SOBRE OS LIMITES ÉTICOS DA PRODUÇÃO DE DIREITOS E DAS DECISÕES
JURÍDICAS
André Luiz Barreto Azevedo1
[email protected]
Universidade Federal de Pernambuco - UFPE
1. Introdução: considerações e análises iniciais
O objetivo do presente trabalho é investigar acerca da existência de limites éticos os quais
influenciem nas escolhas do poder constituinte, na elaboração de normas jurídicas, e que também
influenciem na decisão do judiciário na resolução de conflitos concretos. A análise de tais
problemas leva a reflexão de um fenômeno atual que tanto preocupa juristas e jusfilósofos: a
atuação do Judiciário enquanto agente legislativo, logo o debate entre o Estado Jurisdicional e o
Estado legislativo.
É mister ressaltar que em tal análise, a priori, se mostrará superficialmente as diferentes
perspectivas acerca da temática, centrando-se, contudo, nas posições mais extremadas. Vale
ressaltar também que as idéias trabalhadas não necessariamente correspondem às concepções
ideológicas e teóricas deste autor, por mais que ao longo do trabalho sejam feitas observações e
comentários, de certa forma, subjetivos, visto que não existem neutralidade e imparcialidade na
construção de idéias e significação do mundo, o que se pode buscar ainda é se aproximar da
objetividade, mesmo esta sendo para alguns também um mito, já que, metodologicamente, não há
uma separação total na relação sujeito-objeto.
2. Da análise dos pressupostos assumidos
Seguindo na trilha de análise social de Niklas LUHMANN (2002: 38), esta ainda muito
ligada aos padrões da modernidade ao encarar a evolução da sociedade como marcos sucessivos de
rupturas, é assumida uma perspectiva não escatológica, logo não teleológica, da história. Assim, “o
processo de ‘mundanização’ do direito natural, como pressuposto ético, e o processo de
André Luiz Barreto Azevedo é estudante do Curso de Direito da Universidade Federal de
Pernambuco - UFPE. É monitor da disciplina de Introdução ao Estudo do Direito I, extensionista do
NAJUP - Núcleo de Assessoria Jurídica Popular – Direito nas ruas e integra o Núcleo de Estudos de
Sociologia da Decisão Jurídica, sob orientação do prof. Dr. Artur Stamford da Silva. Seu e-mail
para contato é [email protected].
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diferenciação e pulverização ética, pressuposto sociológico, não são considerados aqui como
caminho evolutivo inexorável das civilizações, (...) nada indica que elas vão passar por ele”
(ADEODATO, 2007: 267).
Como se pode notar, é feita uma relação entre o processo de diferenciação ética (das ordens
normativas) com a evolução do direito natural, por meio da separação entre direito justo e direito
posto. É possível também se perceber a relação, conforme será explicitada mais na frente, dessa
“pulverização” ética com o percurso percorrido pela filosofia no trato da possibilidade de
conhecimento e de se chegar a uma verdade, ocorrendo uma mudança profunda com a introdução
do conceito de linguagem, o que resultará em implicações éticas marcantes.
Enxergando a diferenciação como redução da complexidade social e analisando-se suas
implicações éticas, pode-se afirmar que os critérios definidores do direito positivo - traçados com
diferentes contribuições (podendo-se citar Pufendorf, Grotius e Kant), como exterioridade,
autonomia e coercitividade - não apresentam conteúdo ético prévio, de forma que a universalidade
do direito positivo é meramente formal, sem nenhuma base anterior. Assim, pretende-se que as
normas éticas da sociedade passem a ser definidas pelo direito segundo a posição da maioria, a
partir do que esta considera como justo. Na prática, tais argumentos fundamentam a existência de
opressão e desigualdade em uma sociedade burguesa e liberal, sem poder se apelar a uma moral
acima do que está posto para dizer que tal ordem social é injusta, o que pretensamente
fundamentaria um sentimento de segurança jurídica.
