Do outro lado do espelho: A interface-utilizador como
representação de mundos∗
Graça Rocha Simões
Universidade Nova de Lisboa
Índice
1 Ponto de partida . . . . . . . . . .
2 O conceito de utilizador em HCI .
3 As interfaces dos programas de
processamento de texto . . . . . .
4 Ponto de chegada; ponto de fuga .
5 Bibliografia . . . . . . . . . . . .
1
3
5
7
8
“Every human tool relies upon, and reifies,
some underlying conception of the activity
that it is design to support. As a
consequence, one way to view the artifact is
as a test on the limits of the underlying
conception... ..In contrast, I argue that
artifacts built on the planning model
confuse plans with situated actions, and
recommend instead a view of plans as
formulations of antecedent conditions and
consequences of action that account for
action in a plausible way.”
Lucy A. Suchman, Plans and Situated
Actions - The problem of human-machine
communication (1987:3)
∗
Comunicação apresentada no I Congresso Ibérico de Ciências da Comunicação realizado em Málaga em Maio de 2001.
“Se a escrita à mão tinha sido um trabalho
manual e masculino, a dactilografia era algo
que se fazia com a ponta dos dedos: era
rápida, táctil, digital e feminina.”
Sadie Plant, Zeros e Uns (2000:129)
1
Ponto de partida
1.1 A interface-utilizador é não só o “lugar
onde pessoas e computadores se encontram”,
na feliz expressão de David Bolter, como o
lugar de encontro de qualquer interacção cibermediada.
Fundamentalmente uma construção de designers e programadores profissionais no
âmbito da investigação em HCI - HumanComputer Interaction1 - e da indústria de produção de ferramentas informáticas, a possibilidade de desenhar interfaces está hoje
também ao alcance de qualquer utilizador,
e expressa-se nomeadamente em interfaces
on-line e páginas da internet, inclusivé as
pessoais e amadoras.
No início dos anos setenta, o problema essencial a resolver no design de interfacesutilizador tinha já sido identificado – Know
the User. Em 1973, no livro de James Mar1
No contexto deste artigo manteremos a designação anglo-saxónica para este domínio de investigação.
2
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tin, podia ler-se “O homem deve tornar-se
o foco principal do design de sistemas. O
computador está aqui para o servir, para lhe
fornecer informação e para o ajudar a desempenhar o seu trabalho. A facilidade com
que comunica com ele determinará o alcance
com que o usa. Se o utiliza ou não poderosamente dependerá da linguagem homemmáquina disponível e do quão bem for capaz
de a compreender”2 .
A par do conceito de utilizador, e em estreita articulação com ele, dois outros conceitos foram rapidamente identificados: usabilidade (usability) e amistosidade (user friendliness)3 . O primeiro exprimindo a facilidade de aprendizagem, a facilidade de utilização e a adequação dos sistemas informáticos às necessidades de trabalho dos utilizadores, o segundo a facilidade associada à
cordialidade do uso e muitas vezes a exibição de qualidades que se esperam encontrar
num amigo (Trenner, 1986). Trata-se afinal
dos dois lados de uma mesma moeda, a resolução das dificuldades criadas à experiência
do utilizador pela ausência de transparência
na mediação tecnológica.
A contribuição do HCI para o design das
interfaces-utilizador pode ser encarada essencialmente de duas formas. Uma, herdada dos anos 70, exprime-se por via da avaliação de situações interaccionais, habitualmente em laboratório, mas cada vez mais em
2
Em Design of Man-Computer Dialogues, citado
por Gaines e Shaw (1986). O itálico é nosso.
3
A amistosidade e a usabilidade não são termos
equivalentes, carregando o primeiro uma forte carga
subjectiva de difícil modelização em HCI. A amistosidade é uma noção “vaga e enganadora” (Shneiderman, 1992:82) e apesar da sua necessidade ser muitas
vezes referida, “ Para nós, a verdadeira questão é a
usabilidade” (Hix e Hartson, 1993:3). Ver a este propósito Simões (1995:126-130).
ambientes reais, e procura potenciar o aumento da produtividade de desempenho do
sistema utilizador-computador e a usabilidade.
Num segundo tipo de contribuições, típica
dos anos oitenta, os esforços de investigação
concentram-se no estabelecimento de teorias
da interacção, baseadas particularmente
na psicologia cognitiva e nas ciências da
cognição em geral, de onde se retiram os
princípios regulamentadores da concepção
dos sistemas interaccionais, que incluem
conhecimento sobre o comportamento cognitivo dos utilizadores, e mais recentemente
dos respectivos comportamentos emocionais
(Laurel, 1994:xi).
