O conceito de coesão verdadeira ajuda
a entender o comportamento mecânico
dos solos?
Emanuel Maranha das Neves
Instituto Superior Técnico
Sumário
O objectivo principal é mostrar que o conceito
mecânico de coesão, fundamentado sobretudo na
adesão entre partículas, não só não descreve clara e
adequadamente o comportamento mecânico dos
solos, como pode ter consequências práticas
indesejáveis.
Pressupostos (I)
Tratar-se-á apenas de solos, isto é, materiais
particulados e sem ligações cimentícias entre as
particulas.
a) c’>0 (“true cohesion”):rocha. b) c’=0: solo (argila ou areia)
Manuel Rocha (1973); Bolton (1979); Atkinson (1993)
Pressupostos (II)
Podem ainda ser abrangidos os casos de ocorrência
de ligações cimentícias fracas, facilmente destruídas
em resultado das deformações conducentes ao
estado crítico (rotura).
No caso de ligações cimentícias mais fortes, estarse-á noutro domínio, o das argilas rijas/rochas
brandas e o das rochas propriamente ditas.
Pressupostos (III)
As considerações que seguidamente serão
apresentadas dizem respeito a solos saturados
(embora podendo ser estendidas aos solos não
saturados).
Os comportamentos, nomeadamente a rotura,
são sempre descritos em termos de tensões
efectivas (ainda que de forma implícita, como
sucede no caso do comportamento não
drenado).
Múltiplas designações para a coesão
Cohesion – coesão
Effective cohesion – coesão efectiva
True cohesion – coesão verdadeira
Apparent cohesion – coesão aparente*
Undrained cohesion – coesão não drenada
Peak cohesion – coesão de pico
Cohesion intercept – coesão de intersecção
* Aparente pode significar evidente, manifesto ou então, fictício, falso.
Um critério de rotura não pode ser definido apenas
com base em tensões, como na MS clássica
Mecânica dos solos clássica
(critério de rotura de Mohr-Coulomb)
τ = σ’tg φ’
τ = c’+ σ’tg φ’
Mecânica dos solos dos estados críticos
(rotura definida em termos de tensões e deformações)
q = Μ p’
v = Γ – λ ln p’
Critério de rotura de Mohr-Coulomb
τ=
σ’ tg φ’
τ=
c’+ σ’tg φ’
Critério de rotura de acordo com a MSEC
Conceito de estado
q = M p’ ; v = Γ- λ ln p’
τ = σ’ tgφ’ ; e = eo - Cc log σ’
Atkinson (1993)
Determinação da resistência no estado crítico (qc, pc’,v)
Ensaio triaxial CD, argila de Santa Clara (M=1,1; λ=0,103; κ=0,011; OCR=1,75)
σcons=200kPa
q = M p’
q = f (εs)
v = Γ- λ ln p’
Maranha das Neves (1975)
Maranha das Neves (1975)
O modelo friccional para os solos
É inquestionável que mesmo as argilas, NC ou ligeiramente
OC, resistem apenas por atrito.
Argila de Santa Clara, ligeiramente OC. (LL=47,6%; IP=26,5%). Ensaios CD, muito lentos
(≈0,005 mm/min)
(Maranha das Neves, 1969)
Envolvente de Mohr-Coulomb curva
Ensaio triaxial de enrocamento (basalto)
Maranha das Neves & Veiga Pinto (1988)
Dum ponto de vista microestrutural, é espectável que,
durante a compressão, aumentando as forças
interparticulares, a distância média entre partículas diminua.
Do ponto de vista macroestrutural, a equação
v = Γ – λ ln p’
estabelece que o volume ocupado pela unidade de volume
de particulas em escoamento (v) diminui com o aumento do
logarítmo da tensão efectiva (p’).
A abordagem da MSEC é macroestrutural, visa a utilização
da mecânica dos meios contínuos e da elastoplasticidade
com endurecimento (sentido lato) .
Dilatância, ψ = - dεv / dεs
τAdx – σ’Ady
(energia de carregamento total)
=
μσ’ Adx
(trabalho friccional)
q dεs+p’dεv = Mp’|dεs |
(em termos dos invariantes q e p’)
Taylor (1948);
Schofield & Wroth (1968)
Resistência: atrito + dilatância
(representação no plano q;p’)
Atkinson (1993)
qp’ = M pp’ + pp’ (δεv / δεs)p
Envolvente dos estados de pico e dilatância
Notar que para tensões efectivas muito inferiores às usadas nos ensaios
comuns (OCR muito elevadas), a envolvente dos estados de pico é
acentuadamente curva em direcção à origem.
Interpretação dos resultados de resistências de pico
Envolvente curva das
resistências de pico
num gráfico (τ ; σ’).
Forma incorrecta de
interpretação dos
resultados das
resistências de pico.
Powrie (1997)
Solos densos (rijos) e solos soltos (moles)
Secos e húmidos na terminologia da MSEC
Há interesse em saber se um solo é denso na medida em que, se assim
suceder, exibe dilatância positiva.
Para o saber é necessário referenciá-lo em relação ao ecrítico
correspondente ao valor de σ’ a que está submetido.
Dilatância negativa
(lado húmido)
Dilatância positiva
(lado seco)
Representação de Mohr-Coulomb dos estados de pico
(ensaio de corte directo)
τ = c’pe + σ’p tgφ’p
Notar que:
φ’p < φ’c
e,
para baixos valores de σ’, a
equação não dá os valores de
pico.
