Delirium
Rômulo Rebouças Lôbo
Médico assistente – Clínica Médica – Unidade de Emergência-HCFMRP
Médico assistente – Hospital Estadual de Ribeirão Preto
Pós-graduando - Área de Clínica Médica/Geriatria – FMRP-USP
Sinonímias
Estado confusional agudo
Insuficiência cerebral aguda
Síndrome cerebral aguda
Encefalopatia tóxico-metabólica
Psicose da unidade de cuidados intensivos
Definição
Desordem cognitiva definida por início agudo,
curso flutuante, distúrbios da consciência,
atenção, orientação, memória, pensamento,
percepção e comportamento.
American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, 4th edition.
Washington, DC: American Psychiatric Association, 1994.
Histórico
Deliro-delirare : ´´estar fora do lugar´´
Hipócrates: frenite
Celsus > século I d.c: febre e trauma craniano
Período medieval > Procopius : delirium hipoativo,
epidemia bubônica.
Século XVIII > James Sims: delirium x loucura. Hipoativo
x hiperativo
Adamis D, Treloar A, Martin FC, Macdonald AJD. A brief review of the history of delirium as a mental
disorder. History of Psychiatry 2007; 18; 459.
Delirium
Maior tempo de internação, maior taxa de institucionalização,
maior mortalidade.
Fragilidade e número de comorbidades
Setores de emergência, CTI´s e setores de pós-operatório.
Subdiagnosticado !!
Estudos com pacientes hospitalizados
Francis J, Kapoor WN. Delirium in hospitalized elderly. J Gen Intern Med. 1990;113:941-948.
Élie M, et al. Prevalence and detection of delirium in elderly emergency department patients. CMAJ OCT. 17,
2000; 163 (8).
Delirium
Comunidade: 1-2%
Prevalência de 14 a 24% na admissão
Incidência de 6-56% durante internação
Pós-operatório: 15-53%
Pós-trauma: 10-52%
CTI: 70-87%
87% em pacientes sem perspectiva de cura
Francis J, Kapoor WN. Delirium in hospitalized elderly. J Gen Intern Med. 1990;113:941-948.
Francis J, Martin D, Kapoor WN. A prospective study of delirium in hospitalized elderly. JAMA.
1990;263:1097-1101.
Pisani MA, McNicoll L, Inouye SK. Cognitive impairment in the intensive care unit. Clin Chest Med
2003;24:727-37
Delirium - fisiopatologia
Disfunção cerebral global
Atividade serotoninérgica
Função dopaminérgica
Função colinérgica
Delirium - fisiopatologia
Indefinido
Neurotransmissores, inflamação e estresse
agudo/crônico
Redução do metabolismo oxidativo cerebral
EEG: redução da atividade cortical cerebral
Inouye SK. Delirium in Older Persons. N Engl J Med, Volume 354(11).March 16, 2006.1157-1165.
Delirium - fisiopatologia
Sistema colinérgico deprimido
Atividade anticolinérgica aumentada
Atividade dopaminérgica excessiva
Antiparkinsonianos x haloperidol
Glutamato, GABA, 5-HT, norepinefrina, serotonina
Delirium - fisiopatologia
Citocinas : aumento da permeabilidade da BHE,
alteração na neurotransmissão.
Resposta ao estresse : SNS, hipercortisolismo.
Mecanismo regulatório de cortisol alterado em
idosos.
Cole MG. Delirium in elderly patients. Am J Geriatr Psychiatry 2004;12:7-21.
Sandburg O, et al. Clinical Profile of delirium in older patients. J Am Geriatr Soc. 1999;47:1300-1306.
Delirium
Condição multifatorial
Fatores predisponentes: gravidade da doença de base,
déficit
visual,
déficit
cognitivo,
alta
relação
BUN/creatinina (desidratação).
Fatores precipitantes: restrição física, desnutrição,
adição de medicações, sonda vesical, iatrogenia.
