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O
SOFRIMENTO
PSÍQUICO
EM
Denise
Aparecida
de
Francieli
da
Rafaela
Bragança
Tailor Alves Cabral Sandra Mara dos Santos
MÃES
DE
Oliveira
Silva
AUTISTAS
Torres
Oratz
Peixe
O SOFRIMENTO PSÍQUICO EM MÃES DE AUTISTAS
Denise Aparecida de Oliveira Torres1
Francieli da Silva Oratz2
Rafaela Bragança Peixe3
Tailor Alves Cabral4
Sandra Mara dos Santos5
Resumo
O presente trabalho busca discutir sobre sofrimento psíquico e autismo, objetivando
identificar os sentimentos vividos pelas mães de crianças autistas. Para este estudo, foi
realizada uma pesquisa bibliográfica, onde foram selecionados livros e artigos capazes
de explicar o tema proposto. Busca-se entender como essas pressões agem no psiquismo
das mães e quais as causas das mesmas. De acordo com a revisão de literatura,
observou-se que família da criança autista, em especial a mãe, está constantemente
exposta a pressões internas e externas que geram o sofrimento psíquico, expressado
diretamente por meio de sentimentos de culpa, preocupações, medo, angústia,
impotência, impossibilidade de realizar seus desejos e fantasias, frustração, luto pela
perda do filho imaginário, tristeza. Sendo assim faz necessário um sustentáculo
emocional para a família, em especial a mãe que necessita ainda de um
acompanhamento psicológico para que ela possa se adaptar a esse filho e aceitá-lo
superando suas projeções fantasiosas.
Palavras-chave: sofrimento psíquico – autismo - materno.
Abstract
1
Acadêmica do Curso de Psicologia pelas Faculdades Associadas de Ariquemes – FAAr.
Acadêmica do Curso de Psicologia pelas Faculdades Associadas de Ariquemes – FAAr
3
Acadêmica do Curso de Psicologia pelas Faculdades Associadas de Ariquemes – FAAr.
4
Acadêmico do Curso de Psicologia da Faculdade de Educação e Meio Ambiente-FAEMA.
5
Docente do Curso de Psicologia pelas Faculdades Associadas de Ariquemes – FAAr.
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This paper seeks to discuss about autism and mental suffering, aiming to identify the
feelings experienced by the mothers of autistic children. For this study, we performed a
literature search, based on selected books and articles that can explain the theme. We
seek to understand how these pressures act on the psyche of mothers and what causes
them. According to literature review, we found that families of autistic children,
especially the mother, is constantly exposed to internal and external pressures that cause
mental suffering, expressed directly through feelings of guilt, worry, fear, anguish ,
impotence, inability to achieve her desires and fantasies, frustration, mourning the loss
of the imaginary child, sadness. Therefore an emotional support is necessary for the
family, especially the mother who still needs psychological counseling so she can adapt
to the child and accept him overcoming her fanciful projections.
Keywords: mental disorder - autism – mother
Introdução
Ao analisar o tema Sofrimento Psíquico e Autismo, faz-se necessário
contextualizar alguns pontos. O sofrimento psíquico relaciona-se com o sistema de
defesa do indivíduo que responde a ataques, internos como os pulsionais, passionais e
externos caracterizados por mudanças ambientais ou perdas diversas as quais pode se
deparar no decorrer de sua vivência. Já o autismo, está pautado na ausência de respostas
emocionais que inviabilizam a interação do indivíduo com o meio.
A partir de pesquisa bibliográfica, todo material recolhido referente ao tema foi
submetido a uma triagem, a partir da qual foi possível estabelecer um plano de leitura.
Tal leitura foi realizada sistematicamente, acompanhada de anotações e
fichamentos que serviram de fundamentação teórica ao estudo. A pesquisa deu-se entre
novembro 2011 e março de 2012. O método em questão permitiu discutir a temática do
autismo, considerar fatores a ele relacionados e compreender a relação entre o desejo
materno e a criança autista de acordo com os objetivos estabelecidos por este trabalho.
