Capa da primeira edição das Rimas de
Camões, 1595
Manifestam-se no lirismo camoniano dois tipos de estilo:
• o estilo engenhoso, na tradição do Cancioneiro Geral de Garcia de
Resende, presente em quase todas as redondilhas e em alguns sonetos,
que se fundamenta na coisificação das palavras e das realidades sensíveis
e manifesta subtileza e imaginação;
• o estilo clássico em que as palavras pretendem captar uma realidade
externa ou interna, com existência independente das mesmas.
A temática é variada, podendo afirmar-se que gravita à volta de três eixos: o
galanteio amoroso, mais ou menos circunstancial, os temas psicológicos quase
sempre analisando a paixão amorosa e os temas filosóficos, como a desarmonia
entre o Merecimento e o Destino, o direito à felicidade e a impossibilidade de a
alcançar, a justiça aparente e a justiça transcendente.
São temas comuns aos bons escritores renascentistas, mas o tom em que Camões
os trata é pessoal, nele transparecendo a aliança entre a meditação e a experiência.
A lírica camoniana insere-se na chamada época clássica da literatura
portuguesa (1526, regresso de Sá de Miranda da sua viagem a Itália –
inícios do século XIX).
Dentro do contexto histórico clássico, devem salientar-se alguns aspetos:
• O período do Renascimento, que introduz a literatura clássica na Europa, é marcado por
alterações políticas e sociais muito significativas.
• De forma geral, a sociedade agrária feudal foi substituída, progressivamente, por uma
sociedade mercantil moderna, substituindo-se a burguesia à nobreza como grupo
impulsionador da atividade económica.
• Assistiu-se a uma série de progressos técnicos e científicos (invenção da Imprensa, por
exemplo). O conhecimento científico foi impulsionado pelos Descobrimentos
portugueses e espanhóis, pelo contacto com outras culturas.
• Os novos conhecimentos estendiam a curiosidade e a intervenção do Homem para fora
dos limites transmitidos pela cultura escolástica medieval e pela tradição religiosa.
O século XVI representou uma grande viragem no pensamento
humano.
Há três conceitos que caracterizam esta mudança:
Humanismo
Renascimento
Classicismo
Até ao século XVI, a Humanidade vivia na chamada Idade Média,
regulada pelas ideias do teocentrismo, quer dizer, Deus era o
centro do pensamento humano. Surge, então, o Humanismo que,
como o próprio nome indica, coloca o Homem no centro das
atenções, dando lugar ao antropocentrismo, que se opõe ao
teocentrismo.
É aqui que reside a nova afirmação do pensamento humano, pois o
Humanismo acredita nas capacidades do Homem, procurando
conhecer cada vez mais e melhor o próprio Homem e tudo o que o
rodeia. Não se trata, no entanto, de uma rejeição de Deus, mas sim
de uma valorização do próprio Homem, reabilitando o seu
conhecimento, as suas experiências, as suas capacidades, o seu
espírito. Para que a dignificação do Homem pudesse ser feita, era
necessário incutir na Humanidade valores diferentes dos que se
viviam durante a Idade Média e que a conduzissem a um caminho
mais elevado, mais perfeito.
RENASCIMENTO
O termo Renascimento designa o período em que surgiu
uma nova conceção de Homem e de Natureza, assim
como um renovado entusiasmo pela cultura clássica.
Caracteriza-se por um conjunto de ideias que o Homem
dos séculos XV e XVI transportou da cultura grecolatina para as adaptar aos seus dias. O Homem procurou
reabilitar a sua condição, olhando para os valores
adoptados na Antiguidade Clássica, vendo-os como um
bom exemplo para viver e aplicar à sua sociedade.
Como sempre acontece, a nova forma de pensar refletiuse em todas as artes, como a pintura ou a escultura e a
literatura não ficou indiferente a estes conceitos.
Por isso, é que alguns escritores humanistas procuraram
nestes séculos voltar a adotar formas da literatura da
Antiguidade.