Atkinson (1993)
Isto significa que c’pe não é a resistência de corte do solo para σ’ = 0.
É apenas um parâmetro para definir a equação de Mohr-Coulomb.
Representação de Mohr-Coulomb dos estados de pico
(ensaio triaxial)
qp = Gpv + Hp pp’
Hp – gradiente
Gpv – intersecção no eixo dos q,
não é uma tensão de pico para p’
≈ 0.
OT – “tension cut-off”, i. e.,
linha limite dos estados
correspondentes a tensões
efectivas negativas (cimentação,
por ex.).
Atkinson (1993)
Dilatância versus coesão
A dilatância varia com δεs e p’, passa por um
máximo (que depende de p’ e da OCR) e descreve
uma situação de transição para o estado crítico
(rotura), no qual se anula (tgψ = 0).
Pelo contrário, a coesão, de acordo com o critério de
Mohr-Coulomb, mantém um valor constante, não só
independente da tensão normal, como da
deformação.
Escolha de parâmetros de projecto no caso
de argilas OC
Optando por uma abordagem conservativa:
τ = σ’tgφc’
(φc’- medido em triaxial com a argila remoldada saturada).
Escolha de parâmetros de projecto no caso
de argilas OC
Pretendendo usar resistências de pico:
τ = σ’tgφ’máx = σ’tg (φc’+ ψ)
(φ’máx – medido em triaxial em amostras indeformadas)
Neste caso é indispensável ter a certeza que o maciço argiloso não sofreu nem sofrerá rotura!
Sucção
O maciço de argila mantém uma parede vertical? A areia mantém um
talude de inclinação superior ao seu φc’? Apenas o resultado do efeito de
p’ devido à sucção (p’ será facilmente alterado se, por exemplo, variarem
as condições atmosféricas). O comportamento é puramente friccional.
Vala na zona de contacto entre o núcleo e o filtro de jusante na barragem de Keddara
Resistência ao corte não drenada (su)
Atkinson (1993)
A resistência não drenada definida nestes termos retem o espírito da
velha noção de coesão, mas não contradiz minimamente o modelo
friccional que se advoga para os solos.
O papel da química coloidal na quantificação do
comportamento mecânico das argilas
Forças entre partículas de argila
Distância muito próxima
Forças de “solvation/hydratation”
Forças de repulsão de Born
Distância menos próxima
Repulsão da dupla camada
Atracção de van der Waals
Santamarina, Klein & Fam (2001)
O papel da química coloidal na quantificação do
comportamento mecânico das argilas
Lambe & Wihtman: “…os princípios da química
coloidal têm dado uma ajuda quantitativamente
reduzida para o estudo do comportamento das
argilas”.
Talvez mais adequadamente se devesse dizer que se
trata de uma pequena ajuda para o estudo
quantitativo do comportamento das argilas.
Visualização da relação entre as dimensões
de partículas de argila, silte e areia
Maranha das Neves (2004)
A engenharia civil geotécnica, na prática, não é confrontada com formações
constituídas por argilas puras (ao contrário da indústria cerâmica, etc.).
Forças gravíticas e forças resultantes da
atracção/repulsão entre partículas
Suspensão aquosa
As forças de natureza
gravítica são irrelevantes
(comportamento
coloidal).
Maciço terroso
As forças de
atracção/repulsão são
irrelevantes face às forças
gravitacionais, não de uma
só partícula, mas da massa
total de solo sobrejacente.
Forças gravíticas e forças resultantes da
atracção/repulsão entre partículas
(mecanismo de auto-filtragem)
Maranha das Neves (1991)
Conclusões (I)
A coesão (comportamento com base no fenómeno físico da
adesão) não explica de modo capaz o comportamento
mecânico das argilas OC.
Existem resistências de pico (para εs normalmente muito
inferiores às correspondentes ao estado crítico) que só
podem ser explicadas pela dilatância.
Daí que um critério de rotura para solos não possa ser
apenas descrito num espaço de tensões (caso dos critérios de
Mohr-Coulomb e Tresca).
Conclusões (II)
A interpretação do comportamento associado às
resistências de pico dos solos deve basear-se na
combinação
atrito + dilatância
em vez de
atrito + coesão
Conclusões (III)
O modelo baseado na coesão efectiva tem frequentemente
consequências práticas indesejáveis no domínio da
segurança.
O conceito de coesão (adesão entre partículas) não deve ser
usado nos conceitos básicos do comportamento mecânico
dos solos.
Atendendo aos seus fundamentos, deve recorrer-se, no
ensino e na prática, à Mecânica dos Solos dos Estados
Críticos.
Conclusões (IV)
.
Não devem ser usadas as designações solos coesivos
e, por maioria de razão, a de solos não coesivos,
pois introduzem confusão no domínio do ensino e
enviesam a prática da engenharia civil geotécnica ao
estabelecerem uma permanente ligação com um
modelo de comportamento errado.
Conclusões (VI)
Deve usar-se a designação solos
argilosos (argilas) em vez de solos
coesivos e solos arenosos (areias) em
vez de solos não coesivos.
Conclusões (V)
O que marca realmente a diferença de
comportamento mecânico entre estes
solos tipo é afinal uma propriedade
hidráulica: a respectiva permeabilidade.
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O conceito de coesão