BICCA, Luiz. Racionalidade Moderna e Subjetividade. Edições Loyola, São
Paulo, 1997.
Capítulo 7
Racionalidade moderna e subjetividade
... “subjetividade” é o indicador ou denominador excelente para a época da
história da filosofia que se convencionou chamar de “filosofia moderna”. (...)
DESCARTES (...) HEGEL (...) Nesta, a subjetividade ocupa o temário filosófico
central. A rigor, “subjetividade” é um termo genérico, isto é, é uma noção que
enfeixa ou se encontra em relação necessária com uma série de outros conceitos,
que, conjugados, circunscrevem uma problemática: Eu, consciência, consciência de
si, auto-referência, autodeterminação, personalidade, espírito, enumerando
apenas os mais importantes. [definição de subjetividade] (p. 145)
... Nada parece impedir, enfim, que “subjetividade” possa ser utilizada como
nome para um paradigma de racionalidade filosófica,...
... a palavra “sujeito” (...) o que está na base ou por baixo, o que porta ou é
suporte de, daí ser traduzido também por “substrato” ou até por “substância”.
(...) compreensão original de uma subjetividade fixa...
... (auto)conservação (...) subjetividade (...) “autoconservação”... (p. 146)
Autoconservação torna-se ma Idade Moderna um princípio tanto da vida individual
quanto
da
vida
coletiva
ou
em
sociedade.
O
que
o
termo
significa
fundamentalmente é um esforço para afirmar-se na esfera da existência, a
atividade de manter o seu próprio ser – atividade incessante, que não conhece
repouso ou momento onde ela de algum modo ou em algum sentido (excetuando-se
a morte) se detenha. (...) o abandono do conceito aristotélico da causa final.
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... a conhecida lei newtoniana da inércia, segundo a qual “todo corpo persiste em
estado de repouso ou de movimento retilíneo uniforme se nenhuma força atuar
sobre ele”. (p. 147)
... Os corpos são pensados como munidos de uma força de autoconservação.
Pensamentos semelhantes ou próximos são encontráveis na filosofia política de
Hobbes ou na “Ética”de Spinoza, como o próprio Henrich e também Blumenberg
procuram mostrar em diversos ensaios. (p. 148)
De outra parte, a pesquisa histórica recente em torno do conceito de
subjetividade, retomando criticamente estudos pioneiros realizados por Dilthey,
desvia a atenção para outra fonte de idéias na filosofia antiga: o estoicismo. (p.
150)
... Conquanto o princípio de autoconservação nos estóicos possua basicamente um
caráter, digamos, biológico, pulsional, seu papel para a filosofia moderna é
realçado sobretudo por sua dependência para com o outro momento – o
pensamento de uma auto-referência ou relação a si próprio de cada ente particular
– pelo qual é atribuído originalidade e até exclusividade ao estoicismo, quando se
toma como quadro para comparação o universo intelectual apenas da filosofia
antiga.
O estatuto dessa auto-referência é o de uma relação primariamente sensível, de
um sentimento de si, constituinte do hábito ou da familiaridade do vivente consigo
mesmo. Como saber de si, tal sentimento manifesta muito de um indicativo de
ações e comportamentos instintivamente regulados. Familiaridade consigo mesmo
na raiz de toda iniciativa de autoconservação é algo que estaria muito mais
próximo de teorias que privilegiam determinações naturais no agir humano do que
das conseqüências intelectualistas que se poderiam extrair do pensamento de uma
referência fundamental a si próprio... (p. 151)
... É na tensão ou na interdependência entre as estruturas fundamentais da
autoconservação e da consciência de si que se delineia a totalidade problemática
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eu é designada pelo nome de “filosofia da subjetividade”, conforme conclui
HENRICH: “Pelo menos isto já fica claro, que não há possibilidade de se explicar as
experiências modernas como um todo somente por meio de um dos dois – da
familiaridade consigo mesmo ou autoconservação. A conservação de si implica e
com isso pressupõe a estrutura do Si (Selbst) – a familiaridade consigo mesmo está
ligada à experiência de que é necessário continuar a existência própria”.
