Palestrante: Cristiano Mello de Oliveira
Doutorando em Literatura – UFSCCapes – E-mail:
[email protected]
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O livro recebeu uma publicação no Brasil pela
Editora Paz e Terra – Conselho Editorial –
Antonio Candido, Fernando Henrique
Cardoso, Celso Furtado.
Tradução: Gloria Rodriguez
Original em espanhol: Los rios profundos
Rio de Janeiro
Número de páginas: 207 páginas
Ano da edição: 1977
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1- O velho
2-As viagens
3-A despedida
4-A fazenda
5- Ponte sobre o mundo
6- Zumbayllu
7- O motim
8- Quebrada Honda
9- Cal y canto
10- Yawar Mayu
11- Os colonos
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1- O romance é narrado em primeira pessoa;
2- Narra a infância do jovem Arguedas;
3- O protagonista se chama Ernesto;
4- Romance denso de acontecimentos e
episódios;
5- Linguagem híbrida (Espanhol e Quéchua);
6- O romance apresenta várias características
do folclore peruano;
7- Mescla vários discursos; etnográficos,
autobiográficos, romanescos;
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O espaço do romance é densamente referencial
ao contexto urbano de Cuzco e outras cidades;
Arguedas
aproveita
sua
paixão
pela
antropologia, representando cenários realistas
das localidades visitadas durante suas
andanças;
Frases imagéticas – efeitos simbólicos;
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A literatura, ao impor a escritura e negar a
oralidade, nega o processo produtivo desta e o
fixa sob as formas de produção urbana.
Introduz os interruptores do fluxo que
recortam a matéria. Obviamente não faz
desaparecer a oralidade [...] ( RAMA, p. 94, A
cidade das letras)
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“Yo no soy un aculturado; yo soy um peruano
que orgulhosamente, como um demonio feliz
habla em cristiano y indio, en espanol y em
quechua.” (ARGUEDAS, p. 297)
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“José Maria Arguedas assume o papel de
representar a utopia do Peru como nação
quéchua moderna, capaz também de assumir e
assimilar a riqueza da modernidade. Quase
insensivelmente, o eu que buscava um mundo
para poder ser, converte-se em um povo que
para ser, para realizar sua identidade coletiva,
tem de criar um novo mundo.” ( O Condor
voa, p. 141)
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“Difícil traçar o limite exato entre a autobiografia, as
memórias, o diário intimo e as confissões, visto
conterem, cada qual a seu modo, o mesmo
extravasamento do ‘eu’. Enquanto a autobiografia
permite supor o relato objetivo e completo de uma
existência, tendo ela própria como centro, as memórias
implicam um à-vontade na reestruturação dos
acontecimentos e a inclusão de pessoas com as quais o
biógrafo teria entrado em contacto. Por outro lado, ao
passo que o diário constitui o registro dia-a-dia de uma
vida, quer dos eventos, quer das suas marcas na
sensibilidade, as confissões decorrem do esforço de
sublimar, pela auto-retratação, as vivências dignas de
transmitir ao leitor. (MOISÉS, 1999, p. 50)
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1- Abancay; interior do Peru
“E, embora me dissesse que viajaríamos para
Abancay, fomos para Cuzco, vindos de uma
cidade muito distante.” (ARGUEDAS, p. 9)
2- Cuzco; interior do Peru
“Entramos em Cuzco à noite. A estação
ferroviária e a larga avenida pela qual
avançavamos
lentamente,
a
pé,
me
surpreenderam. A iluminação elétrica era mais
fraca que a de algumas cidades pequenas que
conhecia.” (ARGUEDAS, p. 09)
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“A Cuzco de meu pai, a que ele me descrevera
talvez mil vezes, não podia ser aquela.”
