O indigenismo Dados: Antes da chegada dos europeus: aproximadamente 100 milhões de indígenas no continente americano; Em território brasileiro: 5 milhões de nativos; Censo 2010: das 896 mil pessoas que se consideravam indígenas, 572 mil (63,8%) moravam em área rural ou em Terras Indígenas oficialmente reconhecidas. Princípios da legislação indigenista no período colonial (séc. XVI – XVIII) Eckhout: A dança dos Tapuia. 1641 Período Colonial 1500: “Descobrimento” do Brasil; Ciclo do Pau Brasil: Extração da madeira por meio da mão de obra indígena a qual era intermediada por meio do escambo. Escambo: indígenas extraíam a madeira em troca de objetos de pouco valor para os europeus; 1549: Chegada dos primeiros padres jesuítas ao Brasil Objetivo: Propagar o cristianismo entre os povos não-cristãos por meio da catequese. Foram os responsáveis pela educação no Brasil até o século XVIII quando foram expulsos por Marquês de Pombal As missões Eram povoados indígenas que foram criados e administrados por padres jesuítas entre os séculos XVI e XVIII; Descimentos: deslocamentos de povos inteiros para as missões jesuíticas. Os índios eram persuadidos a se “aldearem”, isto é, a se tornarem civilizados a partir do contato com portugueses; Reunia diferentes indígenas em um mesmo aldeamento, não levava em consideração as diferenças étnicas; Pedagogia jesuítica era baseada no teatro, no aprendizado da língua indígena como forma de viabilizar a assimilação do cristianismo; Tinha como objetivo transformar os indígenas em bons cristãos e não podiam ser escravizados; O trabalho nas aldeias era uma forma de garantir a organização de um Estado e de sua defesa; Esquema de uma Missão Jesuítica Período Imperial: Carta Régia de 10 de setembro de 1611, por Felipe III (União Ibérica) Este documento pode ser considerado um marco histórico no que se refere a leis que tratam sobre os direitos indígenas; Versa sobre a questão da terra e sobre a impossibilidade de serem escravizados: “E para que os ditos Gentios, que assim decerem, e os mais, que há de presente, melhor se conservem nas Aldeias: hey por bem que senhores de suas fazendas, como o são no Sertão, sem lhe poderem ser tomadas, nem sobre ellas se lhe fazer moléstia. E o Governador com parecer dos ditos Religiosos assinará aos que descerem do Sertão, lugares convenientes para neles lavrarem, e cultivarem, e não poderão ser mudados dos ditos lugares contra sua vontade, nem serão obrigados a pagar foro, ou tributo algum das ditas terras, que ainda estejão dadas em Sesmarias e pessoas particulares, porque na concessão destas se reserva sempre o prejuízo de terceiro, e muito mais se entende, e quero que se entenda ser reservado o prejuízo, e direito dos Índios, primários e naturais senhores delas” (CARNEIRO DA CUNHA, Manuela.Legislação Indigenista do Século XIX. SÃO PAULO: EDUSP e Comissão Pró-Índio de São Paulo, 1993. v. 11.) Carta Régia de 9 de março de 1718 Declara que os indígenas: “são livres e isentos de minha jurisdição, que os não pode obrigar a saírem das suas terras, para tomarem um modo de vida de que eles se não agradarão”; Nesse trecho, fica claro que os indígenas poderiam viver de acordo com o modo de vida ao qual já estavam acostumados Há um entendimento jurídico de que os indígenas devem receber um tratamento diferenciado em decorrência de sua condição. Essas leis, apesar de existirem, não garantiram total proteção ao indígena. CONCLUSÃO: As legislações indigenistas do período colonial (séculos XVI a XVIII) feitas por meio de Cartas Régias (Coroa portuguesa) foram contraditórias, oscilantes e hipócritas. A exemplo da Guerra Justa que autorizava a escravidão caso os indígenas fossem considerados selvagens. Carta Régia de 13 de maio de 1808 pelo Príncipe Regente Dom João Decretou guerra justa contra os índios Botocudos (MG e ES); Trata-se de um dispositivo jurídico que permitia o enfrentamento e a captura de indígenas considerados selvagens, além da escravização e até mesmo a morte; Só poderia ser decretada em situações excepcionais e com autorização do rei; O príncipe regente tomou essa posição em decorrência dos “atos bárbaros” cometidos pelos indígenas. Nas palavras do regente: “[os] índios botocudos, antropófagos em diversas e muito distantes partes da mesma capitania [de Minas Gerais], particularmente sobre as margens do Rio Doce, e rios que no mesmo deságuam, e onde não só devastam todas as fazendas sitas naquelas vizinhanças [...], passaram a praticar as mais horríveis e atrozes cenas da bárbara antropofagia, ora assassinando os portugueses, e os índios mansos por meio de feridas, de que sorvem o sangue, ora dilacerando os corpos, e comendo os seus tristes restos” Os atos bárbaros justificavam o massacre e a escravização seria uma maneira de reabilitá-los. http://www.ensaiosababelados.com.br/da-guerra-justa/ Hans Staden. 