Artigo Original
Nutrição e saúde: o agente comunitário de
saúde e as ações realizadas com crianças de
0-12 meses em Uruburetama (CE)
Nutrition and health: the community health agent and the actions
undertaken with children from 0-12 months in Uruburetama (CE)
Maria Marlene Marques Ávila1; Daniela Vasconcelos de Azevedo1;
Maira Moreira Galvão2; Milena Lima de Moraes3
Resumo
Objetivou-se caracterizar como os Agentes Comunitários de Saúde (ACS) acompanham o crescimento e o desenvolvimento
do lactente, focando no acompanhamento do crescimento, aleitamento materno e introdução da alimentação complementar.
Acompanhou-se, durante 1 ano, o trabalho realizado por 15 ACS com 16 crianças nascidas em agosto de 2004. A coleta dos
dados deu-se por meio de entrevista com as mães e visitas mensais para a observação do desenvolvimento da criança e
das visitas domiciliares feitas pelos agentes. A análise tomou como parâmetro a preconização do Ministério da Saúde (MS) e
da literatura pertinente. Demonstrou-se que o aleitamento materno exclusivo até o sexto mês não é uma prática adotada pela
maioria das mães, e que a introdução da alimentação complementar é realizada de forma inadequada em relação à idade
da criança e ao tipo de alimento introduzido, expondo a criança a riscos nutricionais nem sempre percebidos pelos agentes.
Conclui-se que os agentes necessitam de um maior apoio por parte dos demais profissionais da equipe, responsáveis pela
supervisão de suas ações. Ainda, há a necessidade de promover capacitação aos agentes de saúde para o aperfeiçoamento das orientações repassadas às mães de crianças menores de dois anos.
Palavras-chave: promoção da saúde; agentes comunitários de saúde; fenômenos fisiológicos da nutrição do lactente; acromegalia.
Abstract
The objective was to characterize how the community health agents (CHA) follow the growth and development of infant, focusing on growth monitoring, breastfeeding and introduction of complementary feeding. The research was done during 1 year,
accompanied the work performed by 15 CHA which followed 16 children that were born in August 2004. Data collection was
through the interviews with mothers and monthly visits to observe the child’s development and home visits made by CHA. The
analysis took as a parameter the preconization of the Ministry of Health (MH) and specific literature. The results showed that
exclusive breastfeeding until the sixth month is not a practice adopted by most mothers, and the introduction of complementary feeding is performed inappropriately in relation to the infant’s age and type of food introduced. This exposes the infants
to nutritional risks which is not always perceived by the agents. We concluded that the agents require further support from the
remaining team which is responsible for oversight such action. Further, there is a need to promote training to community health
agents to improve the guidance given to the mothers of children under two years old.
Keywords: health promotion; community health agent; infant nutritional physiological phenomena; acromegaly.
Trabalho realizado na Universidade Estadual do Ceará – Fortaleza (CE), Brasil.
1
Professora do Curso de Mestrado em Nutrição e Saúde da Universidade Estadual do Ceará (UECE) – Fortaleza (CE), Brasil.
2
Nutricionista Graduada pela UECE – Fortaleza (CE), Brasil
3
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Clínica Médica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – Rio de Janeiro (RJ), Brasil.
Endereço para correspondência: Maria Marlene Marques Ávila – Avenida Parajana, 1700 – Campus do Itaperi – CEP 60740-000 – Fortaleza (CE), Brasil –
E-mail: [email protected].
Fonte de financiamento: nenhuma.
Conflito de interesses: nada a declarar.
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Maria Marlene Marques Ávila; Daniela Vasconcelos de Azevedo; Maira Moreira Galvão; Milena Lima de Moraes
INTRODUÇÃO
A partir da Conferência de Alma-Ata, em 1978, verificou-se na América Latina, de forma geral, a ampliação
da oferta dos serviços de saúde, com ações centradas na
atenção primária à saúde, cujo foco principal era a saúde materno-infantil, com ênfase no acompanhamento do
crescimento, na terapia de reidratação oral, no incentivo
à prática do aleitamento materno, planejamento familiar,
manejo correto das infecções respiratórias agudas e o aumento da cobertura vacinal1.