(ARGUEDAS, p. 10)
“Aquelas sacadas salientes, as portadas de
pedra e os saguões esculpidos, os grandes
pátios com arcadas, eu os conhecia. Tinha-os
visto sob o sol de Huamanga. Eu
esquadrinhava as ruas à procura de muros
incaicos.” (ARGUEDAS, p. 10)
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“Aquelas sacadas salientes, as portadas de
pedra e os saguões esculpidos, os grandes
pátios com arcadas, eu os conhecia. Tinha-os
visto sob o sol de Huamanga. Eu
esquadrinhava as ruas à procura de muros
incaicos.” (ARGUEDAS, p. 10)
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“Meu pai me falava de sua cidade natal, dos
palácios e templos, e das praças, durante as
viagens que fizemos, atravessando o Perú dos
Andes, de leste a oeste e de sul a norte. Eu
crescera naquelas viagens.” (ARGUEDAS, p.
12)
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“Formava uma esquina. Avançava ao longo de
uma rua larga e continuava em outra, estreita e
mais escura, que cheirava a urina. Aquela rua
estreita escalava a ladeira. Caminhei diante do
muro, pedra após pedra. Afastava-me uns passos,
contemplava-o e tornava a aproximar-me. Toquei
as pedras com minhas mãos; acompanhei a linha
ondulante, imprevisível, como a dos rios, em que
se encaixam os blocos de rocha. Na rua escura, no
silêncio, o muro parecia vivo; na palma de minhas
mãos flamejava a junção das pedras que eu tinha
tocado.” (ARGUEDAS, p. 12)
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“Meu pai me falara de sua cidade natal, dos
palácios e templos, e das praças, durante as
viagens que fizemos, atravessando o Peru dos
Andes, de leste a oeste e de sul a norte. Eu
crescera naquelas viagens.” (ARGUEDAS, p.
12)
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http://www.youtube.com/watch?v=tvU6FAj7
0zk
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“Dá-se esse nome, em quíchua, às rachaduras
das rochas. Não às das pedras comuns, mas às
das enormes, ou aos intermináveis veios que
atravessam as cordilheiras, caminhando
irregularmente, formando o alicerce dos picos
nevados que cegam com a luz do viajante.”
(ARGUEDAS, p. 16)
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“A medida que desce para o fundo do vale, o
recém chegado se sente transparente, como um
cristal onde o mundo vibrasse. Insetos zumbidores
aparecem na região cálida; nuvens de mosquitos
venenosos se cravam no rosto. O viajante vindo
das terras frias se aproxima do rio, atordoado,
febril, com as veias inchadas. A voz do rio
aumenta; não ensurdece, exalta. Fascina as
crianças, infunde-lhes pressentimento de mundos
desconhecidos. Os penachos dos bosques de
carriços agitam-se junto do rio. A corrente marcha
como que a passo de cavalos, de grandes cavalos
das colinas.” (ARGUEDAS, p. 25)
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“- Papai – disse eu – A catedral parece maior
quando a vejo mais de longe. Quem foi que a
construiu?
- O espanhol, com a pedra incaica e as mãos dos
índios.” (ARGUEDAS, p. 15)
“Esta praça é espanhola?
_Não. A praça não. Os arcos, os templos. A praça
não. Foi feita por Pachakutek, o Inca renovador do
mundo. Não é diferente das centenas de praças
que você viu?” (ARGUEDAS, p. 15)
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“Meu pai nunca pôde encontrar onde fixar
residência; foi advogado do interior, instável e
errante. Com ele conheci mais de duzentas
cidadezinhas. Temia os vales quentes e só
passava por eles como viajante; ficava morando
nas cidades de clima temperado: Pampas,
Huyatará; Coracora, Puquio, Andahuaylas,
Yauyos, Cangallo… (ARGUEDAS, p. 27)
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“Nas cidadezinhas, a certa hora, as aves se
dirigem visivelmente a lugares já conhecidos.
Aos rochedos, às hortas, aos arbustos que
crescem na margem dos remansos. E, segundo
o clima, seu voô é diferente. (ARGUEDAS, p.