1557 Theodore de Bry – Inspirado na obra de Hans Staden. 1592 Moema. Victor Meirelles, 1862 Política indigenista no século XIX Século XIX Muito heterogêneo: o único que conheceu três regimes políticos. Colônia Portuguesa (até 1822) -> Império (até 1889) -> República (a partir de 1889); Fim do tráfico negreiro e vinda de imigrantes europeus; Modernização do país – poder e privilégio, porém, pouco mudam. A questão indígena deixa de essencialmente uma questão de mão-de-obra e se tornou uma questão de terras. Debate científico a respeito da humanidade dos indígenas e sua suposta inferioridade intelectual (primitivos); Categorias de índios No séculos XIX, se subdividem em “bravos” ou “mansos”; “Domesticar” um índio supunha que esse fosse sedentarizado em um aldeamento; Os índios “bravos” são aqueles que guerreiam, praticavam canibalismo e eram hostis; Tupi e Guarani: já então assimilados, foram incorporados pelo Romantismo como sendo a autoimagem que o Brasil faz de si mesmo. Representa a figura do índio “manso”, aquele que é bom; Botocudo: não foi assimilado, é aquele contra quem se guerreia, possui reputação de ser indomável e é caracterizado por sua ferocidade. O último Tamoio. Rodolfo Amoedo, 1883. Legislações indigenistas – século XIX Até metade do século XIX a legislação era muito flutuante e pontual; Projeto de José Bonifácio: “Apontamentos para a civilização de índios bravos do Império do Brasil” – programa de integração dos índios à sociedade apresentado em 1823 (não foi colocado em prática); Regulamento das Missões (1845): continuidade do sistema de aldeamento que seria um processo de transição para a assimilação completa do índio; O Estado optou pela administração leiga desses aldeamentos, porém muitos funcionários eram missionários. A questão da terra – século XIX A Lei de Terras de 1845 foi bastante singular no caso indígena: não contestou o fato de serem realmente donos de suas terras, teriam direito sobre ela pelo simples fato de serem índios. Não havia, portanto, necessidade de legitimação/comprovação. Isso não significou que o direito indígena foi respeitado, pois todas as artimanhas foram realizadas a fim de tomar posse de suas terras. O principal argumento era o de que não havia mais indígenas, pois uma vez confinados em aldeamentos, miscigenados e aculturados, não eram mais considerados indígenas, desse modo, suas terras deveriam ser devolvidas; Resultado: indígenas foram espoliados (despossados). A escravidão indígena no século XIX Era permitida a partir da declaração de Guerra Justa (1808) – caso dos Botocudos; Era de caráter temporário e o indígena deveria trabalhar no plantio ou desempenhar algum trabalho manual, o que era visto como uma forma de sair do estado de selvageria; Vendiam-se crianças e adultos eram disfarçadamente escravizados; Na corte, era possível encontrar escravos indígenas até 1850! O viajante americano Thomas Ewbank anota: “Os índios aparecem para serem escravizados tanto quanto os negros; no Rio muitos deles tem sido negociados”. Durante a seca do Ceará, os pais venderiam seus filhos, seguindo um procedimento inaugurado no século XVI: “Antes era muito difícil conseguir um indiozinho por menos de 70 mil réis, mas agora os seus pais, não tendo nada que comer, oferecem-nos de bom gosto por dez”. CARNEIRO DA CUNHA, pág. 146. Século XX e a criação do SPI Marechal Rondon durante a expedição pelo interior do Brasil, entre 1913 e 1914. A missão Rondon 1890: implementação de linhas e postos telegráficos pelo interior do país; Essas comissões foram chefiadas pelo marechal Cândido Mariano da Silva Rondon – conseguiu acumular um importante acervo etnográfico que serviu de estímulo às primeiras políticas indigenistas do Brasil; Rondon criou em 1910 o Serviço de Proteção ao Indígena (SPI) cujo objetivo era proteger os índios e também integrá-los à sociedade brasileira; Serviço de Proteção ao Indígena – SPI (1910) Tem como objetivo prestar assistência a todos os índios do território nacional; Instituiu a assistência leiga, procurando afastar a Igreja Católica e a catequese, seguindo assim a diretriz republicana – separação Igreja-Estado; Ideia de transitoriedade do índio: a política indigenista adotada iria civilizálo e assim o transformaria em um trabalhador nacional; A ação do SPI foi marcada por contradições identificadas como "paradoxos indigenistas" (Oliveira, 1988), pois tinha por objetivo respeitar as terras e a cultura indígena, mas agia transferindo índios e liberando territórios indígenas para colonização, impondo uma pedagogia que alterava todo o sistema produtivo indígena. Má gestão, falta de recursos, corrupção funcional foram alguns dos motivos que levaram à extinção do SPI em 1967, dando origem à Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Alunos da escola mista General Rondon, Posto Indígena Taunay, 1942 | Harald Schultz/Museu do índio/Funai Pai e filho Terena costurando roupas, ofício ensinado pelo SPI, Posto Indígena Cachoeirinha (MS) | Photo Wulfes/Museu do índio/Funai Fundação Nacional do Índio (FUNAI) Desde 1967, a Fundação Nacional do Índio (Funai) é o órgão indigenista oficial responsável pela promoção e proteção aos direitos dos povos indígenas de todo o território nacional; Embora tenha sido criada a fim de superar os impasses do SPI, a Funai acabou por reproduzi-los; Isso se justifica pelo contexto político da época que era a Ditadura Militar; As políticas indigenistas foram, portanto, subordinadas aos planos de defesa nacional, construção de estradas e hidrelétricas, expansão de fazendas e extração de minérios; Sua ação inicial foi marcada pela perspectiva assimilacionista; Anos 1970 e 1980: dirigentes pouco comprometidos e até mesmo contrários aos interesses indígenas; Organizações de apoio aos indígenas Na década de 1970, surgem organizações de apoio aos índios: as comissões pró-índio (CPIs); as associações nacionais de apoio ao índio (ANAIs); o Conselho Indigenista Missionário (CIMI); o Centro de Trabalho Indigenista (CTI); a Operação Amazônia Nativa (OPAN); Instituto Socioambiental (ISA); Criadas por intelectuais e clérigos envolvidos com a questão indígena; Questionavam as políticas indigenistas oficiais e formulavam alternativas concretas para o indigenismo brasileiro; Década de 1980: diversas manifestações indígenas ganharam visibilidade nacional; Os direitos indígenas na Constituição de 1988 Duas importantes inovações: 1ª: Abandono da perspectiva assimilacionista que entendia os índios como categoria social transitória, fadada ao desaparecimento; 2ª: Os direitos dos índios sobre suas terras são definidos enquanto direitos originários, isto é, anterior à criação do próprio Estado. Isto decorre do reconhecimento do fato histórico de que os índios foram os primeiros ocupantes do Brasil. O direito à diferença Com os novos preceitos constitucionais, assegurou-se aos povos indígenas o respeito à sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições. Pela primeira vez, reconhece-se aos índios no Brasil o direito à diferença; isto é: de serem índios e de permanecerem como tal indefinidamente: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens." Direito à terra A nova Constituição inovou em todos os sentidos, estabelecendo, sobretudo, que os direitos dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam são de natureza originária. Isso significa que são anteriores à formação do próprio Estado, existindo independentemente de qualquer reconhecimento oficial: “São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições." Conclusões As legislações indígenas do período colonial e imperial (dos séculos XVI ao XVIII) contradiziam a realidade da população nativa que, em síntese, não tinham seus direitos respeitados; Essa contradição ficou ainda mais acentuada durante o século XIX quando os “índios bravos”, como os botocudos, poderiam ser legalmente escravizados; Ainda no século XIX, criaram-se medidas que tinham como objetivo assimilar o indígena e integrá-lo a sociedade brasileira. Esse processo ficou ainda mais evidente no século XX com a criação do SPI; A diferença que podemos assinalar entre os séculos XIX e XX no que se refere ao pensamento do Estado em relação ao indígena é evidente: Século XIX: havia uma certa dúvida entre alguns intelectuais a respeito das capacidades cognitivas dos indígenas. Eram considerados “primitivos”, isto é, incapazes de alcançar o pensamento lógico. Nesse mesmo século, havia quem discordasse desse pressuposto, porém, no geral, esse contexto foi permeado por esse debate; Século XX: Não há dúvidas de que o indígena tem plena capacidade