1.2 A investigação sobre computadores e
género, cujos primeiros passos podem ser
identificados no início da década de 80, tinha
como foco as mulheres e particularmente a
exclusão das mulheres da revolução informática e os problemas que as mulheres encontravam no acesso aos computadores e à cultura informática (Gerrard, 1999).
Temos assistido nos últimos anos a um
progressivo alargamento e redefinição do
conceito de género e, consequentemente, a
um alargamento do campo de investigação e
dos objectos de reflexão escolhidos.
A investigação centrada nos utilizadores
de computadores e redes inclui hoje, enquanto categorias – tal como a investigação em Estudos de Género em geral - para
além da mulher, do homem, do feminino e
do masculino, os homossexuais e bisexuais,
bem como spivaks, pessoas de sexo variável
e auto-definido (Gerrard, 1999)4 . A perspec4
Existe uma confusão clara entre os termos
“mulher”/homem, “género”, “fêmea”/macho, “femi-
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tiva dominante actual considera que as definições de género são socialmente construídas e não necessariamente alinhadas com o
género biológico.
Redefinidos sujeitos e temáticas, a produção de investigação centrada na dualidade masculino/feminino, homem/mulher,
mantém-se no entanto vigorosa, nomeadamente, quando nos confrontamos com os novos espaços tecnológicos de experiência e
comunicação, redes e ciberespaço, já não exclusivamente centrada nos medos associados
aos usos, ou na falta de educação/formação
para o uso, ou na dificuldade de acesso, ou
até na exclusão5 , a estes novos meios, mas
ainda e sempre nas linguagens, sensibilidades e modos ou estilos de interacção6 tantas vezes impostos pelo design da interfaceutilizador.
O que procuro transmitir neste artigo é um
cruzamento sinóptico entre quais têm sido
as principais preocupações no desenho das
interfaces-utilizador, nomeadamente quanto
nina,”/masculino e “femininista”. Vamos aqui adoptar, sem discussão e por razões de ordem pragmática, a definição de Londa Schiebinger (1999:8;1518). Uma “mulher” é um indivíduo específico; “género” denota relações de poder entre sexos e refere-se
tanto aos homens como às mulheres, “fêmea” designa
o sexo biológico, “feminina” refere-se a maneirismos
idealizados e comportamentos de mulher num dado
tempo e lugar que podem igualmente ser adoptados
por homens, e finalmente “femininista” designa uma
atitute ou agenda política. Ver igualmente Galcerán
(2001) e Ferreira (2001).
5
De que são exemplos Fulton (1985); Gilroy e
Desai (1986); Proulx eTahon (1989); Brosnan e Davidson (1994); Currie (1993).
6
Por estilos de interacção, ou modos de interacção, entendemos o significado que o conceito tem
em HCI onde um estilo de interacção possível é, por
exemplo , a manipulação directa de objectos (ficheiros, por exemplo ) e acções (copiar, por exemplo). Sobre este assunto ver Shneiderman (1992).
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3
à forma de racionalizar e modelar o utilizador, e as tarefas que através (e com)
o computador tem de realizar, e um olhar
mais atento sobre o papel que neste contexto tem tido o feminino e a figura/papel
da mulher. Servir-nos-emos para este efeito
de um tipo de interfaces específico e da sua
evolução num contexto interaccional concreto, o da escrita digital, tantas vezes o
“rato branco” dos estudos empíricos sobre
utilização de computadores. Em particular, acompanharemos a análise feita por Jeanette Hoffman (1999) relativamente à evolução das interfaces-utilizador dos principais
programas de processamento de texto conhecidos.
O objectivo é ainda e sempre enfatizar a
incontornável mediação dos artefactos na experiência humana: na sua dimensão de “espelho de” e “espelho para”.
2
O conceito de utilizador em
HCI
Os princípios que devem orientar o design
das interfaces-utilizador são tributários essencialmente da constelação de conceitos
abrigados sob o paradigma cognitivista, e sobretudo dos derivados do conceito de modelo mental7 . “Na interacção com o meio,
com os outros e com os artefactos da tecnologia, as pessoas formam modelos internos, mentais, de si próprios e das coisas com
as quais estão a interagir” (Norman, 1983) e
essas representações reflectem, guiam e orientam em grande medida o que pensam do
mundo, das suas próprias capacidades e dos
outros. Compreender os modelos mentais, o
7
Para uma crítica à adopção deste paradigma ver
Winograd e Flores (1994).
