11º. CONGRESSO BRASILEIRO DE SAÚDE COLETIVA
SAÚDE DA POPULAÇÃO
BRASILEIRA
Jairnilson Silva Paim
Prof. Titular em Política de Saúde
Instituto de Saúde Coletiva
Universidade Federal da Bahia
Goiânia, 29 de julho de 2015
INTRODUÇÃO

Distintos olhares e reflexões sobre o tema: Saúde Coletiva
como campo científico e âmbito de práticas (PAIM e ALMEIDAFILHO, 2000)

Para além da Saúde Pública (ação estatal e área de
saberes) e ideologia do possível (MENENDEZ, 1992) vinculada ao
liberalismo econômico e ao Estado capitalista

Diferenças entre SP e Saúde Coletiva: histórica, teórica,
ideológica, política e epistemológica (VIEIRA-DA-SILVA, PAIM e
SCHRAIBER, 2014)

Distinção não é trivial diante do tema da 15ª. CNS: saúde
pública de qualidade para cuidar bem das pessoas.
ANÁLISE DA SITUAÇÃO DE SAÚDE

Análise concreta da situação concreta: dimensões
específica, institucional, ideológica e relações (AROUCA, 1988)

Problemas do sistema de serviços: determinantes políticos,
econômicos e ideológicos.

Respostas sociais aos problemas e necessidades: políticas
de saúde e setor produtivo (bens e serviços)

Ameaças (crises econômica e política e a específica do
SUS)

Oportunidades e correlação de forças
UTILIZAÇÃO DE SERVIÇOS DE SAÚDE
(BRASIL, 2015)

Em 2013, 15,3% (30,7 milhões) das pessoas procuraram
atendimento de saúde nas duas últimas semanas.

Dentre essas, 97,0% conseguiram atendimento

Dos que não conseguiram atendimento, 38,8%
informaram falta de médico e 32,7% falta de vaga ou
de senha.

Entre as que conseguiram, 64,8% tiveram algum
medicamento receitado e 82,5% obtiveram todos os
prescritos.
INTERNAÇÕES HOSPITALARES
(BRASIL, 2015)

6,0% (12,1 milhões) internaram-se em hospitais por 24
horas ou mais, nos últimos 12 meses: 65,7% (8,0 milhões)
pelo SUS

Proporções maiores para mulheres (7,1%) e de 60 anos
ou mais (10,2%), sem diferenças significativas segundo
cor/raça e instrução.

Estabelecimentos públicos: tratamento clínico (42,4%) e
cirúrgico (24,2%); nos privados, 29,8% clínico e 41,7%
cirúrgico.

No público, parto normal, 7,2% das internações, e
cesáreo 5,9%; no privado, parto normal 2,1% e cesáreo
9,7%.
RELEVANTES CONQUISTAS

53,4% domicílios cadastrados em USF (34,8 milhões),
variando entre 64,7% (Nordeste) a 46,0% (Sudeste), ou
70,9% (rural) a 50,6% (urbana) (BRASIL, 2015).

SUS conseguiu melhorar o acesso à atenção básica e
de emergência (SAMU, 192)

Atingiu uma cobertura universal de vacinação e de
assistência pré-natal

Investiu fortemente na expansão de RH e em
tecnologias, com grande esforço para fabricar vacinas
e medicamentos essenciais no país (PAIM, et al., 2011)
MAS O SUS ESTÁ PERDENDO!

Antes do SUS (1981), recursos públicos financiaram 68%
dos atendimentos; em 2008, reduziram para 56% (PAIM et al.,
2011)

Antes do SUS (1981), recursos públicos pagaram 75% das
internações; em 2008 reduziram para 67% (PAIM et al.,
2011) e em 2013 para 65,7% (BRASIL, 2015)

Entre 1981 e 1998, o volume de atendimentos
financiados pelos planos de saúde cresceu 466% (PAIM et al.,
2011)

Estado brasileiro, historicamente, estimulou o setor
privado, promovendo a mercantilização da saúde.
PROBLEMAS DO SISTEMA DE SAÚDE: A
QUESTÃO DO FINANCIAMENTO

Tributos (impostos e contribuições) e parte privada
(famílias e empresas).

São destinados para a saúde mais de 8,0% do PIB
1,6% - federal
0,7% - estadual
0,8% - municipal
1,05% - empresas
3,84% - famílias (PAIM et al., 2011).

Cerca de 40% do gasto em saúde é público.
FINANCIAMENTO DO SUS:
PARTICIPAÇÃO DA UNIÃO E ESTRUTURA
DO GASTO DO MS

A participação da União no financiamento do SUS reduziu
de 72% (1993) para 42,93% (2013) (CONASS, 2015).

1995-2014: gasto do MS com ações e serviços cresceu em
termos absolutos (MACHADO, LIMA e ANDRADE, 2014), mas manteve-se
em torno de 1,7% do PIB, enquanto o pagamento de juros
da dívida pública representou 6,5% do PIB em média (MENDES,
2015).