Conforme Favoreto2, essas ações foram implantadas
em maior ou menor escala em todos os países em desenvolvimento e para a sua realização, muitos deles, inclusive o
Brasil, utilizaram como recurso humano o ACS.
No Brasil, o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) foi criado em 1991, e entre as várias atribuições
desses profissionais, previa o acompanhamento a gestantes e
a nutrizes, o incentivo ao aleitamento materno e o acompanhamento do crescimento e do desenvolvimento da criança.
Além disso, o ACS tinha como uma de suas atividades a
visita às famílias, pelo menos uma vez por mês, com a finalidade de prestar cuidados primários e orientar ações de
saúde individuais e coletivas3.
Atualmente, a atenção primária está organizada em torno da Estratégia de Saúde da Família (ESF), organizada em
equipes de saúde da família que contam com um médico
generalista, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem e
quatro a seis ACS. A equipe ampliada inclui um dentista,
um auxiliar de consultório dentário e um técnico em higiene dental. Cada equipe se responsabiliza pelo acompanhamento de cerca de 600 a 1000 famílias, não ultrapassando
4.500 pessoas4. Nesse primeiro nível de atenção à saúde,
estão incluídas a promoção e a proteção, a prevenção de
agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação e a
manutenção da saúde, com capacidade de resolutividade
de, aproximadamente, 80% das necessidades e problemas
de saúde5-7.
Nesse modelo de atenção, a promoção tem papel de destaque na atenção básica e na forma como o trabalho está
organizado. O ACS é o profissional mais diretamente ligado
às famílias, considerado o elo entre estas e a equipe.
Entre suas diversas atividades, sobressai o acompanhamento do crescimento e do desenvolvimento como uma das
principais ações promotoras da saúde infantil, sendo o componente nutricional fundamental neste acompanhamento.
O presente estudo teve como objetivo caracterizar como o
ACS realiza essa ação tomando como cenário um município
de médio porte do estado do Ceará.
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MATERIAIS E MÉTODOS
Os dados trabalhados neste artigo foram obtidos de
um estudo mais amplo de abordagem qualitativa que utilizou como técnicas de coleta dos dados a identificação dos
nascidos vivos por meio da Declaração de Nascidos Vivos,
entrevistas semiestruturadas, realizadas com as mães e com
os ACS, observação dos procedimentos realizados pelos
ACS durante as visitas domiciliares, observação participante
nos domicílios realizada mensalmente durante o período de
um ano, ocasião em que o acompanhamento dos cuidados
de puericultura eram observados por meio da caderneta de
saúde da criança.
Especificamente para o objetivo aqui proposto, focamos
na observação dos procedimentos realizados pelos ACS durante as visitas domiciliares às crianças menores de um ano e
nas entrevistas com as mães/responsáveis.
A pesquisa foi desenvolvida no município cearense de
Uruburetama, localizado na mesorregião norte do Ceará,
a 100 km da capital Fortaleza. No momento da pesquisa, o
município contava com, aproximadamente, 4.689 famílias,
sendo esta totalidade cadastrada no Programa de Saúde da
Família (PSF), com 19.371 pessoas acompanhadas por 5
equipes compostas de 3 médicos, 5 enfermeiros, 5 auxiliares
de enfermagem e 30 ACS, 2 equipes de saúde bucal com 2
cirurgiões-dentistas e 2 técnicos de consultório dentário8.
Três importantes condições de saúde encontradas em Uruburetama respaldaram a escolha desse município para o desenvolvimento do estudo: mortalidade infantil acima de 40%,
sendo a diarreia e a infecção respiratória aguda as principais
causas; desnutrição infantil de 6,2% e 100% das famílias com
cobertura do PSF9,10.
População e amostra
Conforme a Declaração de Nascidos Vivos, em agosto
de 2004, nasceram 23 crianças em Uruburetama. Devido à
mudança de município de 4 famílias e o difícil acesso à moradia de outras 3, a amostra foi constituída por 16 crianças no
primeiro ano de vida, 16 mães e por 15 ACS.