28)
“Perto da aldeia, todos os caminhos são orlados
por árvores de capuli. Eram umas árvores
frondosas, altas, de tronco luminoso; as únicas
árvores […]” (ARGUEDAS, p. 29)
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“Depois retornava a minha casa, devagar,
pensando com lucidez na época em que
alcançaria a idade e a decisão necessárias para
aproximar-me de uma bela mulher; tanto mais
bela se morasse numa aldeia hostil.”
(ARGUEDAS, p. 30)
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“Em Huancapi passamos só uns dias. É a
capital de província mais humilde de todas as
que conheci. Fica numa quebrada larga e fria,
perto da cordilheira. Todas as casas são de
telhado de palha, e só não são índios os
forasteiros: o juiz, o telegrafista, o sub-prefeito,
os professores das escolas, o padre.”
(ARGUEDAS, p. 31)
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“O desafio é o mesmo, ao francelho, ao gavião,
ao condor. Junto das grandes montanhas, perto
dos precipícios onde as aves de rapina se
aninham, os índios cantam nesse mês seco e
gelado.” (ARGUEDAS, p. 32)
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“Até que um dia meu pai me confessou, com ar
aparentemente mais enérgico do que de outras
vezes, que nossa peregrinação acabaria em
Abancay.” (ARGUEDAS, p. 35)
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“Meu pai usava roupa velha, feita por um alfaiate
do vilarejo. Seu aspecto era complexo. Parecia um
aldeão; entretanto, seu olhos azuis, sua barba
loura, seu castelhano gentil e suas maneiras […]”
(ARGUEDAS, p. 36)
“Nossa vida começo assim, atabalhoadamente, em
Abancay. E meu pai soube aproveitar os primeiros
contratempos para justificar o fracasso do interesse
principal que teve essa viagem. Não pôde ficar,
não organizou seu escritório. Durante dez dias
passou lamentando a feiúra do lugar, seu silêncio,
sua pobreza, seu clima quente, a falta de
movimento judiciário. ” (ARGUEDAS, p. 37)
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“Ele subiria até o cume da cordilheira que se
elevava do outro lado do Pachachaca; atravessaria
o rio por uma ponte de alvenaria, de três arcos. Do
desfiladeiro, despedir-se-ia do vale e veria um
novo campo. E enquanto em Chalhuanca, ao
conversar com os novos amigos, na qualidade de
forasteiro recém chegado, ele sentiria minha
ausência, eu exploraria palmo a palmo o grande
vale e a cidadezinha; receberia a corrente poderosa
e triste que golpeia as crianças quando têm de
enfrentar sozinhas um mundo carregado de
monstros e de fogo, e de grandes rios que cantam
com a música mais linda ao chocar-se contra as
pedras e as ilhas.”(ARGUEDAS, p. 40)
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“Os fazendeiros das aldeias contribuem com
grandes vasilhas de chicha e alguidares de
picantes para as tarefas comunais. Nas festas,
saem às ruas e às praças, cantando huaynos em
coro e dançando. Andam normalmente com
perneiras antigas, vestidos de vermelho forte
ou chita e um cachecol de vicunha ou de alpaca
no pescoço.” (ARGUEDAS, p. 41)
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“Bandos de moscas voavam nas portas das
chichquerias. No chão, sobre os restos que
jogavam dentro, caminhava uma grossa
camada de moscas. […] “Os índios e cholos
olhavam-nas com a mesma liberdade. E a fama
das chicherias se baseava muitas vezes na
beleza das mestiças que serviam, em sua
alegria e condescendência.” (ARGUEDAS, p.
48)
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“Acompanhando em voz baixa a melodias das
canções, lembrava-me dos campos e das
pedras, das praças e dos templos, dos
pequenos rios onde fui feliz. E podia
permanecer muitas horas junto do harpista ou
na porta de entrada das chicherias, ouvindo.
Porque o vale cálido, o ar ardente, e as ruínas
cobertas de capim alto dos outros bairros eramme hostis.”
