ANÁLISE DA OBRA



Nelson Rodrigues classificou seu livro como
tragédia carioca em três atos.
Tragédia é um gênero dramático antigo, que tem
como característica um final doloroso. Inicia-se, em
geral, com a prática de um ato vil por parte do
herói; seguem-se dor, sofrimento e busca da causa
para isso; para haver recomposição da vida
anterior, vem o castigo, a morte.
O herói é Arandir. Ele comete um ato vergonhoso
ao quebrar um tabu da sociedade burguesa: beija,
na boca, um homem que havia sido atropelado,
não se esclarecendo o porquê.



O oportunismo de um repórter inescrupuloso
faz o herói e toda sua família sofrerem.
Ao final, ele é assassinado pelo sogro, por
ciúmes
—
motivo
que
os
outros,
provavelmente, jamais saberão.
O autor trabalha se preocupa com as revelações
decorrentes do ato vergonhoso do seu herói. As
atitudes da mulher denunciam não ser tão
profundo seu amor pelo marido quanto ela
(Selminha) proclamava; a cunhada (Dália) é
apaixonada por Arandir; o sogro (Aprígio),
homossexual. Isso reforça a ideia de que a
família toda, direta ou indiretamente, participa
do ato delituoso.
CARACTERÍSTICAS DA OBRA






Levantamento de temas desagradáveis que, em
geral, chocavam a sociedade burguesa.
Crítica às instituições e aos valores burgueses.
Fixação pela sexualidade, numa visão bastante
freudiana do tema.
Obsessão pela morte, que o perseguiu sempre e se
manifesta como solução em muitas de suas obras.
Caricaturização dos personagens, tornando-os,
muitas vezes, grotescos.
Frases curtas, reticentes, incompletas por
representarem diálogos, feitas para serem ouvidas
e não lidas.
PERSONAGENS
 Arandir — jovem funcionário de repartição,
recém-casado, ingênuo e aparentemente bondoso.
 Aprígio — sogro de Arandir e viúvo.
 Amado Ribeiro — jornalista inescrupuloso e
oportunista, ávido por manchetes retumbantes,
ainda que forjadas.
 Cunha — delegado violento e estúpido, dominado
pelo repórter.
 Selminha — mulher de Arandir, ingênua e
insegura.
 Dália — irmã mais jovem de Selminha, apaixonada
pelo cunhado.
ESPAÇO
 A identificação do espaço não tem qualquer
importância na história.
 As ações se passam no Rio de Janeiro.
 Alguns locais são citados (Praça da Bandeira),
mas sem qualquer ênfase ao local. O que
importa são os espaços da peça colocados no
palco: a delegacia, a casa de Arandir, a casa da
Boca do Mato, que são iluminados
sucessivamente, criando a sensação de
deslocamento, técnica revolucionária para a
época.
TEMPO


Numa história de ação linear, o tempo é
cronológico.
Diante do espectador desenrolam-se as ações
decorrentes do gesto de Arandir, que vão se
tornando cada vez mais tensas, até culminar
com seu assassinato.
LINGUAGEM
 Linguagem destinada à representação.
 Os diálogos são curtos, reticentes. Proliferam as
frases incompletas, próprias da comunicação
coloquial.
 O discurso é direto, como convém à obra
dramática moderna.
 Apesar de, às vezes violenta, mais pela ação do
que pelos termos empregados, não é escatológica,
não há palavrões; o máximo que se encontra vem
do delegado Cunha, quando diz:
Ai, meu cacete! ou Gilete! Barca da Cantareira!
 Já as frases curtas, entrecortadas, emprestam
velocidade e ação ao texto. Uma ou outra vez,
algum clichê, ao que parece usado de forma irônica
e consciente.
TEMAS

O tema principal do livro é o poder da
imprensa, quando um repórter forja uma
história que leva a consequências trágicas.
Poderia ser, também, uma acusação contra a
leviandade humana, mostrando que o homem
(Aprígio, Selminha, os colegas de serviço) se
deixa levar pelas aparências. Mesmo sem
provas, passa a duvidar dos outros e condenálos.


Existe, ainda, um alerta contra o preconceito,
especialmente de ordem sexual: o burguês não
aceita a homossexualidade, mesmo quando, no
íntimo, deseja-a (Aprígio).
Não seria demasiado afirmar que um dos
temas centrais é o sexo ou a sexualidade
conduzindo as ações humanas, pois o
comportamento de todos os personagens está
ligado a ele: do repórter, do delegado, de
Aprígio, de Dália...
ENREDO
 Tudo começa quando Amado Ribeiro assiste a
uma cena inusitada na rua: um rapaz (Arandir)
corre até um homem caído junto ao meio-fio e
beija-o na boca. Vê aí a oportunidade de um
artigo sensacionalista para o seu jornal.
 Dirige-se à delegacia e convence o delegado a
interrogar o autor do beijo. Ele pretende
transformar o episódio em algo que venda seu
jornal. Aliado ao chefe de polícia, força o rapaz
a um interrogatório e publica foto e noticiário
escandaloso sobre ele.




Arandir é humilhado no serviço; sua mulher,
sequestrada pelo delegado, que a interroga e a
deixa nua; os vizinhos se voltam contra
Arandir. Apavorado, ele foge e esconde-se
num hotel.
Paralelamente, ocorre a desestruturação da
família. Diante das notícias e dos boatos, até os
familiares de Arandir começam a acreditar na
versão da imprensa.
Forçado por Selminha, seu pai, Aprígio,
procura o repórter e o encontra bêbado.
A filha acusa o pai de não gostar do genro.



Arandir revela seu paradeiro à mulher e quer
que ela vá ao seu encontro. Esta, envergonhada
dele, nega-se a ir. Sua irmã, Dália, no entanto,
vai até onde está o cunhado, declara seu amor e
decide ficar com ele.
Surge o sogro, Aprígio, que expulsa a filha e
também se declara apaixonado pelo genro,
confessando ter ficado morto de ciúmes por vêlo beijar outro homem. (Arandir alegara desde
o início que só fizera aquilo porque o
moribundo lhe pedira e se sentira na obrigação
de atender ao seu último pedido...)
Desvairado, Aprígio atira no genro e o mata.
de Nelson Rodrigues
Profª. Valéria Lima
Download

1344948169