O grupo de mães era eminentemente jovem, com idade
média de 23,4 anos, multíparas, e de baixo nível socioeconômico. Entre as 16 famílias, 7 moravam na zona rural e 9
na sede do município. Quanto ao grupo de ACS, todas eram
mulheres com escolaridade variando do ensino fundamental
ao superior.
Coleta e Análise dos dados
A coleta dos dados ocorreu entre agosto de 2004 e agosto
de 2005. Durante esse período, foi realizada mensalmente
Nutrição e saúde: o agente comunitário de saúde e as ações realizadas com crianças de 0-12 meses em Uruburetama (CE)
uma visita a cada criança, às vezes, com a agente de saúde,
outras vezes apenas pela pesquisadora, o que ocorria porque nem todos os meses todas as crianças foram visitadas
pelas ACS.
Na primeira visita domiciliar, foi realizada uma entrevista estruturada com as mães/responsáveis, com perguntas
sobre a situação socioeconômica, condições de gestação e
nascimento da criança, aleitamento materno e acompanhamento pelo ACS.
Durante as visitas subsequentes, por meio da observação
direta, acompanhou-se a conduta e a orientação tomadas
pelas 15 ACS, quanto ao monitoramento do peso, aleitamento materno e alimentação complementar das crianças
ao longo do primeiro ano de vida. Por ocasião das visitas
sem a presença das ACS, as mães eram indagadas quanto
à sua compreensão sobre o acompanhamento realizado,
sobre a alimentação da criança, procedimentos realizados
pelas ACS e também eram observadas as anotações contidas
na caderneta de saúde da criança. Todos os dados obtidos
por meio da observação e das conversas com as mães foram
registrados no diário de campo.
Os resultados foram apresentados de forma descritiva,
comparando-se as informações obtidas na pesquisa de campo
com o preconizado pela literatura especializada.
O presente estudo foi previamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Ceará
(UEC) (Parecer nº. 05409334-1).
RESULTADOS
Durante o acompanhamento feito pelas ACS nas visitas
domiciliares, observou-se que mais da metade das mães não
foi visitada pela agente de saúde durante o puerpério, como
ilustra a fala a seguir: “[...] quando cheguei da maternidade,
já comecei a dar o leite em pó. A agente de saúde não sabe.
Quando ela veio aqui a nenê já estava com dois meses” (R. 17
anos, primípara).
Quanto ao monitoramento do peso, constatou-se que, em
cada mês, pelo menos uma criança deixou de ter seu peso aferido e anotado. Como exemplo deste fato observou-se que no
1º, 3º e 10º meses de vida quatro crianças não foram pesadas,
no 11º mês cinco também não foram e no 12º seis crianças
ficaram sem aferição do peso.
No terceiro mês de vida uma criança apresentou ganho de
peso excessivo (peso acima do percentil 97) e outra apresentou
risco para desnutrição (peso entre o percentil 3 e o percentil
10)11, no entanto, nenhuma orientação ou encaminhamento
foi realizado pela ACS.
Tal constatação ilustra o fato de que algumas ACS não
foram capazes de reconhecer situações de risco nutricional,
principalmente quando a criança apresentava sobrepeso ou
obesidade, que era percebido como sinônimo de “criança
saudável”.
Indagando a mãe sobre sua compreensão quanto ao acompanhamento do peso mensal como medida de saúde, constatou-se o total desconhecimento da importância dessa ação e
do significado da curva de crescimento como indicativo que
possibilita a intervenção precoce em situações de risco nutricional. De acordo com os registros da observação, em muitas
visitas, além das ACS não pesarem todas as crianças (e quando
o faziam não utilizavam a técnica correta de pesagem), apesar
de haver, por parte das mães, o reconhecimento do trabalho
realizado: “A agente de saúde é importante, ela pesa todo mês,
diz como está a nenê, pergunta sobre o desenvolvimento dela.