O saber de si é um tema no qual toda uma época pôde se compreender e formar
uma imagem de si própria. A passagem do pensamento da conservação por vontade
do Criador à filosofia da conservação autofundamentada – em que o homem,
concebido como ser de liberdade, é entronizado na função de sujeito autêntico
dessa atividade...
A história do domínio de investigação filosófica no qual se notabilizou a filosofia
moderna de modo geral, a epistemologia ou teoria do conhecimento, é perpassada
pela oposição entre racionalismo e empirismo. Em poucas palavras, é possível
descrever a vertente empirista por meio da tese de que a origem fundamental de
todo conhecimento localiza-se na observação, enquanto, contrariamente, insistiam
os racionalistas encontrar-se tal origem nos atos de apreensão do puro intelecto, as
“idéias claras e distintas”. Para o racionalismo moderno, dogmático, no sentido
que Kant cunhou para este termo, encontrar a verdade é algo que depende
somente de um apelo à razão. (...) (p. 152-153)
Nos “tempos novos”, os pensadores racionalistas tornam-se os herdeiros da crença
tradicional numa espécie de “visão interior”. Já Platão ensinava que a via
privilegiada de acesso às idéias era semelhante intuição intelectual; queria dizer
com isso como nos seria permitido contemplá-las, captá-las por um processo por
ele concebido como análogo à visão, porém dependente apenas do intelecto. Nos
escritos dos autores modernos, a razão é freqüentemente referida ou apresentada
como esse olhar interior, uma faculdade ou poder de se aceder à essência ou ao
fundo das coisas. Em contrapartida era sustentada no campo empirista a tese de
que só a experiência nos permite decidir acerca do que é verdadeiro; o puro
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pensamento não daria conta da verdade factual, para o que são necessárias a
observação e a experimentação. Ao apresentar-se como doutrina de que nós nada
podemos conhecer além de nossas impressões sensíveis e das “idéias” que delas
derivam, o empirismo argumentava contra a representação de algo como o puro Eu
– como no caso de HUME, para quem o eu não é mais do que a soma total de suas
experiências. (p. 153-154)
... de sua própria personalidade ou da capacidade (poder) de identificar-se,
condição para que a alguém possa ser imputada com plena validade a
subjetividade. (...) Em poucas palavras, auto-apreensão ou autopercepção,
enquanto relação direta, imediata a si mesmo, é fundamentalmente sensível, a que
se acrescenta um pressuposto de privacidade: só eu posso ter acesso imediato a
“meu eu”. (p. 154)
... a objetivação do Eu, (...) a subjetividade do Eu. (...) O conceito central na
perspectiva do racionalismo é o da consciência de si, secundário, por sua natureza
e significado intelectualizante, na ótica do empirismo. O racionalismo moderno faz
da autoconsciência, como certeza de si ou saber imediato de si, o primeiro, o
princípio de todos os saberes, o fundamento da consciência, isto é, do saber sobre
algum “outro”, sobre as coisas, o mundo em geral. (p. 155)
Hegel, como historiador da filosofia, localiza em Descartes uma virada decisiva no
percurso do pensamento filosófico ocidental, a qual, para o propósito particular do
presente estudo, sela o destino da moderna concepção de racionalidade ou de
razão como articulada profunda e necessariamente com o conceito paradigmático
de
subjetividade.
(...)