David de Michelangelo (1504)
CLASSICISMO
Tendência estética associada ao Humanismo e
ao Renascimento, que considera os valores
clássicos greco-latinos, nas artes plásticas e na
literatura, como modelos a imitar; preconiza a
noção das proporções, o gosto das composições
equilibradas, a procura da harmonia das formas
e a idealização da realidade, na literatura como
na música, na pintura como na arquitetura.
INFLUÊNCIA TRADICIONAL VS INFLUÊNCIA CLÁSSICA OU RENASCENTISTA
Em Luís de Camões, a tradição do lirismo peninsular coexistiu com a
estética clássica renascentista e o maneirismo que marcaram o seu
tempo. Juntamente com a poesia de sabor trovadoresco, surge uma
poesia cujos modelos formais e temática ("medida nova") revelam a
cultura humanística e clássica do autor, que soube encontrar em
Platão, Petrarca ou Dante um mentor ou um mestre para o caminho
que trilhou e explorou com sabedoria, com entusiasmo e com a
paixão do seu temperamento .
Na poesia camoniana são, então, bem visíveis duas influências /
correntes distintas:
• A influência / corrente tradicional
• A influência / corrente clássica
CORRENTE TRADICIONAL
Na poesia de influência tradicional, é evidente o aproveitamento da
temática da poesia trovadoresca e das formas palacianas.
Temas
 Saudade, sofrimento amoroso, a beleza da mulher, o contacto com
a natureza, a donzela que vai à fonte, o ambiente Pastoril, o
ambiente
 O ambiente cortesão com as suas "cousas de folgar" e as suas
futilidades, o humor
Verso
 Medida velha uso do verso de 5 sílabas métricas (redondilha menor)
e de 7 (redondilha maior).
Variedade estrófica
 As formas poéticas mais frequentes são as da poesia palaciana do
século anterior: os vilancetes, as cantigas, as esparsas, as endechas
e as trovas.
CORRENTE CLÁSSICA OU RENASCENTISTA
Na poesia com influência clássica e renascentista, fruto das novas ideias trazidas, de
Itália, por Sá de Miranda e António Ferreira, verifica -se um alargamento dos temas e a
colocação do ser humano no centro de todas as preocupações.
Temas
O Amor platónico, a saudade, o destino, a beleza suprema, a mudança, o
desconcerto do mundo, o elogio dos heróis, os ensinamentos morais, sociais e
filosóficos, a mulher vista à luz do petrarquismo e do dantismo, a sensualidade, a
experiência da vida.
A nível formal:
Verso
Medida nova - o verso é o da medida nova, com o uso do verso decassílabo
heróico (de acentuação nas 6.ª e 10.ª sílabas) ou sáfico (nas 4.ª, 8.ª e 10.ª), ou
ainda, com o uso (menos frequente) do verso hexassílabo.
Variedade estrófica
As formas poéticas mais frequentes são o soneto, a canção, a sextina, a écloga, a
elegia e a ode.
Dolce stil nuovo (Doce estilo novo)
PETRARQUISMO
 O Petrarquismo caracteriza-se por uma retoma da temática
amorosa, dos recursos estilísticos e do vocabulário utilizados
por Petrarca.
 A poética petrarquista influencia a Europa, transformando -se
num exemplo de perfeição formal e da nova sensibilidade
poética.
Corrente
tradicional
Esquema
Síntese
Corrente renascentista
( a influência dos temas da poesia ( a influência
trovadoresca e das formas de italiana)
poesia palaciana)
greco-latina
e
- A saudade.
- O sofrimento amoroso.
- O tema da donzela que
vai à fonte.
- O ambiente Pastoril.
- O ambiente Cortesão.
- O humorismo.
- O Petrarquismo.
- O amor platónico.
- A sensualidade.
- A beleza divinal.
- A saudade.
- O destino.
- A mudança.
- O desconcerto do mundo.
