ARNALDO LEMOS FILHO
CONTEXTO HISTÓRICO
ALEMANHA – 1990 APÓS A DERRUBADA DO MURO DE
BERLIM
FIM DA GUERRA FRIA
GLOBALIZAÇÃO
NEO-LIBERALISMO
O SONHO ACABOU?
O filme mostra um trio de jovens revolucionários que
invade mansões enquanto os donos viajam. Eles não
roubam nada, mas trocam os móveis de lugar e
deixam mensagens como “Você tem dinheiro demais”,
só pra aterrorizar os capitalistas.
Tudo vai bem até que são
surpreendidos por um ricaço, e
são obrigados a seqüestrá-lo e
decidir o que fazer da vida.
Para piorar, eles descobrem que o
milionário já foi um idealista como
eles na época em que era normal
sonhar com revoluções: 1968
Apenas algumas fotos no
cenário e um diálogo fazem
supor que os edukators
participaram das grandes
manifestações
antiglobalização.
Expressam a encruzilhada
dessa geração: a rejeição ao
sistema vem junto com a mais
absoluta descrença nas
formas institucionalizadas de
luta política.
Partidos e movimentos tradicionais nem estão no leque de
opções dos personagens. A citação à geração pós-68 que, ao
apagar das chamas e no desmontar das barricadas concluiu
pela ação direta, armada, violenta é clara. Mas os três já são
filhos também do fracasso dos anos 70.
Os rebeldes da época viraram ministros e executivos. E é o
acaso e o instinto de sobrevivência que os acabam levando ao
seqüestro de um deles, obrigando-os ao desvio da rota
“pedagógica” e pacífica que pretendiam seguir.
OS JOVENS
Jules (Julia Jentish) é uma garota
de aparência frágil e rosto doce.
Vira-se morando sozinha e
trabalha como garçonete. Algo
parece errado, no entanto, pois
Jules, mesmo doce, parece
insegura, angustiada. Ela namora
Peter (Stipe Erceg), de quem
parece gostar satisfatoriamente.
Peter mora com seu
amigo Jan (Daniel
Bruhl, de Adeus
Lênin), mais jovem,
com expressão de
angustiado e jeito
estranho.
Um dia, o mundo de Jules começa a virar.
Ela é demitida do emprego. Logo em
seguida, Peter tem que viajar.
Jules desmonta, começa a entrar em
desespero. Não é para tanto, diz Jan, o
amigo do namorado. "Você se arranja",
conclui o rapaz.
Mas Jules está realmente mal e acaba
desabafando com Jan. Confessa o beco
sem saída idiota em que estava metida.
Batera seu carro no Mercedez-Benz de
um magnata, estava com a carteira
vencida, foi condenada a pagar todo o
prejuízo. Uma fortuna. Somente depois
de uns dez anos de salário de garçonete
conseguiria sair das mãos do magnata.
Neste momento, no entanto, estava sem
dinheiro, sem emprego, endividada e
sozinha.
METÁFORA
A DÍVIDA DOS PAÍSES
POBRES EM RELAÇÃO AOS
PAÍSES RICOS
As provocações ideológicas vão mais longe ainda.
Jules trabalha como garçonete num restaurante de
luxo, onde é maltratada por uma elite arrogante que
acha que certo tipo de bebida só pode ser servida
em certo tipo de taça. Até aí tudo bem. Mas e
quando ela sai do batente e usa sua chave para
arranhar um carrão?
O filme oferece uma nova perspectiva para se
repensar a apatia predominante no mundo
monotemático da última década do século XX.
"“Eu só queria ser livre”. A
frase sai da boca de Jules,
massacrada sob uma
dívida com um milionário
que vai levar 8 anos para
pagar. Três jovens em um
país de primeiro mundo,
sub-empregados e sem
convites para a “festa” da
Alemanha reunificada estão
no centro da trama.
Na ausência de Peter, Jules e
Jan acabam se envolvendo.