Inouye SK, Charpentier PA. Precipitating factors for delirium in hospitalized elderly persons: predictive model
and interrelationship with baseline vulnerability. JAMA.1996;275:852-857.
Delirium – fatores predisponentes
Déficit cognitivo
preexistente/demência
Idade maior que 65 anos
Episódio prévio de delirium
Múltiplas comorbidades
Status funcional ruim/ fragilidade
Delirium – fatores predisponentes
Sexo masculino
Déficits sensoriais
Polifarmácia
Hepatopatia
Doença terminal
Depressão
Delirium – fatores precipitantes
• Medicações
• Procedimentos
médicos/cirurgias
• Doenças agudas
• Imobilização prolongada
• Uso de equipamentos invasivos:
sonda
vesical,
sonda
nasoenteral
• Iatrogenia
Delirium – fatores precipitantes
Desidratação/desnutrição
Restrição física
Distúrbios metabólicos e
hidroeletrolíticos
Mudanças de ambiente
Abuso ou abstinência de
substâncias
Privação de sono prolongada
Delirium – medicações associadas
Anticolinérgicos: anti-histamínicos, atropina, hioscina,
difenidramina, tricíclicos.
Antimicrobianos: quinolonas, aciclovir, macrolídios,
sulfonamidas, cefalosporinas, aminoglicosídeos,
Anfotericina
Analgésicos: opióides, AINE´s
Corticosteróides
Delirium – medicações associadas
Agonistas dopaminérgicos:
bromocriptina, amantadina
Anticonvulsivantes:
carbamazepina
ácido
levodopa,
valpróico,
pramipexol,
fenitoína,
Antidepressivos: mirtazapina, inibidores de recaptação
de serotonina, tricíclicos
Sedativos: benzodiazepínicos, barbitúricos
Delirium – medicações associadas
Cardiovasculares: antiarrítmicos, betabloqueadores,
metildopa, clonidina, diuréticos, digitálicos
Relaxantes musculares
Gastrointestinais: bloqueadores H2, metoclopramida,
loperamida, antiespasmódicos
Outros: fitoterápicos, lítio, donepezil, fenotiazinas
Delirium – quadro clínico
Início agudo (dias a horas)
Déficit de atenção
Curso flutuante
Intervalos lúcidos
Pensamento desorganizado
Alterações do nível de consciência
Alucinações, delírios, desorientação, labilidade emocional,
agressividade, alteração do ciclo sono-vigília.
Delirium – quadro clínico
Hiperativo (30%): agitação, hipervigilância, alucinações
e delírios
Hipoativo (24%): letargia
Pólo hipoativo muitas vezes passa despercebido e
apresenta pior prognóstico.
Forma mista: 46%
Delirium – quadro clínico
Reversibilidade questionável
Sobreposição com demência
Reavaliação periódica
Delirium - abordagem
Diagnóstico clínico
Falha de reconhecimento por médicos em até 70% das
vezes
Estabelecer funcionalidade e nível cognitivo prévio
Informante confiável
História clínica
Delirium - abordagem
Exame físico
Lista de medicações, mudanças recentes
Uso de álcool e substâncias
Testes de atenção: spam de dígitos, dias da semana,
etc
Orientação temporal e espacial
Exame neurológico
Delirium - abordagem
Exames laboratoriais > avaliação clínica
Screening infeccioso
LCR, EEG e
desnecessários
neuroimagem
são
quase
Cole MG. Delirium in elderly patients. Am J Geriatr Psychiatry 2004;12:7-21
sempre
.
Rockwood K, et al. Increasing the recognition of delirium in elderly patients. J Am Geriatr Soc.
1994;42:252-256.