Ela orienta sobre a vacina, o peso, o soro, não orienta sobre as
outras coisas” (L. 26 anos).
Com relação ao aleitamento materno, cinco crianças mamaram exclusivamente até o segundo mês de vida; duas até o
terceiro mês e duas até o quarto mês. A prática de introduzir
leite artificial precocemente foi observada em todo o grupo.
Nenhuma das 16 crianças recebeu aleitamento materno exclusivo até o sexto mês de vida, sendo que a fórmula infantil
modificada adequada nos casos de aleitamento misto só foi
introduzida por 2 mães que tinham melhor renda, que, por
sua vez, também foram as que mais precocemente retiraram
totalmente o aleitamento materno: “Nunca dei só o leite do
peito. Desde que nasceu toma outro leite. Quando estava com
quatro, cinco meses, tirei o peito de vez [...]” (A. 31 anos,
terceira filha).
Os principais motivos referidos pelas mães para não amamentar exclusivamente até seis meses foram que o leite materno não satisfazia ou sustentava a criança, que o leite havia
secado ou que era pouco, conforme pode ser observado pela
seguinte fala: “Eu comecei a dar o leite em pó, ela não tinha
nem um mês. Chorava muito, só podia ser fome. Então dei o
leite, ela se calou [...]” (V.L. 18 anos, 3 filhos).
Ressalte-se que, sendo a orientação sobre alimentação
da criança uma das atividades a ser realizada durante a visita domiciliar, mesmo no caso das crianças menores de seis
meses, essa atividade não recebe ênfase por parte das ACS, e
embora em alguns depoimentos as mães a refiram, nas visitas
observadas não houve a oportunidade de presenciar como a
ACS orienta tal prática: “Eu comecei a dar o leite em pó, ela
estava com dois meses, mas eu já dava água, chá [...] A agente
de saúde andou aqui, mas nem perguntou por isso [...]” (C. 17
anos, primípara).
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Maria Marlene Marques Ávila; Daniela Vasconcelos de Azevedo; Maira Moreira Galvão; Milena Lima de Moraes
[...] a ACS é muito presente. Vem sempre aqui saber como
a nenê está. Eu acho importante esse acompanhamento que
ela faz. Ela disse que é pra dar só o leite do peito, mas às
vezes, quando a nenê não se satisfaz, eu dou leite de vaca,
mas ela (a ACS) não sabe. (M. 37 anos, primípara).
De maneira geral, a base da alimentação infantil era o leite,
materno, em pó ou in natura. Várias farinhas eram utilizadas
como espessantes do leite artificial, no preparo de mingau.
Algumas mães referiram que utilizaram, em algum momento,
iogurte como substituto do leite.
Arroz, macarrão, legumes e hortaliças eram utilizados no
preparo de sopas que as mães iniciavam entre o quinto e o
sexto mês. Desperta atenção o maior uso de chuchu, cenoura,
tomate, beterraba e batata-inglesa, em detrimento da batatadoce e abóbora cultivadas por algumas famílias.
O feijão, que é um alimento mais acessível para todas as
famílias era pouco adotado pelas mães porque temiam que
fizesse mal às crianças.
O consumo de carne vermelha praticamente não existia
entre as de menor renda, principalmente na zona rural, onde
o frango era a segunda fonte proteica mais consumida por
todas as crianças.
O consumo de alimentos industrializados não adequados para a criança no primeiro ano de vida, como macarrão
instantâneo e salgadinhos, ricos em conservantes e corantes
artificiais, foi também observado entre algumas famílias.
As frutas eram pouco utilizadas e seu baixo consumo não
era decorrente apenas do poder de compra, pois em algumas famílias da zona rural que dispunham de frutas nos quintais, não
eram utilizadas na alimentação da criança, fato determinado
por alguns tabus alimentares. Entre as frutas utilizadas, as mais
frequentes eram laranja, banana, maçã, mamão e acerola.