E, sem aguardar as
conseqüências, Jan acaba
revelando para Jules o que é,
na verdade, o ponto central
do filme: a estranha e
bizarra atividade que ele e
Peter criaram para encontrar
alguma válvula de escape
para uma vida cada vez mais
inevitável.
Jan e Peter inventaram uma vida dupla. De
dia, cumprem o cotidiano estabelecido.
Durante a noite, vestem máscaras pretas e
invadem as mansões dos ricaços, somente
quando os ricaços não estão presentes.
Não roubam nada, apenas mudam todos os
móveis de lugar, se possível com
criatividade digna: “Seus dias de fartura
estão terminando" ou "Vocês tem dinheiro
demais". Assinado: os Educadores.
A ação deles de entrar nas mansões e
bagunçar os moveis reflete o
descontentamento e a impotência sentida
pelos jovens que questionam o sistema.
Sem encontrar em que se apoiar, resolvem
agir por conta própria. A intenção é deixar os
milionários inseguros, pois se nada é
roubado,o que querem afinal?
Essa é a idéia que predomina, se alguém
entra na sua casa é para roubar algum bem
material, pois as pessoas sempre querem
possuir cada vez mais coisas. O terror é
muito maior quando entram em sua casa,
mas não roubam nada. Isso remete a ideais
praticamente esquecidos de que existem
coisas mais importantes do que o dinheiro.
Ao saber da estranha atividade, Jules, angustiada
mas encantada com Jan, também quer participar. E
pensa logo, claro, no maior motivo das suas
agruras, seu magnata credor. Ora, porque não fazer
uma visita à sua casa?
As conseqüências dessa visita ( perda do celular e
seqüestro do milionário) levam o filme ao seu
clímax, nos diálogos travados entre os jovens e o
seqüestrado.
O sentimento anti-capitalista
dos três salta da tela de
forma visceral.
A denúncia do acúmulo quase
inutilizável de riqueza é feita
sem apelos sentimentalóides,
sem imagens dramáticas de
situações extremas que geram
compaixão.
No cativeiro, os três jovens
idealistas e revolucionários
duelam verbalmente com o
empresário. O que está em
questão, é claro, é a
indiferença dos homens mais
ricos do mundo em relação
aos destinos humanos do
terceiro e quarto mundo.
DIÁLOGOS
Jule: Chá?
Hardenberg: Obrigado.
Jan: Quanto é que você ganha por ano?
Hardenberg: 200 mil euros, mais ou menos.
Jule: 3,4 milhões, segundo a revista...
Jan: Não se sente culpado? Destruir a vida dela por um carro que
você pode trocar a cada mês? Por quê?
Hardenberg: Admito, eu deveria ter prestado mais atenção aos demais
envolvidos... Eu estava estressado, lamento muito.
Jule: Quantas horas por dia você trabalha?
Hardenberg: Treze, quatorze horas, até mais.
Jule: E o que você faz com tanto dinheiro? Acumula coisas? Coisas
grandes e caras? Carros, iates, mansões... Um monte de coisas para
poder dizer “eu sou o macho alfa”... Eu não vejo outra razão. Você não
tem nem tempo para curtir o seu iate. E por que você sempre quer
mais?
Hardenberg: Vivemos numa democracia. Não devo explicações sobre os
meus bens, eu paguei por eles.
Jan: Errado. Vivemos numa ditadura capitalista.
Hardenberg: É mesmo?
Jan: Você roubou tudo o que possui.
Hardenberg: Eu posso bancar muito mais coisas porque trabalho mais, eu
tive as idéias certas na hora certa, além disso eu não sou o único que
aproveitou as chances... E na vida todos têm chances iguais, a verdade é
essa
Jule: Ele daria um ótimo político, não é? No sudeste da Ásia um monte de gente
trabalha até 14 horas por dia e eles não têm mansões, ganham 30 euros por
mês... também podem ter boas idéias, mas eles não podem nem pagar o ônibus
para irem à cidade vizinha.
Hardenberg: Desculpe por eu não ter nascido na Ásia
Jule: Mas ainda pode tornar suportável a vida lá. O Primeiro Mundo perdoaria a
dívida do Terceiro Mundo, é só 0,01% do nosso PIB!