Conforme já foi referendado antes, o pressuposto sociológico adotado aqui é claramente
luhmanniano. Neste, a diferenciação social implica no aumento de complexidade, significa admitir
cada vez mais possibilidades de conduta, de concepções normativas e opções éticas em um
determinado contexto. O ser humano, no entanto, não consegue lidar com essa infinidade de opções
possíveis e é ai que está o cerne da função de uma norma: o de reduzir a complexidade, de maneira
que limita a possibilidade de escolha e garante expectativas de condutas futuras. Logo, um homem
ou uma mulher poderá se guiar por normas para garantir suas expectativas de ação.
Enquanto as sociedades “primitivas” são menos complexas, menos diferenciadas, portanto
mais homogêneas, atualmente predominam sociedades extremamente diferenciadas e complexas,
nas quais as expectativas dos seres humanos são cada vez mais de difícil previsão, já que estes estão
cada vez mais individualizados. Nota-se, por conseguinte, que, se antes, nas sociedades menos
complexas, as diversas ordens éticas “amorteciam” os conflitos, o que fazia com que só chegassem
ao direito os mais problemáticos de soluções coercitivas, nas sociedades contemporâneas, com a
crescente complexidade, são pulverizados os conteúdos éticos das diversos planos normativos, logo
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cada indivíduo tem sua religião, moral ou visão política para orientar sua conduta. É nesse contexto
que surge a pretensão de o direito assumir o papel de único ambiente ético comum, o que leva a
uma “sobrecarga” deste, verificando-se um “vale-tudo” nas disputas de quem detém a verdade no
conflito e abrindo espaço para os jogos lingüísticos e retóricos sem limites, impossibilitando a
definição de um sentido correto para cada norma jurídica, predefinido no texto expresso da lei.
O que no positivismo exegético, em uma ingenuidade de crença cientificista, acreditava-se
se traduzir literalmente os preceitos éticos da norma jurídica, logo definir as formas de conduta,
evolui rapidamente para uma interpretação cada vez mais casuística. Segundo a perspectiva
sociológica tomada, a intensa complexificação da sociedade provoca uma maior incerteza quanto ao
significado concreto dos textos normativos, o que resulta no enfraquecimento da importância do
Legislativo, enfatizando o papel do Judiciário na criação de normas, já que esta não mais se
concretiza e tem sua validade no texto legislativo, mas somente na decisão concreta, logo o direito,
antes plenamente racional, passa a ser casual, segundo os discursos lingüísticos assumidos, como se
verá mais abaixo. É a partir desse fenômeno atual que os problemas centrais deste trabalho tornamse evidentes.
Quanto ao pressuposto gnoseológico adotado, mostra bem as bases filosóficas das quais se
parte, uma vez que se entende que todo desenvolvimento cientifico fundamenta-se em construir
pontes entre “abismos” existentes entre os três elementos epistemológicos (eventos da realidade,
idéia e expressão lingüística), os quais também estão presentes na teoria do direito
(“tridimensionalismo”), ao se considerar a existência de um fato juridicamente relevante, normas
ideais e fontes de direito, a expressão simbólica (tese dos paradigmas científicos de Thomas Kuhn).
Pelos “eventos da realidade”, entende-se serem fenômenos únicos e não repetíveis,
independentes do sujeito cognoscente, o que os torna incognoscíveis pelo ser humano, já que este só
tem contato com objetos cognoscíveis através de generalizações operadas pela razão, em um
modelo de racionalidade tipicamente “instrumental” (HABERMAS, 2003: 78). Sobre o segundo
conceito, resultado das generalizações da razão, se diz que é por meio dele que a apreensão da
realidade e dos eventos faz sentido ao serem construídas “imagens” ou “representações gerais” em
um processo de síntese. As características dessas idéias, e a sua relação com a razão foram temas de
vários estudos e controvérsias ao longo da historia da filosofia.