Delirium - abordagem
CONFUSION ASSESSMENT METHOD (CAM)
A) estado confusional agudo com flutuação marcante
B) déficit de atenção marcante
C) pensamento e discurso desorganizados
D) alteração do nível de consciência ( hipoativo ou
hiperativo)
Considera-se delirium na presença dos itens ´´A´´ e´´B´´ mais ´´C´´ e/ou ´´D´´
Sensibilidade: 94-100%/ especificidade: 90-95%
Delirium - diagnóstico
História clínica, observação comportamental e
avaliação cognitiva.
Estado cognitivo basal
Delirium – DSM-IV
A. Distúrbio da consciência (isso é, diminuição da
percepção do ambiente) com diminuição na capacidade
para focalizar, manter ou mudar a atenção.
B. Uma alteração na cognição (tal como uma deficiência
de memória, desorientação, ou distúrbio de linguagem)
ou o desenvolvimento de um distúrbio da percepção que
não possa ser atribuído a uma demência preexistente,
estabelecida ou em evolução.
Delirium – DSM IV
C. O distúrbio desenvolve-se em curto espaço de tempo
(usualmente horas a dias) e tende a apresentar curso
flutuante durante o dia.
D. Há evidência na história, exame físico ou exames
laboratoriais de que o distúrbio seja causado pelas
conseqüências fisiológicas diretas de uma condição
clínica geral qualquer.
Delirium – diagnóstico diferencial
Demência, depressão, psicoses.
Emergência médica
História clínica não confiável > manejo de delirium até
melhor definição
Demência por corpúsculos de Lewy
Cole MG, et al. An empirical study of different diagnostic criteria for delirium among elderly medical inpatients.
J Neuropsychiatry Clin Neurosci 2003;15:200-7.
Gleason OC. Delirium. Am Fam Physician 2003;67:1027-34.
Delirium – diagnóstico diferencial
Delirium
Demência
Psicose
Depressão
Início
agudo
insidioso
Agudo/lento
Lento
Curso
flutuante
progressivo
Crônico, com
exacerbações
Crônico;
episódios
Duração
Horas-meses
Meses-anos
Meses-anos
Semanasmeses
Consciência
alterada
normal
normal
Normal
Atenção
diminuída
Normal (*)
Normal/dimin
Normal/dimin
Orientação
flutuante
alterada
normal
Normal
Discurso
incoerente
Erros leves
variável
Normal/lentif
Percepção
alterada
Alterada/nl
alterada
Normal
Psicomotor
alterado
normal
alterado
alterado
Reversível
usualmente
raramente
raramente
possível
Delirium - prevenção
30-40% de casos preveníveis
Hospital Elder Life Program (HELP): manutenção da
orientação; necessidades nutricionais, de líquidos e de
sono; promoção de mobilidade; adaptações visuais e
auditivas
Redução na incidência, número de episódios e duração
do delirium
http://www.hospitalelderlifeprogram.org
Delirium - prevenção
FATOR DE RISCO
INTERVENÇÃO
Déficit cognitivo
Programas de atividades;
ocupacional, técnicas
de reorientação
Deprivação de sono
Redução de ruídos, adequar horário
de
medicações
noturnas
e
procedimentos, higiene do sono
Imobilidade
Mobilização precoce, fisioterapia,
evitar equipamentos que diminuem
mobilidade sempre que possível
(sondas vesicais, hidratação venosa
contínua)
terapia
Delirium - prevenção
FATOR DE RISCO
INTERVENÇÃO
Medicações psicoativas
Uso somente quando estritamente
necessário
Déficit visual
Iluminação especial, utensílios de
adaptação (usar letras maiores), uso
de óculos
Déficit auditivo
Uso de aparelho auditivo quando
indicado
Desidratação
Reconhecimento e correção precoces
o Reduz
em até 40% o risco de delirium em idosos
hospitalizados
Inouye SK, et al. A multicomponent intervention to prevent delirium in hospitalized older patients. N
England J Med. 1999; 340:669-676.