O verso:
medida velha - uso do verso de
5 sílabas métricas - redondilha
menor - e de 7 - redondilha
maior.
medida nova - uso do verso de 10
sílabas métricas – decassílabo - de
acentuação nas 6ª e 10ª sílabas
(heróico) ou nas 4ª, 8ª ou 10ª
sílabas ( sáfico).
A
variedade
Estrófica:
- o vilancete,
- a cantiga
- a esparsa,
- a trova
- a endecha.
- o soneto,
- a canção,
- a écloga,
- a elegia,
- a ode.
Os
temas:
Como poeta de transição, Camões revela a influência
tradicional e a influência clássica na sua obra poética. A
influência tradicional está presente nos temas e nas
formas poéticas de cariz peninsular. Esta influência é
também chamada de Medida Velha.
A influência clássica revela-se na importação dos temas
e formas poéticas que se cultivavam em Itália. Esta
influência é, também, denominada Medida Nova.
TEMÁTICAS
O Amor
O Retrato da Amada
A Saudade
A Natureza
A Mudança
O Desconcerto do Mundo
...
Amor lei do universo, princípio da existência e força espiritual;
Contradições do Amor;
Temperamento ardente e apaixonado do poeta;
Transformação do amador na coisa amada;
Amor platónico: sentimento de adoração do objeto amado, que leva à
contemplação; amor espiritualizado;
Amor físico: sentimento que deseja a posse física do objeto amado;
A poesia amorosa camoniana é dramática, dilacerada em contradições,
entre o amor físico/sensual e o amor platónico/puro/espiritual.
•
A mulher petrarquista: ideal de beleza - cabelos de ouro, pele
branca, sorriso longínquo, gesto suave, pensar maduro, alegria
saudosa, algo de incorpóreo. É uma espécie de deusa que aparece
em visões ao poeta e contamina a natureza, embelezando-a. O
protótipo da mulher petrarquista é Laura, a musa inspiradora de
Petrarca.
• A mulher carnal: contornos físicos bem definidos e atraentes que
despertam o desejo e a volúpia dos sentidos. É Vénus.
A poesia de Camões é inovadora em relação aos poetas do
Renascimento italiano, pela representação da sensualidade da mulher,
simbolizada por Vénus.
 a saudade da mulher petrarquista (inacessível);
 a saudade da mulher carnal que não corresponde ou
que morreu;
 a saudade da pátria ausente: o exílio;
 a saudade de Jerusalém: a terra é lugar de exílio, o
homem sente-se exilado do Paraíso;
O sentimento doloroso inspira o poeta a escrever.
Associada à poesia amorosa.
A Natureza pode ser confidente, cenário ou estar personificada.
Pode ser harmoniosa, serena, luminosa – locus amoenus.
personificação da natureza
meio de engrandecimento das graças da amada
participação da natureza nos estados de espírito do poeta
a mudança reversível da Natureza /a mudança
irreversível do homem;
•
•o passado que já não volta e o presente do poeta;
• a mudança
imprevista;
da
própria
mudança:
mudança
• a mudança como algo negativo (pessimismo e
morte).
. as
injustiças sociais constatadas pelo poeta;
. os cataclismos naturais e desconcertantes;
. a morte sempre no horizonte e sem explicações
lógicas;
. o fracasso do sonho e dos projectos.
Soluções:
- a prática da justiça social
- desistência da ambição descontrolada
- a áurea mediania
- o estudo
• as injustiças sociais , constatadas pelo
poeta;
• os cataclismos naturais e desconcertantes:
morte sempre no horizonte e sem explicações
lógicas;
• o fracasso dos sonhos e dos projetos;
• o desconcerto do mundo
• responsável
pela infelicidade do poeta, causa de
tormentos.
“ Fatum” (fado, fatal, fatalidade)
Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;
É um não querer mais que bem
querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;
É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.
Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo
Este poema é um soneto, ou
seja, uma forma fixa de
composição
poética.
