Do mundo fechado das prisões
chegam cada vez mais queixas
ANA DIAS CORDEIRO
10/03/2015 - 07:57
Seminário em Lisboa reuniu esta segunda­feira investigadores e
representantes dos órgãos que fiscalizam as cadeias portuguesas. Em
conclusão: as Regras Penitenciárias Europeias estão consagradas na lei
mas nem sempre são cumpridas, como aliás nos restantes sete países do
Observatório Europeu das Prisões.
Muitos dos objectivos das regras penitenciárias europeias esbarram no “muro da
realidade” CARLOS LOPES/ARQUIVO
As denúncias são enviadas por carta escrita pelo próprio recluso; ou
encaminhadas por associações como a ACED – Associação Contra a
Exclusão pelo Desenvolvimento – que defendem os direitos dos presos.
Por uma ou outra via, o fluxo de queixas relativas ao tratamento dos
presos e condições nas prisões está a aumentar: seja para a Provedoria de
Justiça ou para a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos,
Liberdades e Garantias da Assembleia da República. As situações
investigadas pela Inspecção­Geral dos Serviços de Justiça do Ministério
da Justiça também estão em franca expansão, não sendo estas sempre
resultantes de queixas.
A tendência pode ser em parte explicada pelo maior conhecimento por
parte da população prisional de que pode fazer uma queixa que
será devidamente tratada, considerou o deputado Fernando Negrão, que
preside à comissão parlamentar, na abertura do seminário Práticas de
gestão penitenciária na Europa organizado pelo Observatório Europeu
das Prisões, que se realizou nesta segunda­feira na Assembleia da
República.
Essa evolução crescente também pode estar, em parte, associada à
exclusão dos presos descrita por António Pedro Dores, activista e director
da secção portuguesa do Observatório Europeu das Prisões: “O direito
não entra nas cadeias”, referiu o também professor de Sociologia e
investigador do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia
(CIES/ISCTE­IUL), que deu o exemplo de uma vítima de abusos, por
parte de responsáveis da prisão, que não quis testemunhar quando saiu
em liberdade. “A crença nos direitos é muito difícil.” A frequência crescente de queixas foi confirmada neste seminário pelos
representantes das três entidades que tratam estas participações (de
cidadãos): a Provedoria de Justiça, a Inspecção­Geral dos Serviços de
Justiça do Ministério da Justiça e a Comissão de Assuntos
Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da
República, presidida por Fernando Negrão. “Nós mantemos essa preocupação de questionarmos, permanentemente,
os responsáveis por esta área, a Direcção­Geral da Reinserção e dos
Serviços Prisionais e o Ministério da Justiça. E insistimos em ter
respostas lógicas”, realçou o deputado, que falou da necessidade de
“humanizar as prisões”. E esclareceu: “Os problemas continuam mas
temos resolvido muitos dentro das nossas competências de fiscalização
do sistema prisional.” Entre os vários problemas identificados no meio prisional, referiu em
especial um que qualificou de “grave”: o facto de nas prisões de adultos
estarem jovens de 16 e 17 anos
(http://www.publico.pt/sociedade/noticia/portugal­e­excepcao­ao­
juntar­criancas­e­jovens­em­prisoes­de­adultos­1685272), “o que viola a
Convenção dos Direitos da Criança” que abrange pessoas até aos 18 anos.
“É uma coisa que choca juntar adultos com grande experiência criminal”
com crianças e jovens, acentuou. “Esta contaminação não pode
continuar.” Entre as queixas recebidas pela Provedoria de Justiça e do Mecanismo
Nacional de Prevenção da Tortura, os principais motivos dizem respeito a
pedidos de transferência, acesso a cuidados de saúde, segurança e
disciplina (o que pode incluir as condições de segurança do
Estabelecimento Prisional, a violência entre reclusos e sanções
disciplinares decididas por guardas). A informação foi prestada ao
PÚBLICO por João Portugal, que confirmou que nos últimos anos a
tendência tem sido para uma subida, embora ligeira, do número de
queixas relativas à situação de reclusos.
Também Jorge Costa, procurador da República, a exercer funções (há um
ano) à frente da Inspecção­Geral dos Serviços de Justiça do Ministério da
Justiça, identificou um aumento do número de queixas: de 387 em 2013
passaram a ser 406 em 2014. Embora não concordando com a ideia de
que “os direitos ficam do lado de fora das prisões”, o magistrado
reconheceu que “o exercício do Direito não atinge o patamar” desejável
nas prisões. E disse ser “possível dar um passo em frente e encontrar
novos modos de garantia do exercício dos direitos”. À questão de saber se Portugal pratica ou não as Regras Penitenciárias
Europeias, Jorge Costa afirmou que os princípios e normas
(recomendados pelo Conselho da Europa) estão consagrados na
legislação em vigor em Portugal. Da Provedoria de Justiça, João Portugal
realçou, porém, que a legislação "sendo ambiciosa não é acompanhada
pela realidade. E disse que muitos dos objectivos – como por exemplo ter
um técnico de educação a acompanhar um pequeno grupo de reclusos –
esbarra no “muro da realidade”. Ao PÚBLICO, o investigador e sociólogo Ricardo Loureiro disse que
sobre a realidade que lhe chega enquanto responsável da Associação
Portuguesa para a Prevenção da Tortura, “o confinamento em cela
solitária é muitas vezes arbitrário e durante muito tempo”. E deu esse
como um exemplo entre vários de incumprimento das Regras
Penitenciárias Europeias, que estabelecem que esta medida deve apenas
ser aplicada em casos excepcionais e nunca mais por duas semanas.
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