A MÉTRICA e A RIMA
cf.
Gramática do Português Moderno, de José Manuel de
Castro Pinto e Maria do Céu Vieira Lopes, Plátano
Editora, 2008, pp. 263-267
&
Proseando sobre Cordel de Fábio Sombra, Editora Lê.
verso
É cada uma das linhas de um poema ou
composição poética. O verso obedece a
determinadas normas de ritmo.
ritmo
O ritmo é constituído por uma cadência que
resulta da alternância harmónica entre sílabas
acentuadas (fortes) e sílabas átonas (fracas).
metro
• É a medida poética que regula a quantidade e
a localização das sílabas acentuadas e átonas.
O metro é constituído por sílabas métricas e
acentos rítmicos.
sílaba métrica
Cada verso tem um determinado número de
sílabas. Mas a contagem de sílabas no verso –
são as sílabas métricas – é um pouco diferente
das sílabas gramaticais, pois baseia-se nos
sons que o ouvido capta, os quais nem sempre
correspondem a cada palavra. Só se contam as
sílabas até à sílaba tónica da última palavra do
verso e costuma fazer-se a elisão da vogal
átona final de palavra quando a palavra
seguinte começa por vogal.
Vejamos então a divisão desta estrofe
em sílabas métricas:
Nes/se ins/tan/te o/ Ma/gri/lim
Com/ voz/ man/sa e /bem /pau/sa/da
Dis/se o/lhan/do/ pra/ prin/ce/sa:
- Ou/ça a/qui,/ mi/nha a/do/ra/da,
Que/ro /ver /se/ vo/cê /po/de
Des/trin/char /es/sa /cha/ra/da.
Resumindo a questão com a ajuda de
Fábio Sombra:
Sem esquecermos que a sílaba tónica, a que
sobrou no fim de cada estrofe (assinalada a rosa)
não entra na conta, e transformarmos as sílabas
tónicas (pronunciadas com mais força) no som
TUM, vamos ter o seguinte ritmo nesta estrofe:
TÁ – TÁ – TUM – TÁ – TÁ – TÁ –TUM
A questão leva-nos ao acento rítmico, e à
distribuição das sílabas fracas e fortes no verso.
Acento rítmico
• Conforme o número de sílabas do verso, assim
os acentos recaem em determinadas sílabas
ao longo dele. No exemplo atrás apresentado,
são acentuadas a 3ª e a 7ª sílabas. Mas
vejamos o que acontece em outros casos.
Várias hipóteses são possíveis. Vejamos as
mais frequentes.
Versos de uma, duas e três
sílabas métricas
• Não são muito frequentes e, por vezes, aparecem
juntamente com outros mais longos.
Moro lá em baixo, enterrado,
Muito lá em baixo!, e calado.
Pairo por cima ondulando,
Ando
No ar
Espalhado…
José Régio, As Encruzilhadas de Deus
Versos de quatro sílabas métricas
• Têm acentos predominantes na 1ª e 4ª sílabas, ou 2ª
e 4ª e, por vezes, apenas na 4ª.
Urnas quebradas!
Blocos de gelo…
- Chorai arcadas,
Despedaçadas,
Do violoncelo.
Camilo Pessanha, Clepsidra
Versos de cinco sílabas métricas
(redondilha menor)
• Têm acentos na 1ª e 5ª, ou 2ª e 5ª, ou 3ª e 5ª.
Eu olhos sei de uns,
Que desde que os vi,
Não vi mais nenhuns!
Vê tu por aí
Se os achas; senão,
Descubro-os a ti
João de Deus, Campo de Flores
Versos de seis sílabas métricas
(heróicos quebrados)
• Têm um primeiro acento que pode situar-se entre a 1ª e
a 4ª sílabas, e o último na 6ª. É uma acentuação bastante
variável. Também podem registar-se três acentos: 2ª, 4ª
e 6ª; 1ª, 4ª e 6ª; 1ª, 3ª e 6ª.
Dura severidade
Tapetada de acenos
Às ilusões da idade
E aos deslizes pequenos.
Miguel Torga, Diário, III
Versos de sete sílabas métricas
(heptassílabos) ou redondilha maior
• São muito frequentes porque têm um ritmo facilmente captado pelo
ouvido. Usam-se, nomeadamente, na quadra popular. Têm muitas vezes
acentuação na 2ª e 7ª sílabas, ou 3ª e 7ª, ou 4ª e 7ª, ou ainda na 1ª, 3ª, 5ª
e 7ª, além de outras variantes de menor importância.
Descalça vai para a fonte
Leonor pela verdura;
Vai formosa e não segura.
Leva na cabeça o pote,
O testo nas mãos de prata,
Cinta de fina escarlata,
Sainho de chamalote […]
Luís de Camões, Lírica
Versos de oito sílabas métricas
(octossílabos)
• Com acentuação mais frequente na 4ª e 8ª, ou 2ª, 5ª
e 8ª sílabas.
Às vezes, passo horas inteiras
Olhos fitos nestas braseiras,
Sonhando o tempo que lá vai;
E jornadeio em fantasia
Essas jornadas que eu fazia
Ao velho douro, mais meu pai.