A
partir
daí
“subjetividade”
passa
a
remeter
obrigatoriamente a conceitos como Eu, consciência e consciência de si. A
subjetividade é acessível por meio de uma autocertificação de cunho intelectual ou
espiritual. Conforme ressalta um respeitável estudioso da racionalismo moderno,
em Descartes, “consciência se apresenta como algo que é meu e interior. Eu posso
conscientizar-me de meu ser consciente, isto é, de todos os conteúdos de meu
pensar, querer e sentir, na medida em que são meus atos de consciência. (...) Esta
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consciência não pode ser separada da consciência de si. Consciência de si não é
uma consciência à parte, e sim minha vida consciente se tendo”. Semelhante autoapropriação é explicitável nestes termos: “Eu posso apossar-me, por meio de um
ato de reflexão puramente formal”. (p. 155-156)
... A razão ou o intelecto “ilumina” ou “vê” o que é interior, é a via de acesso ao
que não se oferece à sensibilidade, em nenhuma das dimensões desta última. Não
é por acaso que a “idéia” stricto sensu, a mais simples das espécies de
representação, seja considerada ainda uma “imagem intelectual”, produto dessa
visão interior ou manifestação da alma, do espírito, a si mesmo. (p. 156)
O pensamento que parte de si e só em si encontra apoio ou fundação, este começo
absoluto, é encontrado de modo conseqüente com a decisão da dúvida
metodicamente exercitada – cujo propósito é, contudo, diverso do ceticismo, em
que a própria dúvida torna-se fim em si mesmo, absoluto: “Descartes buscava algo
em si mesmo certo e verdadeiro, que nem fosse verdadeiro, que nem fosse
verdadeiro à maneira de objeto de fé, mas sem saber, nem fosse a certeza sensível
ou cética, desprovida de verdade”. O desfecho do exercício da dúvida é a certeza
imediata sobre si do pensar – um saber puro ou de forma pura, isto é, um simples
pensamento. Uma passagem dos Principia, de Descartes, condensa e comprova o
que vem sendo afirmado: “Na medida em que, assim, tudo deixamos de lado ou
declaramos como falso aquilo de que nós, de algum modo, podemos duvidar, então
nos é fácil pressupor que Deus não existe, ou o Céu, que nenhum corpo existe,
porém não que nós, que pensamos isto, não existimos. Pois é contraditório... achar
que o que pensa não existe Daí ser este conhecimento, eu penso, eu sou, o
primeiro de todos e o mais certo que se oferece a todo aquele que filosofar de
modo ordenado”. O puro saber de si, do seu próprio ser, é a certeza inabalável. O
pensamento assim expresso: “Eu penso” contém imediatamente o (meu) ser. É
importante ressaltar o caráter imediato deste saber, pois a formulação do cogito
pode sugerir tratar-se de uma inferência silogística – o que, aliás, é negado pelo
próprio Descartes, por exemplo nas Respostas às segundas objeções: “Mas quando
percebemos que somos coisas pensantes, trata-se de uma primeira noção que não é
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extraída de nenhum silogismo; e quando alguém diz: Penso, logo sou, ou existo, ele
não conclui sua existência de seu pensamento como pela força de algum silogismo,
mas como uma coisa conhecida por si; ele a vê por simples inspeção do espírito.
Como se evidencia do fato de que, se a deduzisse por meio do silogismo, deveria
antes conhecer esta premissa maior: Tudo que pensa é ou existe. Mas, ao
contrário, esta lhe é ensinada por ele sentir em si próprio que não pode se dar que
ele pense, caso não exista. Pois é próprio de nosso espírito formar as proposições
gerais pelo conhecimento das particulares”. Aqui encontra-se proposta a unidade
do pensar e do ser. (...) É pelo pensar e somente graças a ele que eu sou sujeito. A
subjetividade é algo meramente inteligível ou intelectualmente acessível e
sustentável. (...) “Somente quando eu explicito que sou pensante é incontrável o
puro ser; e só no universal está o ser, neste ato de consciência, unido (...). O que é
o ser? Aqui não é necessário representar-se o ser de algum conteúdo concreto. Ser
é, então, nada mais que a simples imediatidade, a pura relação, identidade consigo
mesmo; ele é, a imediatidade que é também o pensar”. (p. 156 a 158)
O racionalismo cartesiano ancora-se ainda na noção de Deus, cuja veracidade
possui papel central no interior de sua teoria do conhecimento: é garantia
suplementar da evidência da verdade em nosso conhecimento. A atividade
intelectual não nos ilude porque Deus não nos engana. Mas é no sentido da
conservação de todas as coisas pelo seu Criador que este conceito importa aqui.