É, porém, o trato dado ao terceiro elemento, a comunicação por expressões simbólicas, logo
o papel da linguagem, que permite adentrar-se em uma das teses sustentadas aqui.O processo de
comunicação de uma idéia constitui-se um segundo nível de generalização, já que ela também é
única em relação ao sujeito que a produz, o que permite dizer que uma idéia é incomunicável em
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sua plenitude, necessitando do uso da linguagem, esta também limitada. Feita a caracterização
desses conceitos, vê-se a necessidade de fazer uma pequena digressão filosófica sobre a chamada
“virada lingüística”, já que isso ajudará posteriormente na análise das posições jusfilosóficas
tomadas no artigo e sua relação com os limites éticos.
Desde as bases da filosofia na Grécia, com os trabalhos de Platão e Aristóteles, e
principalmente no seu desenvolvimento ao longo da construção da modernidade, com o iluminismo
e o racionalismo critico de Kant, se buscou a fundamentação da possibilidade de conhecimento por
meio da razão e das teorias cientificas na analise da subjetividade e seu contato com a realidade, daí
se tirando embasamentos para se pensar em modelos éticos os quais regessem a conduta humana. É
nesse contexto que “a filosofia contemporânea pode ser vista, em parte, como crise do pensamento
moderno (...), ao questionar a centralidade atribuída à noção de subjetividade nas tentativas de
fundamentação do conhecimento” (MARCONDES, 2004: 251). E é desse modo que a linguagem
surge como alternativa de explicação da relação do homem para com a realidade enquanto relação
de significação, sendo essa uma nova via na busca do fundamento do conhecimento, e é com isso
que se pode falar em “virada lingüística”, a partir dos trabalhos de Ludwig Wittgenstein.
De início, essa “aposta” na linguagem, enquanto salvaguarda no questionamento da razão
clássica, vai ocorrer em desenvolvimentos possíveis pelo uso da linguagem lógica feitas por Russell
e Frege, além da explicação da possibilidade de fundamentação da ciência, segundo esta linguagem
universal da lógica, feita pelo empirismo lógico ou neopositivismo do “Círculo de Viena”, o qual
influenciaria no direito através do normativismo de Hans Kelsen. Neste contexto, a ética é condena
a uma silêncio eterno, visto que diziam haver a impossibilidade desta traduzir-se em discurso
lógico-racional.
Uma mudança no trato da linguagem ocorreria com a obra Investigações filosóficas de
Wittgenstein, ao questionar a linguagem lógica enquanto universal e percebê-la ainda como um ente
ligado à razão, ainda especulativo, introduzindo, assim, o conceito de “jogo de linguagem”. Através
desse, a linguagem seria apenas um conjunto de jogos com regras variáveis a cada situação, o que
demonstra um ponto de vista mais pragmático e influenciaria toda a filosofia anglo-saxã posterior,
sendo radicalizada por Rorty.
Toda a obra de Richard Rorty, localizada no contexto do neopragmatismo, terá por objetivo
primeiro a denuncia de como é “ilusória” toda e qualquer tentativa de fundar a razão em um solo
estável e seguro, de forma que ele desenvolve uma concepção da racionalidade que equivale a negar
toda e qualquer essência permanente. Com isso, ele reduz a ciência e a filosofia à posição de
simples práticas “culturais”, condenando a pretensão de ambas de dizer o verdadeiro.
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É possível perceber uma influência direta do seu pensamento no direito, principalmente no
que toca nas atuais teorias retóricas, visto que para Rorty “o valor de uma idéia se mede pelos
efeitos que ela produz – e não tem, pois, necessidade, para ser considerada como ‘justa’, de ser
fundada a priori” (DELACAMPAGNE, 1997: 268). Ele não está longe de uma teoria “anarquista”
do conhecimento, ao afirmar que não há nem “dado” nem “fatos”, mas apenas “linguagem”. Os
fatos, na teoria rortyana, não existem independentemente, de forma que são sempre reconstruídos
pelas palavras.