É
composto de duas estrofes de
quatro versos (quartetos ou
quadras) e duas estrofes de três
versos (tercetos).
Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;
A
B
B
A
É um não querer mais que bem
querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;
A
B
B
A
É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.
Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?
C
D
C
D
C
D
O esquema rimático (ou de
rimas) mostra com que
regularidade as rimas se
distribuem ao longo do poema.
O esquema é:
ABBA //ABBA//CDC// DCD.
A classificação das rimas:
A rima é emparelhada (versos 2
e 3; 6 e 7) e interpolada (versos
1, 4, 5 e 8) nas quadras.
Nos tercetos a rima é cruzada.
Classificação da rima
riqueza / pobreza
Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;
É um não querer mais que bem
querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;
É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.
verbo
verbo
adjectiv
o
verbo
verbo
nome
adjectiv
o
verbo
nome
adjectiv
o
nome
Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor? nome
nome
nome
Rima Pobre – as palavras que
rimam pertencem à mesma
classe gramatical.
Rima Rica – as palavras que
rimam pertencem a classes
gramaticais diferentes.
Classificação da rima
Toante / Consoante
Rima Consoante – neste
soneto as rimas são todas
consoantes.
(a correspondência de sons é
feita
com
vogais
e
consoantes).
A/mor/ é/ fo/go/ que ar/de /sem /se /ver;
É ferida que dói e não se sen(te);
É um contentamento desconten(te);
É dor que desatina sem doer;
Métrica
Métrica é a medida dos versos que
compõem o poema.
Para medir o verso é preciso fazer
a escansão (acto de escandir, ou
seja, fazer a contagem das sílabas
poéticas.
É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gen(te);
É nunca contentar-se de conten(te);
É cuidar que se ganha em se perder;
Como fazer a escansão:
É querer estar preso por vonta(de);
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealda(de).
Quando uma palavra terminar
com vogal e a seguinte também se
iniciar com vogal, é possível que
elas se unam, mas só nas seguintes
condições:
quando as duas vogais forem
iguais (crase): fo / ssees / pe / ci /
al
ou quando as duas vogais forem
diferentes e átonas (elisão): fo/
ssea/ ssim
Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amiza(de),
se tão contrário a si é o mesmo Amor?
1. Verificar qual é a sílaba tónica da
última palavra do verso e
desprezar as demais.
A/mor/ é/ fo/go/ que ar/de /sem /se /ver;
1
2
3 4
5
6
7
8
9
10
É/ fe/ri/da/ que /dói /e /não /se /sen(te);
1 2 3 4
5
6
7
8
9
10
É /um /con/ten/ta/men/to /des/con/ten(te);
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
É /dor /que / de/sa/ti/na /sem /do/er;
1
2
3
4 5 6 7
8
9
10
É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gen(te);
É nunca contentar-se de conten(te);
É cuidar que se ganha em se perder;
É querer estar preso por vonta(de);
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealda(de).
Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amiza(de),
se tão contrário a si é o mesmo Amor?
O verso tem
sílabas métrica
VERSO
DECASSILÁBICO
10
É/ que/rer /es/tar/ pre/so/ por /von/ta(de);
1
2
3
4 5
6
7
8
9
10
É /ser/vir/ a /quem/ ven/ce, o/ ven/ce/dor;
1 2
3
4
5
6
7
8
9 10
É /ter/ com /quem /nos /ma/ta/ le/al/da(de).
1
2
3
4
5
6
7
8 9 10
Mas/ co/mo /cau/sar /po/de /seu /fa/vor
1
2
3
4
5
6 7
8
9
10
Nos /co/ra/ções /hu/ma/nos /a/mi/za/(de),
1
2
3
4
5
6
7
8 9 10
Se/ tão /con/trá/rio a/ si/ é o/ mês/mo A/mor?
1
2
3
4 5
6 7
8
9
10
O verso tem 10
sílabas métrica
VERSO
DECASSILÁBIC
O
o
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