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Análise da obra “Iaiá Garcia”,
de Machado de Assis
Aspectos Biográficos do Autor
• Machado de Assis (Joaquim Maria M. de A.),
jornalista, contista, cronista, romancista, poeta e
teatrólogo.
• Nasceu no Rio de Janeiro, RJ, em 21 de junho de
1839, e faleceu também no Rio de Janeiro, em 29 de
setembro de 1908.
• É o fundador da Cadeira nº. 23 da Academia Brasileira
de Letras.
• Ocupou por mais de dez anos a presidência da
Academia, que passou a ser chamada também de
Casa de Machado de Assis.
Aspectos Biográficos do Autor
Alemão , dinamarquês , holandês , árabe , polonês ,
romeno , sueco , tcheco e estoniano foram algumas
das línguas para as quais as obras do autor foi
traduzido.
O autor escreveu mais de 600 crônicas ao longo dos
deus 60 anos , tornando-se um dos responsáveis pela
popularização do gênero do país.
Escreveu 5 livros de poesia, 7 de contos , 9 de teatro e
9 romances.
Sua imagem foi estampada na cédula de mil cruzados ,
que circulou entre 1987 e 1990.
1º Discurso de Machado de Assis na ABL
20 de julho de 1897
Senhores,
Investindo-me no cargo de presidente, quisestes
começar a Academia Brasileira de Letras pela
consagração da idade. Se não sou o mais velho dos
nossos colegas, estou entre os mais velhos. É
simbólico da parte de uma instituição que conta viver,
confiar da idade funções que mais de um espírito
eminente exerceria melhor. Agora que vos agradeço a
escolha, digo-vos que buscarei na medida do possível
corresponder à vossa confiança.
• Não é preciso definir esta instituição, iniciada
por um moço, aceita e completada por
moços, a Academia nasce com a alma nova,
naturalmente ambiciosa. O vosso desejo é
conservar, no meio da federação política, a
unidade literária. Tal obra exige, não só a
compreensão pública, mas ainda e
principalmente a vossa constância. A
Academia Francesa, pela qual esta se
modelou, sobrevive aos acontecimentos de
toda casta, às escolas literárias e às
transformações civis.
A vossa há de querer ter as mesmas feições de
estabilidade e progresso. Já o batismo das suas
cadeiras com os nomes preclaros e saudosos
da ficção, da lírica, da crítica e da eloquência
nacionais é indício de que a tradição é o seu
primeiro voto. Cabe-vos fazer com que ele
perdure. Passai aos vossos sucessores o
pensamento e a vontade iniciais, para que eles
o transmitam aos seus, e a vossa obra seja
contada entre as sólidas e brilhantes páginas
da nossa vida brasileira.
Está aberta a sessão.
Frases de Machado de Assis
• Lágrimas não são argumentos.
• Não levante a espada sobre a cabeça de quem te
pediu perdão.
• Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o
legado de nossa miséria.
• Está morto: podemos elogiá-lo à vontade.
• Eu não sou homem que recuse elogios. Amo-os;
eles fazem bem à alma e até ao corpo. As melhores
digestões da minha vida são as dos jantares em que
sou brindado.
Frases de Machado de Assis
• Suporta-se com paciência a cólica dos outros.
• O medo é um preconceito dos nervos. E um
preconceito, desfaz-se - basta a simples reflexão.
• A primeira glória é a reparação dos erros.
• Há coisas que melhor se dizem calando.
• Há pessoas que choram por saber que as rosas têm
espinho. Há outras que sorriem por saber que os
espinhos têm rosas!
• A arte de viver consiste em tirar o maior bem do
maior mal.
Frases de Machado de Assis
• Felizes os cães, que pelo faro descobrem os amigos.
• Não te irrites se te pagarem mal um benefício; antes
cair das nuvens que de um terceiro andar.
• Matamos o tempo, o tempo nos enterra.
• As coisas valem pelas ideias que nos sugerem.
• Tudo é aliado do homem que sabe querer.
• Não importa ao tempo o minuto que passa, mas o
minuto que vem.
• Esquecer é uma necessidade.
