United States of Brazil, o retorno
by Waldísio Araújo - Crônicas do Chaos (http://www.waldisio.com)
Muitos eleitores brasileiros (talvez a
maioria) têm-se enredado nos últimos meses na defesa ou ataque mútuos entre candidatos e partidos,
como se por si só indivíduos ou grupos políticos tivessem grande controle sobre forças mais poderosas
que eles e que atuam de maneira avassaladora sobre os destinos individuais e coletivos. O problema é que
o relativo sucesso do Brasil em relação ao mundo circundante, aliás em crise, torna o país alvo de
pressões externas que nos obrigam a tomar partido ainda que muitas vezes não percebamos claramente
nossas próprias razões para fazê-lo.
Em meio a sua própria crise, os Estados Unidos mostram-se claramente interessados nos rumos do atual
processo eleitoral brasileiro. Atualmente, sua crise e a opinião pública mundial não lhes permitem
interferir diretamente, mas sua atuação silênciosa é às vezes intercalada por vozes que gostariam de falar
mais abertamente sobre a conveniência de um realinhamento brasileiro às ambições americanas e próamericanas. Basta pensarmos nas declarações recentes de poderosíssimas empresas petrolíferas norteamericanas para termos uma ideia do quanto tal realinhamento seria para eles bem vindo. Afinal, para os
norte-americanos (eles sobretudo, mas grandes potências políticas e empresas estrangeiras lhes fariam
coro), seria motivo de alívio e imensa comemoração:
— Quebrar o isolamento dos EUA frente à América Latina (hoje eles se encontram obrigados a tentar
estender seu domínio para o Pacífico, já que o mais "apetitoso da AL está com os bolivaristas
(especialmente na Venezuela, Equador e Bolívia) e com o Mercosul (especialmente o Brasil). Esses
blocos têm rejeitado a tradicional subserviência de seus países aos interesses norte-americanos.
1/3
United States of Brazil, o retorno
by Waldísio Araújo - Crônicas do Chaos (http://www.waldisio.com)
— Voltar a relacionar-se bilateralmente, país a país, ao invés de negociar com blocos de nações. Assim a
diferença de poderio econômico e militar voltaria a pender os negócios sempre mais para o lado norteamericano. Nesse sentido, a desestruturação do Mercosul seria, obviamente, para eles uma dádiva.
— Retomar para seu lado a imensa fonte de matérias-primas abundantes, mão de obra barata e mercado
submisso representada pelo Brasil.
— Curar a gigantesca crise que assola os próprios EUA, que precisam, como sempre, de escoadouro para
seus capitais, os quais poderiam desafogar-se livrando-se de empresas estatais como a Petrobrás (ou ao
menos interrompendo a forte concorrência que elas lhes tem interposto).
— Reinstalar ideológica e culturalmente, no Brasil, o 'american way of life', o padrão político, intelectual e
estético que oprimiu (e em grande parte ainda oprime) o modo de viver e de fazer cultura dos brasileiros.
— Reinstalar as condições de precariedade da vida do brasileiro médio, se possível com redução salarial,
desemprego e baixo nível de escolaridade, a fim de que as filas de miseráveis procurando emprego e
melhores condições de vida os levem a trocar seu trabalho por qualquer bagatela salarial e, assim,
fornecer mão-de-obra barata para empresas americanas ou com forte capital norte-americano.
— Enfraquecer os mecanismos financeiros da América Latina, mediante a retirada do peso regulador
financeiro de instituições estatais como os bancos centrais dos países de nossa região -- preferentemente
com o enfraquecimento de instituições como o Banco do Brasil e a Caixa Econômica, que os americanos
gostariam de tirar do caminho dos bancos particulares (Bradesco, Itaú, Santander etc.), mais sintonizados
com o capital norte-americano.
— Reorientar o Brasil e outros países latino-americanos para a dependência e controle do FMI e ao Banco
Mundial, se possível nos termos neoliberais, levando esses países a abandonar as restrições ao livre
mercado -- com a ressalva de que os próprios EUA nem por isso deixam de exercer protecionismo sobre
suas próprias empresas nacionais e respectivos produtos. Tais medidas realinhariam o Brasil ao chamado
Consenso de Washington, que, em seus dez mandamentos, preconiza, entre outras coisas, deixar os juros
e o câmbio à mercê das forças do mercado, abolir restrições ao capital estrangeiro, privatizar as estatais e
enfraquecer as leis trabalhistas.
