permitirem a reprodução legalizada de conteúdo multimídia – como filmes e séries –,
algumas plataformas permitem que os consumidores acessem o conteúdo no momento
em que eles acharem propício e através do dispositivo de sua preferência. Essa
facilidade faz com que serviços como a Netflix façam sucesso mesmo num momento
em que a possibilidade de downloads ilegais sem custo é bastante facilitada pela
internet. Ao cobrar uma mensalidade de seus assinantes, esses serviços solucionam a
questão do acesso fácil e eficiente a um grande inventário de conteúdo multimídia e,
também, a questão dos downloads ilegais, uma vez que são realizados acordos com as
empresas detentoras do conteúdo que é disponibilizado.
A Netflix também se destaca por ser uma plataforma que garante comunidade para os
seus membros e por ter um sistema de recomendação para os seus usuários de diferentes
perfis. “Hoje, existem mais de 2 bilhões de classificações de membros e o membro
médio avaliou aproximadamente 200 filmes. O resultado é uma sabedoria coletiva
inestimável impossível de ser reproduzida em outro lugar.” (BOTSMAN; ROGERS,
2010, p.104).
4.2 Redistribuição de mercados
Seja gratuita, por um bem similar ou por dinheiro, todos os dias milhares de trocas estão
sendo realizadas através de sistemas que conectam completos desconhecidos, como o
Mercado Livre, ou até mesmo vizinhos, a exemplo do NeighborGoods, site que coloca
em contato pessoas que moram próximas uma das outras para que elas possam
compartilhar itens como uma escada ou furadeira.
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A redistribuição pode ser considerada o quinto “R” da educação ambiental que se baseia
em repensar, reduzir, reutilizar e reciclar, pois se firma, cada vez mais, como uma forma
de mercado sustentável e que “contesta o relacionamento tradicional entre produtor,
varejista e consumidor, e interrompe as doutrinas de “comprar mais” e “comprar
novo”” (BOTSMAN, ROGERS, 2010, p.73).
Antes da internet, os custos de transação para realizar uma troca ou até mesmo comprar
alguma coisa eram muito altos, pois era difícil alinhar, de maneira eficiente, as pessoas
interessadas na permuta. Mas atualmente, tornou-se fácil conectar os pares interessados
e fazer com que a transação aconteça. Isso mostra “o potencial das redes sociais para
combinar oferta e demanda por meio de uma sincronização em massa quase instantânea
de desejos ou necessidades em que as duas partes sempre ganham” (BOTSMAN;
ROGERS, 2010, p.129).
Os usuários do sistema de redistribuição de mercados vivenciam a “ausência de
consumo” e relatos apontam que, para eles, livrar-se de coisas velhas é tão bom quanto
adquirir produtos novos. A reciprocidade indireta também assume um papel
fundamental, pois as trocas não são mais baseadas na premissa “eu o ajudarei se você
me ajudar” e sim em “eu o ajudarei se alguém me ajudar”.
4.3 Estilos de vida colaborativos
Nesse sistema, os produtos saem do centro das transações para dar lugar à interação
humana. No estilo de vida colaborativo, pessoas com os mesmos interesses se juntam
a fim de compartilhar e trocar recursos menos tangíveis como habilidades,
conhecimento, tempo ou espaço, gerando conectividade social.
A “coincidência de desejos” é um termo da economia que consiste na realidade prática
de trocar uma mercadoria ou serviço pelo o outro, mas cada um dos lados tem que
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querer o que o outro está oferecendo. A improbabilidade dessa coincidência ocorrer é
chamada de “coincidência dupla de desejos”. A internet elimina essas ineficiências ao
conectar pessoas com os mesmos interesses. Para tanto, elas não precisam ao menos se
conhecer. “A tecnologia faz com que uma confiança não localizada se estabeleça e
cresça” (BOTSMAN, ROGERS, 2010, p. 158).
Uma forte tendência é a de mercados de empréstimo social que funcionam tendo como
base uma rede de credores e pessoas que tomam o empréstimo. A lógica é simples. Se
a pessoa A tem dinheiro sobrando e não quer guardar em sua conta bancária, ela pode
emprestar esse dinheiro à pessoa B. Nesse tipo de serviço, as taxas de lucro geralmente
são maiores para os credores e aqueles que tomam o empréstimo pagam, em média,
20% a menos de taxas do que nos bancos tradicionais. O grande diferencial é que essa
transação acontece através de uma plataforma online, com boas taxas de retorno e sem
o intermédio de nenhum banco.