• A ingratidão é um direito do qual não se deve fazer
uso.
Frases de Machado de Assis
• É melhor, muito melhor, contentar-se com a
realidade; se ela não é tão brilhante como os
sonhos, tem pelo menos a vantagem de
existir.
• O tempo é pouco para o muito que espero.
• Quando dois corações se querem entender,
ainda que falem hebraico, descobrem-se logo
um ao outro.
• A ocasião faz o furto; o ladrão nasce feito.
Aspectos literários de Machado de Assis
• As obras de Machado de Assis dividem-se em duas fases: a
primeira é fase romântica; a segunda, a realista.
• Na fase romântica, o amor e os relacionamentos amorosos são
os principais temas de seus livros. Desta fase, podemos
destacar as seguintes obras: Ressurreição (1872), seu primeiro
livro, A Mão e a Luva (1874), Helena (1876) e Iaiá Garcia
(1878).
• Na fase realista, o autor faz uma análise profunda e realista do
ser humano, destacando suas vontades, necessidades,
defeitos e qualidades. Nesta fase, destacam-se as seguintes
obras: Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), Quincas
Borba (1892), Dom Casmurro (1900) e Memorial de Aires
(1908).
Relação de Obras
Romances
Ressurreição - 1872
A mão e a luva - 1874
Helena - 1876
Iaiá Garcia - 1878
Memórias Póstumas de Brás Cubas - 1881
Quincas Borba - 1891
Dom Casmurro - 1899
Esaú e Jacó - 1904
Memorial de Aires - 1908
Relação de Obras
• Teatro
Hoje avental, amanhã luva - 1860
Desencantos - 1861
O caminho da porta, 1863
Quase ministro - 1864
Os deuses de casaca - 1866
Tu, só tu, puro amor - 1880
Lição de botânica - 1906
Relação de Obras
• Poesia
Crisálidas
Falenas
Americanas
Ocidentais
Poesias completas
Relação de Obras
• Contos
A Carteira
Miss Dollar
O Alienista
Noite de Almirante
O Homem Célebre
Conto da Escola
Uns Braços
A Cartomante
O Enfermeiro
Trio em Lá Menor
Missa do Galo
Iaiá Garcia – Contexto Histórico
• Depois de 1860, na fase do Romantismo liberal e
social, a ficção supera a fórmula romântica,
invadindo, a partir de 1870, a forma realista, seja na
maneira urbana, de análise de costumes e
caracteres, seja na regionalista, seja na naturalista. É
a ficção nacional, brasileira, consolidada, autônoma.
Os gêneros adquirem maior autonomia estética
libertando-se da política e do jornalismo. Com a
geração de 1870, começa nova influência nas letras,
a da filosofia positiva e naturalista.
Iaiá Garcia – Contexto Histórico
• É nesse contexto que está inserida a primeira fase
de Machado de Assis. Iaiá Garcia é a última das
obras dessa fase (1878). Machado foi influenciado
por autores que já anunciavam o Realismo, como
Manuel Antônio de Almeida que, com seu
romance Memórias de um Sargento de
Milícias, foi considerado por muitos autores um
precursor do Realismo.
Iaiá Garcia – Contexto Histórico
• Na terceira e última fase do romantismo com
as Memórias de um sargento de Milícias, A Escrava
Isaura e Inocência, por exemplo, nota-se um
movimento de reação contra o gênero puramente
idealista, a construção dos tipos e das cenas é mais
observada, a realidade passa para o primeiro plano,
tanto na pintura dos quadros como na dos
caracteres.
Iaiá Garcia - Introdução
O livro foi escrito em 1878, e a trama se
desenrola entre os anos de 1866 e 1871.
Casamentos arranjados, amores proibidos e
jogos de interesse compõem este painel que
retrata a sociedade contemporânea ao autor.
Antecipa a experimentação das Memórias
Póstumas de Brás Cubas, portanto este romance
deve ser considerado como uma obra de
transição.
• O último dos romances da primeira fase de
Machado de Assis, Iaiá Garcia apresenta uma
clara influência de José de Alencar; os
personagens e a trama são tipicamente
românticos.
