O Segredo
do Rio
Miguel Sousa Tavares
Ilustrações de
Fernanda Fragateiro
(Adaptado)
Era uma vez um
rapaz que morava
numa casa no
campo.
Era uma casa pequena e branca, com
uma chaminé muito alta por onde
saía o fumo da lareira. No Inverno a
lareira estava sempre acesa e servia
para cozinhar e para aquecer.
À roda da casa havia
um pomar com árvores
de fruto e, como as
árvores eram de várias
espécies,
havia sempre fruta fresca durante quase
todo o ano. No Inverno as árvores davam
laranjas e tangerinas, na Primavera
davam pêras e maçãs vermelhas, no
Verão era a vez das ameixas, das cerejas
e dos pêssegos. No fim do Verão e no
Outono chegavam os figos e os marmelos
e a parreira grande enchia-se de uvas.
Perto da casa havia
um ribeiro que era o
sítio preferido do
rapaz. O ribeiro fazia
uma curva e depois
mergulhava numa
pequena cascata de
pedras, antes de se
alargar e formar um
lago, mesmo em
frente da casa do
rapaz.
O chão era de areia e pequenas pedras, que
se chamam seixos, e a água era transparente
e óptima para beber.
As pessoas que moravam naquele
lugar e na aldeia próxima bebiam
daquela água, cozinhavam com ela e
pescavam no rio. Todos tinham muito
cuidado para não sujar o rio, não
deitando lixo ou outras coisas lá para
dentro. As pessoas sabiam que a água
era uma das coisas mais preciosas da
vida e que um rio que corre limpo é
um milagre da natureza que não pode
ser estragado.
O rapaz aprendeu a
nadar nesse rio. Nadava
debaixo de água com os
olhos abertos e por isso
já conhecia quase todo
o fundo do rio, desde as
pedras mais bonitas até
às várias espécies de
peixes que desciam pela cascata e
atravessavam o lago, continuando pelo rio
abaixo em direcção ao mar, muito longe
dali.
Nas noites de Verão, antes de ir para
a cama, vinha muitas vezes sentarse à beira do rio para se refrescar.
Deitava-se de costas e ficava a olhar
as estrelas do céu. Às vezes passava
uma estrela cadente no céu, e o
rapaz pedia logo três desejos à
estrela, como tinha aprendido com a
mãe.
A maior aventura
do rapaz no rio
aconteceu numa
tarde de
Primavera. Era
uma tarde quente
mas a água do rio
ainda estava
muito fria.
O rapaz estava deitado na areia distraído a
fazer uma construção com pedras e ramos
de árvores quando, de repente, ouviu um
grande barulho na água.
Voltou-se e viu um grande peixe
que dava um salto imenso fora
da água. O peixe nadava de um
lado para o outro como se fosse
dono do rio.
Mas o mais
extraordinário foi
quando o peixe tirou
metade do corpo
fora da água e se
pôs a olhar para o
rapaz com um
sorriso enorme.
Como se fosse num sonho, o rapaz
ouviu o peixe a falar:
- Olá, rapaz! Tu vives aqui? –
perguntou o peixe com muitos bons
modos.
- Vi-vi-vo – gaguejou o rapaz, ainda a
tremer de medo.
- Ah – disse o peixe – este é um sítio
muito bonito. Este lago é teu?
- É, é meu – disse o rapaz. – É onde eu
tomo banho no Verão. Como é que tu
falas a língua das pessoas?
- Ah, isso é a história da minha vida.
Queres ouvi-la?
- Quero – disse o rapaz, já cheio de
curiosidade.
- Pois bem, vou contar-te. Eu nasci e
cresci dentro de um aquário que pertencia
a um rapaz assim da tua idade. Ele
gostava muito de mim e falava sempre
comigo. Conversámos tanto, tanto, que eu
aprendi a falar a língua das pessoas. Um
dia, a mãe do rapaz resolveu deitar-me ao
rio e eu tenho nadado sem parar à
procura de um lugar para ser feliz.