Em todas as culturas é comum que seus membros ao constituírem-se em
matrimonio, esperam a chegada dos filhos com bastante expectativa. Expectativa esta
que pode gerar momentos de muita ansiedade. No caso das mães a espera do
nascimento de um filho, vai além das mudanças físicas. Durante o tempo de gestação a
estrutura psíquica da mãe cria essa representação do bebê, nesse período a mãe projeta
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nesse novo indivíduo, todas as suas fantasias e cria um filho ideal, perfeito e que irá
corresponder as suas expectativas.
No entanto, passado o período de gestação e pós-parto a mãe tem a sua frente
um recém-nascido ativo e percebe que o filho idealizado vai se distanciando do filho
presente e talvez não atenda às suas expectativas e fantasias do seu período gestatório.
Em casos onde a criança ao longo de seu desenvolvimento, apresenta sinais de
patologia, nota-se um profundo desconforto na família, em especial, na mãe.
Desta forma, o presente trabalho tem os seguintes objetivos: a) discutir a
temática do autismo; b) considerar fatores a ele relacionados; e, c) compreender a
relação entre o desejo materno e a criança autista. Para tanto, foi realizada uma pesquisa
bibliográfica baseada em obras como Rapaport (1981), Dolto (1984), Ceccarelli (2005),
entre outros.
Lidando com o filho real: o autista
A espera do nascimento de um filho é na sua maioria um momento de grande
júbilo vivido pela mulher. É como se de início o bebê se apresentasse para a mãe como
um estrangeiro, constituindo um enigma que ela não conhece nem decifra. Durante os
meses da espera supõe-se que ele possa progressivamente passar a ser o objeto das
múltiplas projeções derivadas das experiências infantis da mãe.
Nesse tempo da gestação tratar-se-ia então, para a mãe, de realizar o trabalho de
transformar o estrangeiro em familiar, atribuindo-lhe características, por meio dos
efeitos de projeção e de idealização, ancoradas em sua própria história infantil. O pai,
por sua vez também compartilha dessas expectativas e emoções. Tais sentimentos
abrangem toda a família, no entanto a mãe é quem vive e cria as maiores idealizações a
respeito dessa criança.
Fiori (1981) afirma que “quando uma criança é concebida, já há na mãe e no pai
uma organização de fantasias ou de expectativas ligadas à concepção e ao
desenvolvimento da criança”(p. 7) . No entanto passado o período de gestação e pósparto a mãe tem a sua frente um recém-nascido ativo e que pode não atender as suas
expectativas da gestação.
O recém-nascido requer adaptação e organização das atividades diárias da mãe
que necessita estar preparada para perceber que o bebê idealizado no transcorrer do seu
desenvolvimento vai se tornando um filho real e talvez não atenda as suas expectativas e
fantasias do seu período gestatório.
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Com atividades biológicas inferiores aos de outros animais o recém-nascido
humano necessita de cuidados quase que integral “em relação aos outros seres vivos, o
ser humano nasce muito menos amadurecido para enfrentar os problemas relacionados à
sua sobrevivência” (D’Andrea, 1987, p. 32), estes cuidados na grande maioria
desempenhada pela mãe.
É estabelecido que alguns bebês exigirão maiores cuidados do que outros, os
bebês que apresentarem características mais tranquilas serão mais fáceis de ser
cuidados, os mais agitados solicitarão maior atenção. Logo a mãe dispensará a ele mais
tempo e maior energia tanto física quanto psicológica. Diante disso Rapaport (1981)
fundamenta: “[...] será mais fácil para uma mãe, notadamente a primípara, adaptar-se a
uma criança tranquila”( p. 23).
Com o nascimento do bebê, o filho real vai gradualmente substituindo o filho
imaginário, as decepções vão acontecendo para permitir o processo de separação dos
dois. O próprio nascimento é o inicio desse processo, porque, na fantasia da mãe, o que
ela desejava era a fusão total que o parto interrompe. À medida que a realidade se
impõe, a mãe vai retomando a sua historia novamente.
Evocam-se algumas dessas construções teóricas sobre a relação inicial mãebebê. Winnicott (1999) afirma que o papel fundamental do “ambiente materno” para a
determinação do psiquismo se constitui de processos de integração necessários para que
se dê o desenvolvimento emocional.
