COMPOSIÇÃO QUÍMICA DA ÁGUA DE CHUVA NA REGIÃO METROPOLITANA DO
RIO DE JANEIRO.
Taciana Toledo de Almeida Albuquerque1 , Gustavo Bastos Lyra2 , Adalgiza Fornaro1, Maria de Fátima
Andrade1
RESUMO: Amostras de água de chuva foram coletadas em alguns sítios na Região Metropolitana do
Rio de Janeiro, no período de março/03 a março/04, com coletas em intervalos de uma semana. Para
coleta das deposições úmidas utilizaram-se coletores automáticos, instalados nos bairros de São
Cristóvão, Centro, Tijuca e Copacabana. O principal objetivo deste estudo foi avaliar a composição
química da água de chuva da RMRJ que está sendo influenciada por constituintes de origem natural
(marinha) e antropogênica, acarretando na deposição ácida, que influencia o meio ambiente de diferentes
formas, modificando os ecossistemas aquáticos e terrestres, a saúde humana e a deterioração de
materiais. A média geométrica do pH foi de 5,35, variando de 4,14 a 6,75. As principais fontes
identificadas pela análise de fatores foram as marinhas, onde as concentrações majoritárias foram dos
íons Na+, Cl- e Mg2+, K+, ss-SO42-(Sal Marinho) com aproximadamente 40% da variância explicada dos
dados e um segundo fator representando as fontes de aerossóis continentais/antropogênicos, onde
excSO42-, Ca2+, NO3-, NH4+ e precipitação representaram aproximadamente 26% da variância.
ABSTRACT: Rainwater samples were collected from March/03 to March/04 in the Metropolitan
Region of Rio de Janeiro (MRRJ), in a total of 112 samples distributed among four different sites in
the region, São Cristóvão, Tijuca, Centro and Copacabana. The main goal of this study was to show
that rainwater in the MRRJ is affected by emissions of natural (marine aerosols) and anthropogenic
source. The geometric mean pH was 5.35, varying from 4.14 to 6.75. The statistical techniques
were used, factor analysis and cluster, allowed that two factors were extracted however the fist
factor shows that the majority source of the inorganic ions presents in the samples are of
compounds derived from marine aerosols (Na+, Cl-, Mg2+, K+, ss-SO42-), which explained 40% of
the variance. The second factor shows the anthropogenic aerosols (excSO42-, Ca2+, NO3-, NH4-),
which explained 26% of the variance.
Palavras-Chave: deposição úmida, aerossóis marinhos, aerossóis continentais.
INTRODUÇÃO
A complexa dinâmica da atmosfera engloba processos de emissão, transporte, transformação
química e deposição de poluentes, de modo que a composição química de um evento de precipitação é
resultado do conjunto de processos de emissão/deposição, devendo ser analisado de forma ampla. Assim,
a composição química da água de chuva pode retratar as características das massas de ar, no que diz
respeito ao conteúdo de partículas e gases solúveis em água, através da qual atravessam as gotas de chuva
durante a precipitação (SEINFELD & PANDIS, 1998).
1
Universidade de São Paulo, Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas, Rua do Matão, 1226, Cidade
Universitária, São Paulo, SP, CEP: 05508-090. [email protected], [email protected],
[email protected]
2
COHIDRO, Consultoria, Estudos e Projetos, R. Medeiros Pássaro, 15, Tijuca, Rio de Janeiro, RJ, CEP: 20530-070.
[email protected]
Emissões industriais, veiculares e queima de biomassa são as principais responsáveis pelo aumento
das concentrações de dióxido de enxofre (SO2), óxidos de nitrogênio (NOx) e amônia (NH3). Esses gases
alteram as condições acído-base dos aerossóis atmosféricos, e por conseqüência da água da chuva. A
acidificação se dá pela dissociação dos ácidos sulfúrico (H2SO4) e nítrico (HNO3) na água, que
apresentam relação positiva com H+. Assim, o aumento nas concentrações de H2SO4 e HNO3, resulta em
no aumento de H+ e na diminuição do valor do pH (aumento da acidez). Enquanto a solubilização da
NH3 em água neutraliza o H+ da solução, em função do seu caráter básico, para formar o íon amônio
(NH4+), resultando em aumento do pH (MAIA & DE MELLO, 2004). Dessa forma, torna-se necessário
caracterizar a composição química da chuva, visando identificar as fontes potenciais de emissão
responsáveis pela sua composição.