4
Graça Rocha Simões
seu processo de formação, estrutura e dinâmica, pode ajudar a explicar e prever o comportamento humano, em particular a interacção utilizador-computador.
Em 1943, Kenneth Craig8 propõe para a
compreensão do ser humano, na sua forma
de pensamento, no seu raciocínio, o modelo
do processador de informação. Para Craig
um modelo é “qualquer sistema físico ou
químico que tem uma relação-estrutura semelhante ao processo que imita. Por relaçãoestrutura não quero significar alguma entidade não-física obscura que se aplica ao modelo, mas o facto de ser um modelo físico
funcional (a phsysical working model) que
funciona da mesma maneira que o processo
a que corresponde”.
A parte mais importante desta afirmação
é, em nosso entender, a que se refere à funcionalidade do modelo. Numa linguagem
mais actual, um modelo mental é uma representação interna de uma entidade, fenómeno
ou processo que reflecte o funcionamento do
objecto representado. Não o que ontologicamente o objecto é, mas como funciona. É
neste sentido que Donald Norman afirma poderem os modelos mentais não ser tecnicamente precisos, rigorosos, mas deverem ser
necessariamente funcionais.
Norman distingue quatro conceitos importantes na consideração dos modelos mentais em HCI: 1) o sistema a representar (o
sistema que um utilizador usa e/ou tem de
aprender a utilizar); 2) o modelo conceptual do sistema (o modelo concebido, inventado pelo investigador ou pelo designer
como uma representação apropriada do sistema ); 3) o modelo mental do utilizador (o
modelo que o utilizador realmente tem do
8
Citado por Johnson-Laird (1983).
sistema); e 4) a conceptualização que o investigador faz do modelo mental do utilizador.
Neste conjunto de modelos que quase
se auto-reproduz, a questão da compatibilidade entre utilizador e sistema é crucial para
que estes modelos possam ser efectivamente
úteis ao design de interfaces-utilizador e aos
de artefactos no geral. É essencial compatibilizar o modelo mental que o utilizador tem
da tarefa a realizar - U(t), com o modelo que
o utilizador tem do modelo que o sistema
tem da tarefa - U(S(t)), com o modelo que
o sistema efectivamente tem da tarefa (o sistema desenhado) -S(t). Tanto quanto possível há que garantir que U(t)= U(S(t))=S(t).
Esta compatibilização expressa-se na
interface-utilizador espelhando esta, deste
modo, as concepções que os construtores
de programas têm sobre os utilizadores,
incluindo concepções das concepções que os
utilizadores têm das tarefas (informatizadas)
que desenvolvem.
“ Os programas de
computador incorporam uma ideia generalizada, um script das acções a digitalizar.
A interface-utilizador pode ser vista assim como a encenação desse script, uma
apresentação com o objectivo de ajudar
os operadores a encontrar o seu caminho
nas realidades que ele próprio simula”
(Hofmann, 1999:224).
Sendo ou não as entidades “interfaceutilizador” e “utilizador” termos e conceitos que fazem parte do discurso de legitimação do HCI (Cooper e Bowers, 1995), seguindo Foucault, objectos produto do discurso e não o seu fundamento, havendo assim lugar a uma reformulação da questão
“dimensões sociais” da interacção, o facto é
que são categorias, pelo menos heurísticas,
nuclerares, a todo o esforço de investigação
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Do outro lado do espelho
deste domínio. Fazendo ou não parte da retórica disciplinar da interacção ser humanocomputador, facto é que é a partir da sua
formalização e modelização que se organizam os princípios que orientam o design das
interfaces-utilizador com que a esmagadora
maioria dos utilizadores por esse mundo fora
se confronta.
3
As interfaces dos programas
de processamento de texto
O sucesso da interface-utilizador Apple/MacIntosh, e mais tarde Windows, com
modificações, deve-se em larga medida à sua
característica gráfica e intuitiva, e à metáfora
da secretária de trabalho (apesar de algumas
idiossincrasias nela imbuídas, entre elas o
facto de para ejectar uma disquete, mesmo
que útil, esta tenha de ser deitada para o
“lixo”)9 .
Poucos atentámos, eventualmente, que os
primeiros programas de processamento de
texto reflectem na sua génese modelos de
trabalho diferenciados profundamente associados a quem de facto processava textos –
as dactilógrafas, as secretárias, na sua esmagadora maioria mulheres (Hofmann, 1999).