Lacan, (1986), por sua vez, aponta para o papel da mãe como encarnação do
Outro, como aquela que veicula num primeiro tempo, junto ao bebê, a lei simbólica da
cultura, e que lhe fornece o primeiro espelho através do qual ele ao mesmo tempo se
aliena e se constitui.
Laplanche (1988) enfatiza o papel iniciativo da mãe, responsável pela “sedução
generalizada” necessária, desenvolvimento do pensamento freudiano explicitado nos
“Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”, onde Freud (1905) afirma que é função da
mãe despertar o instinto sexual da criança e ensiná-la a amar. A mãe, então é aquela que
introduz o bebê no campo pulsional, instilando Eros em sua constituição.
Dolto (1984) refere-se ao papel fundamental da mãe como responsável por fazer
operar as “castrações simbolígenas”, que vão, passo a passo, estabelecendo os marcos e
fazendo surgir novas estruturações no psiquismo infantil.
Este bebê ora projetado perfeito e saudável pode apresentar fragilidades e
dificuldades físicas, cognitivas, motoras e psicológicas que a mãe não está preparada
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para enfrentá-las, e quanto mais grave essas interferências, maior será a angústia ao
enfrentamento dessa nova realidade inesperada pela mãe e pela família “[...] no caso de
crianças que apresentam dificuldades físicas ou mentais [...] o estabelecimento mãecriança torna-se particularmente difícil para a mãe” (Rapaport, 1981 p. 24).
No caso do nascimento de uma criança excepcional há um choque na família,
em especial, na mãe. A má formação do filho real faz reviver seus conflitos e dificulta a
elaboração gradual dos mesmos. A impossibilidade de realizar seus desejos e fantasias
traz uma grande frustração.
Segundo Gauderer (1985), os pais de uma criança deficiente estão em eterno luto
pela perda do filho saudável que não veio; o que existe é uma criança substituta que está
definitivamente lesada.
No que tange as mães de crianças autistas, seus filhos nascem com suas
características física, cognitiva, saudável, os sentidos (olfato, tato, paladar, visão) em
perfeito funcionamento; não há, a priori, comportamento que as façam imaginar
qualquer transtorno. O descobrimento da realidade totalmente insonhável no período
gestacional leva aos transtornos e á angústia que caracterizam o sofrimento psíquico da
mãe.
Segundo Ceccarelli (2005) as posições freudianas, concebem o psiquismo como
uma organização que se desenvolveu para proteger o ser humano contra os ataques,
internos e externos, que punham sua vida em perigo.
Sendo o psiquismo parte integrante do sistema imunológico, um indivíduo pode
mais facilmente contrair doenças caso possua um sistema de defesa fragilizado, em
contrapartida, pode estar menos munido para responder aos ataques, internos
(pulsionais, passionais) e externos (mudanças ambientais, perdas diversas), que
encontra ao longo da vida e, adoecendo psiquicamente.
Evidencia-se que, dentre os membros da família de uma criança com
desenvolvimento atípico, as mães podem ser bastante atingidas emocionalmente, pois se
deparam com a perda do filho imaginado por elas. Por isso, correm o risco de apresentar
sentimentos como tristeza, frustração, ambivalência e negação, os quais podem alterar o
relacionamento mãe-criança.
Contudo, consta-se que mãe de uma criança com desenvolvimento atípico pode
ser estressante, na medida em que existe uma sobrecarga adicional em todos os níveis:
social, psicológico, financeiro e, também, nos cuidados com a criança. Esta sobrecarga
poderá variar de acordo com as características de cada criança e com a severidade da
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deficiência que ela apresenta, já que diferentes casos originam diferentes expectativas e
necessidades ou formas de superação para as famílias.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (1993) o autismo é caracterizado
como um transtorno invasivo do desenvolvimento, definido pela presença de
desenvolvimento anormal e/ou comprometimento que se manifesta antes da idade de
três anos e pelo tipo característico de funcionamento anormal em todas as três áreas: de
interação social, comunicação e comportamento restrito e repetitivo. O transtorno ocorre
três a quatro vezes mais frequente em garotos do que em meninas.