Delirium – prevenção
Profilaxia: não recomendada
Estudos com haloperidol e inibidores de colinesterase
Novos estudos em andamento
Kalisvaart KJ, et al. Haloperidol prophylaxis for elderly hip-surgery patients at risk for delirium: a
randomized placebo-controlled study. JAGS. 2005; 53: 1658-66.
Liptzin B, et al. Donepezil in the prevention and treatment of post-surgical delirium. Am. J. Geriat.
Psychiatry.225; 13: 1100-06.
Delirium – tratamento nãofarmacológico
Intervenção comportamental
Presença de familiares
Quarto calmo, privativo
Acessórios para audição e visão
Estímulo à mobilidade, auto-cuidado
e independência
Delirium – tratamento nãofarmacológico
Esquemas de orientação
Contato
pessoal
comunicação
e
Se possível evitar mudança
no ambiente e equipe
Evitar restrição física
Delirium – tratamento
farmacológico
Risco na segurança
Efeitos psicoativos
Menor dose, pelo menor período
1ª escolha: neurolépticos
Benzodiazepínicos
Anticolinesterásicos
Delirium – tratamento
farmacológico
Haloperidol:
 Dose inicial: 0,5-1,0mg , preferencialmente VO
 Pode ser usado IM se agitação extrema
 Reavaliação em 30-60min, podendo-se repetir dose até
sedação leve
 Objetivo: controle da agitação a nível aceitável
Delirium – tratamento
farmacológico
Haloperidol:
 Dose máxima necessária costuma ficar entre 3 e 5mg
 Pico de ação: 4-6 horas (VO) e 20-40min (IM)
 Efeitos adversos: sedação excessiva,
distonia aguda, efeitos extrapiramidais.
 Diminui limiar convulsivo
hipotensão,
Delirium – tratamento
farmacológico
Haloperidol
 Prolongamento do intervalo QT
 Risco de síndrome neuroléptica maligna
 Evitar uso endovenoso: menor duração, maior risco de
arritmia
 Evitar em síndrome de abstinência e insuficiência
hepática franca.
Delirium – tratamento
farmacológico
Risperidona
 Dose inicial: 0,5 a 1mg 2x/dia
 Efeitos extrapiramidais mais raros
 Prolongamento do intervalo QT
 aumento da dose > mais próximo de efeitos dos típicos
Delirium – tratamento
farmacológico
Quetiapina: dose inicial > 25-50mg/dia
Olanzapina: dose inicial > 2,5-5mg 1x/dia
Alguns estudos não controlados associaram a maior
risco de morte em portadores de demência.
Efeitos colaterais: motores x arritmia
Delirium – tratamento
farmacológico
Benzodiazepínicos:
 Evitar o uso em delirium
 Literatura: lorazepam
 Pode piorar e prolongar sintomas
 Agitação paradoxal, sedação excessiva, depressão
respiratória
 Abstinência alcóolica e síndrome neuroléptica maligna
Delirium - conclusões
Fator determinante independente de tempo de
internação, mortalidade, institucionalização e declínio
cognitivo e funcional.
Aumento nos custos com saúde
Perspectivas de pesquisa: biomarcadores, tratamentos,
etc.
Delirium - conclusões
Multifatorial
Subdiagnosticado > tratamento inadequado
Diversas especialidades médicas
Treinamento e capacitação da equipe
Reconhecimento precoce
Abordagem multidisciplinar
Delirium - conclusões
Medidas institucionais
Associado a iatrogenia
Marcador de qualidade no atendimento hospitalar
Prevenção, prevenção, prevenção...
Salvi F, et al. A Geriatric Emergency Service for Acutely Ill Elderly Patients: Pattern of Use and
Comparison with a Conventional Emergency Department in Italy. J Am Geriat Soc.
2008:56:2131–2138.
Inouye SK, Schlesinger MF, Lydon TJ. Delirium: a symptom of how hospital care is failing older
persons and a window to improve quality of hospital care. Am J Med. 1999; 106:565-573.
Obrigado