Quanto à introdução precoce da alimentação complementar, um fato que merece destaque, é a forma de preparo do
leite em pó, preferido pelas mães, observou-se no seu preparo
a superdiluição, o que está demonstrado na fala a seguir: “[...]
faço uma chuquinha cheia, com duas colher de leite, três de
açúcar e duas de maisena. Ela toma quatro vezes por dia [...]”
(mãe agricultora, 19 anos com uma filha de 8 meses).
No caso, a “chuquinha” (mamadeira) era de 50 mL. Para essa
quantidade de água a diluição correta do leite utilizado seria uma
colher de sopa cheia (15 g). No entanto, ela preparava com 10 g
(2 colheres de chá) e uma quantidade também inadequada do
espessante e de açúcar. Tomando quatro “chuquinhas”, a criança
estava na verdade tomando 200 mL/dia (volume que deveria ser
dado numa única refeição, 3 vezes ao dia) de uma mistura excessiva de carboidrato e pobre em proteínas, e deixando de comer os
alimentos produzidos pelos pais, mais nutritivos e saudáveis.
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DISCUSSÃO
O baixo nível socioeconômico e a idade precoce das
mães do grupo estudado são fatores que as definem como de
maior vulnerabilidade social e maior risco para a prática do
desmame precoce, portanto grupo prioritário para o acompanhamento mais constante da equipe de saúde. Esse fato
determina uma importância maior à visita domiciliar como
momento de interação entre mães e as ACS, entre outros
motivos, por ser o membro da equipe que melhor conhece
as condições sociais e econômicas da família. Isso, potencialmente, confere à ACS melhores condições de demonstrar, no
caso deste estudo, as vantagens do aleitamento materno, seja
do ponto de vista econômico, ou do nutricional; do adequado
acompanhamento do peso do bebê como medida promotora
de saúde e da introdução da alimentação complementar de
forma a garantir que a mãe privilegie alimentos que supram as
necessidades da criança e que estão ao seu alcance, do ponto
de vista do acesso.
No período da amamentação também podem ocorrer
dificuldades relacionadas ao manejo e prática do aleitamento
materno, tais como ingurgitamento mamário, traumas mamilares e mastite puerperal12, que se não forem trabalhadas
precocemente levam a interrupção dessa prática. Essas são
situações nas quais o trabalho da ACS é fundamental para
identificar e encaminhar, quando não estiver ao seu alcance a
orientação e procedimentos.
Quanto ao monitoramento do peso, nem todas as crianças foram pesadas mensalmente, embora essa fosse uma
atividade regularmente desenvolvida pelas ACS. Além disso,
tal atividade ocorria sem a participação das mães, pois elas
desconheciam a importância desse acompanhamento para
a saúde das crianças. Entre todas as mães acompanhadas,
nenhuma sabia o que significava a curva do crescimento formada pelo peso a cada mês. A compreensão do seguimento
da curva, sua relação com a alimentação e com a saúde da
criança não era percebida por elas, tampouco a noção de
risco nutricional.
Em algumas situações em que a curva do crescimento
demonstrava o risco nutricional, observou-se que não foi
realizada pela ACS nenhuma orientação ou encaminhamento
à unidade de saúde. Como as ACS não trabalhavam essas
especificidades, reforçava-se a ideia para as mães de que o
acompanhamento do peso era simplesmente uma medida de
controle para o sistema de saúde, uma obrigação das ACS, e
não uma ação preventiva de saúde das crianças.
Esse achado aponta para a necessidade de revisão dessa
ação no município, uma vez que independentemente do
impacto que a vigilância do crescimento possa ter no estado
nutricional, segundo Carvalho et al.13, é uma medida que dá
Nutrição e saúde: o agente comunitário de saúde e as ações realizadas com crianças de 0-12 meses em Uruburetama (CE)
aos profissionais de saúde feedback sobre as ações realizadas
com a população infantil.