• É uma história singela. Em "Iaiá Garcia",
Machado de Assis começa a revelar as
qualidades que mais tarde farão dele um grande
romancista: a finura de estilo, o senso de humor
que já reponta aqui e ali, a recriação de
ambientes, a exata caracterização de
personagens, principais ou secundários, como
Raimundo, o preto africano, escravo liberto e
inteiramente dedicado a Luís Garcia.
• A personagem mais atuante é Estela,
que verdadeiramente conduz a ação
promovendo a felicidade dos que a
cercam, como Luiz Garcia, Iaiá e
Jorge.
Enredo
• O enredo se constitui de uma série de incidentes
que giram sempre em torno do mesmo ponto, a
realização ou a não-realização de um casamento.
• Todos os atos das personagens são conduzidos, de
modo direto ou indireto, para a consecução ou para
o impedimento desse objetivo.
• Assim, a ação do romance arma-se sobre a mesma
sequência básica, repetida ao longo do relato com
ligeiras variações, mas mantendo sistematicamente
os
elementos
essenciais.
• O romance se inicia com a apresentação de Luís Garcia, pai
de Lina Garcia, chamada em seu círculo familiar de Iaiá. A
personagem é convocada por Valéria para que a ajude a
convencer o filho a alistar-se no exército brasileiro e
participar da Guerra do Paraguai. Na descrição da
personagem, ao iniciar o romance, Machado de Assis chama
a atenção do leitor para certos aspectos de Luís Garcia:
“No momento em que começa esta narrativa, tinha Luís
Garcia quarenta e um anos. (...) Suas maneiras eram frias,
modestas e corteses; a fisionomia um pouco triste. Um
observador atento podia adivinhar por trás daquela
impassividade aparente ou contraída as ruínas de um
coração desenganado. Assim era; a experiência, que foi
precoce, produzira em Luís Garcia um estado de apatia e
ceticismo, com seus laivos (sinais/vestígios) de desdém. ”
• Nessa primeira descrição, podemos notar que não
há nada a se esconder: o narrador apresenta as
principais peculiaridades da personagem.
• A descrição, nesse caso, funciona como um objeto
de desvelamento: mostra aos leitores a
impossibilidade de imputar à personagem qualquer
outro caráter que não seja o de um “coração
desenganado”.
No romance, não há nada de oculto no caráter de
Luís Garcia. Tudo sobre o pai de Iaiá foi dito na
primeira oportunidade pelo narrador, de modo que a
atenção do leitor ficasse presa à camada mais
imediata do texto: aquela dos fatos a serem
narrados.
Logo após a descrição do pai, o narrador passa
rapidamente para a descrição da filha:
“Entretanto, das duas afeições de Luís Garcia,
Raimundo era apenas a segunda; a primeira
era
uma
filha.
(...)
Contava onze anos e chamava-se Lina. O nome
doméstico era Iaiá.(...) A boca desabrochava
facilmente um riso, — um riso que ainda não
toldavam as dissimulações da vida, nem
ensurdeciam as ironias de outra idade.”
Logo após a apresentação de Iaiá, temos a
descrição do ambiente doméstico de seu pai.
Vemos, nessa parte da narrativa, que a filha de Luís
Garcia
apresenta
sutilezas
psicológicas
importantes.
Observemos
com
cuidado:
(...) Dessa comparação extraiu a ideia do sacrifício
que o pai devia ter feito para condescender com
ela; ideia que a pôs triste, ainda que não por muito
tempo, como sucede às tristezas pueris. A
penetração madrugava, mas a dor moral fazia
também irrupção (incursão/invasão) naquela alma
até agora isenta da jurisdição da fortuna. (ASSIS,
1975, p. 79)
Machado, aqui, apresenta-nos um problema: Iaiá
reconhece que o pai sacrificou-se ao lhe dar um piano
de presente. Porém, como as tristezas pueris não
duram, logo ela delicia-se com o presente. O que se
mostra importante neste breve trecho é a presença
de uma palavra-chave da narrativa, a qual constitui o
verdadeiro palco da discussão nesta obra: a moral.