de ser integrado à sociedade, sendo esse o objetivo do SPI; De maneira geral, tanto o século XIX como o XX foram permeados por ideias assimilacionistas em relação ao indígena; Esse assimilacionismo só foi superado tardiamente, nos anos 1970 do século XX por meio do surgimentos instituições alternativas de amparo ao indígena e, posteriormente, em 1988 através da Constituição de 1988 que deu à essas comunidades o direito a terra e a diferença. Reflexão: Será que todas essas conquistas previstas na Constituição de 1988 estão sendo respeitadas de fato? O movimento indígena: questões atuais Objetivo geral do movimento: garantir o direito à terra, preservação da identidade cultural, proteção ao indígena; Mobilização Nacional Indígena: Durante a semana do dia do índio de 2015, mil e quinhentos indígenas organizaram o Acampamento Terra Livre (ATL) em Brasília. Objetivo: Reivindicar e debater os direitos indígenas atacados por projetos de Lei, sobretudo a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215 que transfere do governo federal para o Congresso a atribuição de oficializar Terras Indígenas, Unidades de Conservação e territórios quilombolas. Por conseguinte, a bancada ruralista do congresso demarcaria tais territórios de acordo com seus interesses individuais, sem levar em consideração os aspectos culturais e simbólicos dos indígenas. "Precisamos ajudar os nossos parentes Guarani, precisamos demarcar as terras. Eu estou falando aqui não é só pelo meu povo, é por todos: quem está precisando, quem está com pressa pra demarcar as terras. Se ninguém demarcar nos vamos enfrentar muita coisa: poluição, água vai acabar, água vai secar, precisamos defender a nossa floresta", Pirakumã Yawalapiti na sessão solene no Senado. Foto: Isabel Harari / Mobilização Nacional Indígena [16/04 A controvérsia da construção da Usina de Belo Monte A construção da Usina de Belo Monte Será a 3ª maior usina do mundo; Localizada no Rio Xingu, próxima ao município de Altamira (Norte do Pará); Controvérsias sobre a capacidade energética da Usina: baixa capacidade e altos impactos ambientais e sociais; As cidades de Altamira e Vitória do Xingu terão grandes áreas inundadas, o que pode prejudicar os agricultores locais e a população ribeirinha; De outro lado, é possível perguntar até que ponto a construção dessa usina pode trazer desenvolvimento econômico para a região; Belo Monte e os indígenas As terras indígenas de Paquiçamba e Arara da Volta Grande do Xingu serão afetadas pela diminuição da vazão do rio, causando prejuízos para uma população que depende do rio para pesca, plantação e transporte; Em julho de 2015: o MPF denunciou irregularidades na remoção da população ribeirinha, pois a remoção compulsória não leva em consideração o estilo de vida da comunidade. A mesma não pode perder os recursos naturais que são necessários à sua subsistência; O projeto de criação da usina data da década de 1980, foi proposto por FHC – na época criticado por Lula – e posteriormente retomado pelo próprio Lula como uma das ações prioritárias do PAC; A situação dos Guarani Kaiowá (MT) Os guarani-kaiowá - MT Organizam-se em acampamentos conhecidos como “lona preta” como forma de demandar do Estado brasileiro desapropriação e distribuição de terras; Essa forma de reivindicação foi associada ao trabalhadores rurais sem-terra (MST), mas tem se tornado uma ferramenta comum entre algumas tribos indígenas, entre elas os Guarani Kaiowá; Povoado de Pyelito Kue recebeu uma ordem de despejo no final de setembro de 2012 da área onde estão acampados, localizada no município de Iguatemi (MT); Diante disso, os indígenas escreveram uma carta que decretava que cometeriam um suicídio coletivo caso fossem retirados de suas terras. Questões para responder JÁ! 1) De que maneira era autorizada a escravidão indígena no século XIX? Explique. 2) Qual era a função dos aldeamentos? Explique. 3) Por que as medidas assimilacionistas do final do século XIX e começo do XX são prejudiciais às comunidades indígenas? 4) Quais foram as contradições que a Lei de Terras de 1850 trouxe às comunidades indígenas? Explique. 5) Qual é a importância de instituições como as comissões pró-índio (CPIs), as associações nacionais de apoio ao índio (ANAIs), Conselho Indigenista Missionário (CIMI) para os movimentos sociais indígenas? Explique. 6) Por que a Constituição de 1988 foi importante para o movimento indígena? 7) Por que a aprovação PEC 215 não atende aos interesses dos indígenas?