Hardenberg: Seria o colapso do sistema financeiro mundial.
Jule: Quer que eles fiquem pobres para poder ter controle sobre eles, forçá-los a
vender os seus produtos a preços ridículos...
Hardenberg: Como é que você sabe?
Jan: Resposta simples: você não cancelou a dívida da Jule.
Hardenberg: Isso é absurdo!
Jan: Não, é a regra básica do sistema: chupar todos até o bagaço. Pra que não
possam mais reagir.
Hardenberg: Não é assim... Claro que precisamos melhorar as coisas...mas o
sistema não vai mudar.
Jan: Por que não?
Hardenberg: Porque é da natureza humana querer ser mais que os demais... todo
grupo logo elege um líder e a maioria só fica feliz quando compra uma coisa nova
Jan: Feliz? Acha que eles são felizes, Hardenberg? Abra os olhos. Sai do carro
da sua empresa e ande nas ruas. Eles parecem felizes ou mais assustados?
Veja sua sala de estar, todos estão grudados naquela TV, ouvindo zumbis
chiques falando de uma felicidade perdida. Dirija pela cidade. Verá a imundice,
a superpopulação. As massas em lojas de departamentos subindo e descendo
escadas-rolantes feito robôs... Ninguém conhece ninguém. Acham que a
felicidade está a seu alcance, mas ela é inalcançável. Porque você a roubou e
sabe muito bem disso... Mas tenho uma notícia para você, executivo: o
sistema superaqueceu: somos só os precursores, a sua era está para acabar.
Enquanto você surfa na tecnologia os outros sentem ódio. Como as crianças
das favelas vendo filmes de ação americanos. Isso é só o começo, nós vamos
ver. Há mais casos de insanidade, serial killers, almas destruídas, violência
gratuita. Não pode sedar todos eles com games e shoppings... e os
antidepressivos não vão funcionar para sempre... o povo tá cheio desse seu
sistema maldito e hipócrita
Hardenberg: Tá bom. Admito que há alguma verdade no que
disse, mas sou o bode expiatório errado. Eu jogo o jogo. Mas não
fui eu que fiz as regras desse jogo.
Peter: Não importa quem inventou a arma, só quem puxa o gatilho.
Jule: Não é tão simples e você não pode se eximir.
O capitalismo não é rejeitado porque não
tem “pena” dos pobres, mas por sua
natureza intrinsecamente coisificadora, por
ser uma máquina de transformar até a
rebelião contra ele mesmo em mercadoria
(você pode escolher em vitrines os
símbolos da rebeldia dos anos 70), pela
idiotia dos milhões que passam suas horas
livres em frente à TV, pela interdição da
liberdade.
Hardenberg está certo de que tem o
direito de usufruir a fortuna que, diz ele,
foi conquistada com seu trabalho duro.
Ao que respondem “quem trabalha de
verdade são as pessoas esfomeadas e
esfarrapadas da América do Sul, da Asia e
da África, por um salário de miséria e o
senhor somente se apropria desse trabalho
para multiplicar o capital.”.
O filme poderia ser ultra manipulador e fazer do
milionário um vilão detestável e dos jovens nossos
heróis românticos sem contradições. Mas não é o que
acontece. Claro, a visão do ricaço parece
indefensável.
Pra quê trabalhar tanto e acumular coisas que nem
se tem tempo pra usufruir? Ele diz que é da natureza
humana competir e querer juntar mais e mais. Tal
resposta não se justifica, já que nada é natural, tudo
é construído.
Somos adestrados pra acreditar que o
que martelam na nossa cabeça nasceu
conosco. E o que é natural não pode ser
combatido, uma grande falácia. .
Enfim, “Edukators” humaniza o ricaço.
Como se sair dessa sem bolar um final
utópico ou piegas demais? O fim é um
dos trunfos do roteiro por amarrar
muitíssimo bem todos os temas
Edukators” usa a inteligência para nos
provocar enquanto brinca com nossos
preconceitos, inclusive os cinematográficos.