Quanto à alimentação, um aspecto que merece reflexão é
o aleitamento materno. A prática adequada do aleitamento
exclusivo, que poderia beneficiar mães e crianças, não foi observada. A introdução de leite industrializado já no primeiro
mês de vida representa um custo significativo para famílias
com baixo rendimento, ademais, o resultado sobre a saúde
das crianças pode vir a ser prejudicial. Ao iniciarem o aleitamento misto, as mães diminuem o número de mamadas e
as compensam com o leite artificial, que deveria ser preparado conforme a recomendação do fabricante; ocorre que a
precária situação econômica dessas famílias faz com que esse
leite seja superdiluído com o objetivo de maior rendimento,
o que significa que as necessidades nutricionais da criança
não serão supridas. Além do ônus que isso representa para
o orçamento familiar, a criança passa a ser exposta a situações de risco relacionadas à inadequação da alimentação e
às condições sanitárias em que os alimentos são preparados
e ministrados.
Conforme observado nas visitas mensais, a ACS não
orienta sobre amamentação, ou pelo menos não segue um
padrão de orientação que dê um significado para as mães das
vantagens do aleitamento exclusivo. O que se vê nas falas das
mães quando se referem às orientações das ACS são clichês
como: “dê só o leite do peito!”, “sustente só na mama!”, ou seja,
são orientações sobre o aleitamento exclusivo, totalmente descontextualizadas das condições e motivos que podem levar, e
geralmente levam, como o estudo demonstrou, à introdução
precoce de outros alimentos, feita à revelia das ACS.
Quando uma mãe diz que a ACS “mandou sustentar só
na mama” percebe-se que ocorreu muito mais uma ordem do
que propriamente uma orientação e um apoio, ou mesmo um
acompanhamento concreto da prática do aleitamento materno. Provavelmente, para a mãe, amamentar exclusivamente
não faça muito sentido, porque ela enfrenta situações concretas nas quais alimentar a criança só com o leite materno se
torna complicado, pois há outras crianças para cuidar, tarefas
domésticas a cumprir, às vezes, ajudar o marido na agricultura etc. e como ela, possivelmente, não tem a percepção do
aleitamento materno como o mais vantajoso para a criança e
para toda a família, porque este não é um valor absorvido realmente pela população, ela toma as iniciativas que considera
ser mais favoráveis a ela, mãe, e à criança14.
Mesmo quando a mãe reconhece a importância do acompanhamento da ACS, introduz leite artificial na alimentação
da criança sem o conhecimento desta, como foi o relato de
uma mãe que deu leite industrializado no segundo mês, porém
omitiu o fato à ACS, apesar de considerá-la “muito presente”.
O estudo demonstrou que, conforme ocorrem dúvidas e
dificuldades em relação à prática do aleitamento materno, as
mães introduzem sem nenhuma orientação o leite artificial
na dieta de seus filhos. No entanto, tal problema deve ser
creditado a toda a equipe de saúde da família, uma vez que
a abordagem do aleitamento materno caracteriza-se como
multidisciplinar15.
Segundo Pelegrin16, o primeiro ano de vida é uma fase
de extrema vulnerabilidade devido ao fenômeno do crescimento/desenvolvimento, sendo imprescindível a atenção às
necessidades básicas nutricionais. O consumo alimentar das
crianças menores de seis meses de idade, do presente estudo,
caracterizou-se pela introdução precoce do leite em pó integral, pelo uso de farináceos à base de arroz e/ou milho, além
da introdução de alimentos não recomendados para esta faixa
etária, iniciando, assim, de forma inadequada a alimentação
complementar, o que é compatível com uma dieta pobre em
gordura e proteína, devido à superdiluição do leite, portanto,
dificilmente estal dieta suprirá as necessidades conforme as
recomendações nutricionais para a faixa etária17.
Conforme Chuproski18, quando a mãe introduz alimentação complementar precocemente nem sempre observa a
correta consistência desta alimentação, o que agrava ainda
mais a situação, pois preparações muito diluídas ou muito
concentradas em calorias podem levar respectivamente a desnutrição e à obesidade, fato reiterado no presente estudo.
Estudos demonstram que práticas alimentares inadequadas em crianças menores de dois anos relacionam-se com o
aumento da morbidade, principalmente de doenças infecciosas, com a desnutrição e carências de micronutrientes,
especificamente ferro, zinco e vitamina A19.