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“Da Praça de Armas até o rio só havia duas ou
três casas, e depois um terreno baldio com
bosques baixos de figueiras, cheios de sapos e
aranhas caranguejeiras. Naquele campo
brincavam os alunos do Colégio. Os sermões
patrióticos do padre Diretor se realizavam na
prática; bandos de alunos ‘peruanos’ e
‘chilenos’ lutavam ali […] (ARGUEDAS, p. 49)
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1-Añuco – “Era um chileno matreiro e temível. Ele era o único
interno descendente de uma família de grandes proprietários;
2- Lleras – “[…] o campeão de luta, de corridas de velocidade e
zagueiro insubstituível do time de futebol. Lleras era o estudante
mais atrasado do Colégio […]
3- Romero – “Mas ninguém tocava melhor que Romero, o vigia de
Andahuyalas, alto e com acentuado traços de índio.”
4- Palácios/Palacitos – “O interno mais humilde e um dos
menores era Palácios. Tinha vindo de uma cidadezinha da
cordilheira.”
5- Cabeleira – “Um deles, que era muito covarde, apesar de sua
corpulência, chegou a almadiçoar. Chamavam-no de Cabeleira
porque seu pai era barbeiro.”
6- Ismodes – “Ismodes era cabeludo e bexiguento”
7- Chauca – “Chauca era louro e magro.”
8- Antero – “Antero tinha cabelos louros, sua cabeça parecia
brilhar nos dias de grande sol.”
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“O pátio interno do recreio era de terra. Uma
passagem comprida e não pavimentada
comunicava o primeiro pátio com esse campo.
À direita da passagem ficava o refeitório, perto
do primeiro pátio; ao fundo, num extremo do
campo de futebol, atrás de uma antiga parede
de madeira, vários caixotes […] (ARGUEDAS,
p. 52-53)
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“ E, chegava a noite, a solidão, o meu
isolamento continuavam crescendo. Estava
cercado de meninos de minha idade e de outras
pessoas, mas o grande quarto era mais temível
e desolado que o vale profundo de Los Molinos
onde certa vez fiquei abandonado, quando
perseguiam meu pai.” (ARGUEDAS, p. 61)
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“A ponte do Pachachaca foi construída pelos
espanhóis. Tem dois olhos altos, sustentados
por bases de alvenaria, tão poderosas como o
rio. Os contrafortes que canalizam as águas
estão presos nas pedras […]” (ARGUEDAS, p.
62-63)
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“Eu não sabia o que mais amava, se a ponte ou
o rio. Mas ambos desanuviavam minha alma,
inundaram-na de fortaleza e de sonhos
heróicos. Apagavam-se de minha mente todas
as imagens lastimosas, as dúvidas e as
recordações más.” (ARGUEDAS, p. 63)
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“A terminação quíchua yllu é uma
onomatopéia. Yllu representa numa de suas
formas a música que produzem as pequenas
asas em vôo; música que surge do movimento
de objetos leves. Essa voz se assemelha a outra
mais vasta: illa. (ARGUEDAS, p. 65)
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“Fiz um grande esforço; empurrei os outros
alunos mais velhos que eu consegui chegar ao
círculo que rodeava Antero. Tinha nas mãos
um pequeno pião. A esfera era feita de coco
comum de venda, desses pequeninos cocos
cinzentos que vêm enlatados; a ponteira era
grande e fina.” (ARGUEDAS, p. 68)
“O canto do zumbayllu se internava no ouvido,
avivava na memória a imagem dos rios, das
árvores negras agarradas às paredes dos
precipíos.” (ARGUEDAS, p. 69)
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“- Escuta, Ernesto, me disseram que você
escreve como um poeta. – Quero que me faças
uma carta – disse-me o ‘Markask a alguns dias
depois
da
estréia
dos
zumbayllus.”