Assim, no direito, a penetração desse relativismo e ceticismo, nos anos 70 na também
americana escola realista, levará a um “vale tudo” no direito, na disputa pelo que é a verdade, em
um plano de simples convencimento, vendo-se claramente a penetração da linguagem na pretensa
ciência jurídica. Logo, a verdade é simplesmente o que se tem de melhor para acreditar, sendo um
conjunto de enunciados que se revelam mais úteis para dominar o real e viver melhor. Pode-se
notar que Rorty, não podendo invocar qualquer universalismo, abriga-se por trás da noção de “jogo
de linguagem”, afirmando que não há um argumento melhor do que outros em absoluto.
Nessa perspectiva rortyana, por conseguinte, ao se conceber a filosofia como um fenômeno
cultural (ele propõe que se situe a arte, ciência e filosofia no mesmo plano como atividades
“criativas”) e que seu papel só consistia em fundar as crenças humanas, desacredita-se na
construção de qualquer tipo de racionalidade e universalidade, de modo que o comportamento
racional, segundo o contexto cultural e étnico, tem condutas muito diferentes. Há, portanto, a
despretensão de se construir uma ética universalizante, sob alicerces sólidos, e uma idéia de direitos
humanos, o que farão seus críticos, filósofos como Jürgen Habermas e Karl-Otto Apel, ao tentarem
fundar uma “ética do discurso comunicativo”, conforme será visto mais na frente.
Feita toda essa digressão acerca da penetração da linguagem na filosofia e da "crise” da
razão como base para o conhecimento, além das implicações na ética resultantes de tal mudança de
paradigma, se entrará no cerne deste trabalho. Toda essa explanação terá o intuito de entender como
alguns jusfilósofos, ditos “pós-modernos” - a partir da perspectiva de que a complexidade do
mundo atual leva a um ceticismo e relativismo, estes provenientes dos trabalhos contemporâneos na
filosofia da linguagem - opta por um desenvolvimento teórico de argumentação casuística e sem
regras prévias, logo se contrapondo a Jürgen Habermas e Robert Alexy, o que leva a dúvida quanto
à existência de limites éticos dentro dessa práxis jurídica.
3. Da construção da racionalidade ética universal do direito
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Conforme foi mostrado antes, o conceito de “justo”, na modernidade, passou a ser
pretendido como definido pela maioria através de consensos circunstanciais e localizados, o que
resultou em um esvaziamento do conteúdo prévio para a decisão e na concentração no direito
enquanto lugar-comum nas disposições éticas. Dessa forma a escolha entre o que é ético passou a
ser instrumentalizada racionalmente, torna-se formal, procidentaliza-se. Tal processo de escolha, no
entanto, também não tem nenhuma base ética, de caráter mutável.
Ilustrando melhor esse processo, na escolha de normas para a elaboração de uma
Constituição são feitas determinadas escolhas éticas básicas, as quais vão reger moralmente a
conduta dos indivíduos, sendo que, nesse ato de escolha, o poder constituinte, efetivamente
originário, não tem qualquer limite ético prévio, podendo legitimar qualquer tipo de conduta ou
qualquer tipo de ordem social, a exemplo do que foi a instalação do regime nazista. Eis claramente
o cerne do primeiro problema aqui a ser debatido. E é nesse contexto que se depara em situações
atuais como o caso da descriminalização e legalização do aborto de anencéfalos, na qual o Supremo
Tribunal Federal (STF) terá que delimitar se é legal ou não (se é certa) tal prática, de modo que terá
que refletir sobre os limites da vida, e nisso em que se deve basear e que limites se devem adotar
para essa decisão? Note-se que neste caso, será tomada uma decisão pelo Judiciário, mesmo que em
instância suprema, a qual valerá como norma efetiva e válida, o que implica no segundo problema a
ser tratado, posteriormente.