Os objetivos do presente trabalho são caracterizar a composição química da chuva na Região
Metropolitana do Rio de Janeiro e identificar as fontes potenciais responsáveis por essa composição,
aplicando técnicas de análise multivariada (Cluster e análise de fatores).
MATERIAL E MÉTODOS
Determinação da composição química da água da chuva e seleção das amostras
Para coleta das deposições úmidas utilizaram-se coletores automáticos (APS 78-100,
GRASEBY/GWM, London, UK), instalados nos bairros de São Cristóvão (22º53’47” S, 43º13’11” W),
Tijuca (22º55’25” S, 43º13’57” W), Centro (22º54’27” S; 43º10’44” W) e Copacabana (22º57’45” S;
43º10’38” W) no município do Rio de Janeiro, RJ (Figura 1). O período de amostragem foi de um ano,
sendo iniciado em março/03, com coletas em intervalos de uma semana.
A cada amostragem determinou-se o volume total de precipitação pluvial para quantificar seu
acumulado no período. As análises das amostras consistiram da determinação do pH (pH330, WTW,
Weilheim, GER) e da condutividade elétrica (LF330, WTW, Weilheim, GER), em alíquotas não
filtradas. O eletrodo de pH foi do tipo combinado e os padrões utilizados para calibração foram 4,00 e
6,86 (EATON et al., 1995). A partir do pH estimou-se as concentrações de H+. Aplicou-se também nas
amostras não filtradas o método de azul de indofenol para a análise do íon NH4+.
As amostras foram filtradas em membranas de acetato de celulose com 22 μm de diâmetro do
poro. Nessas amostras foram analisados os ânions Cl-, NO3- e SO42- por cromatografia líquida (LC10AD, SHIMADZU, Tokyo, JPN), com detector de condutividade (CDD-6A, SHIMADZU, Tokyo,
JPN). A fase móvel da cromatografia consistia de solução de biftalato de potássio (1,2 mmol L-1) e fluxo
de 1,43 cm3 min-1. Os cátions Na+ e K+ foram analisados por espectrofotometria de emissão de chama e
o Mg2+ e Ca2+ por absorção atômica (4200, BAIRD ATOMIC, Cambridge, USA). Detalhes dos métodos
aplicados na determinação dos cátions e ánios supracitados são apresentados por Maia & de Melo (2004)
e Souza et al. (2006).
Utilizou-se a condição de fechamento do balanço de massa iônica (Δion) e a concordância entre a
condutividade medida (kmed em μS cm-1) e a calculada (kcal), para avaliação da qualidade dos dados de
acordo com os limites Δion e Δk apresentados na literatura (Campos et al., 1998; Souza et al., 2006).
Figura 1. Locais de coleta da deposição úmida ( ),Rio de Janeiro, RJ.
Tratamento Estatístico
Utilizou-se a análise de fatores com rotação VARIMAX e a análise Cluster para identificar a
variância das concentrações dos íons e da precipitação e que satisfizeram os limites de Δion e Δk. Esse tipo
de análise tem sido utilizado com freqüência em diversos trabalhos, e se baseia em métodos
multivariados como a análise de fatores (AF) e análise cluster (AC) na avaliação de amostras
atmosféricas (ANDRADE, 1993; WATSON et al., 2002).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Baseado nos limites sugeridos por Campos et al. (1998), o total de amostras que inicialmente era de
112, considerando todas as estações, após a seleção reduziram-se a apenas 42. O valor da condutividade
variou de 7,6 a 77 µS cm-1, com média geométrica de 21,8 µS cm-1 (média aritmética = 26,3 µS cm-1e
mediana = 25 µS cm-1). Verificou-se elevada concordância entre kmed e kcal, indicado pela proximidade dos
pontos a razão 1:1 e coeficiente angular da regressão (a) próximo de 1 (0,9968) (Figura 2A).
Considerando as médias geométricas das concentrações, as somas de cátions e ânions analisados
foram respectivamente 150,15 e 140,6 µeq L-1, apresentando um déficit de ânions de 11,55 µeq L-1. Essa
maior concentração de cátions em relação aos ânions ocorre geralmente quando somente os íons
inorgânicos são analisados (SOUZA et al., 2006). Apesar desse déficit de ânions, a relação ente a soma
dos ânions e cátions foi satisfatória, com r2 > 0,87 e a de aproximadamente 1,05 (Figura 2B). Portanto, no
conjunto final as espécies iônicas avaliadas podem ser consideradas os principais ou majoritários para a
representatividade da composição química das águas de chuva do período na RMRJ.