Percebe-se que, desde cedo (a personagem contava
nessa época com onze anos de idade), Iaiá
compreende a “dor moral” que o pai tem de sofrer,
para lhe dar educação e conforto. O romance trata,
portanto, da aprendizagem de Iaiá em um novo
mundo: o mundo da tensão entre o social e o natural,
mediante o jogo imposto pelo narrado acerca da
moral.
O primeiro momento de tensão da narrativa ocorre já
no segundo capítulo do romance. Na verdade, trata-se
de uma fórmula que se repetirá em toda a trama: a
realização
ou
não
de
um
casamento.
Temos a tríade Estela – Valéria – Jorge que representa
a dinâmica entre o natural e o social por meio do
casamento. A convocação de Luís Garcia para interagir
nessa dinâmica, sendo esse o tema do segundo
capítulo do romance, não afeta o trinômio, pois ele
não participará diretamente da tensão. Porém, caberá
a essa personagem o papel de julgar, sendo
complementado pelo narrador.
• O diálogo entre Valéria, Luís Garcia e Jorge é recheado de
julgamentos morais que levam o leitor a uma dubiedade: ao
separar seu filho de Estela, a verdadeira motivação de Valéria
é egoísta, mas, por outro lado, existem grandes vantagens
sociais para o jovem rapaz.
• Sob esse aspecto, basta que observemos a descrição que
Machado
de
Assis
faz
de
Estela:
“Simples agregada ou protegida, não se julgava no direito a
sonhar posição superior e independente; e dado que fosse
possível obtê-la, é lícito afirmar que recusara, porque, a seus
olhos seria um favor, e sua taça de gratidão estava cheia. (...)
Pois o orgulho de Estela não lhe fez somente calar o coração,
infundiu-lhe a confiança moral necessária para viver tranquila
no centro mesmo do perigo.”
A dissimulação, característica própria do universo
feminino e romanesco, é resgatada no momento em
que Estela descobre seu amor por Jorge:
“No meio de semelhante situação, que sentia ou
pensava Estela? Estela amava-o. No instante em que
descobriu esse sentimento em si mesma, pareceulhe que o futuro se lhe rasgava largo e luminoso; mas
foi só nesse instante. Tão depressa descobriu o
sentimento, como tratou de o estrangulá-lo ou
dissimular, — trancá-lo ao menos no mais escuro do
coração, como se fora uma vergonha ou pecado.”
(p. 97)
Sendo assim, a primeira tensão do romance é a
seguinte: Jorge ama uma mulher que não é
compatível com sua condição social. A mãe do rapaz
se mostra contrária a essa união, mas Estela
descobre que também o ama. No entanto, Estela,
dominada pelo orgulho, rechaça a possibilidade de
uma união, pois, em seu entendimento, entregar-se
a Jorge seria assumir seu papel de agregada. Assim, a
mulher passa a dissimular seus sentimentos,
tornando-se superior ao amado por meio da frieza
para com ele.
Apesar de Estela esconder seus sentimentos, é
Valéria que domina por ser mais experiente na arte
da dissimulação. Valéria, desde o primeiro momento,
percebe que há um perigo a ser vencido: Jorge não
pode
casar-se
com
Estela:
“Valéria reparou na atitude dos dois; mas como
possuía a qualidade de dissimular as impressões, não
alterou nem o gesto nem a voz. Os olhos é que nunca
mais os deixaram.” (p.102)
Sempre vigilante, Valéria despacha o filho para o Paraguai.
Porém, antes de morrer, casa Estela com Luís Garcia, sendo este
o segundo trinômio da trama: Estela – Valéria – Luís Garcia.
Aqui se configura uma pequena mudança: todos são a favor do
casamento. Em primeiro lugar, Valéria vê nesta união a resposta
para seus problemas; por isso, oferece o dote de casamento
para Estela. Em vista desse fato, percebe-se claramente a
maestria
de
Valéria:
“Com essa ideia opressiva entrou ela na casa da viúva, cuja
recepção lhe desabafou o espírito do mais espesso de suas
preocupações. Valéria beijou-a, com um gesto mais maternal
que protetor. Nem lhe deixou concluir a frase de
agradecimento; cortou-a com uma carícia (...) dissimulação
generosa, que Estela compreendeu, porque também possuía o
segredo dessas delicadezas morais.”