Deus é o criador das substâncias extensas, dos seres finitos. Visto que estes são
criaturas, não podem ser tão perfeitos quanto sua causa. Como imperfeitos não
adquirem existência por si mesmos, nem nela podem assim permanecer. As
substâncias finitas necessitam a todo instante da eficácia divina para a conservação
de seu ser, sem o que podem a qualquer momento passar ao nada. O ato de
conservar a existência é uma incessante renovação do ato da criação original. (p.
158)
O conceito de sujeito opera como uma expressão indicadora que, no âmbito da
filosofia moderna, ora significa o ser do homem como um todo, sujeito empírico
que é união de corpo e alma, ora designa, pelo contrário, aquela estrutura formal
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da subjetividade acima mencionada, acessível somente por meio de uma autoreflexão intelectual. Essa dicotomia conceitual está no cerne dos impasses que
contrapõem o empirismo e o racionalismo, para o que o monumental
empreendimento filosófico que tem lugar no sistema Kantiano pode ser visto
historicamente como uma tentativa de solução e conciliação.
KANT redireciona e dá um novo sentido à tradicional distinção entre o lado
intelectual e o lado sensível do ser humano. Do racionalismo, Kant mantém o
significado de atividade ou espontaneidade do intelecto, do entendimento – em
função do que o Eu tem definida sua subjetividade –, inversamente, do empirismo,
retém a passividade das faculdades sensíveis. (p. 158)
... A consciência de si, a “descoberta de Descartes”, é o ponto inabalável, que
resiste a toda dúvida cética. (...) A conciência de si é o princípio ou fundamento
inquestionável da reflexão crítica sobre o conhecimento, pois preenche duas
condições elementares: ser um saber absolutamente seguro e ser origem ou
fundamento de todas as demais maneiras e espécies de conhecimento.(...) (p. 159)
... empirismo reivindica fundamentação observacional do saber e a indução,
enquanto procedimento apoiado passo a passo na experiência.
... A inspiração decisiva de Kant, em termos do que é ciência, provém da física
newtoniana. ... (p. 160)
... Cabe lembra, apenas de passagem, que noutro contexto, o de sua filosofia
prática, Kant reafirma o pensamento de que a subjetividade (ou seja, a pessoa,
esse ser meramente inteligível não é objeto e não pode ser tratada como simples
meio, isto é, como coisa, pois ela própria é um fim em si mesma. (p. 163-164)
... Coerentemente com o exposto na Crítica da razão pura – onde a unidade da
consciência de si (apercepção) pura é condição para a multiplicidade objetiva –, na
Antropologia a identidade (da subjetividade)é apresentada como fundamento ou
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condição para a consideração das diferenças, mudanças, alterações, por que
passamos no curso de nossa existência.
... Esse sentido de autoconservação é outra maneira de fazer referência à
característica sintética dessa subjetividade formal que é ao mesmo tempo
transcendental: em sendo, a priori, independente das experiências de que
participa, é a condição de possibilidade das mesmas.