Por exemplo, há uma hora que o ricaço some,
e um dos jovens entra num quarto para
procurá-lo. Nossa imaginação nada fértil
após tanta doutrinação hollywoodiana nos
diz: pronto, agora o milionário nocauteia o
revolucionário e foge. Nada disso.
Não há respostas consistentes no filme. Somente
mais perguntas:
será que é esse o espaço existente para a revolta?
Será que há algum resultado nessa expressão de
simbolismos pós-modernos, essa mistura de
flash-mobs com contravenções leves e
temporárias?
Há outras alternativas?
É factível querer mudar algo?
Num momento do filme, algumas questões interessantes são
colocadas para o espectador:
será que não foi e não vai ser sempre assim?
Será que todos temos os ideais juvenis de um mundo melhor e que, mais
tarde, todos nós nos transformamos ?
Existem ideais de verdade, ou tudo não passa de ingenuidade e mera
explosão hormonal?
Um conservador cético aos vinte anos de idade realmente é uma pessoa
sem coração?
Um idealista aos quarenta realmente não tem nada na cabeça?
Quem não é de esquerda até
os trinta não tem coração, e
quem é de esquerda depois
dos trinta não tem cérebro?”
Edukators é um filme
sobre um conflito não resolvido,
sobre contas que não foram acertadas,
sobre um jogo em relação ao qual a
violência não é uma componente
estranha,.
sobre uma geração que viu falharem mil
saídas, mas quer saídas.
Sobre a força das circunstâncias que
engolem uns e
sobre a força das escolhas dos que não
querem ser engolidos.
“Algumas pessoas não mudam”
Os diálogos com ele são reveladores
da máquina de consumir energia
rebelde que é o capitalismo.
Afinal, também foi radical,
também fez experiências com
drogas, também experimentou a
liberdade sexual... Depois, casou,
teve filhos, a razão foi falando
mais alto...
Nas falas do executivo o idealismo
e a radicalidade dos jovens
aparecem como uma fase de um
ciclo educativo, uma espécie de
preparação para a “vida real”.
A encruzilhada em que os três se
meteram transforma-se na opção
entre o retorno à violência
“exemplar” de trinta anos atrás e a
rendição incondicional dos dias que
correm.
Quando rejeitam a primeira saída,
parecem condenados à segunda.
Mas, assim como para a crise de
relacionamento pessoal entre os
três, há saídas novas e inesperadas
que não a rendição.
FINAL DO FILME
O filme tem um final que pode ser interpretado de
duas maneiras. Quando Handenberg volta para sua
casa, entrega um papel para Jules e o conteúdo não
revelado desse papel gera uma interpretação
ambígua. No final do filme, os jovens aparecem em um
quarto de hotel e saem no iate de Handenberg rumo
às torres de televisão. Em imagens sobrepostas,
policiais invadem o antigo apartamento dos rapazes,
agora vazio e encontram um bilhete na parede
dizendo: “Algumas pessoas nunca mudam”.
Primeira interpretação
Será que o papel entregue pelo magnata
cancelaria a divida da garota e o magnata
não cumpre sua palavra e denuncia os
jovens para a policia? Preparados para
isso, os três saem do apartamento, roubam
o iate de Handenberg e vão tentar sabotar
as torres da TV. O aviso “ Algumas pessoas
nunca mudam”, deixado na parede do
apartamento, se refere à atitude falsa de
Handenberg, ou seja, uma vez capitalista,
sempre capitalista.
Segunda interpretação
No papel entregue a Jules,
Handenberg estaria explicando
seus planos: faria a denuncia à
policia mas os três deveriam
despistá-la, pegando seu iate,
que estaria com seus
documentos e passaporte, e
assim os ajudaria a concretizar
os seus planos. O cartaz no
apartamento faria menção à
época em que Handenberg era
mais consciente dos problemas
sociais e menos ganancioso, ou
seja uma vez socialista, sempre
socialista.
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