A criança com autismo tem um comprometimento qualitativo em suas interações
sociais recíprocas, demonstram uma falta de resposta às emoções de outras pessoas/ou
falta de modulação do comportamento de acordo com o contexto social.
As mães não entendem o comportamento dissociável da criança e seus
movimentos estereotipados. Em muitos casos, estes são acompanhados de agressividade
por parte da criança, levando a mãe a uma situação de stress.
Investigações salientam os impactos de ter um filho com autismo na saúde
mental materna. Comparações entre mães de crianças com autismo e mães de crianças
portadoras de outras patologias, ou ainda, mães de crianças com Desenvolvimento
Típico estabelecem que mães de crianças com atrasos no desenvolvimento e com
autismo apresentaram risco mais elevado para desenvolver depressão e foram mais
severamente afetadas por este quadro clínico (Robinson et al (2001).
Robinson et al (2001) também afirma que essas mães desenvolveram menos
estratégias de enfrentamento de problemas, possivelmente porque apresentavam um
repertório insuficiente e pobre na qualidade de suas respostas, levando, assim, a uma
maior frustração no seu papel materno.
As mães dedicam grande parte do seu tempo aos cuidados com o filho autista,
muitas precisam abandonar seus empregos, para se dedicar exclusivamente aos cuidados
dispensados a estes, passando a viver uma sobrecarga emocional, física e financeira nos
cuidados com o portador do autismo, além da dificuldade na reprodução de imaginação
de uma vida normal.
Considerações finais
A partir do que foi discutido é possível constatar que a família da criança autista,
a mãe em especial, está constantemente exposta a pressões internas e externas que
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geram o sofrimento psíquico. Tal sofrimento é expresso por culpa, preocupações, medo,
angústia, impotência, frustração, luto pela perda do filho imaginário e tristeza.
Em suma, a mãe necessita de atenção especial, pois o cuidado da criança é
primordialmente exercido por ela. A saúde mental da mãe deve ser prioriorizada, uma
vez que, ela assume múltiplas responsabilidades nos cuidados físicos, cognitivos,
psicológicos do filho que necessita de zelo, disponibilidade, tempo, paciência, além do
seu papel no âmbito familiar: outros filhos, marido, tarefas domésticas e sociais.
Inerente a toda essa intensidade de anseios, percepções faz necessário um
sustentáculo emocional para a mãe da criança autista. Este sustentáculo emocional deve
ser construído gradativamente para que a mãe possa se adaptar ao filho autista e aceitálo superando suas projeções fantasiosas. O acompanhamento psicológico pode
contribuir para que o sofrimento seja superado.
Referências
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Fundamental. Psicologia em Estudo, Maringá, 10(3) Recuperado em 22 março,
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D'Andréa, F. F. (1983). Desenvolvimento da personalidade. Rio de Janeiro: DIFEL.
Dolto, F.(2008). A imagem inconsciente do corpo. Kon, Noemi Motitz Paris: Seuil.
Perspectiva. (Original publicado em 1984)
Fiori, V. R. (1981). Psicologia da gestação, In: C. R. Rappaport (Org.), Psicologia do
Desenvolvimento. São Paulo: EPU.
Freud, S. (1976) Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. In: Edição Standard
Brasileira das Obras Psicológicas completas de Sigmund Freud, vol.VII. 129250 Rio de Janeiro: Imago. (Original publicado em 1905).
Gauderer, E.C. (1985). Autismo da década de 80. São Paulo: Sarvier.
Lacan, J. (1986) Escritos. Rio de Janeiro, Jorge Zahar.
Laplanche. J. (1988) Teoria da sedução generalizada. Porto Alegre: Artes Médicas.
Rappaport, C. R. (1981) Psicologia do desenvolvimento. A infância inicial: O bebê e
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Robinson J, Drotar D, Boutry M. Problem Solving Abilities Among Mothers of Infants
With Failure to Thrive. J Pediatr Psychol. 2001; (1): 21-32.
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Winnicott, D. ( 1999). Os bebês e suas mães. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
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