... A novidade maior trazida pela concepção de KANT de subjetividade encontra-se
na dessubstancialização por ele promovida no conceito de Eu ou sujeito. (p. 164)
As expressões “autoconsciência” e “ser consciente de si” freqüentam a moderna
linguagem comum alemã, por um uso com caráter marcadamente prático ou pelo
menos vinculado ao saber prático, ao pensar voltado para a tomada de decisões,
para avaliações e julgamentos que incidem sobre possíveis atitudes e maneiras de
agir. Assim, diz-se que alguém sabe de si ou possui uma adequada consciência de si
quando bem sabe de suas possibilidades, do seu valor ou da importância de sua
atividade, enfim, do que sua própria pessoa pode efetivamente render. Consciência
de si, nesse contexto, assemelha-se antes a algo variável, a uma noção relativa ou
relacional. É possível afirmar então que enquanto uma consciência de si justa,
correta, é benéfica e necessária, uma consciência de si excessiva é sinônimo de
arrogância, ao passo que, quando insuficiente, significa insegurança, falta de
certeza acerca do poder próprio. ... (p. 166)
... Enquanto consciência de si ordinariamente é um conceito relativo, no âmbito do
discurso filosófico moderno o termo circunscreve algo como uma dimensão
essencial da atividade humana ou uma estrutura fundamental do ser sujeito,... A
empresa intelectual de separar-se das coisas, de afastar-se do mundo, de duvidar
até mesmo de seu próprio corpo, de toda matéria e sensibilidade, é, como já se
viu, a condição de acesso ao “puro eu”. A subjetividade, em sua pureza, adquire
assim traços de algo sem lugar, um autêntico U-topos: o eu-sujeito não existe fora
do pensamento, pelo contrário, só existe enquanto exercício constante deste
último.
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No idealismo pós-kantiano, por exemplo, no Sistema do idealismo transcendental,
de Schelling, o Eu é pura atividade e só assim é representável: em ato, como ativo.
A verdadeira subjetividade possui contornos da absolutidade, sua auto-apreensão á
consciência de si pura e absoluta. (...) KANT, contrariamente, elaborou toda uma
concepção que sublinhava as funções criativas e construtivas do intelecto, sendo
tais funções encaradas como independentes do reino da natureza. Aos olhos de
FICHTE, as inovações trazidas por Kant envolviam implicações das quais seu autor
não se tinha dado conta.(...) Seus ataques ao determinismo filosófico são tantas
maneiras de levar-nos a conceber nosso caráter essencial como seres ativos, livres,
isto é, de subjetividade...
Já a partir de Kant depreende-se que a consciência de si pura é o único caso no
qual o ato de pensar e aquilo que é pensado não são diferentes um do outro. (p.
166-167)
Os sucessores idealistas de Kant não deixam de ressaltar em diferentes lugares esta
aporia:
pensar-se
a
si
mesmo
pressupõe
necessariamente
a
oposição
sujeito/objeto, a qual não deveria fazer-se presente no conceito do Eu puro ou
absoluto. A estrutura da subjetividade é paradoxal. (...) Perdura, portanto, o
paradoxo – cuja solução constitui-se numa das grandes motivações dos autores do
idealismo alemão – de que a auto-reflexão da pura consciência de si, que é a base
ou o fundamento de todo conhecimento que se possa ter sobre as coisas bem como
sobre si próprio, não seja enquanto tal saber objetivo, mais ainda, nem possa ser
conhecimento em sentido preciso, rigoroso. (p. 168)
O idealismo alemão é o momento mais radical ou de culminância da tendência
geral da modernidade, de afirmar-se a subjetividade como princípio de dedução do
mundo. (p. 169)
... Após comparar e diferenciar religião e filosofia, ele reapresenta um pensamento
já manifestado na Fenomenologia, que serve também para distinguir seu próprio
projeto filosófico, a filosofia especulativa, dos empreendimentos filosóficos que o
precederam: tendo ressaltado que religião e filosofia possuem o mesmo conteúdo,
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o absoluto, nota que “para tal conteúdo há duas linguagens, uma do sentimento,
da representação e do pensamento do entendimento, pensamento que se aninha
em categorias finitas e abstrações unilaterais, e outra, do conceito concreto”. (p.