Estela acaba por reconhecer em Valéria
alguém superior às suas forças. A
orgulhosa agregada não conseguiu
separar-se de sua protetora, pois,
reconhecendo-lhe a superioridade na
arte da dissimulação, não lhe sobra
recursos a não ser retornar à esfera de
proteção da viúva.
Logo após esse episódio, Estela e Luís Garcia
discutem sobre o projeto de se unirem:
“— Creio que nenhuma paixão nos cega, e se nos casarmos é
por nos julgarmos friamente dignos um do outro.
— Uma paixão de sua parte, em relação à minha pessoa, seria
inverossímil, confessou Luís Garcia; não lha atribuo. Pelo que
me toca, era igualmente inverossímil um sentimento dessa
natureza, não porque a senhora não pudesse inspirar, mas
porque
eu
já
não
o
poderia
ter.
— Tanto melhor, concluiu Estela; estamos na mesma situação
e vamos começar uma viagem com os olhos abertos e o
coração tranquilo. Parece que em geral os casamentos
começam pelo amor e acabam pela estima; nós começamos
pela estima; é muito mais seguro.”
Do diálogo entre as personagens, não deriva, por
certo, um julgamento amoroso, pois se trata de um
julgamento moral, que fora impulsionado pela mãe
de Jorge, a mesma senhora que, para recompensar
esse matrimônio, entrega o dote de Estela. A união
entre o indiferente Luís Garcia e a orgulhosa viúva é
uma união de características que não se confundem,
mas que podem vir equilibrar a economia doméstica
da casa de Iaiá Garcia. O real motivo do casamento
para Luís é Iaiá, que já reconhecera Estela como uma
mãe possível, mas que em sua ingenuidade não
participou
dos
planos
de
Valéria.
Jorge retorna da guerra para descobrir a amada em
matrimônio com seu melhor amigo, e a mãe morta.
Lembremos que os dois primeiros trinômios de
tensão da narrativa tiveram como motivo inspirador
as próprias resoluções de Valéria. Devemos lembrar
ainda que uma personagem fora dos trinômios serve
de estímulo ou dinamismo dos acontecimentos – no
primeiro trinômio, temos Luís Garcia; no segundo,
Iaiá. O próximo trinômio apresentará Iaiá como uma
de suas peças fundamentais.
Agora temos Luís Garcia – Iaiá Garcia – Jorge. É Iaiá, centro
deste trinômio, que desenvolve a dinâmica da narrativa. Aqui,
trata-se do casamento como salvaguarda de uma situação: Iaiá
pretende casar-se com Jorge pelo amor que tem ao pai.
Vejamos
como
se
configura
o
problema:
“(...) Luís Garcia disse algumas palavras a respeito do filho de
Valéria.
— Pode ser que eu me engane, concluiu o cético; mas
persuado-me
que
é
um
bom
rapaz.
Estela não respondeu nada; cravou os olhos numa nuvem
negra, que manchava a brancura do luar. Mas Iaiá, que chegara
alguns momentos antes, ergueu os ombros com um
movimento
nervoso.
— Pode ser, disse ela; mas eu acho-o insuportável.”
E ainda:
“A verdadeira causa era nada menos que um
sentimento de ciúme filial. Iaiá adorava o pai sobre
todas as coisas; era o principal mandamento de seu
catecismo. Instigara o casamento, com o fim de lhe
tornar a vida menos solitária, e porque amava Estela.
O casamento trouxe para casa uma companheira e
uma afeição; não lhe diminuiu nada do seu quinhão
(porção / parte) de filha.
Iaiá viu, entretanto, a mudança nos hábitos do pai,
pouco depois de convalescido, e sobretudo desde os
fins de setembro. Esse homem seco para todos,
expansivo somente na família, abriria uma exceção
em favor de Jorge (...)”