100
kcal = 0,9968 kmed
600
Σ cátions = 1,0495 Σ ânios
2
r = 0,8768
1:1
r2 = 0,8071
1:1
500
Σ cátions
-1
kcal (μS cm )
400
300
200
10
100
A
B
10
100
0
0
100
200
kmed (μS cm-1)
300
400
500
600
Σ ânios
Figura 2 - A) Correlação entre os valores de condutividade medida (µS cm-1) versus a calculada (µS cm-1)
para 42 amostras de água de chuva coletadas na RMRJ e B) correlação entre a soma de cátions e ânions.
Os valores de pH variaram de 4,14 a 6,75, com média aritmética de 5,04 (Tabela1).
Historicamente, as chuvas classificadas como ácidas possuem valores de pH < 5,6, devido a solubilização
do CO2 (g). Porém, em conseqüência da presença de compostos acidificantes originados de processos
naturais, o valor de pH igual a 5,0 é considerado o limite abaixo do qual as chuvas são ácidas (Galloway
et al., 1982).
Tabela 1 – Estatística descritiva da composição química da água de chuva na RMRJ (concentrações em
µmol L-1; n=42).
Variáveis
MA
MG Mediana
5,04 5,37
5,34
pH
9,11 4,23
4,62
H+
33,78 20,16
28,50
NH4+
80,19 54,69
57,38
Na+
8,09 5,58
5,22
K+
9,14 5,75
7,75
Ca+2
21,00 13,64
17,51
Mg+2
22,84 17,16
18,53
NO316,87 13,94
13,18
EXC-SO4-2
111,85 76,47
81,10
Cl3,28
SO4-2 Marinho 4,71 3,00
18,70
Precipitação 37,03 17,51
Máximo
6,75
72,44
120,00
315,54
38,17
55,84
86,53
70,71
41,05
432,67
19,02
158,00
Minimo
4,14
0,18
0,20
7,73
1,20
0,46
1,98
1,16
2,86
8,32
0,22
1,00
DP
0,56
14,32
27,11
72,71
8,31
9,45
18,90
16,60
10,56
98,44
4,46
42,64
MA – média aritmética; MG – média geométrica; DP – desvio padrão
Através da análise de fatores foi possível identificar as principais fontes dos íons majoritários
contidos na água de chuva da RMRJ. A Tabela 2 apresenta os resultados da aplicação da análise de
fatores com rotação VARIMAX aos íons majoritários da águas de chuva. Também se encontra nesta
tabela os pesos associados aos respectivos fatores (que são independentes entre si), os autovalores
correspondentes a cada fator, a variância explicada e a comunalidade de cada elemento, indicando a
variabilidade dos dados explicados pelos fatores (ANDRADE, 1993).
Verificou-se que foram retidos dois fatores, os quais explicaram 65,5% da variabilidade do
conjunto de amostras. Com exceção do H+, todos os íons apresentaram alta comunalidade, indicando que
a variabilidade dos dados foi significativamente representada pelos dois fatores identificados. A baixa
representatividade do H+ pela análise, pode ter ocorrido devido o valor do pH medido representar uma
condição final de equilíbrio ácido-base. Os valores em negrito indicam os elementos com pesos mais
significativos, os quais possibilitam a identificação das fontes.
Tabela 2 - Análise de Fatores com rotação VARIMAX para as amostras de deposição úmida na RMRJ,
h2 corresponde a comunalidade e as concentrações estão em µmol L-1; n = 42.
Variáveis
H+
NH4+
Na+
K+
Ca+2
Mg+2
NO3EXC-SO4-2
Clss-SO4-2
Precipitação
Autovalor
Variancia Expl.