(ARGUEDAS, p. 71)
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“Eu era um dos maiores de minha turma, e
quando entrei para o colégio não sabia ler em
voz alta. Fracassei da primeira vez e fui
substituído instantes depois. Assim pareceu
confirmar-se que a causa de meu atraso não era
a vida errante que levara, mas alguma outra
mais grave.”(ARGUEDAS, p. 75)
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“Encordei meu belo zumbayllu e o fiz dançar.
O pião deu um salto harmonioso, desceu quase
lentamente, cantando por todos os olhos. Uma
grande felicidade, fresca e pura, iluminou
minha vida. Estava sozinho, contemplando e
ouvindo meu zumbayllu que falava com voz
doce, que parecia cantar de todos os insetos
alados que zumbem musicalmente entre os
arbustos floridos.”(ARGUEDAS, p. 84-85)
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“Quando desembocamos na praça, uma grande
multidão de mulheres vociferava, estendendose desde o átrio da igreja até além do centro da
praça. Todas usavam mantas de Castela e
chapéus de palha. Os estudantes olhavam a
multidão, das esquinas. Nós avançamos para o
centro. Antero abria passo, agachandos-e
metendo a cabeça por entre as cinturas das
mulheres.” (ARGUEDAS, p. 89)
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“Os céus suavíssimos do doce quíchua de
Abancay só pareciam agora notas de contraste,
escolhidas especialmente para que fosse mais
duro o golpe dos sons guturais que chegavam a
todas as paredes da praça.” (ARGUEDAS, p.
90)
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“Eu fiquei fora do círculo, olhando-o como
quem vê passar a enchente desses rios andinos
de regime imprevisível; tão secos, tão
pedregosos, tão humildese vazios durante
anos, e em algum verão encoberto e se tornam
profundos; detêm o caminhante, despertam em
seu coração e em sua mente meditações e
temores desconhecidos.” (ARGUEDAS, p. 100)

“Conheço os rios bravos, esses rios traiçoeiros;
sei como andam, como crescem, que força têm
por dentro; por que lugares passam suas veias.
Só para assustar os índios de minha fazenda eu
me atirava no Pachachaca no tempo das
chuvas. As índias gritavam enquanto eu
deixava que o rio me levasse.” (ARGUEDAS, p.
103)
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“Rezou em latim sobre minha cabeça. E me deu
de chicote novamente, no rosto, embora com
menos violência.
- Vou avisar teu pai. Você não sairá mais do
internato. Não vai vagabundear aos domingos.
Irá comigo às fazendas. Tua alma precisa de
companhia. Vem. ” (ARGUEDAS, p. 106)
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“- Gosta do zumbayllu, irmão!
- É um brinquedo lindo. Em Lima existem
outros semelhantes; mas são coloridos, como o
arco-íris, e grandes. Rodam com uma corda
automática. Mas não são tão interessantes; eu
diria que são bobos, em comparação com os
piõezinhos de Abancay, apesar de suas cores e
de cantarem com mais força. (ARGUEDAS, p.
111)
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“A tropa devia chegar às cinco da tarde. Às três
tocou a sineta do colégio. Os internos saíram
das aulas e dos corredores, alguns vieram do
pátio interno. Os padres desceram de suas
celas. O diretor, de pé, na porta, de seu
escritório, ordenou em voz alta.” (ARGUEDAS,
p. 122)
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“Até seis horas não escutamos tiros de fuzil
nem tropel de cavalos. Reunimo-nos no pátio
de honra para ficar perto da rua. Não ouvimos
o exército passar. Quando anoitecia escutamos
aplausos, ao longe.
- Desceram devagar. Estão chegando – disse
Romero.” (ARGUEDAS, p. 127)

“- Ambancay tem o peso do céu. Só teu rodin e
o zumbayllum podem chegar aos cumes.
Quero mandar uma mensagem para o meu pai.