António Nobre, Só
Versos de nove sílabas métricas
• Com acentuação mais frequente na 3ª, 6ª e 9ª, ou
4ª e 9ª sílabas.
Minha Júlia, um conselho de amigo.
Deixa em branco este livro gentil:
Uma só das memórias da vida
Vale a pena guardar, entre mil.
Almeida Garrett, Folhas Caídas
Versos de dez sílabas métricas
(decassílabos)
• Têm largo uso, nomeadamente nos poemas heróicos e nos sonetos. Com
acentuação mais comum na 6ª e 10ª (versos heróicos) e na 4ª, 8ª e 10ª
sílabas (versos sáficos).
Mas, entanto que cegos e sedentos
Andais de vosso sangue, ó gente insana,
Não faltarão Cristãos atrevimentos
Nesta pequena casa Lusitana:
De África tem marítimos assentos;
É na Ásia mais que todas soberana;
Na quarta parte nova os campos ara;
E , se mais mundo houvera, lá chegara.
Luís de Camões, Os Lusíadas, VII, 14
Versos de onze sílabas métricas
• Com acentos na 5ª e na 11ª sílabas.
O génio não pode, por grande que seja,
Cobrir injustiças, não pode, isto não;
Em vez de elevar-se no voo, rasteja,
Se em vez da verdade só eleva a paixão.
João de Lemos, Poesias
Versos de doze sílabas métricas
(dodecassílabos) ou alexandrinos
• Com acentos na 6ª e na 12ª sílabas; foram muito
usados na época clássica em estrofes de dois versos
(dísticos).
Manhã de Junho ardente. Uma encosta escalvada,
seca, deserta e nua, à beira da estrada.
Terra ingrata, onde a urze a custo desabrocha,
Bebendo o sol, comendo o pó, mordendo a rocha.
Guerra Junqueiro, Poesias Dispersas
Verso livre
• Com os poetas modernistas (século XX) surge o verso livre que não
está sujeito a limites de sílaba e ritmo. É o poeta que vai criar o
equilíbrio do poema (seguindo a sua intuição ou uma determinada
intenção).
A grande Esfinge do Egipto sonha por este papel dentro…
Escrevo – e ela aparece-me através da minha mão transparente
E ao canto do papel erguem-se as pirâmides…
Escrevo – perturbo-me de ver o bico da minha pena
Ser o perfil do rei Cheops…
De repente paro…
Escureceu tudo… Caio por um abismo feito de tempo…
Fernando Pessoa, Poesias
rima
A rima consiste na correspondência
de sons em lugares determinados
dos versos na poesia; no entanto, a
sua existência pode contribuir para o
ritmo (lento, rápido…), para a
memorização e para a
expressividade do poema.
Espécies de rima
• Rima consoante ou perfeita
(quando há correspondência
total de sons a partir da última
vogal tónica):
Aqui estou à tua porta
Como o feixinho de lenha
À espera de resposta
Que dos teus olhos me venha
• Rima toante ou imperfeita
(quando há correspondência
na vogal tónica mas a rima não
é total a partir daí):
Aqui estou à tua porta
Como o feixinho de lenha
À espera de resposta
Que dos teus olhos me venha
Espécies de rima
• Na rima consoante ou
perfeita pode ainda
considerar-se:
• RIMA POBRE (quando
palavras da mesma
categoria gramatical
rimam entre si –
iria/faria)
• RIMA RICA (quando
palavras de categoria
gramatical diferente
rimam entre si –
dizes/felizes)
• Os versos sem rima (que
começaram a ser
populares para os poetas
românticos) denominamse:
VERSOS BRANCOS
ou
VERSOS SOLTOS
Combinações de rima
• Esquema rimático: trata-se do esquema que nos revela de
que forma a rima está combinada numa estrofe. Costuma ser
indicada por letras. Na estrofe que se segue a rima tem a
seguinte distribuição: abccba
Mas a cada palavra que na noite subia a
Numa longa e larga curva b
Em busca da exaltação c
Rebentava como uma bola de sabão c
E era apenas água turva b
O que nas mãos eu dela recebia. a
Sophia M. B. Andresen, Poesia
Combinações de rimas
• Tipos de combinações de rimas:
• Rima emparelhada (quando rimam os versos seguidos,
dois a dois)
• Rima cruzada (quando os versos rimam
alternadamente, o 1º com o 3º, o 2º com o 4º…)
• Rima interpolada (quando os dois versos que rimam são
separados por dois ou mais versos que não rimam)
• Rima encadeada (quando a palavra final de um verso
rima com o meio do verso seguinte: «Dorme que eu
velo, sedutora imagem,/grata miragem que no ermo
vi;»)
Estrofe
• A estrofe é um agrupamento de versos, geralmente com sentido
completo. Segundo o número de versos que a compõem, a estrofe tem
uma designação específica, a saber:
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
MONÓSTICO (estrofe de um único verso)
DÍSTICO ou PARELHA (estrofe de dois versos)
TERCETO (estrofe de três versos)
QUADRA (estrofe de quatro versos)
QUINTILHA (estrofe de cinco versos)
SEXTILHA (estrofe de seis versos)
ESTROFE DE SETE VERSOS
OITAVA (estrofe de oito versos)
ESTROFE DE NOVE VERSOS
DÉCIMA (estrofe de dez versos)
A poesia de cordel também se carateriza pelo uso de
rimas. Voltemos à estrofe de Fábio Sombra
Nesse instante o Magrilim
Com voz mansa e bem pausada
Disse olhando pra princesa:
- Ouça aqui, minha adorada,
Quero ver se você pode
Destrinchar essa charada.