Fator 1
-0,15
-0,13
0,94
0,77
0,20
0,92
0,35
0,32
0,91
0,94
-0,24
4,39
39,94
Fator 2
0,29
0,72
0,15
-0,01
0,67
0,21
0,77
0,70
0,13
0,15
-0,76
2,82
25,60
h2
0,28
0,54
1,00
0,56
0,59
0,94
0,69
0,79
0,90
1,00
0,61
TOTAL (%)
65,54
O fator 1 apresenta pesos elevados para os íons Na+, K+,Mg2+,Cl-, Sea Salt [SO42-], e correspondeu
a aproximadamente 40% da variância explicada dos dados. Este fator representou a influência dos
aerossóis de sal marinho (sea salt) na composição química da água de chuva, uma vez que estes íons
representam os principais constituintes da água do mar. As direções predominantes do vento nos
aeroportos Santos Dumont e Antonio Carlos Jobim (Galeão) são de sul (S) e de sudeste (SE),
respectivamente, sendo determinantes nas concentrações dos aerossóis de sal marinho na água da chuva
na RMRJ.
O fator 2 representa a fonte continental/antropogênica, com pesos superiores a 0,60 para os íons
NH4+,
Ca2+, NO3-, exc-SO42-, apresentando também carga (negativa) significativa para precipitação,
explicando quase 26% da variância do sistema. A RMRJ possui como principais fontes antrópicas
emissoras de amônia (NH3) para a atmosfera os sistemas de esgotos sanitários, rios e canais receptores de
grandes quantidades de esgotos não tratados, depósitos de lixos e aterros sanitários, veículos e queima da
biomassa no período de estiagem (SOUZA et al, 2006).
Através da análise cluster confirmaram-se os resultados obtidos na análise de fatores. A Figura 03
mostra o dendograma obtido através do agrupamento das variáveis apresentadas na Tabela 2, utilizando o
método Ward, com distâncias entre as variáveis calculadas pelo método de correlação de Pearson.
Destacam-se nesta figura dois grupos distintos, aqueles oriundos de processos naturais-spray marinho
(Na+, K+,Mg2+,Cl-, Sea Salt [SO2-4]) e outro grande grupo das fontes continentais/antropogênicas (NH4+,
Ca2+, NO3-, exc-SO42-).
CONCLUSÕES
A principal proposta deste trabalho foi avaliar a composição química da água de chuva na RMRJ.
Observou-se que a região é afetada não apenas por emissões antropogênicas, mas também sofre forte
influência das fontes naturais marinhas. A variação do pH de 4,14 a 6,75 indica que ocorre deposição
ácida na região, a qual influencia o meio ambiente de diferentes formas, i.e. modificando os ecossistemas
aquáticos e terrestres, e mesmo podendo afetar a saúde humana e deteriorando materiais. Através das
análises cluster e de fatores, foi possível identificar que o problema da poluição da cidade do Rio de
Janeiro é a soma de um conjunto de processos naturais (spray marinho) e antropogênicos (emissão
veicular e ressuspensão de poeira).
Tree Diagram for 11 Variables
Ward`s method
1-Pearson r
2,5
Linkage Distance
2,0
1,5
1,0
0,5
0,0
K+
ClMg+2
Na+
ss-SO4-2
EXC-SO4-2
Precip.
NO3-
Ca+2
H+
NH4+
Figura 3 - Dendograma para 11 variáveis empregando o método de Ward, com distâncias entre as
variáveis calculadas pela correlação de Pearson.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem a Coordenadoria de Despoluição dos Recursos Ambientais (CDA) da
Secretária Municipal de Meio Ambiente (SMAC) do Rio de Janeiro por fornecer os dados da
composição química da água da chuva.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Paulo. 1993, 100p. Tese (Doutorado em Ciências), IF-USP, São Paulo, 1993.
CAMPOS, V.P.; COSTA, A.C.A.; TAVARES, T.M. comparação de dois tipos de amostragem de chuva:
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EATON, A.D.; CLESCERI, L.S.; GREENBERG, A.E. Standard methods for the examination of
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MAIA, L.F.G.M; DE MELO, W.Z. Monitoramento da qualidade das águas das chuvas na cidade do
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2004. 251p.
SEINFELD, J.H., PANDIS, S.N.. Atmospheric Chemistry and Physics: from Air Pollution to Climate
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SOUZA, P.A.; MELLO, W.Z.; MALDONADO, J. Composição química da chuva e aporte atmosférico
na Ilha Grande, RJ. Química Nova, v. 29, n. 3, p. 471-476, 2006.
WATSON, J. G., ZHU, T., CHOW, J. C; et al. Receptor modeling application framework for particle
source apportionment. Chemosphere, v. 49, p. 1093-1136, 2002.
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