Gasto do MS (2014): 50,1% para a MAC, 17,8% com AB,
12,3% com pessoal, 9% com medicamentos, 5,4% com
vigilância em saúde, 1,8% com saneamento e 3,6% com
“demais ações” (MENDES, 2015)

Gastos com MAC são três vezes maiores que os da AB
(MACHADO, LIMA e ANDRADE, 2014).
ESTRUTURA TRIBUTÁRIA

Deve pagar mais quem dispõem de patrimônio e renda
(tributos diretos): 33% nos países da OCDE.

Brasil: IRPF e IRPJ representam 19,0% e os que incidem
sobre o patrimônio somente 3,7%.

Impostos indiretos corresponderam a 49,2% em 2011
atingindo, proporcionalmente, os mais pobres.

Quem recebia até 2 SM destinava 53,9% aos tributos
indiretos e quem recebia mais de 30 SM gastava apenas
29,0% da renda com impostos (FAGNANI, 2014, p.3).
1) SEQUESTRO DE RECURSOS
VIA DRU

Apesar da gritaria de empresários e do “impostômetro”,
quem mais paga impostos no Brasil são os mais pobres.

Justamente os mais prejudicados no acesso e qualidade
dos serviços públicos, inclusive no SUS.

A DRU retirou R$ 52,6 bilhões da Seguridade Social (2012).

A perda da Seguridade Social corresponde mais de R$ 286
bilhões entre 2005-2012 (FAGNANI, 2014, p.3).

Governo enviou a PEC 87/15 para prorrogar a vigência da
DRU até 2023: 30%, em vez de 20% (SCAFF, 2015)
2) SEQUESTRO DE RECURSOS VIA
DESONERAÇÕES FISCAIS

Comprometeram fontes de financiamento da Seguridade
Social (PIS/PASEP, Cofins, CSLL, folha de pagamento, etc.), reduzindo
recursos para os serviços sociais e o SUS.

Perda de arrecadação de R$ 327,17 bilhões em 2014
(desonerações e subsídios) valor maior que aquele
destinado a saúde e educação juntos (R$ 197,74 bilhões).

Perda de R$ 136,5 bilhões só em contribuições que
deveriam ser destinadas à Seguridade Social e ao SUS.

As desonerações para as montadoras cresceram 38,68%
acima da inflação entre 2011 e 2014 (Radis,2014; Radis , 2015).
3) SEQUESTRO DE RECURSOS
VIA RENÚNCIA FISCAL PARA O
SETOR PRIVADO DA SAÚDE

Estimativa de R$ 16 bilhões anuais (MARQUES e PIOLA, 2014)

A Câmara dos Deputados em 2014 aproveitou a MP 627
e incluiu a anistia de multas das operadoras.

O então relator, atual presidente da Câmara, assumiu um
perdão de R$ 2 bilhões para empresas de planos de
saúde (Radis, 2014).

Os valores ressarcidos ao SUS foram de R$ 360 milhões, se
bem que mais de 80% do total de 2013 (Site do Cebes, 17/12/2014).
ORÇAMENTO GERAL DA UNIÃO
(EXECUTADO EM 2014) – TOTAL =
R$ 2,168 TRILHÃO WWW.AUDITORIACIDADA.ORG.BR
POR QUE FALTAM RECURSOS?

Além dos sequestros, uma soma fabulosa do orçamento é
apropriada pelo capital financeiro (bancos e rentistas)

Quase 1 trilhão de reais (R$978 bilhões) do orçamento da
União executado em 2014 foi destinado ao pagamento da
dívida pública (45,11%); para a saúde coube 3,98%.

Correspondem às parcelas informadas pelo governo a título
de “juros” (R$170 bi) e “amortizações” (R$808 bi)
(12 vezes o que foi destinado à educação, 11 vezes à saúde, mais que o dobro dos
gastos com a Previdência Social). www.auditoriacidada.org.br

Entre 2010-2014 o governo gastou só em juros R$700 bilhões e
com bolsa família R$103 bilhões (MORBACH, apud SCAFF, 2015):
“bolsa rentista” é quase sete vezes maior que a dos “sem renda”.
CONJUNTURA

Aproveitando a crise de 2008, o capital realiza uma ofensiva
na saúde na AL, Ásia e África (Europa e América do Norte)
(Conill, 2014; Giovalella e Stegmüller, 2014).

Não deve escamotear determinantes históricos e estruturais,
nem a crise do SUS, desde a Constituição (subfinanciamento,
gestão, trabalhadores de saúde).

Antecede às crises econômica e política atuais.

Forças sociais e políticas que formularam a RSB e o SUS
acumularam derrotas no período pós-constituinte.