A própria evolução das características dos
sucessivos programas de processamento de
texto espelha não apenas alterações nas assunções relativas aos modelos de utilizador/secretária como aos próprios modelos
do que é a escrita. Jeanette Hoffman distingue para o demonstrar três tipos distintos de programas de processamento de texto
que correspondem a três contextos conceptuais e modelos-utilizador também distin9
Sobre a verdade do lixo (the truth about the
trash), ver Erickson (1994).
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5
tos: 1) os sistemas dedicados (Displaywriter, 1980; DisplayWrite, 1984 e os sistemas
Wang, 1976,1981); 2) os programas de processamento de texto que emergiram dos editores de texto (WordStar e WordPerfect); e 3)
a primeira interface gráfica do computador
Xerox Star (1981), que evoluiu velozmente
para as interfaces Mac e depois Windows (e
que têm imbuído na maior parte das configurações o Word).
A tradicional divisão de trabalho na escrita separava o processo de criação e composição do texto do processo de dactilografia10 . Foi neste contexto de divisão de trabalho que o modelo mental subjacente aos primeiros sistemas comercializados de escrita
digital, no início dos anos oitenta, tipo 1)
e 2 teve como modelo-utilizador as secretárias/dactilógrafas, na sua esmagadora maioria mulheres, com nuances entre um tipo e
outro que se esclarecerão já a seguir, mas que
afinal reflectem uma alteração na função e
papel da secretária, cada vez menos só dactilógrafa mas ainda não “produtora” de textos.
Já o terceiro tipo de programas foi concebido tendo em mente um tipo de utilizadores
bem diferente, os produtores tradicionais de
textos, os male writers.
3.1 No caso do primeiro grupo de
programas de processamento de texto, a
principal preocupação dos designers foi
construir um programa de escrita digital
para utilizadores iniciados e inexperientes
(novice users) com o qual fosse impossível
efectuar erros fatais, sobretudo associados
10
Em relação às modalidades da escrita : produção, transmissão e recepção e às respectivas transformações que têm vindo a sofrer ao longo dos tempos,
nomeadamente, as derivadas dos processos digitais,
ver Teixeira (2001).
6
às operações que originassem alterações ao
texto original, seja por substituição ou até
eliminação. Os programas disponibilizavam
assim estilos de interacção orientados por
menus, e sequências de operações que
era necessário cumprir sequencialmente.
Para os comandos disponíveis, o sistema
perguntava sistematicamente se a operação
desencadeada se confirmava. Os utilizadores
mantinham-se sempre obrigados a uma
lógica de permanente “passo-a-passo” por
mais que desenvolvessem as suas capacidades de interacção ou as suas capacidades de
escrita com esta nova tecnologia. O modelo
subjacente foi o da secretária/dactilógrafa
inexperiente, hesitante, capaz de cometer
erros graves e, quem sabe, comprometer o
texto original.
3.2 Nos programas de processamento
de texto do segundo grupo, os derivados
dos editores de texto, o utilizador alvo
e as correspondentes características da
interface-utilizador eram diferentes. Muito
embora, tenham sido programas inicialmente dirigidos aos próprios programadores
(os que utilizavam editores de texto), muitas
vezes homens, mas muitas vezes também
mulheres (Schiebinger, 1999:57), no sentido
de optimizarem as suas necessidades de
escrita e de poder directo e imediato (interactivo) sobre o próprio texto, neste caso os
próprios programas informáticos, o certo é
que comercialmente se dirigiam a um tipo
sofisticado e profissional de utilizadores
(experience users). Orientados para facilitar
e incrementar a velocidade da dactilografia,
os estilos de interacção dominantes eram
as teclas de controle, fáceis e rápidas de
activar ao correr do próprio processo de
escrita, “ao corrrer” das teclas necessárias
Graça Rocha Simões
à “escrita”. Estes programas eram muito
pouco auto-explicativos e difíceis de utilizar
(muitos de nós ainda se lembrarão do écran
negro de abertura do Wordperfect) e, em
muitos casos, obrigavam a um curso intensivo de aprendizagem anterior à utilização.
O modelo-utilizador subjacente era o da
secretária profissional altamente especializada, e de confiança.
3.3 Passemos agora ao caso do terceiro
tipo de programas de processamento de texto
com a interface gráfica do computador Xerox
Star, que veio mais tarde a desenvolver-se na
interface dos Apple/MacIntosh.11
O grupo alvo foi inicialmente o dos gestores e knowledge workers, essencialmente homens, “que no futuro não só não teriam secretárias como nem tempo e desejo de estudar as idiossincrasias de sistemas operativos
e de programas de processsamento de texto
complicados” (Hofmann,1999:235).