Como visto, o desaparecimento de uma religião e de uma moral generalizadas faz com que o
direito se torne sobrecarregado como único ambiente ético comum, as regras válidas para todos são
unicamente as jurídicas. Dessa forma, as demais esferas éticas têm seus conteúdos pulverizados,
elas não deixam de existir, mas perdem sua eficácia na coesão social, o que as retira do espaço
público. Tal esvaziamento do espaço público, marcada pela “privatização” deste, tem sérias
conseqüências, visto que o fator de coesão social aos poucos é substituído pelo consumo, na
“padronização de sonhos de consumo” feita pelo mercado, processo esse que não cabe aqui ser
caracterizado.
Se, no contexto de monopólio de produção da norma jurídica pelo Estado, a questão dos
limites éticos de tal produção já era problemática, ao se admitir o pluralismo jurídico – a produção
do direito também é feita por sujeitos sociais, como movimentos sociais que lutam pela efetivação
de direitos humanos – ela só tem a se adensar. Nessa teoria, o Estado passa a se limitar a fixar
procedimentos e delegar competências, abdicando de maior parte dos comandos éticos materiais, de
forma que cada grupo social trabalha as bases nas quais se fundamentaram as decisões a serem
tomadas, logo os limites éticos de suas ações.
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É nesse ambiente em que jusfilósofos contemporâneos, contrários ao positivismo, buscam
estabelecer regras jurídicas de conteúdo moral definido para fundamentar o processo decisório,
processo esse em que também se produz normas. Esses conteúdos racionais teriam caráter
intrínseco a todo ser humano e proviriam de valores universais, o que os faria estar acima de
qualquer poder constituinte originário ou regra formal de procedimento. Tal trabalho se dará dentro
do campo da teoria do discurso, se contrapondo ao relativismo lingüístico, com nomes de destaque
como Dworkin, Apel, Alexy e Habermas.
O racionalismo do filosofo Jürgen Habermas insere-se em um contexto de redefinição do
papel da filosofia, tendo está que assumir um papel muito mais crítico, principalmente após o
ocorrido de Auschwitz e o holocausto em vez de continuar fazendo que aquilo não tivesse
acontecido. Para ele, tal missão é possível com uma maior aproximação das ciências sociais. Com
claras idéias de renovação do marxismo ao chamado “capitalismo tardio”, influência adquirida na
sua presença na Escola de Frankfurt, o pensamento habermasiano, analisando como o operariado
teve sua situação de vida melhorada no Estado Social, mas foram aos poucos limitados na
construção de um projeto de democracia, tem a proposta de dar um novo alento ao debate
democrático, instalando-se novas estruturas de comunicação no seio do espaço público.
Dessa maneira, com influências da filosofia pragmática da linguagem, tentando tira-la o
caráter estritamente formalista, relativizador e cético, dando-lhe uma abordagem centrada no uso
social da palavra, na noção de comunicação, ele tenta fundar uma “ética do discurso” (diskursethik),
tomando a “comunidade de comunicação” como dado objetivo. Assim, sua pesquisa tentará
“introduzir, nos fundamentos de uma nova definição de razão cientifica e crítica, o conceito de
‘atividade comunicativa’, ligada por sua vez ao de ‘mundo vivido’ (...), pois também a situação
comunicacional se identifica com a realidade da vida em sociedade, por definição intersubjetiva”
(DELACAMPAGNE, 1997: 276). A “solução” habermasiana envolve, por conseguinte, uma
descrição da linguagem como instrumento de comunicação e como fator de integração social.
A contribuição específica de Habermas ao direito consiste em mostrar como uma situação
comunicacional cria, só pela sua existência, as condições de um debate autêntico: “os diversos
participantes de uma mesma discussão não devem admitir de comum acordo certas normas lógicas,
se quiserem que sua troca de argumentos resulte em conclusões aceitáveis para todos?”