Essa mesma confiança está fazendo com que as pessoas interajam mais umas com as
outras, gerando relações sociais que começam no ambiente online, mas migram para o
offline. O Caronetas, por exemplo, é um site de caronas que conecta os colaboradores
de empresas para que possam ir juntos ao trabalho. O projeto se mostra uma ótima
alternativa para unir pessoas que fazem o mesmo percurso todos os dias, seja para a
mesma empresa ou para um centro comercial, e que utilizam cada uma um carro. Além
de aliviar o tráfego de veículos nas vias e reduzir a emissão de poluentes, os usuários
poderão criar vínculos uns com os outros.
Outras experiências como escritórios de coworking, em que um mesmo espaço de
trabalho pode ser utilizado por vários profissionais diferentes, são exemplos de estilos
de vida colaborativos. Os espaços de coworking criam um ambiente favorável para que
as pessoas trabalhem, façam networking e também troquem experiência entre si. Já o
CouchSurfing é um serviço que conecta viajantes de todo o mundo, utilizado por mais
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de 5,5 milhões de pessoas espalhadas por 207 países que usam o serviço para acomodar
viajantes, procurar acomodação em uma cidade estrangeira, mostrar sua cidade a
visitantes e interagir com outros usuários que moram na mesma área.
5. Considerações finais
Quanto melhor os grupos humanos conseguem se constituir em
coletivos inteligentes, em sujeitos cognitivos, abertos, capazes de
iniciativa, de imaginação e de reação rápidas, melhor asseguram seu
sucesso no ambiente altamente competitivo que é o nosso (LÉVY,
2007, p. 19).
As ferramentas disponíveis com o advento da internet servem de base para uma nova
geração de consumidores que são mais protagonistas em suas compras, tomadas de
decisão e relacionamentos, se organizando de maneira centrada na inteligência coletiva.
As redes sociais online, ao possibilitarem trocas entre os indivíduos, facilitam a
construção de relações que nem sempre se dão com pessoas que conhecemos
pessoalmente, o que mostra que o que disponibilizamos no ambiente online é suficiente
para que uma confiança entre estranhos seja estabelecida e mantida.
Esse avanço tecnológico também culminou na queda dos custos de transação e colocou
o poder de volta nas mãos dos consumidores. O agrupamento de indivíduos com gostos
e preferências similares teve sua realidade mudada com o surgimento dos fóruns e redes
sociais específicas para determinadas preferências e isso fomentou a formação de
diversos grupos que mantém sua comunidade fortalecida através das ferramentas
digitais. As comunidades, antes esquecidas, reapareceram no ambiente digital e estão
tendo os seus valores difundidos novamente.
O consumo vem deixando de ser uma atividade apenas de adquirir produtos, indo além
e se tornando uma prática na qual a contribuição e colaboração são imprescindíveis.
Isso se dá através do consumo colaborativo, prática que alia a necessidade das pessoas,
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da comunidade e do meio ambiente e que geralmente acontece através de alguma
plataforma digital.
As motivações para participar variam e podem ser a conveniência, a economia de
dinheiro ou até mesmo a vontade de ser mais sustentável, mas o fato é que o consumo
colaborativo instaura uma mudança no comportamento dos consumidores ao mostrar
que suas necessidades e desejos podem ser alinhados a um comportamento que é
vantajoso não só para eles mesmos, mas também para a comunidade e o meio ambiente.
O consumo colaborativo ainda não é um modelo hegemônico, vale salientar novamente,
mas as experiências observadas já mostram que menos, na verdade, pode significar
mais. Adquirir menos e trocar mais pode significar um consumo mais sustentável, que
traz mais felicidade, mais experiências com os vizinhos, mais contato com a
comunidade e que demanda mais cuidado com o meio ambiente. O consumo
colaborativo é uma prática que reinventa a maneira de consumirmos e nos
comportarmos, e que cria uma economia do que é meu, é seu.
Referências
BARBOSA, Lívia. Sociedade de Consumo. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
BOTSMAN, Rachel; ROGERS, Roo. What’s mine is yours: the rise of collaborative
consumption. New York: HarperCollins, 2010.
LÉVY, Pierre. Inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. São Paulo:
Loyola, 2007.
RECUERO, Raquel. Redes sociais na internet. Porto Alegre: Sulina, 2009.
SHIRKY, Clay. Lá vem todo mundo. Rio de Janeiro: Zahar, 2012.
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