Agora está em Coracora. Você reparou que as
nuvens ficam como melado, em cima dos
canaviais? Mas o canto do zumbayllu atravessa
elas. Ao rei, soprando, na direção de
Chalhuanca.” (ARGUEDAS, p. 131)
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“Vários tavões atravessaram o corredor, de um
extremo a outro. Meus olhos se prenderam ao vôo
lento desses insetos que absorvem em seu corpo
negro, imune, o fogo. Segui-os. Perfuraram a
madeira dos pilares, cantando pelas asas.”
(ARGUEDAS, p. 134)
“O Pachachaca brame no silêncio; o ruído de suas
águas se estende como outro universo no universo,
e debaixo dessa superfície se podem ouvir os
insetos, até mesmo o salto dos gafanhotos entre os
arbustos.” (ARGUEDAS, p. 135)
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“ O irmão não desceu para o rosário. O padre
diretor não presidiu a mesa. Comemos em
silêncio. Palacitos alcançou o padre Cárpena no
passadiço e lhe perguntou em voz alta […]”
(ARGUEDAS, p. 147)

“A retreta modificou a cidade. Durante a missa,
o padre pronunciou um longo sermão, em
castelhano. Nunca falava em quíchua no
templo de Abancay. Elogiou o coronel-prefeito;
exaltou a generosidade, o tino, a retidão do
chefe do regimento. Disse que, sabiamente,
tinha castigado cada culpado conforme sua
condição e que impusera a paz na cidade.”
(ARGUEDAS, p. 150)

“Os guardas que perseguiam dona Felipa
ficaram extraviados nas aldeias durante vários
dias. Uns diziam ter visto passar a chichera
momentos antes, numa mula e a passo lento.
Nos mesmos lugares outros declaravam não
saber nada de sua chegada nem de seu nome.”
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“O regimento partiu na semana seguinte. No quartel
ficou sediada a guarda civil. Os padres disseram que o
regimento tinha marchado sobre Abancay não só por
causa do motim, como para realizar as manobras
anuais […] (ARGUEDAS, p. 178)
“A cidade, segundo impressão dos externos, ficou
vazia. Os oficiais já não deslumbravam os transeuntes
nas ruas, nas cantinas, nos salões e nas casas e nas
fazendas.” (ARGUEDAS, p. 178)

“- Esse Gerardo fala com a gente, faz a gente se
sentir outra coisa. Não é que a gente se farte do
huayno. Mas ele não entende quíchua; não sei
se me despreza quando me ouve falar quíchua
com os outros. Mas não entende, e fica
olhando, acho que como se a gente fosse
lhama.” (ARGUEDAS, p. 186)
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“O Padre entrou no dormitório e nos fez rezar.
Quando ia sair e se dirigia a porta, o
pampachirino lhe falou.
- Padre – disse-lhe – me avisaram que a febre
está se espalhando na outra banda. O senhor
sabe?” (ARGUEDAS, p. 189)
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“- Você disse que já comeram os piolhos dos
mortos. O que é isso, irmãozinho? O que é isso?
Enquanto perguntava ao pampachirino, meu
sangue esfriava; senti gelo naquele salão
aquecido.
- Sim. As famílias se reunem. Tiram os piolhos
da cabeça do cadáver e de toda sua roupa, e
com os dentes, irmão, os trituram. Não os
comem. (ARGUEDAS, p. 191)

AGRADEÇO A TODOS PELA PACIÊNCIA,
CARINHO E ATENÇÃO!!!
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ARGUEDAS, José Maria. Os rios profundos. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1979.
OLIVEIRA, Cristiano Mello. CASTRO, Pedro Nunes. O Turista
Aprendiz, de Mário de Andrade versus El Zorro de Arriba y El
Zorro de Abajo, de José Maria Arguedas – uma aproximação
literária e sociológica Porto Alegre: Revista Rebela, 2011
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POLAR, Antonio Conejo. O Condor voa. Belo Horizonte: UFMG,
2008.
RAMA, Angel. A cidade das letras. São Paulo: Edusp, 2009.
MOISÉS, Massaud. Dicionário de Termos Literários. São Paulo:
Cultrix, 1999.
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