O rapaz perguntou-lhe:
- Que espécie de peixe és
tu?
- Sou uma carpa, um peixe
de rio, daqueles que dão os
maiores saltos fora de
água.
Então, o rapaz disse ao peixe:
- Gostava muito que ficasses a morar
aqui. Mas ninguém pode saber que
falas a língua das pessoas e que
conversamos os dois. O peixe muito
contente saltou feliz e agradeceu ao
rapaz.
O rapaz e o
peixe
aprenderam a
brincar juntos e
ficaram grandes
amigos. O Verão
parecia nunca
mais acabar e a
chuva tardava.
As colheitas do Outono estavam
perdidas. O milho estava seco, as uvas
queimadas, a seara não crescera e não
havia azeitonas nas oliveiras.
Os pais do rapaz andavam muito tristes
porque já não havia pão no celeiro nem
azeite no lagar, nem fruta nas árvores.
A mãe do rapaz chorava muito
preocupada e dizia:
- Não sei o que vamos fazer... O que
havemos de dar de comer aos nossos
filhos?
Mas, de repente, teve uma ideia:
- Já sei! Há dias vi uma carpa gigante
aqui no ribeiro.
E disse para o marido:
- Amanhã vais pescá-la.
O rapaz ouviu aquela conversa e ficou
com muito medo de perder o seu
amigo peixe.
Ainda a tremer,
levantou-se,
correu até à
margem do rio e
avisou o peixe
do risco que
corria.
Os dois amigos despediram-se e o
peixe prometeu voltar no próximo
Verão para visitar o rapaz.
Passaram-se as semanas e a família do
rapaz continuava com fome e sem
saber o que fazer.
O rapaz passava o
tempo junto ao rio com
muitas saudades do
peixe amigo. Até que
um dia teve uma bela
surpresa:
- Olá, olá amigo, que fazes tu aqui?
- Voltei para viver aqui outra vez, se tu me
deixares.
- Mas como podes voltar a viver aqui, se o
meu pai te pesca, quando te vir?
- Mas se eu resolver o vosso problema, se eu
arranjar comida para vocês todos, o teu pai
já não precisa de me pescar, não é verdade?
- Mas como é que tu nos arranjas comida?
- Já arranjei. Está ali, no fundo do rio. Ora,
olha.
O rapaz olhou para onde o peixe tinha dito,
mas só conseguia ver um embrulho enorme,
atado por uma rede de pesca.
- O que é que tens no saco?
- São latas de comida que encontrei num
barco naufragado.
- Fantástico, fantástico! Nós estamos
salvos e tu também! – gritava o rapaz,
muito contente. - Amanhã vou contar ao
meu pai que foste tu que nos arranjaste
a comida e que nos salvaste. Mas não
lhe posso contar que tu falas a nossa
língua, senão vai ficar assustado e não
te vai querer cá. Ninguém pode saber o
nosso segredo.
- Então como é que fazes para ele me
deixar ficar aqui? – perguntou a carpa.
- Vou-lhe dizer que és um peixe muito
inteligente e muito nosso amigo. Voulhe dizer que devemos respeitar e
acarinhar quem gosta de nós.
No dia seguinte o rapaz contou tudo aos
pais e levou-os até ao rio, onde,
maravilhados, recolheram o saco com
comida, que chegava para o ano inteiro.
Os pais, muito felizes, concordaram em
deixar o peixe viver no rio, junto deles.
A primeira coisa que
o pai fez pela manhã
foi construir uma
tabuleta de madeira,
presa a um pau, que
colocou à beira do
rio, e onde escreveu:
“proibido pescar neste local”.
No dia seguinte, também o rapaz fez uma
tabuleta que colocou ao lado da outra, e que
dizia: “este rio tem um segredo, e
esse segredo é só meu”.
FIM
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