(HABERMAS, 2003: 123). É nessa perspectiva que ele define razão como o conjunto de normas
que garantem o caráter democrático e rigoroso de todo debate e a chegada em consensos, nisto o
outro (alter) é parte constituinte ou condição formal.
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Habermas defende também uma ética universalista, deontológica, formalista e cognitivista,
na qual os princípios éticos não devem ter conteúdo, mas garantirem a participação dos concernidos
nas decisões públicas através de discussões, em que se avalia os conteúdos normativos demandados
naturalmente pelo “mundo da vida”. Sua teoria discursiva, aplicada ao direito, tem a pretensão de
resolver os conflitos sociais da melhor maneira, resultando no consentimento de todos envolvidos.
Sua maior relevância está, indubitavelmente, em pretender o fim da arbitrariedade e da coerção nas
questões que circundam toda a comunidade, propondo uma maneira de haver uma participação mais
ativa e igualitária de todos os cidadãos nos litígios que os envolvem e, concomitantemente, obter a
tão almejada justiça. Essa forma defendida por Habermas é o agir comunicativo que se ramifica no
discurso.
Em contato com as posições relativistas e pragmáticas, como as de Rorty, ele apontará a
natureza contraditória de uma posição, assumida por esse, que, rejeitando a priori qualquer tipo de
fundamento, priva-se a si mesma de uma base sólida, o que levaria a um forte irracionalismo difuso
e polimorfo, logo uma postura anti-humanista, a qual possibilita a legitimação de qualquer
“verdade” ou ordem social. Desse modo, tal embate filosófico - entre a construção de uma ética de
fundamento sólido encontrada pela razão e a afirmação que esta é apenas mais um modelo cultural
entre outros, tendo apenas uma superioridade relativa, ou até nenhuma superioridade, sobre outros
modelos possíveis, o que leva a possibilidade de “jogos lingüísticos” - também se reproduz na
teoria do direito de pretensões pós-postivistas.
Posturas contrárias à idéia de o direito estar vinculado a determinadas posturas morais e
válidas por si mesmas também são fortes no debate acadêmico da filosofia do direito, tendo amplos
trabalhos na teoria da retórica jurídica, essas, no entanto, mais próximas das posições assumidas por
Rorty. Para esses, há a impossibilidade de universalização do conteúdo ético do direito, ao
sustentar-se que o argumento do conteúdo moral é problemático na tentativa de “impô-lo
coercitivamente” àqueles que não querem ser moralmente persuadidos, não sendo suficiente para
combater violações aos direitos humanos ou crimes de terrorismo.
Para tais juristas, principalmente de linha americana, além disso, haveria condicionantes
infra-estruturais muito complexos para se ter a efetivação de tal universalidade, como também a
constituição desse direito racionalmente universalizado poderia resultar em uma “arrogância ética
fundamentalista”. Dessa forma, dentro do pluralismo ético e cultural que caracteriza a comunidade
global, seria ingênuo determinar algumas posturas éticas como “corretas” e outras como
“equivocadas”, logo não haveria a possibilidade de estabelecer limites éticos da produção de
direitos. É preciso, no entanto, situar a luta pela efetivação desses direitos de caráter universal,
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como os direitos humanos, no seu contexto especifico, na sua construção histórica moderna baseada
em uma significação contemporânea de dignidade humana e as variantes concretas que possibilitam
a sua garantia, não entrando-se em um relativismo radical.
4. Das bases éticas para a decisão jurídica
Quanto ao trato das decisões e da hermenêutica, parte-se de duas correntes opostas na teoria
do direito: há os que acreditam na correspondência entre texto normativo, este de caráter genérico e
prévio, e a decisão através de uma interpretação racionalmente orientada, o que resulta em uma
decisão justa; e aqueles que vêem a decisão independente do texto, sendo o ordenamento jurídico
apenas mais uma fonte a ser tomada para uma justificação posterior de uma opção ética criada
casuisticamente. São estes últimos os quais vêem no Judiciário o papel de legislador, ao afirmarem
que, com o aumento de uma suposta complexidade social, há um maior distanciamento entre signos
lingüísticos e significados concretos, dificultando o entendimento comum da norma, não havendo
limites “éticos” e práticos para tal atividade.