A primeira motivação de Iaiá é separar Luís Garcia de
Jorge por conta de um ciúme filial. Entretanto, o que
acontece é o oposto: pouco a pouco, Jorge aproximase de Iaiá sem perder a admiração de Luís Garcia. Em
realidade, essa admiração moral aumenta. E Iaiá
ainda não tinha os planos de casamento. Até então,
seu objetivo era afastar Jorge de seu pai.
No capítulo X, há a mudança na resolução de Iaiá. E,
seguindo a ordem da narrativa, um fator externo
desencadeia a mudança: a releitura de uma das
cartas de Jorge nos tempos de guerra, releitura para
o pai e leitura para Estela e Iaiá – que “lê” os olhos da
madrasta.
Iaiá, mesmo com um pretendente certo, começa a aproximarse de Jorge. Procópio Dias, o pretendente cuja moral é
execrada tanto pelo narrador quanto por Jorge, precisa viajar
para recuperar uma herança. O afastamento de Procópio,
como anteriormente o afastamento de Jorge, configura a
aproximação das personagens, que terminará no matrimônio
de ambos. Procópio pede a Jorge para cuidar de Iaiá. E Iaiá
inicia seu plano para conquistar o antigo amado de Estela.
Como já vimos, o objetivo de Iaiá não é a disputa mas a
salvaguarda de seu pai, pois ela sabia o perigo que
representava
Jorge
em
sua
casa.
A filha de Luís Garcia, enfim, consegue seu objetivo. Jorge juralhe amor, e os dois iniciam os preparativos para o casamento.
Contudo, o pai de Iaiá encontra-se enfermo e acaba por
falecer.
Regida pelo orgulho, Estela percebe logo que Iaiá deseja casarse com Jorge por algum motivo além de seus próprios
sentimentos. Vejamos a reação da personagem à situação em
que
é
mera
espectadora:
“O procedimento da enteada, a súbita conversão às atenções
de Jorge, toda aquela intimidade visível e recente, acordara no
coração de Estela um sentimento, que nem aos orgulhosos
poupa. Ciúme ou não, revolvera a cinza morna e achou lá
dentro
uma
brasa.
(...)
(...) O orgulho vencera uma vez; agora era o amor, que, durante
anos de jugo e compressão, criara músculos e saía a combater
de novo. A vitória seria uma catástrofe, porque Estela não
dispunha da arte de combinar a paixão espúria (falsa/ilegítima)
com a tranquilidade doméstica; teria as lutas e as primeiras
dissimulações; uma vez subjugada, iria direto ao mal.”
Os ciúmes de Estela continuam relacionados a uma
situação em que o orgulho é o verdadeiro motivo,
pois, mesmo reconhecendo o amor de Jorge, ela
pretende provar que é moralmente superior. Com a
morte de Luís Garcia, no capítulo XV, Estela poderia
desobrigar-se dos impedimentos morais que a
colocaram na situação acima mencionada. Todavia,
devemos lembrar que Estela era também mãe de Iaiá.
Esse fato, gerado pela convivência das duas em casa
do pai de Lina, poderia ser exatamente o sucesso da
nova empreitada da viúva: casar os até então noivos
Jorge e Iaiá.
Porém, Iaiá não desejava mais casar com o filho de
Valéria.
Vejamos
os
motivos:
“Mas duas circunstâncias a induziram ao desfecho; era a
primeira a revelação de Procópio Dias, confirmação de suas
suspeitas; a segunda foi o espetáculo que se lhe ofereceu aos
olhos, naquela noite, logo depois de se despedir do noivo.
Sabendo que a madrasta estava no gabinete do pai, ali foi ter e
espreitou pela fechadura; viu-a sentada com a cabeça inclinada
ao chão, desfeito o penteado, mas desfeito violentamente,
como se lhe metera as mãos em um momento de desespero, e
caindo-lhe o cabelo em ondas amplas sobre a espádua, com a
desordem da pecadora evangélica. Iaiá não a viu sem que os
olhos
se
umedecessem.
— Que se casem! disse a moça resolutamente.”