171)
Preocupado com que o conhecimento não permanecesse na tendência de privilegiar
unilateralmente a subjetividade ou o lado subjetivo no processo de sua elaboração,
HEGEL torna-se um investigador de palavras e expressões por uma filosofia
transcendental da subjetividade que fosse ao mesmo tempo capaz de “pensar a
partir da coisa mesma” de que se trata. (p. 172)
... nos empreendimentos de reinterpretação e redefinição anti-solipsista da
subjetividade que têm lugar em diversas partes da obra de Hegel... (p. 173)
O que se evidencia no desfecho é uma simetria entre auto-referência e referência
ao Outro na necessidade de reciprocidade do reconhecimento, base para a
constituição de toda e qualquer interação efetivamente livre, na qual o modelo de
pensamento e de postura típico de “consciência” – a oposição entre sujeito e
objeto – cede espaço à identidade entre autênticas subjetividades. Na filosofia de
Hegel é encontrável, portanto, uma tentativa de se pensar a constituição da
subjetividade que vai além dos moldes, então consagrados, que privilegiam a autoreflexão. Os racionalistas auto-reflexivos, como tematizações filosóficas da
subjetividade, consideram-na enquanto tal, isto é, em geral, universalmente, não
se preocupando para efeito de fundamentação com a subjetividade de cada
indivíduo na sua particularidade. ... (p. 174)
“Eu”... O pronome pessoal “eu” – expressão da estrutura universal de
subjetividade, da espontaneidade autoconsciente – é um elemento insuficiente de
singularização, de determinação precisa de individualidade.
Como a última frase do § 20 da Enciclopédia diz literalmente: “‘eu’ é a expressão
simples do sujeito existindo enquanto pensante” – ou procedendo-se a uma
pequena modificação: é a expressão da existência do sujeito pensante ou do
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pensamento como sujeito. “Eu” é a palavra que sintetiza a identidade entre pensar
e ser. (p. 175)
... A verdade não se oferece prontamente à consciência imersa na imediatidade. O
saber requer um trabalho árduo, o labor paciente do próprio espírito sobre si
mesmo em busca de si mesmo. Esta busca é ao mesmo tempo sua (auto)formação
(Bildung).
... o sentido autêntico do “Eu” não é o da autoconstituição mediante uma obscura
atividade interior de apreensão de si mesmo, e sim o que se vincula à constituição
mediatizada dialógico-prática resultante da interação e interlocução dos atores
conscientes de si. É o “Eu que é um nós, nós que é um eu”, fórmula da
espiritualidade da subjetividade. (p. 176)
... Hegel promove uma ruptura de primeira grandeza com a filosofia moderna,
atingindo-a no que ela possui de central: a noção d subjetividade. Essa ruptura é o
abandono daquela compreensão imediatizante, por assim dizer, do saber de si da
subjetividade, presente nas distintas concepções anteriores de sujeito como “eu
puro”. (...) A filosofia especulativa promove a passagem de uma teoria de um
“intelecto descorporificado” a uma teoria que busca devolver-lhe uma existência
corpórea. (...) O conceito de sujeito – à parte qualquer prejuízo de grandiosidade
associável à palavra “absoluto” – deixa de significar uma universalidade abstrata,
para tornar-se universal concreto, isto é, mediato com o particular, com as
individualidades agentes. (p. 177)
Nesse contexto de pensamento, dizer que a subjetividade se absolutiza é dizer que
nela é pensada e efetivada uma unidade entre identidade e alteridade. (...) De
acordo com essa redefinição dos termos do problema, consciência de si não é, no
fundo, um dado imediato, nem uma instituição intelectual, nem alguma forma tão
privilegiada
quanto
enigmática
de
auto-apreensão,
mas
é
um
produto,
conseqüência de um processo que pressupõe igualmente exteriorização e
interiorização
(ou
retorno
a
si),
distanciamento
(ou
estranhamento)
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e
identificação. A subjetividade do espírito é (seu) poder de ser consciente de si no
que está “fora” dele, de reconhecer(-se) por meio de e em “seu” outro. (p. 178)
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