Nesta estrofe encontram-se rimas no 2º, no 4º e no
6º versos. Já os versos 1, 3 e 5 não precisam rimar
com nenhum outro. Isso facilita a vida do poeta que
só precisa de se preocupar em encontrar três rimas
por estrofe.
PELEJA INTERNACIONAL
(aplicação de algumas das regras
que acabaram de ser explicadas)
REGRAS
Cada grupo interveniente deve desenvolver o
mote, ou o mote-resposta numa estrofe
atendendo às seguintes regras:
- a estrofe deve ter seis versos e rima nos
versos 2, 4 e 6;
- métrica do mote ou do mote-resposta
deve ser respeitada.
MOTE
Minha mesa é bem mais farta
Do que a sua, meu irmão:
MOTE-RESPOSTA
Pois eu digo que a sua mesa
Não é farta como a minha:
Duas estrofes desenvolvidas por Fábio
Sombra a partir do mote e moteresposta dados:
Minha mesa é bem mais farta
Do que a sua, meu irmão:
Nela tenho carne e leite
Azeitonas, macarrão
Tenho peras, chocolate,
E uma torta de limão.
Pois eu digo que sua mesa
Não é farta como a minha:
Pois na minha tenho doces
Ovos, queijos e galinha
Tenho sopa de legumes
Bom azeite e até sardinha.
Fábio Sombra explica:
• Neste torneio, seguiremos o padrão que foi
usado nos motes que dei, ou seja: 7 sílabas
poéticas em cada um dos seis versos que
formam as estrofes. Mas é sempre bom
lembrar que a contagem de sílabas poéticas
SEMPRE TERMINA NA ÚLTIMA SÍLABA TÔNICA
DE CADA VERSO. As sílabas que vêm depois da
última tônica não são contadas.
Fábio Sombra explica:
• Um dos objetivos do torneio é transformá-lo
em uma oficina virtual de poesia, onde os
alunos irão percebendo que poesia não é só
inspiração, mas também muita transpiração e
trabalho duro dos pobres poetas. Ao final,
além de uma peleja bem feitinha e acabada,
poderemos cantá-la facilmente ao som da
viola, uma vez que a métrica estará sempre
perfeita.
Vamos verificar se
a métrica e a rima foram respeitadas:
1- quem construiu uma estrofe a partir do mote deve
apresentar rimas em –ão nos versos 4 e 6.
2- quem construiu uma estrofe a partir do moteresposta deve apresentar rimas em –inha nos versos
4 e 6.
3- os versos devem ter todos 7 sílabas métricas.
a métrica
Mi/nha /me/sa é/ bem/ mais/ far/ta
Do/ que a/ su/a, /meu/ ir/mão:
Tem/ bom/ ba/ca/lhau /co/zi/do
Fei/to /no/ meu/ cal/dei/rão
Bem /re/ga/do /com/ a/zei/te
E /vi/nho/ da/ re/gi/ão.
(turma E do 6.º ano da Escola E. B. 2, 3 Dr. Carlos Pinto Ferreira, Junqueira, Vila do Conde)
a rima
Minha mesa é bem mais farta
Do que a sua, meu irmão:
Tem bom bacalhau cozido
Feito no meu caldeirão
Bem regado com azeite
E vinho da região.
(turma E do 6.º ano da Escola E. B. 2, 3 Dr. Carlos Pinto Ferreira, Junqueira, Vila do Conde)
a métrica
Pois/ eu /di/go /que a/ sua/ me/sa
Não/ é/ far/ta /co/mo a /mi/nha:
Da A/ma/zô/nia/ tro/pi/cal
Até o /Sul /da/ mi/nha/ te/rri/nha
A /far/tu/ra é/ tão / va/ria/da
Que/ vo/cê/ nem/ a/di/vi/nha.
(turma do 4º ano da Escola Estadual Guido Marlière, Cataguases, Minas Gerais, Brasil)
a rima
Pois eu digo que a sua mesa
Não é farta como a minha:
Da Amazônia tropical
Até o Sul da minha terrinha
A fartura é tão variada
Que você nem adivinha.
FR (2-4-2010)
Minha mesa é bem mais farta
Do que a sua, meu irmão:
E/ com/ a/ nos/sa/ boa /ra/cle/tte
Com/ uma /ba/gue/tte/ na/ mão
Mais /um/ gos/to/so/bor/déus
Nin/guém / pa/ssa à/ fren/te/ não!
• Powerpoint desenvolvido em abril de 2010.
• Professora Isabel Costa, SP do LI (F)
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Noções de versificação