Entre as famílias que passam privação de alimentos, a
alimentação infantil representa uma dificuldade, geralmente
agravada pelo desconhecimento das mães que deixam de
alimentar as crianças com alimentos aos quais têm mais
fácil acesso, como observou-se entre algumas famílias de
agricultores deste estudo que cultivavam alimentos como
abóbora, batata-doce, macaxeira, manga e caju e, no entanto,
não utilizavam tais produtos na alimentação das crianças. Ao
invés disso, essas famílias compravam alimentos como maçã,
batata-inglesa e cenoura não cultivadas no município, portanto, de mais alto custo.
Entre as atribuições delegadas às ACS pelo Ministério da
Saúde (MS), relacionadas com as ações privilegiadas neste
estudo, evidencia-se: acompanhamento a gestantes e nutrizes; incentivo ao aleitamento materno; acompanhamento
do desenvolvimento e do crescimento da criança; orientação
quanto a alternativas alimentares e promoção da educação em
saúde20. Em diversas publicações, o MS ilustra como tais ações
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Maria Marlene Marques Ávila; Daniela Vasconcelos de Azevedo; Maira Moreira Galvão; Milena Lima de Moraes
devem ser realizadas21,22, no entanto, a prática observada não
reflete o preconizado.
Note-se que as atribuições referidas acima se configuram
como ações de promoção e prevenção, portanto dizem respeito a toda a equipe de saúde. Na sua realização as ACS precisam
do apoio e da orientação dos demais componentes da equipe,
porque elas devem ocorrer no contexto sociocultural e econômico, que determinam as práticas das mães, que, por sua vez,
configuram-se como estratégias de sobrevivência. Esse apoio
e orientação estão previstos no artigo primeiro do Decreto
Federal n°. 3.189/99, que fixa as diretrizes para o exercício da
atividade de ACS23:
Art. 1° – Cabe ao Agente Comunitário de Saúde (ACS) no
âmbito do Programa de Agentes Comunitários de Saúde,
desenvolver atividades de prevenção de doenças e promoção da saúde, por meio de ações educativas individuais e
coletivas, nos domicílios e na comunidade, sob supervisão
competente.
A observação destas ações mostrou que as ACS no
contexto estudado não cumprem de maneira satisfatória o
preconizado pelo MS quando afirma que o ACS exerce papel
fundamental na orientação das famílias, no encaminhamento dos problemas que não pode resolver e que ele é a ponte
entre as famílias, a comunidade e a unidade de saúde3, mas
mostrou também que a supervisão de tais ações não é rotina
na equipe de saúde da família, o que representa negligencia
da assistência.
Outro aspecto que o estudo leva a refletir é que provavelmente, parte deste problema esteja relacionado ao excesso de
funções burocráticas, o que, conforme Ferraz e Aerts24, pode
prejudicar o tempo destinado às visitas domiciliares fazendo
com que estas aconteçam de maneira superficial. Quanto a
isto, Tomaz25 refere a falta de clareza na delimitação das atividades que devem ser atribuídas aos ACS, o que é confirmado
pelos próprios ACS ao se referirem a si mesmos como “pau
pra toda obra” no serviço de saúde14.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
De maneira geral, o estudo demonstrou inadequações na
atuação das ACS no que diz respeito ao monitoramento do
peso, ao incentivo ao aleitamento materno e na orientação
sobre alimentação complementar.
Há a necessidade de maior envolvimento e interação entre
os demais profissionais da equipe e os ACS, no sentido de identificarem a necessidade de aperfeiçoamento e capacitação nas
ações de acompanhamento no puerpério, crescimento e desenvolvimento e alimentação da criança no primeiro ano de vida.
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Recebido em: 13/11/2010
Aprovado em: 04/08/2011
Cad. Saúde Colet., 2011, Rio de Janeiro, 19 (3): 341-7 347
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Nutrição e saúde: o agente comunitário de saúde e as