Movimento sanitário, mesmo mobilizando sujeitos sociais em
defesa do SUS, tem bases de apoio insuficientes (não
conquistou trabalhadores, classe média e setores populares).
AMEAÇAS: 7 ATAQUES RECENTES
CONTRA O SUS
1. Rejeição da Emenda Popular Saúde + 10
(PLP No. 123/2012)
2. Abertura da saúde ao capital estrangeiro
(Projeto de Lei de Conversão No. 16 da MP 656/14, atual Lei 13019/14)
3. Orçamento impositivo
(15% das receitas correntes líquidas para a saúde - EC-86/15)
4. Obrigatoriedade de planos de saúde para empregados
(PEC 451/14)
5. Projeto de Lei das Terceirizações
(PL 4.330, aprovado na Câmara e enviado ao Senado)
6. Reconhecimento da constitucionalidade das OSs
7. Comprometimento do governo com a proposta de Cobertura
Universal em Saúde.
ESTÁ EM CURSO UMA SUBVERSÃO DO
DIREITO CONSTITUCIONAL DA SAÚDE
(ABRASCO; ABRES; AMPASA; APSP; CEBES; IDISA; REDE UNIDA; SBB, 2015)
 Esta
conjuntura tem imposto um conjunto de
derrotas ao SUS, mas algo se move...
A
quem interessa fragmentar os usuários do
SUS, subfinanciar o sistema, abrir a assistência
médica ao capital estrangeiro, tudo numa
só tacada, sem diálogo com seus usuários,
os movimentos populares de saúde, os
estudiosos e os pesquisadores da Saúde
Coletiva, os conselhos de saúde, os
trabalhadores do SUS?
(ABRASCO; ABRES; AMPASA; APSP; CEBES; IDISA; REDE UNIDA; SBB, 2015)
POSSÍVEIS RESPOSTAS

Certamente não é apenas um conhecido deputado nefasto

Operadoras de planos de saúde que financiaram as
campanhas das eleições de 2010 e 2014.

Especialmente a vinculada a um banco que tem “presença”
em muitos municípios e na área econômica.

“Presença” que deixa no SUS as marcas do ajuste e do
contingenciamento de recursos.

Capital financeiro que determina, direta e indiretamente, as
políticas públicas no Brasil e no mundo.
O ESTADO BRASILEIRO CONTRA O SUS

Até 2007, quando o Congresso extinguiu a CPMF, as medidas
contra o SUS limitavam-se ao Executivo.

Executivo e Legislativo rejeitaram a proposta de 10% das
receitas brutas da União para a saúde.

Juntos comprometeram a sustentabilidade econômica do SUS
e permitiram a abertura da saúde ao capital estrangeiro
(Scheffer, 2015)



Chegou a vez do Judiciário: constitucionalidade das OSs
reconhecida pelo STF depois de 17 anos de protelação.
Porteira aberta para PPPs, terceirizações, OSs, OSCIPs, etc.
3 poderes do Estado atuam na contramão dos princípios e diretrizes
do SUS e da RSB.
RESULTADO: UM SIMULACRO DE SUS

SUS que se confunde com “saúde pública” destinado aos
pobres, ao controle de epidemias e ao atendimento do que
não interessa à iniciativa privada.

“Saúde pública de qualidade” como tema central da 15ª.
CNS ilustra essa armadilha e pode reforçar o liberalismo.

SUS: saúde pública confinada às ações preventivas e
assistenciais para os que não têm acesso ao mercado.

Bastante distante das diretrizes de universalidade e
integralidade, da RSB e do concebido pela Saúde Coletiva.
OPORTUNIDADES
 Processo
político de construção da 15ª. CNS
 Acúmulo
de forças para superar o “7 x 1”
(“1”)
 Constituição
sociais
e organização de sujeitos
COMENTÁRIOS FINAIS

As possibilidades da RSB e do SUS encontram-se
condicionadas pelas bases de sustentação política.

Se o Estado sabota o SUS, resta à sociedade civil lutar pela
garantia do direito universal à saúde.

Desafio do movimento sanitário: imprimir um caráter mais
progressista à revolução passiva brasileira a partir da RSB.

Compromisso histórico com a RSB e o SUS, defesa democracia
e construção de um novo projeto de sociedade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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PARA ALÉM DA CONJUNTURA

A reforma democrática do Estado, preconizada pela RSB e
iniciada pelo SUS, foi abortada.

Os retrocessos comprometem a RSB por distintas vias:
1.
força política da direita liberal e conservadora
2.
transformismo de parte da esquerda
3.
crises fabricadas e reformas da Previdência - FHC, Lula e
Dilma (suposto déficit como pretexto)
4.
subfinanciamento do SUS
5.
estímulo ao setor privado sub-regulado

A revolução passiva que marca a História do Brasil criou
obstáculos para a RSB, impedindo a consolidação do SUS.
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