O núcleo essencial das funcionalidades
dos sistemas de processamento de texto já
disponíveis, e que rapidamente referimos
acima, parecia completamente desadequado
a este novo tipo de utilizadores. Este tipo de
utilizadores não era profissionalmente hábil
na dactilografia, nem tinha de ser. O essencial do seu trabalho era o texto em si mesmo.
As funcionalidades requeridas: a facilidade
de apagar, de substituir, o “cose-e costura”,
inserção de notas finais ou de rodapé, consulta/ligação a outros textos ou documentos, visionamento de referências textuais diversas em simultâneo, organização de informação, etc. Foi neste contexto que surgiu
11
Sobre a metáfora da secretária, ver o excelente
artigo do novelista e designer de software Rob Swigart (1994).
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a metáfora da “secretária” para a interfaceutilizador e foi, simultânea e curiosamente,
em torno das necessidades deste grupo-alvo
e deste modelo-utilizador, que o conceito de
usabilidade se desenvolveu.
4
Ponto de chegada; ponto de
fuga
Naturalmente que não reconhecemos hoje na
interface gráfica de processamento de texto
mais comumente utilizada características nas
opções de design que denotem aprioris de
género nos modelos utilizador e tarefa nela
imbuídos. Reconhecemos sim características que consideramos mais ou menos adequadas ao tipo de texto e ao tipo de escrita
que cada utilizador pretende efectuar. Uma
das críticas mais referida é, por exemplo, a
que se refere à falta de compatibilidade entre as funcionalidades destes programas e as
necessidades de produção de um texto científico que incluem a dactilografia de fórmulas
científicas, a inserção de notas de rodapé ou
de fim de texto, a permanente interacção com
bases de dados bibliográficas e tratamento
de bibliografia. Hoje também o acesso online a informação disponível nas redes, bem
como o seu processamento. Ben Shneiderman, uma das maiores autoridades no design
de interfaces-utilizador exprimiu muito claramente este tipo de dificuldades: “ A clever
design for one community of users may be
inapropriate for another community. An efficient design for one class of tasks may be
inefficient for another class” (1992:12)12 .
12
Ben Shneiderman é professor na Universidade de Maryland no departamento de computação
e foi fundador e director de um dos mais importantes institutos que se dedica à investigação em
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7
Apesar de no contexto de interacção cibermediado referido diferenças de género não
serem já visíveis, é um facto inquestionável que para um outro contexto igualmente
muito estudado, o dos jogos electrónicos, estas são evidentes. E não nos referimos apenas aos estereótipos “homem” e “mulher”
que dão corpo aos personagens dos jogos,
mas também aos próprios estilos de interacção disponibilizados. Shneiderman diz que
“as mulheres jogam qualquer tipo de jogo,
mas preferem Pacman e as suas variantes”
e acrescenta “Dispomos somente de especulações sobre as razões desta preferência.”
(1992:25)13
Sendo certo que os responsáveis pelo desenvolvimento de software criam modelos da
realidade a partir da realidade e que se podem tornar a própria realidade, e que assunções sobre as diferenças de género estão claramente incluídas, imbuídas, nos sistemas cibermediados e participam simultaneamente
no processo de formação da distinção entre géneros (Hofmann, 1999:233), estamos
(ainda) mais seguros de que a reflexão distanciada sobre os mecanismos das interacções mediadas por computadores e redes é
incontornável. Não apenas porque, no sentido de Polanyi, a tecnologia ensina a acção,
mas também porque é parte activa da permaHCI , o Human-Computer Interaction Laboratory
www.cs.umd.edu/hcil. A sua obra maior Designing
the User Interface de 1987, foi objecto de uma terceira edição actualizada em 1998.
13
Pacman é uma figurinha simpática amarela, só
boca e com apetite devorador. O jogo na sua primeira
versão foi criado em 1980 por Moru Iwatani, com a
intenção de produzir um jogo de arcade que parecesse
sobretudo um cartoon “atractivo tanto para mulheres
como para homens”. Para uma breve história deste
jogo, ver Hunter. Sobre jogos electrónicos e as suas
“duas vozes”, ver Rosa (2000:163-167).
8
Graça Rocha Simões
nente reconfiguração/configuração do que de
mais profundo existe na experiência humana.
5
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