— Extinguir ou controlar o Pré-Sal brasileiro, ou ao menos destinar seus prováveis frutos a interesses mais
diretamente empresarias, e não a programas sociais, e muito menos à educação.
— Fortalecer as alianças com o grande empresariado brasileiro, substituindo a relativamente (em termos
históricos) elevada distribuição de renda atual pela concentração de riqueza em mãos mais dóceis e bem
localizadas.
— Impedir a todo custo a integração econômica dos BRICs (países emergentes, sobretudo Brasil, Rússia,
Ìndia e China), particularmente inviabilizando a formação de um banco central desses países que venha a
decretar a independência frente ao tradicional e praticamente obsoleto controle do FMI e do Banco
Mundial). Afinal, as nações do BRIC respondem por uma fatia imensa das populações, mercados e
matérias primas do planeta, antes drenados quase que monopolisticamente para os países ricos. Ter a
concorrência de um bloco mais independente é para os EUA simplesmente um desastre em relação a suas
2/3
United States of Brazil, o retorno
by Waldísio Araújo - Crônicas do Chaos (http://www.waldisio.com)
ambições.
— Fazer pensar que o alto endividamento de uma empresas estatal como a Petrobrás -- coisa comum em
empresas desse tipo, que costumam endividar-se bastante por pesada necessidade de investimento -- seria
efeito necessário de um sucateamento, ineficácia, má administração e foco interno de corrupção. O
objetivo internacional aqui pode ser o de desviar a perspectiva e preparar o terreno político para instaurar
no governo brasileiro forças que venham a sabotar o papel social de tais empresas e promover um
movimento de privatizações a preço de banana para o capital estrangeiro (além, é claro, de impedir que
uma grande produção nacional de petróleo venha a provocar uma queda drástica e ameaçadora do preço
internacional de combustíveis fósseis).
Em suma, como diz o Emir Sader, "Tudo o que os EUA querem é que o Brasil mude radicalmente de
política, de inserção internacional, de modelo economico, de discurso politico, de alianças na região e no
mundo. Tudo o que os EUA querem é que o candidato da oposição faça retornar o modelo de governo de
FHC e a política de subserviência em relação aos EUA."
Em outras palavras, e parodiando a ditadura militar, o que é bom para os Estados Unidos é péssimo para o
Brasil, e o melhor para nós é que eles permaneçam às voltas com a crise deles, ao menos enquanto
crescemos.
Não é preciso muita perspicácia para perceber que Aécio Neves (e Fernando Henrique antes dele) tem
ampla simpatia e mesmo alinhamento com esses desejos norte-americanos, e não é preciso muita
inteligência para desconfiar de que há muito dinheiro e esforço norte-americanos injetados
subterraneamente em sua campanha eleitoral.
O que a mídia, os conservadores, os militares de velha guarda, os americanófilos e os grandes
empresários querem eleger no Brasil não é um presidente da República brasileira, mas um Vice-Rei dos
Estados Unidos numa colônia brasileira ressuscitada -- uma extensão de interesses alienígenas que
buscam esconder-se por trás de acusações de que uma ilha pobre e politicamente isolada (Cuba) estaria
prestes a apoderar-se do Brasil por intermédio de um partido de esquerda que nem comunista é e que tem
contra si tanto a força militar quanto a midiática. Ao contrário da "ameaça comunista" que o PSDB plagia
da falecida ditadura, o que está em jogo é o perigo de sermos novamente entregues ao controle político e
ideológico de uma superpotência mundial histocamente belicosa e ambiciosa, além de economicamente
inescrupulosa. Nesse contexto, Aécio talvez não passe de uma espécie de Obama de vitiligo; e a desculpa
da "alternância de poder" que seus partidários querem incutir na população, nada mais é que reentregar o
país a seus antigos e poderosos "donos".
Por Waldísio Araújo
(Texto e montagem fotográfica)
PDF gerado pelo plugin Kalin's PDF Creation Station
3/3
Powered by TCPDF (www.tcpdf.org)
Download

United States of Brazil, o retorno