Embora ainda ame Jorge, a menina decide desfazer a
promessa porque sua madrasta o ama e não há
impedimento moral algum para que se faça a união. É
aqui que vemos como a “puberdade moral” de Iaiá
torna-a superior aos procedimentos de Estela:
“Ergueu-se e procurou beijá-la. A madrasta recuou
instintivamente a cabeça; era um gesto de
repugnância, que a fisionomia ingênua e pura de Iaiá
para logo dissipou. Em tão verdes anos, sem nenhum
trato social, era lícito supor na menina tamanha
dissimulação?”
Iaiá sabia da paixão de Jorge e do amor que Estela
tentava esconder. É claro que o orgulho de Estela
passa a interpretar as atitudes de sua enteada
como “um impulso desinteressado”. Porém, não
se trata disso, mas de uma batalha, em todo o
romance,
de
fingimentos
para
atingir
determinados objetivos em torno do contrato
social chamado casamento. Estela, perdida em
meio à batalha das ilusões, ainda ama Jorge, que
não
mais
a
ama.
Entretanto, Estela não deseja casar com Jorge, pois
seu orgulho a impede.
Ela vai ao encontro Iaiá e inicia o mais longo diálogo
do texto, resultando em um casamento por amor e o
afastamento de alguém. Neste caso, Estela, que
deixa o Rio de Janeiro e, ao fazer isso, demonstra que
a única coisa a escapar ao naufrágio das ilusões é a
moral, respondendo assim a indeterminação dada
pela palavra “coisa” na frase final do romance: “Era
sincera a piedade da viúva. Alguma coisa escapa ao
naufrágio das ilusões”."
“— Marquemos o casamento para esta semana, disse Estela na
noite de um domingo.
— Ainda não, respondeu a enteada.
Posto visse dissipada a tempestade que lhe negrejara sobre a
cabeça, Iaiá enxergava ainda para o lado poente um espectro, e
para o lado do nascente uma possibilidade. Esses dois pontos
negros vinham estragar a beleza azul do céu e torná-lo pesado e
melancólico. O mistério do futuro unia-se ao mistério do
passado; um e outro podiam devorar o presente, e ela receava
ser esmagada entre ambos. A convivência da família aterrava-a.
Que seria para ela o casamento, se tivesse de penetrar nele com
a perpétua ameaça diante dos olhos, uma antiga semente de
amor, que a primeira brisa da primavera podia fazer brotar e
crescer de novo? Acreditava na isenção presente da madrasta, e
na inteira cura do marido, mas o futuro? A beleza de Estela
estava ainda longe do declínio, e a modéstia de Iaiá fazia-a
persuadir de que, ainda no declínio, seria superior à sua.”
“O dia do casamento foi definitivamente marcado
naquela noite. Como Estela declarasse que ela própria serviria
de madrinha, Iaiá procurou dissuadi-la cautelosamente;
também ao noivo repugnou a intervenção espiritual da viúva.
Mas Estela não se deu por entendida. O papel de acólita
(ajudante/assessora), que a si mesma distribuíra, tinha-o
desempenhado com lealdade e dignidade. Quis ir até o fim.
Era o melhor modo de se mostrar isenta e superior. Jorge
sentia-se vexado e transportado ao mesmo tempo, ao
observar a simplicidade e o desvelo que a viúva punha
naquele ato. Iaiá sentia só admiração e gratidão. Tinha já
certeza de que o passado era pouca coisa, e de que o futuro
seria coisa nenhuma. O casamento ia separá-las,
reconciliando-as.”
“Iaiá achou no casamento a felicidade sem contraste. A sociedade
não lhe negou carinhos e respeitos. (...) Nenhuma nuvem do passado
veio sombrear a fronte de um ou de outro; ninguém se interpunha
entre eles. Iaiá escrevia algumas vezes a Estela, que lhe respondia
regularmente, e no mais puro estilo de família. De longe em longe a
enteada presenteava a madrasta, que lhe retribuía logo na primeira
ocasião. Quanto a encontrarem-se, era difícil; Estela aplicava todos
os seus cuidados à nova ocupação.”