Desse modo, verifica-se o segundo problema a ser tratado aqui, decorrente da concentração
no direito como ambiente ético comum, a judicialização dos conflitos, de forma que as instancias
decisórias tem sua importância aumentada, sobressaindo-se o Poder Judiciário. Em uma perspectiva
realista do direito, esse ao decidir usa critérios, fornecidos não apenas pelas fontes do direito, mas
também um ponto de vista pessoal, inseridos em um contexto indeterminado de impossível
esclarecimento na totalidade. Os conflitos os quais cada vez mais cabe ao Judiciário decidir muitas
vezes são originários de divergências de entendimento do próprio texto constitucional.
Por conseguinte, pode-se perceber que todos esses contemporâneos concordam em uma
coisa: quando se afirma que é o juiz quem determina a norma jurídica, como afirmam os defensores
do Estado jurisdicional, então o juiz é constituinte, restando, então, discorrer sobre se há limites
previamente fixados à sua ação. Assim, conclui WOLKMER (1994: 67) que o papel do juiz é
acentuadamente marcante não só como recriador através do processo hermenêutico, mas também
como adaptador das regras jurídicas às novas e constantes condições da realidade social; competelhe, por conseguinte, alternativamente adequar a satisfação das necessidades fundamentais de novos
sujeitos sociais aos recentes pressupostos paradigmáticos de valoração jurídica emancipatória. Eis,
para Antonio Carlos Wolkmer, o limite moral da ação do juiz na tomada de decisão e, logo, na
elaboração de normas jurídicas, sendo muito mais uma missão política na perspectiva de construção
de uma sociedade sem opressões.
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Conclui-se esta pretensa investigação esperando-se que os objetivos assumidos na
introdução deste trabalho tenham sido atingidos, de forma que se tenha mostrado as posições
contrárias no trato do problema abordado. Admite-se, lógico, também a existência de posições
intermediárias não mostradas, a maioria dessas assumido que é possível uma tomada de posição
ética, mas é insatisfatória a tentativa de racionalizá-la em critérios universais, de forma que podem
ser construídos consensos localizados, regionais, já que o direito seria auto-referente, ou seja, as
normas valem por si mesmas, independente de qualquer ordem ou valor acima delas, fruto de uma
grande formalização das normas, pois o direito positivo legitima qualquer conteúdo ético presente
nas normas.
REFERÊNCIAS
ADEODATO, João Mauricio. Ética e retórica: para uma teoria da dogmática jurídica. 3. ed. São
Paulo: Saraiva, 2007.
CARBONI, Florence; MAESTRI, Mário. A linguagem escravizada: língua, história, poder e luta
de classes. São Paulo: Expressão Popular, 2003.
DELACAMPAGNE, Christian. História da filosofia no século XX. Trad. de Lucy Magalhães. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997.
HABERMAS, Jürgen. Consciência moral e agir comunicativo. 2.ed. Rio de Janeiro: Tempo
brasileiro, 2003.
LAUREANO, Delze dos Santos. Teoria da Constituição e hermenêutica – a correta interpretação
das normas constitucionais. In: O MST e a Constituição: um sujeito histórico na luta pela reforma
agrária no Brasil. São Paulo: Expressão Popular, 2007.
LUHMANN, Niklas. El derecho de la sociedad. México: Universidad Iberoamericana/
Universidad Nacional Autonomia de México, 2002.
MARCONDES, Danilo. Iniciação à historia da filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. 8. ed.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004.
WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo jurídico: fundamentos de uma nova cultura no direito.
São Paulo: Alfa - Omega, 1994.
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