No primeiro aniversário da morte de Luís Garcia, Iaiá foi com o
marido ao
cemitério, a fim de depositar na sepultura do pai uma coroa de
saudades. Outra
coroa havia sido ali posta, com uma fita em que se liam estas
palavras: — A meu marido. Iaiá beijou com ardor a singela
dedicatória, como beijaria a madrasta se
ela lhe aparecesse naquele instante. Era sincera a piedade da
viúva. Alguma coisa
escapa ao naufrágio das ilusões.
Realismo na obra Machadiana
• Um dos primeiros pontos quando pensamos em
Realismo é a atenção dada ao retrato das
personagens. Elas são indivíduos únicos, descritos
em todos os seus detalhes, bons ou ruins,
contanto que pareçam verdadeiros. Em Iaiá
Garcia encontramos personagens que nos
parecem
mais
verdadeiras
graças
à
verossimilhança de suas descrições.
Uma das características do Realismo é que
qualquer motivo de conflito do homem com seu
ambiente ou circunstantes é assunto para o
realista. No período que a obra foi escrita, havia o
preconceito com os casamentos entre classes
sociais diferentes.
O autor coloca a personagem Estela em conflito
com essa situação: “O ressentimento do desnível
social e toda a problemática psicológica que o
dever de gratidão cria...” (KRAEMER, p. 25).
Há críticos que dizem que Machado retrata com
essa personagem seus próprios conflitos.
• Em todas as obras dessa primeira fase, Machado traz
à tona essa problemática. Diferentemente
de Helena, no entanto, em que a heroína procura
harmonizar
o
sentimento
com
a
ambição, em Iaiá Garcia Estela, com o seu orgulho,
impõe-se o sacrifício de desistir do seu amor
perdendo a oportunidade de ascender socialmente:
• “Simples agregada ou protegida, não se julgava com
direito a sonhar outra posição superior e
independente; e dado que fosse possível obtê-la, é
lícito afirmar que recusara, porque a seus olhos seria
um favor, e sua taça de gratidão estava cheia.” (p. 2627).
• Vemos,
então,
que
Machado
também
mostra em Iaiá Garcia os conflitos do homem
com o meio em que está inserido.
• Em Iaiá Garcia, sua última fase romântica, as
narrativas se tornam mais profundas em
conteúdo e em técnica, e encaminham-se para a
retratação do espírito e da vida interior, ou seja, a
complexidade da análise psicológica.
• Em Iaiá Garcia, os acontecimentos do enredo se
dão por causa do caráter das personagens. A
personagem de Estela é talvez o melhor exemplo de
construção psicológica dentro do romance e de
como uma personagem influi no desenrolar do
enredo. Assim, Machado a descreve:
• “Estela era vivo contraste do pai, tinha a alma acima
do destino. Era orgulhosa, tão orgulhosa que
chegava a fazer da inferioridade uma auréola; mas o
orgulho não lhe derivava de inveja impotente ou de
estéril ambição; era uma força, não um vício - era o
seu broquel de diamante, o que a preservava do
mal...”(p. 26)
• Fica claro como Machado de Assis dá ênfase
ao psicológico de Estela, quando diz que a
alma da moça está acima do próprio destino,
e diz que o orgulho é uma força maior. Jorge
também fica atraído por Estela por causa de
algo a mais do que sua beleza:
• “A imperturbável seriedade de Estela foi um
aguilhão mais, não menos cruel que a
gentileza de suas formas, e certo ar de
resolução que lhe transparecia do rosto
quieto e pálido.”(p. 24)
• Do mesmo modo, Jorge, filho de dona Valéria, é uma
personagem que adquire complexidade com a evolução do
romance. Jorge era formado em Direito, mas não exercia a
profissão: “... empregava uma partícula do tempo em
advogar o menos que podia – apenas o bastante para ter o
nome no portal do escritório e no Almanaque de
Laemmert”(p. 14). Era ocioso pelas condições de vida que
tinha. A sua preocupação era a de gozar a vida
frequentando bailes, teatro, noitadas com os amigos.
• O autor coloca a personagem desse modo com o intuito de
pôr em prática uma de suas principais características
desenvolvidas no Realismo: a análise psicológica das
personagens.
•Boa prova a todos!
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Iaiá Garcia_M. de Assis